UMA FAMÍLIA ITUANA DE COMERCIANTES ATRAVÉS DE

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UMA FAMÍLIA ITUANA DE COMERCIANTES ATRAVÉS DE
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UMA FAMÍLIA ITUANA DE COMERCIANTES ATRAVÉS DE SÉCULOS
Por Manoel Valente Barbas – recebido de Cidinha Carramenha em 03fevereiro2011, por
correio eletrônico
Manoel Valente Barbas colaborou para a edição do livro Itu, quatro séculos de
comércio, Capítulo IV. No tempo do Império (1830 – 1890), a partir de páginas 34, de
Edgar Silveira e Luís Roberto de Francisco, lançado em 04dez2010, no Auditório do
SINCOMÉRCIO (Sindicato do Comércio Varejista) de Itu-SP, SINCOMÉRCIO e
SESCSP.
O conteúdo deste texto, portanto, não é inédito, mas é tão bem redigido, tão “saboroso”
de se ler, uma lição de levantamento genealógico, que fiz questão de transformá-lo em
um documento, extensão “pdf”, para inserir em meu blog, com a devida autorização do
autor.
Itu, 12 de março de 2011.
Uma antiga prática adotada em Itu, consciente ou inconscientemente, era a de
que um português, muito jovem, vinha para o Brasil recomendado para trabalhar com
algum patrício já aqui estabelecido. Após muitos anos de labuta, adquirida experiência
no Comércio, economizava algum capital, ou mesmo era financiado por seus patrícios,
estabelecia-se por conta própria e depois se casava com uma jovem da terra. Assim
formavam-se cadeias de comerciantes aparentados. Tornavam-se respeitados, inseridos
na sociedade local, com cargos na política e nas Milícias. Uma de suas filhas casava-se
com um novo jovem português e assim por diante. A seguir, descreve-se uma das
cadeias mais longas de comerciantes da história de Itu, SP, de cidadãos produtivos e
representativa da sociedade ituana.
ANTÔNIO VIEIRA ANTUNES iniciou esta cadeia em Itu, no século XVII. Sabe-se
de sua existência pelos documentos que falam a seu respeito. Foi casado com Lucrecia
Leme Pedroso, filha de Pedro Vaz de Barros (também conhecido como Vaz Guaçu),
fundador de São Roque, SP. Nas contas do inventário desta Lucrecia Leme (1.706)
aparecem duas notas promissórias passadas a rogo de Antônio (que não sabia escrever),
datadas, ambas, de 1.703. Depreende-se destas que ele possuía propriedades rurais em
Itu e levava mercadorias (certamente produtos agrícolas e outros) para vender nas minas
de ouro de Cataguases, MG. Estes compromissos eram de quem iria partir para as minas
e tratavam de compra de arma (escopeta) e empréstimo em dinheiro, prometendo pagar
em ouro em pó, quando voltasse. Há também, no citado inventário, recibos, assinados
por Antônio, de vestes (4 calções de serafina) e fios de corais que recebeu em comodato
para vender nas minas. Esse Antônio Vieira Antunes era natural da Vila de São
Quinhedo, Portugal e fugira da família para tentar a vida em Lisboa e de lá veio para o
Brasil. Mostra, com isto, seu espírito aventureiro e empreendedor. Itu passava nessa
época (fins do século XVII e começo do XVIII) por uma fase de grande progresso:
possuía cerca de 700 fogos, tratava de regularizar os Serviços de Justiça e propunha
para a Vila a instalação de uma Ouvidoria; inaugurava-se a igreja de São Luiz Tolosa
(do convento Franciscano), possuía cinco Confrarias e Irmandades e rivalizava-se
mesmo com São Paulo, capital da Província. Antônio Vieira Antunes teve de sua
mulher quatro filhos. Sua filha, Maria Francisca Vieira, veio a se casar com João da
Costa Aranha, figura de destaque no comércio e sociedade ituana do século XVIII.
JOÃO DA COSTA ARANHA nasceu em 1.692, em São João da Foz, da cidade e
bispado do Porto, Portugal. Casou-se em Itu, em 1.715, com a citada Maria Francisca
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Vieira. Devido à sua localização geográfica estratégica, nas proximidades do primeiro
porto fluvial do rio Tietê, para quem fosse ao sertão, a Vila de Itu teve participação
preponderante nos principais fatos históricos da Capitania de São Paulo, no século
XVIII, época da descoberta do ouro em Mato Grosso. A família Aranha dedicava-se ao
comércio, produção rural e influente participação no governo, em cargos junto à
Milícia, à Câmara, ao Clero e outros da administração local da Vila. Como sempre foi
costume nessa região, como já dito, vinha o jovem português, empregava-se como
aprendiz no estabelecimento de algum patrício, adquiria experiência e algum capital e se
estabelecia por conta própria. Casava-se com uma moça da terra e ia construindo o seu
próprio lugar na sociedade, com honestidade, trabalho, dedicação e respeito. João da
Costa Aranha firmou-se no ramo dos negócios e de lavoura. Certamente ficava na Vila
de Itu, fornecendo mercadorias para os que procuravam garantir a sobrevivência ao
partir para as minas de Mato Grosso. E, para os que vinham abastados dessas minas,
ávidos por aliviar-se das privações provocadas por anos de ausência e carência. Além de
comerciante, foi Vereador, Almotacé (funcionário responsável pelo abastecimento,
fiscal de pesos e medidas e obras, limpeza e manutenção), Alferes e Capitão das
Ordenanças, “dizimeiro”, que em outras palavras era o cobrador de dízima, um imposto
de 10% sobre a renda da pessoa. Em 1.763, com 71 anos de idade, aparece como
tesoureiro e zelador da Igreja do Bom Jesus, em Itu. Como visse que esse templo
ameaça ruína e necessitasse de obras urgentes, tratou, às suas próprias custas, da
reedificação desta Igreja. Este histórico templo ficou sob a proteção da família Aranha
por mais de 60 anos, até a morte, em 1.825, do Capitão-Mor de Itu, Vicente da Costa
Taques e Aranha, filho do segundo casamento de João da Costa Aranha. Do seu
primeiro casamento, com Maria Francisca Vieira, teve sete filhos, entre os quais, Maria
Francisca Vieira (segunda deste nome), batizada em 1.722, que veio a se casar com
Francisco Novaes de Magalhães.
FRANCISCO NOVAES DE MAGALHÃES nasceu na Freguesia de Santa Maria de
Ribeiros, Montelongos, Comarca de Guimarães. No primeiro recenseamento havido em
terras paulistas, em 1.765, por ordem do capitão General da Capitania, Luiz Antônio de
Souza Botelho, Francisco Novaes é declarado viver de seu negócio de “fazendas secas”
e possuir 20:000$000. É de se notar que em toda Vila de Itu não havia fortuna maior
que a dele, pois a do Capitão Mor de então (Salvador Jorge Velho) era de 2:400$000; a
do Sargento Mor (João de Souza Roiz), 4:000$000 e a de Antônio Pacheco e Silva,
patriarca ituano, posteriormente, por muitos anos também Sargento Mor, um dos
homens mais poderosos do lugar, com descendência até hoje de destaque na sociedade
local, 2:000$000. Já no recenseamento do ano seguinte, 1.766, há uma disparidade nos
valores das fortunas possuídas pelas principais figuras da Vila, embora permaneça a
posição relativa das mesmas, a saber: Francisco Novaes de Magalhães: 45:000$000;
Salvador Jorge Velho: 10:000$000; Antônio Pacheco e Silva: 5:000$000. Francisco
Novaes de Magalhães faleceu em Itu, em 1.785, com 65 anos. Já no ano seguinte, Maria
Francisca Vieira, viúva de Francisco Novaes, aparece assinando um contrato para a
douração da Igreja Matriz de Itu (templo este inaugurado em 1.780), pelo valor de
6:000$000. Foram testemunhas da assinatura do documento os irmãos de Maria
Francisca Vieira, o Capitão Mor Vicente da Costa Taques Goes e Aranha e o padre
vigário da Matriz, Manoel da Costa Aranha. Esse documento existente no Arquivo
Central da comarca de Itu, preservado no Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu
(MAHMI) atesta a situação privilegiada econômica e socialmente da família aqui
tratada. O casal Francisco Novaes e Maria Francisca teve seis filhos entre os quais Ana
Novaes de Magalhães que se casou com Francisco Xavier de Azevedo.
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FRANCISCO XAVIER DE AZEVEDO nasceu em 1.732, na Freguesia de Santa
Maria de Palmeira, do termo de Braga, Portugal. Em 1.773, em Itu, Francisco Xavier,
então Tenente das Ordenanças, recebe uma Carta de Sesmaria de “uns campos e
faxinais no distrito da Vila de Faxina”. Em 1.774, recebe do Morgado de Mateus,
Capitão General da Capitania, a patente de Capitão das Ordenanças; em 1.779, concorre
com o tio de sua mulher, Vicente da Costa Taques Goes e Aranha, na eleição para
Capitão Mor da Vila, tendo sido eleito o seu oponente. Ainda no recenseamento de
1.766, com 30 anos de idade, Francisco Xavier aparece possuindo 4:000$000, bens
imóveis e vivendo do negócio. E no recenseamento de 1.801, ele com 69 anos, já viúvo,
Capitão Reformado de Infantaria de Milícias, senhor de engenho, fez 250 arrobas de
açúcar alvo; 80, de mascavo e 40 de médio; 5 caixas de azeite; planta mantimentos para
o seu gasto; colheu 30 alqueires de mandioca; 6 arrobas de goma que se vende nesta
Vila. Vê-se assim testemunhadas as atividades agrícolas e comerciais de Francisco
Xavier que teve, entre outros filhos, a Ana Maria Novaes de Magalhães que veio a se
casar com Caetano José Portela.
CAETANO JOSÉ PORTELA era natural de Lisboa, Portugal. No recenseamento de
1.790, aparece em Itu, aos 30 anos de idade, como Alferes. Em 1.811, tão respeitado era
na cidade que quando houve uma subscrição para resgate de portugueses cativos dos
mouros em Argel, África, foi escolhido para levar à capital os valores arrecadados.
Francisco Nardy Filho, notável cronista ituano, cita Caetano José Portela em sua obra
“A Cidade de ITU”, várias vezes. Confirma o que dissemos no início desta narrativa,
dizendo que ele veio de Portugal muito jovem, recomendado para trabalhar para
Francisco Novaes de Magalhães, avô da que se tornou sua esposa. Que fora conhecido
também por Caetano Novaes Portela, tal era a sua identificação com a família de seu
protetor. Diz, também, que Caetano José foi Juiz Ordinário (Presidente da Câmara de
Vereadores), no ano de 1.816 e que, “em 1.808, encontrando-se em ruínas o
sobradinho do Senado da Câmara de Itu, esta vendeu-a, bem como o terreno anexo,
ao Capitão Caetano José Portela.....”. Mas o mais importante, conta que, ao falecer
esse comerciante, movido por seu altruísmo, deixou em testamento a quantia de 40
contos de réis para o início da construção de uma Santa Casa de Misericórdia, ponto de
partida do estabelecimento dessa respeitável instituição hospitalar de Itu. É comovente
perceber que esses comerciantes portugueses, ao lado de seu labor comercial, exerciam
uma participação efetiva na caridade e no bem estar social da cidade. Até o dia de hoje
existe, em Itu, o sítio Portela, com sua velha casa, remanescente de uma época histórica
da cidade. Caetano José Portela teve de sua mulher 5 filhos, entre os quais Leocádia
Rita Portela que veio a se casar com Domingos Monteiro de Carvalho.
DOMINGOS MONTEIRO DE CARVALHO, português, do Arcebispado de Braga.
No recenseamento de 1.852, ele, com 62 anos, aparece em Itu como lavrador e no
recenseamento de 1.855, como capitalista. É interessante como esses documentos
oficiais intitulam a ocupação dos cidadãos. Esses portugueses, após lutarem para
conseguir sua posição no comércio e na sociedade, adquiriam terras para produzirem o
que vendiam, obtinham posições oficiais na cidade, e com o dinheiro que ganhavam
emprestavam dinheiro a juros, tornando-se assim capitalistas. Pelas anotações que
obtivemos no Arquivo do Estado de São Paulo, Leocádia Rita Portela possuía muitas
terras em Itu, tais como a Chácara Itahim, uma sorte de terras no Pirapitingui, e outras
próximas à estrada de Sorocaba. Mostra que ela foi beneficiária dos haveres de seu pai e
de seu marido. É importante de se notar que, à medida que o histórico familiar se
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aproxima do presente, as informações sobre as pessoas, principalmente as comerciais,
vão rareando nas anotações oficiais, mas permanecem na memória da família. É o que
acontece com Domingos Monteiro de Carvalho que foi comerciante de destaque em Itu,
sabedores que somos por sermos seus descendentes, mas sem grandes anotações sobre
este fato nos Arquivos Históricos. Somente Francisco Nardy Filho, na pág. 240, do IVº
volume de sua “A Cidade de Itu”, conta: ”Mais tarde vendeu a Câmara as Casinhas
da esquina da rua do Comércio aos irmãos Monteiro, portugueses, que as demoliram,
construindo aí um prédio, onde estabeleceram uma casa de negócios”. E mais além,
diz: “O próprio prédio construído pelos irmãos Monteiro foi demolido”. Domingos
Monteiro de Carvalho que faleceu, em Itu, em 1.856, teve 8 filhos, entre as quais Ana
Carolina e Maria Carolina Monteiro de Carvalho, casadas com dois irmãos portugueses,
Miguel Luiz da Silva (o Miguel Paraíso) e Manoel Joaquim da Silva (o Maneco
Pecado). Ana Carolina e Miguel Luiz não tiveram geração; apesar de próspero
comerciante, deixamos de numerá-lo nesta cadeia familiar.
MANOEL JOAQUIM DA SILVA (o Maneco Pecado), nascido em 1.830, na Vila de
Ponte de Lima, Província do Minho, Portugal. O já citado autor do livro em quatro
volumes, ”A Cidade de Itu”, Francisco Nardy Filho, quando trata dos portugueses que
viviam em Itu, na segunda metade do século XIX, cita os dois irmãos Silva como
capitalistas, acrescentado que Manoel Joaquim tinha loja de fazendas na rua do
Comércio (atual Floriano Peixoto), esquina do Largo Bom Jesus. Aliás, Manoel
Joaquim morava, no fim do século XIX, no número 480, da mesma rua do Comércio
(Floriano Peixoto), em casa hoje pertencente ao Luís Roberto De Francisco, o que pode
ser constatado pela bandeira da porta, em ferro batido, com as iniciais MJS, da qual
fazemos constar um desenho abaixo deste relato. Também era de propriedade de
Manoel Joaquim uma série de casas da citada rua do Comércio, do lado esquerdo de
quem desce, logo após a Praça Padre Anchieta, vizinhas a de sua moradia. Foi
proprietário de uma fábrica de produtos de cerâmica, onde produzia telhas e tijolos., dos
quais possuímos uma unidade, com as iniciais do fabricante, como reproduzimos
abaixo deste relato. Manoel Joaquim da Silva (o Maneco Pecado) e sua mulher Maria
Carolina (com retratos abaixo) tiveram um casal de filhos, dos quais destacamos
Manoel Joaquim da Silva Júnior que segue.
MANOEL JOAQUIM DA SILVA JÚNIOR nasceu em Itu, em 1.861. Foi capitalista.
É o que testemunha o “Almanach Histórico – Biográfico e Indicativo da Comarca de Itu
para o ano de 1.910”, quando diz à pag. 41: Manoel Joaquim da Silva Júnior, lavrador
de café e à pág. 42, Capitalista. Foi também grande proprietário de imóveis, como
testemunha o inventário de sua esposa, primeira a falecer (1.938), no qual consta a
partilha de todos os bens do casal, constando de mais de 40 propriedades em Itu e
Itapetininga, entre casas, chácara, sítio, terrenos etc. Foi benemérito subscritor em favor
da construção do novo edifício do Asilo de Mendicidade de Itu, por volta de 1.923,
conforme cita Francisco Nardy Filho, na “Cidade de Itu”, pág.173, Vol.I.
Emprestou/financiou obras públicas, das quais nunca recebeu do governo pagamento de
volta, como se constata de seu inventário, de 1.942, que no seu item:”Dívidas Ativas”
cita: O espólio é credor da Fazenda Nacional, pelo Departamento do Ministério da
Guerra, da quantia de seis contos de réis, por fornecimento de mercadorias feito ao 4º
regimento de Artilharias Montada de Itu, no ano de 1.924. E mais: No Arquivo do
Museu Republicano de Itu, pastas do 1º Ofício, 1.913, 09-187C, “Protesto”, envolvidos:
Manoel Joaquim da Silva Júnior e Câmara Municipal de Itu, o primeiro tenta reverter
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uma dívida dessa Câmara, devido a empréstimo, a pagamento de impostos devidos por
ele, o que foi negado, como transação imprópria (não prevista por lei). Mais um
empréstimo não honrado pelo Poder Público. Segundo testemunho oral familiar e de
outras testemunhas, Manoel Joaquim da Silva Júnior foi o primeiro cidadão ituano (no
início do século XX) a possuir automóvel, um Ford importado, que causou grande furor
e cortejo popular quando desembarcou na estação [ferroviária] da cidade. Teve de sua
mulher e prima, Victalina Monteiro de Carvalho, três filhos, dos quais se destaca a
Farmacêutica Anna Maria Monteiro da Silva que veio a se casar com João Valente
Barbas.
JOÃO VALENTE BARBAS que pertence a outra família portuguesa de comerciantes
que exerceram as suas atividades em Itu, SP e que vai tratada à parte, em outro
depoimento.
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A FAMÍLIA VALENTE BARBAS E O COMÉRCIO DE ITU
A Família VALENTE BARBAS teve origem, no final do século XVII, em
Portugal, no lugarejo de Pardilhó, junto a. foz do Rio Vouga, no Atlântico, um dos
lugares mais pitorescos e menos divulgados daquele país. Localiza-se a 300 km ao norte
de Lisboa, entre Coimbra e o Porto, na chamada Província da Beira Litoral, cuja capital
é a secular e cristalizada cidade de Aveiro. Aliás, toda a região está também cristalizada,
em decorrência da herança secular de tradições, de um lado, e, de outro, da ausência de
perspectivas, com suas atividades repetidas mecanicamente, ocupando uma
numericamente limitada mão-de-obra, razão esta para a emigração dos excedentes
populacionais. A cidadezinha de Pardilhó não é servida pela Estrada de Ferro LisboaPorto, que passa a alguns quilômetros de distância.
Por volta do fim da década de trinta, do século XIX, Francisco Valente Barbas,
ao se casar com uma jovem da cidade de Ovar, mudou-se de Pardilhó para essa cidade e
ali constituiu família. Ovar é servida pela ferrovia Lisboa-Porto. Tem maior porte que
Pardilhó e mais perspectiva de progresso, devido a sua localização.
Foi o ramo ovarense da família, dedicado ao comércio, que se deslocou para o
Brasil, vindo primeiramente para a cidade de Itu, SP, na segunda metade do século XIX.
Não há registro nem informações do porquê da escolha. Itu era então uma das principais
cidades da Província, impulsionada pelo café. Em 1873, ano da famosa "Convenção
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Republicana de Itu", João Valente Barbas Ovarense (filho de Francisco, citado acima) já
estava estabelecido na cidade como "negociante de molhados e gêneros do país",
conforme atesta o “Almanak da Província de São Paulo”, publicação da Imprensa.
Oficial do Estado de São Paulo. Algum tempo depois, vieram os seus dois irmãos
Manoel e Jacintho Valente Barbas Ovarense. Note-se que o aposto Ovarense, só
adotado pelos três irmãos, o foi para diferenciá-los de primos de prenomes semelhantes,
do ramo da família que ficara em Pardilhó. Este aposto foi abandonado pelos
descendentes brasileiros por já não haver razão de ser. Aliás, o Barbas também foi
abandonado por grande parte da família, permanecendo o Valente como o seu
patronímico geral.
João Valente Ovarense era viúvo, sem filhos, não tendo família, portanto, que o
prendesse a Portugal. Manoel Valente Barbas Ovarense era casado em sua terra e não se
estabeleceu em Itu com casa comercial. Vinha para cá , ficava algum tempo trabalhando
com o irmão e voltava de vez em quando para Portugal. Mas os seus três filhos,
Francisco, José Maria e João, quando atingiram a adolescência, vieram para o Brasil, se
radicando aqui. Jacintho Valente Barbas Ovarense veio ainda muito jovem para Itu, ali
desenvolvendo as suas habilidades comerciais. Casou-se com Carlota, uma filha da
terra, da família Almeida Prado e aqui se estabeleceu.
JACINTHO VALENTE BARBAS OVARENSE foi um próspero comerciante de Itu.
Primeiramente, como ensina Francisco Nardy Filho em sua obra “A Cidade de Itu”,
Vol. IV, pág.226, estabeleceu-se com uma loja na rua do Comércio (atual rua Floriano
Peixoto) chamada “Casa Verde”, mas achando que o nome não era próprio pois
somente as portas tinham essa cor, mudou-o para “O corredor da Vitória”. Em 1.890,
construiu um sobrado na esquina do Largo da Matriz (atual Praça Padre Miguel) com a
rua Paula Souza, onde estabeleceu a “Loja Valente”. Tal edifício tem a aparência de um
chalé alemão, com beirais do telhado bordejados de filigranas em ferro fundido (ver
imagem abaixo). Pela posição e dimensões do prédio, tornou-se a mais importante loja
de Itu, na época. Essa construção até hoje faz fundo à Praça principal da cidade. Com
dois pavimentos, além das portas da loja, possui duas outras portas, encimadas por
bandeiras de ferro batido: a que dá para a praça traz a data de 1.890, da construção do
prédio. A que dá para a rua Paula Souza tem as iniciais do dono: JVB, bandeira esta que
ilustramos abaixo. Jacintho gostava de dar publicidade ao seu negócio. Temos vários
exemplos disso. Um panfleto que acaba de chegar às nossas mãos, por intermédio de
Luís Roberto De Francisco, é bem exemplo do esforço publicitário do lojista. Oferece
toda sorte de artigos de vestimentas e proteção contra frio e chuva, como chalinhos de
malha, cobertores, flanelas, paletós de casimira e casimiras para fazer “waterproof”, o
que nos deixa surpresos pelo termo inglês na época e pelo enigma de se fazer
vestimenta a prova de água com tecido! E termina o panfleto com uma frase
curiosíssima, de entendimento difícil: “Não mencionamos preços e nem ao menos
dizemos que vendemos barato, pois que, como todos sabem, há fazendas para todos os
preços, e a estipularmos estes, seria dar causa a sairmos de nosso sistema que é
seriedade para assim podermos ver dia a dia aumentar nossas vendas” (ver abaixo,
cópia de tal panfleto). Outra peça publicitária da “Loja Valente” que temos em mãos, do
início do século vinte, bastante moderna para a época, é uma nota de dinheiro (com
forte dizer estampado de que é falsa, para não causar dúvida ao cliente; ver cópia
abaixo). Para nossa surpresa, o Jornal “Diário de São Paulo”, de 20 de março de 2.003,
pág. 10, em sua seção “há cem anos” reproduz uma notícia do “Diário Popular” de 20
de março de 1.903, que fazemos constar abaixo, que mostra como era criativo e
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dinâmico esse Jacintho Valente. Diz que ele, naquele início de século XX, estava
refinando sal, por um sistema de sua invenção, a preço mais baixo que o mercado.
Acreditamos que por ter salinas na região em que nascera, em Portugal, trazia na mente
as práticas do processamento do sal, para torná-lo comestível. Outra atividade a que se
dedicou foi a comercialização de pedras para o calçamentos das vias públicas, tanto de
Itu como das cidades vizinhas. Prova disso é a correspondência que estampamos abaixo,
inclusive um cartão publicitário que dá como sua propriedade uma pedreira que se
supõe ser a de varvito, historicamente famosa em Itu. Com tudo isso, infelizmente, no
“Almanach Histórico–Geográfico e Indicativo da Comarca de Itu”, para o ano de 1.910,
na parte final, onde se exibem diversos anúncios das casas comerciais de Itu, aparece
uma propaganda de página inteira da “Casa Valente”, mas então de propriedade de
Antônio Ferreira Dias. É que após um revés comercial, tendo Jacintho Valente perdido
grande parte de sua fortuna, mudou-se para São Paulo, SP, com a segunda esposa e
filhos, passando a propriedade de sua loja ao seu sócio, de nome acima citado. Penou
muito, ele e sua família, na capital do Estado; tornou-se escrivão de um cartório do
bairro da Lapa para sobreviver na cidade grande. Dos seus três filhos, do primeiro
casamento, somente o mais moço, João Valente de Almeida, dedicou-se ao comércio,
segundo informações familiares, no ramo de carnes. Os filhos deste, netos de Jacintho,
em número de seis, se tornaram figuras de destaque na sociedade ituana. O mais velho,
Olavo Valente de Almeida, formado em Farmácia, foi Professor de Ciências no Colégio
Estadual de Itu e, ao morrer, deu nome a uma Biblioteca na Cidade. Ao passo que o
filho mais moço, também João Valente de Almeida, professor, dedica-se ao comércio:
tem a “Papelaria Valente”, na rua do Patrocínio, em Itu. E para arrematar, como digno
sucessor de Jacintho Valente Barbas, seu sobrinho, filho de seu irmão João Valente
Barbas Ovarense, também chamado de João Valente Barbas, continuou a tradição, na
cadeia comercial da família, como mostrado a seguir.
JOÃO VALENTE BARBAS nasceu em Ovar, Distrito de Aveiro, Província da BeiraLitoral, Portugal. Veio para Itu com 13 anos, em 1.895, para trabalhar na loja de seu tio
Jacintho Valente Barbas Ovarense. Após adquirir experiência e um certo capital,
associou-se, na primeira dezena do século XX a outro comerciante, Alberto Almeida
Gomes, fundando a “Casa Alberto”, localizada no Largo da Matriz (atual Praça Padre
Miguel), na esquina da rua Sete de Setembro, em lugar privilegiado, por ficar vis-a-vis
com a Igreja Nossa Senhora da Candelária, Matriz da Cidade. O prédio do
estabelecimento comercial, de propriedade dos sócios, já não existente, era histórico,
pois ali funcionara a Prefeitura Municipal da Cidade. Na primeira década do século XX,
após reforma, a “Casa Alberto” instalou-se ali, no andar térreo do prédio; no andar
superior, foi instalado o salão do “Clube São Pedro”, dos funcionários da tecelagem do
mesmo nome (ver foto abaixo, da época em que era sede da Prefeitura local). No
“Almanach Histórico–Geográgico e Indicativo da Comarca de Itu”, para o ano de 1.910,
João Valente Barbas aparece na pág.41 como capitalista e na pág.48 como proprietário
de Casa de Secos e Molhados. Na verdade, a “Casa Alberto” era especializada em
gêneros do País, tais como fazendas, calçados e armarinho. Temos, mesmo, ainda hoje,
em nosso escritório, um quadro, contendo um calendário (de 64x48cms) do ano de
1.913 que fora distribuído, como propaganda da “Casa Alberto”. Lista toda a sorte de
estoques que a loja oferecia aos compradores. E não deixa de ter senso de humor, com
tiradas como: “Felizes os que entram; venturosos os que saem” ou, embaixo dos
calendários mensais, uma espécie de horóscopo do período, vaticinando, ironicamente,
que quem não comprar na “Casa Alberto” não será ditoso na vida. Após um grande
sucesso comercial, por volta de 1.924, João Valente Barbas desfez a sociedade com o
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seu sócio e munido de seu capital veio tentar a sorte com sua mulher e filha na Capital
do Estado. Aqui, como capitalista, aplicou os seus recursos em diversos negócios, Na
década de trinta, formou uma firma de abertura de estradas de rodagem para o Governo,
com mais dois sócios, sendo um deles engenheiro. Passou, no começo da década de 40
para a retificação da Estrada de Ferro Central do Brasil. Faleceu, precocemente, com 64
anos, em 1.946. Foi casado com a farmacêutica Anna Maria Monteiro da Silva, filha de
Manoel Joaquim da Silva Júnior (Manequinho Pecado), de uma família de velhos
comerciantes de Itu. De seus seis filhos (5 nascidos na Capital), nenhum deles dedicouse ao Comércio (professoras, médico, engenheiro, enfermeira de saúde pública,
assistente social). Encerrou-se, pois, com ele, a cadeia comercial, neste ramo da família
Valente Barbas.
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Recado de Manoel Valente Barbas para Maria Aparecida Carramenha e Costa,
ao enviar esse relato genealógico a ela:
“Cida: Também fiquei curioso sobre a parte da sua árvore genealógica,
advinda do Anhanguera. Se você souber mais informações do antepassado dessa
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avó, me informe. Você sabe que eu deslindei a árvore genealógica da mãe da avó
Vitalina, de uma simples informação. Um dia minha mãe disse displicentemente: "Sabe
que, no começo do século [XX], um estudioso de genealogia esteve em Itu e
Itapetininga perguntando sobre as famílias antigas e colocou essas informações em
um livro que estava escrevendo sobre isso? Consta que nossos antepassados estão
lá”. Eu perguntei o nome da avó da minha mãe e ela disse: "Anna Constança de
Souza Nogueira". Fui à Biblioteca Municipal e falei para uma atendente já bastante
velha no cargo sobre livros de genealogia. Ela indicou o melhor e mais completo deles
que é o do Silva Leme. Procurei ali o nome de nossa avó-velha pelo sobrenome Souza
Nogueira. Não deu outra; achei a nossa família. Aí começou a minha mania de
Genealogia. Eu tinha 14 anos, em 1.944. Um abraço, Maneco”.
Victalina, “Manequinho Pecado”, Anna Maria Monteiro da Silva [Loló]:
bisavós e tia-avó de Cidinha Carramenha; foto enviada por Cidinha Carramenha,
por meio de correio eletrônico.