Começo saudável: o primeiro mês de vida
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Começo saudável: o primeiro mês de vida
WaterAid/Chileshe Chanda Começo saudável: o primeiro mês de vida 2 Assegurar que todas as crianças conseguem a água, o saneamento e a higiene de que necessitam 1 Autor: WaterAid/Eliza Deacon 2 Introdução Trazer uma vida nova ao mundo deveria ser um momento de amor e esperança para mãe e bebé, onde quer que vivam. Mas, em todo o mundo, um em cada 50 partos acaba num grande desgosto para os pais, uma vez que o precioso filho, ou filha, recém-nascido, irá morrer antes de ter um mês de idade. Em 2014, mais de 2,7 milhões de bebés morreram nas primeiras quatro semanas de vida. Este é principalmente um problema do mundo em desenvolvimento – mais de 99% das mortes de recém-nascidos ocorrem nos países de rendimentos baixos ou médios.1 Este enorme desperdício de vidas e de potencial não se deve, em grande parte, à ausência de sistemas de saúde caros e intensivos disponíveis para os bebés doentes no mundo desenvolvido. Calcula-se que em sete de cada dez casos, as vidas destes bebés poderiam ter sido salvas com procedimentos médicos simples e baratos.2 Tragicamente, se cada um em cinco bebés que morrem no primeiro mês de vida no mundo em desenvolvimento, tivessem sido lavados com água limpa, e tivessem recebido cuidados num ambiente limpo por pessoas que tinham lavado as mãos, estas mortes prematuras teriam sido evitadas.3 No ano passado, morreram quatro bebés cada cinco minutos na África Subsariana ou no Sul da Ásia4 de causas perfeitamente evitáveis como sépsis, meningite ou tétano – todas doenças fortemente associadas a condições pouco higiénicas. A investigação demonstra que quando se garante que todos os bebés têm um começo saudável, o risco de contrair essas doenças diminui dramaticamente. É difícil imaginar que haja algum profissional de saúde, oficial de um departamento de saúde, ou ministro de saúde que não tenha conhecimento dos riscos de expor os bebés a infecções devido a condições de falta de limpeza durante o parto e a práticas de higiene inadequadas. E no entanto, as mulheres continuam a dar à luz em ambientes sem água limpa, sabão ou saneamento, com a ajuda de assistentes que não podem seguir, ou não o fazem, práticas de higiene básica. A ligação entre as mãos sujas, a água pouco limpa e a mortalidade infantil já são conhecidas há mais de 150 anos, por isso esta situação não está à espera de resposta, mas é em vez disso uma injustiça à espera de acção. No ano em que o mundo vai substituir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, é o momento de garantir que a próxima geração de crianças tem o melhor começo de vida possível – um começo saudável. 3 Começo saudável: o primeiro mês de vida O contexto O próximo ano será a culminação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. O Objectivo 4 é reduzir a mortalidade infantil em dois terços em relação ao nível de 1990. Este objectivo, ao ritmo actual do progresso, não será alcançado a nível global até 2028, segundo as projecções das Nações Unidas. Actualmente, somente duas regiões, a América Latina e a Ásia de Leste e o Pacífico alcançaram as reduções visadas. A nível global, a taxa de mortalidade para as crianças com menos de cinco anos diminuiu quase para metade - de 90 mortes por mil nadosvivos, para 48. Hoje em dia, irão morrer menos 17.000 crianças do que em 1990, e é encorajador ver que o ritmo actual de redução da taxa de mortalidade é a mais elevada em duas décadas. No entanto, uma em dez crianças na África Subsariana não irá chegar ao quinto ano de vida e mais de seis milhões de crianças ainda morrem todos os anos, principalmente de causas evitáveis. Proporcionar um começo saudável para os bebés As primeiras semanas são a fase mais vulnerável da vida de uma criança - ele ou ela tem 15 vezes mais probabilidade de morrer do que em qualquer outra altura no primeiro ano de vida.6 Na África Subsariana e no Sul da Ásia, cerca de uma em cada cinco mortes no primeiro mês de vida são causadas por sépsis, meningite e tétano.7 Nestas duas regiões, em 2013, estas doenças em conjunto mataram mais de 400.000 bebés recém-nascidos. Destes problemas, sépsis é o mais perigoso, causando18-20% das mortes de recém-nascidos.8 Nesses 80 países com taxas elevadas de mortalidade neonatal, que em conjunto representam quase nove de dez mortes a nível global, sépsis representa 40% das mortes neonatais tardias.11 Para poder infectar um ser humano, as bactérias necessitam de uma via de transmissão – um modo de passar de um ser humano para outro. A via de transmissão para estas três doenças está fortemente associada a condições e práticas pouco higiénicas durante o parto. É por esta razão que é tão crucial que os bebés tenham um Começo Saudável: começar a vida num ambiente higiénico e receber cuidados de modo seguro. 4 O progresso para reduzir a mortalidade neonatal tem sido lento, diminuindo apenas em um terço entre 1990 e 2012. Como resultado, os bebés que morrem no primeiro mês de vida representam agora 44% de todas as mortes de crianças com menos de cinco anos, em comparação com 37% em 1990. Calcula-se que ao ritmo actual do progresso para reduzir a taxa de mortalidade neonatal na África Subsariana, o risco de morte dentro das primeiras quatro semanas de vida em África irá corresponder ao risco actual nos países de rendimentos altos, em 2166.5 Este ano, as Nações Unidas irão decidir quais serão os sucessores dos ODMs, conhecidos como os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. A WaterAid pede um objectivo dedicado para a provisão de água e de saneamento para toda a gente, em todo o lado, até 2030. Sépsis Sépsis é uma condição grave geralmente causada por infecções bacterianas. As bactérias que causam sépsis neonatal são transmitidas pouco tempo antes, durante ou depois do parto. Podem ser transmitidas pelo sangue ou pela pele da mãe, ou através do canal de parto antes ou durante o parto, ou do meio ambiente durante ou depois do parto. A água limpa, o saneamento seguro e as práticas de higiene do pessoal de saúde e das mães nas instalações para o parto podem reduzir o risco de infecção em ambos os casos. Hábitos de limpeza e de lavagem de mãos durante o parto, e lavagem de mãos por parte dos profissionais de saúde depois do parto são necessários para reduzir o risco de sépsis. As infecções também podem ser facilmente transmitidas se se usarem instrumentos sujos para cortar o cordão umbilical, ou por superfícies contaminadas tais como camas, e outros objectos. Se não se conseguir assegurar que uma mulher tem um local limpo onde dar à luz, que a parteira, ou a pessoa que assiste ao parto, ou o médico, têm as mãos lavadas quando assistem ao parto e que a lâmina que separa a criança da mãe quando se corta o cordão umbilical está limpa, significa que o bebé corre risco de contrair sépsis. WaterAid Começo saudável: o primeiro mês de vida A dimensão do problema Mortalidade neonatal devido a infecções As taxas de morte devido a infecções neonatais variam através do mundo em desenvolvimento. Enquanto dois terços de todas as mortes de recémnascidos se devem somente a dez países (Tabela 1), a proporção de mortes causadas por infecções varia dentro desses países. Angola, por exemplo, é o local mais perigoso do mundo para se ser um bebé, onde todas as infecções representam quase 30% de todas as mortes neonatais. Apesar de a China ser um dos países com o maior número absoluto de mortes neonatais, a percentagem de mortes causadas por todas as infecções é ligeiramente superior a 10%. Tabela 1: Países com grandes números de mortes neonatais Países com os maiores números de mortes Taxa de mortalidade neonatal (números por 1.000 nados-vivos) Número de Mortes Número de recém-nascidos perdidos devido à sépsis/meningite/tétano9 Percentagem de mortes neonatais devido a sépsis/meningite/tétano Índia 29,2 758.143 122.554 16,4 Nigéria 37,4 261.549 51.749 19,8 Paquistão 42,0 193.718 43.412 22,0 7,7 143.268 5.476 3,7 RDC 38,2 104.604 19.509 18,6 Etiópia 27,5 84.437 17.240 20,4 Bangladesh 24,2 76.722 14.852 19,3 Indonésia 14,4 65.828 8.934 13,5 Angola 46,6 42.625 9.053 21,2 Quénia 26,3 39.596 7.499 18,9 China Estudo de Caso “Uma enfermaria para partos sem água é um perigo para a mãe das crianças recém-nascidas. Se um recém-nascido com um cordão fresco [cordão umbilical] for lavado usando água de poços pouco profundos ou água insegura, é provável que a criança contraia doenças como tétano neonatal ou WaterAid sépsis neonatal, que podem causar a morte da criança. Sabemos que deveríamos lavar as mãos cuidadosamente antes de ver outra paciente, mas o que podemos fazer numa situação em que não há água corrente? Ensinamos as futuras mães a manter bons padrões de higiene pessoal durante a gravidez, mas o problema surge quando nós, como profissionais de saúde, não conseguimos proporcionar um ambiente limpo e seguro para as mães parturirem.” WaterAid/Chileshe Chanda Mary Mwape, 39 anos de idade, é parteira no Hospital Missionário de Lubwe, no nordeste da Zâmbia. O hospital serve como centro de encaminhamento para a zona, apesar de não ter água e saneamento adequados. 5 Começo saudável: o primeiro mês de vida Na Serra Leoa, que tem uma das taxas de mortalidade neonatal mais elevada do mundo, em média, durante a vida, uma mulher em cada 21 terá perdido uma criança devido a uma infecção no primeiro mês de vida. O risco equivalente no Reino Unido é uma mulher em cada 7.518. Os países com taxas de mortalidade neonatal relativamente mais baixas também tendem a ter uma percentagem inferior de mortes devido a infecções. Nos países com uma taxa de mortalidade neonatal mais elevada, tipicamente entre um quarto e um terço dessas mortes devem-se a infecções evitáveis e tratáveis.10 Um bebé na África Subsariana tem 30 vezes mais probabilidade de morrer de uma infecção no primeiro mês de vida do que um bebé no mundo desenvolvido, e em muitas partes do mundo em desenvolvimento essas mortes são um acontecimento comum. Por exemplo, na Serra Leoa, que tem uma das taxas de mortalidade neonatal mais elevada do mundo, em média, durante a vida, uma mulher em cada 21 terá perdido uma criança devido a uma infecção no primeiro mês de vida. O risco equivalente no Reino Unido é uma mulher em cada 7.518 (Tabela 2). As mães pobres têm muito mais probabilidade de perder um bebé devido a uma infecção – os bebés que nascem nos agregados familiares de rendimentos baixos têm três vezes mais probabilidade de morrer de sépsis no primeiro mês de vida do que os que têm pais com rendimentos altos.11 Tabela 2: Países com taxas elevadas de mortes neonatais causadas por sépsis/tétano/meningite em comparação com os riscos no mundo desenvolvido País Taxa de mortalidade neonatal – todas as causas12 (números por 1000 nados-vivos) Números de mortes de recémnascidos em 2013 Taxa de mortalidade devido a sépsis/ tétano/ meningite Número de mortes de recém-nascidos devido a sépsis/tétano/ meningite Percentagem de mortes de recém-nascidos devido a sépsis/tétano/ meningite13 Probabilidade de uma mãe perder o bebé devido a sépsis etc. durante a vida14 Serra Leoa 44,3 9.430 9,8 2.101 22,3 1 em 21 Guiné Bissau 44 2.688 9,8 599 22,3 1 em 20 Angola 46,6 42.625 9,8 9.053 21,2 1 em 17 Somália 46,2 20.754 9,5 4.281 20,6 1 em 16 Paquistão 42 193.718 9,4 43.412 22,4 1 em 32 Lesoto 43,9 2.554 8,7 511 20 1 em 37 Mali 40,2 27.724 8,2 5.709 20,6 1 em 17 Afeganistão 36,3 36.777 8,2 8.374 22,8 1 em 23 Zimbábue 39,2 17.311 7,9 3.502 20,2 1 em 35 Costa do Marfim 37,5 27.925 7,9 5.896 21,1 1 em 26 EUA 4 16.802 0,18 741 4,5 1 em 2.958 RU 2,8 2.145 0,07 51 2,5 1 em 7.518 Suécia 1,6 178 0,13 15 8,1 1 em 4.000 Austrália 2,4 770 0,07 21 2,9 1 em 7.407 Canadá 3,4 1.374 0,17 70 5 1 em 3.649 Japão 1 1.086 0,06 67 6 1 em 11.820 6 WaterAid Começo saudável: o primeiro mês de vida Causas de mortalidade dos recém-nascidos 1,7 13 28 7 Pneumonia nos países desenvolvidos % 10,4 Complicações pré-parto 41 Sépsis Partos difíceis Anomalias congénitas 5 30 Outros 5,6 6 na África Subsariana 30 % 20 Estatísticas arredondadas Como parte dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, tem havido um esforço concertado para aumentar o número de partos a que assiste um funcionário de saúde competente, e em particular, no caso dos partos nas instalações dos serviços de saúde. E no entanto, nas próprias instalações preparadas para servir as comunidades com serviços de saúde e acolher uma vida nova ao mundo, frequentemente não há uma provisão constante de água limpa, latrinas que funcionem ou instalações para lavar as mãos. Conforme exposto claramente em "Normas essenciais de saúde ambiental nos serviços de saúde"15, da Organização Mundial de Saúde, estas são as defesas básicas da frente de batalha contra as infecções, e a falta desses serviços põe em dúvida se esses estabelecimentos podem servir adequadamente como instalações de saúde. Um inquérito da OMS, a ser publicado proximamente, realizado às instalações dos serviços de saúde em 54 países em desenvolvimento16 revela que 38% não têm provisão de água limpa, 19% não proporcionam saneamento melhorado e 35% não têm sabão para lavar as mãos. Nos países da África Subsariana investigados, essa percentagem aumenta para 42%. Estes números também não reflectem se a provisão de água é constante. A OMS calcula que das instalações de saúde que têm algum tipo de provisão de água limpa, cerca de metade não têm uma provisão fiável. WaterAid Estudo de Caso WaterAid/Chileshe Chanda Água, latrinas e higiene nas instalações dos serviços de saúde Peggy Mpundu, 36 anos de idade, da aldeia de Mwasha em Lubwe, perdeu recentemente os filhos gémeos devido a uma suspeita de infecção apenas quatro dias depois do parto. Kapya e Mpundu nasceram no hospital e tiveram alta no segundo dia. No dia seguinte, começaram a ter problemas para respirar e os pais levaram-nos outra vez para o hospital onde infelizmente faleceram. “Disseram-me que a água dos poços pouco profundos era prejudicial para os bebés. Ter dado banho aos meus filhos com água de um poço pouco profundo deixou-me com uma sensação de culpa e de mágoa. Quem me dera ter sabido que a água podia ser prejudicial”. A Peggy desde então teve outro filho mas o marido Sylvester diz que a perda dos gémeos teve um enorme impacto sobre o casal. Têm o cuidado de usar água limpa para evitar infectar o bebé novo. 7 Começo saudável: o primeiro mês de vida Sem fontes de água limpa facilmente disponíveis para lavar as enfermarias ou as mãos, as instalações dos serviços de saúde podem transformar-se em refúgios de bactérias perigosas, e os profissionais de saúde transmitem, sem o saber, as doenças de um paciente para outro. Uma revisão realizada em 2011 às infecções adquiridas nos serviços de saúde demonstrou que em alguns países em desenvolvimento, um em cada dois pacientes (45,6%) deixaram o hospital com uma infecção que não tinham quando tinham entrado no hospital.17 Mais de 150 anos desde que Ignaz Semmelweis associou a lavagem de mãos às infecções contraídas pelas mães durante o parto, melhorar as práticas de higiene dos profissionais dos serviços de saúde a nível mundial continua a ser um desafio. Num estudo18 realizado num grande hospital universitário africano, só havia tentativas para lavar as mãos 12% do tempo e só era possível fazêlo eficazmente em 4% das oportunidades, apesar de nove em cada dez enfermarias terem um lavatório com sabão. Um estudo19 levado a cabo nas unidades de maternidade no Sul da Nigéria demonstrou que somente duas em cada cinco instalações tinham sabão ou antisséptico dentro, ou na vizinhança, das salas de operação ou das salas de parto. Para garantir um parto limpo, a OMS defende a prática dos "seis princípios de limpeza": mãos limpas, uma superfície limpa para o parto, um períneo limpo, nada sujo inserido na vagina, uma ferramenta limpa para cortar o cordão umbilical e um cordel limpo para atar o cordão. Os funcionários de saúde das aldeias na Tanzânia, como parte de um estudo, receberam formação sobre os " seis princípios de limpeza " da OMS, e receberam um kit de parto limpo com lençóis de plástico, uma lâmina de barbear limpa, um cordel para atar o cordão e um barra de sabão. Os recém-nascidos cujas mães tinham usado o kit de parto tinham 13 vezes menos probabilidade de desenvolver uma infecção do cordão umbilical. Mesmo somente o facto de a mãe tomar banho antes do parto reduzia o risco de infecção do cordão quase quatro vezes.20 No Sul do Nepal21, observaram-se mais de 23.600 recémnascidos durante o primeiro mês de vida e os investigadores perguntaram às mães se a pessoa que tinha assistido ao parto tinha lavado as mãos antes do parto e se elas próprias tinham lavado as mãos antes de manusear o bebé recém-nascido. Os bebés que tinham sido assistidos por uma pessoa que tinha lavado as mãos tinham 25% menos probabilidade de morrer, mesmo se a mãe não tivesse lavado as mãos. Quando tanto a mãe como a pessoa que assistia ao parto tinham lavado as mãos, a probabilidade do bebé morrer diminuía para menos de metade (56%). No Nepal, uma redução de 56% de mortalidade neonatal 8 poderia ter salvo mais de 7.000 vidas novas somente no último ano. Para além do risco de infecção que essas condições podem causar, a falta de água limpa, de latrinas e de uma boa higiene podem ter outras consequências para os utentes dos serviços de saúde. Por exemplo, pode pedir-se às parturientes que tragam os próprios jerry cans de água para beber e se lavarem durante o parto. Essa água pode ser recolhida de fontes pouco seguras tal como rios ou charcos, o que não só coloca tanto as mães como os bebés em situação de grave risco de contrair uma infecção potencialmente fatal, mas a falta de condições higiénicas pode desencorajar as mulheres de irem às instalações dos serviços de saúde, desse modo prejudicando os esforços para aumentar a proporção de partos com assistência de auxiliares competentes. A provisão de serviços de água e de saneamento nas instalações dos serviços de saúde também podem capacitar os profissionais de saúde para que proporcionem assistência mais segura às mães e aos recém-nascidos, apoiando assim os esforços para aumentar a retenção e a motivação dos funcionários. Quem era Ignaz Semmelweis? Semmelweis foi a primeira pessoa a darse conta da importância de lavar as mãos para evitar infecções. Em 1874 trabalhava na clínica materna do Hospital Geral de Viena e convenceu-se de que a limpeza era o elemento fundamental para evitar a febre puerperal, conhecida vulgarmente como febre do parto, nas mulheres que acabavam de ser mães. No primeiro mês em que trabalhou no hospital, quase uma em cinco mães morreram dessa febre, que é habitualmente causada por sépsis. Começou a insistir que todas as pessoas que trabalhavam na enfermaria tinham de lavar as mãos ao entrar e que a sala estivesse sempre limpa. A taxa de mortalidade dentro de dois anos tinha praticamente desaparecido. Apesar disso, infelizmente, a maioria dos profissionais de saúde continuaram convencidos de que a doença se espalhava devido ao "miasma" ou ar sujo, e Semmelweis foi despedido do posto, muito ridicularizado e eventualmente internado numa instituição psiquiátrica. Os progressos por ele conseguidos não foram reconhecidos até cerca de três décadas depois da sua morte. Jenő Doby Água, latrinas e higiene durante o parto WaterAid Na maioria dos países, a abordagem actual em relação às infecções dos bebés concentra-se em tratamentos com antibióticos, em vez de evitar as infecções desde o início. Esforços recentes para melhorar a saúde materna e neonatal tendeu a não prestar atenção à importância de proporcionar a um bebé um começo de vida saudável, concentrando-se em vez disso em aumentar o número de auxiliares competentes ou de assistência obstétrica de emergência. Por exemplo, no Plano de Acção para todos os RecémNascidos deste ano22 da OMS e UNICEF, cujo objectivo é acabar com as mortes neonatais evitáveis até 2035, não há pontos de acção chave para os governos garantirem que os assistentes ao parto e as mães têm acesso à água limpa, ao saneamento e à higiene durante o parto. No plano, as infecções são designadas como um factor importante que contribui para as taxas de mortalidade neonatal, mas o objectivo é dar antibióticos a pelo menos metade dos bebés com infecções. As recomendações actuais da OMS sobre assistência pósnatal para as mães e os recém-nascidos incluem somente uma referência à água, ao saneamento ou à higiene – nomeadamente falar com as mulheres sobre higiene – enquanto as directivas para as Normas para a Assistência Materna e Neonatal não incluem recomendações sobre a provisão de água, saneamento e higiene. As práticas recomendadas pela OMS dos "seis princípios de limpeza" mencionadas acima implica a importância de haver água limpa disponível, mas não é explícita. O Objectivo de Desenvolvimento do Milénio que incluía ampliar o acesso à água e ao saneamento não incluía as instalações de saúde como um alvo específico - uma omissão que provavelmente atrasou o progresso de outros ODMs tais como reduzir a mortalidade materna e as mortes infantis. Dar à luz na Tanzânia Um estudo recente para avaliar as condições de água e de saneamento na Tanzânia23 demonstrou que, em média, 44% das instalações de saúde onde as mulheres dão à luz tinham água adequada e instalações de saneamento, mas somente um quarto das salas de parto dentro desses centros de saúde tinham provisão de água e latrinas. Os investigadores calcularam que mesmo se todas as mulheres na Tanzânia decidissem dar à luz num centro de saúde, menos de dois terços desses nascimentos (59%) seriam em centros que podiam proporcionar um ambiente seguro para a mãe e o bebé. WaterAid WaterAid/Eliza Deacon Colocar a ‘limpeza’ no centro da assistência médica “Não havia água suficiente na clínica de saúde quando dei à luz. Depois do parto, lavei-me e o meu filho foi lavado com a água que a mulher do meu irmão tinha ido buscar para mim ao rio. Nessa altura era a estação seca, por isso tiveram de escavar parte do rio para conseguir água. O bebé viveu apenas sete dias. Se tivesse havido disponibilidade regular de água segura suficiente na clínica, esta situação podia ter sido evitada.” Aisha Mukde, Tanzânia (na imagem acima) Ruanda Depois do genocídio no Ruanda em 1994, o novo governo desse país comprometeu-se a uma ordem do dia do desenvolvimento centrada em prover serviços básicos para a população. Como parte dessa decisão, o governo definiu objectivos ambiciosos para a provisão de água e de saneamento, com o fim declarado de conseguir acesso universal até 2020. A importância destes serviços é totalmente reconhecido pelo governo como sendo um estímulo para o desenvolvimento económico e social, a redução da pobreza e a saúde pública. Desde 2000 que a quota da população com acesso à água limpa aumentou em 10% para 72%, enquanto a quota da população com latrinas que funcionam aumentou quase metade para 67%.24 Actualmente, o Ruanda lidera África em termos da velocidade a que está a reduzir as mortes dos recémnascidos devido a infecções – a taxa anual de redução de sépsis/meningite/tétano é de 6,8% enquanto a taxa de mortes por pneumonia está a diminuir em 12% por ano.25 Durante os últimos 14 anos a taxa de mortalidade por 1.000 nados-vivos devido ao grupo de doenças mencionado acima diminuiu de 9,95 para 3,94. 9 Começo saudável: o primeiro mês de vida O que tem de se fazer O acesso à água limpa, ao saneamento seguro e a serviços de higiene é um direito humano básico. Em conjunto, representam os blocos essenciais para uma boa saúde e a ausência destes blocos tem um impacto particularmente devastador sobre as crianças. A ausência de dados robustos de ensaios significa que é difícil calcular a proporção das mortes neonatais causadas por infecções que podem ser evitadas melhorando o acesso à água, ao saneamento e à higiene nas instalações de saúde. No entanto, a ligação causal entre as condições e as práticas pouco higiénicas é suficientemente aceite para justificar medidas políticas e dos programas que assegurem que as instalações de saúde satisfazem padrões básicos de água limpa, saneamento e higiene. A WaterAid quer que toda a gente, em todo o lado tenha acesso à água limpa, ao saneamento e à higiene até 2030. Para que o mundo consiga este objectivo, a WaterAid está convencida que todas as instalações de saúde têm de ser urgentemente equipadas com instalações de água e de saneamento, e os sistemas de saúde têm de ser responsabilizados por garantir que estes padrões são cumpridos. Toda a gente tem de trabalhar em conjunto para garantir que a expectativa de vida dos membros mais vulneráveis da sociedade não é reduzida apenas a semanas somente porque não há água limpa com a qual lhes dar banho, ou sabão para lavar as mãos das pessoas que cuidam deles. A todos os níveis dos serviços de saúde, desde os profissionais de saúde individuais até aos gestores dos hospitais, oficiais do Ministério de Saúde e ministros, assim como organizações internacionais de saúde, tem de haver responsabilidade individual e colectiva por manter condições higiénicas nos centros de saúde. Os esforços para se evitarem e controlarem as infecções têm de ser centrados na provisão geral dos serviços de saúde de qualidade. A WaterAid pede a todas as organizações que trabalham em questões de saúde internacional, aos ministérios de saúde nacionais e aos governos doadores que actuem urgentemente do seguinte modo: 10 1. Os governos nacionais garantem que os serviços de água, de saneamento e de higiene (WASH) são incluídos em todos os planos para reduzir a desnutrição, a desnutrição aguda, as doenças infantis evitáveis e as mortes neonatais, e/ou nos planos dos sistemas de saúde mais abrangentes que abarcam quaisquer ou todos estes objectivos. Garantem que há financiamento disponível e que é usado em conformidade. 2. As iniciativas internacionais e nacionais de saúde e nutrição incluem WASH nas políticas e garantem que são financiadas, monitorizadas e executadas. 3. Todas as instalações dos serviços de saúde têm água corrente limpa, latrinas seguras para os pacientes (separadas para homens e mulheres, com fechaduras e iluminação, são fáceis de usar para as crianças e acessíveis para as pessoas portadoras de deficiência), lavatórios que funcionam para os funcionários de saúde e os pacientes em todas as salas de tratamento e de parto. 4. Não se constroem instalações de serviços de saúde novas sem serviços de água e de saneamento adequados e sustentáveis. 5. Os profissionais de saúde comprometem-se a incluir as boas práticas e a promoção da higiene na formação profissional, nos planos e nas acções. Os funcionários e os pacientes são informados e capacitados para praticarem medidas adequadas de higiene. 6. Todas as maternidades26 asseguram que há higiene básica e um ambiente estéril, particularmente nas salas de parto e nas salas de operação – tal como lavagem de mãos com sabão, limpeza e desinfecção repetida das instalações, e separação segura dos desperdícios humanos e médicos de modo que não haja contacto com pessoas. 7. A monitorização e a avaliação do progresso para a cobertura universal de saúde incluem dados sobre a disponibilidade de serviços de água, saneamento e higiene nas instalações dos serviços de saúde e a nível de agregado familiar para produzir informação para as estratégias e o planeamento. 8. Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável deveriam incluir uma meta dedicada à água e ao saneamento com objectivos ambiciosos para o acesso universal a WASH até 2030. A estrutura deveria garantir a integração dos objectivos de WASH e dos objectivos de saúde, tal como cobertura universal de saúde e prevenção da mortalidade materna e das crianças com menos de cinco anos. WaterAid Começo saudável: o primeiro mês de vida Estudo de Caso Esther Mongi é uma parteira no Centro de Saúde Mlali, na Tanzânia. “Anteriormente, quando o centro de saúde não tinha água, aconselhávamos os parentes a trazer três jerry cans de água quando a mãe vinha para o parto. Um era para ela se limpar antes de entrar na sala de parto. O segundo para limpar o local depois do parto. E o terceiro para lavar a roupa da mãe, que ela usava durante o parto. As mulheres grávidas [...] queixavam-se de ter de trazer a água de casa para o parto, o que levou a que o número de partos neste serviço de saúde diminuísse. WaterAid/Eliza Deacon A água que os parentes traziam para o parto não era limpa nem segura. Sentimo-nos mal[...] e por vezes sentimo-nos desmoralizados porque como é que se pode trabalhar numa instalação de saúde sem água suficiente?” Bibliografia 1 http:/ www.who.int/pmnch/media/press_materials/fs/ fs_newborndealth_illness/en/ 2 Darmstadt G L, Bhutta Z A, Cousens S, Adam T, Walker N, de Bernis L, Evidence-based, cost-effective interventions: how many newborn babies can we save?’, Lancet 2005;365 (9463) 977- 988 3 4 5 6 7 Committing to Child Survival: a promise renewed, Unicef http:/ files.unicef.org/publications/files/APR_2014_web_15Sept14.pdf Global, regional and national causes of child mortality in 2000-13 with projections to inform post-2015 priorities: an updated systematic analysis’, Lancet 2014 http:/ dx.doi.org/10.1016/S01406736(14)61698-6 Neonatal Mortality Levels for 193 Countries in 2009 with trends since 1990: A systematic analysis of progress, projections and priorities’, Oestergaard MZ1, Inoue M, Yoshida S, Mahanani WR, Gore FM, Cousens S, Lawn JE, Mathers CD; United Nations Inter-Agency Group for Child Mortality Estimation and the Child Health Epidemiology Reference Group. http:/ www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21918640 http:/ www.who.int/pmnch/media/press_materials/fs/ fs_newborndealth_illness/en/ Global, regional, and national causes of child mortality in 2000–13, with projections to inform post-2015 priorities: an updated systematic analysis’, Lancet 2014 http:/ dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61698-6 8 Late neonatal – between 7 and 28 days http:/ arxiv.org/ftp/arxiv/papers/1411/1411.4021.pdf 9 Global, regional and national causes of child mortality in 2000-13 with projections to inform post-2015 priorities: an updated systematic analysis’, Lancet 2014 http:/ dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61698-6 10 Neonatal Mortality Levels for 193 Countries in 2009 with trends since 1990: A systematic analysis of progress, projections and priorities’, Oestergaard MZ1, Inoue M, Yoshida S, Mahanani WR, Gore FM, Cousens S, Lawn JE, Mathers CD; United Nations Inter-Agency Group for Child Mortality Estimation and the Child Health Epidemiology Reference Group. http:/ www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21918640 11 12 Neonatal cause-of-death estimates for the early and late neonatal periods for 194 countries: 2000–2013’, Shefali Oza,a Joy E Lawn,a Daniel R Hogan,b Colin Mathersb & Simon N Cousensa http:/ www.who.int/bulletin/volumes/93/1/14-139790.pdf Deaths per thousand live births WaterAid 13 Global, regional and national causes of child mortality in 2000-13 with projections to inform post-2015 priorities: an updated systematic analysis’, Lancet 2014 http:/ dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61698-6 14 United Nations Department of Economic and Social Affairs: Total Fertility http:/ esa.un.org/wpp/excel-data/fertility.htm 15 Essential environmental standards in health care, John Adams, Jamie Bartram, Yves Chart http:/ www.who.int/water_sanitation_health/hygiene/settings/ehs_h ealth_care.pdf.pdf 16 OMS, forthcoming: Water, sanitation and hygiene in health care facilities: Global status and recommendations 17 Making Health A Right for all: Universal Health Coverage and Water, Sanitation and Hygiene, Action for Global Health/WaterAid, 2014 18 Assessing hand hygiene resources and practices at a large African teaching hospital, Owusu-Ofori A1, Jennings R, Burgess J, Prasad PA, Acheampong F, Coffin SE. http:/ www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20569112 19 Assessment of infection control practices in maternity units in Southern Nigeria, Friday O1, Edoja O, Osasu A, Chinenye N, Cyril M, Lovney K, Julia H. http:/ www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23081908 20 Evaluation of a clean delivery kit intervention in preventing cord infection and puerperal sepsis in Mwanza, Tanzania http:/ www.path.org/publications/files/TSMCHN_delivery_kit_eval_tanzania.pdf 21 Maternal and Birth Attendant Hand Washing and Neonatal Mortality in Southern Nepal, Victor Rhee, MHS; Luke C. Mullany, PhD; Subarna K. Khatry, MBBS; Joanne Katz, ScD; Steven C. LeClerq, MPH; Gary L. Darmstadt, MD; James M. Tielsch, PhD http:/ archpedi.jamanetwork.com/ article.aspx?articleid=379789#ref-poa80002-4 22 Every Newborn: An action plan to end preventable deaths, Organização Mundial de Saúde e UNICEF http:/ www.everynewborn.org/Documents/Full-action-plan-EN.pdf 23 http:/ www.plosone.org/article/ info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0106738 24 WaterAid - Mapa Hídrico de África 25 Estatísticas da Lancet 26 Definidas como qualquer instalação de saúde onde as mulheres dão à luz. 11 Começo Saudável é a prioridade de advocacia da WaterAid para os próximos quatro anos (2015-2019), que foca a atenção em melhorar a saúde e a nutrição dos bebés recém-nascidos e das crianças. Iremos fazê-lo lutando para que o acesso à água, ao saneamento e à promoção da higiene seja integrado na política e na provisão de saúde a nível local, nacional e internacional. www.wateraid.org/healthystart Fevereiro de 2015 WaterAid 47-49 Durham Street Londres SE11 5JD 020 7793 4500 Números de registo de obras de beneficência 288701 (Inglaterra e País de Gales) e SC039479 (Escócia). Imagem da capa: Peggy e Sylvester Mpundu perderam recentemente não apenas um bebé, mas um par de gémeos quatro dias depois do parto devido a uma suspeita de infecção. Aldeia de Mwasha, Lubwe, Zâmbia.