REsp 1181643

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REsp 1181643
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.181.643 - RS (2010/0028927-4)
RELATOR
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
INTERES.
:
:
:
:
:
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
TECON RIO GRANDE S/A
OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES E OUTRO(S)
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE RIO GRANDE SUPRG
EMENTA
ADMINISTRATIVO E CONCORRENCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ORDEM ECONÔMICA. PORTOS. TARIFA DE ARMAZENAGEM.
CARGA PÁTIO. COBRANÇA ABUSIVA PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
OBJETIVA. LEI 8.884/1994 E ART. 12 DA LEI 8.630/1993.
1. O Poder Judiciário é competente para examinar Ação Civil Pública visando à
proteção da ordem econômica, independentemente de prévia manifestação do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade ou de qualquer outro
órgão da Administração Pública.
2. A tarifa de armazenagem, in casu, caracteriza cobrança por serviço não
prestado, com conseqüências nefastas na ordem concorrencial e no plano do
princípio da boa-fé objetiva. No essencial, desestimula o desembaraço rápido de
mercadorias, no prazo de até 48 horas, e a sua transferência para
armazenamento em Eadis ou portos secos, já que mantidas no próprio terminal
portuário pelo período total abrangido pela "tarifa de armazenagem de 15 (quinze)
dias".
3. É abusiva a cobrança, contratual ou não, por produtos ou serviços total ou
parcialmente não prestados, exceto quando houver inequívoca razão de ordem
social.
4. A distinção entre carga pátio e carga armazenada ostenta ratio
concorrencial. O regime de trânsito aduaneiro e a limitação da tarifação de
permanência devem viabilizar a competição no setor de armazenamento (e
ulterior desembaraço) entre zonas primárias e secundárias nos portos.
5. O art. 12 da Lei 8.630/1993 não oferece justificativa a autorizar tarifas que
possam desvirtuar a concorrência no setor. O dispositivo determina a cobrança
por armazenagem de mercadorias como contraprestação por serviço
efetivamente prestado "no período em que essas lhe estejam confiadas ou
quando tenha controle ou uso exclusivo de área do porto onde se acham
depositadas ou devam transitar".
6. Recurso Especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por
unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a).
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Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha,
Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES, pela parte RECORRENTE:
TECON RIO GRANDE S/A
Brasília, 1º de março de 2011(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.181.643 - RS (2010/0028927-4)
RELATOR
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
INTERES.
:
:
:
:
:
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
TECON RIO GRANDE S/A
OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES E OUTRO(S)
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE RIO GRANDE SUPRG
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator) : Trata-se
de Recurso Especial interposto com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da
República, contra acórdão assim ementado:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA.
ORDEM
ECONÔMICA.
PORTOS.
TARIFA
DE
ARMAZENAGEM.
CARGA
PÁTIO.
COBRANÇA
INDEVIDA.
DEVOLUÇÃO DE VALORES.
1. A cobrança de tarifa de armazenagem pela apelada sobre carga
pátio constitui-se em cobrança sobre carga ainda não recebida, posto que não
armazenada, que se encontra na área demarcada pela Receita Federal, de sua
jurisdição.
2. Assim, afigura-se irrelevante a maior ou menor modicidade da
cobrança da tarifa de armazenagem após a privatização do serviço, em relação
aos valores praticados anteriormente, até porque não está em julgamento a
privatização do serviço portuário. Mas antes o momento de incidência da tarifa de
armazenagem.
3. É abusiva a cobrança de "tarifa de armazenagem de carga de
15 dias" por parte da empresa que explora serviço portuário em regime de
concessão ou permissão, pois não se pode cobrar por um serviço que não foi
prestado.
4. Uma tarifa cobrada indevidamente e de forma sistemática, sob
o argumento da sua anterioridade e habitualidade, ainda em franca contrariedade
com Instrução Normativa da Receita Federal, e que encarece toda a cadeia
produtiva, incontestavelmente ofende os princípios reitores da Ordem Econômica.
5. Os valores cobrados indevidamente devem ser restituídos ou
compensados. (fl. 734-STJ)
Os Embargos de Declaração opostos por Tecon e SUPRG foram parcialmente
acolhidos, nos seguintes termos:
(...) voto por dar parcial provimento aos embargos de declaração
da Tecon Rio Grande S/A para efeitos de prequestionamento e dar parcial
provimento aos embargos de declaração da Superintendência do Porto de Rio
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Grande (SUPRG) para afastar a condenação em honorários, e esclarecer que a
co-ré Tecon Rio Grande S/A foi condenada a restituir valores indevidamente
cobrados" (fls. 769-STJ).
A Tecon ofereceu novos Embargos, que foram rejeitados (fl. 801).
A recorrente alega haver, além de divergência jurisprudencial, violação do art.
1º, §1º, I, II, III e V, §2º, e do art. 12 da Lei 8.630/1993; dos arts. 7º, II, e 20 da Lei
8.884/1994, do art. 2º do CDC e do art. 1º da Lei 7.347/1985 (fls. 807/832-STJ).
Contraminuta apresentada às fls. 892/905-STJ.
O Ministério Público Federal opina pelo conhecimento e desprovimento do
recurso, em parecer assim ementado (fl. 966-STJ):
1. Administrativo e Constitucional. Recurso Especial. Direito
Econômico. Tarifa de armazenagem. Carga Pátio. Abusividade de sua Cobrança.
Devolução de valores.
2. Ausência de Demonstração de similitude fática com o aresto
recorrido. Não houve o necessário cotejo analítico (artigos 255 do RISTJ e 541,
parágrafo único, do CPC).
3. Parecer do MPF pelo conhecimento e improvimento do recurso
especial para manter o acórdão recorrido.
É o relatório.
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VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator) : Trata-se
na origem de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal visando a questionar
cobrança, por parte da recorrente, de "tarifa de armazenagem de 15 (quinze) dias" sobre valor
CIF de mercadorias, inclusive para contêineres sob regime de trânsito aduaneiro ou
armazenados por menos de quinze dias, bem como a condenação da Tecon ao pagamento
de indenização ao FDD decorrente dessa cobrança indevida.
A sentença julgou a ação improcedente. Reconheceu ali a relação de
concorrência entre portos secos e operadores portuários nos serviços de armazenagem
alfandegada e a posição dominante da Tecon, mas considerou legítima a tarifa e ausente
qualquer comportamento contrário à ordem econômica dela decorrente.
A Quarta Turma do Tribunal Regional da 4ª Região condenou a empresa "a
cessar a prática da 'cobrança' de tarifa de Armazenagem de quinze dias", a "restituir ou
compensar (a critério dos beneficiados) os valores cobrados indevidamente" e a "reparar o
dano difuso, mediante o recolhimento ao FDDD (sic) do montante equivalente a 20% do total
dos valores indevidamente cobrados, bem como honorários que fixo em 10% sobre o valor da
condenação" (fl. 733). Não se conheceu dos Embargos de Declaração opostos.
O Recurso Especial foi interposto sob os seguintes argumentos: a) competência
administrativa originária para o exame de matéria econômica e concorrencial consoante o art.
7º, II, da Lei 8.884/1994; b) efetivo oferecimento de serviços de armazenagem de
mercadorias, que demandaria o pagamento de tarifa, nos termos do art. 1º, §1º, I, II, III e V,
§2º, e do art. 12 da Lei 8.630/1993; c) ausência de exercício abusivo de posição dominante,
razão pela qual não estaria caracterizado qualquer dos tipos previstos no art. 20 da Lei
8.884/1994; d) inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; e) existência de dissídio
jurisprudencial com base em paradigma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a
respeito da legitimidade da cobrança da tarifa em demanda que envolve interesses privados.
Nas contra-razões, alegou-se:
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o setor portuário é fortemente regulado e suas regras são
orientadas para que, diante das especificidades do mercado, busque-se a maior
eficiência no setor. Dessa forma, eventualmente pode-se considerar jurídica e
economicamente justificáveis certas restrições à concorrência, mas que não
importam efeitos anticoncorrenciais, visto que, como explicitado, implicam em
vedade, maior eficiência econômica opara o setor. Mas não é o que ocorre no
caso concreto. A autoridade portuária ao realizar um contrato de arrendamento
deve ter em consideração a sua inserção no contexto de uma política
regulatória , suas previsões também visam a assegurar o crescimento e a maior
eficiência na movimentação de cargas naquele porto. Neste sentido, deve coibir a
onerosidade sem causa das operações com cargas. É nesta linha de
consideração que se depreende a legitimidade do controle desse mercado
regulado tanto dos órgãos de defesa da concorrência quanto por parte do Poder
Judiciário. Se até mesmo o ato legal, pode produzir efeitos anticoncorrenciais e
ser, portanto, subsumível à Lei 8.884/94, o que dizer da cobrança indevida de
tarifa em uma área economicamente sensível como a atividade portuária? (fl.
895-STJ).
Mais adiante, explicou-se a ratio do combate à cobrança:
(...) É evidente, portanto, que os usuários passam a não ter
interesse em desembaraçar as mercadorias num prazo de até 48 (quarenta e oito)
horas, a fim de que sejam desde logo armazenadas nas EADIs ou portos secos.
Isso porque, sendo obrigados a efetuar o pagamento por período muito superior
àquele previsto para a carga pátio, é muito mais vantajoso financeiramente que as
mercadorias fiquem, após transcorridas 48 (quarenta e oito) horas, armazenadas
no terminal pelo período restante" (fl. 904-STJ).
1. A alegada violação do art. 7º, II, da Lei 8.884/1994
A recorrente aduz que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência teria
competência exclusiva para o exame da matéria. A afirmação está equivocada.
O Cade é autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, competente para
prevenir e reprimir condutas anticompetitivas, e ostenta sua conformação institucional atual
desde 1994. É órgão administrativo judicante responsável pela apreciação, em apertada
síntese, de processos administrativos e atos de concentração instruídos pela Secretaria de
Direito Econômico do Ministério da Justiça e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico
do Ministério da Fazenda. Os três órgãos compõem os pilares que sustentam as políticas de
defesa administrativa da livre iniciativa e da livre concorrência no Brasil.
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Trata-se de um ramo ainda jovem da Ciência Jurídica. Pioneiro no tema, o
Direito americano tem como marco o Sherman Act, de 1891, e a Federal Trade
Commission , órgão administrativo competente para apreciação de questões relacionadas com
o antitruste, de 1914. No Brasil, a despeito de o Cade existir desde 1962, foi apenas com a
instituição de uma economia de mercado pós-redemocratização e com a edição da Lei
8.884/94 que se erigiu a proteção da concorrência a tema de relevância para as políticas
públicas econômicas e sociais.
No âmbito da atividade repressiva, neste primeiro período de consolidação da
disciplina e da tutela antitruste no Brasil, concentraram-se esforços no public enforcement,
ou seja, na tutela da concorrência oferecida por entes públicos, preocupados com a eficiência
dos agentes econômicos, com a concorrência como instituição e com a proteção do
bem-estar social, sempre conforme a Lei 8.884/1994. Foram, portanto, pouco menos de duas
décadas destinadas à criação de órgãos especializados no exame da matéria e formação de
técnicos com expertise em disciplina bastante específica e com ainda pouca disseminação
acadêmica.
Esse esforço, bastante louvável, jamais eliminou a possibilidade do public
enforcement autônomo e independente – realizado por órgãos do Poder Judiciário, por meio
de Ações Civis Públicas amparadas na Lei 7.347/1985 e Ações Penais fundadas na Lei
8.137/1990, especialmente em casos de cartéis –, tampouco do private enforcement , pelo
qual concorrentes podem buscar tutelas cominatórias e indenizações por danos sofridos em
decorrência de condutas anticompetitivas, nos termos da regra geral do art. 927 do CC:
"aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
Não haveria qualquer bis in idem entre ações individuais, civis públicas, penais
e processos administrativos, porquanto possuidores de escopos distintos e cumuláveis.
Eventuais aspectos de coordenação entre demandas concomitantes seriam dirimidos, p.ex.,
pela disciplina dos efeitos civis de sentenças penais, quando aplicáveis.
Todo o argumento é reforçado pelo fato de que, muito embora seja
institucionalmente um Tribunal Judicante, o Cade não perde sua vinculação ao Poder
Executivo. Por essa razão, dentro da idéia de checks and balances , as decisões do Cade não
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fogem à regra da ampla revisão pelo Poder Judiciário, quer pelo aspecto horizontal (objeto da
demanda), quer pelo vertical (profundidade da cognição), em homenagem à cláusula de
inafastabilidade inserida no art. 5º, XXXV, da CF: "a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito". Estudos recentes bem demonstram que, na prática, os
Tribunais levam a efeito essa prerrogativa e têm, em inúmeras oportunidades, reexaminado à
exaustão decisões do Cade, seja para manutenção, seja para reforma de seu conteúdo (cfr.
recente trabalho apresentado pela Sociedade Brasileira de Direito Público no seminário "As
Revisões Judiciais das Decisões do CADE", realizado em novembro de 2010).
Tais motivos indicam que é equivocado – e inconstitucional – reduzir a atuação
do Poder Judiciário a uma instância revisora de decisões do Cade (ou de qualquer instância da
Administração), concentrando no órgão administrativo competência originária exclusiva para o
exame de ilícitos anticoncorrenciais. Isso contraria não só a Constituição Federal como
também a idéia da mais ampla repressão de fatos jurídicos de múltipla incidência previstos,
v.g., nos arts. 20 e 21 da Lei 8.884/1994, de elevada reprovabilidade social e profundos
impactos sobre o jurisdicionado.
Por isso que o art. 7º, II, da Lei 8.884/94 não tem a extensão que se lhe
pretende dar. Ele não prevê competência administrativa antitruste originária em prol da
Administração Pública e em detrimento do Poder Judiciário; dispõe simplesmente sobre
normas de organização interna, ao atribuir cláusula de reserva de plenário às decisões "sobre a
existência de infração à ordem econômica", retirando do Presidente e dos demais Conselheiros
a possibilidade de decisão monocrática sobre o assunto.
2. A cobrança da "tarifa de armazenamento de 15 dias" na perspectiva
da proteção da ordem econômica
O setor de Portos passa a ostentar sua conformação atual com a promulgação
da Lei 8.630/1993, também chamada "Lei da Modernização dos Portos", que estabeleceu o
regime de Direito Público da operação portuária por meio de terminais públicos e privativos,
estes de uso exclusivo e misto. Trata-se de atividade estratégica essencial ao desenvolvimento
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econômico do País, a qual recebe profundos influxos da Administração.
Regulação, em essência, "engloba toda forma de organização da atividade
econômica através do Estado, seja a intervenção através da concessão de serviço ou o
exercício de poder de polícia" (Calixto Salomão Filho, Regulação da Atividade Econômica
[Princípios e Fundamentos Jurídicos]. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 15), ou ainda
significa "a atividade estatal mediante a qual o Estado, por meio de intervenção direta ou
indireta, condiciona, restringe, normatiza ou incentiva a atividade econômica de modo a
preservar a sua existência, assegurar o seu equilíbrio internou ou atingir determinados objetivos
públicos como a proteção de hipossuficiências ou a consagração de políticas públicas"
(Floriano de Azevedo Marques Neto, A Nova Regulação dos Serviços Públicos . In.: Revista
de Direito Administrativo. n. 228. abr./jun. 2002, p. 13-30).
Entre as políticas de prevenção e repressão dos ilícitos anticompetitivos e a
organização da atividade econômica pelo Estado , verifica-se a existência de espaços
abertos não regulados e também a possibilidade de produção de efeitos disciplinares e
organizacionais mediante medidas antitruste.
A intervenção da disciplina concorrencial sobre mercados regulados se legitima
quando destinada a eliminar regulação desnecessária, a minimizar distorções competitivas nos
espaços onde a regulação se faz necessária e a garantir o cumprimento de objetivos
regulatórios legítimos. De fato, em nenhum momento a legislação infraconstitucional afasta a
incidência da norma concorrencial na atividade portuária. Ao contrário e em consonância com
o que foi dito acima, v.g., o inciso VI do §1º do art. 30 da Lei 8.630/93 estabelece que um
dos objetivos do Conselho da Autoridade Portuária é zelar pelo cumprimento das normas de
defesa da concorrência .
Amparando-se nessas premissas, é legítima a intervenção consciente do Poder
Judiciário sobre mercados regulados, com base em normas concorrenciais.
No caso dos autos, afirma-se que a cobrança da tarifa em questão constituiria
infração da ordem econômica pelo emprego do exercício abusivo de posição dominante,
tendente a prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa.
Para que se constate violação, portanto, é necessário apurar se existe efetiva
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posição de dominância da recorrente, mediante análise do mercado relevante, tanto em sua
vertente de produto, quanto no aspecto territorial. Devem ser consideradas a) as diferentes
modalidades de terminais e os distintos regimes de remuneração de atividade; b) a competição
entre os portos e entre portos, TRAs e EADIs e c) finalmente toda a moldura regulatória e a
legitimidade da política normativa adotada, à luz dos escopos da regulação.
A decisão recorrida assentou que "exerce o requerido posição dominante
naquele mercado geográfico, de tal sorte que prejudica a livre concorrência no mercado de
armazenagem de cargas" (fl. 733-STJ), identificando um problema relevante baseado em
perspectiva coordenada regulatória e concorrencial.
Mas abro um parêntese. É preciso deixar claro que a posição dominante não
gera, por si só, um ilícito. Empresas que alcançaram elevados percentuais de participação de
mercado a partir de atividades de P&D e da geração de eficiências jamais podem ser
penalizadas sob a ótica antitruste. O que se veda é o exercício abusivo dessa posição por meio
de condutas anticompetitivas, destinadas, v.g., a limitar ou a impedir o acesso de novas
empresas no mercado e a criar dificuldades à constituição, funcionamento ou desenvolvimento
de empresa concorrente (Lei 8.884/1994, arts. 20, I e IV, e 21, IV e V). A decisão do
Tribunal a quo deve ser compreendida com essas ressalvas.
No mais, o acórdão atacado se coaduna com a constatação de que a fixação
da tarifa retira dos usuários o interesse em que produtos sejam desembaraçados em locais
distintos dos portos, em decorrência da possível duplicação da cobrança de tarifas de
armazenagem (fl. 904-STJ).
Frise-se também que a recorrente não se desincumbiu do ônus de explicar
eventual política setorial que legitimasse a cobrança da tarifa e justificasse a imunidade
antitruste. O art. 12 da Lei 8.630/93 não parece trazer essa justificativa e autorizar a cobrança
de tarifas que possam desvirtuar a concorrência no setor. O dispositivo determina a cobrança
por armazenagem de mercadorias como contraprestação por serviço efetivamente prestado
"no período em que essas lhe estejam confiadas ou quando tenha controle ou uso exclusivo de
área do porto onde se acham depositadas ou devam transitar". Caso a cobrança exceda os
limites legais com prejuízo à concorrência, fica caracterizada violação (inclusive ao princípio da
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boa-fé objetiva) passível de repressão pelo Poder Judiciário.
Por essa razão, é legítimo afirmar ser abusiva a cobrança, contratual ou
não, por produtos ou serviços total ou parcialmente não prestados, exceto quando
patente inequívoca razão de ordem social.
Ratifico, portanto, os termos do acórdão da Quarta Turma do Tribunal
Regional da 4ª Região, amparado no conciso e tecnicamente preciso voto da Eminente
Relatora Marga Inge Barth Tessler – uma das mais respeitadas magistradas do Brasil – e
respectiva ementa, merecedores de encômios:
1. A cobrança de tarifa de armazenagem pela apelada sobre carga
pátio constitui-se em cobrança sobre carga ainda não recebida, posto que não
armazenada, que se encontra na área demarcada pela Receita Federal, de sua
jurisdição.
2. Assim, afigura-se irrelevante a maior ou menor modicidade da
cobrança da tarifa de armazenagem após a privatização do serviço, em relação
aos valores praticados anteriormente, até porque não está em julgamento a
privatização do serviço portuário. Mas antes o momento de incidência da tarifa de
armazenagem.
3. É abusiva a cobrança de 'tarifa de armazenagem de carga de 15
dias' por parte da empresa que explora serviço portuário em regime de concessão
ou permissão, pois não se pode cobrar por um serviço que não foi prestado.
4. Uma tarifa cobrada indevidamente e de forma sistemática, sob
o argumento da sua anterioridade e habitualidade, ainda em franca contrariedade
com Instrução Normativa da Receita Federal, e que encarece toda a cadeia
produtiva, incontestavelmente ofende os princípios reitores da Ordem Econômica
(...) (fl. 734-STJ).
Nessa perspectiva, a distinção entre carga pátio e carga armazenada tem
razão de ser, especialmente se observada pela perspectiva concorrencial: o regime de trânsito
aduaneiro e a limitação da tarifação de permanência, nesses casos, se justificam especialmente
para viabilizar a competição no setor de armazenamento (e ulterior desembaraço) entre zonas
primárias e secundárias nos portos.
Tampouco me parece adequado examinar a questão pela ótica da
excessividade ou não do valor da tarifa. Não bastasse a dificuldade de estabelecer critérios
objetivos para a caracterização do preço abusivo pela perspectiva antitruste (cfr. sobre o tema
o
julgamento
das
averiguações
preliminares
08012.000295/1998-92
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e
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08012.003648/1998-05, no Cade, disponível em www.cade.gov.br), o ponto aqui seria o
efeito do repasse da tarifa em debate para o custo do serviço de armazenagem do produto e
sua possível duplicação quando o importador prefere se valer da armazenagem em portos
secundários.
Compete então ao órgão regulador atribuir regime tarifário para o
armazenamento de carga pátio, que, por se tratar de serviço efetivamente prestado pelos
Portos, deve ser remunerado; porém, não nos mesmos termos e patamares da "tarifa de
armazenagem de carga de 15 dias". Tal fato deverá ser levado em consideração para a fixação
do montante indenizatório pretendido pelo recorrido.
Para qualquer outro aprofundamento da análise do tema, seria necessário
examinar os fatos que permeiam a definição do mercado relevante e o impacto da tarifa sobre
o share de cada um dos participantes do mercado de armazenagem, inviável em razão da
incidência da Súmula 7/STJ.
Dessa forma, não apresentados fundamentos para alteração do julgado do
Tribunal a quo, nego provimento ao Recurso Especial. É como voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2010/0028927-4
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.181.643 / RS
Número Origem: 200671010026016
PAUTA: 01/03/2011
JULGADO: 01/03/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
INTERES.
:
:
:
:
TECON RIO GRANDE S/A
OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES E OUTRO(S)
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SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE RIO GRANDE SUPRG
ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO - Taxas - Federais - Taxa de Armazenamento
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES, pela parte RECORRENTE: TECON RIO GRANDE
S/A
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a)
Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e
Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
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