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TCE REVISTA DO Revista TCEMG jan.|fev.|mar. 2014 ESTUDO TÉCNICO TR I BU N A L D E C ONTAS D O ESTADO DE MINAS GERAIS 1 PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE 2 Falando de Minas Arquitetura barroca A ênfase no aspecto mestiço do barroco do território das Minas Gerais foi e ainda é frequente nas abordagens fundamentadas na visão dos modernistas, explicitamente relacionada ao poeta e ensaísta Mário de Andrade, autor de estudo pioneiro sobre o artista Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, datado de 1928. O Movimento Modernista e seus desdobramentos se consagraram pela busca das construções identitárias das gentes brasileiras naqueles que eram “desclassificados por não terem raça” (palavras de Mário de Andrade), isto é, não eram brancos e nem negros. Em uma sociedade escravista, o trabalho manual (os ofícios mecânicos) suscitava verdadeiro horror, constituindo oportunidade ímpar para expressão e afirmação das camadas subalternas que se revelaram particularmente ativas nas milícias, nas artes mecânicas e liberais (música, pintura, escultura...). Buscou-se por muitas décadas a especificidade da arte praticada nas Minas do Ouro, motivada pelo caráter precoce da vida urbana que possibilitava a concentração de seguimentos sociais e étnicos diferenciados e de uma demanda por serviços especializados. A distância em relação ao litoral não chegava a impedir, mas pelo menos dificultava a entrada de materiais, de modelos artísticos e de obras artísticas europeias. Outro argumento não menos importante é a proibição da presença das ordens conventuais no território aurífero, que fortaleceu a atuação de irmandades leigas e de ordens terceiras na prática do mecenato. A denominação “barroco mineiro” serve, portanto, para batizar essa produção feita com a mão de obra e materiais locais (por exemplo, a pedra sabão), mão de obra essencialmente de leigos e não de religiosos, datando especialmente da segunda metade do século XVIII. Nessa época, as primeiras linhagens de crioulos e de pardos estão em idade produtiva, formando nos ateliês e oficinas as gerações sucessivas de artífices e artistas que se estendem até a década de 1840, quando o gosto acadêmico passa a prevalecer. Todavia, ao se analisar o dito barroco mineiro segundo os critérios da arte e não da antropologia histórica, o termo adequado é “rococó mineiro”. O rococó foi uma concepção estilística que aconteceu nos países da Europa Central, França e Ibéria baseando-se na clareza visual, cores claras, folha de ouro apenas nas partes ressaltadas, emprego de elementos sinuosos e de rocalha, vocabulário abundante nas obras dos grandes mestres Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), e Manuel da Costa Ataíde (1762-1830). O rococó enraizou-se solidamente na cultura e na alma popular, incorporando-se às tradições locais — daí a sua originalidade. Adalgisa Arantes Campos Março de 2014 Mineiridade em progresso Affonso Romano de Sant’Anna Melhor maneira de terminar é voltar ao princípio. Como se a vida e a história tivessem a circularidade progressiva de uma elipse barroca: uma força impelindo para dentro e outra para fora. Por isto, o texto final desta série está sendo escrito quando estou na estrada entre São João del Rei e Ouro Preto. Na “estrada real”, o imaginário. Não poderia haver coincidência mais sintomática. Escrever sobre Minas no âmago de Minas. O motorista acabou de parar em Lagoa Dourada para comprar um rocambole, que só tem aqui. Em outros pontos da estrada há pastel de angu. Vou passar por Ouro Branco lembrando de uma caminhada que certa vez fiz com um bando de alucinados até Lavras Novas, onde os quilombos do passado e o turismo moderno se encontram. Tal como Ouro Preto,Tiradentes e São João del Rei e suas requintadas pousadas dando notícia de uma rica história em movimento. Estou num cenário do Brasil Colônia celebrando a República no 15 de novembro.Turistas de todas as partes contemplam o milagre mineiro. As ladeiras tortuosas testemunham o maravilhamento dos que vêm de longe. Olho as montanhas, as fazendas, as indústrias surgindo aqui e ali. Na minha fantasia, bandeirantes continuam rasgando passagem nas florestas, índios e negros se rebelam, poetas e artistas perseguem a utopia, enquanto a voluta do século 21 engloba a tradição e a redireciona para além de si mesma numa febril internacionalização. Talvez a elipse barroca estampada nos frontispícios e altares de nossas igrejas antigas e presente na arquitetura moderna seja mesmo a logomarca que une o antes e o depois. Essa elipse, que é tradição e progresso, é também a crescente e inevitável abertura para a vida, símbolo da mineiridade-em-progresso. Estar no tempo certo sem perder a consciência do próprio espaço — é o desafio que mobiliza Minas. O local e o internacional. O campo e a cidade. A fantasia e a realidade. A eletrônica e o barroco ultrapassando as fronteiras e reinventando a história. Jornal Estado de Minas Publicação: 16/11/2011 TCE Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais sob responsabilidade da presidência da instituição ISSN 0102-1052 Publicação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Av. Raja Gabaglia, 1.315 — Luxemburgo Belo Horizonte — MG — CEP: 30.380-435 Revista: Edifício anexo —Escola de Contas — (31) 3348-2142 Endereço eletrônico: <[email protected]> Site: <www.tce.mg.gov.br> As matérias assinadas são de inteira responsabilidade de seus autores. Solicita-se permuta. Exchange is invited. Pidese canje. On demande l’échange. Man bittet um Austausch. Si richiede lo scambio. FICHA CATALOGRÁFICA Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Ano 1, n. 1 (dez. 1983- ). Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, 1983 Periodicidade irregular (1983-87) Publicação interrompida (1988-92) Periodicidade trimestral (1993- ) 1. Tribunal de Contas — Minas Gerais — Periódicos 2. Minas Gerais — Tribunal de Contas — Periódicos. CDU 336.126.55(815.1)(05) v. 32 n. 1 - EQUIPE TÉCNICA - Eliana Sanches Engler Lívia Maria Barbosa Salgado Regina Cássia Nunes da Silva - REVISÃO - Célia Rosa Diego Felipe Mendes A. de Melo Flávia Azevedo Maksud Maria José de Araújo Rios Maria Lúcia Teixeira de Melo - Capa, projeto gráfico e diagramação Revista do TCEMG ISSN 0102-1052 R. TCEMG Belo Horizonte COORDENADORIA DA REVISTA - EDITORA Juliana Mara Marchesani p. 1-207 jan./mar. 2014 Foto da capa — crédito: Marcelo Bessa / idasbrasil.com - Impressão e acabamento Rona Editora Gráfica TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS CONSELHEIROS Adriene Barbosa de Faria Andrade (Presidente) Sebastião Helvecio Ramos de Castro (Vice-Presidente) Cláudio Couto Terrão (Corregedor) Wanderley Geraldo de Ávila Mauri José Torres Duarte (Ouvidor) José Alves Viana Gilberto Pinto Monteiro Diniz CONSELHEIROS SUBSTITUTOS Licurgo Joseph Mourão de Oliveira Hamilton Antônio Coelho PROCURADORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS Glaydson Santo Soprani Massaria (Procurador-Geral) Maria Cecília Mendes Borges Marcílio Barenco Corrêa de Mello Sara Meinberg Schmidt de Andrade Duarte Elke Andrade Soares de Moura Silva Cristina Andrade Melo Daniel de Carvalho Guimarães (Subprocurador-Geral) COMPOSIÇÃO DO PLENO COMPOSIÇÃO DA PRIMEIRA CÂMARA Conselheira Adriene Barbosa de Faria Andrade (Presidente) Conselheiro Sebastião Helvecio Ramos de Castro (Vice-Presidente) Conselheiro Cláudio Couto Terrão (Corregedor) Conselheiro Wanderley Geraldo de Ávila Conselheiro Mauri José Torres Duarte (Ouvidor) Conselheiro José Alves Viana Conselheiro Gilberto Pinto Monteiro Diniz Conselheiro Sebastião Helvecio Ramos de Castro (Presidente) Conselheiro Wanderley Geraldo de Ávila Conselheiro José Alves Viana Conselheiro Substituto Hamilton Antônio Coelho As reuniões da Primeira Câmara ocorrem nas terças-feiras, às 14h30min. Diretor da Secretaria em exercício: André Luis L. Farinelli Fones: (31) 3348-2585 [Secretaria] | (31) 3348-2281 [Apoio] As reuniões do Tribunal Pleno ocorrem nas quartas-feiras, às 14h. Diretor da Secretaria Geral e Tribunal Pleno: Alexandre Pires de Lima Fones: (31) 3348-2204 [Diretoria] | (31) 3348-2128 [Apoio] Conselheiro Cláudio Couto Terrão (Presidente) Conselheiro Mauri José Torres Duarte Conselheiro Gilberto Pinto Monteiro Diniz Conselheiro Substituto Licurgo Joseph Mourão de Oliveira COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA CÂMARA As reuniões da Segunda Câmara ocorrem nas quintas-feiras, às 10h. Diretora da Secretaria: Edna Cristina Ribeiro Fones: (31) 3348-2415 [Secretaria] | (31) 3348-2187 [Apoio] CORPO INSTRUTIVO SECRETARIA EXECUTIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS Júnia Bretas Leôncio Gonçalves | Fone: (31) 3348-2380 SECRETARIA DA PRESIDÊNCIA Maria Lanita Silveira Peluzzo | Fone: (31) 3348-2342 CONSULTORIA-GERAL DO TRIBUNAL DE CONTAS Paulo Jorge Teixeira Nunes (Consultor-Geral) | Fone: (31) 3348-2372 Flávia Carvalho de Mesquita Vasconcellos (Consultora-Geral Adjunta) | Fone: (31) 3348-2266 DIRETORIA DE COMUNICAÇÃO Lúcio Braga Guimarães | Fone: (31) 3348-2370 SUPERINTENDÊNCIA DO CONTROLE EXTERNO Cláudia Costa de Araújo Fusco | Fone: (31) 3348-2438 ASSESSORIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA DE APOIO DE FISCALIZAÇÃO MUNICIPAL (SICOM) Denise Maria Delgado | Fone: (31) 3348-2515 ASSESSORIA PARA COORDENAÇÃO DA FISCALIZAÇÃO INTEGRADA (SURICATO) Jacqueline Soares Gervásio Vianna de Paula | Fone: (31) 3348-2470/2634 DIRETORIA DE CONTROLE EXTERNO DO ESTADO Valquíria de Sousa Pinheiro Baia | Fone: (31) 3348-2223 DIRETORIA DE ENGENHARIA E PERÍCIA Emídio Correia Filho | Fone: (31) 3348-2635 DIRETORIA DE CONTROLE EXTERNO DOS MUNICÍPIOS Gustavo Vidigal Costa | Fone: (31) 3348-2255 DIRETORIA DE MATÉRIAS ESPECIAIS Patrícia Silva Cortez | Fone: (31) 3348-2254 DIRETORIA DE FISCALIZAÇÃO DE ATOS DE PESSOAL Mônica Kröger Magalhães Macedo Neves | Fone: (31) 3348-2234 DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO Flávia Maria Gontijo da Rocha | Fone: (31) 3348-2101 DIRETORIA DE GESTÃO DE PESSOAS Leila Renault da Silva | Fone: (31) 3348-2491 DIRETORIA DE ORÇAMENTO, CONTABILIDADE E FINANÇAS Eduardo Rodrigues Chaves | Fone: (31) 3348-2369 DIRETORIA DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Cristiana Siqueira Veloso de Andrade | Fone: (31) 3348-2490 SECRETARIA GERAL E DO TRIBUNAL PLENO Alexandre Pires de Lima | Fone: (31) 3348-2204 DIRETORIA DA ESCOLA DE CONTAS E CAPACITAÇÃO PROFESSOR PEDRO ALEIXO Natália Raquel Ribeiro Araújo | Fone: (31) 3348-2698 DIRETORIA DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL Francisco Eustachio Rabello | Fone: (31) 3348-2176 PRESIDÊNCIA Bernadete Carvalho Soares de Aguiar (Chefe de gabinete da presidente) | Fone: (31) 3348-2314 Nara de Paiva Barbosa Godinho (Assessora da presidente) | Fone: (31) 3348-2378 CONTROLADORIA INTERNA Judas Thadeu Monteiro Lobato | Fone: (31) 3348-2437 SUMÁRIO ENSAIO Sebastião Helvecio Ramos de Castro DOUTRINA O ressarcimento de valores arrecadados a maior em decorrência de tarifas majoradas indevidamente em concessões públicas: execução de direitos individuais homogêneos reconhecidos pelos tribunais de contas Celso de Lima Freire Há responsabilidade do parecerista jurídico no processo licitatório? Bruno de Andrade Barbosa Governança e accountability no setor público: auditoria operacional como instrumento de controle das ações públicas a cargo do TCEMG Érica Apgaua de Britto 11 19 37 53 PARECERES E DECISÕES Redução de jornada de servidores municipais e necessidade de preservação do valor global da remuneração Consulta n. 896.622 | Relator: Conselheiro Wanderley Ávila 73 EC n. 70/2012: regra de transição para a aposentadoria por invalidez permanente Consulta n. 837.411 | Relatora: Conselheira Adriene Andrade 78 Efetividade das ações do Estado na gestão da assistência farmacêutica Auditoria Operacional n. 886.104 | Relator: Conselheiro Sebastião Helvecio 83 Criação de Defensoria Pública: competência estadual Denúncia n. 887.949 | Relator: Conselheiro Cláudio Terrão 95 Responsabilidade solidária de gestor público por atos de comissão de licitação Recurso Ordinário n. 851.244 | Relator: Conselheiro Mauri Torres 100 Condições da adesão à ata de registro de preços Consulta n. 885.865 | Relator: Conselheiro José Alves Viana 104 Possibilidade de utilização de subvenções sociais oriundas do orçamento municipal para despesas trabalhistas Consulta n. 887.867 | Relator: Conselheiro Gilberto Diniz 112 O princípio da verdade material e o controle de contas Prestação de Contas Municipal n. 679.550 | Relator: Conselheiro Substituto Licurgo Mourão 118 Aplicação de prescrição decenal Processo Administrativo n. 699.033 | Relator: Conselheiro Substituto Hamilton Coelho 128 Direito do gestor à defesa técnica Procurador Marcílio Barenco Corrêa de Mello 137 COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Cessão de servidor público: uma análise com enfoque nas decisões proferidas pelo TCEMG e pelo TJMG Caroline Lima Paz | Cláudia de Carvalho Picinin 155 ESTUDO TÉCNICO 181 ÍNDICES 203 ENSAIO REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS - SEBASTIÃO HELVECIO RAMOS DE CASTRO - Os 34 tribunais de contas brasileiros, por decisão plenária no XXVII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, homologaram, com apoio da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e do Instituto Rui Barbosa (IRB), a Declaração de Vitória1, que contempla as diretrizes e os compromissos das instituições. A primeira diretriz apontada — “desenvolver mecanismos e implementar ações para o fortalecimento institucional dos Tribunais de Contas, em obediência ao princípio federativo, enquanto instrumentos indispensáveis à cidadania” — é essencial para que o controle externo brasileiro seja sistêmico, instrumentalizado, qualificado, contemporâneo, eficiente, útil à sociedade e guardião inarredável da moralidade na administração pública, combatendo diuturnamente a corrupção que ameaça o erário. No bojo das outras 25 diretrizes são listadas ações, boas práticas e caminhos para a melhoria da gestão pública, incluindo-se, aí, os próprios tribunais de contas e a consolidação do sistema como instrumento da cidadania, visando diminuir as desigualdades em todas as suas manifestações, sejam institucionais, regionais ou pessoais. Documento referência do Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, 27, Vitória, ES, de 3 a 6 de dezembro de 2013. 1 11 2014 jan.|fev.|mar. Revista TCEMG O ideário schumpeteriano e os tribunais de contas no Brasil ENSAIO CRÉDITO: ACERVO PESSOAL Nesta primeira edição da Revista do TCEMG do ano de 2014, o conselheiro vice-presidente Sebastião Helvecio, rememora o surgimento dos tribunais de contas no Brasil. Médico e bacharel em Direito, com título de doutor em Política, Administração e Planejamento e pós-graduado em Controle Externo e Avaliação da Gestão Pública. Foi também deputado à IV Constituinte Mineira, signatário da Constituição do Estado de Minas Gerais — Constituição Compromisso — 1989, secretário da saúde de Minas Gerais e vice-prefeito de Juiz de Fora. Recentemente eleito presidente do Instituto Rui Barbosa (IRB), é perceptível a preocupação do conselheiro Sebastião Helvecio com o fortalecimento institucional dos Tribunais de Contas, a fim de se garantir um controle externo qualificado, contemporâneo, eficiente e útil à sociedade. ENSAIO SEBASTIÃO HELVECIO RAMOS DE CASTRO Os tribunais de contas no Brasil foram criados pelo Decreto n. 966-A, de 7 de novembro de 1890, competindo-lhes exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesa da República. É importante realçar que esse documento inicial já desvincula o Tribunal de Contas de qualquer poder de Estado, conforme leciona o então ministro da Fazenda Rui Barbosa em sua motivação, ao descrever a Corte de Contas como: “corpo de magistratura intermediária entre a Administração e a Legislatura [...] cercado de garantias contra quaisquer ameaças, [que] possa exercer as suas funções no organismo constitucional [...]”. O cenário político à época dessa definição é o início da era republicana, quando certamente ainda não se imaginava a complexidade da administração pública contemporânea. As cartas constitucionais brasileiras que se seguiram representam um “ciclo de sístoles e diástoles”2, ora com aprimoramentos, ora com relaxamentos da função do controle externo. É evidente que este ensaio não tem o escopo de apontar tais avanços e retrocessos, mas de salientar, entre outros intentos, a inovação da emissão do parecer prévio por parte do Tribunal de Contas no exame das contas anuais do presidente da República (Constituição de 1934) e a extinção de vários tribunais de contas estaduais durante a ditadura varguista. A Constituição de 1946 destacou os tribunais de contas e projetou novas complexidades para a sua competência, mas a ditadura instaurada em 1964 minimizou a ação das cortes de contas mediante vários decretos e atos institucionais. A Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, resgata por inteiro a importância dos tribunais de contas, especialmente ao insculpir nos incisos do seu art. 71 as competências que balizam a atuação desses tribunais no fortalecimento da democracia, da república e da federação. Nessa esteira é importante realçar que o reconhecimento explícito de que a eficiência é um princípio constitucional da administração pública ocorreu somente em 1998, com a Emenda Constitucional n. 193, embora o princípio da eficiência já fosse tema recorrente entre administrativistas e ideólogos de políticas públicas. O princípio da eficiência é autônomo, dotado de normatividade suficiente para vincular as atividades da Administração Pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, Estados e Municípios; e mais, na dicção de Batista Junior (2004, p. 130), “um verdadeiro dever de otimização das relações meio-fim e da orientação para o bem comum”. Aqui é importante demonstrar que o princípio da eficiência não pode ter uma interpretação simplista, que o reduza à mera ideia de economicidade. Ao contrário, o que se deseja do gestor público é qualidade do gasto público, compromisso com resultados e consequentemente com a efetividade e a eficácia. Eis o elo fundamental: é preciso que os gestores e os tribunais de contas trabalhem conjuntamente na missão de zelar pela boa aplicação dos recursos públicos. Para isso, as cortes de contas devem lançar mão de atividades de inteligência para otimizar resultados. A inteligência é toda informação coletada, organizada ou analisada para atender as demandas de um tomador de decisões (CEPIK, 2003, p. 27). É indiscutível a substituição do velho pelo novo. É preciso implantar um novo ideário nos tribunais de contas. Schumpeter, em seu livro Die Theorie der Wirtschaftlichen Entwicklung4, de 1911, destaca a ação fundamental do empreendedor, “aquele que é capaz de aproveitar as chances das mudanças tecnológicas e introduzir processos inovadores”. Mais tarde, já nos Estados Unidos, em sua obra Capitalismo, Socialismo e Democracia5, Schumpeter elabora o conceito que o consagra mundialmente: “destruição criativa”, em que as 2 3 4 5 Para o detalhamento dos períodos de “sístoles e diástoles” na história constitucional brasileira, ver CASTRO, 2007. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997. É a mais importante obra do autor. Critica o conceito de vontade popular e constata o poderio da elite dominante sobre a maioria desorganizada. Publicada em março de 1942. 12 Acemoglu e Robinson (2012), em sua obra decorrente da conferência realizada no Institute for Quantitative Social Science, em fevereiro de 2010, em Harvard, Por que as nações fracassam (Why the Nations Fail), defendem o conceito de instituições extrativistas e instituições inclusivas. Estas — que asseguram os direitos de propriedade, criam condições igualitárias para todos e incentivam os investimentos em novas tecnologias e competências — têm maiores chances de conduzir ao crescimento econômico do que as extrativistas, que são estruturadas de modo que poucos possam extrair recursos de muitos. A capacidade que têm aqueles que dominam as instituições extrativistas de beneficiar-se imensamente, em detrimento do resto da sociedade, implica que o poder político, sob instituições extrativistas, é um bem cobiçado, o que leva inúmeros grupos e indivíduos a disputá-lo. Concluem, ainda, os autores, “o pluralismo, pedra angular das instituições políticas inclusivas, requer que o poder político tenha ampla distribuição pela sociedade”. Nessa esteira, os tribunais de contas do Brasil, ao optarem pela parceria com outras instituições de controle e principalmente pela aproximação com jurisdicionados e entidades da sociedade civil, contribuem efetivamente no empoderamento do cidadão, pilar essencial para que o controle social seja mais efetivo. Outro autor, da costa oeste dos Estados Unidos, Angus Deaton (2013), da Universidade de Princeton, em seu recente livro The great escape: health, wealth and the origins of inequality, ao analisar os programas de ajuda externa a países em desenvolvimento, conclui pela ineficácia da maioria dos programas implementados e faz uma crítica ao chamado “modelo hidráulico”, que embasa o fundamento de que a simples injeção de recursos promove melhorias nos resultados de políticas públicas. Por outro lado, a Teoria da Modernização, de Seymour Martin Lipset — que, em síntese, propõe que as sociedades, ao crescerem, encaminham-se para sociedades mais modernas, desenvolvidas, civilizadas e democráticas e que as instituições inclusivas brotaram como subproduto — revela-se inconsistente. Um bom exemplo é a Argentina, que, apesar de ser um dos países mais ricos no início do século XIX, não exercitando pluralismo e democracia, não floresceu com instituições inclusivas. 13 2014 jan.|fev.|mar. No entanto, há resistências à implementação de novas tecnologias e transformações institucionais. Uma digressão histórica nos leva ao ludismo ou movimento ludista, em que a figura de Ned Ludd simboliza a destruição de máquinas que poderiam concorrer com postos de trabalho na Inglaterra. John Kay, inventor da “lançadeira voadora”, uma das primeiras inovações na mecanização da tecelagem, teve a casa incendiada por ludistas em 1753. Onze anos após, James Hargreaves, o inventor da máquina de fiar hidráulica, teve o mesmo tratamento. Hodiernamente adotamos o ludismo como sinônimo de resistência à mudança tecnológica. Revista TCEMG Parafraseando Schumpeter, a instituição saudável rompe o equilíbrio por meio da inovação. Uma visão sistematizada pode reconhecer cinco ondas schumpeterianas: 1ª onda (1785-1845): energia hidráulica, têxteis, ferro; 2ª onda (1845-1900): vapor, estrada de ferro, aço; 3ª onda (1900-1950): eletricidade, química, motor de combustão interna; 4ª onda (1950-1990): petroquímica, eletrônica, aeronáutica; 5ª onda (1990dias atuais): redes digitais, software e novas mídias. ENSAIO inovações dos empresários são a força motriz do crescimento econômico sustentado a longo prazo. Em síntese: “há a substituição do velho pelo novo.” Em uma instituição, um novo setor atrai recursos orçamentários em desfavor de outro já estabelecido. No mundo mercantil, novas empresas absorvem negócios daqueles já estabelecidos e, de modo irreversível, novas tecnologias tornam descartáveis competências e equipamentos existentes que poucos dias atrás eram insuperáveis. Há apenas alguns anos, um bilhete aéreo era um talão cheio de folhas, cópias em papel carbono, guardado como a joia da viagem, pois, em caso de extravio, não era possível embarcar. Hoje é completamente diferente: o acesso é por meio eletrônico; a telefonia, a emissão de cheques, o ensino à distância, as redes sociais, as imagens para aperfeiçoar o diagnóstico médico. Enfim, são tantas as novíssimas tecnologias que ocuparam o lugar de outras consagradas no nosso cotidiano. ENSAIO SEBASTIÃO HELVECIO RAMOS DE CASTRO As fórmulas impostas por organismos internacionais, desde a formulação do Consenso de Washington6 até as tradicionais receitas do Fundo Monetário Internacional, amparadas na ideia fulcral de que o desenvolvimento incompleto é feito de instituições e políticas de má qualidade, também se mostraram infrutíferas. A lista mágica “do que fazer” — com o quinteto favorito: estabilidade macroeconômica, metas macroeconômicas, redução do Estado, câmbio flexível e liberalização das contas de capital — também se revelou frustrante. No Brasil, a caminhada para a redemocratização com centralismo e pluralismo é longa e tortuosa. A década de 70, com o crescimento econômico, estimula a possibilidade de ganhos salariais. As greves, proibidas desde 1964, são questionadas em 12 de maio de 1978 com a pioneira greve da fábrica de caminhões da Scania em São Bernardo do Campo. É o ressurgimento do movimento trabalhista brasileiro para o enfrentamento do regime autoritário. O passo seguinte é a mobilização de inúmeros setores da sociedade civil para a aprovação da eleição direta para presidente da República, que se inicia de maneira discreta em 31 de março de 1983, no recém-emancipado município pernambucano de Abreu e Lima. Na minha cidade natal, Juiz de Fora, tive o privilégio de ser orador, ao lado de importantes líderes, em um comício com mais de 30 mil participantes, no dia 29 de fevereiro de 1984. Seguem-se manifestações por todo o Brasil, como os comícios do Rio de Janeiro em 10 de abril de 1984 (1 milhão de presentes) e de São Paulo em 16 de abril (1,5 milhão de participantes). A proposta de emenda constitucional n. 5, de autoria do deputado federal Dante de Oliveira, com assinaturas de 170 deputados e 23 senadores, é protocolizada em 2 de março de 1983. Votada em 25 de abril de 1984, em meio a comoção nacional, obtém 298 votos a favor e 65 contra (3 abstenções), mas ainda assim não é suficiente para sua aprovação. Os principais frutos foram a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Daí resultaram a Constituição Federal de 1988 e a realização das eleições diretas para presidência da República em 1989. Detalhei um pouco mais essa passagem para que possamos ter uma noção clara do legado democrático que recebemos e, concordando com Acemoglu e Robinson (2012, p. 353), ressalto que: A ascensão brasileira, desde a década de 1970, não foi arquitetada por economistas de instituições internacionais que instruíram as autoridades brasileiras com relação à melhor maneira de criar políticas ou evitar a falência dos mercados. Também não foi resultado natural da modernização. Pelo contrário, foi consequência da construção corajosa de instituições inclusivas por diversos grupos — que acabariam produzindo instituições econômicas inclusivas. Pode-se inferir que o prestígio dos tribunais de contas, a partir da Constituição de 1988, é decorrente da vontade da sociedade brasileira, expressa nos comandos do constituinte originário. Portanto, a atividade de controle externo é princípio constitucional, e zelar pelo seu fiel exercício é compromisso dos que exercem esta nobre e destacada missão. REFERÊNCIAS ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam; as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL. Diagnóstico dos tribunais de contas do Brasil: avaliação da qualidade e agilidade do controle externo (por pares). Brasília, DF: Atricon, 2013. In: CONGRESSO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL, 27., 2013, Vitória, ES. 6 Síntese das medidas propostas por John Williamson, em novembro de 1989, adotadas a partir da década de noventa pelo Fundo Monetário Internacional para o ajustamento de países em desenvolvimento. 14 84 p. Disponível em: <http://www.atricon.org.br/wp-content/uploads/2013/07/ATRICON-_-DiagnosticoDigital.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2014. ________. Declaração de Vitória. In: CONGRESSO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL, 27., 2013, Vitória, ES. [Documento referência] 4 p. Disponível em: <http://www.atricon.org.br/wp-content/ uploads/2013/12/declaracao-de-vitoria-final-06_12_13.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2014. ________. InfoContas: rede nacional de informações estratégicas para o controle externo; criação e regulamentação. Brasília, DF: Atricon, 2013. In: CONGRESSO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL, 27., 2013, Vitória, ES. 32 p. Disponível em: <http://www.atricon.org.br/wp-content/ uploads/2013/11/InfoContas.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2014. CASTRO, Sebastião Helvecio Ramos de. Sístoles e diástoles no financiamento da saúde em Minas Gerais: o período pós-constituinte 1989. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) — Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. CEPIK, Marco A.C. Espionagem e democracia: agilidade e transparência como dilemas na institucionalização de serviços de inteligência, Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2003. 232 p. Disponível em: <books.google.com.br/books?isbn=85225043>. Acesso em: 24 jan. 2014. 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ENSAIO BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. 772 p. DOUTRINA REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS Resumo: Nas detalhadas operações de reajuste e de revisão contratuais que ocorrem na vigência das concessões públicas, é possível que haja algum equívoco que permaneça despercebido por algum tempo. Se os tribunais de contas, em suas atividades regulares, perceberem que algum desses contratos gerou cobrança de contraprestações que excedem os patamares devidos, além de determinar sua redução, devem imputar débito correspondente aos valores arrecadados a maior. Por disposição constitucional, essa imputação tem força de título executivo. Considerando que o direito envolvido na condenação é um direito individual homogêneo, a sua execução deve ocorrer pela via coletiva, pois a doutrina mais moderna reconhece, diante de outras hipóteses legais já existentes, a possibilidade de execução coletiva de títulos executivos extrajudiciais. Palavras-chave: Ressarcimento. Direitos individuais homogêneos. Tarifas. Imputação de débito. Liquidação. Execução. Reparação fluida. 1 INTRODUÇÃO Percebe-se nas concessões públicas uma lógica antitética: de um lado existe o interesse público buscando uma prestação de serviços cada vez mais completa, de outro, existe uma empresa capitalista, que objetiva extrair o máximo lucro. A contraprestação pública deve alcançar o ponto de equilíbrio entre a suficiente remuneração e a adequada prestação dos serviços. A busca por esse ponto de equilíbrio tem ganhado cada vez mais importância, pois abundam os contratos de concessão no Brasil, como possível solução de uma série de deficiências de serviços públicos e de infraestrutura. No primeiro semestre de 2013, grandes massas 19 DOUTRINA 2014 Analista de Controle Externo do TCEMG. Especialista em Direito Público (PUC Minas/Escola de Contas), Direito Processual (Unisul) e Direito Processual Civil (Uniderp). Bacharel em Direito (UFMG). Integrante do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração da Justiça (UFMG). jan.|fev.|mar. Celso de Lima Freire Revista TCEMG O ressarcimento de valores arrecadados a maior em decorrência de tarifas majoradas indevidamente em concessões públicas: execução de direitos individuais homogêneos reconhecidos pelos tribunais de contas O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS populacionais foram às ruas protestar, entre outras reivindicações, por redução nas tarifas públicas, que lhes pareciam exorbitantes, em face da má qualidade do serviço prestado. Este trabalho cuida da recuperação de valores cobrados a maior indevidamente em tarifas. No capítulo 2, serão feitas algumas considerações acerca de uma das mais importantes proteções que o Poder Público confere a seus delegatários: a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro. Sua manutenção demanda sucessivos reajustes e revisões contratuais, que, muitas vezes, envolvem cálculos complexos. Se em algumas dessas operações houve alguma inadequação, pode ser que resulte em uma arrecadação a maior dos usuários. No capítulo 3, será estudada a natureza jurídica da remuneração paga pelos usuários. Em seguida, no capítulo 4, será feita uma análise da possibilidade de atuação dos tribunais de contas no controle dos reajustes e das revisões contratuais, inclusive nos setores que sofrem a disciplina das agências reguladoras. Os tribunais de contas possuem capacidade técnica e métodos próprios para aferir se uma tarifa está fixada em patamares adequados ou não. Já o capítulo 5 tratará da definição de quem deve ser o credor do ressarcimento do valor cobrado a maior pelo concessionário. No capítulo 6, serão expostas algumas distinções fundamentais do direito coletivo brasileiro para demonstrar que a lesão aos usuários por cobrança de uma tarifa indevidamente majorada implica uma ofensa a direitos individuais homogêneos desse grupo de usuários. No capítulo 7, serão feitas considerações acerca da executividade constitucionalmente prevista das imputações de débito e multa pelos tribunais de contas. Também se discutirá, por fim, o modo de liquidação e execução coletiva das condenações dos tribunais de contas que envolvem o direito ao ressarcimento de tarifas cobradas a maior dos usuários. 2 OS REAJUSTES E REVISÕES DA REMUNERAÇÃO DO DELEGATÁRIO É cediço que, no Brasil contemporâneo, uma série de serviços públicos é prestada mediante concessão. Como esses contratos geralmente são bastante longos, durante o seu curso existe necessidade de se realizarem reajustes e revisões da remuneração devida ao concessionário (ambas visando à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro). Se o serviço for executado diretamente pelo Poder Público, sem delegação, não se fala em manutenção da equação econômico-financeira. No entanto, é certo que o direito exige que a atuação estatal se desenvolva de forma compatibilizada com as leis orçamentárias, daí se extraindo que na execução direta dos serviços se fala em manutenção do equilíbrio orçamentário (SCHWIND, 2010, p. 73). Com relação ao serviço público que foi delegado, deve-se distinguir: no reajuste, a remuneração do concessionário não se modifica substancialmente, pois persistem os mesmos fatores levados em conta inicialmente, o que ocorre é apenas uma atualização. Por outro lado, a revisão representa uma reavaliação do próprio valor original (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 752). Quando comparado com os contratos privados, verifica-se que o contratado possui uma maior salvaguarda nos contratos administrativos (Lei n. 8.666/93). Por sua vez, nos contratos de concessão (Lei n. 8.987/95 e Lei n. 11.079/04), em decorrência de sua longa duração e do fato de cuidarem do exercício de uma atividade-fim do Estado, existe uma preocupação ainda mais extensa na manutenção do seu equilíbrio econômico-financeiro. Na concessão, o dever de manutenção do equilíbrio tem bases mais complexas, deve levar em conta muitas variáveis, entre elas o “montante estimado do investimento, fluxo de caixa projetado, cronograma de desembolsos, variações de receita, custo de remuneração do capital (para fixação do qual concorrem outros tantos fatores, inclusive o risco político enredado no negócio)” (MARQUES NETO1 apud ARAGÃO, 2008, p. 63-66). 1 MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Breves considerações sobre o equilíbrio econômico-financeiro nas concessões. Revista de Informação Legislativa, v. 40, n. 159, p. 194-195. jul./set. 2003. 20 Assim sendo, a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro é garantida ao se respeitar a relação entre encargos e vantagens originalmente estabelecida no instrumento contratual de delegação. Como a cobrança de valores diretamente dos usuários é uma das vantagens mais significativas do concessionário, a fixação do seu valor é um dos elementos que interferem diretamente no equilíbrio econômico-financeiro. No momento de apresentar sua proposta na licitação, avaliado o edital, são considerados os riscos que terá que assumir caso seja o vencedor. “Em tese, quanto maior o risco a ser assumido, maior a remuneração demandada para que ‘valha a pena’ correr aquele risco” (SCHWIND, 2010, p. 74). Assim, a manutenção da equação econômico-financeira ao longo de toda a concessão determina que o aumento dos encargos do concessionário deve ser contrabalanceado com o incremento das vantagens, em igual proporção. O valor nominal da tarifa não é inalterável. “Imutável é a relação entre encargos e vantagens que surge com a contratação do concessionário com base nos dados derivados de sua proposta” (SCHWIND, 2010, p. 61). Nesse sentido, se ocorre uma alteração dos valores a serem cobrados do usuário (por exemplo, na redução Essa é uma regra que Celso Antônio Bandeira de Mello discorre para as concessões comuns. Sabe-se que nas PPPs os riscos são objetivamente compartilhados entre os parceiros públicos e privados. 2 21 DOUTRINA 2014 jan.|fev.|mar. Revista TCEMG Nas concessões, existe uma relação equilibrada entre os encargos atribuídos ao concessionário e a sua remuneração. Esse equilíbrio não pode ser rompido unilateralmente pela Administração Pública. Pelo contrário, ela tem o dever de preservá-lo. Essa igualdade estará comprometida necessariamente toda vez que forem aumentados os encargos dos concessionários. O Estado, então, deve recompor a equação compensando proporcionalmente o outro lado da relação. Mas ao concessionário não é atribuída uma proteção total, afastando-lhe de qualquer insucesso econômico. O concessionário exerce uma atividade por sua conta e risco. Daí é essencial distinguir os casos que serão cobertos pelo próprio concessionário daqueles outros que correrão por conta do poder concedente. Nesse ponto, é comum os doutrinadores recorrerem à doutrina francesa para destacar que a álea ordinária (ou seja, os riscos normais, naturais do negócio) é suportada pelo concessionário. A álea extraordinária do direito francês, por sua vez, divide-se em álea administrativa e álea econômica. A álea administrativa corresponde às modificações unilaterais impostas pelo concedente (teoria do fato do príncipe) e corre inteiramente por conta do Estado. Por outro lado, a álea econômica diz respeito aos riscos derivados de situações anômalas, imprevisíveis e excepcionais (por exemplo, crises econômicas, acidentes naturais) e, nesse caso, os prejuízos deles decorrentes são partilhados entre concedente e concessionário. Mas essas soluções do direito francês não se ajustam completamente ao direito brasileiro. No Brasil, o concessionário goza de uma proteção mais arrojada: os casos de álea econômica são de completa responsabilidade do Poder Público concedente (a responsabilidade não é compartilhada, como é, por via de regra, no direito francês). Nesse quadro de maior proteção ao concessionário, o Estado deve se responsabilizar pela variação de preços dos insumos que compõem a remuneração do concessionário. É o que se extrai do art. 9º e seu § 2º, do art. 18, VIII, e art. 23, IV, da Lei n. 8.987/95. Ademais, a Constituição em seu art. 37, XXI, aduz que as obras e serviços serão contratados com pagamento a ser realizado, “mantidas as condições efetivas da proposta”. Mas então quais riscos devem ser suportados exclusivamente pelo concessionário no Brasil? Ele deve suportar sozinho os prejuízos decorrentes de sua ineficiência e imperícia, assim como aqueles que derivarem de estimativa inexata do número de usuários2. Também é de responsabilidade exclusiva do concessionário a expectativa frustrada de arrecadação das fontes alternativas de receita. O concessionário não pode se furtar aos riscos do empreendedorismo. A proteção à equação econômico-financeira não significa uma imunização do concessionário a eventuais prejuízos “ou mesmo ao malogro de seu empreendimento pessoal quando [...] venha a sofrer vicissitudes próprias da vida negocial” (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 759). O concessionário não pode se eximir da álea própria ao mundo dos negócios sob alegação genérica e abstrata de invocação de proteção ao equilíbrio econômico-financeiro (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 754-759). O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS para certas categorias de pessoas) deve ser feita uma compensação com a redução de encargos ou com a ampliação de outras fontes de receitas. Se, por outro lado, são aumentados os encargos, as vantagens devem ser também majoradas3 (SCHWIND, 2010, p. 73-75). Frequentemente, essas operações de revisão/reajuste envolvem cálculos complexos. Se em uma concessão ocorreu algum equívoco que acabou gerando uma arrecadação a maior, deve haver o ressarcimento. Como se verá adiante, dependendo da origem da receita arrecadada a maior, pode ser que os lesados sejam os usuários do serviço público oferecido. Nessa hipótese, é importante definir a natureza jurídica da remuneração que foi cobrada dos usuários. 3 DA NATUREZA JURÍDICA DA REMUNERAÇÃO DO DELEGATÁRIO Antes de passar propriamente à análise da problemática decorrente da cobrança a maior da remuneração em uma concessão, é importante trazer maiores elementos para sua identificação no universo jurídico. Isso tem importantes consequências para o desenvolvimento do presente estudo. A doutrina tem entendido que existem duas formas de se cobrar diretamente dos usuários pela prestação de serviços públicos: as taxas e as tarifas. A figura da taxa4 tem amparo constitucional no art. 145, II, da Constituição5 e se sujeita aos princípios constitucionais da estrita legalidade (art. 150, I, da Constituição) e da anterioridade (art. 150, III, b, da Constituição). Isso implica que a taxa a ser instituída para remuneração dos serviços públicos prestados somente pode ser cobrada se o seu valor estiver estipulado em lei. Ademais, esse valor não pode ser exigido no mesmo exercício financeiro em que a referida lei foi publicada. “O mesmo acontece com qualquer majoração do valor da taxa: só pode se dar por lei formal e a cobrança majorada não pode ocorrer no mesmo exercício financeiro em que houve publicação da lei” (SCHWIND, 2010, p. 47). A tarifa, por sua vez, é prevista no art. 175, parágrafo único, III, da Constituição6 e se submete a um regime bastante distinto das taxas. Pode-se destacar o fato de as tarifas serem fixadas e modificadas administrativamente, dispensando-se, portanto, a edição de lei formal para sua fixação e alteração. Também pode existir a previsão de reajustes periódicos, segundo índices ou fórmulas predefinidos, sem necessidade de lei para sua aplicação (SCHWIND, 2010, p. 47). Pode-se destacar também que a tarifa7 é parte integrante do regime geral dos serviços públicos na Constituição. O art. 175, parágrafo único, III, ao disciplinar a prestação dos serviços públicos, diretamente, 3 4 5 6 7 Embora seja um instrumento que se verifica com frequência na prática, não é somente com o aumento da remuneração paga pelos usuários que se pode restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro de uma concessão. Outras medidas, tais como a alteração do prazo contratual, o acréscimo de outras fontes de receitas, podem ser também utilizadas (em conjunto com o aumento da remuneração, ou isoladamente) (SCHWIND, 2010, p. 73-75). Jacintho Arruda Câmara (2009, p. 26-27) destaca que vários doutrinadores tributaristas brasileiros (notadamente aqueles ligados à PUC/SP, a exemplo de Geraldo Ataliba) entenderam que a taxa seria a única forma possível de remuneração pelos usuários de algum serviço público. A cobrança pela utilização do serviço público, seja prestado diretamente pelo Estado, seja por concessionários e permissionários, sempre deveria ser feita por meio de taxas. Se não se optasse pela utilização das taxas, não se poderia cobrar dos usuários, e o serviço deveria ser gratuito. Esses doutrinadores entendiam que outra leitura não seria admissível, diante do texto do art. 145, inciso II, da Constituição. Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (omissis) II — taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; (BRASIL, 1988). Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: (omissis) III — política tarifária; (BRASIL, 1988) O conceito de tarifas é fungível com o de preço público (ARAGÃO, 2008, p. 609). 22 Verifica-se que na prática, talvez em razão de sua maior operabilidade, os poderes concedentes têm, em sua grande maioria, optado por remunerar os seus concessionários por meio de tarifas, e não por taxas. Por essa razão, doravante, passa-se a analisar a política remuneratória dos concessionários apenas do ponto de vista das tarifas. Uma das consequências da opção de se remunerar o serviço público por tarifas (e não por taxas) é a possibilidade de discussão judicial da remuneração do concessionário em ações civis públicas. O art. 1º, Como o autor está cuidando dos contornos da remuneração por taxa ou por tarifas, percebe-se que a discussão envolve os casos em que se exige alguma prestação pecuniária diretamente dos usuários. Mas para além dessa discussão, sabe-se que com a Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei n. 11.079/04), surgiram as concessões administrativas, que não cobram remuneração dos usuários. Assim destaca a doutrina: “O que não existe, na concessão administrativa, é a tarifa cobrada do usuário [...]” (DI PIETRO, 2010, p. 313). 8 23 DOUTRINA 2014 jan.|fev.|mar. O STF tem entendido que existe um critério para distinguir uma ou outra espécie de obrigação: deve-se aferir se o particular detém a liberdade de usufruir ou não do serviço público em questão. Assim, se o usuário tem a opção de, caso seja de sua vontade, utilizar-se de outros meios adequados à satisfação de suas necessidades (trata-se do denominado serviço público voluntário), a contraprestação pela sua utilização será uma tarifa. Cite-se como exemplo de serviço público voluntário a utilização de energia elétrica, pois em seu lugar pode ser utilizada a energia solar, geradores particulares, ou até mesmo viver sem luz elétrica. Por outro lado, quando o usuário não puder deixar de utilizar o serviço (cuida-se do denominado serviço público compulsório), sua remuneração é dada por taxa. Nesse caso, como exemplo, o serviço público urbano de coleta de lixo, que na maioria de municípios brasileiros, os particulares não podem se recusar a recebê-lo, constituindo infração administrativa a utilização de outro modo de descarte do lixo. Mas esse raciocínio gera um problema: como podem as concessionárias, que são pessoas jurídicas de direito privado, figurar no polo ativo de uma obrigação tributária? Ademais, sendo a taxa uma espécie de tributo, cada demanda de reequilíbrio econômico-financeiro só geraria efeitos para os usuários após aprovação por lei. Como resposta a essa perplexidade, uma parte da doutrina entendeu que os serviços públicos compulsórios não poderiam ser objeto de delegação. Outra parte da doutrina (com a qual Alexandre Santos de Aragão concorda) entendeu que o art. 175 da Constituição representa uma exceção e qualquer serviço público delegado (compulsório ou não) que busque remuneração diretamente dos usuários, adotará regime de tarifa (ARAGÃO, 2008, p. 609).8 Revista TCEMG ou por meio de regime de concessão ou de permissão, menciona que lei ulterior deverá dispor sobre política tarifária. Diante do argumento de que a opção pelo regime tarifário tornaria sem sentido o “dispositivo constitucional que prevê a prestação de serviços públicos como uma das hipóteses para a criação de taxas” (CÂMARA, 2009, p. 30), pode-se entender que a Constituição ofertou “opções de regime jurídico a ser adotado pelo legislador” (CÂMARA, 2009, p. 30-31). Foi conferida uma discricionariedade para o legislador ordinário. São variados os exemplos em que o constituinte ofertou essa faculdade de escolha da melhor opção. Para permanecer no campo do serviço público, pode-se destacar que o legislador ordinário pode optar pela cobrança de prestação do serviço ou oferecê-lo gratuitamente. A Constituição também não especifica a forma de sua prestação, que pode ser feita pela própria Administração (direta ou indireta) ou por delegação a particulares. Se decidir pela delegação, existe liberdade para realizá-la por concessão ou por permissão. Como se vê, inclusive na esfera dos serviços públicos, há margem de discricionariedade para o legislador ordinário em diversos pontos, o que demonstra que não há razões para refutar existência de opções constitucionais igualmente viáveis no campo do regime remuneratório. A coexistência do art. 145, II, e do art. 175, parágrafo único, III, da Constituição demonstra que o interesse público pode ser alcançado de duas formas, dependendo do caso concreto, quais sejam, instituição de taxas ou tarifas. Assim, a posição dominante é a da admissibilidade do regime tarifário como forma de contraprestação de serviços públicos (CÂMARA, 2009, p. 29-33). “A temática da especificidade e divisibilidade do serviço autoriza a cobrança de taxa, mas também pode conduzir à remuneração por meio de tarifas” (JUSTEN FILHO, 2003, p. 342). O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS parágrafo único, da Lei n. 7.347/85, estatui que não poderão ser objeto de ação civil pública as pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou outros fundos de natureza institucional, cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. Como as taxas são uma das espécies de tributos, qualquer discussão judicial de seu valor não poderia ser feita em ações civis públicas. Formulado algum pedido vedado pelo art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/85, o juiz deve declarar que carece uma condição da ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido. Mas é de se destacar que esse dispositivo não pode ser interpretado de maneira mais ampla do que aquela fixada em seu conteúdo. Não há vedação a que se veiculem, em ações civis públicas, pedidos relacionados a tarifas (CARVALHO FILHO, 2011, p. 37-38): Vale a pena consignar, por outro lado, que a vedação contemplada no art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/85, não pode ser interpretada em sentido mais amplo do que o fixado em seu conteúdo. A restrição abrange tributos, contribuições previdenciárias, FGTS e outros fundos de natureza institucional. Sendo assim, não havendo vedação no que diz respeito à tutela de direitos (sobretudo difusos) relacionados à cobrança de tarifas, como ocorre nos serviços públicos prestados por concessão ou permissão. Como não se enquadram como tributos, e sim como preços públicos, poderá ser perfeitamente ajuizada ação civil pública para a tutela dos interesses transindividuais ou individuais homogêneos. Em tal sentido foi proferido o voto do Ministro-Relator GILMAR MENDES, do STF, no RE 228.177-MG, 2ª T., em 01.04.2008, em caso relativo à majoração supostamente abusiva de tarifas no serviço de transporte coletivo, com vistas à proteção de interesses difusos. (grifo e caixa alta no original) Não há óbices, portanto, para a discussão judicial do valor das tarifas em ações civis públicas, que são um dos principais intrumentos para defesa coletiva de direitos. Além disso, por evidência, também não há impedimentos para a execução na esfera coletiva das decisões sobre as tarifas cobradas dos usuários9. Outra consequência da opção por se realizar a arrecadação de recursos dos usuários por meio de tarifas é que elas são fixadas e modificadas por ato da Administração Pública, que por via de regra, sofre a incidência do controle externo, que é exercido pelo Legislativo com auxílio do Tribunal de Contas correspondente (art. 71, caput, da Constituição da República). 4 A ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO CONTROLE DA LEGALIDADE DAS REVISÕES E REAJUSTES É muito comum que as concessões perdurem por um longo período para que os concessionários consigam amortizar seus investimentos (que são normalmente muito altos). Com o transcorrer desse longo tempo de contrato, existe necessidade de uma série de reajustamentos e revisões para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, o que atrai a atuação dos órgãos de controle e de fiscalização (por exemplo, os tribunais de contas). Em alguns casos, esses órgãos de controle e fiscalização têm constatado que nessas operações de reajuste/ revisão, as tarifas acabam sendo majoradas além do devido. Essa quantia a maior cobrada dos usuários constitui um benefício indevido para as empresas concessionárias ou permissionárias. Verificada uma situação fática como essa, as tarifas devem ser reduzidas a partir de então. Além disso, o concessionário deve restituir os valores a maior já recolhidos indevidamente. A doutrina destaca que os tribunais de contas em sua missão de fiscalizar o gasto público contábil, financeira e orçamentariamente, pode perfeitamente inserir a fiscalização de atos que “visem a aumentar a remuneração 9 Este é um ponto importante para o desenvolvimento de argumentações que adiante serão expostas neste trabalho. 24 Existe ainda outra controvérsia relativa à atuação do Tribunal de Contas nas concessões. Essa polêmica diz respeito às delegações de serviços públicos que sofrem a incidência da atuação das agências reguladoras11. Com a Reforma do Estado, o papel da Administração Pública nos serviços públicos foi redimensionado, verificando-se um recrudescimento da sua função regulatória, por meio de órgãos da administração direta, ou de forma descentralizada, por meio das agências reguladoras. Cabe destacar que as próprias agências reguladoras (que são responsáveis pela fiscalização dos setores atinentes aos serviços públicos) são fiscalizadas pelos órgãos de controle quanto à eficiência e economicidade. Assim, além do controle contábil, financeiro e orçamentário dessas agências, existe o controle da eficiência e da economicidade, que autorizam, inclusive, a realização de auditorias operacionais. Com a inserção da eficiência no rol dos princípios fundamentais da Administração Pública, a atuação dos tribunais de contas12 e dos administradores públicos passou a focalizar os resultados (enfoque gerencial), independentemente da natureza jurídica que ostente. Cabe às cortes de contas verificar se a atuação da agência está alinhada às determinações legais e regulamentares a que estão submetidas. O exercício eficaz do controle, inclusive, diminui a possibilidade de ocorrer a captura da agência, o que é um risco real, uma vez que as agências lidam com interesses de forças econômicas poderosas. A isso se acrescente que a atuação dos tribunais de contas, ao analisar pormenorizadamente os atos realizados pelas agências e ao divulgar os seus resultados, abre caminho para um controle social mais eficaz. Atualmente, existe um grande deficit de informação por parte dos usuários de serviço público13, o que Pois a receita que arrecadaria na execução direta com esse novo patamar de tarifa é superior às despesas que se desonerou ao delegar a execução dos serviços. 11 No curso da Reforma Administrativa, surgiram autarquias qualificadas como autarquia em regime especial, que são as denominadas agências reguladoras. A ideia é que essas autarquias gozam de uma maior liberdade quando comparadas com as demais. Uma peculiaridade marcante é a nomeação do dirigente pelo Presidente da República, sob aprovação do Senado, com garantia de mandato certo. Sua função é a de disciplinar e controlar certas atividades relevantes (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 173-174). 12 O autor faz sua exposição tendo em foco o Tribunal de Contas da União, mas pode-se estender o raciocínio para as demais cortes de contas, em razão do art. 75 da Constituição da República. 13 A Lei n. 12.587/2011 (diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana) institui em seu art. 15 algumas medidas que tendem a fomentar a participação da sociedade civil no planejamento, fiscalização e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Serão criados órgãos 10 25 2014 jan.|fev.|mar. Desta maneira, qualquer usuário que se sinta lesado pela fixação de tarifas abusivas em favor de prestadoras de serviços públicos pode invocar a atuação do Tribunal de Contas competente, uma vez que, além de atentar contra os direitos dos usuários, a medida impugnada também afetaria o próprio patrimônio público. Revista TCEMG É fácil explicar a relação entre a aprovação de valor indevido para tarifas e a atuação fiscalizatória dos Tribunais de Contas. Ao delegar a prestação de serviços públicos a terceiros, ao mesmo tempo em que o Poder Público se desfaz das despesas necessárias à manutenção dos respectivos serviços públicos, também abre mão das receitas que sua prestação proporcionaria. O equilíbrio entre as despesas e as perspectivas de receitas transferidas por meio da delegação do serviço público é fundamental para que desta relação jurídica não derive prejuízo econômico para o Poder Público. Assim, a própria fixação dessa relação de equilíbrio econômico-financeiro, que tem na fixação das tarifas um dos seus principais aspectos, bem como as alterações que venham a ser nela processadas constituem medidas de índole administrativa de inegável impacto no patrimônio público; e, como tais, sujeitam-se à fiscalização dos Tribunais de Contas. DOUTRINA de prestadores de serviços públicos, em detrimento dos direitos dos usuários e, indiretamente, do próprio patrimônio público” (CÂMARA, 2009, p. 158). Ao delegar a execução do serviço público, o Poder Público está abrindo mão da receita que auferiria ao realizar a execução direta desse mesmo serviço. Mas, por outro lado, o Estado também se desonera de arcar com as despesas relacionadas a esse mesmo serviço público. Se a tarifa está majorada excessivamente em favor do concessionário/permissionário, isso reflete em um desequilíbrio que significa um prejuízo ao Poder Público10. Para compreender a legitimidade da atuação das cortes de contas nessa seara, é indispensável a transcrição literal da exposição do doutrinador Jacintho Arruda Câmara (2009, p. 158) ao explicar a relação do aumento indevido de tarifas com a receita pública: O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS os coloca em desvantagem no debate de relevantes questões, como as revisões tarifárias. Por todas essas razões, entende-se que os tribunais de contas podem fiscalizar as atividades finalísticas das agências reguladoras. No entanto, essa fiscalização deve ocorrer de forma complementar à ação das agências reguladoras no acompanhamento da execução dos serviços públicos concedidos. “O fato de o poder concedente deter competência originária para fiscalizar a atuação das concessionárias não impede a atuação cooperativa e suplementar” dos tribunais de contas (ZYMLER; ALMEIDA, 2008, p. 227-237). Assim sendo, não se verificam óbices para que os tribunais de contas apurem a legalidade dos cálculos dos reajustes/revisões realizados pela Administração Pública. E de fato os tribunais de contas vêm acompanhando a evolução das tarifas em concessões. Existem técnicas apropriadas para aferição da correção dos cálculos. Citem-se os julgados do Tribunal de Contas da União sobre esse assunto: Acórdão n. 2104/2008 (Plenário), min. relator: Ubiratan Aguiar; Acórdão n. 3233/2011 (Plenário), min. relator: Aroldo Cedraz; Acórdão n. 346/2012 (Plenário), min. relator: José Múcio Monteiro; Acórdão n. 2927/2011 (Plenário), min. relator: Walton Alencar Rodrigues; Acórdão n. 649/2005 (Plenário), min. relator: Walton Alencar Rodrigues; Acórdão n. 1904/2009 (Plenário), min. relator: Walton Alencar Rodrigues; Acórdão n. 453/2007 (Plenário), min. relator: Augusto Nardes. Existe um importante ponto que deve ficar claro nas decisões que imputam débito ao concessionário pelo recolhimento de tarifas a maior de forma indevida: deve ser definido a quem se deve pagar. É sobre a identificação do credor que se passa a discorrer em seguida. 5 DA DEFINIÇÃO DO CREDOR DO RESSARCIMENTO DOS VALORES COBRADOS A MAIOR Se na atuação dos tribunais de contas perceber-se que os concessionários receberam remuneração a maior (a partir, por exemplo, de um reajuste ou de uma revisão inadequada), deve ser feito o decote do excesso a partir de então. No entanto, é de se supor que tenha havido uma arrecadação indevida pelo tempo anterior à referida redução, o que constitui um locupletamento indevido. Esse valor cobrado a mais não deveria ter ingressado na receita da concessionária e, por isso, a concessionária deve ressarcir esse valor. É de extrema importância definir qual a origem do recurso arrecadado a maior, pois essa definição gera consequências diretas para o destino e para o procedimento de ressarcimento. A opção por remunerar o concessionário com recursos provenientes dos usuários não é a única forma possível de remuneração em concessões. A prestação de serviços de interesse coletivo envolve custos importantes. A retribuição desse custeio pode passar por basicamente três soluções (que podem ser combinadas). A primeira delas é definir que a prestação de determinados serviços seja custeada pelo Estado. Para tanto, este se utiliza de recursos obtidos da sociedade em geral, principalmente por meio dos tributos14. Não é correto pensar que a delegação de um serviço à iniciativa particular necessariamente implica remeter os seus custos integralmente aos usuários. Existem certos serviços que, apesar de delegados, não são objeto colegiados com a participação de representantes do Poder Executivo, da sociedade civil e dos operadores dos serviços. O usuário poderá se manifestar em ouvidorias e em audiências e consultas públicas. Além disso devem ser criados procedimentos sistemáticos de comunicação, de avaliação da satisfação dos cidadãos e dos usuários e de prestação de contas públicas. 14 Uma importante diferenciação: a desoneração do usuário pode ser resultante tanto de um subsídio tarifário (na concessão comum), quanto da obrigação de pagamento pelo poder concedente (na concessão patrocinada e administrativa). Esses dois mecanismos possuem causas distintas. No primeiro deles, como resultado de uma política tarifária em uma concessão (Lei n. 9.074/95, art. 35), surge o dever do Estado de indenizar o concessionário pela implementação dessa política pública (por exemplo, as gratuidades concedidas a certa categoria de usuários). Por outro lado, na concessão patrocinada e administrativa os recursos repassados representam uma verdadeira contraprestação paga ao concessionário pelos serviços prestados. Disso se pode concluir que não se pode transformar um contrato de concessão comum em contrato de concessão patrocinada ou administrativa (MONTEIRO, 2010, p. 163-164). 26 Assim, percebe-se que a remuneração do concessionário pode advir de várias fontes. A tarifa, apesar de ser a fonte que na maioria dos casos tem maior repercussão financeira, não é a única maneira de se remunerar os concessionários. Ademais, as tarifas podem ser associadas a outras fontes, conforme explicitado. Sabe-se que, nos reajustes e revisões realizados no curso de uma concessão pública, pode-se majorar excessivamente a remuneração do concessionário. Mas esse excesso pode ter sido cobrado de apenas uma das fontes, ou de mais de uma. A identificação da origem do recurso cobrado a maior é importante para definir quem é o credor, bem como o procedimento dessa cobrança. Por exemplo, em uma concessão cuja remuneração é custeada em parte pelos usuários e em parte por subsídio do Estado, se for feito um reajuste/ revisão inadequado majorando a remuneração além do devido, é necessário saber qual das fontes de receita foi onerada indevidamente. Pode ser que uma das fontes de remuneração não tenha sofrido majorações indevidas. Se o recurso arrecadado indevidamente pela concessionária foi de origem estatal, o ressarcimento deve ser feito normalmente segundo as regras de cobrança da Fazenda Pública. Este trabalho não tem o objetivo de cuidar dessa hipótese. A ideia do pagamento conforme a intensidade da utilização é uma regra geral, pois pode haver casos que fogem a essa lógica, a depender da política tarifária, a exemplo de instituídos que procuram beneficiar determinados grupos, ou certos períodos (SCHWIND, 2010, p. 58). 16 O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2012, p. 751) tem a opinião de que o custeio do serviço público pelo Estado e a obtenção de receitas marginais são fontes menos relevantes que a utilização da cobrança de tarifas. Segundo ele, o art. 11 da Lei de Concessões estabelece explicitamente que a remuneração proveniente de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados deve ter uma finalidade específica: favorecer a modicidade das tarifas. O custeio pelo poder concedente também deve seguir a mesma finalidade. Disso decorre que a principal fonte de remuneração do concessionário é mesmo a cobrança de tarifas dos usuários. 15 27 2014 jan.|fev.|mar. Revista TCEMG Destacadas essas três formas de remuneração do concessionário, a opção por uma ou outra implica uma diferenciação importante. Optando-se pela cobrança de tarifas, de um lado passa a existir o conjunto dos usuários (e, portanto, pagantes de tarifa) e, de outro, o conjunto da sociedade em geral. A remuneração por tarifas reduz os ônus que poderiam incidir sobre os não usuários, que teriam que suportar maiores tributos, caso o Estado tivesse que cobrir os custos daquele serviço público em questão. Nesse contexto, verifica-se um potencial conflito de interesses entre usuários do serviço público e a comunidade geral, pois seus interesses não coincidem. Na hipótese de um serviço de interesse coletivo ser prestado sem a cobrança de tarifas daqueles que o usufruírem, os custos são suportados pelo Estado, que obtém recursos principalmente por meios dos tributos (segundo a capacidade contributiva de cada um dos contribuintes). Verifica-se, desse modo uma transferência de riqueza dos contribuintes para os usuários. De modo contrário, quando existe a cobrança de tarifas, a sociedade como um todo se desonera do custeio do serviço público de interesse coletivo em questão (SCHWIND, 2010, p. 58-59). DOUTRINA de cobrança de tarifas, sendo tais serviços vulgarmente conhecidos como “gratuitos” (SCHWIND, 2010, p. 57). Uma segunda possibilidade de remuneração do delegatário é a obtenção de receitas marginais (ou alternativas, complementares, acessórias, ancilares, abrangidas pelo art. 11 da Lei n. 8.987/95). Essas receitas marginais são obtidas não propriamente do serviço delegado, mas daqueles que com ele guardam conexão econômica e/ou material. Essa opção consiste na oneração dos consumidores das utilidades marginais em benefício da eficiência na prestação do serviço e da modicidade das tarifas. Um exemplo de receita marginal bastante utilizado é a exploração de espaços publicitários em serviço público de transporte de passageiros, principalmente urbanos, nos quais os espaços internos e externos podem ser utilizados para veiculação de publicidade (SCHWIND, 2010, p. 264-267). Existe uma terceira possibilidade de alocação de custos pela prestação de serviços. Trata-se da atribuição de custos aos próprios usuários, e como regra geral, na medida da intensidade de sua utilização15. Desse modo, verifica-se uma redução dos ônus dos não usuários, de quem não são arrecadados recursos para custear a prestação do serviço de interesse coletivo (SCHWIND, 2010, p. 57-58) 16. O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS Por outro lado, se a origem dos recursos arrecadados indevidamente foi o conjunto dos usuários desse serviço, o ressarcimento deve ser dirigido a esse conjunto. Se a ilegalidade da cobrança a maior foi verificada por algum dos tribunais de contas do Brasil, que condenou o concessionário a devolver os valores arrecadados a maior, imputando-lhe um débito, existe um interessante procedimento de cobrança, que esse trabalho visa identificar e precisar os seus contornos. Para tanto, é preciso iniciar um breve estudo da defesa dos direitos coletivos no Brasil. Isso ocorre porque os lesados não são facilmente identificáveis e o prejuízo foi bastante diluído e espalhado. 6 OS VALORES COBRADOS A MAIOR DOS USUÁRIOS COMO UM DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO Na concepção tradicional de processo civil, não havia um espaço para as questões de interesses coletivos. O processo era destinado apenas à resolução de controvérsias entre duas partes, que defendiam seus interesses individuais. Para tanto, havia normas de legitimidade, de atuação dos magistrados, de procedimentos alinhados ao processo individual. Nesse contexto, as questões que pertencessem a um grupo, à sociedade em geral (ou a um segmento dela) não se enquadravam nesse modelo tradicional de processo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 49-50). Por outro lado, no mundo contemporâneo, existe necessidade de solução de problemas que escapam à antiga fórmula individual credor/devedor (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 75). Surgiu a necessidade de conceber processos coletivos para cuidar de interesses públicos em litigância, isto é, para buscar soluções referentes aos interesses de uma “parcela da comunidade constitucionalmente reconhecida, a exemplo dos consumidores, do meio ambiente, do patrimônio artístico, histórico e cultural” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 38), dos interesses dos necessitados. As demandas coletivas devem se caracterizar como processo de interesse público17 (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 42). É de se destacar que “o elevado número de pessoas e as características da lesão sempre indicam a constância do interesse público primário18 nos processos coletivos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 44). É por isso que a Constituição impõe a necessidade de intervenção obrigatória do Ministério Público nas demandas coletivas (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2008, p. 44). Para a proteção desses interesses, houve necessidade de se redefinir o papel dos magistrados e alguns direitos básicos tais como o de citação e o de ser ouvido no processo. Não é possível que todos os titulares de um direito difuso compareçam a juízo. Exemplificando: não é viável dar oportunidade de manifestação a todos os interessados na melhoria da qualidade do ar de certa região. É necessário que um “representante adequado” atue em benefício do interesse da coletividade, mesmo que não tenha ocorrido a citação individual de cada um dos interessados. Mesmo nessas condições, a decisão a ser proferida deve ter o condão de vincular todos os membros do grupo. Por isso, também existe a necessidade de reconfigurar outro conceito tradicional, o da coisa julgada19. Esses são alguns traços das importantes Verificou-se um grande movimento mundial para a defesa dos “litígios de direito público”, assim denominados por terem forte vinculação com assuntos importantes da política pública e envolverem um grande contingente de pessoas (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 50). 18 O Estado, assim como os particulares em geral, tem personalidade jurídica, e possui interesses “em concorrência com os demais sujeitos de direito” (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 66). Assim, mesmo encarregado de buscar a consecução dos interesses públicos, o Estado pode ter interesses que lhe são particulares, individuais. Esses últimos não são interesses públicos propriamente ditos, mas interesses individuais do Estado enquanto pessoa jurídica. É importante destacar que o Estado somente poderá defender os seus interesses particulares quando não houver conflito com a realização do interesse público. Os interesses públicos propriamente ditos são denominados interesses públicos primários. Os secundários, por sua vez, refletem os interesses meramente individuais do Estado. Se pudesse se guiar apenas de acordo com os interesses públicos secundários, o Estado poderia ter interesse em tributar desmesuradamente os administrados, bem como poderia querer pagar valores irrisórios aos seus servidores, proporcionando-lhes a simples sobrevivência. Mas a defesa do interesse secundário não pode conflitar com a prevalência do interesse público primário (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 66-67). 19 No Brasil, o regramento próprio da coisa julgada coletiva se iniciou com a Lei de Ação Popular (Lei n. 4.717/65), que em seu art. 18 prescreve que “a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova”. 17 28 A suficiência de provas também foi considerada como condição para a coisa julgada na Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85 alterada pela Lei n. 9.494/97). Por fim, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) em capítulo próprio, regulamenta o instituto da coisa julgada, de modo mais específico no art. 103, determinando que a coisa julgada será erga omnes no caso de interesse ou direito difuso. Será ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, na hipótese de interesse ou direito coletivo. Em ambos os casos não haverá coisa julgada material na hipótese de improcedência por insuficiência de provas (ocorrerá apenas coisa julgada formal) (MATTOS, 2007, p. 200-201). 20 Para casos como este, o sistema processual coletivo prevê o fluid recovery para liquidação e execução desses valores. Mas muito mais do que uma contribuição para o Fundo dos Direitos Difusos, o fluid recovery possui uma função marcadamente pedagógica, que busca evitar ocorrência de condutas futuras no mesmo sentido (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2008, p. 82). 29 2014 jan.|fev.|mar. Revista TCEMG Os direitos coletivos lato sensu são entendidos como gênero com as seguintes espécies: (i) direitos difusos, (ii) direitos coletivos stricto sensu, e os (iii) direitos individuais homogêneos. Essa é a subdivisão feita pelo art. 81, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). De acordo com o inciso I desse parágrafo único, (i) considera-se difuso o direito transindividual (pertencente a uma coletividade), de natureza indivisível (somente podem ser considerados em sua totalidade) e que tenha titulares indeterminados (indeterminabilidade dos sujeitos) ligados por circunstâncias de fato, e que não tenham um vínculo comum de natureza jurídica. Mencione-se como exemplo de ofensa a um direito difuso a publicidade enganosa ou abusiva transmitida pela imprensa audiovisual que atinge um número incalculável de telespectadores, bem como as ofensas ao meio ambiente e à moralidade administrativa. No que diz respeito aos direitos coletivos stricto sensu (ii), conforme inciso II do parágrafo único do art. 81 da Lei n. 8.078/90, pode-se afirmar que são os transindividuais de natureza indivisível que tenham como titulares um grupo, categoria, ou classe de pessoas (inicialmente indeterminadas, mas determináveis na condição de grupo, categoria) ligados entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Essa relação pode se dar entre os membros por affectio societatis (como em qualquer associação de profissionais, por exemplo) ou por uma ligação com a parte contrária (como os contribuintes de determinado tributo, que estão ligados ao ente estatal responsável pela exação). Deve-se destacar que essa relação base deve ser anterior à lesão. O que diferencia, portanto, o direito difuso do coletivo stricto sensu é a determinabilidade do grupo, categoria ou classe anterior à lesão. Existe também uma terceira espécie, a dos direitos individuais homogêneos (iii), que cuidam da defesa de direitos individuais com natural dimensão coletiva (em decorrência de sua homogeneidade). Esse caráter homogêneo ocorre em razão da massificação e padronização das relações jurídicas, o que resulta em lesões também padronizadas. Para conceituar os direitos individuais homogêneos a lei define que são aqueles decorrentes de origem comum, isto é, surgiram em consequência da própria lesão (ou ameaça de sua ocorrência). O vínculo jurídico é pos factum (pós fato lesivo). A origem comum não precisa ter ocorrido em um mesmo lugar ou momento histórico, mas dela devem decorrer a homogeneidade dos direitos dos titulares das pretensões individuais (que passam a ter possibilidade de um tratamento coletivo). O que existe de comum entre “esses direitos é a procedência, a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária” (DIDIER; ZANETI, 2008, p. 78). O pedido nas ações coletivas sempre se refere a uma “tese jurídica geral” que não faça distinções entre os direitos dos numerosos substituídos. Eventuais peculiaridades dos direitos individuais serão apuradas em liquidação de sentença. A ideia de unicidade dos direitos individuais homogêneos fica clara no caso de passado um ano sem habilitação de um número de interessados compatíveis com a gravidade do dano, os entes legitimados podem proceder à liquidação de sentença e sua execução, cujos recursos serão revertidos a um fundo governamental (criado pela Lei de Ação Civil Pública — Lei n. 7.347/85, no seu art. 13). Os direitos individuais homogêneos nem sempre se apresentam suficientemente atrativos para uma demanda individual. Por exemplo, quando ocorre uma lesão no mercado de ações, muitos acionistas podem ter sido prejudicados em pequena quantia. Não existiria motivação econômica para ações individuais visando à recuperação desses valores ínfimos. Mas coletivamente o problema assume outra dimensão, mais substancial20 (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2008, p. 75-82). DOUTRINA mudanças que ocorreram no processo civil para albergar os direitos coletivos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 50-51). O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS Sem a criação da figura dos direitos individuais homogêneos no direito brasileiro não seria possível a proteção coletiva de direitos individuais com natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, causada pela padronização/massificação dos vínculos jurídicos contemporâneos. Cria-se, assim, uma “coletivização” para que seja possível a tutela de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). O fato de ser possível determinar individualmente os lesados não prejudica a possibilidade da defesa coletiva. O tratamento “molecular das ações coletivas” apresenta diversas vantagens em relação à fragmentação da tutela individual (tratamento “atomizado”): existe uma economia processual, facilita-se o acesso à justiça, entre outras vantagens (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2008, p. 78-80). Uma vez enumeradas as distinções essenciais dessas três categorias de direitos coletivos lato sensu, pode-se afirmar que a arrecadação a maior dos usuários em razão de cálculo inadequado de um reajuste/revisão em um contrato de concessão pode ser recuperada pela via da defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos. Isso ocorre porque cada um dos usuários sofreu um prejuízo individual, mas a busca pela recuperação desses valores tem naturalmente uma dimensão coletiva, um traço de homogeneidade, de massificação e de padronização da lesão. A origem comum do direito dos usuários é o reajuste/revisão inadequadamente calculado que resultou na cobrança indevida. Não havia, entre os usuários, um vínculo de interesse comum anterior, mas ele surge em consequência da própria lesão (pos factum). Assim, vislumbra-se a clara possibilidade de um tratamento coletivo para essa questão. Feitas essas considerações, resta esclarecer qual o meio adequado de execução de decisões dos tribunais de contas que reconheçam que houve lesão aos direitos dos usuários em decorrência de majorações indevidas nos valores das tarifas, imputando débito aos concessionários. Essa não é uma questão simples. 7 O ENCAMINHAMENTO DAS IMPUTAÇÕES DE DÉBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS PARA LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO COLETIVA O art. 71, § 3º, da Constituição da República, deixa claro que a decisão definitiva das cortes de contas constitui um título executivo capaz de instaurar a cobrança judicial da dívida decorrente da imputação de débito ou de multa, caso não seja recolhida pelo responsável no prazo legal. Mas os tribunais de contas não têm competência para executar judicialmente suas próprias decisões. Quem tem o poder-dever de executá-las são os próprios entes públicos interessados. No caso do Tribunal de Contas da União, quem executará judicialmente suas decisões é a Advocacia da União e os procuradores da Administração Indireta (havendo um dano ao erário federal). Assim, expirado o prazo para o recolhimento espontâneo, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União autorizará a cobrança judicial da dívida, remetendo as peças necessárias à Procuradoria responsável (ZYMLER, 2005, p. 471). Essa mesma dinâmica deve ser observada pelos tribunais de contas dos estados e também pelos tribunais de contas dos municípios, onde houver, em virtude do que estabelece o art. 75 da Constituição. Desse modo, percebe-se que para executar judicialmente a condenação imposta pelos tribunais de contas, o legitimado ordinário é o próprio ente político que tem interesse material nessa execução, ou seja, será o próprio beneficiado com a decisão. O legitimado para promover a execução é aquele ente que terá o seu erário recomposto. Somente com a inércia da Fazenda Pública competente é que o Ministério Público passa a ser legitimado. O Ministério Público passa a ter competência para executar o crédito reconhecido pelos tribunais de contas em decorrência da inação, da incúria ou do pouco interesse político do ente credor (COSTA, 2006, p. 141). 30 No entanto, é necessário distinguir que quando os tribunais de contas reconhecem, em decisão da qual não se possa mais recorrer, que existiu uma tarifa indevidamente majorada que resultou em arrecadação indevida, essa decisão deve ser encaminhada diretamente para os legitimados para a defesa coletiva de direitos. Não foram os cofres dos entes públicos que foram lesionados, mas o conjunto dos usuários que pagaram além do que deveria ter sido pago. O Estado não pode cobrar esse valor arrecadado a maior, uma vez que não foi ele quem sofreu o prejuízo direto. A arrecadação indevida de tarifas constitui uma ofensa ao direito individual homogêneo dos usuários. Um dos principais argumentos da corrente que entende que os tribunais de contas não exercem função jurisdicional é a unicidade da jurisdição, expressa no art. 5º, XXXV, da Constituição da República. Esse dispositivo declara que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Para essa corrente, esse dispositivo indica que nenhuma condenação dos tribunais de contas ou de qualquer outro órgão, seja ele integrante do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, que lesione ou ameace lesionar direitos de outrem, pode ser afastada da possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário. Assim, não há espaço em nosso direito pátrio para traços de dualidade de jurisdição (como ocorre no direito francês, em que existe o contencioso administrativo para cuidar dos litígios nos quais esteja envolvida a Administração Pública). A isso se acrescente o argumento de os tribunais de contas não integrarem a estrutura do Poder Judiciário. Nesses termos, seus julgados seriam resultado de uma atividade simplesmente técnico-contábil, e não aplicariam o direito de uma forma mais abrangente (NASCIMENTO, 2011, p. 29-30). A segunda corrente doutrinária entende que os tribunais de contas exercem, sim, função jurisdicional, o que implica inibição de reapreciações ulteriores do mesmo fato. Os doutrinadores que a integram ressaltam que não existe sistema de unicidade de jurisdição pura em nenhum Estado. O que o inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República procurou evitar foi a concepção de diplomas normativos infraconstitucionais que buscassem excluir a apreciação de algumas demandas pelo Poder Judiciário. O destinatário deste dispositivo é o legislador infraconstitucional. Esse dispositivo constitucional não impede que a própria Constituição atribua função jurisdicional a outros órgãos não integrantes do Poder Judiciário. Podem-se verificar os seguintes exemplos de exceções à unicidade da jurisdição nas disposições constitucionais: o julgamento das contas apresentadas pelo presidente da República pelo Congresso Nacional (art. 49, inciso IX); o julgamento do presidente e do vice-presidente da República, pelo Senado Federal, nos crimes de responsabilidade, assim como dos ministros de Estado e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos 31 2014 jan.|fev.|mar. Desse modo, remanesce uma controvérsia acerca da natureza jurídica dessas decisões condenatórias emanadas pelas cortes de contas. Existem autores que acreditam que tais decisões condenatórias são expressão de uma autêntica função jurisdicional. Outros entendem que a jurisdição é reservada exclusivamente para o Poder Judiciário (que, portanto, poderia rever as decisões condenatórias emanadas dos tribunais de contas). Não se trata de uma reflexão inútil, pois isso gera implicações diretas sobre a possibilidade de o Poder Judiciário reanalisar as decisões condenatórias dos tribunais de contas. Revista TCEMG Se o acórdão definitivo do Tribunal de Contas entender que houve irregularidades, ocorrerá imputação de um débito ao responsável e/ou aplicação de multa. O art. 71, § 3º, da Constituição da República, dispõe que essa decisão que imputa débito ou multa terá eficácia de título executivo, sem definir se se trata de um título executivo judicial ou extrajudicial. DOUTRINA É preciso, neste momento, definir os contornos da força de um julgado dos tribunais de contas perante o Poder Judiciário. O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS crimes da mesma natureza conexo com aqueles (art. 52, inciso I); o julgamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, do procurador-geral da República e do advogado-geral da União nos crimes de responsabilidade (art. 52, II); e o julgamento de contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta (art. 71, II). Esses exemplos demonstram o exercício da função jurisdicional por órgãos estranhos ao Poder Judiciário. Em tais casos foi o constituinte que, expressamente, atribuiu essa competência (NASCIMENTO, 2011, p. 29-30). Ao argumento da falta de capacidade de os tribunais de contas executarem suas próprias decisões, esta corrente lembra que os tribunais de um modo geral não são executores diretos de suas decisões, pois são feitas delegações para o primeiro grau de jurisdição. Por fim, argumenta-se que são atribuídas aos ministros e conselheiros dos tribunais de contas as garantias e prerrogativas próprias dos magistrados, em razão do § 3º do art. 73 da Constituição (NASCIMENTO, 2011, p. 29-34). A prevalência de uma ou de outra corrente acima elencada, tem efeitos para a executividade da decisão dos tribunais de contas que imputa débito ou multa. Se entender que o tribunal de contas exerce jurisdição, as decisões condenatórias emanadas desse órgão têm a eficácia de um título executivo judicial, sendo aplicável a execução pelo rito próprio do cumprimento de sentenças. Caso se entenda o contrário, a condenação dos tribunais de contas que imputa débito ou multa não representa uma forma de exercício da jurisdição e terá eficácia de título executivo extrajudicial21. A despeito da forte argumentação da segunda corrente, o que tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência é que as decisões condenatórias dos tribunais de contas não representam exercício de jurisdição, mas mera atividade administrativa. Desse modo, pode ser feita a reanálise pelo Poder Judiciário. Outra consequência desse posicionamento é que as condenações emanadas das cortes de contas são recebidas pelo Poder Judiciário com força de título executivo extrajudicial. Com relação aos títulos executivos extrajudiciais, sabe-se que se encontram elencados no art. 585 do Código de Processo Civil. Particularmente importante é o inciso VII, que reconhece a executividade de “todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva” (COSTA, 2006, p. 139). No caso da condenação imposta pelos tribunais de contas, o diploma normativo que atribui força executiva é a própria Constituição. Sendo então um título executivo extrajudicial, permite-se a imediata busca pela execução, e, além disso, “torna eventual e não necessário o processo de cognição e impõe inversão do ônus da prova ao devedor” (COSTA, 2006, p. 139). No entanto, é de se destacar que as decisões dos tribunais de contas que imputam débito em decorrência de tarifas indevidamente cobradas a maior não são títulos executivos extrajudiciais comuns, pois determinam o ressarcimento da lesão a direitos individuais homogêneos dos usuários. Trata-se de uma imputação de débito de natureza especial, pois quem deve executar a decisão é um dos legitimados para a defesa coletiva de direitos, e não a procuradoria da administração direta ou indireta. Afinal quem sofreu o prejuízo foi o conjunto dos usuários (que tem os legitimados extraordinários legalmente competentes para defender seus interesses). Em resumo: como se trata de um direito individual homogêneo, a decisão do Tribunal de Contas vai ser executada por um dos legitimados que a lei autoriza para promover o processo coletivo. Mas é possível que se execute na esfera coletiva uma condenação com força de título executivo extrajudicial? 21 Essa definição é bastante importante para demarcação dos limites materiais da argumentação que poderá ser invocada pelo executado. 32 A doutrina destaca que sim. É possível a execução coletiva fundada em título executivo extrajudicial. Um exemplo bastante notório é a execução do compromisso de ajustamento de conduta, que tem natureza de título executivo extrajudicial. Outro exemplo que se pode citar são as decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, disciplinadas pela Lei n. 12.529/2011, sobretudo dos arts. 93-10122. Como se trata de direito difuso, qualquer um dos legitimados à defesa coletiva de direitos poderia executar o título executivo extrajudicial23 (TALAMINI24 apud DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2008, p. 395). A decisão do Tribunal de Contas que reconhecer uma arrecadação de tarifas a maior dos usuários, inevitavelmente, conterá esse mesmo traço de generalidade, pois não existem condições fáticas para que esse órgão defina especificadamente quanto é devido a cada usuário. Portanto, a decisão condenatória do Tribunal de Contas também deve ser objeto de um processo de liquidação, da mesma forma que acontece com as ações coletivas que envolvem direitos individuais homogêneos, pois ambas inevitavelmente possuem o mesmo traço de generalidade. É dizer: o traço de generalidade faz com que esses títulos executivos devam ser liquidados25. No processo de liquidação, vai ser apurada a titularidade do crédito e o respectivo valor. Para tanto, é feita uma apuração do dano individualmente suportado por parte de cada liquidante. É aferido o nexo de causalidade entre o dano amargado pelo liquidante e o fato reconhecido como danoso no título executivo. Também deve ser feito, nessa fase de liquidação, o dimensionamento do dano sofrido individualmente. A vítima ou seus sucessores vão habilitar seu crédito individual num procedimento que se assemelha ao da falência (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2008, p. 406-407). Mas pode ocorrer que os direitos individuais homogêneos reflitam valores tão modestos que não compensará a propositura da liquidação individual objetivando a recuperação de seu crédito. A lei estabeleceu o prazo de um ano para que os lesados manifestem interesse na execução individual do julgado. Se os indivíduos não propuseram as suas liquidações individuais nesse período, a lei prevê a reparação fluida (também A doutrina consultada menciona a Lei n. 8.884/94, sobretudo dos arts. 60-68. No entanto, posteriormente à edição daquela obra acima citada, foi editada a Lei n. 12.529/2011, que a substituiu. Nessa nova lei, os arts. 93-101 cuidam da parte da execução judicial das decisões do Cade. 23 Reconhece-se a qualquer um dos legitimados a possibilidade de executar na esfera coletiva o título executivo extrajudicial. No entanto, nesse trabalho, optou-se por encaminhar a decisão ao Ministério Público, pois é dever institucional deste órgão zelar pelos direitos individuais homogêneos. 24 TALAMINI, Eduardo. Efetivação judicial das decisões e compromissos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica — Cade (Lei Federal n. 8.884/94). Procedimentos especiais cíveis — legislação extravagante. Fredie Didier Júnior e Cristiano Chaves de Farias (coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.191. 25 Essa regra de a sentença ser genérica não é absoluta. Quando na ação coletiva o pedido consistir em obrigação de fazer (ou não fazer), pode já estar definido previamente a conduta que é devida pelo condenado. Ademais, quando houver necessidade de simples cálculo nos moldes do art. 475-B, do CPC, ter-se-á, verdadeiramente, uma decisão líquida, uma vez que fazer contas não é liquidar (FAVRE, 2009, p. 14). 22 33 2014 jan.|fev.|mar. Sabe-se que o art. 95 da Lei n. 8.078/90 prevê que as sentenças procedentes de ações coletivas que cuidam de direitos individuais homogêneos devem ser genéricas (FAVRE, 2009, p. 14). Isso ocorre para que se possa ulteriormente, no processo de liquidação, definir quanto se deve ressarcir a cada um dos lesados. Revista TCEMG Como não existiu um processo judicial anterior, haverá necessidade de um processo autônomo de liquidação, a exemplo da sistemática que ocorre com o Termo de Ajustamento de Conduta ilíquido, assim como a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (FAVRE, 2009, p. 13). Mas existe uma série de particularidades do processo de liquidação que antecede a execução coletiva de direitos individuais homogêneos. DOUTRINA Esses dois exemplos deixam claro que não há óbices a que um título executivo extrajudicial seja executado de forma coletiva. Mas antes da execução propriamente dita, deve ser feita a liquidação dos títulos executivos extrajudiciais. O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS conhecida no termo em língua inglesa, fluid recovery) como forma de garantir a reparação do direito individual homogêneo lesado (art. 100 da Lei n. 8.078/90). Esse art. 100 declara que se não houver no prazo de um ano a habilitação de interessados em número compatível26 com a gravidade do dano, pode ser proposta pelo legitimado extraordinário a liquidação e execução do restante da indenização devida. O valor arrecadado vai ser revertido para o fundo a que se refere o art. 13 da Lei n. 7.347/85. A esse fundo se destinam as indenizações originadas da lesão a direitos coletivos o qual é gerido por um conselho federal ou por conselhos estaduais. Nesses conselhos participam necessariamente o Ministério Público, assim como representantes da comunidade. Os recursos desse fundo são destinados à reconstituição dos bens jurídicos lesados. A doutrina informa que se trata de uma legitimação extraordinária residual, uma vez que o legitimado coletivo somente pode ajuizar a liquidação e execução se os indivíduos lesados não ingressarem em juízo em número compatível com a gravidade do dano no prazo de um ano (FAVRE, 2009, p. 18). O motivo de exigência dessa condição é impedir que aquele que lesionou o direito individual homogêneo permaneça em uma situação vantajosa quando se compara o proveito econômico obtido com a reparação que efetivamente teve que desembolsar (DIDIER JÚNIOR; ZANETI JÚNIOR, 2008, p. 410). O objetivo da reparação fluida é cobrar a vantagem residual do condenado, em casos nos quais a habilitação dos credores individuais não foi compatível com a gravidade do dano. Com base nas premissas acima relacionadas, em uma execução das decisões dos tribunais de contas que reconheçam que houve um valor a maior arrecadado indevidamente nas tarifas de concessões e permissões públicas, tem prioridade a reparação individual dos usuários lesionados. Eles podem liquidar os seus créditos e executá-los. Subsidiariamente, se houver um número inexpressivo de liquidações individuais em relação à gravidade do dano, pode ser feita a reparação fluida (fluid recovery) com a destinação dos valores arrecadados, conforme o caso, para um conselho federal ou para um conselho estadual destinados à reconstituição dos bens jurídicos lesados. 8 CONCLUSÃO Nos contratos de concessão, as operações de revisão e de reajuste operacionalizam a garantia do equilíbrio econômico-financeiro. Muitos cálculos complexos estão envolvidos nessas operações e alguns equívocos que majorem desmedidamente as tarifas podem ocorrer. Os tribunais de contas, quando verificarem valores de tarifa acima dos patamares devidos, devem tanto determinar a sua redução ao nível adequado a partir de então, quanto determinar a restituição da quantia arrecadada a maior dos usuários. Nas cortes de contas existem órgãos capazes de aferir tecnicamente se uma tarifa foi fixada adequadamente. Como os tribunais de contas não têm legitimidade para executar suas próprias decisões, o art. 71, § 3º, da Constituição, reconhece que as suas imputações de débito têm força de título executivo. Considerando que a lesão aos usuários por cobrança de uma tarifa majorada além dos limites adequados implica uma ofensa a direitos individuais homogêneos desse grupo, a sua execução deve ser feita na esfera coletiva. A exemplo do que ocorre com o compromisso de ajustamento de conduta e com as decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, admite-se no direito brasileiro a execução coletiva fundada em título executivo extrajudicial. Para as imputações de débito emanadas pelos tribunais de contas não se admitiria um tratamento inferiorizado, pois foi a Constituição da República que lhe atribuiu executividade. Não se trata de um título 26 A aferição da compatibilidade do número de liquidantes habilitados com a gravidade do dano deve se dar de acordo com o prudente arbítrio do julgador, em decisão interlocutória (FAVRE, 2009, p. 18). 34 executivo comum, criado por lei. É a própria Constituição, fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico nacional que assim determina. Para tanto, algum dos legitimados para a defesa coletiva de direitos irá promover a referida execução. Inicialmente, deve ser apurada a titularidade do crédito e o dimensionamento do dano sofrido individualmente. Mas se dentro do prazo de um ano o número de lesados não for compatível com a gravidade do dano, o legitimado extraordinário pode propor a reparação fluida (também conhecida como fluid recovery) como forma de reparar o direito individual homogêneo ofendido. A reparação fluida, desse modo, é subsidiária. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A evolução da proteção do equilíbrio econômico-financeiro nas concessões de serviços públicos e nas PPPs. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 263, p. 35-66, maio/ago. 2013. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/ viewFile/10644/9637>. Acesso em: 29 jan. 2014. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 ago. 2013. CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifa nas concessões. São Paulo: Malheiros, 2009. 239 p. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. 165 p. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo (Lei n. 7.347, de 24/7/85). 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 542 p. COSTA, Luiz Bernardo Dias. Tribunal de Contas: evolução e principais atribuições no estado democrático de direito. Belo Horizonte: Fórum, 2006. 165 p. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 875 p. DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 3. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 4, 501 p. FAVRE, Amanda Marcos. Liquidação de sentenças que tutelam direitos individuais homogêneos. 2009. 27 f. Monografia (pós-graduação) — Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2009/ trabalhos_12009/amandafavre.pdf>. Acesso em: 3 set. 2013. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. 406 p. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. 654 p. 35 2014 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 852 p. jan.|fev.|mar. ALMEIDA, Aline Paola Correa Braga Câmara de. As tarifas e as demais formas de remuneração dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 297 p. Revista TCEMG REFERÊNCIAS DOUTRINA Essa solução que o direito coletivo pátrio apresenta para a execução de direitos individuais homogêneos é bastante apropriada, pois privilegia em primeiro lugar a reparação individual daqueles que realmente amargaram o prejuízo. O RESSARCIMENTO DE VALORES ARRECADADOS A MAIOR EM DECORRÊNCIA DE TARIFAS MAJORADAS INDEVIDAMENTE EM CONCESSÕES PÚBLICAS: EXECUÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS RECONHECIDOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS MATTOS, Luiz Norton Baptista. A litispendência e a coisa julgada nas ações coletivas segundo o Código de defesa do consumidor e os anteprojetos do código brasileiro de processos coletivos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; Kazuo WATANABE (coords.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 194-215. MONTEIRO, Vera. Concessão. São Paulo: Malheiros, 2010. 215 p. NASCIMENTO, Rodrigo Melo do. Os tribunais de contas e a execução judicial de suas decisões. 2011. 94 f. Monografia (graduação) — Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2011. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2413444.PDF>. Acesso em: 2 set. 2013. PEREIRA, César A. Guimarães. Usuários de serviços públicos: usuários, consumidores e os aspectos econômicos dos serviços públicos. São Paulo: Saraiva, 2006. 487 p. SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração do concessionário: concessões comuns e parcerias públicoprivadas. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 327 p. ZYMLER, Benjamin. Direito administrativo e controle. Belo Horizonte: Fórum, 2005. 495 p. ZYMLER, Benjamin; ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O controle externo das concessões de serviços públicos e das parcerias público-privadas. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008. 412 p. Abstract: Detailed contractual revisions and adjustments in public concessions may pose inaccuracy risks which may go unnoticed for some time. If the Audit Courts, in their regular activities, identify that some of those contracts charged users fees in excess of what was reasonable in light of the time, they must require the reduction of those fees and the reimbursement of the fees charged in excess. As we know, such reimbursement has force of an executive title due to express constitutional disposition. Considering that judgment relates to a homogeneous individual right, its execution shall take place through collective actions based on the fact that the most recent legal literature recognizes the collection action for extrajudicial executive title, in addition to the other existing legal options. Keywords: Reimbursement. Homogeneous individual rights. Public tariff. Condemnation. Enforcement. Execution. Fluid recovery. 36 Há responsabilidade do parecerista jurídico no processo licitatório? Palavras-chave: Licitação. Advogado parecerista. Responsabilidade. 1 INTRODUÇÃO Este estudo exploratório tem por escopo tratar, de forma sintética, do parecer jurídico emitido nos processos licitatórios e da consequente responsabilização (ou não) dos pareceristas diante de sua emissão. Nesse contexto, vale ressaltar que em virtude da complexidade bem como da vastidão exacerbada da matéria, este artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, visando, apenas, contribuir para o debate, traçando um paralelo entre as posições divergentes acerca do assunto. A ideia do artigo é a sistematização de algumas noções relativas ao conhecimento convencional, vindicando dos consultores jurídicos a assunção de uma postura social condizente com o interesse público, “bem maior” a ser resguardado. Assim, trouxemos à baila uma visão geral acerca de vários institutos jurídicos, dissertando sobre princípios, responsabilidades civil, penal, administrativa e por atos de improbidade, licitações e, por fim, a 37 Revista TCEMG Resumo: O presente trabalho apresenta como proposta a discussão acerca da responsabilidade dos advogados pareceristas no processo de licitação. Com a análise dos princípios e dos preceitos gerais do procedimento licitatório, abordou-se antes da finalização com o tema central, a responsabilidade civil, penal, administrativa e por atos de improbidade quando o agente público ultrapassa os limites legais. Fundamentase este estudo na doutrina e legislação pertinentes e na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Conclui-se que, no processo licitatório, visando a uma maior lisura nos atos do Poder Público, deve haver mais rigor na análise da responsabilização dos agentes que participam do certame. jan.|fev.|mar. 2014 Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Tributário. Chefe de Gabinete de Procurador do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais. DOUTRINA Bruno de Andrade Barbosa HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? responsabilização do advogado público diante da exigência normativa disposta no artigo 38 do Estatuto das Licitações. 2 LIMITES À ATUAÇÃO ESTATAL A atividade administrativa, tanto na relação entre os agentes públicos e seus superiores hierárquicos, quanto na relação administração-administrado, encontra-se subordinada a um conjunto de princípios e regras que compõem o direito administrativo. O Direito não se resume a um mero conglomerado de dispositivos; é um sistema estruturado em princípios e normas que, interligados, formam o ordenamento jurídico. Os princípios sustentam o sistema jurídico, uma vez que as normas positivadas encontram nestes a fundamentação de sua validade. Dessa forma, somente a interpretação sistemática, lastreada nos princípios, pode proporcionar uma correta, segura e uniforme aplicação da lei. A administração pública, como manifestação de poder, submete-se ao império da lei, a qual estabelece um delimitado conjunto de princípios e regras reguladoras dos poderes dos administradores, visando, consequentemente, à manutenção de um Estado Democrático de Direito. 2.1 Princípios regentes da administração pública A atividade administrativa é norteada por uma série de princípios que representam mais do que simples diretrizes; são principalmente limites concretos à atuação dos agentes públicos, condicionando, assim, a validade do ato administrativo. Os princípios são os postulados fundamentais que inspiram a atuação de toda a administração pública. Representam cânones pré-normativos, direcionando a conduta estatal no desenvolvimento das atividades administrativas. Segundo o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 53): Reconhecida a força coercitiva dos princípios que regem o ordenamento jurídico, considerando a importância enquanto mola propulsora para as demais regras do sistema, a inobservância a um princípio gera uma ofensa a todo o sistema de comandos e não somente a um mandamento obrigatório específico. Essa desatenção é a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade, porque representa uma agressão contra todo o sistema, uma violação dos valores fundamentais, gerando uma corrosão de sua estrutura mestra. A Constituição Federal elencou em seu art. 37 os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como sendo imprescindível a sua observância por todas as pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos, a sua observância. É importante frisar também que a administração pública orienta-se por meio de outras diretrizes incluídas e reconhecidas em sua principiologia, orientando e limitando a sua atuação, quais sejam: princípios da supremacia do interesse público, autotutela, indisponibilidade, continuidade dos serviços públicos, segurança jurídica, precaução, razoabilidade/ proporcionalidade. Por fim, interessam os princípios que são diretamente ligados ao procedimento licitatório, expressos no art. 3º da Lei Federal n. 8.666/93, alterada pela Lei Federal n. 12.349/10, quais sejam: isonomia, seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, promoção do desenvolvimento nacional sustentável, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo. Para a doutrinadora Fernanda Marinela (2010, p. 325), o sigilo da proposta aparece também como um princípio a ser observado no procedimento licitatório, nos seguintes termos: 38 Também se reconhece como princípio pertinente à licitação o sigilo da proposta, devendo as propostas serem apresentadas em envelopes lacrados e mantidas em sigilo até o momento determinado para sua abertura em sessão pública. Violar o sigilo de proposta representa improbidade administrativa e crime na licitação. Excetuando essa regra, tem-se a modalidade leilão, hipóteses em que os lances são verbais e, portanto, não há esse cuidado. Diante dos objetivos deste estudo, não aprofundaremos no desenvolvimento dos citados princípios. 2.2 Responsabilidade civil do Estado O reconhecimento subsequente da culpa administrativa passou a representar um estágio evolutivo da responsabilidade estatal, deixando de lado as incertezas geradas pela distinção apontada. Essa teoria, consagrada por Paul Duez, retratava que o lesado não precisava identificar o agente estatal causador do dano. Bastava comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo não sendo possível a identificação do agente que o provocou. Num estágio mais moderno, fora consagrada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Nesta responsabilidade, é dispensável a verificação do fator culpa em relação ao fato danoso. Assim, há incidência decorrentes de fatos lícitos ou ilícitos, bastando que o interessado comprove a relação causal entre o fato e o dano. Essa concepção ganhou força no momento em que houve a percepção de que o Estado, por ser mais poderoso, deveria arcar com um risco natural decorrente de suas inúmeras atividades, atribuições e responsabilidades. Em tempos atuais, consoante as lições de Sérgio Cavalieri Filho, tem ganhado roupagem a teoria do risco social, segundo a qual o foco da responsabilidade civil é a vítima, e não o autor do dano, devendo a reparação do dano estar a cargo de toda a coletividade, o que se chama de socialização dos riscos, sempre visando à justa reparação do dano sofrido pelo lesado. No direito brasileiro, a teoria da responsabilidade objetiva encontra respaldo no art. 43 do Código Civil e no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, apresentando ambas total compatibilidade normativa. Vale ressaltar, ainda, a importância do disciplinado no art. 21, XXIII, d, da CF que assevera: “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”. É a consagração da teoria do risco integral, adotada de forma excepcional, e que não comporta nenhum tipo de excludente. 39 2014 Aqueles seriam coercitivos porque decorrem do poder soberano do Estado, ao passo que estes mais se aproximariam com os atos de direito privado. Se o Estado produzisse um ato de gestão, poderia ser civilmente responsabilizado, mas se fosse a hipótese de ato de império não haveria responsabilização, pois que o fato seria regido pelas normas tradicionais de direito público, sempre protetivas da figura estatal. jan.|fev.|mar. Disserta sobre o ocorrido Maria Sylvia Di Pietro (1998, p. 357): Revista TCEMG O abandono dessa concepção marcou o aparecimento da doutrina da responsabilidade estatal no caso de ação culposa de seu agente. Entretanto, procurava-se distinguir, para esse fim, dois tipos de atos advindos do Estado: os atos de império e os atos de gestão. DOUTRINA Na metade do século XX, a ideia prevalecente no Ocidente era a de que o Estado não tinha nenhuma responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. O que nos parece um absurdo nos dias atuais, sob a nomenclatura de teoria da irresponsabilidade, retratava as reais condições políticas da época. HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? 3 RESPONSABILIDADES DOS AGENTES PÚBLICOS Na lição de Meirelles (1998, p. 74), agentes públicos “são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente de alguma função estatal”. Trata-se de gênero do qual são espécies os agentes políticos, os agentes administrativos, os agentes honoríficos e os agentes delegados. A noção de responsabilidade implica a ideia de resposta, termo que, por sua vez, deriva do vocábulo verbal latino respondere, cujo significado é responder, replicar (TELLES, 1995, p. 409). O vocábulo responsabilidade, no direito, coaduna-se com a ideia de que alguém deve responder perante a ordem jurídica em decorrência de certo fato preexistente. Consoante os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 541): De um lado, a ocorrência do fato é indispensável, seja ele de caráter comissivo ou omissivo, por ser ele o verdadeiro gerador dessa situação jurídica. Não pode haver responsabilidade sem que haja um elemento impulsionador prévio. De outro, é necessário que o indivíduo a que se impute responsabilidade tenha a aptidão jurídica de efetivamente responder perante a ordem jurídica pela ocorrência do fato. As responsabilidades administrativa, civil e penal do agente público também estão expressas na Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que, em seu art. 82, estabelece: os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções prevista nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que o seu ato ensejar. Podemos, ainda, agregar às já citadas responsabilidades aquela por ato de improbidade administrativa, regulamentada nos termos da Lei Federal n. 8.429/92. A seguir, apresentamos um breve delineamento sobre cada uma delas. 3.1 Responsabilidade civil A responsabilidade civil do agente público decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros (art. 122 da Lei Federal n. 8.112/90). A responsabilidade dos agentes públicos não se confunde com a do Estado. A responsabilidade do agente é subjetiva e a do Estado é objetiva, conforme determina o art. 37, § 6º, da Constituição Federal: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadora de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” A responsabilidade civil do servidor público decorre da prática ou da omissão, seja dolosa ou culposa, de atos ou fatos que lhe foram atribuídos e que geraram um dano à entidade a qual pertence ou a terceiros. Sem tal comportamento e sem a ocorrência do dano, não se pode falar em responsabilidade civil. Não se trata, pois, de responsabilidade objetiva. É a literal aplicação do disposto no art. 186 do Código Civil. Apesar da independência da responsabilidade civil em relação às suas congêneres, não haverá a caracterização da citada responsabilidade quando a sentença penal reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, no estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Nessas hipóteses a sentença penal faz coisa julgada no cível (art. 65 do Código de Processo Penal). 40 Por fim, apurada a responsabilidade e fixado o valor da indenização, o servidor deverá realizar o pagamento, que pode ser satisfeito de uma só vez ou em parcelas descontadas mensalmente dos seus vencimentos, segundo um percentual máximo, se houver previsão legal. Se assim não for, o desconto só será possível com a concordância do servidor. Observe-se que a entidade com direito de ser integralmente ressarcida, em face do princípio da indisponibilidade, não pode liberar o servidor público dessa obrigação. A liberação só seria possível, excepcionalmente, no caso de interesse público devidamente justificado e mediante prévia autorização legislativa. Ademais, deve-se atentar que as ações de ressarcimento são imprescritíveis, consoante estabelece o § 5º do art. 37 da Constituição Federal. A absolvição na esfera penal só tem o condão de afastar a condenação nas esferas civil e administrativa em caso de inexistir o fato imputado ao servidor ou quando não for comprovada a autoria. Ocorre que, diante da maior complexidade de um processo criminal, a apuração das provas passa por um rigorismo maior do que nas demais esferas, uma vez que poderá haver a restrição da liberdade. Vale ressaltar que, se a absolvição na esfera criminal decorrer da inexistência ou insuficiência de provas ou pela ausência de culpa ou dolo, não ficará assegurada a absolvição nos demais campos de responsabilidade. A falta de provas não exclui o ilícito administrativo nem impede a subsistência de penalidade disciplinar. A independência das jurisdições, em regra geral, possibilita, nos casos retrocitados, a responsabilização civil e administrativa. Frise-se que a responsabilidade penal não se limita às condutas tipificadas no Código Penal. A legislação esparsa também traz diversas disposições condenando a ação ou omissão do agente público, destacando-se, no tema, a Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993. 3.2.1 Ilícito penal na Lei de Licitações Os agentes administrativos que praticarem atos que atentem contra o estabelecido na Lei de Licitações ou que visem frustrar o caráter competitivo do certame se sujeitam, além das sanções administrativa e civil, às sanções penais. A criminalização de várias condutas nesse diploma visa resguardar o princípio constitucional da moralidade na administração pública e combater a corrupção. Os crimes da Lei Federal n. 8.666/93 implicam, além da sanção penal equivalente, a perda do cargo, emprego, função ou mandado eletivo. Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça já firmou jurisprudência no que se refere à necessidade de comprovação do dolo específico e do dano causado ao erário para fins de 41 2014 Implica a condenação penal o reconhecimento da responsabilidade civil e da responsabilidade administrativa, se decorrentes do mesmo ato, uma vez que a infração penal funcional é mais que suas congêneres. Assim, o condenado na esfera criminal o será também nas órbitas civil e administrativa, já que, nos termos do art. 935 do Código Civil, nas esferas civil e administrativa não são possíveis decisões contrárias, pois existe decisão criminal definitiva no que concerne aos fatos e à autoria. Alerte-se, no entanto, que a condenação no âmbito criminal, por si só, não enseja punição administrativa. Aquela somente dá ensejo a esta se a infração também for havida como ilícito administrativo. jan.|fev.|mar. Nos dizeres de Diogenes Gasparini (2006, p. 239): Revista TCEMG A responsabilidade penal decorre da prática de ato tido como crime. Nestes casos, entende o legislador que determinada conduta reprovável deve ser julgada de forma mais severa e a sanção aplicada, de natureza penal. São crimes de ação pública, de competência do Ministério Público, com previsão no Código Penal nos arts. 312-327. DOUTRINA 3.2 Responsabilidade penal HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? configuração do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93: “Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.” Marcelo Leonardo (2001, p. 45) preconiza em sua obra: “Há vários tipos penais previstos na Lei n. 8.666 que correspondem a condutas já incriminadas no Código Penal. Vão prevalecer aí duas regras de hermenêutica: a lei nova revoga a lei anterior; a lei especial revoga a lei geral.” Nos moldes do Código Penal, a Lei Federal n. 8.666/93 traz um amplo conceito de servidor público, considerando como tal todo aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público, equiparando-se também a servidor público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público. Registre-se ainda que, nos crimes tipificados na Lei Federal n. 8.666/93, a pena será agravada não pela condição de agente público, mas pela condição peculiar que o agente ocupa na estrutura pública. Assim, teremos uma pena acrescida em um terço, quando os autores dos crimes previstos na Lei de Licitações ocuparem cargo em comissão ou função de confiança em órgão da administração direta ou indireta ou em outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo Poder Público. Vale destacar também o disposto no art. 89, que disciplina o ilícito referente à dispensa ou inexigibilidade fora das hipóteses legais, o qual somente poderá ser praticado por servidor público com competência para editar os referidos atos. Em princípio, tais infrações só podem ser praticadas em concurso com a autoridade superior com competência para ratificar o ato de dispensa ou inexigibilidade. Não havendo a devida ratificação, pode-se cogitar de crime na forma tentada. 3.3 Responsabilidade administrativa A responsabilidade administrativa do servidor decorre de condução omissiva ou comissiva que viole seus deveres funcionais. A apuração da responsabilidade é feita pela própria administração, mediante processo disciplinar que garanta ao acusado direito ao contraditório e à ampla defesa. Para os servidores federais, o processo disciplinar está regulado pela Lei n. 8.112/90, art. 143 e seguintes. Nas lições de Marçal Justen Filho (2005, p. 665): “A responsabilidade administrativa consiste no dever de responder pelos efeitos jurídico-administrativos dos atos praticados no desempenho de atividade administrativa estatal, inclusive suportando a sanção administrativa cominada em lei pela prática de ato ilícito.” Tal responsabilidade resulta do descumprimento, pelo servidor público, de normas internas da entidade a que está vinculado, violação no correto desempenho do cargo ou infração a regras estatutárias. A punibilidade do ilícito administrativo, em regra geral, independe do resultado dos processos nas esferas civil e criminal, eventualmente instaurados em decorrência do mesmo fato. A apuração da infração é feita pela própria entidade a que está ligado o acusado, mediante processo administrativo guiado por uma comissão composta por servidores estáveis e no mínimo da mesma hierarquia do infrator. A autoridade competente, em razão da gravidade do fato determinante da punição, escolhe, entre as penas previstas, a que melhor atenda ao interesse público e ao mesmo tempo sancione a infração praticada; explicitando, sempre, os fundamentos de sua decisão, sob pena de invalidade. O ilícito administrativo se diferencia do ilícito penal basicamente pela natureza da sanção. Os fatos erigidos a tipo penal recebem uma sanção mais severa, podendo vir a privar o indivíduo de sua liberdade. Já no 42 caso do ilícito administrativo, são geradas sanções como advertência e destituição de cargos. Trata-se de uma opção do legislador, que considera determinadas infrações mais graves que outras, optando, diante da tipificação existente, por sancioná-las mais severamente. Outro ponto diferenciador entre os ilícitos administrativos e penais é que estes se caracterizam por apresentarem tipos fechados e aqueles tipos mais abertos, cabendo um juízo de valor mais amplo no enquadramento da conduta. Mas, em ambos os casos, deve haver a previsão legal e a imposição da sanção deve observar o contraditório e a ampla defesa. Ocorre que, ao se fazer um exame de economicidade, a avaliação deverá recair sobre as escolhas feitas pelo administrador. Assim, a fiscalização do Tribunal de Contas deverá ultrapassar os limites formais do ato, adentrado nos pressupostos fáticos que motivaram o agente público a tomar determinada decisão. Conforme Figueiredo (2004, p. 354): O controle externo deve ser feito não mais visando apenas ao que chamamos de legalidade formal, mas também no que respeita à legitimidade, economicidade e razoabilidade; de conseguintes, ao controle formal sucede o material. Sobretudo agora, que foi acrescentado o princípio da eficiência aos princípios da Administração Pública. As competências dos tribunais de contas estão traçadas na Constituição Federal, art. 71, entre elas a de “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário.” No âmbito do Estado de Minas Gerais, o Regimento Interno do Tribunal de Contas, Resolução n. 12/2008, disciplina a fiscalização dos procedimentos licitatórios, bem como o sancionamento em caso de constatação de irregularidades, podendo-se aplicar, isolada ou cumulativamente, multa, inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança ou, por fim, declaração de inidoneidade para licitar e contratar com o poder público, além do ressarcimento aos cofres públicos, verificada a existência de dano ao erário. É o que dispõem os arts. 260, 262, 315 e 316, da resolução retrocitada. Por fim, é importante salientar que as decisões dos tribunais de contas que resultem imputação de débito ou multa, por força do art. 71, § 3º, da Constituição Federal, terão eficácia de título executivo. 3.4 Responsabilidade por atos de improbidade administrativa Os atos de improbidade administrativa têm regramento na Constituição Federal, que estabelece em seu art. 37, § 4º: “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da 43 2014 Os tribunais de contas têm o poder-dever de realizar auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e nos demais órgãos/ entidades que gerenciem recursos públicos. Além da legalidade do ato, são verificados, também, os aspectos de legitimidade e economicidade. jan.|fev.|mar. 3.3.1 Responsabilidade administrativa e tribunais de contas Revista TCEMG [...] os ilícitos e as sanções administrativas obedecem ao regime próprio do direito penal; aplica-se o princípio da legalidade no tocante à definição das informações e na fixação das sanções; a configuração da ilicitude depende da presença de um elemento subjetivo reprovável que integra a descrição normativa do ilícito; o sancionamento se subordina ao princípio da proporcionalidade; a observância ao devido processo legal, com respeito ao contraditório e à ampla defesa, é uma condição inafastável para a punição. DOUTRINA Justen Filho (2005, p. 665) elenca as características de um regime jurídico da ilicitude administrativa: HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” A improbidade administrativa configura uma infração jurídico-disciplinar capaz de ensejar a demissão do servidor público ao exteriorizar desvio de conduta que se enquadre nos tipos previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, Lei Federal n. 8.429, de 2 de julho de 1992, que os dividem em três grupos: os que importam enriquecimento ilícito; os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da administração pública. Importa destacar que se trata de rol exemplificativo, o que se depreende pela expressão “notadamente” de que se vale o legislador ao elencar os atos caracterizadores de improbidade. Sobre a ação civil por improbidade administrativa, preconiza José Armando da Costa (2005, p. 185), in verbis: De acordo com as disposições da Lei Federal n. 8.429/92, a prática do ato de improbidade administrativa, a par de ensejar conseqüências penais e disciplinares, obrigará, ainda, o agente ímprobo (autor, partícipe ou co-autor) a ressarcir o dano provocado ao erário (art. 5º) ou a devolver os bens ilicitamente acrescidos ao seu patrimônio (art. 6º). Dessume-se de tais disposições legais que é de natureza extracontratual (delitual) a responsabilidade civil nos casos de improbidade administrativa, posto que ela se origina da ação ou omissão do agente público que cause prejuízo ao erário, que acrescente, ilicitamente, valores ao seu patrimônio, ou que, afrontando os princípios da administração pública, provoque dano patrimonial aos cofres públicos (acepção lata do art. 1º dessa lei). Advirta-se, desde logo, que a responsabilidade civil, como categoria de ordem jurídica geral, requer, como pressupostos de sua existência, a presença de, no mínimo, três elementos, a saber: a) a produção do dano imputável a alguém, e que deve ser certo; b) a conexão causal entre o ato, ou fato, ensejador da responsabilidade e o dano provocado; e c) inexistência de hipótese de força maior e culpa exclusiva da vítima (elidindo o dever jurídico de responder pelo dano provocado). Por fim, a responsabilidade pela prática de um ato tipificado na lei de improbidade administrativa não está inserida em nenhuma das esferas de responsabilidade tradicionalmente apontadas e anteriormente analisadas — criminal, civil ou administrativa —, constituindo uma esfera autônoma e independente, que com as demais se comunica, mas com elas não se confunde. 4 DA RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO NA EMISSÃO DE PARECER JURÍDICO Iniciamos este tópico destinado ao debate do tema central deste trabalho com o disciplinamento jurídico previsto na Lei Federal n. 8.666/93, que dispõe em seu art. 38: Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente: I — edital ou convite e respectivos anexos, quando for o caso; II — comprovante das publicações do edital resumido, na forma do art. 21 desta Lei, ou da entrega do convite; III — ato de designação da comissão de licitação, do leiloeiro administrativo ou oficial, ou do responsável pelo convite; 44 IV — original das propostas e dos documentos que as instruírem; V — atas, relatórios e deliberações da Comissão Julgadora; VI — pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; VII — atos de adjudicação do objeto da licitação e da sua homologação; VIII — recursos eventualmente apresentados pelos licitantes e respectivas manifestações e decisões; IX — despacho de anulação ou de revogação da licitação, quando for o caso, fundamentado circunstanciadamente; X — termo de contrato ou instrumento equivalente, conforme o caso; XI — outros comprovantes de publicações; Diante da proposta deste trabalho, abordaremos apenas a responsabilidade dos procuradores jurídicos, matéria controvertida e que apresenta posições antagônicas na doutrina, no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Contas da União. Após a definição do objeto a ser contratado, deve ser justificada a sua necessidade, respeitados os requisitos previstos no ordenamento normativo, componentes do devido processo legal da licitação, e elaborado o instrumento convocatório e seus anexos. Em seguida, encaminha-se a documentação à assessoria jurídica para a emissão de parecer, consoante disposto no inciso VI e parágrafo único do art. 38 da Lei Federal n. 8.666/93. Não há dúvidas de que as prerrogativas e competências concedidas pela Constituição à Advocacia de Estado geram grandes poderes, mas também trazem grandes responsabilidades. A atividade consultiva da Advocacia de Estado tem o condão de atuar preventivamente nas ações da Administração Pública e, ainda, caracterizase por representar um importante instrumento para a efetivação e o aperfeiçoamento de políticas públicas, diante do caráter de assessoramento intrínseco a essa atividade. O doutrinador Jessé Torres Pereira Júnior (2009, p. 477-478) sustenta que: A Lei n. 8.883/94 substituiu a participação de órgão administrativo por assessoria da Administração, o que abre ensejo para que consultores estranhos aos quadros públicos sejam contratados para a prestação de serviços de assessoramento no exame das minutas dos atos convocatórios. Se, por um lado, a medida vem em socorro de entes públicos desprovidos de órgãos competentes na matéria, por outro, expõe a Administração ao aconselhamento de terceiros eventualmente interessados no resultado das licitações e que, por isto mesmo, não poderiam ser chamados a opinar sobre o teor de seus editais. 45 2014 jan.|fev.|mar. No curso de um procedimento licitatório, busca-se uma proposta mais vantajosa para a Administração Pública. O comprometimento do erário acaba por envolver vários agentes em decorrência da complexidade existente na realização de uma licitação. Assim, nos processos de contratação pública encontram-se, de uma forma geral, agentes que participam dos certames e acabam sendo responsabilizados diante das incumbências que lhes são atribuídas por lei. São eles: pregoeiro e membros da equipe de apoio, comissão de licitação, autoridade superior, fiscal ou gestor de contratos, ordenador de despesas, agentes de controle interno e assessores jurídicos. Revista TCEMG Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. DOUTRINA XII — demais documentos relativos à licitação. HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? A competência do advogado de Estado, em sua atividade consultiva, resume-se ao ambiente jurídico. Em outras palavras, sua função de controle fica restrita aos elementos jurídicos sob análise. Isso não significa que o parecerista deva se alienar em relação a elementos fáticos ou tenha que se omitir no que tange ao mérito do ato administrativo. Sua manifestação, não obstante, em relação a esses pontos, jamais vincula a atuação do administrador. Explica Meirelles (1998, p. 172) que: Pareceres administrativos são manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos à sua consideração. O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinária, negocial ou punitiva. O parecer, embora contenha um enunciado opinativo, pode ser de existência obrigatória no procedimento administrativo e dar ensejo à nulidade do ato final se não constar do processo respectivo, como ocorre, p. ex. nos casos em que a lei exige a prévia audiência de um órgão consultivo, antes da decisão terminativa da Administração. Nesta hipótese, a presença do parecer é necessária, embora seu conteúdo não seja vinculante para a Administração, salvo se a lei exigir o pronunciamento favorável do órgão consultado para a legitimidade do ato final, caso em que o parecer se torna impositivo para a administração. O gestor público atua com discricionariedade na contratação do objeto que melhor atenda ao interesse público, não podendo o parecerista adentrar no seu mérito, uma vez que a ele não se concedem poderes de gestão. O parecer deve ser fundamentado à luz do ordenamento jurídico vigente, dos princípios, jurisprudência e doutrina especializada. Em termos de responsabilidade, a ausência de parecer jurídico pode ensejar sanção àqueles que conduziram a licitação com tal falha — comissão de licitação, autoridade homologante —, descumprindo expressa disposição legal. Trata-se de culpa grave, já que a existência, ou não, de parecer não carece de maiores cuidados para a sua constatação. Assim, não existem dúvidas quanto à responsabilização em decorrência da ausência do parecer jurídico. Entretanto, situação controvertida advém da emissão de parecer jurídico, corroborando ato ilícito praticado pelo administrador. Seria viável nessa situação responsabilizar o agente que emitiu o parecer? Esse entendimento não é pacífico entre os doutrinadores. Para Justen Filho (2004, p. 372): Ao examinar e aprovar os atos de licitação, a assessoria jurídica assume responsabilidade pessoal e solidária pelo que foi praticado. Ou seja, a manifestação acerca da validade do edital e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos. Há dever de ofício de manifestar-se pela invalidade, quando os atos contenham defeitos. Não é possível os integrantes da assessoria jurídica pretenderem escapar aos efeitos da responsabilização pessoal quando tiverem atuado defeituosamente no cumprimento de seus deveres: se havia defeito jurídico, tinham o dever de apontá-lo. A afirmativa se mantém inclusive em face de questões duvidosas ou controvertidas. Havendo discordância doutrinária ou jurisprudencial acerca de certos temas, a assessoria jurídica tem o dever de consignar essas variações, para possibilitar às autoridades executivas pleno conhecimento dos riscos de determinadas decisões. Mas, e quando não há dolo? Segundo o Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança n. 24.073/DF: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. C.F., art. 70, parág. único, art. 71, 46 II, art. 133. Lei n. 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX. I. — Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros Ed., 13ª ed., p. 377. II. — O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados aos seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32. III. — Mandado de Segurança deferido. O STF discordou do posicionamento anterior do Tribunal de Contas da União e, em decisão unânime, entendeu que pareceres não são atos administrativos, mas opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica. Para o Supremo, não haveria no caso responsabilização solidária do advogado com o administrador, salvo se fosse constatada evidente má-fé, manipulando administrador inapto. Para Di Pietro (1998, p. 150): “Em assunto tão delicado e tão complexo como a licitação (principalmente diante de uma lei nova e não tão bem elaborada e sistematizada como seria desejável), a responsabilidade só pode ocorrer em casos de má-fé, dolo, culpa grave, erro grosseiro por parte do advogado.” É importante salientar a posição do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, em caso análogo (Mandado de Segurança n. 24.584-1-DF, julgado em 9 de agosto de 2007), no qual cita o administrativista francês René Chapus que diferencia os pareceres jurídicos em três espécies: os facultativos, aos quais o administrador não se vincula; os obrigatórios (no caso de o administrador discordar do parecer, deverá submeter novo ato à análise); e os vinculantes, quando a autoridade age conforme o parecer ou, simplesmente, não age. Torna-se possível, assim, consubstanciado nos julgados retrocitados, resumir em poucas linhas as mais recentes e significantes decisões do STF, nos termos a seguir expostos: a) os advogados públicos não são totalmente irresponsáveis no desempenho de sua função consultiva; b) havendo a responsabilização dos advogados públicos, limitam-se tais hipóteses aos casos em que atuaram com dolo ou erro inescusável; c) há a possibilidade desses agentes públicos virem a prestar explicações nos tribunais de contas, desde que as imputações advenham de dolo ou erro inescusável; d) em casos em que o parecer é obrigatório ou vinculante, o consultor público pode ser considerado corresponsável pelo ato administrativo. Não seria razoável imputar responsabilidade ao agente, a título de culpa, se ele agiu com os cuidados esperados para a situação. Nesse sentido, trecho do voto do relator, ministro José Antônio Barreto de Macedo, na Decisão n. 289/1996, do Plenário do TCU: [...] quando o administrador age sob o entendimento de parecer jurídico não se lhe deve imputar responsabilidade pelas irregularidades que tenha cometido. Ocorre que o apelo a 47 2014 jan.|fev.|mar. O TCU defendeu a tese, in casu, de que os pareceres jurídicos “constituem a fundamentação jurídica e integram a motivação das decisões dos ordenadores de despesas”. A responsabilização advinha da ideia de que deveria haver um maior rigor na elaboração dos pareceres, pautando-se, sempre, na doutrina e jurisprudência pertinentes ao caso concreto. Revista TCEMG A argumentação colacionada ao mandado de segurança sustentava que seria inconstitucional o controle praticado pelo Tribunal de Contas, já que os advogados não teriam atuado como administradores. A responsabilização violaria também a isenção técnica de atuação profissional dos advogados. DOUTRINA (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. MS n. 24.073/DF. Plenário. Relator: min. Carlos Velloso. DJ, 6 nov. 2002. Decisão Publicada: 31 out. 2003) HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? tal entendimento somente pode ser admitido a partir da análise de cada caso, isto é, devese verificar se o parecer está devidamente fundamentado, se defende tese aceitável, se está alicerçado em lição de doutrina ou de jurisprudência’. Presentes tais condições, ‘não há como responsabilizar o advogado, nem, em consequência, a autoridade que se baseou em seu parecer’, conforme bem leciona a sempre lúcida Maria Sílvia Zanella Di Pietro (‘Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos’, Malheiros Editores, 2ª edição, 1995, pág. 118). Ao revés, se o parecer não atende a tais requisitos, e a lei o considerar imprescindível para a validade do ato, como é o caso do exame e aprovação das minutas de editais e contratos, acordos, convênios ou ajustes (cf. art. 38, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93) e dos atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade ou decidir a dispensa de licitação no âmbito da administração direta (cf. art. 11, inciso VI, alínea “b”, da Lei Complementar n. 73/93), o advogado deverá responder solidariamente com o gestor público que praticou o ato irregular. Nos termos esposados, um parecer bem balizado exclui a culpabilidade não só do advogado público, pois atuou com diligência, mas também do gestor que pratica o ato administrativo nele embasado, uma vez que tomou as cautelas exigidas. Por outro lado, o erro grosseiro, o parecer desarrazoado (Acórdão TCU n. 2.199/2008. Plenário) ou com fundamentação insuficiente (Acórdão TCU n. 2.109/2009. Primeira Câmara), pode levar à responsabilidade solidária do agente e do parecerista. Nesse mesmo sentido, encontramos decisão do TCU: Na verdade tem-se no caso uma responsabilidade compartilhada entre os gestores, membros da CPL e Assessoria, que, conjuntamente, colaboram para a realização de licitação que viole os princípios constitucionais e legais. Esse foi o entendimento seguido pelo Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal ao relatar o Mandado de Segurança 24.584-1/DF ao negar a indenidade de procuradores ao emitirem pareceres jurídicos. Esclarecedor excerto do Voto Condutor quando afirma frisa-se, por oportuno, que na maioria das vezes não tem aquele que se encontra na ponta da atividade relativa à Administração Pública condições para sopesar o conteúdo técnico-jurídico da peça a ser subscrita, razão pela qual lança mão do setor competente. A partir do momento em que ocorre, pelos integrantes deste, não a emissão de um parecer, mas a aposição de visto, implicando a aprovação do teor do convênio ou do aditivo, ou a ratificação procedida, tem-se, nos limites técnicos a assunção de responsabilidade. (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 1492/2004. 2ª Câmara. Processo n. TC004.319/1998. Relator: min. Marcos Bemquerer Costa. DJ, 19 ago. 2004. Decisão publicada: 27 ago. 2004). Mantendo a mesma linha colacionada anteriormente, encontramos julgado do TCU, Acórdão autuado sob o n. 343/2008, Plenário, com o voto do relator Valmir Campelo, nos termos a seguir aduzidos: [...] se, ao examinar os atos da licitação, a assessoria jurídica assume a responsabilidade pessoal solidária pelo que foi praticado, seria escusável a exclusão da responsabilidade dessa mesma assessoria nos casos de ausência de licitação, ou seja, na contratação informal? Decerto que não. A responsabilização do parecerista jurídico, calcada em vários julgados, orienta-se, entre várias vertentes, pela comprovação de sua atuação imbuída de má-fé, no erro evidente e inescusável cometido por um agente público técnico ao atuar sem o zelo necessário com a coisa pública e na falta de fundamentação capaz de balizar adequadamente o objeto a ser licitado, não apresentando argumentos suficientemente hialinos para o gestor e que estejam devidamente amparados na doutrina, legislação e jurisprudência. As orientações emanadas pela assessoria jurídica, quando corretamente fundamentadas, têm o condão de excluir a responsabilidade do parecerista em relação ao gestor, consoante decisão do TCU, Acórdão n. 798/2008, Primeira Câmara: 48 É a partir da jurisprudência desta Corte que, como já dito, entende-se afastável a responsabilização dos autores de pareceres jurídicos, se demonstrada a eventual complexidade jurídica da matéria questionada, se apresentada argumentação provida de devida fundamentação e se defendida tese aceitável na doutrina ou na jurisprudência, ainda que considerada equivocada. Assim, se o parecerista, em resumo, apresenta apenas o entendimento adotado, torna-se corresponsável por decisão tomada em sua linha. É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativodisciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. MS n. 24.631-6/DF. Relator: min. Joaquim Barbosa, DJ, 9 ago. 2007. Decisão publicada: 1 fev. 2008) Ainda, visando à responsabilização do advogado público, diante da vinculação do parecer, nos termos do art. 38, parágrafo único, da Lei das Licitações, nos autos do Mandado de Segurança já citados anteriormente, vale ressaltar o voto do relator, ministro Marco Aurélio, acompanhado pela maioria dos integrantes do Tribunal (Mandado de Segurança n. 24.584-1-DF, julgado em 9 de agosto de 2007): Não há o envolvimento de simples peça opinativa, mas de aprovação, pelo setor técnico da autarquia, de convênio e aditivos, bem como de ratificações. Portanto, a hipótese sugere a responsabilidade solidária, considerando não só o crivo técnico implementado, como também o ato mediante o qual o administrador sufragou o exame e o endosso procedidos. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. MS n. 24584-1/DF. Relator: min. Marco Aurélio. DJ, 9 ago. 2007. Decisão publicada: 20 jun. 2008) Interpretando o decisum retrocitado, Ronny Charles Lopes de Torres (2011, p. 161), avesso à responsabilização do advogado público na emissão de parecer jurídico, dispõe: É importante observar, contudo, que a decisão não confirmou a correção da responsabilização dos pareceristas, mas, sim, considerou a impossibilidade do afastamento da responsabilidade 49 2014 jan.|fev.|mar. Por ser um ato opinativo, a manifestação jurídica pode apenas ser utilizada como elemento de fundamentação de um ato administrativo propriamente dito, conforme se depreende da leitura de um trecho de decisão emanada nos autos do Mandado de Segurança n. 24.631-6, STF: Revista TCEMG Ainda, segundo o autor, responsabilizar os assessores jurídicos por suas manifestações jurídicas seria atentar ao que vem preceituado nos limites de competência e de responsabilização dispostos na Constituição Federal, já que estes devem responder se praticarem ilícitos administrativos, não pareceres opinativos. Ainda, segundo Torres, eventuais irregularidades no exercício da advocacia deverão ser apuradas pela Corregedoria própria ou pela Ordem dos Advogados do Brasil, podendo também haver a responsabilização civil, penal e por atos de improbidade. Entretanto, os tribunais de contas seriam incompetentes para realizar tais julgamentos, como já acenou a jurisprudência. DOUTRINA Há parcela da doutrina, entretanto, conforme se vislumbra nos ensinamentos de Ronny Charles Lopes de Torres (2011), defendendo a posição de que o parecerista simplesmente faz uma aferição técnicojurídica restritiva, já que não é o responsável pelas contas, não pratica atos de gestão, não é o ordenador de despesas. Incumbe a ele, apenas, a análise legal das minutas previstas no ordenamento jurídico, não abrangendo escolhas gerenciais específicas ou mesmo elementos fundamentadores da discricionariedade do administrador na função que lhe é própria. HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? dos impetrantes em sede de mandado de segurança, impedindo sua oitiva pelo TCU, ficando ressalvado, no entanto, o direito de acionar o Poder Judiciário, na hipótese de declaração de responsabilidade dos pareceristas, quando do encerramento do processo administrativo em curso no Tribunal de Contas da União. Em suma, o que o STF declarou é que não cabia Mandado de Segurança para impedir que o parecerista fosse notificado pelo TCU para justificar sua atividade advocatícia. Por fim, após inúmeras decisões e posições doutrinárias antagônicas, vislumbra-se, ainda, acórdão do TCU considerando que o parecer jurídico, embora obrigatório, não tem caráter vinculativo, devendo o gestor público examinar a correção do parecer: Também não aproveita ao recorrente o fato de haver parecer jurídico e técnico favorável à contratação. Tais pareceres não são vinculantes ao gestor, o que não significa ausência de responsabilidade daqueles que os firmam. Tem o administrador obrigação de examinar a correção dos pareceres, até mesmo para corrigir eventuais disfunções na administração. Este dever exsurge com maior intensidade nas situações em que se está a excepcionar princípio (impessoalidade) e regra (licitação) constitucional. Deve agir com a máxima cautela possível ao examinar peças técnicas que concluam pela inviabilidade ou pela inconveniência da licitação. (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão n. 939/2010. Processo n. TC 007.117/2010-8. Relator: min. Benjamin Zymler. DJ, 13 maio 2010. Decisão publicada: 13 maio 2010). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Atento ao que já foi debatido sobre o assunto em comento, buscou-se nesse breve estudo delinear a atividade do parecerista, notadamente na análise de minutas de editais e contratos, o que representa, significativamente, um controle eficiente e preventivo da legalidade, impedindo irregularidades e desvios de recursos públicos ao retirar cláusulas viciadas capazes de direcionar o processo licitatório, restringir a competitividade do certame ou criar situações prejudiciais ao deslinde isonômico da licitação. Em um momento no qual se debate intensamente sobre a accountability republicana, não responsabilizar os advogados públicos por seus atos vai de encontro a toda a ideia de coletividade, bem-estar comum, Estado Democrático de Direito e dinheiro público. Entretanto, isso não gera uma carta branca para a imputação de toda a responsabilidade aos pareceristas por qualquer tipo de parecer jurídico. Deve sim, haver maior rigor quanto à fiscalização dos advogados públicos no que concerne à emissão dos pareceres nos procedimentos licitatórios, buscando sempre uma atuação proba, imparcial, cristalina e consubstanciada, sempre, no interesse público. Coibir atos desmedidos e sem fundamentação possibilita uma maior lisura nas contratações públicas, dando azo para que sejam observados os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O parecer jurídico, elemento tido como essencial pela lei no deslinde do certame, deve ser um instrumento de controle preventivo da legalidade, e não um justificador de atitudes ilegais cometidas pelos gestores perante os tribunais de contas. É público e notório que vários pareceres são feitos sem o esmero compatível com a coisa pública, chancelando atos desmesurados e malversações de dinheiro público. Diante do exposto, torna-se possível concluir que o mais importante não é responsabilizar ou não o parecerista, mas efetivar a fiscalização sobre a confecção dos pareceres, possibilitando a imputação da responsabilidade quando houver dolo, má-fé ou erro inescusável, como nos casos em que um gestor público inapto, mas eleito pelo voto popular, baseia-se na emissão de um parecer para tomar uma decisão, e este documento não se apresenta devidamente fundamentado pelo técnico competente, qual seja, o assessor jurídico. 50 REFERÊNCIAS BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 22 de junho de 1993. __________. Segunda Câmara. Acórdão n. 1492/2004. Processo n. TC-004.319/1998. Relator: ministro Marcos Bemquerer Costa. Sessão de 19 de ago. 2004. DJ, Brasília, DF, 27 ago. 2004. Disponível em: <http:// www.tcu.gov.br/ Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20040824/TC% 20004.319.doc>. __________. Plenário. Acórdão n. 509/2005. Tomada de Contas. Delegacia Federal de Agricultura e do Abastecimento no Amapá. Exercício de 1997. Relator: ministro Marcos Bemquerer Costa. Sessão de 4 de maio 2005. DJ, Brasília, DF, 12 maio 2005. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br/ Consultas/Juris/Docs/ judoc/Acord/20050513/TC-775-051-1998-5.doc>. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão n. 343/2008. Relator: ministro Valmir Campelo. Sessão de 5 mar. 2008. DJ, Brasília, DF, 17 mar. 2008. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br/Consultas/ Juris/ Docs/judoc/Acord/20080310/TC-019-812-2007-7.doc>. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Primeira Câmara. Acórdão n. 798/2008. Relator: ministro Marcos Bemquerer. Sessão de 18 mar. 2008. DJ, Brasília, DF, 20 mar. 2008. Disponivel em: <http://www.tcu.gov.br/ Consultas/Juris/ Docs/judoc/Acord/20080328/016-178-2005-0-MBC.doc>. __________. Plenário. Acórdão n. 939/2010. Processo n. TC 007.117/2010-8. Relator: ministro Benjamin Zymler. Sessão de 5 maio 2010. DJ, Brasília, DF, 13 maio 2010. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br/ Consultas/Juris/ Docs/judoc/Acord/20100521/ AC_0939_14_10_P.doc>. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2012. 1.250 p. COSTA, José Armando de. Contorno jurídico da improbidade administrativa. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. 315 p. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1998. 566 p. 51 2014 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão n. 289/1996. Auditoria. Coordenação Geral de Serviços Gerais do MICT. Área de licitação e contrato. Irregularidades diversas. Justificativas aceitas em parte. Ausência de prejuízo ao Erário. Descaracterização do débito. Juntada dos autos às contas. Relator: ministro José Antônio Barreto de Macedo. Sessão de 22 maio 1996. DOU, Brasília, DF, 17 jun. 1996, p. 10.576. jan.|fev.|mar. __________. Mandado de segurança n. 24.584/DF. Ildete dos Santos Pinto e outro(a/s) versus TCU. Relator: ministro Marco Aurélio. Distrito Federal. Acórdão de 9 ago. 2007. DJe 20 jun. 2008. Revista TCEMG __________. Mandado de segurança n. 24.631-6/DF. Sebastião G. M. Tavares versus TCU. Relator: ministro Joaquim Barbosa. Distrito Federal. Acórdão de 9 ago. 2007. DJe, 1º fev. 2008. DOUTRINA BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Mandado de segurança n. 24.073/DF. Rui Berford Dias e outros versus TCU. Relator: ministro Carlos Velloso. Distrito Federal. Acórdão de 6 de nov. 2002. Diário de Justiça, Brasília, DF, 31 de out. 2003, p. 15. HÁ RESPONSABILIDADE DO PARECERISTA JURÍDICO NO PROCESSO LICITATÓRIO? FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2004. 687 p. GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. 1.022 p. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2004. 703 p. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. 863 p. LEONARDO, Marcelo. Crimes de responsabilidade fiscal: crimes contra as finanças públicas; crimes nas licitações; crimes de responsabilidade de prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 271 p. MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4. ed. rev. ampl. reform. e atual. Niterói: Impetus, 2010. 1.030 p. MEIREILLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. 714 p. PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratação da administração pública. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 1.239 p. PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de (Orgs.). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 331 p. (Coleção Saraiva Legislação). TELLES, Antônio Queiroz. Introdução ao direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 488 p. TORRES, Ronny Charles Lopes de. Licitações públicas. 4. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2011. 655 p. Abstract: This study shows how the proposed discussion about the responsibility of lawyers in the bidding process. From a principled analysis and the general precepts of the bidding procedure, addressed the civil, criminal, administrative and acts of misconduct when the public official exceeds the legal limits before finalizing with the central theme of responsibility. This work is based on the doctrine and relevant legislation and case law of the Court of Audit and the Supreme Court. That the bidding process towards greater fairness and accountability of Government In conclusion, there should be more rigorous analysis of the liability of agents participating in the event when they do not act with due diligence in dealing with public. Keywords: Bid. Lawyer referee. Responsibility. 52 Governança e accountability no setor público: auditoria operacional como instrumento de controle das ações públicas a cargo do TCEMG Palavras-chave: Governança. Accountability vertical e horizontal. Auditoria operacional. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. 53 2014 jan.|fev.|mar. Resumo: O presente estudo objetiva evidenciar como as auditorias de natureza operacional (Anops), instrumento de excelência, têm contribuído no processo de governança e accountability dos órgãos auditados, além de aumentar o êxito das ações, programas e políticas públicas. O trabalho tem como bases referenciais os conceitos de governança, accountability — vertical e horizontal — e auditoria operacional, aplicados à administração pública. O controle de natureza operacional assume destaque, pois se realiza durante o andamento da política pública, de forma que avalie o impacto das ações governamentais e a aferição do cumprimento dos escopos estabelecidos nos planos de governo, objetivando o aperfeiçoamento das ações e dos programas bem como o cumprimento dos fins dessa política pública, e não a punição do agente público. Os resultados indicam que o controle externo da administração pública contribui para a melhoria do desempenho nos órgãos auditados, quando se utiliza de auditorias de natureza operacionais (Anops) sob os aspectos da economia, eficiência, eficácia, efetividade e equidade — os quais são componentes básicos de uma boa gestão responsável. A Anop também está intimamente ligada à transparência administrativa, um atributo da gestão pública democrática que permite a participação do cidadão no controle social das políticas públicas, o debate e a accountability, consagrando, assim, um governo aberto. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), ciente de sua elevada missão constitucional de zelar pela aplicação dos recursos públicos, tem o papel de apresentar soluções legais, eficientes e econômicas para viabilizar as políticas públicas ou, se for o caso, questionar a adoção de determinado ato administrativo quando constatado que existe uma opção melhor. Com esse propósito, o TCEMG demonstra a mudança de foco da conformidade para a ótica da economia, eficiência, eficácia e efetividade da gestão dos recursos públicos, além da equidade, que é o respeito à diferença entre os indivíduos, usando tratamento diferenciado com vistas ao atendimento de todos. Entretanto é importante registrar neste estudo o grande desafio no âmbito do TCEMG, que é obter maior agilidade na tramitação dos processos pertinentes às auditorias operacionais. Para vislumbrar os benefícios da auditoria operacional, sobretudo é preciso observar a tempestividade da fiscalização, demandando um retorno ágil aos gestores e à sociedade, sem o que, potencialmente, tende-se à perda do interesse pelos principais destinatários da auditoria e, consequentemente, de seu objeto, criando, assim, a sensação geral de ineficácia da fiscalização, desperdício de recursos públicos e ineficiência no desenho e execução das políticas públicas. Daí a importância da atuação dos tribunais de contas, entre eles, o TCEMG, guardiões dos bens, valores e dinheiros públicos. Revista TCEMG Bacharela em Direito pela Universidade Fumec. Especialista em Direito Empresarial pela PUC Minas. Analista de Controle Externo do TCEMG. Pós-graduada em Direito Público: Controle de Contas, Transparência e Responsabilidade pela PUC Minas/Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo. Pós-graduanda em Gestão Pública pela Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo. DOUTRINA Érica Apgaua de Britto GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG 1 INTRODUÇÃO No setor público, as primeiras iniciativas para implantar reformas administrativas baseadas no modelo gerencial importado da iniciativa privada foram tomadas na década de 1980 pelos governos de países como Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia. A reforma da gestão pública é um processo vivenciado no mundo inteiro. A nova gestão pública, com a implantação do modelo de administração gerencial, trouxe a administração pública para a discussão sobre modelos e boas práticas de governança. Nesse contexto, e a fim de melhorar seu sistema de governança, o setor público no Brasil vem implantando o modelo de gestão estratégica, em que os resultados serão acompanhados periodicamente com base nos objetivos e indicadores formulados em face das metas estabelecidas. Prega-se, pois, mais controle por resultados e menos formalismo. Mas, afinal, como as auditorias de natureza operacional têm contribuído no processo de governança e accountability das entidades auditadas? O controle de natureza operacional assume destaque, pois se realiza durante o andamento da política pública, de forma que avalie o impacto das ações governamentais e a aferição do cumprimento dos escopos estabelecidos nos planos de governo, objetivando o aperfeiçoamento das ações e dos programas bem como o cumprimento dos fins dessa política pública, e não a punição do agente público. Diante do exposto, pode-se afirmar que o papel social dos tribunais de contas é exercer o controle externo da administração pública, em seus vários aspectos, entre eles, o operacional, que visa ao aprimoramento da qualidade do serviço público e, por consequência, à melhoria da gestão pública, principalmente no que tange aos resultados da implementação das ações, programas e políticas públicas, não se limitando às questões financeira e orçamentária. Ao TCEMG, ciente de sua elevada missão constitucional de zelar pela aplicação dos recursos públicos, é reservado o papel de apresentar soluções legais, eficientes e econômicas para viabilizar as políticas públicas ou, se for o caso, questionar a adoção de determinado ato administrativo quando constatado que existia uma opção melhor. Assim sendo, desenha-se a construção de novos institutos de controle da gestão pública, como a auditoria operacional. Este instrumento torna possível um controle consensual que demonstre a importância de um controle externo prévio e concomitante (e não somente posterior) de maneira que contribua para o aperfeiçoamento da gestão pública, além do aprimoramento da instituição (TCEMG) no controle externo. Verifica-se que a ênfase dada ao exame tradicional da regularidade (conformidade) das contas públicas tende a ser suplantada pelo novo instrumento, a auditoria operacional, a qual busca o controle das ações, programas e políticas públicas, a fim de verificar se os recursos estão sendo utilizados de forma econômica, eficiente, eficaz, efetiva e equânime, o que garante uma boa gestão administrativa. Nesse contexto, percebe-se que algumas ações são imprescindíveis para alcançar uma boa gestão administrativa (ou pelo menos aproximar-se dela), como: (a) fortalecer a noção do controle; (b) fomentar a cultura da responsabilização sobre a escolha administrativa, que deve pautar-se na eficiência, eficácia, economicidade, efetividade e equidade; (c) disseminar os anseios por transparência na implementação de programas de governo. 54 2 GOVERNANÇA NO SETOR PÚBLICO O novo desafio que se vislumbra, no cenário nacional, é a governança como um sistema descentralizado de governo, que implica o aumento da participação e deliberação da sociedade civil organizada nas decisões políticas, assim entendida como um “Estado em Rede”, em vez de hierárquico e burocrático, mas sem fragilizar o núcleo rígido da autonomia administrativa. O novo modelo de gestão pública busca superar o padrão administrativo centralizado e projetar relações abertas cujo norte é a gestão para a cidadania. 3 ACCOUNTABILITY E AUDITORIA OPERACIONAL Accountability é um termo da língua inglesa, sem tradução exata para o português, que remete à obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados. Segundo Paiva (2009, p. 10): Alguns autores consideram satisfatória a utilização, numa possível versão em língua portuguesa, do termo responsabilização, ou ainda responsabilidade em prestar contas. Outros, entretanto, consideram que esses termos não traduzem todo o significado do termo accountability, que significa a obrigação dos agentes do Estado de explicar regularmente o que fazem, como fazem, por que fazem, quanto gastam e o que vão fazer a seguir. Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas de autoavaliar a obra feita, de dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou. Podemos dizer também que a accountability representa o compromisso “ético e legal” de responder por uma responsabilidade delegada (SAMPAIO; VALLE, 2008). Assim, presume-se a existência de pelo menos duas partes: uma que confere a responsabilidade e outra que a aceita, com o compromisso de prestar contas de como usou a responsabilidade conferida. É importante destacar que a accountability democrática pode ser compreendida tanto na perspectiva vertical quanto na perspectiva horizontal. No plano vertical, corolário da democracia representativa, estabelece-se a prestação de contas dos representados em razão de estarem atuando em representação a um Poder que em origem não é seu, mas do cidadão —regime de democracia representativa. Nessa perspectiva vertical, Naves (2012, p. 39-40) afirma: Mesmo com todo esse poder, os políticos prestam contas de seus atos aos cidadãos pelo simples fato de que por eles são eleitos. Os seus votos têm dupla função: em primeiro lugar, induzem 55 2014 jan.|fev.|mar. Nesse ponto é importante destacar que a accountability é considerada aspecto central da boa governança, porque esta requer claras definições de responsabilidade e compreensão do relacionamento entre os gestores dos recursos e a sociedade. Revista TCEMG Diante desse contexto, define-se a governança como a inter-relação entre a gestão, o controle e a accountability, visando à realização dos objetivos da política pública de forma econômica, eficiente, eficaz e efetiva bem como à comunicação aberta entre todos os atores sociais. Só a perfeita ligação entre esses elementos pode proporcionar a concretização dos objetivos da política pública e a desejada transparência administrativa. DOUTRINA A essência da governança no setor público é o estabelecimento de formas de controle da gestão e a possibilidade de responsabilização dos gestores pelas suas decisões. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG à responsabilidade por serem prospectivos, ou seja, vota-se em um programa de governo previamente colocado em campanha política. Em segundo lugar, por ser retrospectivo, ou seja, depois do mandato desempenhado, vota-se de acordo com resultados nele obtidos pelos políticos. Em nenhum dos casos, entretanto, os políticos são obrigados a cumprir completamente suas plataformas eleitorais, o que é inerente à necessidade de se manter certa margem de escolha dos políticos para que se preserve a capacidade de governar. [...] Os governos são controlados ou sancionados pelos cidadãos, nesse arranjo, de forma retrospectiva, responsabilizando-se pelos resultados das ações passadas. Isso só ocorre se os cidadãos têm como saber se os governos estão atuando, ou não, na defesa dos interesses políticos, de modo a lhes premiar com a reeleição ou a lhes sancionar com a derrota política. No plano horizontal, tem-se que a responsabilização é uma decorrência do sistema de controle: a) interno, no seio da própria administração; b) externo, a cargo do Legislativo, com o auxílio dos tribunais de contas; c) social, realizado pela sociedade e pelo cidadão, em interface com os dois primeiros por meio das ouvidorias (ombudsmen), canais de comunicação, recebimento de denúncias, consultas, audiências públicas, auditoria operacional, entre outros. Nessa perspectiva horizontal, Naves (2012, p. 52) afirma que no Brasil promove-se, no desenho do Estado, uma complexa rede de instituições de accountability horizontal composta por diversos organismos constitucionalmente incumbidos desse desiderato e por seus instrumentos correlatos, que são: o Poder Judiciário, o Poder Legislativo (accountability de balance), o Ministério Público, os tribunais de contas, as controladorias, as ouvidorias, os controles internos (accountability asignada). Esses Poderes e órgãos são “verdadeiros bastiões dos direitos fundamentais e da própria democracia” (MOREIRA NETO, 2005, p. 77, apud NAVES, 2012, p. 52). Naves (2012, p. 52) afirma ainda que: Nessa perspectiva horizontal, dentre as instituições instaladas no Brasil atribuídas da promoção de accountability, encontra-se a atuação destacada do TCU e dos diversos TC subnacionais, que exercem fiscalização de natureza administrativo-financeira, na qual se afere a probidade e também aspectos substantivos das políticas públicas. Fato é que, segundo O´Donnell (2004, p. 25), citado por Naves (2012, p. 27), “[...] todos os tipos de accountability são importantes para o adequado funcionamento de um regime democrático, não se podendo dizer que tenha prioridade lógica ou prevalência sobre a outra”. Com a implantação do novo modelo de administração pública, os gestores públicos ganharam mais autonomia gerencial, de forma que fossem mais eficientes, o que os tornou também mais “responsabilizáveis”. E, uma vez verificada falha no cumprimento de diretrizes legítimas, o gestor público é considerado irresponsável e está sujeito a sanções, sob pena do enfraquecimento da accountability. Segundo Naves (2012, p. 25), com base nos estudos de O´Donnell, dois são os aspectos essenciais da accountability: “[...] a sujeição desses administradores públicos à lei e a obrigação pessoal de prestar contas de seus atos, para que os cidadãos possam avaliar a gestão que desempenham”. À medida que o cidadão dispõe de mais elementos para melhor avaliar o desempenho da administração pública, ele ganha mais parâmetros para avaliar, criticar, reivindicar ou elogiar a atuação do gestor. Ou seja, quanto mais informações ao alcance dos cidadãos, maior a sua capacidade de fiscalizar e contribuir com a administração pública, e maior é a probabilidade de um governo atuar bem. Nesse contexto, surge a importância do gerenciamento transparente das contas públicas e, consequentemente, a responsabilidade dos gestores públicos, que devem prestar contas perante a sociedade no que se refere 56 à aplicabilidade dos recursos públicos e ao que está sendo feito para melhorar os serviços oferecidos à comunidade. Como anota Naves (2012, p. 34): Se, como visto, os cidadãos são a fonte da autoridade dos governantes, eles têm o direito de ser informados das decisões deste poder, pelo que essas decisões devem ser públicas, em duplo sentido, pois os conteúdos dessas decisões devem ser feitos públicos e os procedimentos que conduzem a essas decisões devem ser especificados em regras legais que também estejam disponíveis. Não se pode perder de vista que a relação de nomeação e trabalho direta entre políticos eleitos e burocratas implica a ideia de que o povo, ou seja, os cidadãos, não podem controlar o desempenho desses funcionários executores, embora sejam os efetivos destinatários de suas ações e, por isso, possuem maiores informações sobre esse desempenho. Nesse arranjo, burocratas prestam contas aos políticos e, no máximo, a tribunais ou agências administrativas de supervisão atribuídas da função de accountability horizontal, pelo que, defende Przeworski, deve-se ver com bons olhos a institucionalização de mecanismos de accountability vertical que promovam o incremento do controle social sobre desempenho da burocracia, tais como ombudsman, participação popular em conselhos administrativos, balcão de reclamações, etc. Hoje, o grande desafio para a democracia brasileira é superar o elitismo, o clientelismo, o patrimonialismo e a corrupção. Com efeito, a accountability democrática está na agenda da Administração Pública brasileira, como mecanismo de buscar uma administração mais eficiente e transparente e, acima de tudo, responsabilizar os maus gestores. Nessa seara, surgem as auditorias de natureza operacional a cargo dos tribunais de contas, entre eles, o TCEMG, instrumentos constitucionais desenvolvidos para a avaliação das políticas e ações dos governos. 4 AUDITORIA OPERACIONAL COMO TÉCNICA DE CONTROLE O controle da administração pública pode ser interno ou externo. O primeiro é exercido por uma unidade componente do próprio poder controlado, e o segundo, por órgão vinculado a poder diverso do poder controlado, conforme observação feita por Naves (2012, p. 51). A Constituição da República de 1988 (art. 70), ao tratar do controle externo e do controle interno, ampliou significativamente a responsabilidade da auditoria no setor público brasileiro. Para além do tradicional hábito de fiscalizar as contas públicas sob as óticas financeira e orçamentária, a Constituição passou a exigir a fiscalização sob as óticas contábil, patrimonial e operacional. 57 2014 Nesse sentido, a lição de Naves (2012, p. 38): jan.|fev.|mar. É de se registrar que o controle é necessário tanto dos políticos, eleitos pelo povo, quanto dos burocratas, pois são os servidores públicos que fazem, de fato, política. Revista TCEMG Considerando que a auditoria operacional é um exame objetivo e sistemático do desempenho de uma organização, programa, atividade ou função governamental, o fim último desta auditoria é melhorar a accountability pública e facilitar o processo de tomada de decisões pelos envolvidos na responsabilidade de supervisionar ou iniciar ações corretivas. DOUTRINA Daí a importância de divulgar os resultados das auditorias operacionais aos cidadãos e à imprensa, pois são os indicadores de desempenho que permitem a avaliação das políticas públicas. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG Toda essa evolução na forma de administrar, ocorrida no setor público, implica o novo enfoque dado à auditoria operacional, preocupada em verificar a economia, a eficiência, a eficácia, a efetividade e a equidade dos programas, projetos e atividades de governo, o que ultrapassa os limites tradicionais da regularidade (conformidade), que “tem como característica essencial o objetivo de detectar e responsabilizar, com rejeição de contas, multas ou imputação de débitos, os gestores que ordenam as despesas públicas por desvios das normas e por danos ao erário” (LIMA, 2010, apud NAVES, 2012, p. 68). É de se registrar que a auditoria operacional não consiste apenas em avaliar programas, projetos e atividades governamentais; ela pode, sim, avaliar a efetividade de órgãos e de entidades, conforme conceito adotado pelo Tribunal de Contas da União. Segundo Sampaio e Valle (2008, p. 40), a auditoria operacional ou performance audit, como a denominam os americanos, é a análise e avaliação do desempenho de uma organização, objetivando formular recomendações e comentários que contribuirão para melhorar os aspectos de economia, eficiência e eficácia. Há entendimento também de incluir a efetividade como aspecto importante no conceito de auditoria operacional. Assim, a auditoria operacional é o “Exame independente e objetivo da eficiência, eficácia, efetividade e economicidade das organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de promover o aperfeiçoamento da gestão pública” (EVANGELISTA et al, 2012). Em outras palavras, a auditoria operacional (dita por alguns como auditoria de gestão, auditoria de desempenho, auditoria administrativa, auditoria de otimização de recursos, auditoria de resultados, auditoria de performance, entre outras) visa avaliar as ações gerenciais e os procedimentos operacionais das unidades ou programas de governo, sob a ótica da economicidade, eficiência, eficácia e efetividade (e há quem diga ainda, sob a ótica da equidade), consistindo em atividade de assessoramento ao gestor, com vistas a aprimorar as práticas administrativas. Para compreender o conceito da auditoria operacional, é necessário uma breve análise de seus quatro elementos constitutivos que levam à otimização de recursos, a saber: economia, eficiência, eficácia e efetividade (EVANGELISTA et al, 2012). A economicidade significa a minimização dos custos na consecução de uma atividade, sem comprometer os padrões de qualidade. Ex.: suprimentos hospitalares adquiridos ao menor preço, na qualidade especificada. A eficiência significa a relação entre os produtos (bens e serviços) gerados por uma atividade e os recursos empregados. Ex.: redução dos prazos de atendimento em serviços ambulatoriais, sem aumento de custos e sem redução de qualidade, com a consequente diminuição dos custos médios por procedimento ambulatorial. A eficácia significa a avaliação do cumprimento das metas estabelecidas. Ex.: o número de crianças vacinadas na última campanha nacional de vacinação atingiu a meta programada de 95% de cobertura vacinal. A efetividade é a avaliação do atingimento dos objetivos do programa, ou seja, verificar se o problema foi resolvido ou se houve melhora da condição inicial. Ex.: o programa de saneamento básico reduziu o número de óbitos por doenças de veiculação hídrica. Numa tentativa de resumir os conceitos anteriormente relacionados, podemos dizer que a economia é a capacidade de fazer, gastando menos; eficiência é a obtenção dos máximos ou melhores resultados com os recursos disponíveis; eficácia é o alcance dos objetivos ou metas previstas, ou seja, gastar sabiamente; e efetividade é a garantia de que a população seja atendida. A auditoria operacional é uma técnica de controle que visa avaliar a consistência do controle interno das instituições, sendo este um instrumento imprescindível para uma gestão responsável, transparente, eficiente e eficaz, especialmente quando se trata da administração de recursos públicos. 58 O controle permite que sejam apresentadas sugestões para melhorar a gestão dos recursos e identificar aspectos de ineficiência, desperdícios, desvios, ações antieconômicas ou ineficazes e práticas abusivas. Torna-se necessária, portanto, a realização de auditoria operacional a fim de verificar se os programas governamentais estão atingindo os resultados propostos, levando em consideração os aspectos de custos e os benefícios alcançados. Devido à inviabilidade de examinar todas as ações de governo, a auditoria operacional concentra suas atividades nas áreas consideradas críticas e importantes. Portanto, o controle tem por fim combater todo gasto inútil e antieconômico. Os organismos de controle devem estender seus exames para além da auditoria financeira e orçamentária, a fim de penetrarem na auditoria operacional, condizente com a economia, eficiência, eficácia e efetividade, componentes básicos de uma boa gestão. O Estudo Piloto de Metodologia de Auditoria Operacional (SAMPAIO e VALLE, 2008, p. 45) revela que, ao proceder a uma auditoria operacional, é possível utilizar três abordagens, de acordo com o problema e as questões que se pretende examinar: análise da estratégia organizacional, análise da gestão e análise dos procedimentos operacionais. A primeira abordagem — análise da estratégia organizacional — envolve, basicamente, os seguintes aspectos: a) o cumprimento da missão definida em lei; b) a adequação dos objetivos estratégicos às prioridades de Governo; c) a identificação dos principais produtos, indicadores de desempenho e metas organizacionais; d) a identificação dos pontos fortes e fracos da organização, e das oportunidades e ameaças ao desenvolvimento organizacional; e) a existência de superposição e duplicação de funções. A segunda abordagem — denominada análise da gestão — abrange as seguintes questões: a) a adequação da estrutura organizacional aos objetivos do órgão ou entidade; b) a existência de sistemas de controle adequados, destinados a monitorar, com base em indicadores de desempenho válidos e confiáveis, aspectos ligados à economicidade, à eficiência e à eficácia; c) o uso adequado dos recursos humanos, instalações e equipamentos voltados para a produção e prestação de bens e serviços na proporção, qualidade e prazos requeridos; d) a extensão do cumprimento das metas previstas pela administração ou legislação pertinente. A terceira abordagem — análise dos procedimentos operacionais — está voltada para o exame dos processos de trabalho e pode envolver a análise dos seguintes fatores: a) a existência de rotinas e procedimentos de trabalho documentados e atualizados; b) o cumprimento das práticas recomendadas pela legislação para 59 2014 jan.|fev.|mar. Ou seja, a partir de um exame objetivo e sistemático das ações e atividades desenvolvidas pela Administração Pública é que se identificam as áreas consideradas críticas, apresentando comentários, conclusões, sugestões e recomendações, bem como determinando o cumprimento das metas com as disposições legais relacionadas. Revista TCEMG A título de esclarecimento, a técnica de SWOT visa identificar as forças e fraquezas do ambiente interno do objeto da auditoria e as oportunidades e ameaças do ambiente externo, bem como as possíveis áreas a serem investigadas, além de conhecer a capacidade organizacional de gerenciamento do risco. Já a análise stakeholder visa identificar os interessados na melhoria do desempenho da instituição ou programa, bem como identificar as opiniões e os conflitos de interesse e informações relevantes (EVANGELISTA et al, 2012). DOUTRINA Faz-se uma comparação imparcial entre o fato concreto e o desejado, com intuito de expressar uma opinião ou de emitir comentários, materializados em relatórios de auditoria. Para tanto, utilizam-se técnicas de diagnósticos (como a técnica de SWOT e a análise stakeholder) e métodos específicos, tendo por objetivo: estabelecer as possibilidades de melhoria da política pública e de utilização dos meios, com base num diagnóstico inicial e na construção da matriz de achados. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG aquisição de bens e serviços; c) a adequação das aquisições no que se refere aos prazos, à quantidade, ao tipo, à qualidade e aos preços; d) a guarda e manutenção dos bens móveis e imóveis. O foco, pois, da auditoria operacional é o processo de gestão nos seus múltiplos aspectos – de planejamento, de organização, de procedimentos operacionais e de acompanhamento gerencial, inclusive quanto aos seus resultados em termos de metas alcançadas, o que se traduz na efetividade dos programas governamentais. 5 BENEFÍCIOS DA AUDITORIA OPERACIONAL Para vislumbrar os benefícios da auditoria operacional, sobretudo é preciso observar a tempestividade da fiscalização, demandando um retorno ágil aos gestores e à sociedade. Sem isso, potencialmente tende-se à perda do interesse pelos principais destinatários da auditoria e, consequentemente, de seu objeto, criandose, assim, a sensação geral de ineficácia da fiscalização, de desperdício de recursos públicos e ineficiência no desenho e execução das políticas públicas. Não é possível relacionar todas as vantagens obtidas com a realização de uma auditoria operacional. Mas, numa tentativa de síntese, é possível dizer que ela pode proporcionar os seguintes benefícios: a) aumento de receitas; b) redução de custos; c) melhoria de desempenho; d) diminuição de desperdícios e de práticas ineficientes, antieconômicas, ineficazes e abusivas; e) melhoria dos controles; f) racionalização de procedimentos; g) incremento do resultado (SAMPAIO e VALLE, 2008, p. 53); h) transparência (preconiza o livre fluxo de informações suficientes e claras para a compreensão e monitoramento pelos stakeholders da atuação governamental); i) sustentabilidade (avalia se os resultados alcançados por uma intervenção governamental permanecem com o passar do tempo); j) qualidade dos indicadores de desempenho (EVANGELISTA et al, 2012). Uma auditoria operacional, se for bem planejada e bem executada, deve gerar resultados positivos que superam os custos da sua realização. O resultado das auditorias operacionais pode variar conforme a complexidade do programa ou ente auditado, a existência ou não de critérios adequados de auditoria, o tempo e os recursos disponíveis para a realização dos exames e, fundamentalmente, a capacitação dos auditores responsáveis pela realização dos trabalhos. E mais, para que uma auditoria operacional consiga atingir um resultado positivo em tempo hábil, ela precisa contar com a receptividade do gestor à fiscalização, já que na auditoria operacional ele é parceiro em todas as etapas da auditoria. É oportuno, ainda, registrar as palavras de Kelles (2007, p. 218-219): A grande vantagem vislumbrada com a auditoria de gestão é que essa sistemática possibilita não apenas a detecção de faltas, mas, sobretudo, a implementação de ações corretivas que, segundo Ferraz (2005, p. 455), poderiam ser instrumentalizadas por meio de um Termo de Ajustamento de Gestão — TAG, à semelhança de análogo instrumento levado a efeito pelo Ministério Público — a TAC — Termo de Ajustamento de Conduta. A propósito, Kelles (2007, p. 217) cita novamente o pensamento de Ferraz (2005), que ressalta a inter-relação entre a auditoria de gestão e a administração consensual: A perspectiva que se projeta é a de uma Administração Pública menos autoritária e mais consensual, que busca fomentar a colaboração da sociedade, o método a prevalecer é o das auditorias de gestão, com ênfase em dados sócio-econômicos, no princípio da juridicidade (englobando aspectos de eficiência em sentido lato) e na efetividade dos programas governamentais. 60 Tem-se ainda o comentário de Naves (2012, p. 110): “Os benefícios percebidos para a Anop são, essencialmente, o aprimoramento da gestão na Administração Pública, incremento da eficácia, da efetividade e o incremento do caráter pedagógico da atuação do TCMG”. Com efeito, somente após a CR/1988, o TCU obteve efetiva autoridade para promover auditorias operacionais e avaliar o impacto delas nos programas sob a responsabilidade do Governo Federal, sem a essência punitiva por que pautava sua atuação anterior. O aperfeiçoamento dos processos de implementação de políticas públicas se verifica por meio da atuação propositiva com os entes públicos auditados, na qual, de forma preferencialmente concomitante, se propõe a correção de distorções, o que significa elevação considerável do grau de transparência na gestão pública, tanto do aspecto do enfrentamento da corrupção e do fisiologismo, quanto do aspecto da avaliação da capacidade técnica do gestor e de sua equipe (NAVES, 2012, p. 75-76). A partir de 1988 iniciou-se o Projeto de Desenvolvimento de Técnicas de Auditoria de Natureza Operacional nas áreas de educação, saúde e meio ambiente, em acordo de cooperação com o Reino Unido, o que configurou significativo progresso na institucionalização da Anop no TCU, com destaque para a edição de um primeiro Manual de Auditoria Operacional, no ano de 1998, tendo sido paradigma para os demais tribunais subnacionais (NAVES, 2012, p. 77). Mais uma vez, buscando o estudo de Naves (2012, p. 64), tem-se que: [...] Parece mais plausível que a inserção do controle operacional pelos TC na CR/1988 e o subsequente interesse pelo desenvolvimento dessas auditorias se deva mais à ampliação da consciência de que dinheiros públicos se perdem em enormes quantidades, tanto por desvios e transgressões legais, quanto por despreparo dos gestores na concepção, no desenho e na execução nas políticas públicas. Em razão dessa deficiência de planejamento e acompanhamento das políticas públicas, percebe-se que a auditoria de natureza operacional propõe menos observação de processos e maior preocupação com os resultados da atuação governamental. 61 2014 O termo auditoria operacional foi adotado pelo TCU na forma proposta na CR/1988, arts. 70 e 71, IV, o que foi seguido pelos demais tribunais de contas subnacionais, entre eles, o TCEMG. jan.|fev.|mar. O processo oficial de instalação das Anops no Brasil se iniciou no Tribunal de Contas da União (TCU), no âmbito de seu controle externo, no início da década de 1990, embora se tenha notícias de que, desde a década de 1980, o TCU já vinha realizando auditorias que ultrapassavam os limites da mera verificação de legalidade dos registros contábeis (NAVES, 2012, p. 76). Revista TCEMG 6 EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DAS AUDITORIAS OPERACIONAIS NO BRASIL APÓS A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 DOUTRINA Muitos são, pois, os benefícios da auditoria operacional, que se resumem em um único, qual seja: melhoria do desempenho das ações governamentais. Essa percepção passa a ser bem-vista pela sociedade, que passa a acreditar mais no Estado e a participar mais efetivamente no processo democrático de governo, não só por meio dos mecanismos usuais de atuação direta — plebiscito, referendo, iniciativa popular e participação nos mais diversos processos de tomada de decisões políticas —, mas, sobretudo, por meio do controle social, o que constitui fator determinante para a garantia de que a Administração não se desvie de sua finalidade última que é a realização do interesse coletivo. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG A Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai)1 editou diretrizes para a auditoria operacional na perspectiva do TCU. O vigente Manual de Auditoria Operacional do TCU insere na metodologia proposta para o desenvolvimento das Anops a apuração da economicidade, da eficiência, da eficácia e da efetividade, além de outras a elas relacionadas, em razão de sua relevância para a delimitação do escopo das auditorias operacionais, quais sejam: a qualidade dos serviços, o grau de adequação dos resultados dos programas às necessidades das clientelas (geração de valor público) e a equidade na distribuição de bens e serviços, que podem ser tratados em auditorias operacionais com o objetivo de subsidiar a accountability de desempenho da ação governamental. O referido Manual de Auditoria Operacional do TCU é o principal referencial sobre os procedimentos das Anops para os diversos tribunais de contas brasileiros, entre eles, o TCEMG, que formalizou a sua adoção por meio da Resolução n. 16/2011. Esse manual teve influência de um documento denominado Diretrizes para Aplicação de Normas de Auditoria Operacional: normas e diretrizes para a auditoria operacional, baseado nas normas de auditoria e na experiência prática da Intosai, elaborado com base na experiência de auditores de EFS de diversos países. No ano de 2005, instituiu-se o Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, do Distrito Federal e Municípios brasileiros, denominado Promoex, ferramenta que teve o apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), gerido pelo Ministério do Planejamento, com a participação da Associação dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)2 e do Instituto Rui Barbosa (IRB)3, com o escopo central de modernizar o controle externo dos governos estaduais, distrital e municipais, reformulando a gestão dos tribunais de contas subnacionais, em prol de uma maior eficiência, efetividade, transparência e accountability, além de capacitar os servidores dos tribunais para melhorias nos procedimentos técnicos. Entre as diversas atividades de apoio ao desenvolvimento do controle externo, o Promoex considerou meta prioritária a implantação de auditorias operacionais no país, tanto que fez constar no próprio contrato de empréstimo do BID a meta de instalação das auditorias operacionais em 75% dos TCs brasileiros (NAVES, 2012, p. 78). Segundo os esclarecimentos de Naves (2012, p. 79): Para condução desse processo de desenvolvimento das auditorias operacionais nos TCs foi criado, em agosto de 2005, o Grupo Temático de Auditoria Operacional (GTAO), formado por servidores de diversos tribunais subnacionais e do TCU, que se incumbiu de realizar o diagnóstico da situação dessas instituições com relação à realização de ANOP, além de fornecer capacitação metodológica aos interessados. O Promoex, pela atuação do GTAO, elaborou, ainda, o Programa Nacional de Capacitação em Auditoria Operacional (PNCAOP), objetivando a capacitação de técnicos de todos os tribunais de contas do país, com a meta de realização de pelo menos uma auditoria piloto em cada tribunal participante. 1 2 3 Intosai é um organismo autônomo, independente e apolítico, criado em 1953, formado por entes de fiscalização superior (EFS), com o objetivo de promover o intercâmbio de experiências entre seus membros para o desenvolvimento da fiscalização oficial. A Atricon é uma associação civil, sem fins lucrativos, formada por ministros, conselheiros e seus substitutos para discussão e defesa de temas de interesse dos TCs e de seus associados. O IRB é uma associação civil de estudos e pesquisas relacionadas ao controle interno e externo que tem por objetivo essencial o aperfeiçoamento das atividades dos TCs brasileiros. 62 O TCEMG é participante do PNCAOP/Promoex desde o seu começo e possui na sua estrutura institucional uma unidade específica para executar a auditoria de natureza operacional. 7 AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE A CARGO DO TCEMG Somado a isso, desenha-se a construção de novos institutos de controle da gestão pública, como a auditoria operacional, que busca o controle social das ações públicas, de forma que verifique se os recursos estão sendo utilizados de forma econômica, eficiente, eficaz e efetiva. Em razão disto, o escopo do TCEMG é alterar o foco da sua atuação fiscalizatória, objetivando averiguar os resultados das políticas públicas. Segundo Naves (2012, p. 99), o TCEMG adotou a metodologia do TCU, proposta pelo PNCAOP/Promoex, em que se pratica a Anop de forma exclusiva, deixando-se de lado aspectos de conformidade. O TCEMG, no exercício de suas atribuições regimentais (MINAS GERAIS, 2008), prevê a realização da auditoria operacional, a conferir: DAS AUDITORIAS E INSPEÇÕES Art. 281. O Tribunal, no exercício de suas atribuições, poderá realizar, por iniciativa própria ou a pedido da Assembleia Legislativa, de Câmara Municipal ou de comissão de qualquer dessas Casas, auditoria e inspeção de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial em órgão ou entidade da administração direta ou indireta dos Poderes do Estado ou de Município e do Ministério Público Estadual. Art. 282. Para fins do disposto neste Regimento, considera-se: I — auditoria, o procedimento de fiscalização com a finalidade de: a) avaliar a legalidade, legitimidade, economicidade, razoabilidade, eficiência, eficácia e efetividade da gestão de recursos públicos, bem como da execução e resultados alcançados pelas políticas e programas públicos; b) avaliar as operações, atividades, sistemas de gerenciamento e controle interno; c) conhecer a organização e o funcionamento dos órgãos e entidades da administração direta, indireta e fundacional dos Poderes do Estado e do Município, ou do Ministério Público Estadual, bem como dos fundos e demais instituições que lhe sejam jurisdicionadas, quanto aos aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais; 63 2014 Nessa perspectiva, o TCEMG vem demandando o aprimoramento dos processos de tomadas e prestações de contas, requerendo informações que permitam avaliar, mais do que a tradicional conformidade, o desempenho da gestão. jan.|fev.|mar. Com efeito, o TCEMG contribui para a aplicação correta e eficiente dos recursos públicos, configurandose como uma instituição vital no sistema político brasileiro, exercendo papel central no combate à corrupção. Revista TCEMG A obrigatoriedade de prestar contas (qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária) está estabelecida no parágrafo único do art. 70 da Constituição da República de 1988, o que se reproduz no inciso I do § 2º do art. 74 da Constituição do Estado de Minas Gerais, em observância ao princípio constitucional da simetria. Esta obrigatoriedade é parte fundamental no processo de accountability governamental horizontal. DOUTRINA Na esteira da modernização da gestão pública no Brasil, o TCEMG vem demonstrando sua preocupação tanto com a governança quanto com o aprimoramento da gestão nos órgãos públicos. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG [...] Art. 283. O Presidente do Tribunal aprovará o plano anual de auditorias e inspeções, observadas as diretrizes estabelecidas para o período, bem como os critérios de materialidade, relevância, risco e oportunidade. § 1º Para fins do disposto neste artigo, os Conselheiros, Auditores e Procuradores do Ministério Público junto ao Tribunal poderão apresentar propostas de realização de auditoria e inspeção. § 2º A unidade técnica competente elaborará o plano anual de auditorias e inspeções e o submeterá ao Presidente do Tribunal para apreciação. Art. 284. O Conselheiro, Auditor e o Ministério Público junto ao Tribunal poderão propor a realização de auditorias e inspeções, independentemente de previsão no plano anual, observadas as diretrizes estabelecidas para o período e os critérios para o exercício do controle. Parágrafo único. Compete ao Presidente do Tribunal autorizar a realização das auditorias e inspeções. [...] Art. 287. O relatório de auditoria ou de inspeção será minucioso, objetivo, motivado e conclusivo, de modo a possibilitar ao Tribunal deliberar com base nos fatos relatados pela equipe técnica e nos documentos indispensáveis à comprovação das ocorrências. Parágrafo único. O relatório da unidade técnica competente deverá indicar os responsáveis, indícios de irregularidades porventura encontrados, entre outros elementos que permitam o exercício do direito à ampla defesa. Art. 288. O Tribunal comunicará aos respectivos gestores o resultado das auditorias e inspeções que realizar para conhecimento e, quando for o caso, determinará a adoção de medidas saneadoras das impropriedades e falhas identificadas. Art. 289. O Tribunal disciplinará, em ato normativo próprio, o procedimento a ser adotado em auditoria operacional. O TCEMG vem realizando auditorias operacionais e emitindo diversas sugestões, recomendações e determinações aos órgãos e entidades no sentido de aprimorar a gestão pública, com vistas a melhorar o desempenho do órgão auditado e aumentar o êxito das ações, programas e políticas públicas. No âmbito do Promoex, a auditoria operacional foi considerada uma das ações prioritárias, principalmente por contemplar a avaliação dos aspectos da economicidade, eficiência, eficácia e efetividade da administração pública. Assim, para operacionalizar essas ações prioritárias, foi proposta pelo Promoex a auditoria piloto em educação no ano de 2008. Prosseguindo a agenda de auditorias, o Grupo Temático de Auditorias Operacionais do Promoex indicou os temas: saúde em 2009, saneamento em 2010 e meio ambiente em 2011. Todas as propostas de auditorias citadas foram executadas pelo TCEMG. Em 2008 realizou-se a auditoria operacional em educação, que teve como escopo a fiscalização do Programa de Desenvolvimento Profissional do Professor (PDP), implantado pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), que está voltado para a promoção do desenvolvimento e da valorização profissional dos educadores em exercício nas escolas estaduais, de modo que lhes possibilite um magistério mais consciente e mais competente, em sintonia com as novas diretrizes da educação básica do país. Em 2009 realizou-se a auditoria operacional em saúde, que teve como escopo a fiscalização do Programa Saúde da Família (PSF)4, implantado em 1994, cuja estratégia central é o processo de reorganização do Sistema Único de Saúde, imprimindo nova dinâmica de atuação nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), 4 Atualmente, o PSF encontra-se definido como Estratégia Saúde da Família (ESF), visto que é uma estratégia de reorganização da atenção básica, não constituindo atividade com início, desenvolvimento e finalização. 64 responsáveis pelo primeiro atendimento. A finalidade da auditoria operacional foi analisar os problemas estruturais e de gestão que poderiam comprometer o funcionamento do PSF, bem como o alcance dos resultados esperados. Paralelamente às auditorias propostas pelo PNCAOP/Promoex, foram propostas pelo próprio TCEMG as auditorias operacionais no programa Travessia (em 2010), no programa Farmácia de Minas, na Copanor e na Mineração (todas em 2011). A proposta de auditoria operacional no programa Travessia foi apresentada pelo conselheiro do TCEMG Sebastião Helvecio, na Sessão Plenária do dia 03/02/2010, sob a seguinte argumentação: A avaliação concomitante do programa pelo Tribunal justifica-se pela considerável quantidade de recursos orçamentários destacados e porque se propõe o atendimento a mais de 1.000.000 de pessoas, visando à redução de desigualdades e à inclusão social. Por essas razões e, mais, por ser esse um programa que se pauta na ação consertada e organizada das principais secretarias e órgãos públicos estaduais, vislumbro uma oportunidade ímpar para que esta Casa promova uma avaliação sobre a economicidade, a eficiência, a eficácia e a efetividade da ação governamental, ensejando a obtenção de conclusões importantes para o aperfeiçoamento da gestão de políticas públicas em nosso Estado, para a informação da Sociedade e, ainda, para o aprimoramento da missão constitucional deste Tribunal. (Notas Taquigráficas, Pleno: 3 fev. 2010). O programa Travessia tem como objetivo promover a inclusão social e produtiva da população de maior vulnerabilidade social. A sua gestão é exercida pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), em articulação com as demais secretarias de Estado, ouvido o respectivo comitê de acompanhamento. O objetivo da auditoria operacional neste programa foi identificar: (a) como se realiza a gestão do programa; (b) as respectivas responsabilidades institucionais de cada órgão/entidade envolvido na execução; (c) a eficácia do alcance das metas estabelecidas (2008 e 2009); (d) a forma de participação e controle social; (e) os mecanismos de controle físico e financeiro existentes. A auditoria operacional no programa Farmácia de Minas foi incluída no Plano Anual de Auditoria/2012, segundo proposta apresentada pelo conselheiro do TCEMG Sebastião Helvecio, em voto proferido acerca da prestação de contas do Governo do Estado de Minas Gerais, relativa ao exercício de 2010, na Sessão Plenária do dia 08/07/2011, sob o seguinte argumento: 65 2014 jan.|fev.|mar. Em 2012 o TCU propôs aos demais TCs a realização de uma auditoria conjunta no ensino médio, a qual se encontra em desenvolvimento e abrange no Estado de Minas Gerais a avaliação da infraestrutura e da gestão do ensino médio, estando o seu término previsto ainda para 2013. Revista TCEMG Em 2011 realizou-se a auditoria operacional em meio ambiente, que teve como escopo a fiscalização nas Unidades de Conservação de Proteção Integral (UCPIs) do Estado, que têm por objetivo preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. A finalidade da auditoria operacional foi analisar se o processo que perpassa pela criação, implantação e gestão das UCPIs protegia as espécies e demais recursos existentes. DOUTRINA Em 2010 realizou-se a auditoria operacional em saneamento, que teve como escopo a fiscalização do Programa Saneamento Básico: mais saúde para todos, voltado para a promoção da saúde por meio de ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário e implantação de módulos sanitários. O fim da auditoria operacional foi identificar os problemas estruturais e de gestão que poderiam comprometer o funcionamento e o alcance dos resultados esperados pelo programa, o qual contempla ações de grande alcance social, que contribuíam para a universalização dos serviços de saneamento e redução das desigualdades regionais. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG Nesse sentido, considerando a materialidade e a relevância social do programa, determino seja incluída no plano anual de fiscalização e auditoria do Tribunal auditoria operacional no Programa Farmácia de Minas, visando verificar o desempenho e efetividade das ações do Estado na gestão da assistência farmacêutica. O programa Farmácia de Minas, cuja gestão é exercida pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), consiste na definição de um modelo de Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como objetivo o atendimento humanizado aos usuários, com distribuição gratuita de medicamentos, realizada por meio de profissionais qualificados, além da promoção do uso racional dos medicamentos. A auditoria operacional pretendeu verificar o desempenho das ações do Estado na gestão da assistência farmacêutica, bem como a evolução do fenômeno da judicialização da assistência farmacêutica e seu impacto no orçamento estadual relativo à área de saúde. A proposta de auditoria operacional na Copanor foi apresentada pelo conselheiro do TCEMG Sebastião Helvecio, por intermédio do Expediente GSC/075/2011, encaminhado à Presidência desta Corte em 14/04/2011, com a seguinte argumentação: À vista do relatório das visitas técnicas realizadas pela Coordenadoria de Avaliação da Macrogestão Governamental do Estado (Camge) com referência aos Programas Estruturadores do Governo do Estado — notadamente o Programa Vida no Vale (Copanor) e o Viva Vida —, proponho, nos termos do art. 284, caput e parágrafo único, do Regimento Interno deste Tribunal (Res. n 12/09), a realização das auditorias abaixo, com o seguinte fim: [...] 2. Conhecer a organização e o funcionamento da Copasa Serviço de Saneamento Integrado do Norte e Nordeste de Minas Gerais S.A. (Copanor), bem como avaliar as operações e a efetividade da gestão dos recursos públicos que lhe foram repassados e da execução e resultados alcançados. A Copanor é uma subsidiária da Copasa-MG (sociedade de economia mista) criada para atender as regiões Norte e Nordeste do Estado com os serviços de abastecimento de água tratada, coleta e tratamento de esgotos sanitários e construção de módulos sanitários e de serviços domésticos em todas as casas desprovidas dessas instalações. Em sessão extraordinária do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais do dia 28/06/2012, na apreciação do Balanço Geral do Estado — Processo n. 872.207, referente ao exercício de 2011, foram determinadas auditorias no setor da mineração, nos termos do voto do conselheiro relator Cláudio Couto Terrão. No âmbito municipal, foi determinada uma auditoria de conformidade para verificar o recebimento e a devida aplicação dos recursos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), bem como uma auditoria operacional para avaliar o desempenho das políticas públicas municipais na mitigação dos impactos negativos da mineração. No âmbito estadual, foi determinada uma auditoria operacional nos órgãos e entidades componentes do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), no que se refere ao desempenho de suas atividades relativas ao setor de mineração, com ênfase na extração de minério de ferro. Essas auditorias operacionais propostas pelo próprio TCEMG demonstram a sustentabilidade da atividade de Anop no âmbito do TCEMG, sem o apoio do Promoex, o que denota a institucionalização da modalidade, o que é bastante significativo no âmbito do controle externo, além de fortalecer a governança no Estado de Minas Gerais. É importante destacar outras experiências, anteriores à criação do Promoex, realizadas pelo TCEMG, que já guardavam concordância com os objetivos da auditoria operacional, ou seja, de avaliação de desempenho, podendo citar, como exemplos, as auditorias realizadas em 2003 nos Jogos Interescolares de Minas (Jimi), e no projeto Lumiar, cujo objetivo era ampliar a área de cobertura do fornecimento de energia elétrica da 66 As auditorias operacionais são modalidades de trabalho que possuem algumas peculiaridades em relação às chamadas auditorias de conformidade. Sem prejuízo do exame da legalidade dos atos dos gestores responsáveis, as auditorias operacionais realizadas pelo TCEMG também apresentam sugestões e recomendações aos gestores para o aprimoramento dos programas, projetos, atividades governamentais e o impacto de políticas públicas analisados, a partir das falhas apontadas. O trabalho ainda inclui o monitoramento e o acompanhamento das correções e dos novos resultados, sempre procurando avaliar a eficiência, a eficácia, a efetividade e a economicidade das ações desenvolvidas pelos programas. Diante do exposto, verifica-se que, para desempenhar bem o seu papel de prestar informações relevantes sobre a gestão pública e fortalecer o controle externo, o TCEMG mudou o foco, nas auditorias, da conformidade para a ótica da economia, eficiência, eficácia e efetividade da gestão dos recursos públicos, além da equidade, que é o respeito à diferença entre os indivíduos, usando tratamento diferenciado com vistas ao atendimento de todos. Mais ainda, a atuação da Unidade de Auditoria Operacional deve avançar para avaliar os resultados efetivamente alcançados pelos órgãos e entidades públicas no cumprimento dos objetivos que justifiquem sua existência. Entretanto, é importante registrar o grande desafio ainda a ser vencido: obter maior agilidade na tramitação dos processos pertinentes às auditorias operacionais. Isso porque, apesar das inúmeras auditorias operacionais realizadas pela Coordenadoria de Auditoria Operacional (Caop), apenas uma — referente ao programa Saneamento Básico: mais saúde para todos — teve o seu relatório final apreciado pela Corte de Contas e encontra-se em fase de discussão no plano de ação proposto pelos gestores do programa para atendimento das recomendações do TCEMG. Entre essas recomendações, está a revisão dos critérios de inclusão de famílias carentes na tarifa social da Copasa e nos serviços de saneamento. Esse é um bom exemplo da importância da Anop para o aprimoramento da gestão pública, pois, mesmo antes do relatório final de auditoria ser apreciado pela Corte de Contas, uma das propostas de recomendação de grande alcance social foi atendida pela Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário A informação pode ser encontrada no portal do TCEMG. Acesso em: 3 jun. 2013. 5 67 2014 jan.|fev.|mar. A propósito, a presidente do TCEMG, conselheira Adriene Andrade, transmitiu na Sessão Plenária do dia 29/05/20135 a manifestação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais em elogio e reconhecimento à Auditoria Operacional realizada nas Unidades de Conservação de Proteção Integral, referente ao processo n. 872.163, e acrescentou: Revista TCEMG Podem ser citadas, ainda, no âmbito do TCEMG, as auditorias realizadas pela Coordenadoria de Fiscalização de Obras e Serviços de Engenharia e Perícia (CFOSEP), em 2010, na Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop) e na Secretaria de Estado de Educação (SEE) — a primeira com escopo nos convênios entre Setop e municípios para realização de obras nos municípios, e a segunda, nas obras realizadas pela SEE com recursos do caixa escolar. Por fim, a auditoria realizada em 2011 pela 4ª Coordenadoria de Fiscalização Estadual nos convênios firmados entre a Sedese e os municípios. Essas auditorias operacionais foram realizadas com base no modelo proposto pelo TCU, após as primeiras auditorias no âmbito do Promoex, indicando uma boa aceitação, não só pelos conselheiros do TCEMG, mas também pelo corpo técnico e pelas outras diretorias do TCEMG, já que sua integração ao plano anual de auditorias foi proposta pelas próprias coordenadorias e diretorias. DOUTRINA Cemig. Em 2004 foi feita a auditoria no Novo Somma, que era uma linha de financiamento do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) para obras de infraestrutura nos municípios mineiros, e ainda a auditoria no Fundo de Desenvolvimento de Indústrias Estratégicas (Fundiest). Essas auditorias demonstram o interesse do TCEMG em mudar o foco da análise de conformidade para a avaliação de desempenho desde o início da década passada, antes mesmo do Promoex. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG), que, com a Resolução Normativa n.20/2012, alterou os critérios para concessão do benefício da tarifa social. Segundo a Arsae-MG, em nota enviada ao TCEMG, a alteração estendeu o benefício a mais de um milhão de famílias, passando de 8% a 33% das famílias beneficiadas. É frequente a obtenção de resultados da Anop mesmo durante a sua execução, como exemplificado acima, todavia, todo o seu potencial será alcançado após a apresentação do plano de ação e sua implementação. É preciso ainda trabalhar dentro dos TCs, em especial do TCEMG, objeto deste estudo, para que haja uma maior compreensão, por parte de todos os setores envolvidos na tramitação de processos pertinentes à auditoria operacional, da importância de dar maior agilidade na tramitação de processos desta natureza, pois, com o decurso do tempo, os programas são alterados e os achados de auditoria e suas recomendações podem se tornar defasados e os resultados, comprometidos. 8 CONCLUSÃO Desperdícios de recursos públicos são decorrentes de desvios e também de ineficiência no desenho e execução de políticas públicas. Hoje a auditoria operacional é uma atividade relevante nos tribunais de contas uma vez que contribui para a redução de desperdícios de recursos públicos e consolida a accountability democrática, tanto na perspectiva vertical quanto na horizontal, amenizando, por conseguinte, a sensação de corrupção, impunidade e ineficiência. Atualmente a auditoria tradicional, basicamente de controle da legalidade dos atos administrativos, não é, por si só, considerada suficiente para um amplo controle público das ações e programas governamentais. Hoje se faz necessário também a auditoria operacional, altamente técnica e especializada, que é o exame objetivo e sistemático da gestão operativa das ações e programas do governo, para alcançar maior economia, eficiência, eficácia, efetividade e equidade, e, por conseguinte, a melhoria dos gastos públicos, dos serviços públicos, da gestão pública e da prestação de contas. A auditoria operacional permite que os órgãos de controle atuem ao lado dos parceiros auditados, evitando, justamente, uma ação sancionatária, o que fica em segundo plano. A auditoria operacional permite, ainda, que os órgãos de controle e os atores sociais façam o seguinte questionamento: obtivemos resultado com a aplicação do dinheiro público ou os gastos poderiam ser realizados de um modo mais adequado ou mais inteligente? Fato é que os benefícios da auditoria operacional são muitos, entre eles: a) aumento de receitas; b) redução de custos; c) melhoria de desempenho; d) diminuição de desperdícios e de práticas ineficientes, antieconômicas, ineficazes e abusivas; e) melhoria dos controles; f) racionalização de procedimentos; g) incremento do resultado; h) transparência (preconiza o livre fluxo de informações suficientes e claras para a compreensão e monitoramento pelos stakeholders da atuação governamental); i) sustentabilidade (avalia se os resultados alcançados por uma intervenção governamental permanecem com o passar do tempo); j) qualidade dos indicadores de desempenho. Um critério de boa governança é que os serviços públicos, ou as ações e programas governamentais, sejam, na medida do possível, submetidos à auditoria operacional, permitindo a mensuração de desempenho e a avaliação de programas, ambos em um processo contínuo de controle e informação sobre os resultados dos programas, sobretudo na consecução das metas preestabelecidas. Com efeito, a utilização de mecanismos de controle dos resultados da administração pública é um grande avanço em termos de accountability democrática, possibilitando a responsabilização dos gestores de recursos públicos. A legitimidade e a confiança são valores essenciais para todas as atividades da administração pública, e a auditoria operacional pode contribuir para fortalecê-los, apresentando informação pública confiável e 68 acessível sobre a economia, a eficiência, a eficácia, a efetividade e a equidade das ações e dos programas governamentais. Ou seja, a auditoria operacional está intimamente ligada à transparência administrativa, sendo esta um atributo da gestão pública democrática, pois permite a participação do cidadão no controle social das políticas públicas, o debate e a accountability, caracterizando, assim, um governo aberto. Ao elaborar avaliações independentes, a auditoria operacional também pode servir de base para as decisões sobre futuros investimentos e atividades do governo. Com efeito, torna-se imprescindível a realização de auditorias operacionais para que cumpram o seu importante papel social e, dessa forma, tenha-se cada vez mais accountability democrática, tanto na perspectiva vertical quanto na horizontal. REFERÊNCIAS FERRAZ, Luciano de Araújo. Tribunal de Contas: controle de serviço concedido. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 239, jan./mar. 2005. KELLES, Márcio Ferreira. Controle da administração pública democrática: tribunal de contas no controle da LRF. Belo Horizonte: Fórum, 2007. MINAS GERAIS. Constituição (1989). Constituição do Estado de Minas Gerais. CARMO, Glauber S. Tatagiba do; MAULAZ, Ralph Batista de (Orgs.). Belo Horizonte: Líder, 2001. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Resolução n. 12, de 19 de dezembro de 2008. Institui o regimento interno do TCEMG. 110 p. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br>. Acesso em: 2 nov. 2012. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. TCjuris. Disponível em: <http://www. tce.mg.gov.br>. Acesso em: 2 nov. 2012. NAVES, Luís Emílio Pinheiro. Auditorias operacionais a cargo dos tribunais de contas brasileiros e accountability vertical e horizontal: análise do processo de institucionalização depois de 1988. 2012. 129 f. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) — Fundação João Pinheiro /Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, Belo Horizonte, 2012. Disponível em: <www.fjp.mg.gov.br/tede/tde_ busca/arquivo.php?codArquivo=162>. Acesso em: 3 ago. 2013. O´DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal: la institucionalización legal de la desconfianza política. Revista Espanhola de Ciência Política, n. 11, out. 2004. PAIVA, Maristela. Impactos da gestão estratégica no trabalho da Secretaria de Controle Interno da Câmara dos Deputados. 2009. 60 f. Monografia (Especialização em auditoria interna e controle governamental) — Escola da Advocacia-Geral da União, Brasília, 2009. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/ portal/docs/2053990.PDF>. Acesso em: 2 nov. 2012. REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Transparência e controle social. Belo Horizonte: TCEMG, edição especial, 2012. 167 p. Disponível em: < http://www.tce.mg.gov.br>. Acesso em: 2 nov. 2012. 69 2014 jan.|fev.|mar. EVANGELISTA, Janaína de Andrade; DRESSLER, Valéria Afonso; TRIVELLATO, Marcelo Vasconcellos; DELGADO, Denise Maria. Auditoria Operacional. Curso apresentado pela Coordenadoria de Auditoria Operacional. Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, 2012. Não publicado. Revista TCEMG BRASIL. Tribunal de Contas da União. Manual de auditoria operacional. 3. ed. Brasília: TCU, Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo (Seprog), 2010. 71 p. Disponível em: <http://portal2. tcu.gov.br/TCU>. Acesso em: 4 ago. 2013. DOUTRINA BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 2 nov. 2012. GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY NO SETOR PÚBLICO: AUDITORIA OPERACIONAL COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DAS AÇÕES PÚBLICAS A CARGO DO TCEMG SALDANHA, Daniel Cabaleiro. Direito administrativo contemporâneo: governança e consensualidade na administração pública. Módulo 01/2012. Disciplina ministrada no curso de pós-graduação em direito público: controle de contas, transparência e responsabilidade. Belo Horizonte: Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo/PUC Minas, 2012. Não publicado. SAMPAIO, Maria Eugênia C.A.; VALLE, Regina Miranda. Estudo piloto de metodologia de auditoria operacional. 2008. 125 f. Monografia (Especialização em Gestão Pública) — Faculdade IBGEN, Porto Alegre, 2008. Disponível em: <lproweb.procempa.com.br/.../maria_eugenia_carcova_alves_de_sam...>. Acesso em: 2 nov. 2012. VAN DAMME, Renata Machado da Silveira. Governabilidade, governança e accountability. Módulo 02/2012. Disciplina ministrada no curso de pós-graduação em direito público: controle de contas, transparência e responsabilidade. Belo Horizonte: Escola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo/PUC Minas, 2012. Não publicado. Abstract: This study aims to show how the performance audit, instrument of excellence, have contributed in the process of governance and accountability of the agencies audited, in addition to increasing the success of the actions, programs and public policies. The bases adopted as reference to this study were the concepts of governance, accountability, vertical and horizontal, and performance audit, applied in to public administration. The performance audit assumes importance because it takes place during the course of public policy, in order to verify the impact of governmental actions and verification of compliance with the objectives set out established in government plans, aiming at the improvement of the actions, programs and fulfill the accomplishment of the purposes of this public policy, instead of the punishment of a public servant. The results indicate that the external control of public administration contributes to improving the performance in auditees when using performance audit, these from the standpoint of economy, efficiency, efficacy, effectiveness and equity, which are basic components of good stewardship. The performance audit is also closely linked to administrative transparency, which is an attribute of democratic public management, to allow citizen participation in social control of public policy, debate and accountability, establishing thus open government. At the Court of the Audit of the State of Minas Gerais (TCEMG), aware of its high constitutional mission to enforce the application of public resources, is reserved the role to provide legal solutions, efficient and economical viable public policies or, if applicable question the adoption of specific administrative act when found verified that there was a better option. For this purpose, the Court of the Audit of the State of Minas Gerais (TCEMG) demonstrates the shift from compliance to the perspective of economy, efficiency, efficacy and effectiveness of public resource management, and fairness, which is the respect for differences among individuals, using different treatment aiming at care for all. However, it is important to note in this study the major challenge still to be overcome within the Court of the Audit of the State of Minas Gerais (TCEMG), which is the greater flexibility in dealing with cases pertaining to performance audit. For that you will catch a glimpse of the auditing benefits, it is first necessary to observe the timing of the inspection, which demands a return to agile managers and society, without which, potentially, tends to the loss of interest by the major recipients audit and, consequently, of its object, creating thus the overall feeling of ineffectiveness of supervision, waste of public resources and inefficiency in the design and implementation of public policies. Hence the importance of the role of The Courts of Auditors (TCs), among them, the Court of the Audit of the State of Minas Gerais (TCEMG), guardians of property, values and public money. Keywords: Governance. Horizontal and vertical accountability. Performance Audit. Court of the Audit of the State of Minas Gerais. 70 PARECERES E DECISÕES REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS CONSULTA N. 896.622 RELATOR: CONSELHEIRO WANDERLEY ÁVILA EMENTA: CONSULTA — PREFEITO MUNICIPAL — RELAÇÃO JURÍDICA ESTATUTÁRIA — EDIÇÃO DE LEI MUNICIPAL — REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO — REDUÇÃO DE VENCIMENTOS — IMPOSSIBILIDADE — PRESERVAÇÃO DO VALOR NOMINAL Trata-se de consulta subscrita pelo prefeito do Município de Conselheiro Lafaiete, Ivar de Almeida Cerqueira Neto, protocolada nesta Corte em 26/08/2013. A consulta, autuada em 27/08/2013, está vazada nos seguintes termos: Tendo em vista a relação jurídica estatutária e considerando que o vínculo entre o Município e o servidor ocupante de cargo público é de direito público e que não há direito adquirido a regime jurídico, podendo este ser alterado de acordo com o interesse público, servimos do presente para formular a seguinte consulta: • É possível o Poder Público Municipal editar Lei municipal reduzindo a carga horária/ jornada de trabalho de determinado cargo público com consequente redução proporcional de vencimentos? • É possível o Poder Público Municipal editar Lei municipal reduzindo a carga horária/ jornada de trabalho de determinado cargo público sem consequente redução proporcional de vencimentos? Vieram-me os autos distribuídos em 27/08/2013. Despachei-os, em seguida, à Assessoria de Súmula, Jurisprudência e Consultas Técnicas, para fins de cadastro da consulta em banco de dados próprio e emissão de relatório técnico contendo o histórico de deliberações sobre a questão suscitada, com precedentes e respectivos fundamentos, considerando o disposto no art. 213, I, do Regimento Interno desta Corte (fls. 7). A Assessoria de Súmula, Jurisprudência e Consultas Técnicas aduziu o seu parecer a fls. 4-8, trazendo à colação excertos de pareceres exarados por este Tribunal em consultas formuladas por jurisdicionados, versando sobre matéria similar, mas sem cuidar direta e especificamente da questão formulada. 73 Revista TCEMG RELATÓRIO jan.|fev.|mar. 2014 Embora não haja direito adquirido à composição de vencimentos de servidor público, eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente deve ser motivada e preservar o montante global da remuneração, mesmo nos casos em que seja reduzida a jornada de trabalho. PARECERES E DECISÕES DICOM TCEMG Redução de jornada de servidores municipais e necessidade de preservação do valor global da remuneração CONSULTA N. 896.622 Vieram-me os autos conclusos em 10 de setembro de 2013. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO Em caráter preliminar, conheço da consulta, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade previstos no art. 210 c/c o art. 212 do Regimento Interno desta Corte. A parte é legítima, e a matéria é afeta à competência desta Corte. MÉRITO Inicialmente, ressalto que no levantamento realizado pela Assessoria de Súmula, Jurisprudência e Consultas Técnicas, em relatório a fls. 4-8, foi informado que esta Corte não possui deliberações que tenham enfrentado os questionamentos nos exatos termos ora suscitados pelo consulente. Aquela assessoria trouxe as seguintes manifestações desta Corte, pertinentes às indagações formuladas, que julgo por bem transcrever: [...] verificou-se que esta Corte de Contas já asseverou que ‘o Município possui a prerrogativa de alterar a carga horária de trabalho de seus servidores ocupantes de cargo público, respeitados os limites constitucionais e, ainda, os legais de cada categoria de trabalho, haja vista que este vínculo jurídico funcional tem natureza de direito público e não há que se falar em direito adquirido a regime jurídico estatutário’, consoante parecer exarado na Consulta n. 875.623 (27/06/2012) 1. Veja-se, também, a Consulta n. 683.251 (30/06/2004). Ademais, ainda em sede de apreciação à Consulta n. 875.623 (27/06/2012), este Egrégio Tribunal de Contas pronunciou-se no sentido de que a ampliação da jornada de trabalho dos servidores públicos, em respeito ao princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos, ‘deve ser seguida do correspondente aumento proporcional dos vencimentos, sob pena de ofensa ao comando constitucional inserto no art. 37, XV, da Constituição da República de 1988 e obtenção de vantagem indevida por parte do Poder Público’. Extraio do estudo da assessoria desta Corte o resumo da tese reiteradamente adotada: a) o Município possui a prerrogativa de alterar a carga horária de trabalho de seus servidores ocupantes de cargo público, respeitados os limites constitucionais e, ainda, os legais de cada categoria de trabalho, haja vista que este vínculo jurídico funcional tem natureza de direito público e não há que se falar em direito adquirido a regime jurídico estatutário. Consultas n. 875.623 (27/06/2012) e 683.251 (30/06/2004); b) a ampliação da jornada de trabalho dos servidores públicos, em respeito ao princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos, deve ser seguida do correspondente aumento proporcional dos vencimentos, sob pena de ofensa ao comando constitucional inserto no art. 37, XV, da Constituição da República de 1988 e obtenção de vantagem indevida por parte do Poder Público. Consulta n. 875.623 (27/06/2012). Por todo exposto, verifica-se que, embora este Tribunal tenha se posicionado, em tese, expressamente sobre a possibilidade de alteração da carga horária de trabalho dos servidores, não há parecer acerca da indagação formulada, quanto à possibilidade de redução da verba remuneratória proporcionalmente à redução da carga horária dos servidores. 1 Na esteira do raciocínio esposado, alteia-se entendimento consolidado nesta Corte de Contas de que compete ao município organizar o serviço público local e elaborar o regime jurídico de seus servidores, estabelecendo a jornada de trabalho, as atribuições dos cargos e a composição da remuneração, tendo em vista as peculiaridades locais e as possibilidades de seu orçamento, nos termos das Consultas n. 858.883 (03/04/2013), 809.483 (29/09/2010), 780.445 (02/09/2009) e 719.737 (20/05/2009). 74 Por outro lado, a Assessoria de Súmula, Jurisprudência e Consultas Técnicas trouxe a lume informação acerca da questão suscitada, colhida de posicionamento do Supremo Tribunal Federal, em sede de decisão cautelar proferida na ADI n. 2.238-5/DF2. Destacou aquela unidade técnica que a Suprema Corte suspendeu a eficácia da expressão Com efeito, além dessa importante decisão, que ainda não mereceu o julgamento definitivo do STF, verificase que em muitos julgados esse tribunal tem sufragado o entendimento de que inexiste direito adquirido ao regime jurídico superado pelo novo estatuto dos servidores, desde que eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração, não acarretando decesso de caráter pecuniário. O entendimento do STF é de que poderá inclusive haver modificação do sistema remuneratório, desde que essa modificação não implique a redução de vencimentos. PARECERES E DECISÕES ‘quanto pela redução dos valores a eles atribuídos’ constante no § 1º do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal3, bem como a eficácia do inteiro teor do § 2º do referido artigo, que admite ‘a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária’, sob o fundamento de que tais normas atentam contra o princípio da irredutibilidade de vencimentos4. 2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição . 3. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico-funcional pertinente à composição dos vencimentos ou à permanência do regime legal de reajuste de vantagem, desde que eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração, não acarretando decesso de caráter pecuniário . Precedentes. 4. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. RE-AgR 589575/RS, Segunda Turma, Relator: min. Eros Grau. Julgado em 23 set. 2008, grifei) STF. Tribunal Pleno. ADI n. 2.238 MC / DF. Relator: ministro Ilmar Galvão. Data de publicação: 12/09/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus. br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+2238%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ ADJ2+2238%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/axcuwvo>. Acesso em: 9 set. 2013. 3 Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3° e 4° do art. 169 da Constituição . § 1º No caso do inciso I do § 3° do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos. (Vide ADIN 2.238-5) § 2º É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária. (Vide ADIN 2.238-5) 4 Vide artigo publicado na Revista do TCEMG acerca do tema: FIGUEIREDO, Carlos Maurício. NÓBREGA, Marcos. “O Supremo Tribunal Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal: da inconstitucionalidade do § 2º do art. 12 e dos §§ 1º e 2º do art. 23”. Disponível em: <http://200.198.41.151:8081/ tribunal_contas/2002/04/-sumario?next=3>. Acesso em: 9 set. 2013. 2 75 jan.|fev.|mar. 1. O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência das Súmulas ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. Revista TCEMG AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OFENSA REFLEXA. DIREITO ADQUIRIDO. REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2014 Nesse sentido, destaco os seguintes julgados da Suprema Corte brasileira. CONSULTA N. 896.622 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. AUXÍLIO-INVALIDEZ. REDUÇÃO. REMUNERAÇÃO. PRESERVAÇÃO DO VALOR NOMINAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. INOCORRÊNCIA. 1. Não há direito adquirido a regime jurídico, sendo possível, portanto, a redução ou mesmo a supressão de gratificações ou outras parcelas remuneratórias, desde que preservado o valor nominal da remuneração. Precedentes. 2. Para afirmar que houve redução da remuneração seria necessária a análise dos fatos e provas. Incide no caso a Súmula n. 279 deste Tribunal Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. RE-AgR 550650/PR, Segunda Turma, Relator: min. Eros Grau. Julgado em 10 jun. 2008, grifei) Também, em fevereiro de 2009, por decisão majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos do Recurso Extraordinário (RE) n. 563.965, interposto por uma professora aposentada do Rio Grande do Norte aplicou a jurisprudência da Corte de que não há, para o servidor público, direito adquirido em relação à forma como são calculados os seus vencimentos, mas apenas no que diz respeito à irredutibilidade de vencimentos. Recentemente, no mesmo sentido, em julgamento ocorrido em 18/09/2012, o STF, por meio de sua Primeira Turma, posicionou-se novamente sobre o tema, no RE n. 696.009 RS5. Ressalto que as exceções ao princípio constitucional quanto à irredutibilidade de vencimentos encontram-se na própria Constituição Federal, conforme previsto no inciso XV do art. 37. Conclusão: ex positis, considerando a jurisprudência dominante no STF, alicerçada no art. 37, XV, da Constituição Federal6, e ainda a suspensão dos efeitos dos §§ 1º e 2º do art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), concluo que embora seja possível a redução da carga horária dos servidores, é defeso ao Poder Público a redução de vencimentos dos servidores em seu valor nominal, em razão de redução da carga horária. A redução da jornada de trabalho com a adequação dos vencimentos à nova carga horária ofende o princípio da irredutibilidade de vencimentos dos servidores públicos previsto na Constituição Federal. Nesses termos, quanto à primeira indagação posta pelo consulente, respondo negativamente: não é possível ao Poder Público editar lei municipal reduzindo a carga horária/jornada de trabalho de determinado cargo público com consequente redução proporcional de vencimentos. Quanto à segunda indagação, consequência da primeira, respondo, em parte, afirmativamente: é possível ao Poder Público municipal editar lei municipal reduzindo a carga horária/jornada de trabalho de determinado cargo público, desde que motive e fundamente a razão da medida, uma vez que o princípio da legalidade deve estar em consonância com os princípios da finalidade, da razoabilidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência. Respondo negativamente à segunda parte da indagação, que já está contemplada na resposta ao primeiro quesito: a redução da carga horária não poderá ser motivo para redução nominal proporcional de vencimentos, como já visto. 5 6 Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS ASSEGURADA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO RE 563.965. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998). [...] XV — os vencimentos dos servidores públicos são irredutíveis, e a remuneração observará o que dispõem os arts. 37, XI e XII, 150, II, 153, III e § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 18, de 1998). 76 CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO: Revista TCEMG jan.|fev.|mar. 2014 A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 09/10/2013, presidida pela conselheira Adriene Andrade. Votaram o conselheiro Wanderley Ávila, conselheira Adriene Andrade, conselheiro Sebastião Helvecio, conselheiro Mauri Torres, conselheiro José Alves Viana e conselheiro Gilberto Diniz. Foi aprovado, por unanimidade, o voto do relator, conselheiro Wanderley Ávila, que emcampou as considerações do conselheiro Sebastião Helvecio. PARECERES E DECISÕES Podem acontecer casos em que haja uma norma local que preveja facultativamente a redução da jornada de trabalho de um servidor público em seu próprio benefício por sua solicitação. Nesses casos, entendo poder haver a redução da sua remuneração, em respeito ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. 77 CONSULTA N. 837.411 RELATORA: CONSELHEIRA ADRIENE ANDRADE DICOM TCEMG EC n. 70/2012: regra de transição para a aposentadoria por invalidez permanente EMENTA: CONSULTA — PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS — APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PERMANENTE — BASE DE CÁLCULO — ART. 6°-A, EC N. 41 — REGRA DE TRANSIÇÃO — INGRESSO ATÉ 31/12/2003 — PROVENTOS CALCULADOS COM BASE NO VALOR DA REMUNERAÇÃO DO CARGO EFETIVO Para os servidores que ingressaram no serviço público até 31/12/2003, os proventos decorrentes de aposentadoria por invalidez permanente serão calculados com base no valor da remuneração do cargo efetivo (art. 6º-A acrescido à EC n. 41/2003 pela EC n. 70/2012). EMENTA Versam os autos sobre consulta formulada por Afrânio Machado Borges Prata, presidente do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais de Uberaba, por meio da qual apresenta o seguinte questionamento: Para efeito do disposto no art. 40, § 1º, inciso I, da CR/88, que diz: ‘por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;’ (Redação da EC 41/2003). Consultamos o seguinte: Se a doença for decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, como deverá ser feito o cálculo do provento, uma vez que o posicionamento dos Tribunais (TJMG, STJ e STF) determina que sejam integrais os proventos? Deverá ser feito por média e comparar com a última remuneração ou pagar o último salário da ativa? Instada a se manifestar, a Assessoria de Estudos e Normatização emitiu, em 17/08/2010, o relatório a fls. 6-19, no qual conclui que o provento integral da aposentadoria por invalidez permanente deverá ser concedido de acordo com o cálculo da média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, nos termos do art. 40, § 3º, da Constituição da República de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 41/2003, regulamentado pela Lei n. 10.887, de 18/06/2004. Na sequência, os autos foram encaminhados ao auditor Licurgo Mourão para emissão de parecer, com fulcro no art. 213, I, do Regimento Interno deste Tribunal, com a redação vigente à época. 78 MÉRITO Acolhida a preliminar, passo ao exame da dúvida formulada, para respondê-la em tese. Inicialmente, eu gostaria de destacar que o relatório da extinta Assessoria de Estudos e Normatização e a manifestação do auditor Licurgo Mourão foram elaborados antes da alteração promovida pela EC n. 70/2012, de modo que traduzem o dissenso doutrinário e jurisprudencial vigente naquela ocasião. As considerações que hoje trago para apreciação deste Colegiado estão amparadas na referida emenda constitucional, que veio equacionar as divergências na interpretação da EC n. 41/2003. As regras aplicáveis à concessão de aposentadoria por invalidez encontram-se dispostas no art. 40 da CR/88, nesses termos: Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: I — por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; II — compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição; III — voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: 79 2014 Preliminarmente, conheço da presente consulta, uma vez que o consulente é parte legítima, e a matéria é afeta à competência desta Corte, nos termos do art. 212 do Regimento Interno deste Tribunal. jan.|fev.|mar. PRELIMINAR Revista TCEMG É o relatório, em síntese. PARECERES E DECISÕES Em sua manifestação, datada de 16/02/2011, a fls. 22-39, o auditor opinou, preliminarmente, pelo conhecimento da consulta, ante a legitimidade do interessado e a natureza da matéria. No mérito, esclareceu que a integralidade dos proventos a título de aposentadoria por invalidez permanente decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável deve ser interpretada nos mesmos moldes da integralidade de proventos a título de aposentadoria voluntária, prevista na alínea a do inciso III do § 1º do art. 40 da Constituição da República de 1988. Assim, o auditor concluiu que o cálculo dos proventos de ambas as aposentadorias deve se submeter, em especial, ao disposto nos §§ 1º e 3º do art. 40 da Constituição da República de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 41/2003, bem como aos preceitos constantes da Lei n. 10.887/2004, “sendo utilizada a média aritmética sobre oitenta por cento das maiores remunerações consideradas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado”. CONSULTA N. 837.411 a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição; § 2º Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão. § 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei. [...] § 17 Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3º serão devidamente atualizados, na forma da lei. (grifo nosso) Até a alteração promovida pela EC n. 41/2003, a Constituição da República estabelecia que os proventos de aposentadoria seriam calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se desse a aposentadoria. Assim, nas espécies de aposentadoria com proventos integrais, o valor corresponderia à última remuneração do servidor no cargo efetivo; nos casos de aposentadoria com proventos proporcionais, o valor a ser pago deveria ser calculado sobre essa remuneração. Todavia, a partir da EC n. 41/2003, os proventos dos servidores que se aposentassem pelas regras estabelecidas no art. 40 da CR/88 passaram a ser calculados com base nas remunerações que serviram de base para a contribuição aos regimes de previdência a que ele esteve vinculado, não podendo exceder a remuneração do servidor, conforme previsto no § 2º do dispositivo constitucional mencionado. A alteração da base de cálculo dos proventos de aposentadoria provocou uma forte polêmica, uma vez que parte da doutrina e da jurisprudência considerava que a mudança feria direitos daqueles que haviam ingressado no serviço público até a data da promulgação da EC n. 41/2003. Para equacionar esse problema, a EC n. 70/2012, que acrescentou à EC n. 41/2003 o art. 6º-A e seu parágrafo único, estabeleceu uma regra de transição para a aposentadoria por invalidez de servidor amparado por regime próprio de previdência social que tenha ingressado no serviço público até a data da publicação da Emenda Constitucional n. 41, ou seja, até 31/12/2003, in verbis: Art. 6º-A. O servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda Constitucional e que tenha se aposentado ou venha a se aposentar por invalidez permanente, com fundamento no inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, tem direito a proventos de aposentadoria calculados com base na remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, não sendo aplicáveis as disposições constantes dos §§ 3º, 8º e 17 do art. 40 da Constituição Federal. Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com base no caput o disposto no art. 7º desta Emenda Constitucional, observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos desses servidores. Depois da promulgação da Emenda Constitucional n. 70, de 29/03/2012, os critérios para concessão de aposentadoria por invalidez podem ser resumidos por meio do seguinte quadro comparativo: 80 QUADRO COMPARATIVO DAS APOSENTADORIAS POR INVALIDEZ APÓS A EC n. 70/2012 100% (proventos integrais) Remuneração do cargo efetivo Invalidez permanente por causa diversa (proventos proporcionais ao tempo de contribuição) Remuneração do cargo efetivo Ingresso a partir de 01/01/2004 Percentual Base de cálculo Invalidez permanente decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável 100% (proventos integrais) Média das contribuições (não superior à última remuneração) Invalidez permanente por causa diversa (proventos proporcionais ao tempo de contribuição) Média das contribuições (não superior à última remuneração) Da leitura do quadro acima, conclui-se que a regra de transição contida na EC n. 70/2012 alterou apenas a base de cálculo dos proventos de aposentadoria por invalidez permanente dos servidores que tenham ingressado no serviço público até a data de publicação da EC n. 41/2003. Nessa hipótese, os proventos são calculados com base na remuneração do cargo efetivo, ficando afastada a aplicação da média no cálculo do benefício. Em outras palavras, assegurou-se aos servidores que ingressaram no serviço público até 31/12/2003 o direito a proventos calculados com base na remuneração do cargo efetivo em que se deu a aposentadoria. Para aqueles que ingressaram depois dessa data, a base de cálculo dos proventos é sempre a média das contribuições, não importando a espécie de aposentadoria. No entanto, não houve alteração no que se refere ao critério de proporcionalidade ou integralidade. Dessa forma, na hipótese de a invalidez permanente decorrer de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, o aposentado terá direito à integralidade dos proventos. Por outro lado, se a invalidez provier de causa diversa das mencionadas, os proventos serão proporcionais. Conclusão: pelas razões expostas, concluo meu entendimento no sentido de que, para os servidores públicos que ingressaram no cargo até 31/12/2003, os proventos de aposentadoria por invalidez permanente decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável são equivalentes à remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria. Para aqueles que ingressaram a partir de 01/01/2004, a base de cálculo dos proventos é a média das contribuições. 81 2014 Invalidez permanente decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável jan.|fev.|mar. Base de cálculo Revista TCEMG Percentual PARECERES E DECISÕES Ingresso até 31/12/2003 CONSULTA N. 837.411 E tendo em vista que essa Corte editou a Instrução Normativa n. 03/2012, que dispõe sobre a implementação e regulamenta a fiscalização do cumprimento do disposto na Emenda Constitucional n. 70, recomendo ao consulente a leitura dessa instrução normativa. É como respondo à presente consulta. A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 12/12/2012, presidida pela conselheira Adriene Andrade. Votaram o conselheiro Eduardo Carone, conselheira Adriene Andrade, conselheiro Sebastião Helvecio, conselheiro Cláudio Terrão, conselheiro Mauri Torres e conselheiro José Alves Viana. Foi aprovado, por unanimidade, o voto da relatora, conselheira Adriene Andrade. 82 AUDITORIA OPERACIONAL N. 886.104 RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO Autuada essa deliberação e encaminhados os autos à Coordenadoria de Auditoria Operacional (Caop), iniciaram-se os trabalhos de auditoria, cujo objetivo é, conforme fls. 11, “verificar o desempenho das ações do Estado na gestão da Assistência Farmacêutica, bem como a evolução do fenômeno da judicialização da Assistência Farmacêutica e seu impacto no orçamento estadual relativo à área de saúde.” Como escopo, definiram-se as seguintes questões, a fls. 11: 1.7. Questão 1: O planejamento da Assistência Farmacêutica e a seleção dos medicamentos são realizados de forma coerente com as necessidades da população? 1.8. Subquestão 1.1: A seleção e a programação das compras/pedidos garantem que as quantidades de medicamentos correspondam à demanda da população e estejam disponíveis tempestivamente? 1.9. Questão 2: Em que medida a aquisição, armazenamento, distribuição e dispensação dos medicamentos evitam desvios e desperdícios e permitem o uso racional dos medicamentos? 1.10. Subquestão 2.1: Em que medida os controles na aquisição, no armazenamento e na distribuição dos medicamentos evitam desvios e desperdícios? 1.11. Subquestão 2.2: O fluxo dos medicamentos permite o controle da quantidade recebida e dispensada, a orientação quanto ao uso e a rastreabilidade dos medicamentos entregues ao paciente? 1.12. Questão 3: As programações física e financeira estabelecidas para o Programa estão sendo cumpridas, e qual é a relação da execução orçamentária do Programa com o comportamento dos gastos decorrentes da judicialização da Assistência Farmacêutica? 1.13. Questão 4: Os instrumentos de controle social têm promovido a mobilização e o envolvimento da comunidade? Encerrados os trabalhos de campo, produziu-se relatório preliminar de auditoria, em caráter sigiloso, a fls. 1-87, o qual foi encaminhado pelo conselheiro Wanderley Ávila, presidente à época, ao secretário de saúde de Minas Gerais, Antônio Jorge de Souza Marques, para considerações, conforme cópia do Ofício n. 16.728/2012/Daeep, acostado a fls. 90. 83 2014 Esta auditoria aconteceu em decorrência de deliberação deste Plenário, na Sessão de 08/07/2011, que aprovou proposta para avaliação de desempenho e de efetividade da referida política pública, inserta no voto pertinente à prestação de contas anual do Governo do Estado de Minas Gerais, exercício de 2010. jan.|fev.|mar. Cuidam os autos de auditoria operacional levada a efeito pela então Diretoria de Assuntos Especiais e de Engenharia e Perícia, por meio do trabalho da Coordenadoria de Auditoria Operacional, no âmbito do Programa Farmácia de Minas, cuja gestão é da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG). PARECERES E DECISÕES RELATÓRIO Revista TCEMG DICOM TCEMG Efetividade das ações do Estado na gestão da Assistência Farmacêutica AUDITORIA OPERACIONAL N. 886.104 Cientificado, o gestor manifestou-se nos autos, a fls. 91-100, por meio da Nota Técnica SES/GGOV n. 005, subscrita pelo secretário-executivo do Grupo de Governança e Articulação Estratégica, Francisco Antônio Tavares Júnior, que, de modo geral, não apresentou manifestações contrárias às recomendações propostas e destacou a importância deste trabalho para o aprimoramento das ações realizadas na assistência farmacêutica do Estado, sobretudo no que tange às constatações referentes às deficiências dos processos nos municípios e das correspondentes necessidades de melhorias dos processos da Secretaria de Estado de Saúde. Distribuídos os autos à minha relatoria, a fls. 89, a Caop, ao analisar a manifestação do gestor, concluiu que fosse o relatório técnico em questão, acostado a fls. 101-103, incorporado ao capítulo 6 do Relatório Final de Auditoria, que trata dos comentários dos gestores. Por fim, a Caop produziu o Relatório Final de Auditoria Operacional, a fls. 104-193, com as seguintes conclusões, conforme itens 7.2-7.11, fls. 172-173: 7.2. Após análise, pode-se afirmar que a gestão da Assistência Farmacêutica pelo Estado e pelos municípios gera riscos de desabastecimento de determinados medicamentos, ao mesmo tempo em que há desperdício de recursos públicos devido ao vencimento de medicamentos comprados em excesso e às inadequadas condições de armazenamento. Constataram-se deficiências na seleção de medicamentos por parte dos municípios, que não utilizam de critérios técnicos para a elaboração da relação de medicamentos municipal. Também foram constatadas dificuldades dos gestores municipais na programação para aquisição de medicamentos, acarretando deficiências na programação do Estado. 7.3. No armazenamento, a auditoria avaliou a estrutura física, a capacidade instalada, os equipamentos de segurança, os controles de estoques e foram encontradas inadequações que podem levar a alterações na qualidade, perdas e desvios de medicamentos tanto no almoxarifado central da SES, como também nos municípios. 7.4. Por ocasião das visitas aos municípios, constatou-se que deficiências na distribuição e aquisição de medicamentos básicos pela SES/MG tem levado à indisponibilidade de medicamentos nos municípios e recebimento de medicamentos com data próxima ao vencimento comprometendo a programação em prejuízo da população, acarretando também prejuízos ao erário devido à perda de medicamentos. 7.5. Quanto aos medicamentos de alto custo, constatou-se que as necessidades dos pacientes não estão sendo totalmente atendidas. Há morosidade nas autorizações para ingresso de novos beneficiários, descontinuidade de atendimento no fornecimento, falta de oferta de determinados medicamentos, deficiências na estrutura física e instalações de muitas Farmácias nas SRSs/GRSs, o que resulta em graves prejuízos para os usuários. 7.6. Também se observou nas visitas in loco que a dispensação não é realizada apenas por farmacêuticos. Pessoas de outras formações, de nível técnico e médio também realizam a dispensação. Verificou-se que os farmacêuticos responsáveis pelas farmácias das GRSs/SRSs estão envolvidos com várias atividades administrativas em detrimento da análise técnica da prescrição e orientação dos pacientes quanto ao uso dos medicamentos. 7.7. Observou-se, ainda, crescimento das despesas decorrentes de ações judiciais, no período de 2008 a 2011. No período examinado, houve crescimento acentuado tanto do número de ações judiciais que passou de 1850, em 2008, para 4403, em 2011, quanto do valor gasto em decorrência dessas ações, que passou de R$ 42.552.696,00 para R$ 83.873.188,00, no mesmo período. 7.8. Além disso, a análise dos dados obtidos no SIGPLAN sobre a execução financeira do PPAG para os anos de 2008 a 2011, relativamente às ações 4299 e 4302, que se referem a medicamentos básicos e de alto custo, e dos dados fornecidos pela SES sobre despesas com medicamentos decorrentes de ações judiciais, demonstra a tendência acentuada de crescimento dos gastos 84 decorrentes da judicialização em relação aos demais. Verifica-se que, ao contrário das despesas realizadas com medicamentos de alto custo e básicos, cujas tendências são de queda, as despesas decorrentes de ações judiciais apresentam tendência de alta. 8.1. Diante do exposto, submete-se este Relatório à consideração superior, incluindo as seguintes propostas. Recomendar à SES/MG que: a) Visando a melhorar o planejamento da Assistência Farmacêutica dos municípios, tendo em vista o caráter ascendente do planejamento, de forma que a seleção de medicamentos e a programação estejam de acordo com a demanda real, propiciando o uso racional de medicamentos: • reavaliar sua estratégia de atuação nos municípios por intermédio do reforço das práticas de orientação e, se possível, com a participação ativa e simultânea do CIB e do COSEMS, de modo que a seleção e a programação de medicamentos atendam às demandas da população; • elaborar e manter política de educação permanente para os gestores municipais de saúde, principalmente nos municípios cujos gestores não possuem formação na área. b) Visando a minimizar as perdas e auxiliar na regularização do desabastecimento, contribuindo para um controle mais efetivo do fluxo dos medicamentos básicos no Estado: • aperfeiçoar o SIGAF para que seja utilizado de forma mais eficaz pelos municípios, possibilitando a integração dos dados com o SIAD , de maneira a fornecer os dados gerenciais necessários para a adequada programação; • utilizar código de barras para recebimento e distribuição de medicamentos; • utilizar mecanismo de registro de perdas; • manter o incentivo financeiro para construção das farmácias comunitárias e para aquisição de equipamentos (computadores); • promover cursos de capacitação para todos os usuários do SIGAF. c) Visando ao aumento da eficiência relativa ao atendimento de usuários: • realizar estudos com a finalidade de diminuir o tempo médio dos pareceres dos processos para novos pacientes de medicamentos de alto custo. Pretende-se, com essa medida, atender os pacientes do alto custo de modo mais efetivo e diminuir o número de ações judiciais; • flexibilizar os prazos máximos de validade das autorizações para coleta dos medicamentos, compatibilizando-os com as necessidades clínicas das patologias previstas nos protocolos, 85 2014 A fls. 174-176, item 8 do relatório, apresentam-se as seguintes propostas de encaminhamento: jan.|fev.|mar. 7.11. Releva mencionar que os conselhos de saúde representam instâncias maiores do controle social, consistindo no elo entre o usuário e os responsáveis pela elaboração e execução das ações de saúde, possibilitando que a coletividade participe da formulação dos planos e das diretrizes da saúde. Revista TCEMG 7.10. Por fim, constatou-se falha na atuação dos conselhos estadual e municipais de saúde. Verificou-se participação deficiente do conselho estadual e dos CMS na formulação da política de Assistência Farmacêutica, respectivamente, do estado e dos municípios, bem como deficiência no controle da execução dos serviços de atenção básica, em especial da Assistência Farmacêutica. Destaca-se, ainda, a deficiência na promoção de ações que promovam a mobilização e a participação da comunidade pelos conselhos de saúde, o que dificulta o controle social. PARECERES E DECISÕES 7.9. São causas do aumento da judicialização: insuficiência da quantidade de medicamentos de alto custo disponibilizada pelo Estado; atendimento parcial pela SES das solicitações municipais de medicamentos básicos e, ainda, insuficiência das ações tomadas em relação ao crescimento do número de ações judiciais. AUDITORIA OPERACIONAL N. 886.104 minorando, assim, as dificuldades dos pacientes, especialmente daqueles que residem mais distantes dos centros de autorização. Com essa medida, pretende-se desobrigar os portadores das enfermidades com evolução lenta de renovarem toda a sua documentação a cada três meses; • estabelecer diretriz no sentido da desconcentração da dispensação da GRS de Belo Horizonte, objetivando humanizar a dispensação, ou que qualifiquem a respectiva unidade de estrutura física e recursos humanos condizente com a demanda de pacientes; • desenvolver estudos no sentido de verificar a possibilidade de utilizar metodologia de entrega em domicílio de medicamentos para algumas patologias e situações clínicas, objetivando facilitar o acesso dos doentes aos medicamentos e descongestionar as unidades de dispensação. d) Visando a superar os desafios técnicos, políticos e institucionais em prol do estabelecimento de uma cultura burocrática orientada para resultados, recomenda-se a coordenação efetiva da SES, observando-se as competências definidas na legislação vigente e os objetivos atinentes ao estabelecimento do programa. e) Visando a combater o crescimento da judicialização da Assistência Farmacêutica no Estado: • atualizar o elenco de medicamentos de alto custo que consta da Relação Estadual, de modo a adequá-lo ao crescimento da demanda; • acelerar a implantação das Farmácias Comunitárias, o que propiciará maior eficiência da execução do Programa Farmácia de Minas, inclusive com a implantação de novos indicadores de avaliação; • atender plenamente às solicitações de medicamentos básicos, o que pressupõe maior disponibilidade de medicamentos no almoxarifado central da SES; • completar a implantação do SIGAF, especialmente das funções relativas à judicialização da assistência farmacêutica; • promover ações educativas, e de conscientização, visando ao consumo racional de medicamentos pelos usuários; • atuar junto aos conselhos de medicina, no sentido de conscientizar a categoria quanto à importância do uso racional de medicamentos e da política estadual de assistência farmacêutica. f) Visando a aprimorar o controle social: • promover a capacitação dos membros do CES e dos CMS; • promover a mobilização dos setores representativos da comunidade sobre a existência e importância de atuação dos CMS e do CES; • aperfeiçoar os normativos e promover eventos para divulga-las, de forma que seja possível assimilar tempestivamente os respectivos conteúdos; • definir uma estratégia de atuação conjunta com as SMS de modo a criar ou melhorar o espaço físico de atuação dos CMS; • disponibilizar servidores para darem apoio ao CES para que o sítio do CES esteja em funcionamento e atualizado com informações sobre Assistência Farmacêutica do Estado. Registro que os autos não foram encaminhados ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, haja vista que no Processo de Auditoria Operacional n. 839.481 o procurador-geral Glaydson Santo Soprani Massaria considerou incabível o pronunciamento daquele órgão em processos desta natureza. Em suma, é o relatório. 86 FUNDAMENTAÇÃO Introdução O estudo produzido pela unidade técnica é bastante criterioso e revela aspectos importantes do programa Farmácia de Minas, cuja gestão é de responsabilidade da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), permitindo a formulação de consistentes conclusões sobre a efetividade, eficácia e eficiência dessa política pública, as quais ampliam as possibilidades para o debate atinente à sua avaliação, o que carrega elevado potencial de contribuição para o aprimoramento do programa. 2014 Por esse prisma, busca-se, nessa assentada, estruturar uma avaliação do programa Farmácia de Minas, de modo que o aprimore, promovendo, ou melhor, indicando recomendações para que se cumpra, com maior eficiência, o objetivo, de grande relevância social, com o qual foi instituído. PARECERES E DECISÕES De início, registro, novamente, minha satisfação com a atuação da Coordenadoria de Auditoria Operacional (Caop), vinculada à Diretoria de Matérias Especiais (DME) e à Superintendência de Controle Externo, no desenvolvimento dos trabalhos desta auditoria operacional, que se verteu sobre as ações do Estado de Minas Gerais na gestão da assistência farmacêutica, abordando, ainda, a evolução do fenômeno da judicialização nessa seara e seu impacto no orçamento estadual e no planejamento das políticas públicas de saúde. Falhas identificadas pela Secretaria de Estado de Saúde no diagnóstico da assistência farmacêutica em Minas Gerais, relacionadas ao acesso inadequado de medicamentos pelos usuários, em decorrência de deficiências técnicas e gerenciais, ensejaram a criação do programa Farmácia de Minas, que teve iniciada sua execução por meio da Resolução SES/MG n. 1.416/2008. jan.|fev.|mar. Esse normativo definiu os critérios de adesão ao programa, o padrão obrigatório das farmácias comunitárias e os valores de incentivos financeiros para a sua construção e contratação do farmacêutico. Inicialmente, para implantação das primeiras unidades, foram estabelecidos como prioritários os municípios com população inferior a 10.000 habitantes; posteriormente, com a Resolução SES/MG n. 1.795/2009, o programa foi estendido aos municípios com até 30.000 habitantes. Revista TCEMG Sucinta descrição do programa Registre-se que o objetivo do programa, segundo bem pontuou a unidade técnica, a fls. 113, consiste no atendimento humanizado aos usuários, com dispensação gratuita de medicamentos por meio de profissionais qualificados, e na promoção do uso racional de medicamentos. Conforme apurou a auditoria, a fls. 121, o Farmácia de Minas é composto por três formas de assistência farmacêutica: (1) básica — inclui medicamentos utilizados na atenção primária à saúde e é financiada pela União, Estados e Municípios; (2) estratégica — abrange programas de medicamentos do Ministério da Saúde, tais como tuberculose, hanseníase, saúde mental, DST/HIV e é financiada pela União; (3) especializada ou de alto custo — financiada pelo Ministério da Saúde e cofinanciada pelo Estado com recursos do Fundo Estadual da Saúde para fornecimento de medicamentos empregados em doenças raras e de baixa prevalência. O programa conta, ainda, com um quarto elemento: a construção de unidades farmacêuticas padronizadas intituladas farmácias comunitárias. No que se refere ao orçamento estadual, o Farmácia de Minas faz parte do Programa de Assistência Farmacêutica n. 175, dividido em duas ações: Distribuição de Medicamentos Básicos (n. 4299) e Distribuição de Medicamentos de Alto Custo (n. 4302). Faz parte, ainda, do Programa de Saúde Integrada n. 002 a ação 87 AUDITORIA OPERACIONAL N. 886.104 denominada Implantação e Manutenção da Rede Farmácia de Minas — Incentivo à Atenção Farmacêutica (n. 4295). Resumo do relatório técnico A unidade técnica promoveu análise centrada em quatro questões básicas já indicadas no relatório que antecede esta fundamentação, quais sejam: 1. coerência com as necessidades da população; 2. uso racional dos medicamentos; 3. cumprimento das programações física e financeira estabelecidas e a relação da execução orçamentária com o comportamento dos gastos decorrentes da judicialização da Assistência Farmacêutica; 4. promoção da mobilização e do envolvimento da comunidade. Delimitado o escopo, definiu-se a metodologia de análise centrada em três métodos de investigação: pesquisa quantitativa, qualitativa e documental. Este último desenvolvido, em especial, por meio de consulta à legislação e à bibliografia específica, de análise de documentos solicitados à SES/MG e de verificação de sistemas de controle. Quanto aos demais, a equipe de auditoria promoveu minuciosa investigação sobre o cenário atual da assistência farmacêutica no Estado. Para tanto, norteou-se pelos resultados da aplicação de questionário eletrônico aos 853 secretários municipais de saúde, além do trabalho de campo empreendido, no período de 20/05/2012 a 06/07/2012, em 49 municípios mineiros, bem como das entrevistas dadas pelos secretários municipais, farmacêuticos, responsáveis pela coordenação da assistência farmacêutica, médicos credenciados, membros dos conselhos municipais de saúde e gerentes das gerências regionais de saúde (GRSs), assim como beneficiários dos programas. No que é pertinente à avaliação das ações relativas aos medicamentos de alto custo, a metodologia contou, ainda, com o resultado de questionários enviados aos 33 gerentes e/ou superintendentes de saúde do estado. Os achados de auditoria foram sintetizados em três itens: ciclo, judicialização e controle social da assistência farmacêutica, relatados, respectivamente, nos capítulos 3, 4 e 5 do relatório técnico final. 1. Quanto à avaliação da gestão do ciclo da assistência farmacêutica no estado e nos municípios, a unidade técnica indicou como principais achados: a precariedade de planejamento, no âmbito municipal, especialmente no que se refere à falta de critérios técnicos na seleção dos medicamentos e na programação das compras; condições inadequadas de armazenagem; falta ou deficiências no controle de estoque dos produtos; falhas na aquisição e na distribuição de medicamentos básicos; deficiências no atendimento da demanda de medicamentos de alto custo; deficiências na orientação quanto ao uso desses medicamentos no instante da dispensação. De modo geral, no tópico relativo à deficiência de critérios técnicos na seleção e programação de medicamentos, a unidade técnica chamou a atenção para a falta de capacitação dos gestores municipais e a insuficiência das ações do estado na coordenação e orientação dos municípios. Ressaltou, além do mais, que as dificuldades na programação municipal impactam negativamente a programação do estado, podendo gerar um círculo vicioso, pelo que concluiu, dessa forma, pela reavaliação da estratégia da SES/MG junto aos municípios de forma a reforçar suas práticas de orientação, incentivo e capacitação como garantia de seleção e programação em consonância com a demanda real e o uso racional dos medicamentos. 88 Pontuou, quanto às condições físicas e sanitárias de armazenamento dos medicamentos básicos — por meio da avaliação da estrutura física, da capacidade instalada, dos equipamentos de segurança e dos controles de estoque —, inadequações que podem levar a alterações na qualidade, perda e desvios de medicamentos. Isso posto, recomendou o órgão técnico — para auxiliar na regularização do desabastecimento, na minimização das perdas e num controle mais efetivo do fluxo dos medicamentos básicos no Estado — o aprimoramento do Sistema de Gerenciamento de Assistência Farmacêutica (Sigaf) a fim de possibilitar a integração dos dados com o Sistema Integrado de Administração de Materiais e Serviços (Siad), a utilização de código de barras para recebimento e a distribuição de medicamentos e de mecanismos de registros de perdas. Quanto ao atendimento da demanda por medicamentos de alto custo, utilizados para doenças raras e de baixa prevalência, foram apontadas insuficiências no atendimento das necessidades dos pacientes, considerando a ocorrência de descontinuidade no fornecimento e a falta de oferta de determinados medicamentos. O relatório apontou que tais situações foram geradas, em síntese, pelas deficiências na estrutura física e instalação de muitas farmácias nas Superintendências e Gerências Regionais de Saúde (SRSs/GRSs) e, principalmente, pela morosidade nas autorizações para ingresso de novos beneficiários, acarretando graves prejuízos para os usuários. Assim, concluiu a auditoria pela realização de estudos com o objetivo de diminuir o tempo médio para emissão dos pareceres dos processos para inclusão de novos pacientes de medicamentos de alto custo; flexibilização dos prazos máximos de validade das autorizações para coleta dos medicamentos; estabelecimento de diretrizes para desconcentração da dispensação da GRS de Belo Horizonte; desenvolvimento de estudos a fim de verificar a possibilidade de entrega em domicílio de medicamentos para algumas patologias e situações clínicas. Nas visitas in loco, constatou-se, por fim, que a dispensação (análise técnica da prescrição e orientação ao paciente) não é realizada apenas por farmacêuticos, comprometendo a eficácia do programa. 89 2014 Essas deficiências — apontadas, também, pelos gestores municipais em resposta aos questionários eletrônicos que lhes foram disponibilizados — foram relatadas, ainda, pela 3ª Coordenadoria de Fiscalização Estadual deste Tribunal, nos autos do Processo n. 837.279 — Prestação de Contas da SES/ MG do exercício de 2009. jan.|fev.|mar. Nas visitas realizadas nos municípios, constatou-se, outrossim, que a deficiência na aquisição e distribuição de medicamentos pela SES/MG vem ocasionando demora e/ou falta no recebimento dos produtos, assim como recebimento de medicamentos com data próxima do vencimento e em desacordo com a solicitação. Revista TCEMG Nesse sentido, foram propostas adequações no almoxarifado central da SES/MG e alteração do projeto das farmácias para aumento do espaço de armazenamento dos medicamentos. PARECERES E DECISÕES Tais inadequações circunscrevem-se, em suma, à existência de goteiras, falta de fechamento das brocas, vãos e frestas nas paredes, entre outros, no almoxarifado central de distribuição de medicamentos básicos da SES/MG, bem como espaço insuficiente para armazenamento dos medicamentos nas farmácias comunitárias e insuficiências nas condições físicas e sanitárias de armazenamento de medicamentos nos municípios, o que pode prejudicar a qualidade dos medicamentos, levando a perdas e comprometendo, inclusive, a programação das aquisições. AUDITORIA OPERACIONAL N. 886.104 Assinalou-se, ademais, que a insuficiência de farmacêuticos e a sobrecarga dos serviços ocasionam a falta de acompanhamento ou o acompanhamento inadequado dos beneficiários. Fechando o tópico referente ao ciclo da assistência farmacêutica, a unidade técnica, em relatório final de auditoria, consignou que: A situação vislumbrada pode acarretar falta de medicamentos, prejudicando o acesso da população e, consequentemente, a efetividade do cuidado à saúde. Além disso, pode ocorrer aquisição de medicamentos em quantidade superior ao necessário, ocasionando desperdícios de recursos públicos pela necessidade de descartar produtos com prazo de validade expirado. 2. O capítulo 4 do relatório final de auditoria diz respeito ao fenômeno da judicialização da assistência farmacêutica, que vem, inclusive, comprometendo progressivamente o orçamento anual do Estado de Minas Gerais, consoante já destacado anteriormente em apreciação das contas do governo relativas ao exercício de 2010, oportunidade na qual lembrei que: [...] um provimento jurisdicional que ordene o atendimento público de determinada necessidade médica individual — fora do estabelecido pelas normas e regulamentos do SUS (Lei n. 8.080/90) ou à revelia das políticas públicas traçadas dentro das limitações orçamentárias do Poder Público — age em desfavor de toda coletividade, pois atende a uma necessidade individual em detrimento do equilíbrio financeiro do sistema e subverte, portanto, os próprios direitos fundamentais que, a princípio, pretendeu garantir. Nesse tópico, demonstrou o relatório que, ao contrário das despesas realizadas com medicamentos de alto custo e básicos, cuja tendência apresentou queda, há um crescimento acentuado do número de ações judiciais atinentes a medicamentos, como também do valor gasto em decorrência dessas ações. Em 2008, por exemplo, foram ajuizadas 1.850 ações, com gastos no montante de R$42.552.696,00. Já em 2011 o número de processos saltou para 4.403, e o valor despendido para R$83.873.188,00. Abro neste ponto um parêntese para trazer um dado que colhi do relatório sobre a Macrogestão e Contas do Governo do Estado de Minas Gerais — exercício 2012 — elaborado por esta Casa. Segundo esse relatório, R$122.056.000,00 foram gastos especificamente com a aquisição de medicamentos na ação orçamentária Sentenças Judiciais, o que revela significativa tendência ao agravamento da situação identificada. Assim, considerando que o fornecimento de medicamentos, por meio desse fenômeno, tem menor alcance social se comparado com o número de cidadãos abrangidos pela política estadual de assistência farmacêutica e que a análise de suas causas propicia a identificação das medidas a serem adotadas para solução do problema, apontou-se como fatores preponderantes para a progressiva judicialização: a) insuficiência da quantidade de medicamentos de alto custo disponibilizada pelo Estado; b) atendimento parcial pela SES/MG das solicitações municipais de medicamentos básicos; e c) insuficiência das ações tomadas em relação ao crescimento do número de ações judiciais. Antes, contudo, de apresentar as recomendações indispensáveis à resolução do achado, a Caop chamou a atenção para a boa prática adotada pelo Estado de São Paulo, que reduziu, grife-se, em 90% o número de ações judiciais, adotando medidas tais como: 1) parceria entre a Secretaria de Estado de São Paulo e a Defensoria Pública, que culminou na criação e na implantação de sistema informatizado para controle das ações que permite a identificação de demandas forjadas como também a atualização da lista oficial do SUS e a criação de novos protocolos para tratamentos de diversas enfermidades; 2) criação de instância administrativa para fornecimento espontâneo de medicamentos não padronizados pelo SUS, considerando a condição de procedibilidade das ações por medicamentos. 90 Assim, tendo em vista os fatores relacionados ao crescimento da judicialização do acesso a medicamentos em nosso Estado, recomendou-se à SES/MG: • atualizar o elenco de medicamentos de alto custo que consta da relação estadual, de modo a adequá-lo ao crescimento da demanda; • acelerar a implantação das farmácias comunitárias, o que propiciará maior eficiência na execução do programa Farmácia de Minas, inclusive com a implantação de novos indicadores de avaliação; • promover ações educativas e de conscientização, visando ao consumo racional de medicamentos pelos usuários; • atuar junto aos conselhos de medicina para conscientizar a categoria quanto à importância do uso racional de medicamentos e da política estadual de assistência farmacêutica. Assim, destacaram-se: a precariedade da atuação dos conselhos municipais de saúde (CMS); o desconhecimento da população quanto à sua existência; a deficiência da atuação do Conselho Estadual de Saúde (CES) na formulação da estratégia da política estadual de saúde e na capacitação de seus membros; a insuficiência na promoção de ações que dêem impulso à mobilização e participação da comunidade pelos CMS. jan.|fev.|mar. Acrescenta, no mais, como causas comprometedoras da efetivação do controle social, a rotatividade nos CMS, a deficiência na divulgação dos trabalhos do CES e dos CMS, a ausência de espaço físico para atuação dos CMS, o excesso de normatização da saúde — que compromete a apreensão de conteúdo tão difuso pelos atores envolvidos —, bem como deficiências nos registros do Relatório Anual de Gestão (RAG). Revista TCEMG 3. Sob a perspectiva da promoção do controle social sobre o programa, foram ressaltadas deficiências na atuação dos conselhos de saúde e a importância da ajuda da população, por meio desses conselhos, no planejamento da política de saúde e na fiscalização da atuação do governo nesse quesito. 2014 • completar a implantação do Sigaf, especialmente das funções relativas à judicialização da assistência farmacêutica; PARECERES E DECISÕES • atender plenamente às solicitações de medicamentos básicos, o que pressupõe maior disponibilidade de medicamentos no almoxarifado central da SES; Logo, foram formuladas recomendações pela unidade técnica com o objetivo de melhoria no quadro encontrado, em especial, para dar maior transparência às ações públicas de saúde; proporcionar maior participação da população nas discussões e no acompanhamento da assistência farmacêutica; melhorar o atendimento aos beneficiários do programa. Quanto aos comentários do gestor acerca dos achados de auditoria que lhe foram apresentados em relatório preliminar, é de se registrar que o secretário estadual de saúde, Antônio Jorge de Souza Marques — tendo encaminhado a Nota Técnica SEC/GGOV n. 005, da lavra de Francisco Antônio Tavares Júnior, secretário-executivo do Grupo de Governança e Articulação Estratégica — não trouxe manifestação contrária às recomendações feitas e, em geral, referiu-se à proposta de adoção de ações visando à correção das falhas apontadas por intermédio de um “plano de melhoria do processo de Assistência Farmacêutica”. Em conclusão, a unidade técnica afirma que, da análise dos apontamentos dos gestores, notam-se a convergência entre questões apontadas no relatório técnico e as respectivas soluções retratadas e o imperativo de se implementarem ações urgentes para dotar o programa Farmácia de Minas das condições necessárias à sua eficácia e efetividade. 91 AUDITORIA OPERACIONAL N. 886.104 O relatório final de auditoria, por derradeiro, apresentou em seu item 7 (fls. 172-173) e item 8 (fls. 174176), transcritos ipsis litteris no relatório deste voto, a síntese e a conclusão dos achados de auditoria retroexpostos, bem como as propostas de encaminhamento. VOTO Diante das considerações constantes da fundamentação, do trabalho desenvolvido pela Coordenadoria de Auditoria Operacional (Caop) e da consistência dos apontamentos que remanesceram desta auditoria operacional, adoto, na íntegra, as conclusões ofertadas no relatório técnico e a proposta de encaminhamento, a fls. 174-176, para, com o objetivo de contribuir para a melhoria das ações da política pública, propor as seguintes medidas aos responsáveis pelo programa no Estado de Minas Gerais: Recomendar à Secretaria de Estado de Saúde (SES) que: a) Visando a melhorar o planejamento da Assistência Farmacêutica dos municípios, tendo em vista o caráter ascendente do planejamento, de forma que a seleção de medicamentos e a programação estejam de acordo com a demanda real, propiciando o uso racional de medicamentos: • reavaliar sua estratégia de atuação nos municípios por intermédio do reforço das práticas de orientação e, se possível, com a participação ativa e simultânea da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e do Colegiado de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS), de modo que a seleção e a programação de medicamentos atendam às demandas da população; • elaborar e manter política de educação permanente para os gestores municipais de saúde, principalmente nos municípios cujos gestores não possuem formação na área. b) Visando a minimizar as perdas e auxiliar na regularização do desabastecimento, contribuindo para um controle mais efetivo do fluxo dos medicamentos básicos no Estado: • aperfeiçoar o Sistema de Gerenciamento de Assistência Farmacêutica (SIGAF) para que seja utilizado de forma mais eficaz pelos municípios, possibilitando a integração dos dados com o Sistema Integrado de Administração de Materiais e Serviços (SIAD), de maneira a fornecer os dados gerenciais necessários para a adequada programação; • utilizar código de barras para recebimento e distribuição de medicamentos; • utilizar mecanismo de registro de perdas; • manter o incentivo financeiro para construção das farmácias comunitárias e para aquisição de equipamentos (computadores); • promover cursos de capacitação para todos os usuários do SIGAF. c) Visando ao aumento da eficiência relativa ao atendimento de usuários: • realizar estudos com a finalidade de diminuir o tempo médio dos pareceres dos processos para novos pacientes de medicamentos de alto custo. Pretende-se, com essa medida, atender os pacientes do alto custo de modo mais efetivo e diminuir o número de ações judiciais; • flexibilizar os prazos máximos de validade das autorizações para coleta dos medicamentos, compatibilizando-os com as necessidades clínicas das patologias previstas nos protocolos, minorando, assim, as dificuldades dos pacientes, especialmente daqueles que residem mais distante dos centros de autorização. Com essa medida, pretende-se desobrigar os portadores das enfermidades com evolução lenta de renovarem toda a sua documentação a cada três meses; • estabelecer diretriz no sentido da desconcentração da dispensação da Gerência Regional de Saúde (GRS) de Belo Horizonte, objetivando humanizar a dispensação, ou que qualifiquem a respectiva unidade de estrutura física e recursos humanos condizente com a demanda de pacientes; 92 • desenvolver estudos no sentido de verificar a possibilidade de utilizar metodologia de entrega em domicílio de medicamentos para algumas patologias e situações clínicas, objetivando facilitar o acesso dos doentes aos medicamentos e descongestionar as unidades de dispensação. d) Visando a superar os desafios técnicos, políticos e institucionais em prol do estabelecimento de uma cultura burocrática orientada para resultados, recomenda-se a coordenação efetiva da SES, observando-se as competências definidas na legislação vigente e os objetivos atinentes ao estabelecimento do programa. e) Visando a combater o crescimento da judicialização da Assistência Farmacêutica no Estado: • promover ações educativas, e de conscientização, visando o consumo racional de medicamentos pelos usuários; • atuar junto aos conselhos de medicina, no sentido de conscientizar a categoria quanto à importância do uso racional de medicamentos e da política estadual de assistência farmacêutica. f) Visando a aprimorar o controle social: • promover a capacitação dos membros do CES e dos CMS; • promover a mobilização dos setores representativos da comunidade sobre a existência e importância de atuação dos CMS e do CES; • aperfeiçoar os normativos e promover eventos para divulgar aqueles deliberados, de forma que seja possível assimilar tempestivamente os respectivos conteúdos; • definir uma estratégia de atuação conjunta com as SMS de modo a criar ou melhorar o espaço físico de atuação dos CMS; • disponibilizar servidores para darem apoio ao CES para que o sítio do CES esteja em funcionamento e atualizado com informações sobre Assistência Farmacêutica do Estado. Proponho, ainda, os seguintes encaminhamentos, para determinar: a) à SES/MG, na pessoa do secretário estadual de saúde de Minas Gerais, que remeta a este Tribunal, no prazo de 60 dias a contar da publicação do acórdão, plano de ação contendo o cronograma de adoção das medidas necessárias à implementação das respectivas recomendações prolatadas pelo TCEMG, com o nome dos responsáveis pela implantação e execução de tais medidas; b) o envio de cópia das notas taquigráficas deste julgamento e do inteiro teor do relatório da unidade técnica para os seguintes destinatários: • secretário de Estado de Saúde; • controlador-geral do estado; • presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. 93 2014 • completar a implantação do SIGAF, especialmente das funções relativas à judicialização da assistência farmacêutica; jan.|fev.|mar. • atender plenamente às solicitações de medicamentos básicos, o que pressupõe maior disponibilidade de medicamentos no almoxarifado central da SES; Revista TCEMG • acelerar a implantação das Farmácias Comunitárias, o que propiciará maior eficiência da execução do Programa Farmácia de Minas, inclusive com a implantação de novos indicadores de avaliação; PARECERES E DECISÕES • atualizar o elenco de medicamentos de alto custo que consta da Relação Estadual, de modo a adequá-lo ao crescimento da demanda; AUDITORIA OPERACIONAL N. 886.104 c) o retorno dos autos à Comissão de Auditoria Operacional (Caop/DME) para análise do plano de ação e programação da realização do monitoramento das recomendações aprovadas neste julgamento; d) o arquivamento dos autos, na forma regimental. É como voto. A auditoria operacional em epígrafe foi apreciada pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 23/10/2013, presidida pela conselheira Adriene Andrade; presentes o conselheiro Wanderley Ávila, conselheiro Sebastião Helvecio, conselheiro Cláudio Terrão, conselheiro Mauri Torres, conselheiro José Alves Viana e conselheiro Gilberto Diniz. Foi aprovado, por unanimidade, o voto do relator, conselheiro Sebastião Helvecio. 94 DENÚNCIA N. 887.949 RELATOR: CONSELHEIRO CLÁUDIO TERRÃO RELATÓRIO Trata-se de denúncia formulada por Alessandro Batista Batella em face do Pregão Presencial n. 052/2013 — Processo n. 068/2013 —, realizado pelo Município de Buenópolis, tendo por objeto a contratação de prestação de serviços de assessoria jurídica junto ao Departamento Municipal de Assistência Social. Em síntese, o denunciante alega que o município pretende, por meio desse pregão, criar uma defensoria pública municipal, enfatizando que a licitação não seria o procedimento adequado à criação e ao preenchimento de vagas para o cargo de defensor público. Alega, ainda, que este Tribunal, ao responder a Consulta n. 687.067, entendeu que a prestação de assistência judiciária às pessoas carentes é uma atribuição do estado, e não dos municípios, nos termos do art. 134 da Constituição da República. Com a inicial vieram os documentos a fls. 3-26, entre eles o ato convocatório com os seus anexos. Autuada, a denúncia foi distribuída, em 07/06/2013, à minha relatoria, sendo, em seguida, redistribuída ao conselheiro Sebastião Helvecio, em consonância com o art. 126 do Regimento Interno. De acordo com o despacho a fls. 31-33, o relator determinou a intimação do prefeito municipal e do pregoeiro, para que encaminhassem ao Tribunal cópia atualizada do procedimento licitatório, fases interna e externa, além das justificativas que entendessem pertinentes acerca dos apontamentos constantes na denúncia. Quando intimados, os responsáveis remeteram a documentação a fls. 38-123 e manifestaram-se pela improcedência das alegações apresentadas. Após o retorno dos autos à minha relatoria, em 24/06/2013, foi verificado o potencial prejuízo (do objeto licitado) à legalidade, razão pela qual, segundo um juízo de cognição sumária, determinei a suspensão 95 jan.|fev.|mar. 2014 A prestação de assistência judiciária às pessoas carentes é uma atribuição dos estados, e não dos municípios, e a contratação desse tipo de serviço configura criação de uma defensoria pública paralela bem como usurpação de competência estadual atribuída pela Constituição. PARECERES E DECISÕES EMENTA: DENÚNCIA — PREGÃO PRESENCIAL — CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSESSORIA JURÍDICA JUNTO À SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL — ATRIBUIÇÕES AFETAS À DEFENSORIA PÚBLICA — COMPETÊNCIA ESTADUAL — PREVISÃO CONSTITUCIONAL — ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO — PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA Revista TCEMG DICOM TCEMG Criação de Defensoria Pública: competência estadual DENÚNCIA N. 887.949 cautelar do procedimento licitatório (fls. 126-130), tendo a Segunda Câmara referendado essa decisão na Sessão de 04/07/2013 (fls. 136-139). Intimado da decisão, José Alves, prefeito municipal, comunicou a suspensão do certame, juntando comprovantes das publicações no jornal Hoje em Dia e no Diário Oficial (fls. 140 e 142-143). Os autos foram encaminhados à Coordenadoria de Análise de Editais de Licitação (Cael), a qual, em análise preliminar a fls. 146-155, concluiu que o ato convocatório em apreço contém as seguintes irregularidades: a) instituição de defensoria pública municipal; b) ausência, na planilha anexa ao edital, do valor estimado da contratação. Ato contínuo, os autos foram encaminhados ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, que concluiu ser ilegal a licitação dos serviços pretendidos (fls. 157-159). Citados, os responsáveis apresentaram a defesa a fls. 165-177. Em reexame, a Cael se pronunciou pela manutenção das irregularidades anteriormente apontadas (fls. 179-190). O Parquet de Contas, em parecer conclusivo, a fls. 192-196, opinou pela procedência da denúncia, com aplicação de multa aos responsáveis e pela determinação de anulação do Pregão Presencial n. 052/2013. É o relatório, no essencial. FUNDAMENTAÇÃO Na defesa, os gestores reconheceram que compete à Defensoria Pública o préstimo dos serviços de orientação e defesa, em todos os graus, aos necessitados que comprovem insuficiência de recursos. Ponderaram, contudo, que nessas atribuições não se inclui a assessoria jurídica ao Conselho Tutelar, asseverando que o certame em comento não pretende usurpar funções da Defensoria. Argumentaram os defendentes que a contratação pretendida tem o objetivo de atender à demanda municipal de assistência aos necessitados e ao Conselho Tutelar e decorre da “omissão estatal em instituir a Defensoria Pública” em Buenópolis. Os responsáveis asseveraram que o município presta assessoria jurídica aos interessados, também, em atendimento a programas de assistência social, citando o exemplo do Sistema Único da Assistência Social (Suas), dentro do qual existe a previsão do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos carentes em situação de ameaça ou violação de direitos, afirmando que, para a concretização das metas, a figura de um advogado é imprescindível. Após exame das alegações apresentadas pelos defendentes, tanto a unidade técnica, quanto o Ministério Público junto ao Tribunal concluíram que os argumentos aduzidos não foram suficientes para elidir a ilegalidade apontada, a qual, por violar dispositivos constitucionais, constitui vício insanável, que não comporta convalidação e compromete a legalidade do procedimento licitatório, a fls. 179-190 e 192-196, respectivamente. O item 1.1 do ato convocatório estabelece que o objeto da licitação é a prestação de serviços de assessoria jurídica ao departamento municipal de assistência social, compreendendo: • orientação jurídica em processos cíveis e/ou criminais indicados pelo departamento municipal de assistência social; • atendimento jurídico ao Conselho Tutelar do município; 96 • representação em todos os processos criminais e execução de pena a todos os cidadãos buenopolenses que informem não ter condições de contratar advogado; • representação em processos criminais provenientes do juizado especial criminal em caso de o envolvido informar falta de condição de contratar advogado; • visita à cadeia pública local para atendimento do preso provisório e/ou no cumprimento de pena para acompanhamento adequado do processo ao qual este responde. Não é outro, senão esse, o entendimento que se extrai dos trechos a seguir, todos retirados da defesa apresentada pelos gestores: A pretensa contratação objetivou atender à demanda existente no município em prestar assistência aos necessitados e ao Conselho Tutelar. [...] Dessa forma, ante a omissão estatal em instituir a Defensoria Pública, existência de demanda de população carente que necessita de serviços jurídicos de forma imediata e diante da necessidade de assessoria ao Conselho Municipal é que o edital em comento foi publicado. Assim, o município deve e presta assessoria jurídica aos necessitados, em atendimento a Programas da Assistência Social [...] Portanto, em momento algum a administração objetivou instituir a Defensoria Pública no Município, mas sim contratar serviços necessários e inexistentes no município. Depreende-se, dos trechos acima transcritos, que a argumentação da defesa não refuta a ilegalidade apontada nos autos. Pelo contrário, expõe de forma clara a irregularidade insanável que macula o certame. Quanto ao argumento da defesa de que o serviço licitado inclui a assessoria jurídica ao Conselho Tutelar com a finalidade de prestar esclarecimentos ao necessitado “sobre os direitos que ele possui”, conduzindo-o ao Poder Judiciário, cabe uma consideração acerca da abrangência das atribuições da Defensoria Pública. Conforme bem discorreu a unidade técnica, o alcance das atribuições afetas à Defensoria Pública vai além da assistência em âmbito judicial, incluindo a orientação extrajudicial aos necessitados, com base naconciliação entre as partes e na atuação em processos como curador, entre outros. 97 2014 Analisando os argumentos aduzidos pelos defendentes, não vislumbro razões suficientes para modificar o entendimento anteriormente esposado, uma vez que a defesa, em diversos momentos, admite que o intuito da licitação era contratar serviços de assistência jurídica à população carente, em que pese as negativas veementes do intento de constituir uma defensoria em âmbito municipal. jan.|fev.|mar. Naquela oportunidade, foi evidenciado que o município carece de competência para instituir uma assistência jurídica nos termos pretendidos no ato convocatório sob exame. Revista TCEMG A decisão que determinou a suspensão cautelar do certame discorreu largamente acerca da competência constitucionalmente atribuída à União, aos Estados e ao Distrito Federal para a instituição de defensorias públicas, às quais incumbe a orientação jurídica e a defesa dos necessitados que comprovarem insuficiência de recursos. PARECERES E DECISÕES Conforme verificado no exame cautelar, os itens 1, 3 e 4 do dispositivo transcrito permitem inferir que a contratação tem por finalidade disponibilizar, à população carente do município, assistência jurídica na seara cível e criminal. DENÚNCIA N. 887.949 Para fundamentar seu entendimento, a Cael citou Aloísio Pires de Castro e Paulo Fernando de Andrade Giostri, que perfilham o seguinte entendimento sobre o alcance dos serviços prestados pela Defensoria Pública: [...] a assistência jurídica tem conotação mais ampla. Não só abrange a assistência jurídica em sentido estrito, como também a prestação de informação e consultoria jurídicas, visando não necessariamente à propositura de ação judicial, mas ao efetivo esclarecimento aos hipossuficientes dos quais sejam seus direitos e obrigações numa relação jurídica, orientandoos quanto às providências necessárias à composição extrajudicial de interesses em conflito, assim como prevenir litígios.1 Verifica-se, portanto, que a assistência desempenhada pela Defensoria abarca, também, a orientação jurídica dos cidadãos na busca da concretização de seus direitos, como forma de assegurar o efetivo acesso da população carente à obtenção da tutela jurisdicional. Dessa forma, não tem amparo o argumento da defesa de que o serviço licitado tinha finalidade distinta das atribuições da Defensoria. Esse entendimento é reforçado pelo documento acostado a fls. 46, referente ao recibo de pagamento efetuado em favor da advogada Anna Paula Baroni Paranhos, “pela prestação dos serviços de Defensoria Pública Municipal”, relativo ao mês de dezembro de 2012. Do mesmo modo, não merece ser acolhido o argumento de que o município presta assessoria jurídica aos hipossuficientes em atendimento à Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/Suas). Isso porque, analisando a Resolução n. 33/13, a qual, exarada pelo Conselho Nacional da Assistência Social, aprova a NOB/Suas, constata-se que o art. 9º, do Anexo, estabelece responsabilidade para todos os entes federativos, de acordo, todavia, com as competências previstas na Constituição da República, in verbis: Art. 9º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme suas competências, previstas na Constituição Federal e na LOAS, assumem responsabilidades na gestão do sistema e na garantia de sua organização, qualidade e resultados na prestação dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais que serão ofertados pela rede socioassistencial. (grifo nosso) O mesmo diploma legal, em seu art. 94, do Anexo à Resolução, fixa as responsabilidades específicas dos municípios na área da Vigilância Socioassistencial mas, entre elas, não está incluída a prestação do serviço de assistência judicial, senão veja-se: Art. 94. Constituem responsabilidades específicas dos Municípios e do Distrito Federal acerca da área da Vigilância Socioassistencial: I — elaborar e atualizar, em conjunto com as áreas de proteção social básica e especial, os diagnósticos circunscritos aos territórios de abrangência dos CRAS e CREAS; II — colaborar com o planejamento das atividades pertinentes ao cadastramento e à atualização cadastral do Cadastro Único em âmbito municipal; III — fornecer sistematicamente às unidades da rede socioassistencial, especialmente aos CRAS e CREAS, informações e indicadores territorializados, extraídos do Cadastro Único, que possam auxiliar as ações de busca ativa e subsidiar as atividades de planejamento e avaliação dos próprios serviços; CASTRO, Aloísio Pires de; GIOSTRI, Paulo Fernando de Andrade. Assistência Jurídica: direito ao acesso à ampla e efetiva assistência jurídica. Revista Síntese de Direito Civil e Processual, Porto Alegre, v. 11, p. 122, maio/jun. 2001. 1 98 IV — fornecer sistematicamente aos CRAS e CREAS listagens territorializadas das famílias em descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família, com bloqueio ou suspensão do benefício, e monitorar a realização da busca ativa destas famílias pelas referidas unidades e o registro do acompanhamento que possibilita a interrupção dos efeitos do descumprimento sobre o benefício das famílias; V — fornecer sistematicamente aos CRAS e CREAS listagens territorializadas das famílias beneficiárias do BPC e dos benefícios eventuais e monitorar a realização da busca ativa destas famílias pelas referidas unidades para inserção nos respectivos serviços; Por fim, quanto ao apontamento do órgão técnico referente à ausência, na planilha orçamentária anexa ao edital, do valor estimado de preços para a contratação, tenho que a análise mostra-se desnecessária, uma vez que a ilicitude do objeto contamina todas as cláusulas do ato convocatório, razão pela qual deixo de apreciar a irregularidade assinalada. Conclusão: por todo o exposto, julgo procedente a denúncia e, diante da constatação de que o objeto licitado afronta os ditames constitucionais por pretender instituir no município um tipo de defensoria pública paralela, em clara usurpação à competência estadual, determino à Administração que promova a anulação do Pregão Presencial n. 052/2013 — Processo n. 068/2013 —, consoante o disposto no art. 49 da Lei n. 8.666/93. Deixo de aplicar multa aos responsáveis, José Alves e Jovan Divino Figueiredo, respectivamente, prefeito municipal e pregoeiro, uma vez que agiram no intuito de suprir a deficiência de assistência jurídica que assola o município, embora equivocadamente. Como é cediço, a Defensoria Pública tem um papel de protagonista na realização da justiça social, devendo ser envidados esforços visando à ampliação e à melhoria de sua estrutura, razão pela qual determino que seja enviada à Defensora Pública Geral do Estado de Minas Gerais, Andréa Abritta Garzon, cópia da decisão que determinou a suspensão liminar do certame (fls. 126-130), bem como da presente decisão, para conhecimento da situação tratada nestes autos e adoção das medidas que entender cabíveis. Intime-se o denunciante e comunique-se Sócrates Dumont Sobrinho, vencedor do certame a ser anulado, acerca do inteiro deste teor desta decisão. A denúncia em epígrafe foi apreciada pela Segunda Câmara na Sessão do dia 28/11/2013, presidida pelo conselheiro Cláudio Terrão. Votaram o conselheiro Cláudio Terrão, conselheiro substituto Licurgo Mourão e conselheiro Gilberto Diniz. Foi aprovado, por unanimidade, o voto do relator, conselheiro Cláudio Terrão. 99 2014 Considerando, portanto, a manifesta ilegalidade do objeto licitado, os gestores devem adotar as medidas necessárias à anulação do procedimento licitatório. jan.|fev.|mar. É imperioso reiterar que a instituição de uma assistência jurídica, nos moldes pretendidos pelo município, além de não encontrar amparo constitucional, comprometeria diversas premissas relativas ao acesso à justiça igualitária, haja vista que os cidadãos seriam atendidos e representados por advogados particulares, e não por defensores públicos, a quem são atribuídas uma série de prerrogativas. Revista TCEMG VII — coordenar, em âmbito municipal ou do Distrito Federal, o processo de preenchimento dos questionários do Censo SUAS, zelando pela qualidade das informações coletadas. PARECERES E DECISÕES VI — realizar a gestão do cadastro de unidades da rede socioassistencial privada no CadSUAS, quando não houver na estrutura do órgão gestor área administrativa específica responsável pela relação com a rede socioassistencial privada; RECURSO ORDINÁRIO N. 851.244 RELATOR: CONSELHEIRO MAURI TORRES Responsabilidade solidária de gestor público por atos de comissão de licitação DICOM TCEMG EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO — PREFEITO MUNICIPAL — INSURGÊNCIA CONTRA IMPUTAÇÃO DE MULTA — PROCEDIMENTO LICITATÓRIO — IRREGULARIDADES — I. RESPONSABILIZAÇÃO SUBJETIVA DO GESTOR PÚBLICO — CULPA IN ELIGENDO E CULPA IN VIGILANDO — II. HOMOLOGAÇÃO DO CERTAME — APROVAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS — III. RECURSO IMPROVIDO — MANUTENÇÃO DA MULTA APLICADA O gestor público pode ser responsabilizado subjetivamente pelos atos praticados pela comissão de licitação, uma vez que concorre para as irregularidades por culpa in eligendo e, ao homologar o certame, por culpa in vigilando, ratificando os procedimentos adotados. RELATÓRIO Tratam os autos de recurso ordinário interposto por José Emílio Ambrósio, prefeito municipal de Cachoeira Dourada, à época, em face da decisão proferida pela Primeira Câmara na sessão de 14/12/2010, nos autos do Processo Administrativo n. 711.162. Essa decisão lhe imputou o pagamento de multa no valor global de R$24.000,00 em razão de contratações realizadas sem procedimento licitatório e de irregularidades apuradas na formalização de procedimentos licitatórios, e determinou a restituição ao erário dos valores de R$2.902,86 e de R$3.983,25, conforme o acórdão a fls. 4.563-4.565. O presente recurso foi inicialmente distribuído ao conselheiro Cláudio Couto Terrão, que o admitiu liminarmente e o encaminhou à unidade técnica e ao Ministério Público junto a este Tribunal, que se manifestaram, respectivamente, a fls. 12-19 e 21-34. Posteriormente, em despacho a fls. 35-37, o conselheiro Cláudio Couto Terrão reconheceu seu impedimento para atuar no processo em tela, haja vista ter atuado nos autos do Processo Administrativo n. 711.162, em apenso, como representante do Ministério Público, encaminhando os autos para redistribuição. Nesse trâmite, os autos foram redistribuídos a minha relatoria, em conformidade com o disposto no art. 132 do Regimento Interno deste Tribunal. É o relatório, no essencial. PRELIMINAR Preliminarmente, conheço do presente recurso por terem sido preenchidos todos os requisitos para sua admissibilidade previstos no Regimento Interno deste Tribunal. 100 MÉRITO Passo à análise das alegações do recorrente, que se insurge contra a decisão da Primeira Câmara que lhe aplicou multa no valor global de R$24.000,00, em razão de diversas contratações realizadas sem o devido procedimento licitatório, de procedimentos licitatórios irregulares e de irregularidades na execução dos contratos, e determinou a restituição ao erário dos valores de R$2.902,86 e de R$3.983,25. • ausência de procedimentos licitatórios; • inobservância ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório; • escolha indevida da modalidade de licitação; • falta de projetos e de elementos necessários à caracterização de objetos de licitação; • falta de clareza do objeto contratado, do projeto executivo e do cronograma físico-financeiro. Segue alegando que as atividades consideradas irregulares foram praticadas pela Comissão Permanente de Licitação (CPL) sem que o prefeito tivesse ciência, sendo, portanto, descabida a sua responsabilização. Para corroborar seus argumentos, apresentou jurisprudência do Tribunal de Contas da União, consignada no Acórdão n. 7/2011, que afastou a responsabilidade do prefeito no tocante à não utilização de equipamentos hospitalares adquiridos pelo município, por considerar que não cabe ao prefeito a responsabilidade pela gestão administrativa e operacional do hospital municipal. Citou, também, o Acórdão do TCU n. 2.006/2006, no qual ficou registrado que a responsabilização dos agentes que gerem recursos públicos apurada pelo TCU é subjetiva. Por fim, requereu o conhecimento e provimento do recurso para reconhecer a impossibilidade de penalização do recorrente, uma vez que não era o responsável direto pela prática dos atos analisados nos autos de origem. Análise A unidade técnica ao apreciar as razões do recurso ponderou o seguinte, a fls. 12-20: No exame das razões apresentadas observou-se que, em parte, razão assiste ao Procurador do Recorrente quanto à responsabilidade da Comissão Permanente de Licitação na condução e formalização de procedimentos licitatórios, especialmente no que diz respeito aos pedidos de inscrição, alteração e cancelamento no registro cadastral de licitantes, à decisão sobre a habilitação preliminar de interessados em participar de licitações e ao julgamento e classificação das propostas apresentadas por licitantes habilitados, consoante previsão contida no caput e no § 3º do art. 51 da Lei Federal n. 8.666/1993. 101 2014 Nessa senda, destacou que as irregularidades que ensejaram a aplicação de sanção referem-se a atividades não afetas ao prefeito municipal, elencando as seguintes: jan.|fev.|mar. Asseverou que como o agente público não se equipara ao ente público, não se pode aceitar que a sua responsabilização se dê nos moldes previstos no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, sendo indispensável a comprovação da participação efetiva do agente nas atividades supostamente irregulares. Revista TCEMG Argumentou que, para haver responsabilização do agente, é indispensável demonstrar que ele agiu de forma omissiva ou comissiva e cooperou de forma efetiva para a ocorrência do ilícito, com o fim específico de burlar a norma e de causar prejuízo ao erário, ou seja, o elemento subjetivo da conduta. PARECERES E DECISÕES Registre-se, inicialmente, que o recorrente não apresentou nenhuma alegação quanto às irregularidades apuradas nos autos de origem que ensejaram a aplicação da multa combatida, limitando-se a demonstrar a impossibilidade jurídica de responsabilização objetiva do agente público. RECURSO ORDINÁRIO N. 851.244 [...] Entretanto, a alegação do Procurador do Recorrente não elide a responsabilidade daquele agente público pelas inobservâncias à Lei Federal n. 8.666/1993 apenadas no Processo n. 711.162, uma vez que na qualidade de Prefeito Municipal, ordenador de despesas, respondia solidariamente com os membros da Comissão pela prática irregular dos atos licitatórios apurados e a multa aplicada ao ex-Chefe do Executivo decorreu da infringência a mandamentos legais. Ademais, o Recorrente era o ordenador de despesas do Município de Cachoeira Dourada, conforme se verifica na informação de fl. 08 do mencionado processo, bem como foi quem homologou o resultado dos procedimentos licitatórios nele examinados, conforme documentação de fls. 931-932, 1176-1177, 1372-1373, 1515-1516, 1597-1598, 1695-1696, 1892-1893 dos citados autos. Como bem asseverou a unidade técnica o agente político, no caso o prefeito municipal, quando assume diretamente as funções de gestor municipal, optando por não delegar essa atribuição aos seus secretários municipais, assume a responsabilidade pela prática desses atos de gestão. Nesse contexto, o caso sob exame não trata de responsabilização objetiva do agente político, visto que a sua responsabilização decorre dos atos por ele praticados na condição de gestor público, comprovados por meio dos documentos por ele assinados como notas de empenho, contratos e atos de homologação de licitação. Ressalte-se que o gestor público responde subjetivamente por culpa in eligendo e culpa in vigilando. Destaco, por oportuno, um trecho do parecer ministerial em que foi colacionada jurisprudência corroborando o entendimento acima esposado: É o que se verifica na posição firmada pelo Tribunal de Contas no Enunciado de Súmula n. 107: ‘Os Chefes de Poder Municipal, ao atuarem como ordenadores de despesas, terão seus atos julgados pelo Tribunal de Contas e serão responsabilizados pessoalmente por eventuais ilegalidades.’ E pelo Acórdão do TCU, AC-1190-21/09-P, proferido na sessão do dia 03/06/09: ‘A responsabilidade do ex-prefeito [...] patenteia-se não somente por ter sido signatário dos convênios impugnados e, assim, ter assumido o compromisso de regular gestão dos recursos federais que lhe foram confiados, como também pelo fato de ter ordenado despesas ao dar atesto às notas fiscais da empresa executora das obras e assinado boletins de medição (fls. ...). Ainda que o ex-edil venha a posteriori invocar como eximente de culpabilidade o fato de não ter acompanhado diretamente a formalização e a execução do contrato, o então gestor municipal concorreu para o dano que lhe foi imputado por culpa in eligendo e culpa in vigilando. Como se depreende dos fatos, o ex-prefeito atrai para si a responsabilidade civil e administrativa também por não ter devidamente supervisionado e exigido dos seus subordinados o escorreito cumprimento da lei.’ Também merece destaque a recente decisão do Tribunal de Contas da União, que reconheceu que o ato de homologação dos procedimentos licitatórios equivale à aprovação de todos os atos nele praticados, in verbis: A homologação é um ato de fiscalização e controle praticado pela autoridade competente sobre tudo o quanto foi realizado pela comissão de licitação, e equivale a aprovar os procedimentos até então adotados. Em Recurso de Reconsideração interposto contra deliberação proferida em sede de Tomada de Contas Especial, na qual a responsável fora condenada em débito e sancionada com multa em decorrência de irregularidades verificadas em licitação, a recorrente alegou, dentre outros aspectos, que lhe competia, na qualidade de prefeita municipal, apenas homologar o certame, com base nos elementos constitutivos do procedimento licitatório. Analisando as alegações, a 102 Com relação à eventual responsabilização da comissão de licitação pleiteada pelo recorrente, embora reconheça que haja condutas imputáveis à CPL, entendo que nesse momento não seria viável instaurar um novo processo para aplicar sanção aos membros da comissão de licitação, uma vez que, no caso em tela, já estaria configurada a prescrição inicial quinquenal delineada no art. 110-E da Lei Complementar n. 102/2008, tendo em vista que entre a data da ocorrência dos fatos (2003-2004) e a eventual instauração de um novo processo já teriam se passado mais de cinco anos. VOTO Diante do exposto, considerando que as alegações do recorrente não foram capazes de modificar a decisão recorrida, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a decisão proferida na Sessão da Primeira Câmara do dia 14/12/2010, acórdão a fls. 4.563-4.565 do Processo Administrativo n. 711.162. Após as medidas cabíveis, arquivem-se os autos com fundamento no art. 176, I, do Regimento Interno. O recurso ordinário em epígrafe foi apreciado pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 09/10/2013, presidida pela conselheira Adriene Andrade. Votaram a conselheira Adriene Andrade, conselheiro Sebastião Helvecio, conselheiro Mauri Torres, conselheiro José Alves Viana e conselheiro Gilberto Diniz. Foi aprovado, por unanimidade, o voto do relator, conselheiro Mauri Torres. 103 PARECERES E DECISÕES 2014 Verifica-se, portanto, que o recorrente não trouxe nenhum argumento capaz de afastar sua responsabilidade pelas irregularidades que ensejaram a cominação de multa e a determinação de restituição ao erário, motivo pelo qual não merece reforma o acórdão recorrido. jan.|fev.|mar. Com efeito, observa-se que, segundo a legislação pátria, o agente público que agir em desconformidade com o ordenamento jurídico deverá ter sua conduta sancionada na forma da lei, independentemente de ter configurado dano ao erário, como forma de garantir o atendimento ao interesse público. Revista TCEMG relatora anotou que no caso vertente a gestora fora ouvida, dentre outros aspectos, pela ‘falta da realização de pesquisa de preços de mercado dos bens a serem adquiridos’. Relembrou a relatora que ‘tivesse a gestora atentado para esse procedimento simples e se certificado de sua realização nos autos do processo licitatório, teria facilmente detectado o sobrepreço, pois a diferença apontada foi significativa’. Nesse passo, assinalou que ‘a homologação se caracteriza como um ato de controle praticado pela autoridade competente sobre tudo o quanto foi realizado pela comissão de licitação. Homologar equivale a aprovar os procedimentos até então adotados. Esse ato de controle não pode ser tido como meramente formal ou chancelatório, mas antes como um ato de fiscalização’. Assim, a gestora, ao homologar o certame diante da inexistência da pesquisa dos preços de mercado nos autos da licitação, dera ensejo ao superfaturamento apurado. Nesses termos, o Tribunal, ao acolher a proposição da relatora, negou provimento ao recurso (BRASIL. Segunda Câmara. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 4.791/2013. TC 026.876/2010-8. Relatora: min. Ana Arraes, 13 ago. 2013). (grifo nosso) CONSULTA N. 885.865 RELATOR: CONSELHEIRO JOSÉ ALVES VIANA Condições da adesão à ata de registro de preços DICOM TCEMG EMENTA: CONSULTA — CONTROLADOR INTERNO — I. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS — “CARONA” — REQUISITOS DO DECRETO ESTADUAL N. 46.311/2013 — COMPROVAÇÃO DE VANTAGEM — LEGALIDADE — ADESÃO PARCIAL OU INTEGRAL — POSSIBILIDADE — II. SERVIÇOS DE TELEFONIA MÓVEL — LICITAÇÃO CONJUNTA — PREFEITURA E CÂMARA MUNICIPAL — CONTRATOS PRÓPRIOS PARA CADA UNIDADE ORÇAMENTÁRIA — CONTRATAÇÃO MAIS VANTAJOSA — OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 1. Desde que sejam observados o Decreto Estadual n. 46.311/2013 e os demais requisitos legais, é autorizada a adesão — parcial ou integral — de município à ata de registro de preços de outro órgão da Administração Pública, mesmo que de ente federativo diverso do aderente. 2. Sendo mais vantajosa para a Administração Pública, é possível e recomendável a realização de licitação conjunta entre órgãos e/ou entidades governamentais, desde que firmados contratos administrativos distintos por unidade orçamentária e observados os princípios da moralidade, legalidade, isonomia e eficiência. RELATÓRIO Versam os autos sobre consulta formulada pela Sra. Ângela Almeida Filgueiras, responsável pelo controle interno da Câmara Municipal de Além Paraíba, por meio da qual solicita esclarecimentos deste Tribunal acerca das seguintes indagações: a) Pode uma câmara municipal e/ou prefeitura municipal aderir a ata de registro de preços de outros órgãos governamentais? Em que condições? Qual a base legal para isso? b) A adesão pode ser em parte do objeto ou em todo o seu quantitativo? c) Para contratação de telefonia móvel, pode a câmara municipal se associar à prefeitura para conseguir uma proposta mais vantajosa, no momento da licitação, com cada um dos dois órgãos, celebrando seu próprio contrato com a operadora? A presente consulta, distribuída a esta relatoria em 08/11/2012, foi admitida e encaminhada à Coordenadoria e Comissão de Jurisprudência e Súmula, que se manifestou a fls. 4-8. É o relatório, no essencial. 104 PRELIMINAR Preenchidos os pressupostos de admissibilidade estabelecidos nos arts. 210 e 212 do Regimento Interno, considerando que a consulente é parte legítima para formular a presente consulta, que o objeto refere-se a matéria afeta à competência desta Corte bem como que a indagação não versa sobre caso concreto, conheço da consulta. MÉRITO Inicialmente, destaca-se que o legislador ordinário, no art. 15, II, da Lei n. 8.666/931, estabeleceu, como diretriz para as compras públicas, a adoção, sempre que possível, do sistema de registro de preços. Cabe frisar o caráter geral da norma, que vincula todos os órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual e municipal. A Controladoria-Geral da União, na cartilha Sistema de Registro de Preços2, define-o como: [...] um procedimento com base em planejamento de um ou mais órgãos/entidades públicos para futura contratação de bens e serviços, por meio de licitação na modalidade de concorrência ou pregão, em que as empresas vencedoras assumem o compromisso de fornecer bens e serviços a preços e prazos registrados em uma ata específica. A utilização de tal método pressupõe o cumprimento das determinações estabelecidas no art. 15 da Lei n. 8.666/93, nos decretos de cada ente federado e nos editais de licitação promovidos pelo órgão gerenciador3. Conforme dispõe Jorge Ulisses Jacoby Fernandes4, compete a todos os entes federados a regulamentação das regras e limites para a utilização do sistema de registro de preços. O art. 118 da Lei Geral de Licitações estabelece a possibilidade de a União, os Estados e os Municípios editarem normas próprias tratando de matéria licitatória, desde que guardem consonância com o disposto na legislação nacional. A autorização para a edição de normas próprias regulamentando a compra de bens e serviços pelos municípios decorre do princípio federalista e tem como base a adequação do processo licitatório às especificidades de cada ente Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: [...] II — ser processadas através de sistema de registro de preços. BRASIL. Controladoria-Geral da União. Sistema de registro de preços: perguntas e respostas. Brasília: CGU, 2011. Disponível em: <http://www.cgu. gov.br/publicacoes/CartilhaGestaoRecursosFederais/Arquivos/SistemaRegistroPrecos.pdf>. Acesso em: 4 out. 2013. 3 A quem cabe, nos termos do art. 5º do Decreto Federal n. 7.892/2013, “a prática de todos os atos de controle e administração do Sistema de Registro de Preços”, entre outros. 4 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 75. 1 2 105 2014 A consulente apresenta questionamentos acerca da adesão, por órgão público municipal, à ata de registro de preços formulada por outra unidade governamental, prática usualmente conhecida como “carona”. jan.|fev.|mar. 1) Pode uma câmara municipal e/ou prefeitura municipal aderir à ata de registro de preços de outros órgãos governamentais? Em que condições? Qual a base legal para isso? A adesão pode ser em parte do objeto ou em todo o seu quantitativo? Revista TCEMG Inicialmente, deve-se destacar que a consulente busca dirimir questões relacionadas a dois assuntos distintos: (i) os termos e requisitos necessários para que câmaras de vereadores e prefeituras municipais adotem ata de registro de preço formulada por outros órgãos governamentais; (ii) a possibilidade de os Poderes Legislativo e Executivo se associarem para realizar processo licitatório único para a contratação de empresa prestadora de serviços de telefonia móvel. Diante disso, respondê-las-ei separadamente: PARECERES E DECISÕES Vencida a questão preliminar, passo ao exame das indagações formuladas. CONSULTA N. 885.865 público. Diante de sua completude, o sistema jurídico deve ser analisado como um todo, sendo a criação de norma específica para regular o sistema de registro de preços no âmbito de atuação de cada ente, embora recomendável, é dispensável para a adesão às atas formuladas por outros órgãos ou entidades. O art. 15 da Lei n. 8.666/93 exalta a utilização do sistema de registro de preços sempre que possível, e tal mandamento, somado ao princípio da eficiência, prevalece frente à suposta omissão de regulamentação da matéria pelo ente político interessado em realizar adesão. O Poder Executivo federal, por meio do Decreto n. 7.892, de 21/01/2013, regulamentou o sistema de registro de preços para a contratação de serviços e aquisições de bens pela administração pública federal direta e indireta. Ressalta-se que o ato normativo em comento positivou diversos entendimentos prevalentes na jurisprudência das cortes de contas, entre eles, o referente à possibilidade de adesão por órgãos e entidades não participantes de ata de registro de preços vigente. Sobre o tema, o art. 22 dispõe: Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador. [...] § 3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes. § 4º O instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem. § 5º O órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador. § 6º Após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata. No mesmo sentido, o Poder Executivo do Estado de Minas Gerais editou o Decreto n. 46.311/2013, que autoriza a utilização de ata de registro de preços realizada pelo Estado por outros órgãos e entidades da Administração Pública estadual, desde que haja: a) comprovação nos autos da vantagem de tal adesão; b) prévia anuência do órgão gerenciador; c) observância da quantidade licitada do objeto constante da ata. O art. 20 estabelece5, ainda, a possibilidade de órgãos e entidades da Administração Pública estadual se utilizarem de atas de registro de preços gerenciadas por entes da Administração Pública federal, de outros Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que os preços sejam compatíveis com os praticados no mercado e que se demonstre a vantagem econômica da adesão. A comprovação da vantajosidade a ser percebida pelo órgão ou ente em “carona” na ata de registro de preços é condição indispensável para a legalidade da adesão, em respeito aos princípios da economicidade e da isonomia. Impende destacar que esta Corte de Contas, em parecer aprovado por unanimidade em 09/05/2012, quando da análise da Consulta n. 872.2626, concluiu pela possibilidade de “carona” em ata de registro de preços. 5 6 Art. 20. Os órgãos e entidades da Administração Pública Estadual poderão se utilizar de ARPs gerenciadas por entes da Administração Pública Federal, de outros Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que os preços sejam compatíveis com os praticados no mercado e demonstrada a vantagem econômica da adesão. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Consulta n. 872.262. Relator: cons. Mauri Torres. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 30, n. 3, p. 196-202, jul./set. 2012. 106 Na oportunidade, ficou esclarecido que “a ata de registro de preços é um instrumento vinculativo, que cria obrigações mútuas para as partes envolvidas, em especial com relação aos quantitativos, preços e prazos de validade, os quais devem ser observados no momento da formalização do contrato.” A esse processo administrativo deve ser agregada, também, a anuência formal da entidade/ órgão gerenciador sobre a possibilidade de utilização da Ata de Registro de Preços, para a adesão ao preço registrado, bem como dos fornecedores, obedecendo-se à ordem de classificação. Quanto à publicidade do instrumento de adesão e das aquisições que dele decorrerem prevalece, a meu juízo, o dever de observar a regra geral da licitação contida na legislação de regência, em especial a Lei Federal n. 8.666/93, valendo para o “carona” as mesmas regras impostas às outras entidades/órgãos envolvidos no certame, sobretudo porque a publicidade é princípio de estirpe constitucional, assim consagrado no caput do art. 37 da Lei Maior da República. (grifo nosso) Concluo, portanto, pela possibilidade da adesão de órgãos ou entidades da Administração Pública municipal às atas de registro de preços realizadas por outros entes, desde que: a) haja autorização expressa do órgão gerenciador; b) seja elaborado termo de referência no qual constem as especificações do objeto que se deseja adquirir, após ampla pesquisa de preços de mercado; c) haja a devida publicidade do instrumento de adesão e das aquisições que dele decorrem, nos termos do disposto na Lei n. 8.666/93; d) seja demonstrada a vantagem econômica na adesão à ata, mencionando ainda a similitude de condições, tempestividade do prazo, suficiência das quantidades e qualidades dos bens a serem adquiridos; e) haja a anuência do fornecedor beneficiário da ata, o qual deve optar pela aceitação ou não do fornecimento decorrente de adesão, desde que não prejudique as obrigações presentes e futuras decorrentes da ata, assumidas com o órgão gerenciador e os órgãos participantes; f) sejam observadas as especificidades presentes na legislação do sistema de registro de preços do ente federado responsável pela realização da ata aderida, inclusive quanto à limitação quantitativa e qualitativa de adesões de órgãos extraordinários. A consulente questiona, ainda, se a adesão à ata pode ser apenas em parte do objeto ou deve ser em todo o seu quantitativo. 107 2014 A justificativa apresentada deverá demonstrar a vantagem econômica da adesão à referida Ata, mencionando, ainda, a similitude de condições, tempestividade do prazo, suficiência das quantidades e qualidade do bem. jan.|fev.|mar. De toda sorte, deverá o interessado (carona) elaborar processo administrativo por sua iniciativa, qual seja, providenciar termo de referência no qual constem as especificações do objeto que deseja adquirir, após ampla pesquisa de preços de mercado, e, ainda, informações relativas à existência de Ata de Registro de Preço sobre o objeto desejado, para fins de acionar o órgão/entidade gerenciador, externando sua intenção de utilizar a respectiva Ata. O órgão gerenciador consultará o fornecedor acerca da possibilidade de atender àquela adesão uma vez que haverá acréscimo ao quantitativo pactuado. Revista TCEMG [...] a figura do “carona” é polêmica, pois poderia representar o avesso do princípio licitatório uma vez que consiste na permissão dada àquela unidade administrativa que não promoveu o sistema de registro de preço ou tampouco dele participou (ou seja, não é gerenciador, nem participante). O “carona” apenas se beneficia da Ata de outrem, a ela aderindo mediante o cumprimento de algumas exigências formais. PARECERES E DECISÕES Cumpre registrar, ainda, que a possibilidade de “carona” em atas de registro de preços é admitida por este Tribunal desde a aprovação, em 08/10/2008, do parecer exarado na Consulta n. 757.978. Naquela assentada, foram delimitados os contornos indispensáveis para a adesão por outros órgãos ou entidades às atas de registro de preços em vigor, no seguinte sentido: CONSULTA N. 885.865 A tratativa dada pelo legislador ordinário ao sistema de registro de preços, consubstanciada no art. 15 da Lei n. 8.666/93, objetivou garantir a racionalização das compras governamentais7. Tal procedimento licitatório especial, efetivado por meio da realização de concorrência ou pregão, seleciona a proposta mais vantajosa para eventual e futura contratação pela Administração, que só adquirirá o bem ou serviço se houver a necessidade, a exemplo do realizado na seara privada. Os itens registrados ficarão disponíveis para os órgãos e as entidades participantes do registro de preços, que poderão, dentro do prazo de validade da ata, requererem a entrega dos bens descriminados pela empresa vencedora do certame. O § 4° do art. 15 da Lei n. 8.666/93 dispõe que: Art. 15, § 4º. A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições. Portanto, se nem mesmo o órgão gerenciador e os órgãos participantes são obrigados a contratarem a totalidade dos objetos registrados, tampouco os órgãos extraordinários que aderem às atas apresentam tal dever. A adesão parcial à ata de registro de preços é permitida, desde que não haja disposição em contrário no edital de licitação ou nos regulamentos do ente federado responsável pela ata. 2) Para contratação de telefonia móvel, pode a câmara municipal se associar à prefeitura para conseguir uma proposta mais vantajosa, no momento da licitação, com cada um dos dois órgãos, celebrando seu próprio contrato com a operadora? O art. 37, XXI, da Constituição da República8, estabelece como regra a obrigatoriedade de a Administração instaurar processo licitatório para a realização de compras governamentais. Marçal Justen Filho9 define o instituto da licitação como: [...] o procedimento administrativo destinado a selecionar, segundo critérios objetivos predeterminados, a proposta de contratação mais vantajosa para a Administração, assegurando-se a ampla participação dos interessados, com observância de todos os requisitos legais exigidos. O art. 3º da Lei n. 8.666/9310 determina que o processo licitatório, encadeamento lógico e formal de atos administrativos vinculantes, apresenta-se como meio juridicamente eficaz para garantir o fim almejado (contratação), o qual deverá ser processado e julgado em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 27. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XXI — ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 9 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2008. p. 11. 10 Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. 7 8 108 A doutrina administrativista pressupõe como elementos indispensáveis à licitação a igualdade entre os participantes, a moralidade administrativa e a busca de maior eficiência nas compras públicas. Depreendese, portanto, que é dever do gestor, ao adquirir bens para a Administração Pública, buscar a solução juridicamente possível mais adequada frente ao caso concreto, em observância à legislação de regência e aos princípios constitucionais. Art. 1º O Comitê Executivo de Gestão Estratégica de Suprimentos da Família de Medicamentos — CEGESMD, instituído pelo Decreto de 3 de março de 2008, que cria o Comitê Executivo de Gestão Estratégica de Suprimentos da Família de Medicamentos, no âmbito da administração pública do Poder Executivo, passa a reger-se na forma deste Decreto. Art. 3º Ao CEGESMD compete: [...] IX — quando de novas aquisições, convidar todos os órgãos e entidades do Poder Executivo e de outros Poderes, e ter visão de compras compartilhadas, inclusive com outros entes federados; MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 294. Art. 23, § 1º. As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala. 13 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Súmula n. 114. Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 53, de 12 maio 2010: É obrigatória a realização de licitação por itens ou por lotes, com exigências de habilitação proporcionais à dimensão de cada parcela, quando o objeto da contratação for divisível, e a medida propiciar melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampla participação de licitantes, sem perda da economia de escala, adotando-se, em cada certame, a modalidade licitatória compatível com o valor global das contratações. 11 12 109 2014 No âmbito do Executivo estadual, cita-se a política de Gestão Estratégica de Suprimentos, coordenada pela Superintendência Central de Recursos Logísticos e Patrimônio. Tal programa almeja a realização de compras compartilhadas, por meio de um único procedimento licitatório, constando o somatório dos itens a serem adquiridos pelos órgãos e entidades da administração direta e indireta do Estado em rol único — observadas as disposições presentes no art. 23, § 1º, da Lei n. 8.666/9312 e do Enunciado de Súmula n. 11413 desta Corte de Contas. A fim de privilegiar a economia de escala, a padronização dos produtos e a busca do menor preço para a Administração, o Governo Estadual estatuiu, por meio do Decreto n. 45.939, de 27/03/2012, a Gestão Estratégica de Suprimentos, que determina a obrigatoriedade de o Comitê Executivo convidar todos os órgãos e entidades do Poder Executivo e de outros Poderes, para realizar a compra compartilhada de medicamentos, nos seguintes termos: jan.|fev.|mar. Desde então, são diversas as ações e projetos desenvolvidos em todas as esferas governamentais visando dar maior eficiência às compras públicas. No âmbito do Poder Legislativo, observa-se a promulgação das Leis n. 10.520/02 e 12.462/11, que instituíram, respectivamente, o pregão e o Regime Diferenciado de Contratações públicas (RDC). Revista TCEMG [...] aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social11. PARECERES E DECISÕES Ressalto, nesse sentido, a aprovação da Emenda Constitucional n. 19/1998, que incluiu o princípio da eficiência no rol dos princípios constitucionais que regem a atuação estatal. Gerado a partir de um contexto de reformas administrativas, as quais buscavam maior racionalização e a desburocratização da máquina pública, tal princípio é conceituado por Alexandre de Moraes como: CONSULTA N. 885.865 Cumpre destacar o disposto no art. 15 da Lei n. 8.666/93, que reitera a necessidade da observância do princípio da eficiência na realização de compras públicas: Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: [...] III — submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado; [...] V — balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública. No que tange à realização de processo licitatório conjunto entre mais de uma entidade ou órgão público para a aquisição de medicamentos, o Tribunal de Contas da União já se pronunciou pela possibilidade em duas oportunidades14. Em ambas as ocasiões, a Corte de Contas classificou como “boas práticas” a compra compartilhada de itens por unidades orçamentárias distintas, com vistas à obtenção de melhores preços. A exemplo, segue transcrito excerto do Acórdão n. 1793-27/11-P: 148. A propósito, existe opção no Comprasnet intitulada ‘Intenção de Registro de Preço (IRP)’ que permite aos órgãos interessados em fazer um registro de preços de um determinado bem ou serviço divulgarem a intenção dessa compra para o restante da Administração, possibilitando, assim, a realização de certame licitatório em conjunto para contratação do objeto pretendido. 149. O objetivo principal dessa sistemática é que os órgãos informem, previamente, as quantidades individuais a serem contratadas, estimulando-os a participar da fase de planejamento da compra compartilhada, potencializando maior economia face ao aumento da escala. Dessa forma, é possível tornar os potenciais futuros “caronas” em participantes do processo licitatório, reduzindo-se, portanto, o número de adesões às atas de registro de preço por órgãos que não participaram da licitação. 150. Todavia, o uso da Intenção de Registros de Preço ainda é opcional, razão pela qual se considera pertinente recomendação à SLTI para que torne essa sistemática obrigatória para os membros do Sisg15. Tratando especificamente do questionamento elaborado pela consulente, constata-se que o Governo Federal costumeiramente realiza licitações conjuntas para contratação de serviços de telefonia celular. Como exemplo, cito o Pregão Eletrônico n. 12/2011, realizado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) em conjunto com diversos órgãos e entidades da União16, que culminou na contratação por valor 55,25% abaixo do valor máximo estipulado no edital17. Diante disso, considero possível e recomendável a realização de licitação conjunta entre órgãos e/ou entes governamentais, desde que: (a) sejam firmados contratos administrativos distintos por unidade orçamentária; (b) sejam observados os princípios da moralidade, da legalidade, da isonomia e da eficiência. Por fim, observa-se que esta Corte de Contas já se posicionou acerca da realização de processo licitatório para a contratação de serviço de telefonia móvel, na deliberação da Consulta n. 858.884. Diante do caráter BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 1607-23/11-P. Relator: min. Aroldo Cedraz. DOU, Brasília, 21 jun. 2011, Seção 1, p. 143; e ___________. Acórdão n. 1793-27/11-P. Relator: min. Valmir Campelo. DOU, Brasília, 11 jul. 2011, Seção 1, p. 164. 15 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 1793-27/11-P. Relator: min. Valmir Campelo. DOU, Brasília, 11 jul. 2011, Seção 1, p. 164. 16 Além do Ministério do Planejamento, gerenciador da Ata de Registro de Preços, participaram da licitação a Advocacia-Geral da União, a Agência Brasileira de Inteligência, a Escola Nacional de Administração Pública, o Serviço Florestal Brasileiro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, a Imprensa Nacional e diversos Ministérios. 17 Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/03/governo-economiza-mais-de-r-9-milhoes-em-pregao-de-telefoniamovel>. 14 110 normativo das consultas e da função pedagógica dos pareceres emitidos pelo Tribunal, determino o encaminhamento à consulente de cópia da Consulta n. 858.884, deliberada em 25/04/201218. Conclusão: pelas razões elencadas, respondo os presentes questionamentos nos seguintes termos: a) É possível a adesão, por prefeitura e/ou câmara municipal, a atas de registro de preços formuladas por outros órgãos governamentais, nos termos mencionados na fundamentação. b) É possível a realização de processo licitatório conjunto entre órgãos e/ou entidades governamentais, desde que sejam firmados contratos administrativos distintos por unidade orçamentária e que sejam observados os princípios da moralidade, da legalidade, da isonomia e da eficiência. 2014 Revista TCEMG jan.|fev.|mar. A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 20/11/2013, presidida pelo conselheiro Sebastião Helvecio. Votaram o conselheiro Wanderley Ávila, conselheiro Sebastião Helvecio, conselheiro Cláudio Terrão, conselheiro Mauri Torres, conselheiro José Alves Viana e conselheiro Gilberto Diniz. Foi aprovado, por unanimidade, o voto do relator, conselheiro José Alves Viana. PARECERES E DECISÕES É o parecer que submeto à apreciação de meus pares. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Consulta n. 858.884. Relatora: cons. Adriene Andrade. Sessão de 25 abr. 2012. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 30, n. 2, p. 156-160, abr./jun. 2012. Na oportunidade, o Plenário reiterou o posicionamento já existente pela admissibilidade de contratação de telefonia móvel para vereadores, desde que observadas as cautelas impostas pela Constituição da República e pela legislação infraconstitucional para a realização de despesa desta natureza. 18 111 CONSULTA N. 887.867 RELATOR: CONSELHEIRO GILBERTO DINIZ DICOM TCEMG Possibilidade de utilização de subvenções sociais oriundas do orçamento municipal para despesas trabalhistas EMENTA: CONSULTA — CONTROLADORA INTERNA — SUBVENÇÕES SOCIAIS — TRANSFERÊNCIAS CORRENTES — DESPESAS DE CUSTEIO DE ENTIDADES PRIVADAS — CARÁTER ASSISTENCIAL, MÉDICO, EDUCACIONAL E/OU CULTURAL — SEM FINALIDADE LUCRATIVA — PREVISÃO NA LDO OU LEI ESPECÍFICA — PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA — UTILIZAÇÃO PARA PAGAMENTO DE DESPESAS COM RESCISÃO DE CONTRATO E RECOLHIMENTO DE ENCARGOS SOCIAIS E TRABALHISTAS — EMPREGADOS QUE DESEMPENHAM ATIVIDADES FINALÍSTICAS — I. RECURSOS ORIUNDOS DO ORÇAMENTO MUNICIPAL — INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA — POSSIBILIDADE — II. RECURSOS ORIUNDOS DO FNAS — VEDAÇÃO A entidade beneficiada com subvenções sociais poderá utilizar os recursos repassados para a realização de despesas com rescisão de contrato e recolhimento de encargos sociais e trabalhistas dos empregados que desempenham atividades finalísticas, desde que não haja vedação expressa na lei autorizativa. RELATÓRIO Cuidam os autos da consulta subscrita por Eliane do Carmo de Matos Cruz, controladora interna e de transparência pública do município de Unaí, por meio da qual formula questionamento a esta Corte de Contas, nos seguintes termos: De acordo com as disposições do art. 12, §§ 2º e 3º, I, e art. 16 da Lei 4320 de 17 de março de 1964, as Subvenções Sociais são classificadas no grupamento denominado Transferências Correntes e destinam-se a atender as despesas de custeio de entidades privadas, sem finalidades lucrativas, de caráter assistencial, médica, educacional e/ou cultural. O Município de Unaí repassa Subvenção Social às entidades que se enquadrem em todos itens acima citados e estejam em pleno funcionamento e previamente relacionadas em lei específica; ocorre que algumas dessas entidades recebem também subvenção social com recursos oriundos do orçamento do Governo Federal que obrigatoriamente entram no caixa do Município e em seguida são repassados às entidades; No caso destes recursos do FNAS — Fundo Nacional de Assistência Social, existem orientações do Ministério do Desenvolvimento Social para que as entidades não os utilizem para o pagamento de despesas com rescisão de contrato nem recolhimento de encargos sociais e trabalhistas dos empregados da entidade, mesmo esses empregados desempenhando 112 somente as atividades finalísticas na entidade, dessa forma, esses recursos somente poderão ser utilizados para o pagamento dos salários e das outras despesas de custeio; No caso das Subvenções Sociais repassadas às entidades com os recursos oriundos do orçamento municipal existe algum impedimento para que essas entidades utilizem os recursos para o pagamento desse tipo de despesas, levando-se em consideração que esses encargos sociais e trabalhistas são oriundos da contratação dos empregados que desempenham somente atividades finalísticas na entidade? PRELIMINAR Depois de examinados os pressupostos de admissibilidade da consulta, ratifico o despacho a fls. 4-5, por entender que a autoridade consulente tem legitimidade para elaborá-la, em consonância com o inciso XI do art. 210 regimental, e, por se tratar de matéria de competência deste Tribunal, ficando preenchidos, portanto, os requisitos consignados no art. 212 da Resolução TC n. 12, de 2008 (RITCEMG). Assim, voto, em preliminar, pelo conhecimento da consulta, para responder, em tese, o questionamento formulado. MÉRITO No mérito, respondo, em tese, à indagação apresentada pela consulente relativa a eventual impedimento para que entidades beneficiadas com subvenções sociais oriundas do orçamento municipal utilizem os recursos recebidos para o pagamento de despesas referentes à rescisão de contrato, bem como aos encargos sociais e trabalhistas dos empregados da entidade que desempenham somente atividades finalísticas. Primeiramente, cabe lembrar que, de acordo com o art. 12 da Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, as subvenções sociais são classificadas no grupamento denominado transferências correntes e destinam-se a atender às despesas de custeio de entidades privadas, sem finalidades lucrativas, de caráter assistencial, médica, educacional e/ou cultural. Senão vejamos: Art. 12. [...] [...] § 2º Classificam-se como “Transferências Correntes” as dotações para despesas as quais não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manifestação de outras entidades de direito público ou privado. § 3º Consideram-se subvenções as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como: 113 2014 É o relatório, no essencial. jan.|fev.|mar. Em seguida, os autos foram encaminhados à Diretoria de Controle Externo dos Municípios, que manifestou sobre a matéria, a fls. 12-18. Revista TCEMG Consoante estudo acostado a fls. 6-9, ficou consignado que não foram identificadas deliberações alusivas ao questionamento suscitado pelo consulente, em seus exatos termos, tendo, entretanto, mencionado o Enunciado da Súmula n. 43 desta Corte e as orientações exaradas nas Consultas autuadas sob os n. 793.773, 716.238, 837.685, 811.842, 719.436 e 657.029. PARECERES E DECISÕES Em 24 de maio de 2012, recebi a consulta e encaminhei os autos à Assessoria de Súmula, Jurisprudência e Consultas Técnicas, para os fins consignados no inciso I do art. 213 do Regimento Interno (Resolução TC n. 12, de 2008), com redação dada pela Resolução TC n. 1, de 2011, em vigor desde 01/04/2011. CONSULTA N. 887.867 I — subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa; (grifo nosso) Segundo Heraldo da Costa Reis e J. Teixeira Machado Júnior: Pelo mecanismo da lei 4.320, conforme o disposto no § 3º do seu art. 12, ora em análise, as subvenções são sempre transferências correntes e destinam-se a cobrir despesas operacionais das entidades para as quais foram feitas as transferências. Veja-se bem, embora com o nome de subvenções sociais e econômicas, são elas transferências correntes, porque têm por objetivo atender a despesas de operações das beneficiadas. (MACHADO JUNIOR, José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 31. ed. Rio de Janeiro: Ibam, 2003. p. 50) De acordo com a orientação da Secretaria de Orçamento Federal, as despesas de custeio são aquelas com dotações orçamentárias já previstas ou aprovadas em créditos adicionais, tendo por intuito atender aos gastos administrativos, ou seja: despesas com pessoal, material de consumo, serviços de terceiros e encargos diversos. Com efeito, os arts. 16 e 17 da Lei n. 4.320, de 1964, assim estabelecem: Art. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras a concessão de subvenções sociais visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos, revelar-se mais econômica. Parágrafo único. O valor das subvenções, sempre que possível, será calculado com base em unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados obedecidos os padrões mínimos de eficiência previamente fixados. Art. 17. Somente à instituição cujas condições de funcionamento forem julgadas satisfatórias pelos órgãos oficiais de fiscalização serão concedidas subvenções. (grifo nosso) Conforme se depreende da análise dos dispositivos legais transcritos, as subvenções sociais visam à prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos for mais econômica para a Administração Pública. A propósito, essa questão ficou cristalizada, nesta Corte de Contas, com a edição do verbete da Súmula n. 43, publicada no DOC de 05/05/2011, que assim estabelece: “A concessão pelo Município de subvenção social — fundamentalmente para assistência social, médica e educacional — só se legitima quando houver disponibilidade de recursos orçamentários próprios ou decorrentes de crédito adicional e for determinada em lei específica.” Entretanto, Heraldo da Costa Reis e J. Teixeira Machado Júnior advertem: as subvenções não devem representar a regra, mas ser supletivas da ação da iniciativa privada em assuntos sociais. Isto significa que, se o ente governamental desejar e puder entrar neste campo de atividades, deverá fazê-lo diretamente por sua ação, reservando as subvenções, apenas, para suplementar e interessar a iniciativa dos particulares. (MACHADO JUNIOR, J. Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 31. ed. Rio de Janeiro: Ibam, 2003, p. 61) Ademais, com o advento da Lei Complementar n. 101, de 2000, a transferência de recursos para pessoas naturais ou jurídicas passou a ser regida não só pelo disposto na Lei n. 4.320, de 1964, mas também pelo previsto no art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que assim estipula: Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às 114 condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao comentar o mencionado artigo, esclarece: b) deverá atender as condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias (v. arts. 165, § 2º, da CF, e 4º da LRF); Aliás, esta Corte de Contas, na Consulta autuada sob o n. 837.685, firmou orientação de que a concessão de subvenções depende da existência de previsão na lei de diretrizes orçamentárias, em lei específica, bem como de prévia dotação orçamentária, conforme se verifica do trecho do parecer da lavra da conselheira Adriene Andrade, aprovado na Sessão do Tribunal Pleno do dia 12/09/2012, in verbis: jan.|fev.|mar. A concessão desse apoio configura uma suplementação de recursos públicos para o estímulo de iniciativas privadas no campo social e educacional/cultural, de acordo com o disposto no art. 16 da Lei n. 4.320/64 e no item 43, código 3.3.30.43.00, do Manual de Despesa Nacional emitido pela Portaria Conjunta n. 03/2008 da Secretaria do Tesouro Nacional e da Secretaria do Orçamento Federal. Revista TCEMG c) deverá estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais; não basta, portanto, a autorização em lei específica, já que a destinação de recursos públicos ao setor privado tem de atender à exigência de previsão no orçamento ou em crédito adicional. (MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Orgs.). Comentários à lei de responsabilidade fiscal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 189-190) 2014 a) deverá ser autorizada em lei específica, ou seja, em lei que aprove, em cada caso, a destinação de recursos as pessoas beneficiadas; o dispositivo impede que o legislador dê uma autorização genérica ou um cheque em branco ao poder Executivo para fazer a destinação a seu exclusivo critério; a norma afeiçoa-se à regra do art. 167, VIII, da Constituição, que veda “a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5º”; entende-se, nesse caso, que a lei específica da mesma esfera de governo a que se refere o orçamento; fora dessa hipótese, a exigência de lei específica não tem fundamento constitucional; PARECERES E DECISÕES O dispositivo estabelece, no caput, os requisitos para que recursos públicos sejam destinados, direta ou indiretamente, para cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas: [...] De acordo com o enunciado da Súmula n. 43 desta Casa, é válida a concessão de subvenção social pelo Poder Público a entidades privadas sem fins lucrativos, desde que suas atividades estejam relacionadas à assistência social, à cultura e à educação. Para tanto, é preciso que tal despesa se enquadre nos requisitos determinados no art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja: ter sido autorizada por lei específica, atendidas as condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e prevista no orçamento, com dotação na lei orçamentária anual ou em seus créditos adicionais. Como já explicitado, o art. 13 da Lei n. 4.320, de 1964, estabelece que entre as despesas correntes estão as de custeio, ou seja, aquelas relativas a pessoal, civil e militar, material de consumo, serviços de terceiros e encargos diversos, sem nenhuma restrição. A Portaria Interministerial n. 507, de 24/11/2011, que regula os convênios, os contratos de repasse e os termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da 115 CONSULTA N. 887.867 Seguridade Social da União, em seu art. 52 estabelece: Art. 52. O convênio deverá ser executado em estrita observância às cláusulas avençadas e às normas pertinentes, inclusive esta Portaria, sendo vedado: [...] II — pagar, a qualquer título, servidor ou empregado público, integrante de quadro de pessoal de órgão ou entidade pública da administração direta ou indireta, por serviços de consultoria ou assistência técnica, salvo nas hipóteses previstas em leis específicas e na Lei de Diretrizes Orçamentárias; (grifo nosso) A Controladoria-Geral da União editou manual para os agentes municipais sobre a gestão de recursos federais, com o objetivo de orientar os agentes municipais no tocante aos procedimentos necessários para obtenção, aplicação e controle de recursos públicos federais, no qual consta a seguinte explanação sobre os recursos recebidos do Fundo Nacional de Assistência Social (<http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/ ManualGestaoRecursosFederais/Arquivos/CartilhaGestaoRecursosFederais.pdf>. p. 49. Acesso em: 29 jul. 2013), in verbis: 8) Em que podem ser utilizados os recursos do programa? Basicamente em despesas correntes, tais como: aquisição de materiais de consumo (didático, esportivo, alimentação, limpeza, higiene, vestuário, etc.), pagamentos eventuais de serviços de terceiros, como pequenos reparos nas instalações físicas (pintura, reboco, rede elétrica e hidráulica, piso, etc.), dentre outros. Orienta-se, também, que os recursos não devem ser utilizados em aluguel de imóvel, pagamento de salários a funcionários públicos, recolhimento de encargos sociais, rescisão de contrato de trabalho, vale-transporte e refeição, passagens e diárias, aquisição de bens e material permanente, construção ou ampliação de imóveis. (grifo nosso) Assim, no âmbito do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), há vedação de que as subvenções sociais repassadas às entidades pela União sejam utilizadas para pagamento de despesas com rescisão de contrato e recolhimento de encargos sociais e trabalhistas dos empregados das entidades subvencionadas que desempenham atividades finalísticas. Esta Corte de Contas, ao responder a Consulta autuada sob o n. 716.238, firmou entendimento de que os entes estatais não podem efetuar pagamento direto aos empregados de entidade subvencionada, o que foi reiterado na Consulta n. 793.773, conforme parecer da lavra do conselheiro Eduardo Carone Costa, aprovado na sessão do Tribunal Pleno do dia 19/08/2009, in verbis: Com efeito, os empregados dessas entidades não se enquadram como servidores públicos conforme definição do art. 18 da LC 101/2000 e não integram o quadro de servidores municipais; as subvenções são classificadas como Transferências Correntes, a teor do 2º do art. 12 da Lei n. 4.320/64. Portanto, não há que se computar tais repasses como Despesas de Pessoal, tampouco como Outras Despesas de Pessoal, por não ser o caso de terceirização de mão-de-obra. Ademais, vale ressaltar a vedação aos municípios e demais órgãos e entes estatais de efetuarem o pagamento direto dos empregados de entidade subvencionada, ‘sob pena de se ver configurada verdadeira burla ao princípio constitucional do concurso público’ e caracterizada relação empregatícia, como alertado pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada, na resposta à citada Consulta n. 716.238. No questionamento apresentado não há referência para o pagamento a servidor ou empregado público, integrante de quadro de pessoal de órgão ou entidade pública da administração direta ou indireta, mas, sim, 116 de despesas com rescisão de contrato e recolhimento de encargos sociais e trabalhistas dos empregados das entidades subvencionadas. Revista TCEMG A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 30/10/2013, presidida pela conselheira Adriene Andrade. Votaram a conselheira Adriene Andrade, conselheiro substituto Hamilton Coelho, conselheiro Mauri Torres, conselheiro José Alves Viana e conselheiro Gilberto Diniz. Foi aprovado, por unanimidade, o voto do relator, conselheiro Gilberto Diniz. 2014 Cumpram-se as disposições regimentais aplicáveis à espécie, notadamente as providências contempladas no inciso II do § 2º do art. 213 do Regimento Interno do Tribunal de Contas de Minas Gerais, acrescido pela Resolução n. 01, de 2011. jan.|fev.|mar. Conclusão: ante todo o exposto e respondendo objetivamente à indagação da consulente, concluo que a entidade beneficiada com subvenções sociais pode utilizar os recursos repassados para a realização de despesas com rescisão de contrato e recolhimento de encargos sociais e trabalhistas dos empregados que desempenham atividades finalísticas, desde que, na lei autorizativa da concessão da subvenção, não haja vedação expressa nesse sentido. PARECERES E DECISÕES Dessa forma, não havendo expressamente, na norma geral regulamentadora da matéria, nenhum impedimento à utilização de recursos oriundos de subvenções sociais repassadas pelos municípios para o pagamento de despesas com rescisão de contrato e recolhimento de encargos sociais e trabalhistas dos empregados das entidades subvencionadas que desempenham atividades finalísticas, tem-se que somente a legislação municipal específica pode impor tal limitação. 117 PRESTAÇÃO DE CONTAS MUNICIPAL N. 679.550 RELATOR: CONSELHEIRO SUBSTITUTO LICURGO MOURÃO DICOM TCEMG O princípio da verdade material e o controle de contas EMENTA: PRESTAÇÃO DE CONTAS MUNICIPAL — I. PRELIMINAR — AMPLIA COMPETÊNCIA INVESTIGATIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS — PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA VERDADE MATERIAL E FORMALISMO MODERADO — AFASTADA PRECLUSÃO CONSUMATIVA — II. MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO — CÔMPUTO NOS 25% — GASTOS COM ALIMENTAÇÃO E TRANPORTE — RELAÇÃO COM AÇÕES NECESSÁRIAS À CONSECUÇÃO DOS OBJETIVOS DAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS — ATENDIMENTO AO PERCENTUAL MÍNIMO — PROPOSTA DE VOTO — APROVAÇÃO DAS CONTAS 1. O princípio da verdade material se sobrepõe a interpretações restritivas e formalistas nos procedimentos junto aos tribunais de contas, a fim de prestigiar a ampla competência investigativa no controle de contas. 2. Admitem-se, como manutenção e desenvolvimento do ensino, despesas realizadas para a consecução dos objetivos básicos da educação, como gastos com transporte e alimentação, devendo, portanto, integrar o cômputo do índice constitucional. RELATÓRIO Versam os presentes autos sobre a prestação de contas da Prefeitura Municipal de Uberaba, referente ao exercício de 2002, sob a responsabilidade do Sr. Marcos Montes Cordeiro. A unidade técnica apontou, em sua análise inicial, a fls. 23, irregularidades quanto à aplicação do percentual mínimo exigido no ensino, em desacordo com o disposto no art. 212 da Constituição da República/88. Apontou ainda, a fls. 13-26, irregularidades diversas, sintetizadas a fls. 26, que, contudo, não fazem parte do escopo dos itens considerados para a emissão de parecer prévio, conforme determinações desta Casa. O responsável foi regularmente citado, em 29/11/2005 (AR, fls. 62) e apresentou sua defesa, em 30/01/2006, conforme documentação anexada a fls. 68-74, analisada pela unidade técnica, a fls. 78-80. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, a fls. 84-86, em parecer da lavra da procuradora Cristina Andrade Melo, opinou pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas municipais. Em 09/07/2012, o defendente apresentou justificativas complementares, relativas à divergência na aplicação do limite constitucional do ensino, as quais foram juntadas a fls. 89-108, conforme determinação do relator, a fls. 87. 118 • abertura de créditos suplementares e especiais sem cobertura legal e sem recursos disponíveis (arts. 42-43 da Lei n. 4.320/64); • empenho de despesas sem créditos disponíveis (art. 59 da Lei n. 4.320/64), uma vez que foram autorizados créditos no total de R$265.316.018,28, e empenhadas despesas no montante de R$187.282.471,61; • repasse de recursos ao Poder Legislativo (art. 29-A, I, da CR/88), pois foi repassado o percentual de 6,74% da receita base de cálculo, dentro do limite constitucional; • aplicação do índice constitucional relativo à saúde (art. 77, III, do ADCT), que correspondeu ao percentual de 29,88%; • despesas com pessoal (arts. 19 e 20 da Lei Complementar n. 101/00), pois o município e os Poderes Executivo e Legislativo aplicaram, respectivamente, os percentuais de 45,26%, 42,49% e de 2,77% da receita base de cálculo. É o relatório. PRELIMINAR O Ministério Público junto ao Tribunal arguiu, em preliminar, o desentranhamento de documentos que teriam sido acostados extemporaneamente aos autos, alegando a impossibilidade regimental de prorrogação de prazo para apresentação de defesa e a suposta existência de preclusão consumativa, segundo a qual não seria permitido às partes a realização de ato processual já praticado anteriormente, independentemente da qualidade do primeiro ato e do êxito obtido com este. Contudo, tal alegação não deve prosperar. Em primeiro lugar, deve-se ter, na devida conta, que não se trata, no caso, de processo judicial, mas de procedimento administrativo de controle de contas. Assim, não há relação processual entre partes, a que se deve assegurar isonomia e a consequente paridade de participação processual, que fundamentaria tal preclusão, independentemente de a nova manifestação de uma das partes trazer aos autos elementos para a obtenção da verdade real. 119 2014 De acordo com o estudo da unidade técnica, a fls. 13-26, e reexame a fls. 78-80 e 136-145, não constam irregularidades nos presentes autos quanto aos seguintes itens: jan.|fev.|mar. Conforme pesquisa realizada no SGAP, em 21/03/2013, não foram localizados processos de inspeção no município, referentes ao exercício ora em exame, cujo escopo tenha sido a verificação dos limites constitucionais relativos à aplicação de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos da saúde. Revista TCEMG Foram os autos, novamente, encaminhados ao Ministério Público junto ao Tribunal, o qual manteve o parecer anterior, opinando, a fls. 148-156v pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas. Requereu preliminarmente o desentranhamento dos documentos a fls. 89-145, uma vez que ocorreu a preclusão e que não apresentaram nenhum fato novo e superveniente, e o envio do processo à unidade competente para inclusão em pauta, logo depois de elaborados o relatório e a proposta de voto pelo auditor relator, em observância ao disposto no art. 153 do Regimento Interno, considerando que já se manifestou conclusivamente, conforme parecer a fls. 84-86. PARECERES E DECISÕES Dessa forma, foram os autos reenviados à unidade técnica, conforme despacho a fls. 110-111, a qual, após as considerações efetuadas a fls. 136-145, retificou o estudo inicial quanto à aplicação do percentual mínimo exigido no ensino, conforme o disposto no art. 212 da Constituição da República/88, concluindo pela aprovação das contas. PRESTAÇÃO DE CONTAS MUNICIPAL N. 679.550 No caso em tela, o Tribunal, por seus diversos órgãos, apura, analisa, controla e decide acerca da regularidade das contas prestadas. Cabe ao responsável pelas contas apresentar os documentos que comprovem sua regularidade — nos prazos regimentais, é certo —, mas incumbe ao Tribunal decidir tendo em vista a verdade material das contas prestadas. Não se trata, neste procedimento, de decidir sobre fatos alegados por uma parte e impugnados por outra, mas sobre fatos cuja veracidade incumbe à Corte de Contas apurar. Por consequência, tanto do ponto de vista formal — a natureza do procedimento — quanto do ponto de vista material — o controle das contas públicas —, a atividade de análise e decisão sobre as contas prestadas pelo chefe do Poder Executivo não deve submeter-se à rigidez paritária do processo judicial — com a consequente aplicação, nesse caso, da preclusão consumativa; deve-se, por outro lado, sujeitar à natureza do procedimento administrativo de controle de contas, vinculado ao princípio da verdade material, o que, mais que autorizar, impõe a análise de dados que possam alterar o juízo sobre as contas prestadas. O princípio da verdade material leva a que se busque o que realmente é verdadeiro, “com prescindência do que os interessados hajam alegado ou provado”1. Nesse sentido, se tal princípio impõe “o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações e documentos a respeito da matéria tratada”2, não faria sentido rejeitá-los quando encaminhados pelo interessado, como o caso dos autos. Vai ao encontro desse entendimento a disposição expressa no art. 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas: “No âmbito do Tribunal, além dos princípios gerais que regem o processo civil e administrativo, deverão ser observados os princípios da oficialidade e da verdade material”. Trata-se, neste caso, de decisão pela aprovação ou rejeição das contas pelo que de fato houve, e não apenas pelo que se alegou que houve. A verdade material indica a amplitude da competência investigativa do Tribunal de Contas, seja para apurar irregularidade, seja para constatar regularidade de contas. Tal princípio, próprio dos procedimentos administrativos, se aproxima do que a doutrina alemã chama de princípio da investigação: O princípio da investigação tem importância decisiva, uma vez que da averiguação regular e acertada dos fatos relevantes para a decisão depende a juridicidade da decisão a ser promulgada. A autoridade determina tipo e extensão da averiguação, em especial, também se e quais os meios de prova devem ser empregados. Os participantes podem, sem dúvida, apresentar solicitações de prova. Mas a autoridade não está nisso vinculada; ela pode tanto recusar as solicitações de prova dos participantes como invocar outros meios de prova3. Se tal capacidade investigativa, em função da busca da verdade material, possibilita à autoridade pública valer-se de meios não invocados pelo interessado, com muito mais razão deve permitir a recepção de documentos que indicam a regularidade das contas a serem analisadas, sem o que o Tribunal, para além de desprezar a verdade dos fatos em sua decisão, poderia gerar relevantes repercussões jurídicas e políticas ao responsável por contas regulares, caso a decisão se atenha à formalidade típica dos processos realizados em contraditório entre partes, o que, já se mencionou, não é o caso dos autos. Assim, o princípio da verdade material impõe o afastamento de interpretação restritiva e formalista dos arts. 187-188 do Regimento Interno, para prestigiar os valores do formalismo moderado e da ampla competência investigativa nos procedimentos de controle de contas. Aponta também, nesse contexto, o entendimento do TCU, no sentido da sujeição dos procedimentos junto aos tribunais de contas ao princípio da verdade material: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 17. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 463. MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 131. 3 MAURER, Hartmut. Direito administrativo geral. 14. ed. Tradução de Luís Afonso Heck. Barueri: Manole, 2006. p. 546. 1 2 120 Verifico, no entanto, o descumprimento de um requisito genérico: o prazo decendial para a oposição dos embargos. Considero, porém, ante a relevância do assunto tratado nestes autos, por referir-se a matéria orçamentária de interesse das três Forças Armadas, bem como a frágil situação pela qual se encontram as tropas nacionais, que a matéria deve, excepcionalmente, ser conhecida. Acrescente-se que o conhecimento intempestivo de recursos encontra precedentes nesta Casa (Acórdão 30/2005 — Plenário, Acórdão 370/2004 — Plenário e Acórdão 1834/2003 — Plenário) e fundamenta-se na busca da verdade material e no princípio do formalismo moderado (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Segunda Câmara. Acórdão n. 920/2006. Relator: ministro-substituto Lincoln Magalhães da Rocha. Sessão de 18 abr. 2006). (grifo nosso) ‘1. É possível, em caráter excepcional, relevar a ausência de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade contidos no art. 35 da Lei 8.443/92, com fundamento no princípio do [formalismo moderado] e da verdade material, sobretudo se detectado rigor excessivo no julgamento pela irregularidade das contas.’ (Acórdão n. 324/2007-Plenário, TC-575.582/19960, Ata 9) jan.|fev.|mar. ‘2. É possível, em caráter excepcional, relevar a intempestividade na interposição de recurso, com fundamento nos princípios do formalismo moderado e da verdade material, a fim de afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa.’ (Acórdão n. 1564/2006-Plenário, TC020.747/2005-3, Ata 35; Acórdão n. 2188/2006-1.ª Câmara, TC-002.339/2002-7, Ata 28) Revista TCEMG ‘1. Com base nos princípios da verdade material e do formalismo moderado, é possível, em caráter excepcional, conhecer de Recurso Revisão quando ausentes os requisitos do art. 35 da Lei n. 8.443/92.’ (Acórdão n. 37/2007-Plenário, TC-015.141/1999-3, Ata 4). 2014 Com tanto mais razão, o processo de controle externo possui, considerados os princípios do formalismo moderado e da verdade material, mecanismos mais flexíveis de ponderação de formalidades e valoração de fatos, facilitados até mesmo pela ausência de impedimento de iniciativa própria do Tribunal em aduzir provas e outros elementos de convicção para decidir sobre a matéria. Aqui nos remetemos especificamente aos balizamentos adotados em julgados em que o TCU assentiu, excepcionalmente, em relevar o atendimento de requisitos de admissibilidade de recursos, pedidos de reexame e embargos de declaração interpostos a suas decisões, por reconhecer a materialidade ou gravidade dos fatos ou em razão da potencialidade de incidir prejuízos ao interesse de agentes jurisdicionados por excesso ou rigor das formas, a exemplo das seguintes ementas de decisões: PARECERES E DECISÕES *** ‘1. É possível, em caráter excepcional, relevar a ausência de um dos pressupostos de admissibilidade para conhecimento de embargos de declaração, no caso a tempestividade, com fundamento nos princípios da verdade material e do formalismo moderado, para corrigir evidente omissão’ (Acórdão n. 1838/2008-1.ª Câmara, TC-018.643/2003-5, Ata 19) 9. Nesse contexto de excepcionalidade em admitir recursos e outras formas de defesa de interesse dos jurisdicionados, é de se ressaltar que inexiste hierarquia nas modalidades recursais entre si e, também, entre os requisitos de admissibilidade. Não há de se falar, portanto, especificamente no caso de recursos de revisão, em prestigiar o atendimento ao aspecto temporal ou às exigências previstas no art. 35 da Lei nº 8.443/92 quanto ao erro de cálculo nas contas, à falsidade ou insuficiência de documentos e à superveniência de documentos novos com eficácia sobre a prova produzida. Noutras palavras, releva-se a ausência de qualquer um dos pressupostos de admissibilidade em virtude da incidência de circunstâncias excepcionais que autorizam a medida, segundo o livre e motivado convencimento do julgador (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão n. 1253-18/11. Relator: ministro José Múcio Monteiro. Sessão de 18 maio 2011). (grifo nosso) A recepção dos novos documentos juntados pelo responsável pelas contas levaram a unidade técnica, em novo exame dos dados, a concluir que ficou evidenciada a aplicação do percentual de 25,30% de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino, opinando pela aprovação das contas. Caso se tratasse o presente 121 PRESTAÇÃO DE CONTAS MUNICIPAL N. 679.550 procedimento como similar a um processo judicial, o órgão julgador provavelmente decidiria pela rejeição das contas, mesmo tendo ciência de que os dados reais das contas prestadas impõem sua aprovação, trazendo consequências graves ao responsável. O formalismo estrito, para além de indicar impropriedade jurídica no tratamento do procedimento de controle de contas, não contribui para a efetividade da atuação desta Corte de Contas e pode induzir a erro os cidadãos que se deparam com uma rejeição de contas materialmente regulares. Pelo exposto, afasto a preliminar de preclusão consumativa, mantendo a documentação juntada aos autos em 09/07/2012, devido à sua relevância. CONSELHEIRO PRESIDENTE CLÁUDIO TERRÃO: Neste caso, eu vou ficar vencido. Entendo que este é um ato ordinatório de competência restrita do relator. E ainda que se entendesse ser essa uma decisão interlocutória, poderia naturalmente ser abordada na sentença ou no acórdão. NA PRELIMINAR, ACOLHIDA A PROPOSTA DE VOTO DO RELATOR, VENCIDO O CONSELHEIRO PRESIDENTE. MÉRITO Superada a preliminar e com base nas normas gerais de auditoria pública da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), bem como nas normas brasileiras de contabilidade, otimizouse a análise das prestações de contas municipais por meio da seletividade e da racionalidade das matérias relevantes e de maior materialidade. Sendo assim, no mérito, passa-se à exposição dos fundamentos do posicionamento adotado. 1 Execução Orçamentária A Lei Orçamentária n. 8.110, de 27/12/2002, estimou a receita e fixou a despesa no valor de R$195.250.343,00 e, em seu art. 4°, autorizou a abertura de créditos adicionais suplementares no percentual de 65%, equivalente a R$126.912.722,95, conforme fls. 14. É importante ressaltar ser possível a alteração do orçamento, por meio da abertura de créditos suplementares e pela realização de realocações orçamentárias, porém essa alteração orçamentária deve ser realizada evitando-se o excesso de autorizações que podem desfigurar a previsão aprovada pelo Legislativo e denotar a ausência de planejamento na realização de gastos públicos. De acordo com os cânones da gestão fiscal responsável, deve-se ter como premissa a vigência da Lei Complementar n. 101/00, que assim determina para todos os entes federados, in verbis: Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, [...] § 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e se corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, [...] (grifo nosso) Conforme os ensinamentos de José de Ribamar Caldas Furtado4, o planejamento das ações governamentais é imprescindível, in verbis: FURTADO, José de Ribamar. Caldas. Elementos de direito financeiro. 2. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 4 122 Com efeito, o planejamento é uma atividade constante, ininterrupta, perene, que fundamenta, precede e acompanha a elaboração orçamentária e deve estar sempre presente em todas as esferas de governo e em todos os entes da Federação. [...] A propósito, diz Joaquim Castro Aguiar, ‘já não se tolera mais, na Administração Pública, a improvisação. A atividade administrativa não pode prescindir do planejamento, seja porque há necessidade de administração dos seus gastos, seja para a programação de obras e serviços. Sem planejamento, a administração dificilmente adotará decisões e programas apropriados à satisfação de suas finalidades’. A fls. 78-80, a unidade técnica manteve a irregularidade apontada inicialmente, uma vez que o defendente não se manifestou sobre tal irregularidade, como também não trouxe aos autos documentos que alterassem o estudo inicial. Entretanto, em 09/07/2012, o defendente apresentou nova manifestação neste processo, com informações complementares referentes à irregularidade apontada, a qual foi juntada a fls. 89-108, em respeito aos princípios do formalismo moderado e da verdade material. Segundo o defendente, o índice aplicado no ensino, informado no Siace/PCA/2002, foi de 25,30%, em observância ao comando constitucional aplicável à espécie e seguindo as prescrições legais e orientações técnicas das Secretarias da Fazenda, da Educação e do Controle Interno. Argumentou que eventual glosa de despesas que reduza o índice originário é situação que “imprescinde de exames técnicos ou, quiçá jurídicos mais aprofundados, pois trata-se de peculiaridade que, à luz de contextualização, encarta naquele aparato plausível de gastos com a manutenção de ensino, em sua feição macro, inexoravelmente”. Sendo assim, solicitou novo reexame a fim de verificar se o percentual informado está literalmente adequado à norma de regência e, caso houvesse outra compreensão, que fosse admitida a compensação de eventual defasagem de índice com aqueles aplicados nos exercícios subsequentes de 2003 e 2004, consoante a permissividade legal contida no § 4º da Lei Federal n. 7.348/85. No reexame a fls. 136-145, a unidade técnica concluiu que a aplicação de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino pelo Executivo atingiu, no período mencionado, o percentual de 25,30% da receita base de cálculo, em atendimento ao mínimo de 25% exigido pelo art. 212, caput, da Constituição da República de 1988. A alegação da defesa quanto à compensação nos exercícios subsequentes, quais sejam, 2003 e 2004, de percentuais de aplicação de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino eventualmente não 123 2014 A unidade técnica informou, a fls. 23, 27 e 28, que o município não aplicou no ensino o percentual mínimo exigido pela Constituição da República, em seu art. 212, tendo sido apurado o percentual de 23,33% da receita base de cálculo. Informou, ainda, em suas considerações, que foram excluídos das subfunções 122 e 361 os programas 0182, 0183 e 0284, referentes a benefícios a servidores, assim como limitou a subfunção 361, programa 0187, apresentado nos Anexos II e III, ao total consignado no comparativo da despesa. jan.|fev.|mar. 2 Manutenção e desenvolvimento do ensino Revista TCEMG Dessa forma, recomendo à administração municipal que, ao elaborar a LOA, um dos instrumentos essenciais de planejamento, faça-o o mais próximo da realidade de sua municipalidade com o intuito de evitar percentuais elevados de suplementação orçamentária. PARECERES E DECISÕES Assim, para se fugir da concentração em problemas imediatos, da ineficiência e desperdício dos processos produtivos e da inexistência de ações efetivas de governo, o planejamento surge como o propulsor dos ajustes necessários para se superar a constante escassez de recursos, enfrentar desafios e atender às demandas e às aspirações da sociedade. (grifo nosso) PRESTAÇÃO DE CONTAS MUNICIPAL N. 679.550 cumprido no exercício financeiro em exame — 2002 —, com base no § 4º da Lei Federal n. 7.348/85, é inapropriada, tendo em vista que a referida norma legal não foi recepcionada pela atual Constituição da República. Além disso, a instrução normativa emitida por este Tribunal à época (IN TC n. 02/97), em cumprimento ao art. 212 da CR/88 e art. 201 da Constituição Estadual, vedava, expressamente, a compensação, em exercício seguinte, de percentuais não aplicados no ensino em cada exercício. Conforme observou a unidade técnica, ainda que fosse possível compensar em exercícios seguintes o percentual não aplicado em 2002 (1,67%), vê-se que os percentuais apurados nos exercícios de 2003 e 2004 não cobririam tal diferença, pois corresponderam, respectivamente, aos percentuais de 25,61% e 25,37%. Noutro viés, conforme os Anexos I e II do Siace/PCA/2002, a fls. 112 e 113, observa-se que a Prefeitura Municipal de Uberaba informou ter aplicado no ensino o valor de R$24.893.983,08, o que representou 25,30% do total das receitas resultantes de impostos e transferências, equivalente a R$98.389.094,42, em cumprimento ao dispositivo constitucional. Quando da análise inicial, a unidade técnica apurou o valor das despesas aplicadas de R$22.953.920,51, conforme fls. 23, 27 e 28, em razão de ter sido decotado do total apresentado os seguintes programas e respectivos valores: 0182 — Auxílio Transporte, R$312.767,49; 0183 — Benefício Alimentação, R$1.589.666,92; 0284 — Fornecimento de Vale Alimentação, R$52.433,16. Para o programa 0187— Melhoria da Qualidade de Ensino, o órgão técnico limitou o valor ao montante consignado no Comparativo da Despesa Autorizada com a Despesa Realizada, ou seja, do valor informado no Anexo II, R$823.657,72, foi excluído o valor de R$96.863,40. Também foi alterada a contribuição para o Fundef, de R$10.379.696,65 para R$10.476.560,05, em conformidade com o valor apresentado no Comparativo da Despesa Autorizada com a Realizada, constante do Siace/PCA/2002, ou seja, acresceu R$96.863,40 ao valor informado. Dessa forma, no relatório do órgão técnico, a fls. 142, o valor correto apurado, após as exclusões, seria de R$22.939.115,51, e não R$22.953.920,51, informado no estudo técnico inicial, valor equivalente a 23,31% da receita base de cálculo (R$98.389.094,42) e não 23,33%. A unidade técnica concluiu, ainda, que as glosas efetuadas, referentes a gastos com auxílio-transporte; auxílio/ benefício/alimentação e vale-alimentação, os quais totalizaram R$1.954.867,57, devem ser desconsideradas, com o consequente retorno dos valores correspondentes ao percentual inicialmente informado a esta Casa pelo município, fls. a 142-143. A conclusão da unidade técnica funda-se no entendimento firmado na Consulta n. 753.449, de 23/03/2012, formulada pelo ex-prefeito municipal de Patos de Minas, da relatoria do conselheiro Sebastião Helvecio, tendo os membros deste Tribunal, de forma unânime, acordado que, in verbis: No mais recente parecer emitido pela 2ª Câmara deste Tribunal, no Processo de Prestação de Contas Municipal n. 781887, de relatoria do eminente Auditor Hamilton Coelho, em 05/08/2010, citado no parecer técnico que instruiu esta consulta, elucidou-se que: [...] a importância [...], destinada ao pagamento de auxílio-alimentação para os professores da rede pública municipal, contratados pelo regime da CLT, deve ser computada nos gastos com a manutenção e desenvolvimento do ensino, forte nas disposições do art. 70, l, da Lei n. 9.394/96, o que eleva o respectivo Índice de 26,28% (R$43.420.925,02) para 27,18% (R$44.901.892,93). (grifo nosso). [...] 124 [...] as despesas com auxílio-alimentação fornecida aos servidores integrantes da Secretaria Municipal da Educação, respondo que, na hipótese de se submeterem os profissionais de magistério de educação básica em efetivo exercício na rede pública ao regime estatutário, as despesas com auxílio-alimentação podem ser custeadas, tão somente, com a parcela dos 40% dos recursos do Fundeb, desde que tais despesas estejam, para tanto, associadas à realização de atividades ou ações necessárias à consecução dos objetivos das instituições educacionais, contemplando a educação básica pública. A seu turno, a Lei Federal n. 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Base da Educação Nacional — LDB) assim define as despesas a serem consideradas para apuração do índice de aplicação no ensino, em seus arts. 70-71, verbis: Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a: I — remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; [...] IV — levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino; [...] VIII — aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar. Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: [...] IV — programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social; [...]. (grifo nosso) Verifica-se, portanto, que a Lei n. 9.394/96 considera como despesas com manutenção do ensino as que foram realizadas com a remuneração e aperfeiçoamento dos profissionais do magistério. Já o caput do art. 125 2014 Sim, desde que estas despesas sejam associadas à realização de atividades ou ações necessárias à consecução dos objetivos das instituições educacionais, contemplando a educação básica pública. A título de exemplo podemos mencionar o deslocamento de um servidor, para participação de reunião ou encontro de trabalho em outra localidade, para tratar de assuntos de interesse direto e específico da educação básica pública, do respectivo Estado ou Município, observando-se os respectivos âmbitos de atuação prioritária desses entes federados, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição. Da mesma forma deve-se considerar o vale-transporte e o vale-alimentação, ressaltando-se que essas despesas devem ser custeadas apenas com a parcela dos 40% dos recursos do Fundo. [...]. (grifo nosso) jan.|fev.|mar. 5.15. Despesas com pagamento de passagens, diárias e/ou alimentação podem ser custeadas com recursos do Fundeb? Revista TCEMG Sobre o fornecimento de auxílio ou vale-transporte, manifestei-me na referida consulta, em parecer meritório, que as despesas que podem ser consideradas como remuneração do magistério, para efeito de utilização dos 60% do Fundeb, se encontram descritas na sessão de perguntas e respostas no sítio eletrônico do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação (MEC), conforme transcrito a seguir, verbis: PARECERES E DECISÕES Lado outro, na hipótese do ente federativo adotar o regime celetista, o pagamento de auxílio-alimentação a tais profissionais, em razão de seu caráter remuneratório, pode ser custeado com a parcela dos 60% do Fundeb. (grifo nosso) PRESTAÇÃO DE CONTAS MUNICIPAL N. 679.550 70 possibilita a inserção de outras naturezas de despesas na manutenção e desenvolvimento do ensino além das relacionadas em seus incisos, que não é um rol exaustivo, desde que sejam realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos da educação. Assim, em princípio, tenho que é possível a inclusão do auxílio-alimentação e do vale-transporte nas despesas realizadas com ensino, desde que esses gastos estejam associados à realização de atividades ou ações necessárias à consecução dos objetivos das instituições educacionais, voltadas à educação básica pública. Quanto ao vale-transporte, vale citar ainda a conclusão da Consulta n. 716.243, Sessão do dia 04/02/2008, da relatoria do conselheiro Wanderley Ávila, em resposta à Secretária de Educação do Município de Juatuba, Sra. Maria Regina Braz Pinheiro: [...] Resulta do exposto, em síntese, que as despesas com programas de manutenção de transporte escolar dos profissionais do magistério da educação básica - creche, pré-escola e ensino fundamental, poderão ser custeadas pelos municípios com os 40% (quarenta por cento) dos recursos do FUNDEB. O programa deverá contemplar, prioritariamente, os alunos da rede de ensino básico do município e dependerá de lei específica, previsão na LDO e inclusão na Lei Orçamentária, em observância ao disposto no inciso I do art. 167 e § 2º do art. 165 da Constituição da República, bem como às normas estatuídas pela LC 101/2000, especialmente os arts. 16 e 17, que tratam da geração de despesas. (grifo nosso) Em retorno do pedido de vista dessa consulta, na Sessão do dia 10/12/2008, o conselheiro Antônio Carlos Andrada enfatizou a necessidade de verificação das peculiaridades de cada caso concreto, vejamos: [...] É preciso que esta Corte, ao fiscalizar a aplicação dos recursos do FUNDEB, verifique as peculiaridades do caso concreto, pondere quanto às circunstâncias fáticas que levaram a Administração a decidir financiar o transporte docente. O que não se pode admitir é que uma interpretação demasiado fechada da legislação do FUNDEB resulte em desestímulo à manutenção de escolas localizadas em áreas rurais ou áreas de difícil acesso, as quais têm imensa relevância na melhoria da educação básica nos municípios mineiros, especialmente em relação à parcela mais pobre da população. (grifo nosso) Sendo assim, considerando que o rol estabelecido no art. 70 da LDB não é exaustivo e admite, como manutenção e desenvolvimento do ensino, despesas realizadas para a consecução dos objetivos básicos da educação, as despesas glosadas pela unidade técnica, em seu exame inicial, devem integrar o cômputo do índice constitucional. Isso porque a alimentação e o transporte dos profissionais do magistério se mostram tão importantes quanto a dos discentes, o que os tornam necessários para a excelência do serviço prestado na educação, frise-se, quando realizadas a fim de que sejam alcançados os objetivos básicos da educação preconizados pelo constituinte. É importante destacar, ainda, que na Sessão Plenária ocorrida em 18/09/2013, esta Corte emitiu parecer na Consulta n. 888.189, formulada por Fúlvio Piccinini Albertoni, secretário da Fazenda do Município de Juiz de Fora, quanto ao cômputo das despesas com vales-transportes dos professores nos gastos com a manutenção e o desenvolvimento do ensino, na forma do art. 212 da Constituição de 1988, nos seguintes termos, verbis: A despesa com vales-transportes dos professores, inclusive daqueles que exercem funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico dentro do ambiente escolar, pode ser incluída na apuração do percentual de recursos aplicados pelos municípios na manutenção e desenvolvimento do ensino. 126 Por todo o exposto, no caso concreto, do exame dos autos e acorde com a unidade técnica, verifica-se que não há respaldo para a exclusão das despesas com transporte e alimentação do cálculo do limite constitucional de aplicação de recursos na educação, uma vez que contabilizadas na função educação, não tendo caracterizado, quanto à alimentação, sua vinculação a programas suplementares. Assim, conclui-se que o município aplicou o percentual de 25,30% da receita base de cálculo na manutenção e desenvolvimento do ensino, em atendimento ao percentual mínimo exigido no art. 212 da CR/88. Diante do exposto, passo a propor. Revista TCEMG A prestação de contas municipal em epígrafe foi apreciada pela Segunda Câmara na Sessão do dia 26/09/2013, presidida pelo conselheiro Cláudio Terrão. Votaram o conselheiro Cláudio Terrão, conselheiro Mauri Torres, conselheiro Gilberto Diniz e conselheiro substituto Licurgo Mourão. Foi aprovado, por unanimidade, a proposta de voto do relator, conselheiro substituto Licurgo Mourão. jan.|fev.|mar. 2014 Adoto o entendimento pela emissão de parecer prévio pela aprovação das contas, com fulcro no art. 45, I, da LC n. 102/08, tendo em vista a regularidade na abertura dos créditos orçamentários, suplementares e especiais, e na execução orçamentária (arts. 42, 43 e 59 da Lei 4.320/64), bem como no atendimento aos limites constitucionais e legais referentes ao ensino, à saúde, aos gastos com pessoal e ao repasse de recursos financeiros à Câmara Municipal, com a recomendação constante na fundamentação, quanto à adoção das melhores práticas na gestão orçamentária. PARECERES E DECISÕES PROPOSTA DE VOTO 127 PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 699.033 RELATOR: CONSELHEIRO SUBSTITUTO HAMILTON COELHO DICOM TCEMG Aplicação de prescrição decenal EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO — PREFEITURA MUNICIPAL — INSPEÇÃO ORDINÁRIA — I. INEXISTÊNCIA DE CONTROLE INTERNO E OUTRAS IRREGULARIDADES — AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO — LAPSO ENTRE MARCO INTERRUPTIVO E DECISÃO DE MÉRITO — 10 ANOS — PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE — APLICAÇÃO EX OFFICIO — CANCELAMENTO DE MULTA — II. MULTA POR INFRAÇÃO DE TRÂNSITO — GASTOS IRREGULARES COM PUBLICIDADE — RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO Ressalvados os casos em que haja dano ao erário, cujas ações são imprescritíveis, aplica-se a prescrição decenal à pretensão punitiva do TCEMG quando a tramitação do feito ultrapassar dez anos sem decisão de mérito. RELATÓRIO Cuidam os autos de processo administrativo decorrente de inspeção ordinária realizada na Prefeitura Municipal de Jeceaba, relativa aos exercícios de 1999 e 2000, com a finalidade de verificar os controles internos e, por amostragem, a legalidade na arrecadação das receitas e no ordenamento das despesas, bem como o cumprimento das demais disposições legais a que o órgão está sujeito. Ressalta-se que, embora o período de abrangência da inspeção seja de janeiro de 1999 a dezembro de 2000, verificou-se o pagamento dos subsídios dos agentes políticos nos exercícios de 1997 e 1998. Diante dos indícios de irregularidades constantes do relatório técnico, a fls. 6-16, o relator, a fls. 560, determinou a abertura de vista ao Sr. Geraldo Fernandes de Morais, prefeito à época. O responsável apresentou razões e documentos, a fls. 575-648, que, após análise do órgão técnico, deram origem a novo estudo, a fls. 652-660. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu parecer, a fls. 670-672 (frente e verso), manifestandose, em preliminar, pela análise do conteúdo relacionado ao cumprimento de índices constitucionais nos autos da respectiva prestação de contas anual, conforme fixado na Decisão Normativa TC n. 02/09 e, no mérito, pela procedência das irregularidades apontadas no relatório a fls. 652-660, com consequente aplicação de multa ao gestor. Em síntese, é o relatório. PRELIMINAR Preliminarmente, deixo de examinar a matéria relativa aos índices de aplicação no ensino e na saúde, que será apreciada nos autos da prestação de contas correspondente, conforme determinado no art. 1º, 128 parágrafo único, da Decisão Normativa TC n. 02/09. Informo, por oportuno, que foi emitido parecer prévio pela aprovação das contas do exercício de 1999 (Processo n. 622.863), encontrando-se ainda pendente de apreciação a Prestação de Contas n. 641.223, referente ao exercício de 2000. Sem embargo, ressaltando que o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva não impede o curso natural do feito, entre cujos objetivos incluem-se apreciar os indícios de dano ao erário, reorientar a conduta do agente público jurisdicionado e tornar públicos os resultados das ações de controle da Corte de Contas, passo à análise do mérito. 1 Falhas na gestão do órgão — fls. 8-9 1.1 Não foi implantado o sistema de controle interno, contrariando o art. 74 da Constituição da República — fls. 8 O defendente não se manifestou a respeito dessa irregularidade, tendo a unidade técnica ratificado o apontamento da equipe inspetora. O controle interno efetivo é de suma importância para que o gestor reveja seus próprios atos, corrija desvios, garanta a boa gestão dos recursos públicos, auxilie o controle externo e observe os princípios que norteiam a ação do administrador público. Em consulta ao Sistema de Gestão e Administração de Processos (SGAP), verifiquei que foi realizada inspeção no Município de Jeceaba, em 2002, referente ao período de janeiro de 2001 a abril de 2002, Processo Administrativo n. 706.686. Compulsando os autos, constatei que foi objeto de análise pela equipe inspetora o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Municipal, instituído e regulamentado, respectivamente, pelos Decretos Municipais n. 577 e 578, de 19/12/2001. Constou ainda dos autos daquele processo administrativo a informação de que foram nomeados servidores para compor a comissão de controle interno pelas Portarias Municipais n. 056 e 069, respectivamente, de 20/12/2001 e 22/04/2002, havendo sido elaborado relatório referente às atividades de controle do exercício de 2001. 129 2014 Pelo exposto, curvo-me à jurisprudência consagrada no Tribunal Pleno para reconhecer a prescrição punitiva decenal desta Corte de Contas, inviabilizando-se a aplicação de multa no presente feito, uma vez que transcorreram mais de 10 anos da ocorrência da primeira causa interruptiva sem prolação de decisão definitiva de mérito. jan.|fev.|mar. A despeito de meu convencimento acerca da matéria, em face da novel jurisprudência, consagrada em deliberação unânime do Tribunal Pleno, reconheci, ao propor voto no Processo n. 678.630, a ocorrência da prescrição intercorrente decenal. Revista TCEMG Inicialmente, ressalto que a hipótese de prescrição decenal vem sendo acolhida pelo Tribunal Pleno desde agosto de 2013, inovação consolidada na apreciação do Recurso Ordinário n. 848.490, de relatoria do conselheiro Cláudio Terrão, em Sessão do dia 16/10/2013. Na ocasião, suscitando o disposto no § 7º do art. 76 da Constituição Estadual, no art. 118 da Lei Complementar n. 102/08 e no art. 379 do Regimento Interno, combinado com o fixado no art. 205 do Código Civil, esta Corte de Contas assentou, por unanimidade, que a ausência de parâmetros legais para definir a ocorrência da prescrição entre o marco interruptivo e a decisão de mérito, em virtude do princípio da segurança jurídica, não tem o condão de afastar a incidência dessa modalidade prescricional. PARECERES E DECISÕES MÉRITO PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 699.033 Dessa forma, considero sanada a irregularidade. 1.2 Não há registro analítico dos bens conforme determinado no art. 94 da Lei n. 4.320/64 — fls. 8 O defendente, a fls. 576, mencionou o encaminhamento do Ofício n. PMJ 00230/2000, a fls. 605, que comprovaria a existência do registro analítico dos bens. A unidade técnica ratificou o apontamento da equipe inspetora, uma vez que o referido ofício apenas fez menção ao inventário patrimonial de 2000, sem descrever se é analítico ou sintético. Compulsando os autos, constatei que o documento a fls. 605 não fez menção ao registro analítico de bens. Sendo assim, acorde com o órgão técnico, considero irregular a omissão descrita. 1.3 Não há arquivo organizado da documentação dos bens permanentes e respectivas plaquetas de identificação, a despeito do estabelecido nos arts. 94 e 95 da Lei n. 4.320/64 — fls. 8 O defendente, a fls. 576, alegou que, no inventário geral, não foi constatada a ausência de nenhum bem pertencente à municipalidade, não havendo a falta de identificação por meio de plaquetas ocasionado desvio de mobiliário. A unidade técnica manteve o apontamento, pois o controle dos bens públicos deve ser feito da forma prevista na Lei n. 4.320/64. Tendo em vista que o defendente reconheceu a ocorrência da falha, ratifico a imputação de irregularidade. 1.4 Não há setor e servidor responsável pelo gerenciamento e controle dos procedimentos inerentes às atividades de transporte — fls. 8 1.5 A Administração Municipal não implantou instrumentos para controle de quilometragem, consumo de combustíveis e gastos com manutenção de veículos — fls. 8 O defendente, a fls. 577, alegou que a Administração sempre manteve um servidor encarregado de controlar a quilometragem dos veículos e as viagens realizadas. Aduziu que a frota municipal era reduzida e reconheceu que o controle deveria ser mais abrangente, mas destacou que essa deficiência não trouxe prejuízo ao município. A unidade técnica reiterou os apontamentos da equipe inspetora, tendo em vista o descumprimento do disposto no art. 7º, III, da Instrução Normativa TC n. 05/99. A ausência de controle sobre o abastecimento e a manutenção da frota de veículos da prefeitura pode ensejar desvio de finalidade, perdas e malversação de recursos públicos. A IN TC n. 05/99 tornou obrigatória a realização de tal controle, conforme disposição contida no art. 7º, III, litteris: Art. 7º — Com vista à fiscalização periódica deste Tribunal, os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta instituirão a prática dos seguintes controles, dentre outros, consoante normas próprias que vierem a baixar sobre as seguintes matérias: [...] III — cadastro de todos os veículos pertencentes à Administração e respectivas alocações e elaboração de mapas unitários de quilometragem, consumo de combustível e gastos com a reposição de peças e consertos dos veículos, controle esse sujeito a fechamento periódico (semanal, quinzenal ou mensal); Desse modo, acolho o apontamento de irregularidade. 130 1.6 Não foi implantado o regime de almoxarifado pela Administração Municipal, contrariando o art. 7º, IV, da Instrução Normativa TCEMG n. 05/99 — fls. 9 O defendente, a fls. 577, alegou que a inexistência do regime de almoxarifado deveu-se ao reduzido volume de entrada e saída de materiais para os Departamentos de Obras, Educação e Saúde, mas que as compras, em geral, eram acompanhadas pelos respectivos chefes. A unidade técnica manteve o apontamento, pois foi descumprido o disposto no art. 7º, IV, da IN TC n. 05/99. Assim, constatada a inobservância de dispositivos legais, bem como de normas emanadas por esta Corte de Contas, conforme análise consignada nos itens 1.2 a 1.6, considero irregulares as condutas descritas. Entretanto, em razão da ocorrência da prescrição decenal, deixo de apenar o responsável. 2 Irregularidades diversas — fls. 10-11 2.1 Nos exercícios de 1997 a 2000, a Administração Municipal não procedeu à inscrição de créditos na dívida ativa, conforme se verificou durante a inspeção, pela análise da Demonstração da Dívida Ativa, a fls. 86-89, contrariando o art. 39, § 1º, da Lei n. 4.320/64 — fls. 10 O defendente, a fls. 577, mencionou que não houve renúncia de receita municipal, como poderia ser demonstrado pelos lançamentos de débitos no sistema computadorizado da prefeitura. A unidade técnica manteve a irregularidade, pois não foi apresentada prova documental da alegação do defendente. Ressalto que a Administração Pública tem o dever de proceder à cobrança de dívida ativa e ao controle de prazos prescricionais como forma de garantir a devida arrecadação e evitar a prescrição do crédito. Em face do exposto, mantenho a irregularidade. Entretanto, em razão da ocorrência da prescrição decenal, deixo de apenar o responsável. 2.2 As despesas relacionadas a fls. 18, no valor de R$2.194,50, são relativas a repasses financeiros ao Consórcio Intermunicipal de Saúde do Alto Paraopeba (Cisap), porém não foi celebrado o convênio correspondente, conforme declaração a fls. 553. A ausência de assinatura de convênio, instrumento que estabelece direitos e obrigações das partes, contraria o art. 62, II, da Lei Complementar n. 101/00. Além disso, o consórcio não prestou contas dos recursos recebidos, contrariando o art. 70, parágrafo único, da Constituição da República, e o art. 74, § 2º, da Constituição Estadual — fls. 10 O defendente, a fls. 578, alegou que o Município de Jeceaba era filiado ao Cisap, conforme comprova a Lei Municipal n. 879/97 e a documentação a fls. 607-618. A unidade técnica verificou que não consta da documentação referenciada a assinatura dos representantes dos municípios, o que compromete a sua validade. 131 2014 IV — criação de regime de almoxarifado, com os controles de entrada e saída de materiais jan.|fev.|mar. [...] Revista TCEMG Art. 7º — Com vista à fiscalização periódica deste Tribunal, os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta instituirão a prática dos seguintes controles, dentre outros, consoante normas próprias que vierem a baixar sobre as seguintes matérias: PARECERES E DECISÕES A Instrução Normativa deste Tribunal tornou obrigatório o controle em debate, conforme disposição contida no art. 7º, IV, litteris: PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 699.033 A não celebração de convênio e a ausência de cobrança da prestação de contas dos recursos repassados impedem a comprovação de que os gastos foram realizados corretamente. Assim, mantenho o apontamento da equipe inspetora. Entretanto, em razão da ocorrência da prescrição decenal, deixo de apenar o responsável. 2.3 As despesas relacionadas a fls. 19-20, no valor de R$1.865,89, são relativas a repasses financeiros vinculados à receita proveniente de impostos Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em favor da Associação dos Municípios da Microrregião do Alto Paraopeba (Amalpa), contrariando o inciso IV do art. 167 da Constituição da República e a Súmula n. 96 deste Tribunal. Além disso, a associação não prestou contas dos recursos recebidos, em desacordo com o art. 70, parágrafo único, da Constituição da República, e o art. 74, § 2º, da Constituição Estadual — fls. 10 O defendente, a fls. 578, fez menção ao entendimento — firmado por este Tribunal em resposta à Consulta n. 142.730, formulada pelo presidente da Federação Mineira de Associações Microrregionais de Municípios, em Sessão do dia 16/03/1994 — de que é legítima a vinculação de despesas ao FPM, visto que este constitui transferência governamental, e não arrecadação de impostos. Ponderou também que, no Decreto n. 894/93, são previstas deduções do FPM para amortização da dívida do município com a Previdência Social. A unidade técnica menciona o parecer emitido em resposta à Consulta n. 442.904, formulada pela prefeita municipal de Paraguaçu (Sessão de 01/03/2000), no qual se firmou o entendimento de que não é admissível a vinculação ao FPM de pagamentos aos prestadores de serviços da municipalidade. Assim, concluiu que as despesas referentes a janeiro e fevereiro de 2000, no valor de R$1.166,20, pagas com recursos do FPM, estão amparadas pelo parecer emitido na Consulta n. 142.730, enquanto as despesas relativas a abril e junho de 2000, no valor de R$664,69, devem ser consideradas irregulares, pois, à época, prevalecia o entendimento expresso na Consulta n. 442.904. Acorde com o órgão técnico, concluo que apenas as despesas no montante de R$664,69 não se encontravam amparadas pelo entendimento firmado na resposta à Consulta n. 142.730. Contudo, acolho a imputação de irregularidade quanto à ausência de cobrança da prestação de contas dos recursos repassados à Amalpa, omissão que desafia o art. 70, parágrafo único, da Constituição da República. Não obstante, em razão da ocorrência da prescrição decenal, deixo de apenar o responsável. 2.4 A despesa relacionada a fls. 21, no valor de R$126,10, refere-se ao pagamento de multa por infração à legislação de trânsito, sem a devida identificação do responsável pelo ato e comprovação do ressarcimento aos cofres municipais com as devidas correções legais, contrariando o art. 37, § 6º, da Constituição da República — fls. 10-11 O defendente, a fls. 579, reconheceu a impropriedade, tendo a unidade técnica, com fundamento no princípio da responsabilidade objetiva da administração (art. 37, § 6º, da Constituição da República), ratificado o apontamento inicial. Tendo em vista que o defendente reconheceu o descumprimento de dispositivo constitucional, bem como o não ressarcimento aos cofres municipais do valor referente à multa de trânsito, determino a restituição, pelo gestor à época, do valor de R$126,10, devidamente corrigido. 2.5 As despesas relacionadas a fls. 22, no valor de R$7.850,00, referem-se a despesas realizadas pelo Município com publicidade, não tendo sido apresentado, durante a inspeção, o texto das matérias veiculadas, impossibilitando-se a verificação do cumprimento do disposto no art. 37, § 1º, da CR/88 — fls. 11 O defendente, a fls. 579, aduziu que os exemplares com o conteúdo das publicações encontram-se nos arquivos da Prefeitura Municipal, mas a Administração do período 2001-2004 não os forneceu. 132 A unidade técnica manteve o apontamento da equipe inspetora, visto que o defendente não comprovou suas alegações. Na Constituição da República, art. 37, § 1º, vincula-se a propaganda institucional a conteúdo de caráter exclusivamente educativo, informativo ou de orientação social, com o propósito de evitar a sua utilização para fins de promoção pessoal de agentes públicos. Entretanto, as despesas com publicidade relacionadas a fls. 22 não estão acompanhadas dos respectivos conteúdos, impossibilitando a verificação de atendimento ao interesse público. Em casos como o dos autos, a jurisprudência desta Corte de Contas entende que tais despesas são irregulares e de responsabilidade do ordenador, impondo o ressarcimento ao erário (Processos Administrativos n. 60.441, relator cons. Eduardo Carone, Sessão de 01/11/2007; 661.910, relator cons. Eduardo Carone, Sessão de 01/10/2009; Prestações de Contas Municipais n. 10.061, relator cons. subs. Gilberto Diniz, Sessão de 28/06/2007; 622.533, relator aud. Hamilton Coelho, Sessão de 02/04/2009). O gestor Sr. Geraldo Fernandes de Morais deverá, portanto, restituir aos cofres municipais o valor de R$7.850,00, devidamente atualizado, correspondente aos gastos com publicidade sem demonstração das matérias veiculadas. 3 Manutenção e desenvolvimento do ensino — fls. 11-12 3.1 Os documentos relativos às despesas com ensino não estavam organizados de acordo com o estabelecido no art. 11, § 2º, I, a até d, da IN TC n. 02/97, o que impossibilitou a análise desses gastos, conforme termo de ocorrência a fls. 152 — fls. 11 3.2 Não foi possível apurar a receita base de cálculo do ensino e a receita do Fundef, uma vez que os relatórios contábeis não estavam disponíveis na prefeitura — fls. 11-12 O defendente, a fls. 579-580, alegou que, no final de seu mandato, os documentos foram organizados e arquivados da forma exigida pela IN TC n. 02/97 e juntou documentação relativa às despesas efetuadas. A unidade técnica ratificou o apontamento da equipe inspetora, pois, à época da inspeção, os documentos não se encontravam organizados, o que impossibilitou a análise das despesas relativas ao ensino dos exercícios inspecionados. Observou também que os documentos referenciados não se encontravam entre o material probatório encaminhado pelo defendente. 133 2014 X — anexação, nas notas de empenho referentes às despesas com publicidade e divulgação, de exemplar do jornal, panfleto ou qualquer outro veículo demonstrando o conteúdo da matéria publicada, devidamente identificada, ou de termo descritivo do que foi veiculado pelo rádio ou televisão, não podendo constar destes nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos nos termos do art. 17 da CE e parágrafo 1º do art. 37 da CF. jan.|fev.|mar. [...] Revista TCEMG Art. 3º Constitui obrigação das Administrações Direta e Indireta dos Municípios, a prática das seguintes atividades de preparo da documentação, em via de uso exclusivo do Tribunal, sujeita ao exame dos servidores desta Corte de Contas, relativamente a cada mês encerrado: PARECERES E DECISÕES Com vistas à comprovação do cumprimento dessa diretriz constitucional, a IN TC n. 05/99, vigente ao tempo da gestão ora examinada, assim determinou, em seu art. 3º, X: PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 699.033 As instruções normativas editadas por este Tribunal estabelecem regras a serem observadas pelos seus jurisdicionados no cumprimento de suas funções e se prestam a facilitar o exercício do controle externo dos atos dos administradores públicos. Desse modo, acolho os apontamentos técnicos. Entretanto, em razão da ocorrência da prescrição decenal, deixo de apenar o responsável. 3.3 A Administração Municipal não providenciou a abertura de conta bancária para transferência dos recursos ao órgão da Educação, a despeito do art. 8º, I e II, da Lei n. 9.424/96, e do art. 69, § 5º, I, II e III, da Lei n. 9.394/96 — fls. 12 O defendente, a fls. 580, alegou que era praxe, no Município, depositar recursos da educação em conta específica da Prefeitura Municipal, sem transferi-los ao órgão de educação para que os gerisse diretamente, prática que não teria trazido prejuízo ao ensino. A unidade técnica ratificou o apontamento da equipe inspetora, porquanto o procedimento do Município contrariou dispositivos das Leis n. 9.394/96 e 9.424/96 e estava em desacordo com o entendimento deste Tribunal (Consulta n. 494.536, em Sessão de 02/12/1998). Verifica-se que os dispositivos legais referenciados tratam do piso constitucional de aplicação de recursos no ensino, sem trazer disposições específicas acerca da manutenção de contas bancárias separadas. É de notar que, posteriormente, para fins de viabilização do controle de tais dispêndios, instruções normativas consignaram a obrigatoriedade de abertura dessas contas. Tendo em vista, porém, que, no período inspecionado, não havia normativo que exigisse a movimentação dos recursos destinados ao ensino municipal em conta bancária destacada. 4 Sistema Informatizado de Apoio ao Controle Externo (Siace) — fls. 13-14 4.1 Não foi possível a conferência dos dados dos saldos bancários apresentados no Siace, em 31/12/2000, pois não foram localizadas, nos arquivos da prefeitura, as respectivas conciliações bancárias — fls. 13 4.2 Não foi possível a conferência dos rendimentos das aplicações financeiras, no valor de R$198,33, apresentado a fls. 539-540, porque não foram encontrados, nos arquivos da prefeitura, os extratos bancários integrais, necessários à apuração dos rendimentos mensais — fls. 13 O defendente, a fls. 580-581, alegou que as conciliações bancárias encontram-se nos arquivos da prefeitura, e o valor de R$198,33 é oriundo de aplicações financeiras de março a dezembro de 2000, nas contas correntes n. 397.101-7 e 02073-8, sobre o saldo remanescente da taxa de iluminação pública do município, conforme demonstrariam os documentos a fls. 632-633. A unidade técnica ratificou o apontamento da equipe inspetora, ponderando que o defendente não trouxe aos autos elementos novos. As instruções normativas editadas por esta Casa de Contas estabelecem regras a serem observadas pelos seus jurisdicionados no cumprimento de suas funções e se prestam a facilitar o exercício do controle externo dos atos dos administradores públicos. Na IN TC n. 05/99, vigente na gestão ora examinada, determinava-se: Art. 4º — A Administração Direta que utilizar o Sistema Informatizado de Parecer Prévio (SIPP), manterá em seus arquivos, os seguintes documentos: [...] III — Extratos bancários em 31/12, devidamente conciliados. 134 Assim, em virtude do descumprimento de normativo deste Tribunal de Contas à época da inspeção, acolho o apontamento técnico, mas, em razão da ocorrência da prescrição decenal, deixo de apenar os responsáveis. De acordo com o disposto no art. 36 da Lei n. 4.320/64, “consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.” Por sua vez, despesas processadas são aquelas liquidadas, para as quais o cancelamento já não é possível, e as não processadas são aquelas não liquidadas, ainda passíveis de cancelamento. A liquidação da despesa, de acordo com o fixado no art. 63 da Lei n. 4.320/64, “consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito”. Destaca-se que a Administração Pública não pode, de ofício, sem justificativa, cancelar um crédito a que o fornecedor tem direito por contrato e que foi integralmente cumprido e liquidado. O cancelamento unilateral de empenhos, referentes a despesas já processadas, não tem o condão de fazer desaparecer as dívidas do Município para com terceiros. No caso em análise, o Decreto n. 557/2000, a fls. 542, contém justificativa para o cancelamento: “tendo em vista a ausência de recursos financeiros para o pagamento de tais despesas em data anterior a 31/12/2000”. Ou seja, o prefeito municipal explicita claramente que as despesas foram contraídas sem a correspondente disponibilidade financeira. Assim, uma vez comprovado que foram contraídas despesas sem a correspondente disponibilidade financeira e que foram cancelados empenhos referentes a despesas processadas, em claro descumprimento à Lei Complementar n. 101/00 e à Lei n. 4.320/64, mantenho o apontamento da equipe inspetora. Todavia, em razão da ocorrência da prescrição decenal, deixo de apenar o responsável. Conclusão: à luz do exposto, em preliminar, deixo de examinar o cumprimento dos pisos constitucionais de aplicação no ensino e nas ações e serviços públicos da saúde no presente feito, uma vez que, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Decisão Normativa TC n. 02/09, é a respectiva Prestação de Contas Anual o processo apropriado para sua análise. No mérito, à exceção das condutas tratadas nos itens 1.1 e 3.3, manifesto-me pela irregularidade dos atos examinados no presente feito, quais sejam: 135 2014 Antes de tudo, ressalte-se que o apontamento em tela refere-se ao cancelamento de notas de empenho emitidas e liquidadas após 01/05/2000, segundo lista a fls. 543-547, em razão de não haver a correspondente disponibilidade financeira. jan.|fev.|mar. A unidade técnica não acolheu as alegações do defendente, visto que houve descumprimento ao disposto no art. 42 da LC n. 101/00. Revista TCEMG O defendente, a fls. 581-583, alegou que o procedimento adotado estava em conformidade com orientação recebida por todos os prefeitos do país, por meio da Associação Paulista de Municípios, conforme parecer a fls. 634-635, no qual se sugeriu a anulação, até 31/12/2000, dos empenhos sem disponibilidade em caixa, ressalvando que tal anulação não significava a extinção do crédito. Aduziu que, no início de 2001, houve a quitação de grande parte dos empenhos cancelados, conforme autorização consignada nas Leis n. 951 e 952/2001, a fls. 637-638. PARECERES E DECISÕES 4.3 Cancelamento de Restos a Pagar, no valor de R$226.382,38, referentes ao exercício de 2000, contrariando o art. 42 da Lei Complementar n. 101/00 e o art. 59, §§ 1º e 2º, da Lei n. 4.320/64 — fls. 14-16 PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 699.033 a) falhas na gestão do órgão, tais como ausência do registro analítico e de plaquetas de identificação de bens, e não implantação de regime de almoxarifado, em desacordo, respectivamente, com o disposto nos arts. 94 e 95 da Lei n. 4.320/64 e no art. 7º, IV, da IN TC n. 05/99 (itens 1.2 a 1.6); b) não inscrição de créditos na dívida ativa, contrariando o art. 39, § 1º, da Lei n. 4.320/64 (item 2.1); c) não formalização de convênio e ausência de cobrança da prestação de contas dos recursos repassados ao Consórcio Intermunicipal de Saúde do Alto Paraopeba (Cisap), com ofensa, respectivamente, ao art. 62, II, da Lei Complementar n. 101/00, e ao art. 74, § 2º, da Constituição Estadual (item 2.2); d) ausência de cobrança da prestação de contas de recursos repassados pelo Município à Associação dos Municípios da Microrregião do Alto Paraopeba (Amalpa), contrariando o disposto no art. 70, parágrafo único, da Constituição da República (item 2.3); e) falta de organização dos documentos relativos às despesas com ensino, em contrário ao art. 11, § 2º, I, a até d, da IN TC n. 02/97 (itens 3.1 e 3.2); f) ausência de conciliações bancárias e de extratos bancários integrais nos arquivos da prefeitura, em desacordo com o disposto no art. 4º, III, da IN TC n. 05/99 (itens 4.1 e 4.2); g) realização de despesas sem a correspondente disponibilidade financeira e cancelamento de empenhos referentes a despesas processadas, descumprindo o art. 42 da Lei Complementar n. 101/00 e o art. 59, §§ 1º e 2º, da Lei n. 4.320/64 (item 4.3). Contudo, deixo de propor sanção ao responsável em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente decenal, consolidada na jurisprudência do Tribunal Pleno, pois transcorreram mais de dez anos da ocorrência da primeira causa interruptiva, ressalvado meu convencimento a respeito da matéria. Proponho também determinar ao Sr. Geraldo Fernandes de Morais, prefeito municipal de Jeceaba à época, com fundamento no art. 94 da Lei Complementar n. 102/08, a restituição ao erário municipal das seguintes importâncias, devidamente atualizadas: a) R$126,10 referentes ao pagamento de multa por infração à legislação de trânsito, sem a devida identificação do responsável pelo ato ou comprovação do ressarcimento aos cofres municipais, desafiando o art. 37, § 6º, da Constituição da República (item 2.4); b) R$7.850,00 referentes a gastos com publicidade desacompanhados do conteúdo veiculado, inviabilizando a verificação do cumprimento do disposto no art. 37, § 1º, da Carta Política do Brasil (item 2.5). Transitado em julgado o decisum, cumpram-se as disposições do art. 364 do Regimento Interno deste Tribunal e, findos os procedimentos pertinentes à espécie, arquivem-se os autos. O processo administrativo em epígrafe foi apreciado pela Primeira Câmara na Sessão do dia 19/11/2013, presidida pelo conselheiro Sebastião Helvecio. Votaram o conselheiro Wanderley Ávila, conselheiro José Alves Viana e conselheiro substituto Hamilton Coelho. Foi aprovado, por unanimidade, o voto do relator, conselheiro substituto Hamilton Coelho. 136 Direito do gestor à defesa técnica*1 DICOM TCEMG Excelentíssimo(a) Senhor(a) Relator(a), Este representante do Ministério Público Especial, em manifestação a fls. 308-313, opinou pelas seguintes medidas: a) Renovação da citação do ex-prefeito do município, Eugênio Pinto, para que apresentasse a defesa ou, caso assim não se entendesse, a citação por edital do mencionado gestor e, ainda, no caso de citado fictamente por edital, deixasse o responsável de comparecer ao feito, a nomeação de curador especial para o jurisdicionado em referência. b) Intimação do atual prefeito do município, Osmando Pereira da Silva, para que informasse a fase atual do certame. Conforme despacho a fls. 314-315, o conselheiro relator determinou a citação por edital do ex-prefeito do município para que, no prazo de 15 dias, apresentasse defesa bem como intimação do atual prefeito do município, para que, no mesmo prazo, informasse a fase em que se encontrava o certame. A fls. 321, consta certidão de não manifestação dos interessados. Ato contínuo, o conselheiro relator exarou o despacho a fls. 323, determinando o encaminhamento dos autos a este Órgão Ministerial para emissão de parecer conclusivo, por entender que os processos em curso nesta Corte de Contas não exigem a nomeação de curador a interessado que, citado por edital, se faça revel. Assim é o relatório fático no essencial, passando-se à fundamentação. *Parecer emitido na Denúncia n. 859.153, de relatoria do conselheiro Wanderley Ávila. Cumpre informar que até o fechamento desta edição, não havia manifestação definitiva acerca da matéria. 137 2014 O novel edital de licitação foi examinado pela unidade técnica, tendo sido identificadas irregularidades (fls. 248-258, 290-299). jan.|fev.|mar. PROCURADOR MARCÍLIO BARENCO CORRÊA DE MELLO No curso do presente feito, o município procedeu à anulação do certame (fls. 148), tendo sido, em consequência, publicado novo edital de licitação, com objeto semelhante (Processo Administrativo Licitatório n. 927/2012 — Concorrência n. 001/2012), o qual foi encaminhado a esta Corte para apreciação (fls. 151-236). Revista TCEMG Retornam os presentes autos que versam sobre denúncia oferecida pela empresa Compare (Construções e Serviços Ltda.), a fls. 1-7, em face do Processo Administrativo Licitatório n. 227/2010 — Concorrência n. 003/2011 — instaurado pelo Município de Itaúna, cujo objeto é a contratação de empresa especializada para a execução dos serviços de limpeza pública urbana. PARECERES E DECISÕES 1 RELATÓRIO FÁTICO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS 2 FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Preliminar Antes de adentrarmos no mérito, este Órgão Ministerial suscita preliminar de nulidade absoluta do presente feito, em razão de não ter sido nomeado curador especial para apresentação de defesa em nome do prefeito do Município de Itaúna, Eugênio Pinto, no exercício de 2012, ficando, assim, descumprido o disposto no inciso II do art. 9º do CPC e violados os princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. O art. 80 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e o art. 379 do Diploma Regimental determinam a aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Civil no âmbito desta Corte especializada, na análise de contas dos jurisdicionados, litteris: Art. 80. Aplicam-se à comunicação dos atos processuais, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil, no que couber. *** Art. 379. Aplica-se, supletivamente, aos casos omissos o disposto na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e, no que couber, no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal e na Lei Estadual n. 14.184/2002. Atrelados ao que fora previsto na Lei Orgânica e no Regimento Interno do TCEMG, tanto os princípios constitucionais quanto os ditames do CPC remetem-nos à indispensável nomeação de curador especial a gestor público revel que, citado fictamente por edital, deixar de comparecer aos autos, conforme preconiza o art. 9º, II, do CPC. Senão vejamos, in verbis: Art. 9º. O juiz dará curador especial: [...] II — ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa. (grifo nosso) In casu, o gestor responsável foi citado por edital publicado no Diário Oficial de Contas (fls. 319) e não compareceu (fls. 321). Apesar disso, não foi nomeado curador especial para apresentar defesa (fls. 323), em ofensa ao art. 9º, II, do CPC, sendo bastante tênue a “presunção” de que o interessado tenha tido efetivamente conhecimento do presente feito. Desse modo, o Ministério Público de Contas entende que o jurisdicionado retro nominado está indefeso, pois não teve os seus direitos à ampla defesa e ao contraditório resguardados, desaguando o presente feito no arbítrio estatal. A ampla defesa e a bilateralidade do processo são fundamentos lógicos do contraditório, ainda que os feitos processuais nas cortes de contas não possuam relação angular. Segundo Grinover (1996), é inquestionável que é do contraditório que brota a própria defesa. Desdobrando-se o contraditório em dois momentos: a informação e a possibilidade de reação, não há como negar que o conhecimento, ínsito no contraditório, é pressuposto para o exercício da defesa. 1 GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. 1 138 A integração subsidiária da norma processual civil (art. 9º, II, do CPC) é totalmente cabível neste feito de contas, visto que a nomeação de curador especial é regra omissa na norma regimental desta Corte (ex vi art. 379 do RITCEMG). Dessa forma, esta Corte de Contas deve progredir em seu entendimento, a fim de não se manter dissonante do núcleo dos direitos e garantias constitucionais fundamentais, com a preservação das chamadas cláusulas pétreas constantes do art. 60, § 4º, da CR/88. Nesse aspecto, é preciso observar que a citação ficta proporciona situação de grave fragilidade defensiva para a parte interessada, motivo pelo qual ensejou a previsão legal contida no art. 9º, II, do CPC, figurando o curador especial como representante da parte ausente. No caso em apreço, o gestor público citado fictamente necessita de uma decisão justa, proferida em um processo no qual lhe sejam assegurados os direitos à ampla defesa e ao contraditório, pois milita em seu favor a presunção de que não tomou conhecimento da presente denúncia. O contraditório é princípio reitor do processo no âmbito das cortes de contas, exigindo que se dê às partes interessadas a oportunidade de deduzir as suas razões de fato e de direito bem como de oferecer suas provas, sendo vedadas as decisões baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelo agente público a ser responsabilizado. Portanto, a importância da participação do curador especial em processo judicial ou administrativo decorre da necessidade de efetivar o contraditório nos feitos em que a parte tenha sido citada fictamente por edital e não comparecido aos autos, assegurando-se a produção de uma defesa efetiva e ampla. Em outras palavras, o Estado assumiu a obrigação de tutelar a pessoa passível de ser surpreendida num processo, com possibilidade de ser prolatada decisão sem participação em contraditório, expressamente pela regra contida no art. 9º, II, do CPC. 139 2014 Ainda que a citação editalícia seja considerada válida por expressa previsão regimental (art. 166, § 1º, V, do RITCEMG), a ausência da nomeação de curador especial prevista no art. 9º, II, do CPC, macula o presente feito de prejuízo irreparável — ausência do contraditório e da ampla defesa. jan.|fev.|mar. Bem verdade, tal postura nova desta Corte de Contas, se acolhida e implantada, desafia a praxis administrativa, inova pragmaticamente ao irromper com a penumbra do passado próximo. Portanto, exige rediscussão acurada da matéria sob a ótica dos direitos e garantias fundamentais. Revista TCEMG Pela ausência de estrutura orgânica e logística desta Corte em designar defensor dativo, não se podem derrogar garantias individuais estampadas na Carta da República de 1988, em nome de uma suposta economia processual e supremacia dos poderes constituídos em detrimento do próprio Estado Democrático de Direito. Vemos, aqui, que direito adjetiva Estado Democrático, em flagrante teleologia que o cidadãojurisdicionado deva ser preservado, e não mitigado em seus direitos e garantias fundamentais por eventuais impossibilidades materiais do Estado. PARECERES E DECISÕES Ainda que as cortes de contas ajam com imparcialidade na condução dos feitos de suas competências, é forçoso verificar se o julgamento de possível ilegalidade — com aplicação de sanção — não traz prejuízos de difícil reparação àqueles que não se defenderam. Há ínsita no julgamento motivação conclusiva de parcialidade sobre o mérito da causa. E não há que se falar que a oportunidade foi dada, mas não realizada pela inércia do jurisdicionado, pois o gestor se encontra em local incerto e não sabido pela Corte de Contas; tanto que a citação ficta nos remete à indispensável nomeação de curador especial para exercício pleno do direito à defesa. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS Sobre o tema, Nelson Nery Júnior, em sua obra Código de Processo Civil Comentado, ilustra: No processo civil, aquele que é citado por edital, ou por hora certa, e não comparece em juízo para proceder sua defesa, a lei qualifica como ausente e o nomeia curador especial, a quem caberá a defesa de seus interesses no processo. A medida é destinada a evitar a quebra do princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório (CF 5º, LV), em virtude de não se ter certeza inequívoca de que as citações procedidas tenham atingido o seu objetivo, qual seja, o de fazer o ausente conhecedor da demanda que lhe move o autor (CPC 219). (grifo nosso)2 E acrescenta o mesmo autor “Quando o réu for desconhecido, ou estando este em lugar inacessível, incerto ou não sabido, far-se-á a citação por edital (art. 231). Citado por editais e deixando de contestar o feito, é obrigatória a nomeação de curador especial para defender o réu no processo”. (grifo nosso)3 No mesmo sentido, a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves esclarece, in litteris: Tratando-se de citação ficta, e não havendo apresentação de defesa do réu, a ele será designado um curador especial, que poderá apresentar contestação por negativa geral. Não existe revelia nesse caso, porque, mesmo vencido o prazo originário para a apresentação de defesa, outro será reaberto ao curador especial que, desempenhando um munus público, irá necessariamente apresentar defesa. Por isso minha resistência à prática comum nos julgamentos em chamar o réu citado fictamente que não apresenta sua defesa por advogado constituído de réu revel. Ora, se o curador especial é obrigado a apresentar contestação em seu favor, como chamá-lo de réu revel? [...] O cabimento da curadoria especial é tratado pelo art. 72 do PLNCPC, havendo interessante novidade no parágrafo único, ao prever que a função de curador especial será exercida pela Defensoria Pública, salvo se não houver defensor público na comarca ou subseção judiciária, hipótese em que o juiz nomeará advogado para desempenhar aquela função. (grifo nosso)4 Assim também entende o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, in verbis: Nos termos do artigo 9º, inciso II, do CPC, o juiz dará curador especial ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa. Na presente hipótese, isso não ocorreu, padecendo o feito de nulidade insanável. Por unamidade, anular o processo a partir da citação com hora certa. (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. 5ª Turma Cível. Apelação n. 19980110296649. Relator: des. Asdrubal Nascimento Lima. DJU, Brasília, 30 ago. 2000, p. 33). (grifo nosso)5 Trazemos ainda à colação vasta jurisprudência, quanto à exigência de citação válida e consequente nomeação de curador especial ao revel citado por edital que não comparecer aos autos, sob pena de nulidade, senão vejamos: APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. NULIDADE. SÚMULA 196 DO STJ. Citado o executado por edital, impõe-se a nomeação de curador especial, segundo o disposto no art. 9 º, II, do CPC, e Súmula n. 196 do STJ. Nulidade de todos os atos processuais posteriores à citação por edital. Sentença desconstituída. Apelo prejudicado. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 21ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 70039838354. Relator: des. Marco Aurélio Heinz. Julgado em: 15 dez. 2010, DJ, 20 fev. 2011). NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 237. 3 Ibid., p. 238. 4 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 335-336. 5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de processo civil anotado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 15. 2 140 *** PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO POR EDITAL. NECESSIDADE DE NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. ART. 9 º, II, CPC. FORMALIDADE NÃO CUMPRIDA. NULIDADE DECRETADA DE OFÍCIO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. APELO E RECURSO ADESIVO PREJUDICADOS. A teor do disposto no art. 9 º, II, do CPC, ao réu revel, citado por edital, é de ser nomeado curador especial, a fim de se garantir o contraditório e a ampla defesa, cuja ausência implica em nulidade absoluta, que se declara. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. 3ª Câmara de Direito Comercial. Apelação Cível n. 2006.035224-4. Relator: Domingos Paludo. Publicado em: 10 nov. 2010) *** APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO DO 732 DO CPC. EXTINÇÃO POR DESINTERESSE. EXECUTADO PRESO. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. EXEGESE DO ART. 9 º, II, DO CPC. NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIMENTO EX OFFICIO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PREJUDICADO. “Configura-se manifesto cerceamento de defesa a ausência de nomeação de curador à lide ao réu preso, cuja providência se faz imperiosa por força do artigo 9º, II, do Código de Processo Civil, implicando a nulidade absoluta do feito a contar da citação. (TJSC, Apelação Cível n. 2006.006645-3, de Tubarão. Relª Desª SALETE SILVA SOMMARIVA. Primeira Câmara de Direito Comercial, julgada em 27.07.2006). (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. 3ª Câmara de Direito Civil. Apelação Cível n. 2010.025403-7. Relator: des. Henry Petry Júnior. DJ, 16. dez. 2010) Verifica-se, assim, caso se mantenha a lide nos termos atuais, a ausência de pressuposto processual objetivo intrínseco de validade do presente feito, relacionado à necessidade de nomeação de curador especial ao adequado desenrolar dos atos processuais. Conforme disposição do art. 267, IV, do CPC, é imperiosa a extinção do processo quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular, in verbis: 141 PARECERES E DECISÕES 2014 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. ARGUIDA NULIDADE DA CITAÇÃO EDITALÍCIA. NÃO OCORRÊNCIA. CITAÇÃO FRUSTRADA NO ÚNICO ENDEREÇO DA REQUERIDA CONSTANTE NOS AUTOS DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CURADOR ESPECIAL QUE OFERECEU DEFESA TÉCNICA. Não há nulidade da citação por edital quando a sua realização pela via postal não obteve êxito, em razão de ser desconhecida a requerida no único endereço constante dos autos. Ainda assim, não se anula o ato citatório se a defesa da recorrente foi resguardada pela nomeação de curador especial, que contestou a ação. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara de direito comercial. Apelação Cível n. 2000.000058-2. Relator: des. subst. Jânio Machado. Julgado em: 29 mar. 2007) jan.|fev.|mar. *** Revista TCEMG AÇÃO MONITÓRIA — CITAÇÃO POR EDITAL — REVELIA — NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL — ARTIGO 9º, INCISO II, DO CPC — SENTENÇA ANULADA — RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM — RECURSO DE APELAÇÃO DA CEF PREJUDICADO. 1. Não obstante o cabimento da citação editalícia no procedimento monitório (Súmula 282 do STJ), a revelia dos réus implica na nomeação de curador especial, nos termos do artigo 9º, inciso II, do Código de Processo Civil, em respeito ao princípio do contraditório. 2. Considerando que não foi observada a regra da qual emana um dos pressupostos de validade da relação processual, impõe-se declarar a nulidade da r. sentença e dos demais atos processuais subsequentes, com fulcro no artigo 248 do Código de Processo Civil. 3. Sentença anulada de ofício. Retorno dos autos à Vara de Origem, para que seja nomeado curador especial aos réus, na forma do artigo 9º, incisos II, do Código Processo, oportunizando sua defesa. Prejudicado o recurso de apelação da CEF. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 5ª Turma. Apelação Cível n. 1168381/SP (2004.61.13.003116-7). Relator: juiz Ramza Tartuce. Julgado em: 2 jun. 2008. DJF3, 23 set. 2008) PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...] IV — quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; [...] § 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento. (grifo nosso) Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, in litteris: APELAÇÃO — PROCEDIMENTO ESPECIAL DE RESTAURAÇÃO DE AUTOS — CITAÇÃO EDITAL E COM HORA CERTA DE LITISCONSORTE — REVELIA — AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL — NULIDADE PROCESSUAL — RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Se no processo de restauração de autos extraviados a citação de alguns dos réus operou-se por edital e com hora certa, respectivamente, sem que lhes fosse nomeado curador especial, são nulos os atos processuais subseqüentes, por falta de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, cumprindo ao Juiz verificar até mesmo de ofício esse defeito, conforme preconizado no art. 267, § 3º, do CPC. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 134.932-4, oriundos da Comarca de Sengés, em que é apelante SELA — SENGÉS LAMINADORA DE MADEIRAS LTDA, sendo apelado BANCO DO BRASIL S/A. [...] Voto [...] Em que pesem os argumentos excelentemente expendidos pelo ilustre advogado da apelante, não vislumbro a ocorrência de nulidade da citação do seu representante legal, [...], realizada com hora certa pelo Oficial de Justiça. Embora se argumente que referida pessoa, à época, administrava a fazenda da família, situada entre os Municípios de Castro e Piraí do Sul, a verdade é que nenhuma prova foi produzida nesse sentido para ilidir a fé pública da certidão do meirinho encarregado da diligência, tendo sido observada a forma legal para essa citação, inclusive com o envio de carta registrada para o seu endereço residencial declinado nos autos. Por isso, afasta-se esse fundamento do recurso. Sobre a argüição de nulidade da citação edital do litisconsorte [...], que estaria à época trabalhando em Florianópolis, como um dos diretores da ELETROSUL, penso que tal questão deva ser apreciada nos autos conexos, de Apelação nº 138.850-3 relativa aos Embargos à Arrematação oferecidos pelo próprio interveniente garantidor [...] e outros litisconsortes, ao qual se confere legitimidade para questionar eventual defeito de sua citação. De igual modo, não havia como se exigir a intimação dos advogados da ora apelante para os termos do procedimento de restauração dos autos da execução, extraviados por ocasião do julgamento da Apelação interposta nos autos de embargos do devedor, porque não havia advogado constituído nesses autos restaurados, devendo ser considerado como procedimento autônomo em face dos referidos embargos do devedor. Todavia, relativamente a apontada nulidade processual por ausência de nomeação de curador especial ao citado com hora certa, assim como já foi entendido no julgamento do Agravo de Instrumento n. 121.584-3, entre as mesmas partes, penso que deve prosperar esta apelação. 142 E, para tanto, socorro-me dos mesmos fundamentos lá expendidos em meu voto, os quais, mutatis mutandis, também servem para o julgamento desta apelação, verbis: “Entretanto, deve-se considerar que nesse procedimento de restauração dos autos da execução, extraviados neste Tribunal depois do julgamento da apelação da sentença proferida nos embargos dos devedores, dois dos requeridos foram citados, respectivamente, por via edital e com hora certa, tornando-se revéis e sem que lhes fosse nomeado curador especial. Sem adentrar no exame das outras nulidades processuais argüidas na apelação e reiteradas neste agravo, penso que essa omissão do juízo, deixando de nomear curador especial aos réus revéis citados por edital e com hora certa, é suficiente para afastar o trânsito em julgado da referida sentença em relação a esses requeridos. Por isso, a jurisprudência é uníssona em declarar a nulidade do processo em que ao revel, citado por edital ou com hora certa, não lhe foi nomeado curador especial que, necessariamente, terá que oferecer contestação. Sobre o tema, assim se pronunciou o nosso em. Prof. E. D. Moniz de Aragão: ‘É fora de dúvida que ao citado por edital, ou com hora certa, será nomeado curador especial, a quem cumpre apresentar a contestação, afastada a revelia e impossibilitada a presunção dela decorrente.’ (in Comentários ao Código de Processo civil, Rio de Janeiro: Forense, v. 2, p. 243) PARECERES E DECISÕES Com efeito, a norma do art. 9º é imperativa quando diz que ‘O juiz dará curador especial: I — omissis; II — ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.’ ‘PROCESSUAL CIVIL — AÇÃO DE RESTAURAÇÃO DE AUTOS — PROCESSO DE EXECUÇÃO — CITAÇÃO DE CO-RÉU INEXISTENTE. I — Hipótese em que, não se realizando a citação do co-réu, cumpria ao Juiz verificar, até mesmo de ofício, a ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, conforme preconizado no art. 267, § 3º, do CPC. II — Consoante a melhor doutrina, a citação é ato fundamental do processo, porque de outro modo não se configuraria este como actum trium personarum, desapareceriam o contraditório e o direito de defesa, e inexistiria o devido processo legal. III — Recurso conhecido e provido. (REsp. n. 14.201-0 — CE, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. de 30/6/92 — in RSTJ, 47/172). No seu voto, o eminente relator ainda menciona a segunda parte da lição do festejado Prof. Frederico Marques sobre a importância do ato citatório, verbis: “Tão importante e essencial é a citação, que sua falta ou nulidade não convalesce nem com a coisa julgada e pode invalidar, por isso, o título executivo constituído por sentença condenatória.” (Manual do Direito Processual civil, Saraiva, 1974, vol. I, pág. 335). Portanto, se no processo de restauração de autos extraviados a citação de alguns dos réus operou-se por edital e com hora certa, respectivamente, sem que lhes fosse nomeado curador especial, a sentença ali proferida não transita em julgado enquanto eles não forem regularmente intimados. Daí porque a apelação interposta pela ré revel deverá ser considerada tempestiva, 143 jan.|fev.|mar. Aliás, em caso muito semelhante ao presente, o egrégio Superior Tribunal de Justiça também considerou tempestiva a apelação, que não havia sido recebida pelo juiz e pelo tribunal estadual, considerando que sem a citação válida do litisconsorte não havia iniciado o prazo para o respectivo recurso, cuja ementa está assim redigida: Revista TCEMG ‘APELAÇÃO CÍVEL — AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE — ARRENDAMENTO MERCANTIL — REVEL CITADO POR EDITAL — FALTA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL — NULIDADE PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. A falta de nomeação de curador especial, ao réu citado por edital, acarreta a nulidade do processo, em face à ausência de pressuposto processual do seu desenvolvimento válido e regular.’ (Ac. n. 7000, 8ª C. Cív.- rel. Juiz Manassés de Albuquerque — DJE de 13/03/98). 2014 Dos inúmeros arestos colacionados deste Tribunal, apenas para ilustrar, cito o seguinte: PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS ainda que fora do prazo legal contado da publicação no Diário da Justiça.” (cfr. fls. 300 a 305 desta apelação). Desse modo e pelos mesmos fundamentos, é de se declarar a nulidade do processo a partir da sentença de fls. 132-135, inclusive, alcançando, por via de conseqüência, todos os atos processuais subseqüentes (avaliação e arrematação dos bens penhorados), por falta de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, o que cumpria ao Juiz verificar até mesmo de ofício, conforme preconizado pelo art. 267, § 3º, do Estatuto Processual Civil. Dou, pois, provimento parcial a esta apelação para anular o processo de restauração dos autos de execução, a partir da r. sentença de f. 132/5. (3ª Câmara Cível do TAPR. Apelação Cível 134932-4, j. em 17/8/1999, rel. Juiz Domingos Ramina). (grifo nosso) Na mesma linha de entendimento, a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, in litteris: PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO POR EDITAL. FALTA NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. REVELIA. NULIDADE DO PROCESSO. 1 — Embora a defesa não constitua dever do réu, mas mera faculdade, também não se pode olvidar que entre as garantias comuns inerentes ao devido processo legal se incluem o contraditório e a ampla defesa, que somente poderão ser alcançados dando-se oportunidade ao réu, mesmo revel citado por edital, à elaboração de defesa por meio de Curador Especial tal como assim previsto no art. 9º, II, do CPC. 2 — Não havendo a intervenção do Curador Especial, segue-se que o defeito do processo é de tal grandeza que impõe o reconhecimento de sua nulidade ex officio. 3 — Acolhida a preliminar levantada de ofício. Processo anulado a partir da citação editalícia. [...] VOTOS O Senhor Desembargador CARLOS RODRIGUES — Relator [...] 1ª Preliminar: reconhecimento, ex officio, de nulidade processual. Muito embora a defesa não constitua obrigatoriedade do réu, mas mera faculdade, é de se deferir à oportunidade para o exercício do contraditório e da ampla defesa. Todavia, no caso versado nos presentes autos, verificou-se que a ré Marka Empreendimentos e Participações Ltda, antigo Banco Marka S/A, foi citada por edital conforme comprovante de fl. 212, mas não apresentou contestação, tal como restou certificado à fl. 554/vº. Ora, nos termos do art. 9º, II, a nomeação de Curador Especial constituía-se em dever indeclinável capaz de assegurar a regular tramitação do processo, com a prevalência do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Porém, do que se vê da certidão de fl. 1.718, não se deu a nomeação exigida pela lei processual, circunstância que traduz hipótese de incontornável violação das garantias processuais, cuja gravidade extrema impõe a retrocesso da marcha processual à fase do respectivo ato sonegado. É certo que a preterição da forma não invalida o processo, exceto se o fim colimado não for alcançado. Contudo, no caso presente é evidente o prejuízo à defesa da parte ré, que, citada por edital, não teve oportunidade de formular defesa formal, ainda que por meio do Curador Especial. Não fosse o interesse jurídico do autor, em conservar no pólo passivo a referida empresa citada por edital, tal como expressamente manifestou às fls. 1.723/4, ainda se poderia pensar no aproveitamento dos atos processuais em razão dos réus remanescentes. 144 Logo, não resta outra alternativa senão decretar a anulação do processo, desde o ato processual sonegado, com o retorno dos autos à instância de origem, a quem cumprirá então atender ao imperativo determinado pelo art. 9º, II, do CPC. Com essas razões, ex officio, decreto a anulação do processo, por inobservância à formalidade referida, para que assim os autos retornem ao d. Juízo de origem, a fim de que se cumpram as garantias inerentes ao devido processo legal, de sorte a permitir a formulação de resposta à parte ré citada por edital. É como voto. O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA — Revisor Note-se que, embora citada por edital (fl. 212) a primeira ré, Marka SA Empreendimentos e Participações (ex Banco Marka), não apresentou contestação (fl. 554 verso) tornando-se, portanto, revel. Às fls. 1723/1724, consta manifestação do autor/apelante, Antônio José Teixeira Leite, na qual reafirma o seu interesse na presença da Marka SA Empreendimentos e Participações (ex Banco Marka) no pólo passivo da presente ação indenizatória. Assim, vislumbro a possibilidade de prejuízo à primeira ré, Marka SA Empreendimentos e Participações, ex Banco Marka, o qual, à época dos fatos, administrava o fundo de investimentos em questão, e que pode vir a ser responsabilizado pela análise do mérito, conforme previsão contratual (fls. 1003/1006). Em respeito ao princípio do contraditório, impõe-se a nomeação de curador especial para a defesa da primeira ré, Marka SA Empreendimentos e Participações, ex Banco Marka. Isso posto, decreto, de ofício, a nulidade do processo a partir do momento em que se verificou a revelia da primeira ré, Marka SA Empreendimentos e Participações (ex Banco Marka), e determino o retorno dos autos à origem, a fim de que lhe seja nomeado curador especial. É como voto. O Senhor Desembargador SANDOVAL OLIVEIRA — Vogal Com o Relator. DECISÃO PROCLAMADA DE OFÍCIO A NULIDADE DA SENTENÇA E DO PROCESSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO. (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. 2ª Turma Cível. Apelação Cível 20030110872192. Julgado em: 13 fev. 2008. Relator: des. Carlos Rodrigues). (grifo nosso) Portanto, consubstanciado nos argumentos antepostos, este Parquet de Contas verifica e reitera a nulidade absoluta do presente feito, em razão de não ter sido nomeado curador especial ao ex-prefeito do Município de Itaúna, Eugênio Pinto, que, citado mediante edital, deixou de comparecer aos autos, frustrando, assim, o contraditório e a ampla defesa e, por consequência, o devido processo legal (art. 5º, LIV-LV, da CR/88). 145 2014 Preliminarmente, observo a presença de nulidade processual em face da ausência de nomeação de curador especial à primeira ré, Marka SA Empreendimentos e Participações (ex Banco Marka), conforme certidão de fls. 1718 (CPC 9º, II). jan.|fev.|mar. NULIDADE PARCIAL DO PROCESSO Revista TCEMG PRELIMINAR PARECERES E DECISÕES [...] PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS Caso seja ultrapassada a mencionada questão preliminar, passa-se ao exame do mérito. 2.2 Mérito Trata-se do exame de legalidade do Processo Licitatório n. 927/2012 (Concorrência n. 001/2012), instaurado pela Prefeitura Municipal de Itaúna, em substituição ao Processo Licitatório n. 227/2010 (Concorrência n. 003/2011), ora submetido ao crivo do Ministério Público de Contas por força de denúncia formulada perante esta Corte. No caso vertente, a Concorrência Pública n. 003/2011 foi anulada pelo Município de Itaúna, em razão da existência de irregularidades identificadas por esta Corte de Contas, conforme documentos acostados a fls. 134-135 e 148-150 dos presentes autos. Foi também verificado que o município procedeu à abertura de novo procedimento licitatório (Concorrência n. 001/2012), contendo o mesmo objeto, conforme edital a fls. 151-231 e comprovantes de publicação a fls. 232-235. Nesse contexto, Afonso Custódio Nascimento, ex-secretário municipal de administração de Itaúna e subscritor do novo edital, foi citado, conforme certidão de juntada de aviso de recebimento (AR), a fls. 276, tendo apresentado defesa, a fls. 277-284. No entanto, o ex-prefeito do Município de Itaúna, Eugênio Pinto, não apresentou defesa, embora tenha sido citado por edital publicado no sítio eletrônico desta Corte de Contas, conforme certidões a fls. 319 e 321. Desse modo, caso permaneça a falta de nomeação de curador especial ao ex-prefeito do município, Eugênio Pinto (fls. 323), impõe-se a decretação de revelia em relação ao mencionado jurisdicionado, na forma prevista no art. 152, parágrafo único, e no art. 166, § 7º, ambos do RITCEMG, in verbis: Art. 152. [...] Parágrafo único. Não havendo manifestação, no prazo fixado, o responsável será considerado revel, seguindo o processo a tramitação prevista no art. 153 deste Regimento. Art. 166. [...] § 7º O responsável ou interessado que não atender à citação determinada pelo Relator ou pelo Tribunal será considerado revel para todos os efeitos previstos na legislação processual civil. De mesmo modo, a regra estampada no art. 79 da Lei Complementar Estadual n. 102/2008: “Art. 79. O responsável que não atender à citação determinada pelo Relator ou pelo Tribunal será considerado revel, para todos os efeitos previstos na legislação processual civil”. Dessa forma, tomando como supedâneo o estudo realizado pela unidade técnica, a fls. 290-299, verifica-se a existência de irregularidades no processamento da Concorrência Pública n. 001/2012, que representaram o descumprimento de normas de natureza financeira e orçamentária bem como de comandos insculpidos na Lei Federal n. 8.666/93. Com efeito, foi apurada a insuficiência da dotação orçamentária para execução do objeto licitado, em razão da divergência entre o valor estimado no item 03 do edital, no montante de R$7.065.046,91, e a descrição de custos do Anexo XIII (Planilha de Preços), equivalente a R$8.116.424,16 no período de 12 meses. Sobre a questão, sabe-se que o contrato se suporta pela indicação da dotação orçamentária que assegura ao contratado a existência de previsão financeira suficiente para a totalidade da execução contratual, que ano a ano terá o devido crédito consignado a partir da lei do orçamento a que se referir. 146 De acordo com o art. 7º, § 2º, III, e art. 57, caput, ambos da Lei Federal n. 8.666/93, in verbis: Art. 7º [...] § 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: [...] III — houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma. (grifo nosso) IV — ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito meses) após o início da vigência do contrato; V — às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração. [...] (grifo nosso) Prosseguindo, verifica-se a existência de circunstância configuradora de indício de restrição à ampla participação no certame, em razão da exigência de visita técnica realizada por profissional da área de engenharia em dia e hora programados, nos termos do item 6.2 do edital, que tem o seguinte teor: 6 — DA VISITA TÉCNICA: [...] 6.2 — A visita técnica será realizada no dia 17/09/2012, às 13:10 horas, saindo do Departamento de Material e Patrimônio, localizado na Praça Dr. Augusto Gonçalves, 538 — Centro de Itaúna, devendo a empresa interessada credenciar um responsável técnico da área de engenharia para a visita junto à Comissão de Licitação; [...] (grifo nosso) A mencionada exigência afrontou o art. 3º, § 1º, I, da Lei Federal n. 8.666/93, que alberga o princípio da competitividade, in verbis: Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. § 1º É vedado aos agentes públicos: I — admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante 147 2014 III — (vetado); jan.|fev.|mar. II — à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; Revista TCEMG I — aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório; PARECERES E DECISÕES Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991; (grifo nosso) Observa este Órgão Ministerial que os princípios da legalidade e da isonomia constituem alicerces do procedimento licitatório para possibilitar não apenas que se faça a escolha da melhor proposta, como também que se resguarde a igualdade de direitos a todos os interessados em contratar com a Administração, sendo possível a existência de empresas interessadas que não participaram do certame justamente pela impossibilidade de efetuarem a visita técnica no dia e horário programados ou enviarem um responsável técnico para fazê-la. Verifica-se, ainda, a previsão constante do item 22.4 do edital, referente à inclusão de serviços não previstos na planilha de orçamento. Eis o teor da mencionada cláusula editalícia: 22 — DOS PREÇOS: [...] 22.4 — As atividades eventualmente não previstas na planilha de orçamento, julgadas indispensáveis para a perfeita execução dos serviços contratados, poderão ser objeto de justificativa técnica da fiscalização da Prefeitura Municipal de Itaúna, submetidas à aprovação da autoridade competente (Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente). Se aprovadas, apenas poderão ser executadas após terem seus preços unitários justificados e compostos pela contratada e aceitos pela Secretaria Municipal de Administração, e se dará através de Termo Aditivo; [...] (grifo nosso) Como bem observou a unidade técnica (fls. 295), a possibilidade de inclusão de atividades não previstas na planilha de orçamento deixou em aberto o objeto da licitação, não tendo sido explicitados quais seriam os serviços a serem eventualmente acrescidos. A norma do art. 38, caput, da Lei Federal n. 8.666/93, aponta a necessidade de indicação sucinta do objeto da licitação, in verbis: Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, ao qual serão juntados oportunamente: [...] (grifo nosso) Também foi constatada irregularidade referente à exigência de prestação de garantia da proposta antes de iniciada a fase de habilitação (item 8.4, c, do edital). Sobre tal apontamento, o Tribunal de Contas da União já proferiu decisão pela irregularidade de exigência constante de edital de licitação, sem previsão legal, de condição de habilitação anterior à data de abertura dos envelopes, como se verifica no trecho do acórdão transcrito a seguir: [...] 21. Também, em relação à fixação de prazo para apresentação da garantia, acompanho as conclusões da SECEX/PB. Como já visto acima, a Lei n. 8.666/93 permite, em determinadas situações, que a qualificação econômico-financeira possa ser demonstrada mediante prestação de garantia (art. 31, III e § 2º). Todavia, não faz nenhuma exigência de que esta garantia seja entregue antes da abertura dos envelopes referentes à habilitação das licitantes. 22. O dispositivo legal que permite a exigência de garantia não disciplina prazo para sua entrega. Trata de norma que está inserida em Seção, que versa a respeito dos documentos que podem ser requisitados aos interessados para que se considerem habilitados. Limitou-se, por conseguinte, a regrar que tipo de documentação deve ser apresentada. 148 23. O momento adequado para a apresentação dos elementos exigidos para fins de habilitação está regulamentado na Seção que trata do procedimento do certame. Nesse ponto, o art. 43 estabelece como será processada a licitação. Nos termos do inciso I, a abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos interessados e sua apreciação é o momento adequado para verificar se os licitantes preencheram os requisitos previstos no Edital para participar do certame. [...] 9.2. determinar à Secretaria de Estado da Educação e Cultura da Paraíba que nas próximas licitações que venha a realizar, envolvendo recursos públicos federais: [...] 9.2.4. abstenha-se de estabelecer: 9.2.4.1. para efeito de habilitação dos interessados, exigências que excedam os limites fixados nos arts. 27 a 33 da Lei n. 8.666/93. 9.2.4.2 condições de participação em certames licitatórios anteriores à fase de habilitação e não previstas na Lei n. 8.666/93, a exemplo da prestação da garantia, de que trata o art. 31, inciso III, da Lei n. 8.666/93, antes de iniciada a fase de habilitação, devendo processar e julgar a licitação com observância dos procedimentos previstos no art. 43 da Lei n. 8.666/93 e nos princípios estatuídos no inciso XXI do art. 37 da CF e no art. 3º da Lei n. 8.666/93; 9.2.4.3. a exigência simultânea de capital mínimo e garantias, nos termos do § 2º do art. 31 da Lei n. 8.666/93. (Plenário do TCU. Acórdão n. 808/2003. Sessão de 02/7/2003. DOU de 11/7/2003). (grifo nosso) Além disso, foi constatada irregularidade concernente à exigência de aptidão de desempenho (item 8.5 do edital e Anexo XI) em quantitativos idênticos ao do objeto licitado (Anexo XI.II), em afronta ao art. 30, II, da Lei Federal n. 8.666/93, que se refere à comprovação de aptidão para execução de objeto similar, in verbis: Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: [...] II — comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; [...] § 5º É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na Licitação. [...] (grifo nosso) 149 2014 Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, em: jan.|fev.|mar. Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Representação, formulada pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, acerca de eventuais irregularidades na Concorrência 05/2002, da Secretaria de Estado da Educação e Cultura. Revista TCEMG [...] PARECERES E DECISÕES 24. Interpretação sistemática da Lei n. 8.666/93 permite concluir que, nas hipóteses em que é admissível a exigência de garantia como forma de assegurar a qualificação econômicofinanceira dos licitantes, a prestação desta deve ocorrer em conjunto com os demais documentos referentes à habilitação, para ser apreciada em conjunto, no momento da abertura dos respectivos envelopes. Não há autorização legal para que se exija que esta garantia seja apresentada antes desta etapa. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS Portanto, a exigência de comprovação deverá ser similar ao objeto da licitação, de acordo com os motivos técnicos que envolvem a sua execução, sendo vedadas limitações não previstas em lei que inibam a participação na licitação, conforme § 5º do citado artigo. Registre-se, por oportuno, que o resultado do julgamento final do certame foi publicado no jornal Minas Gerais de 21/11/2012, sendo declarada vencedora a empresa Viasolo Engenharia Ambiental S.A., com a proposta no valor global de R$6.946.095,52 para 12 meses; no entanto, não consta informação sobre eventual assinatura do contrato. Destarte, entende este Órgão Ministerial que permaneceram as falhas detectadas no instrumento convocatório, devendo, sobretudo, esta Corte de Contas buscar a concretude do caráter pedagógicopreventivo inerente às penas, aplicando-se aos responsáveis as sanções e as recomendações cabíveis à espécie. 3 CONCLUSÃO Ex positis, o Ministério Público de Contas opina, nos autos da presente denúncia, que seja: a) acolhida a preliminar quanto à ausência de nomeação de curador especial (art. 9º, II, do CPC) ao prefeito do Município de Itaúna, E. P., no exercício de 2012, revel que, citado por edital, não compareceu aos autos, para declará-lo indefeso, extinguindo-se o processo sem julgamento de mérito, por falta de pressupostos válidos de constituição e desenvolvimento do processo (art. 267, IV, do CPC), isto é, ausência de oportunização eletiva da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LIV e LV, da CR/88), tão somente em relação ao mesmo. Ad argumentandum tantum, acaso ultrapassada a preliminar, diante da aplicação do princípio da eventualidade, que seja: b) decretada a revelia do prefeito do Município de Itaúna, E. P., no exercício de 2012, com arrimo no art. 79 da Lei Complementar Estadual n. 102/2008, para que se produzam seus efeitos legais, tão somente quanto à caracterização da oportunização da ampla defesa e do contraditório; c) julgado irregular o Processo Licitatório n. 927/2012 (Concorrência n. 001/2012), deflagrado pela Prefeitura Municipal de Itaúna, com as consequências preconizadas no § 2º do art. 276 da Resolução TCEMG n. 12/2008, pela prática de atos ilegais; d) aplicada a sanção pecuniária — pessoal e individualmente — ao prefeito do Município de Itaúna, E. P., no exercício de 2012; e ao secretário municipal de administração de Itaúna (exercício de 2012) e subscritor do edital, A. C. N., como incursos no art. 85, II, da Lei Complementar Estadual n. 102/2008 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais), pela prática de infração grave às normas legais, no valor de R$8.750,00, atendidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade nos termos do art. 89 da Lei Complementar Estadual n. 102/2008, c/c art. 320 da Resolução TCEMG n. 12/2008; e) expedida recomendação ao atual prefeito do Município de Itaúna, O. P. S., em analogia ao art. 275, III, da Resolução TCEMG n. 12/2008, para que, em futuro certame de objeto correlato, não se repitam as irregularidades apontadas nos presentes autos, encaminhando-lhe cópia da decisão ou acórdão. Por derradeiro, após o trânsito em julgado, devidamente intimados os jurisdicionados, e decorrido o prazo legal sem pagamento espontâneo das multas cominadas, que seja passada certidão de débito e sejam inscritos no cadastro de inadimplentes deste Tribunal, com remessa incontinenti ao Ministério Público de Contas 150 para as providências de praxe, nos termos do art. 364, caput c/c parágrafo único do mesmo édito, ambos da Resolução TCEMG n. 12/2008. Sem prejuízo, recomendo, desde já, a expedição de ofício com cópia da presente manifestação ministerial, nos termos dos apontamentos antepostos, ao Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais, por meio da Camp/MPC/MG, para as medidas que entender cabíveis à espécie. Entranhe-se, registre-se, certifique-se e encaminhe-se à Coordenadoria de Apoio Operacional do Ministério Público de Contas, visando à tramitação de praxe. É o parecer ministerial conclusivo. Revista TCEMG jan.|fev.|mar. 2014 Marcílio Barenco Corrêa de Mello Procurador do Ministério Público de Contas PARECERES E DECISÕES Belo Horizonte, 3 de dezembro de 2013. 151 COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS Cessão de servidor público: uma análise com enfoque nas decisões proferidas pelo TCEMG e pelo TJMG Resumo: Este estudo tem o propósito de examinar a cessão de servidor público, contemplando as suas características gerais e as decisões proferidas pelo TCEMG e pelo TJMG. As decisões selecionadas para compor este estudo abordam aspectos genéricos da cessão, de modo que as teses delas extraídas são de aplicação comum a todos os entes da Federação e auxiliam os gestores públicos a utilizar o instituto de forma adequada, resguardando a validade do ato administrativo praticado. Conclui-se, neste estudo, que, a despeito de constituir importante mecanismo de cooperação entre os entes federados, com a finalidade de conferir maior eficiência à prestação do serviço público, a cessão deve ser utilizada em hipóteses especiais e obedecer a uma série de requisitos; caso contrário, pode resultar na violação de princípios constitucionais, em especial o da moralidade, o da impessoalidade e o do concurso público. Palavras-chave: Cessão. Cooperação. Eficiência na prestação do serviço público. Obediência aos princípios constitucionais. 1 INTRODUÇÃO De forma geral, a cessão é a modalidade de afastamento temporário de servidor público, titular de cargo efetivo ou emprego público, que lhe possibilita exercer atividades em outro órgão ou entidade, da mesma esfera de governo ou de esfera distinta, para ocupar cargo em comissão, função de confiança ou ainda para atender às situações estabelecidas em lei, com o propósito de cooperação entre as Administrações. Nesse sentido, destacamos que tal cooperação será materializada mediante a celebração de convênio ou de outro instrumento congênere. 155 2014 Bacharela em Direito pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pela PUC Minas. Especialista em Direito Social pelo Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Direito de Comércio Internacional (International Commercial Law) pela Northumbria University. Analista de Controle Externo do TCEMG. jan.|fev.|mar. Cláudia de Carvalho Picinin Revista TCEMG Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduada no Curso de Especialização em Ciências Penais pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Analista de Controle Externo do TCEMG. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Caroline Lima Paz CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG Antes de adentrarmos nas características do instituto e, objetivando situar o leitor, esclarecemos que, no decorrer deste estudo, utilizaremos os termos “cedente” e “cessionário”, para indicar, no primeiro caso, o órgão ou entidade de origem e de lotação do servidor cedido e, no segundo caso, o órgão ou a entidade onde o servidor cedido irá exercer as suas atividades e o qual, em última análise, será o beneficiário da prestação dos serviços. A cessão constitui ato discricionário do cedente e do cessionário, podendo o primeiro se recusar a ceder o seu servidor, baseado em juízo de conveniência ou oportunidade. Sobre o poder discricionário, leciona Carvalho Filho (2010, p. 54): [...] é a prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem, entre as várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público. Em outras palavras, não obstante a discricionariedade constitua prerrogativa da Administração, seu objetivo maior é o atendimento aos interesses da coletividade. Reforçando as considerações retrotranscritas, salientamos que a cessão de servidor público deve estar amparada no interesse das administrações envolvidas, visando atender a uma finalidade pública. A cessão, regra geral1, não depende da anuência do servidor, já que a Administração Pública possui a prerrogativa de movimentar seus servidores, ex officio, em prol do interesse público e da necessidade do serviço, desde que ela obedeça aos parâmetros estabelecidos em lei e aos princípios norteadores da atividade administrativa. Sobre a matéria, ensina Meirelles (2006, p. 424): O servidor poderá adquirir direito à permanência no serviço público, mas não adquirirá nunca direito ao exercício da mesma função, no mesmo lugar e nas mesmas condições, salvo os vitalícios, que constituem uma exceção à regra estatutária. O poder de organizar e reorganizar os serviços públicos, de lotar e relotar servidores, de criar e extinguir cargos, é indespojável da Administração, por inerente à soberania interna do próprio Estado. Assim como a Administração Pública possui a prerrogativa de ceder, ex officio, os seus servidores, ela também possui a prerrogativa de revogar a cessão a qualquer momento, não havendo que se falar em direito subjetivo do servidor cedido de permanência no órgão ou entidade cessionária. É importante frisar que a cessão de servidor não se confunde com requisição de servidor, já que, no primeiro caso, o afastamento do servidor depende da autorização (consentimento) do órgão ou entidade cedente, enquanto, no segundo caso (requisição), por ser ato compulsório, o afastamento do servidor independe, a rigor, de tal autorização, somente sendo possível nas hipóteses previstas em lei. A forma mais comum de requisição de servidor público é a que ocorre no âmbito da Justiça Eleitoral, com base na Lei Federal n. 4.737/1965 (institui o Código Eleitoral) e na Lei Federal n. 6.999/1982. Em relação ao ônus da remuneração do servidor cedido, leciona Oliveira (2005, p. 109): A maioria dos estatutos de servidores prevê que a cessão de seus servidores se dará com a transferência do ônus decorrente de sua remuneração e encargos ao cessionário. Mas não é incomum que se depare com situação diversa. Geralmente, quando existe um interesse direto do cedente na efetivação da cessão, este mantém a responsabilidade pelo pagamento do vencimento do servidor, bem como dos encargos sociais. Quando, todavia, o interesse é predominantemente do cessionário, e isso ocorre quando este irá beneficiar-se com a transferência de conhecimento por parte do servidor, a cessão é feita mediante o comprometimento do cessionário de assumir as despesas com a remuneração e encargos sociais do servidor emprestado. 1 Em situações específicas, previstas em lei, a cessão poderá estar condicionada à anuência do servidor. A título exemplificativo, o § 13 do art. 14 da Constituição do Estado de Minas Gerais dispõe que a cessão, onerosa ou gratuita, de pessoal efetivo ou estável para entidade que não compõe a Administração Pública indireta ficará condicionada à anuência do servidor. 156 Nesses termos, a cessão de servidor poderá ser efetivada: a) com ônus para o cedente, ou seja, o servidor permanece percebendo seus vencimentos pelo órgão ou entidade de origem; Expostas as considerações iniciais acerca da cessão de servidor público, analisaremos algumas decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG) e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), com o propósito de extrair orientações sobre a aplicação do instituto. 2 ANÁLISE DAS DECISÕES DO TCEMG 2.1 Requisitos formais para a realização da cessão de servidor público Analisando as decisões do TCEMG sobre a cessão de servidor público, observamos que essa, para ser regular, encontra-se submetida a requisitos formais, a saber: previsão em lei; formalização em convênio ou As parcelas remuneratórias pagas ao servidor cedido pelo cessionário que não compõem a remuneração do cargo efetivo poderão ser incorporadas aos proventos de aposentadoria, quando houver a possibilidade de o servidor cedido optar por contribuir de forma facultativa com o regime próprio de previdência social (RPPS) do órgão ou entidade cedente, na forma prevista em lei. Sobre a matéria, transcrevemos o art. 29, caput, e o art. 34, caput, da Orientação Normativa do Ministério da Previdência Social (MPS) e da Secretaria de Políticas de Previdência Social (SPS) n. 02/2009: “Art. 29. A lei do ente federativo definirá as parcelas da remuneração que comporão a base de cálculo da contribuição, podendo prever que a inclusão das parcelas pagas em decorrência de local de trabalho, de função de confiança, de cargo em comissão, ou de outras parcelas temporárias de remuneração, será feita mediante opção expressa do servidor, inclusive quando pagas por ente cessionário. Art. 34. Não incidirão contribuições para o RPPS do ente de origem, para o RPPS do ente cessionário ou de exercício do mandato, nem para o RGPS, sobre as parcelas remuneratórias não componentes da remuneração do cargo efetivo, pagas pelo ente cessionário ou de exercício do mandato, ao servidor cedido ou licenciado para exercício de mandato eletivo em outro ente federativo exceto na hipótese em que houver a opção pela contribuição facultativa ao RPPS do ente de origem, na forma prevista em sua legislação, conforme caput do art. 29.” Obs: a Orientação Normativa MPS/SPS n. 02/2009 aplica-se aos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, magistrados, ministros, conselheiros dos tribunais de contas e membros do Ministério Público, de quaisquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas as autarquias e fundações. 2 157 2014 Ademais, entendemos que não seria razoável permitir a cessão de um servidor antes que esse tenha cumprido seu estágio probatório. Na presente hipótese, se fosse admitida a cessão, ocorreria a redução do quadro de pessoal do órgão ou entidade cedente, em razão de afastamento de servidor que, em momento posterior, quando do seu regresso, poderia se mostrar inapto para o desempenho das atribuições do cargo efetivo do qual é titular. Nesse contexto, caso o órgão ou entidade insista em ceder o servidor que não é estável, posição da qual discordamos, seria necessário suspender o período de estágio probatório, visto que não é possível o cedente realizar a avaliação de desempenho do servidor cedido. jan.|fev.|mar. Acrescentamos que, se o servidor cedido receber do cessionário parcelas remuneratórias que não compõem a remuneração do cargo efetivo do qual é titular no órgão ou entidade cedente, tais parcelas, após o encerramento da cessão, não serão incorporadas à sua remuneração, nem aos seus proventos de aposentadoria. Nesse contexto, não há que se falar em violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, uma vez que a cessão possui caráter temporário e precário, não alterando a situação jurídica do servidor em relação ao seu vínculo com o órgão ou entidade cedente2. Revista TCEMG c) com ônus para o cessionário, mediante reembolso, importando dizer que o servidor permanece na folha de pagamento do cedente, e o cessionário faz o reembolso mensal da remuneração percebida pelo servidor bem como dos respectivos encargos. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA b) com ônus para o cessionário, vale dizer, a obrigação do pagamento da remuneração ao servidor, bem como do recolhimento do percentual determinado por lei para a previdência e dos demais encargos, passa a ser do órgão ou entidade cessionária; CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG instrumento congênere; fixação de prazo determinado para a permanência do servidor cedido no órgão ou entidade cessionária; cumprimento de finalidade específica e autorização da autoridade máxima do órgão ou entidade cedente. Seguem expostas as decisões do TCEMG sobre a matéria. O TCEMG, no Processo n. 651.3793, reconheceu como irregular a cessão de servidor público realizada sem previsão em lei e, em face dessa irregularidade, aplicou multa contra prefeito municipal. Seguem transcritos excertos da decisão. Ementa: Processo Administrativo — Prefeitura Municipal — Inspeção — Denúncia — Atos de admissão e movimentação de pessoal — Constatação de que alguns fatos denunciados são improcedentes — Remanescência de fatos configuradores de irregularidades no sistema de controle interno da gestão de pessoal e no convênio firmado com a Associação Hospitalar de Jeceaba para cessão de servidor — Aplicação de multas ao responsável — Notificação à atual Administração para regularizar as falhas apresentadas. ACÓRDÃO [...] ACORDAM os Exmos. Srs. Conselheiros da Segunda Câmara do Tribunal de Contas, [...], em julgar irregulares os fatos apontados nos itens 1 e 2 da fundamentação da proposta de voto, imputando ao Prefeito Municipal de Jeceaba à época, Sr. [...], com fundamento no art. 85, II, da Lei Complementar n. 102/08, multa no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), sendo: [...] b) R$1.000,00 (mil reais) pelas irregularidades no convênio celebrado com a Associação Hospitalar de Jeceaba, relativa à cessão de servidora à entidade, com ônus para a Prefeitura, sem previsão em lei (item 2); em determinar que a atual administração municipal de Jeceaba seja oficiada para tomar as providências necessárias à regularização das falhas consignadas, a fim de coibir a perpetuação dos ilícitos apontados. No Processo n. 674.5284, o TCEMG, ao analisar uma série de apontamentos suscitados em virtude de inspeção in loco realizada em prefeitura municipal, reconheceu como irregular ato de prefeito municipal que cedera servidores da respectiva prefeitura a outros órgãos públicos, sob o fundamento de que não ocorrera a formalização do ato de cessão5, de que não fora fixado prazo determinado para a cessão e de que o município não possuía lei específica sobre a matéria. Em relação a essa última irregularidade, o TCEMG considerou que ocorrera descumprimento da legislação municipal — a qual, ao autorizar a cessão de servidor público, previa que a matéria seria disciplinada em lei específica — e, em decorrência dessa situação, aplicou multa ao prefeito municipal. Para efeito de elucidação, seguem transcritos excertos do voto do relator. VOTO pela irregularidade da cessão de 13 (treze) servidores, nominados a fls. 176, que, à época da inspeção, se encontravam à disposição de outros órgãos, com inexistência de ato devidamente formalizado, fundamento legal autorizativo e prazo respectivo. Tais atos contrariam entendimento firmado por esta Corte de Contas, em consulta, no sentido de que é possível a cessão facultativa de servidor, em caráter de colaboração, por prazo determinado, a fim de atender ao interesse público, conforme juízo de oportunidade e conveniência e sempre nos termos de lei autorizativa. Embora o Estatuto dos Servidores de Viçosa — Lei Municipal n. 810/91, art. 88, estabeleça que o servidor poderá ser cedido para ter exercício em órgão ou entidade dos Poderes da União 3 4 5 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Segunda Câmara. Processo n. 651.379 (processo administrativo). Relator: cons. substituto Hamilton Coelho. Sessão de 26 de fev. 2009. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Processo n. 436.363 (pedido de reconsideração). Relator: cons. Maurício Aleixo. Sessão de 6 de ago. 1997. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Segunda Câmara. Processo n. 674.528 (atos de admissão e movimentação de pessoal). Relator: cons. Sebastião Helvecio. Sessão de 17 de nov. 2011. Apud Oliveira (2005, p. 114), a forma do ato de cessão “pode ser a de um decreto ou de uma portaria, isto dependendo de quem é a autoridade com poder para a prática do ato, se Chefe de Poder — decreto; se Secretário ou Ministro — portaria”. 158 e dos Estados, na forma da lei, não se comprovou nos autos a existência de lei específica que regulamentasse a matéria no âmbito do Município. Posto isso, deverá o atual gestor, se ainda for o caso, adotar as providências necessárias à regularização da situação desses servidores, como também ser alertado no sentido de que os atos de cessão ocorram, apenas, nas hipóteses estabelecidas em lei municipal, nos prazos e condições específicos, devendo os atos respectivos ser devidamente formalizados. [...] As leis municipais que regulam as relações entre os servidores e o Poder Executivo Municipal estão relacionadas no preâmbulo do Edital [...]. Observa-se que não foi relacionada a lei que permite a cessão de servidores municipais mediante convênio a entidades de direito privado, o que seria imprescindível, uma vez que o subitem 2 do item III acena com tal possibilidade. Nesse sentido, o Órgão Ministerial, fls. 124 e 125, destaca o entendimento do Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 1143/2003, no qual o Ministro Relator manifestou que ‘a cessão de servidores públicos a entidades privadas vinculadas a entes estatais, deve, necessariamente, estar amparada em legislação específica. É exigência do princípio da legalidade, insculpido no caput do artigo 37 da Constituição Federal’, entendimento com o qual coaduno, razão pela qual se faz necessário o envio da lei que regulamenta a matéria, a fim de possibilitar a análise da legalidade do dispositivo editalício. Na Consulta n. 443.5147, o TCEMG posicionou-se no sentido de que as cessões dependem de prévia disposição em lei, embora estejam inseridas no âmbito de autonomia do ente federado. Além disso, o TCEMG deliberou que as cessões devem ser destinadas a uma finalidade específica, autorizadas pela autoridade máxima do órgão ou entidade cedente e formalizadas por convênio. Por fim, o TCEMG deliberou que, em razão do interesse público e do princípio da moralidade, o prazo de vigência das cessões há que ser previamente fixado, já que o servidor cedido é titular de cargo integrante do quadro permanente, cujas atribuições são essenciais para o funcionamento do órgão ou entidade cedente. Seguem transcritos excertos MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Primeira Câmara. Processo n. 808.448 (edital de concurso público). Relator: cons. em exercício Gilberto Diniz. Sessão de 15 de dez. 2009. 7 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Consulta n. 443.514. Relator: cons. Eduardo Carone Costa. Sessão de 14 de mar. 2001. Ver também as consultas seguintes: __________. Pleno. Consulta n. 445.769. Relator: cons. José Ferraz. Sessão de 22 de set. 1999. __________. Pleno. Consulta n. 657.439. Relator: cons. Simão Pedro Toledo. Sessão de 19 de jun. 2002. 6 159 2014 jan.|fev.|mar. O item III, fls. 3, dispõe no subitem 2 que ‘os candidatos aprovados e empossados exercerão as atividades atribuídas ao cargo em todo o território do Município, zona urbana ou rural, ou nas dependências de Órgãos e /ou Entidades de natureza pública ou privada (gn) as quais o Município de José Raydan mantenha convênio para a cessão de pessoal’. Revista TCEMG O TCEMG, no Processo n. 808.4486, ao analisar edital de concurso público realizado por prefeitura municipal, verificou a existência de irregularidades que, a princípio, poderiam comprometer a legalidade do concurso e, por esse motivo, determinou a sua suspensão, com fundamento no inciso III do art. 96 da Lei Complementar Estadual n. 102/2008 (Lei Orgânica do TCEMG). Nesse contexto, o TCEMG apurou, entre outras irregularidades, que, a despeito de o edital prever a possibilidade de os servidores aprovados no concurso exercerem suas atividades nas dependências de entidades de natureza privada com as quais o município celebrasse convênio de cessão de pessoal, o prefeito municipal não demonstrou que o município possuía lei autorizativa da situação narrada. Desse modo, o TCEMG exigiu que o prefeito encaminhasse a referida lei, para analisar a legalidade da previsão no edital. Seguem transcritos excertos do voto do relator. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Aplico ao Sr. [...], gestor responsável à época, pela inobservância da legislação local, multa no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), a teor do disposto no art. 85, II, da Lei Complementar n. 102/08 (Lei Orgânica TCEMG). (grifos no original) CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG do voto do relator. [...] mister se faz esclarecer que as cessões decorrem de autorização legal, para um fim determinado e por prazo certo. É da tradição do nosso Direito que o ato administrativo deve alicerçar-se em ato legislativo formal e material, e basta recordar o que dispõe o art. 72 da Lei 869/52, verbis: ‘Art. 72 — Nenhum funcionário poderá ter exercício em serviço ou repartição diferente daquele em que estiver lotado, salvo os casos previstos neste Estatuto ou prévia autorização do Governador do Estado. Parágrafo único — Nesta última hipótese, o afastamento do funcionário só será permitido para fim determinado e por prazo certo.’ Ora, se dentro da própria organização, no caso, o Estado de Minas Gerais, não se pode alterar a lotação do cargo para outra repartição, salvo nos casos previstos no próprio Estatuto ou mediante prévia autorização do Governador do Estado, é evidente que somente através do Chefe do Poder a que estiver subordinado poderá ser cedido servidor para prestar serviço a outra pessoa de direito público interno. Entendo, ainda, que se o cargo integra o Quadro Permanente é porque enfeixa certas e precisas atribuições das quais não pode prescindir a entidade ou Poder, daí porque, em respeito ao interesse público e mesmo ao princípio da moralidade, não ser aceitável que a disposição seja feita sem prazo definido (o parágrafo único do Estatuto Estadual, Lei 859/52, desde aquele recuado ano, o de 1952, já se ajustava a tal entendimento). Entendo que a matéria se insere no âmbito da autonomia municipal, mas sua operacionalidade pelo gestor pressupõe a indispensável previsão legal. Os convênios de cooperação entre entidades públicas, mesmo na área de pessoal, podem e devem ser celebrados, desde que se harmonizem com as disposições legais, notadamente aquelas do caput do art. 37 da Constituição Federal. 2.2 Ônus da remuneração do servidor cedido O TCEMG, na Consulta n. 697.3228, deliberou que o ônus da cessão, como regra geral, deve ser conferido ao órgão ou entidade cessionária e que somente por autorização em lei e mediante justificativa, o ônus da cessão pode ser assumido pelo órgão ou entidade cedente. Além disso, o TCEMG entendeu que o servidor cedido não pode perceber remuneração de forma simultânea do cedente e do cessionário, sob pena de ofensa aos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição da República, os quais vedam a acumulação remunerada de cargos, empregos ou funções públicos. Seguem transcritos excertos do voto do relator. No mérito, saliento que, salvo disposição em contrário, a cessão de servidor efetivo para outra entidade política, inclusive para o exercício de cargo em comissão, acarreta ônus da remuneração para o órgão cessionário, ou seja, o que recebe por adjunção o funcionário. Por outro lado, mediante lei autorizativa e justificadamente, poderá o cedente autorizar a colocação de servidor seu à disposição de outra Administração Pública (Federal, Estadual, Distrital ou Municipal), para o exercício de cargo em comissão, sem ônus para o cessionário. [...] [...] o afastamento do servidor para trabalhar em outra entidade pública deverá, em face da inteligência dos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição da República, que veda a acumulação remunerada de cargos e empregos públicos, ser com ônus para o cessionário ou cedente, nunca para os dois simultaneamente, ainda que sob a forma de complemento. 8 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Consulta n. 697.322. Relator: cons. Moura e Castro. Sessão de 14 de dez. 2005. 160 Não concordamos com a decisão proferida pelo TCEMG na Consulta n. 697.322, no tocante à impossibilidade de o servidor cedido receber remuneração de forma simultânea do cedente e do cessionário. Entendemos que tal situação pode ser concretizada em casos específicos sem implicar ofensa aos incisos XVI e XVII do art. 37 da Constituição da República. Mencionamos, a título exemplificativo, o servidor que, ao ser cedido, assumiu a titularidade de função de confiança no órgão ou entidade cessionária. Nesse caso, desde que haja previsão em lei e acordo entre o cedente e o cessionário no termo de convênio ou instrumento congênere, entendemos que o servidor cedido poderá receber do cedente a remuneração do seu cargo efetivo e do cessionário a parcela remuneratória correspondente à função de confiança. Importa observar que o instituto da cessão de servidor público, em caráter de colaboração, não pode conduzir burla ao requisito constitucional de aprovação prévia em concurso público, já que a realização do certame como condição de acesso aos postos estatais tem por objetivo a concretização do princípio da isonomia, bem como a consagração do princípio democrático, uma vez que a todos é assegurado o direito a ocupá-los. Ora, se a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, para fazer parte do Quadro de Servidores Efetivos de outro órgão ou entidade é imprescindível a aprovação em novo concurso público, realizado com regras próprias e atinentes ao novo cargo que irá ocupar. [...] [...] é importante sublinhar que as despesas atinentes à remuneração do servidor cedido imprescindem de previsão legal. Para tanto, além da lei autorizativa e do ato administrativo que formalize a cessão, é indispensável, ainda, que o servidor em questão venha a ocupar, no órgão cessionário, um cargo em comissão, criado por lei, destinado a atribuições de direção, chefia ou assessoramento, tal como determina a redação conferida pela Emenda à Constituição nº 19/98 ao inciso V do art. 37 da Constituição da República. (grifos no original) Não estamos acordes com a deliberação de que o servidor cedido deve obrigatoriamente ocupar cargo em comissão no órgão ou entidade cessionária. Entendemos que, mediante previsão em lei e acordo no termo de convênio ou instrumento congênere, os servidores podem ser cedidos sem ocupar cargo em comissão ou função de confiança no órgão ou entidade cessionária, mantendo apenas a titularidade do cargo efetivo pertencente ao quadro permanente do cedente. No presente caso, não há que se falar em burla ao princípio constitucional do concurso público, na medida em que o servidor cedido permanece vinculado ao quadro funcional do cedente, cabendo lembrar que a sua cessão deve ser por prazo determinado e estar vinculada MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Consulta n. 770.344. Relator: cons. Antônio Carlos Andrada. Sessão de 27 de maio 2009. 9 161 2014 [...] jan.|fev.|mar. Em recorrentes consultas realizadas a esta Corte de Contas pacificou-se o entendimento no sentido de ser possível a cessão facultativa, ou seja, a título de colaboração, de servidores ocupantes do quadro permanente entre entidades ou órgãos da Administração, a ser formalizada, em regra, mediante convênio que preveja o ônus correspondente, amparada em lei permissiva [...]. Revista TCEMG Na Consulta n. 770.3449, o TCEMG abordou vários aspectos da cessão, reiterando, quanto aos requisitos de ordem formal, os entendimentos expostos no item 2.1 do presente estudo. Um aspecto inovador trazido na referida consulta foi o de que a cessão não pode implicar burla ao princípio constitucional do concurso público. Nesse sentido, o TCEMG defendeu que o servidor cedido não pode compor o quadro de servidores efetivos do órgão ou entidade cessionária, devendo ocupar cargo em comissão durante o período de cessão. Seguem transcritos excertos do voto do relator. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA 2.3 A cessão de servidor público e o princípio constitucional do concurso público CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG a uma finalidade específica, além de ser ato precário (pode ser revogado a qualquer momento). Por fim, destacamos que, objetivando evitar o desvio de função, é necessário que haja correlação entre as atividades desenvolvidas pelo servidor no cedente e as que serão por ele desenvolvidas no cessionário. 2.4 Ausência de prejuízo ao funcionamento do órgão ou entidade cedente como requisito de realização da cessão A Primeira Câmara do TCEMG, no Processo n. 770.27910, Sessão de 21/05/2013, ao analisar procedimento seletivo simplificado realizado por prefeitura municipal para a contratação temporária de agentes públicos, deliberou, com fundamento no inciso V do art. 26 do Regimento Interno do TCEMG (Resolução n. 12/2008), pelo encaminhamento do processo ao Tribunal Pleno, a fim de que esse analisasse, em caráter incidental, a constitucionalidade de dispositivos da lei do município que disciplina a contratação temporária de pessoal. Nesse contexto, dentre os dispositivos cuja constitucionalidade foi submetida à apreciação do Tribunal Pleno, destacamos os que preveem que a contratação temporária de pessoal será destinada a suprir a falta de servidores afastados do exercício de seus cargos, em razão de cessão a outro órgão ou entidade ou destinada a atender os convênios de cessão de pessoal celebrados com órgãos ou entidades públicos ou assistenciais. Dando continuidade às considerações sobre o Processo n. 770.279, informamos que, na Sessão de 07/08/2013, o Tribunal Pleno reconheceu a inconstitucionalidade dos dispositivos retromencionados, sob o argumento de que o afastamento de servidor, em razão de cessão, constitui situação previsível na administração pública, não se adequando, portanto, à ideia de excepcional interesse público, apta a ensejar a contratação temporária, e sob o argumento de que, quando o servidor é indispensável para o bom andamento do serviço público no município, não se justifica a sua cessão, ainda mais se for necessário convocar, a título precário, outra pessoa para exercer a sua função. Seguem transcritos excertos do voto do relator. [...] as contratações temporárias realizadas no Município de Ponte Nova fundamentaram-se em sua maioria na Lei Municipal n. 3.020/2006 [...]. Essa lei apresenta o vício de inconstitucionalidade, conforme demonstrarei, fazendo-se necessária a sua apreciação por este Colegiado, haja vista a possibilidade jurídica de controle de constitucionalidade por esta Corte de Contas. Ao ler o art. 2º da referida lei, que elenca as situações de excepcional interesse público (fls. 76), verifiquei em alguns incisos que as hipóteses descritas não traduzem a excepcionalidade de contratação exigida no inciso IX do art. 37 da CR/1988. Vejamos: [...] ‘VIII — contratação de pessoal para suprir falta de servidores efetivos, estáveis ou estabilizados, afastados de seus cargos por estarem exercendo cargo em comissão ou cedidos a outro órgão ou entidade pública, na forma da legislação vigente;’ Os afastamentos descritos [...] podem ser cobertos pelos demais servidores efetivos, não havendo motivo para contratação em função disso, razão pela qual não vislumbro excepcional interesse público. A regra para admissão no serviço público é o concurso público. A contratação temporária é uma exceção que não pode ser admitida em faltas definitivas ou situações rotineiras e previsíveis na Administração como expôs o Ministério Público. E ainda, a 2ª parte do inciso IX: 10 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Primeira Câmara. Processo n. 770.279 (representação). Relator: cons. Wanderley Ávila. Sessão de 21 de maio 2013. 162 ‘IX — contratação de servidores para atendimento de programas especiais, mantidos pelo município, e convênios com órgãos ou entidades, públicos e/ou assistenciais, que prevejam cessão de pessoal;’ A parte final do inciso carece de interesse público excepcional, conforme bem apontou o douto Parquet. Se o servidor é indispensável ao bom andamento do serviço público, sua cessão não se justifica, principalmente, se for preciso recrutar outra pessoa a título precário, para exercer a função. Dessa forma, levando em consideração que o ato de cessão de determinado servidor deve ser analisado à luz da conveniência e oportunidade da Administração e sendo evidente a inconveniência da cessão na hipótese abstrata ora analisada, seu indeferimento é medida que se impõe. 2.5 Impossibilidade de cessão de servidor titular de cargo em comissão Na Consulta n. 443.03412, o TCEMG posicionou-se de forma contrária à cessão de servidor titular de cargo em comissão. No presente caso, o TCEMG, partindo do pressuposto de que a nomeação do cargo em comissão caracteriza-se pela relação de confiança entre o servidor nomeado e a autoridade que o nomeou, entendeu que a cessão não se compatibiliza com a natureza daquele cargo, na medida em que o servidor cedido fica subordinado a outra autoridade, o que desconstitui a relação de confiança. Além disso, o TCEMG considerou que o cargo em comissão, por ser de livre nomeação e exoneração, possui uma transitoriedade incompatível com o ato de cessão, o qual possui como requisito a fixação de um prazo determinado dentro do qual o servidor fica à disposição do cessionário. Seguem transcritos excertos do voto do relator. [...] dentro dessa linha de raciocínio, que tem o interesse público como pedra angular, não vejo conteúdo moral na admissão de servidor para ocupar cargo demissível “ad nutum” na estrutura organizacional de um Município, para, ou com o propósito, só e só, de colocá-lo à disposição de outro Município ou até mesmo de um dos Poderes do Estado. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Consulta n. 862.117. Relator: cons. Cláudio Terrão. Sessão de 7 de dez. 2011. DOC, 15 fev. 2012, p. 19-20. O fato de a cessão não poder resultar em prejuízo ao andamento dos serviços executados pelo servidor cedido foi também abordado em: __________. Consulta n. 247.012-8 (novo n. 28.440). Relator: cons. Luiz Baccarini. Sessão de 27 de mar. 1996. 12 __________. Pleno. Consulta n. 443.034. Relator: cons. Simão Pedro. Sessão de 6 de ago. 1997. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 3, p. 101, jul./set. 1997. Obs: o voto do relator seguiu na integralidade o parecer do cons. Eduardo Carone Costa, emitido na época em que era titular do cargo de auditor do Tribunal de Contas. 11 163 2014 Ora, o fato de a Administração ceder o único servidor que exerça determinada função em seus quadros, além de não ser razoável, não coaduna com a consecução de um resultado de interesse público, uma vez que o referido servidor é essencial para o regular funcionamento do órgão/entidade. jan.|fev.|mar. [...] a discricionariedade do ato de cessão do servidor público está adstrita a um resultado de interesse público e à qualidade do que é razoável, garantindo-se, assim, a legitimidade da ação administrativa. Revista TCEMG Na Consulta n. 862.11711, o TCEMG posicionou-se de forma contrária à cessão de servidor público, tendo em vista que esse era o único a exercer as atribuições de contador na câmara municipal e que seria necessário designar outro agente público para exercer aquelas atribuições. Na presente hipótese, o TCEMG defendeu que, a despeito de a cessão ser ato discricionário, ela encontra limitações no princípio da razoabilidade, além de ter como escopo o interesse público, não podendo resultar em prejuízo ao andamento das atividades do órgão ou entidade cedente. Seguem transcritos excertos do voto do relator. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Diante da leitura dos incisos mencionados, percebemos que a Lei Municipal n. 3.020/2006 não tem amparo constitucional. As hipóteses nela previstas não se revestem do caráter da excepcionalidade exigido pelo art. 37, inciso IX da CR/1988. (grifos no original) CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG Se o cargo é de recrutamento amplo, portanto demissível ad nutum, é porque tem por suporte fático a estrita relação de confiança entre a autoridade que tem competência para recrutar o auxiliar e o escolhido. Ora, promover tal recrutamento e ato contínuo transferir o servidor para a supervisão de outro Gestor, quando nada, é um paradoxo, pois a relação de confiança que justificou o provimento estaria desfigurada com a cessão. Na verdade, não encontro supedâneo para tal cessão de servidor, mesmo porque não se poderia, até mesmo, fixar-se prazo para a disposição, pois se não há efetividade e muito menos estabilidade, a demissibilidade não poderia ficar limitada pelo prazo que todo ato de disposição deve conter. Na mesma linha da deliberação exposta, o TCEMG, na Consulta n. 862.30413, defendeu a impossibilidade de cessão de servidor titular de cargo em comissão, seja o de recrutamento amplo (pode ser ocupado por cidadãos com ou sem a titularidade de cargo efetivo), seja o de recrutamento restrito (somente pode ser ocupado por cidadãos com a titularidade de cargo efetivo). Na presente consulta, o TCEMG ponderou que, na hipótese de o cargo em comissão ser ocupado por servidor efetivo, a Administração Pública pode cedê-lo, desde que o exonere do cargo em comissão. Já na hipótese de o cargo em comissão ser ocupado por cidadão sem a titularidade de cargo efetivo, o TCEMG ponderou que a cessão não se mostra possível, por violar os princípios da moralidade, da razoabilidade e da finalidade. Seguem transcritos excertos do voto do relator. Reconhece o nosso ordenamento jurídico duas espécies de cargos em comissão: um, [...], de recrutamento amplo, que poderá ser provido por cidadãos não investidos em cargos efetivos, e outro, de recrutamento restrito, provido por servidores efetivos. A cessão de pessoal ocupante de cargo em comissão, seja ele de recrutamento amplo ou de recrutamento restrito, revela-se, à luz dos princípios gerais da Administração Pública, hoje expressamente previstos no art. 37, caput, da Constituição da República, atentatória a todos aqueles princípios, porquanto é desarrazoado prover-se um cargo diretivo, de assessoramento ou de chefia, e, após, deslocar o servidor ali investido de forma distinta para o exercício de funções diferenciadas e de responsabilidade destacada, para prestar serviços a outro órgão ou entidade públicos. [...] devo obtemperar, que no tocante a servidor ocupante de cargo em comissão de recrutamento restrito, caso a Administração precise emprestar a força de trabalho desse servidor a outro órgão ou entidade, em nome do interesse público e da cooperação, mediante cessão, poderá fazê-lo, desde que – preenchidos os requisitos lançados na parte inicial desse parecer (interesse público, norma legal) – exonere o servidor efetivo do cargo em comissão no qual estava investido, sob pena de violação aos princípios constitucionais encartados no citado art. 37. Nesta toada, e, destacando, neste ponto, o cerne da consulta, quanto à cessão de servidor ocupante de cargo de recrutamento amplo, não sendo ele oriundo de cargos efetivos, a cessão, nessas condições, constitui clara afronta aos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade e finalidade [...]. 2.6 Recolhimento das contribuições previdenciárias no período de cessão O TCEMG, no Recurso Administrativo n. 708.73714, apreciou pedido, formulado por ex-servidor do seu quadro funcional, consistente na devolução dos valores recolhidos ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) do Estado de Minas Gerais durante o período em que ficara cedido, sem ônus para o TCEMG, à entidade da União. MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Consulta n. 862.304. Relator: cons. Wanderley Ávila. Sessão de 25 de abr. 2012. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 83, n. 2, p. 128, abr./jun. 2012. 14 __________. Tribunal de Contas. Pleno. Processo n. 708.737 (recurso administrativo). Relator: cons. Wanderley Ávila. Sessão de 3 de out. 2007. 13 164 O TCEMG julgou improcedente o pedido constante do recurso administrativo mencionado, sob o fundamento de que o recorrente, durante o período da cessão, manteve o seu vínculo com o RPPS do Estado de Minas Gerais. Acrescentamos que a deliberação do TCEMG se baseou no art. 1º-A da Lei Federal n. 9.717/199815, o qual dispõe de forma expressa que o servidor público titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios [...] filiado ao regime próprio de previdência social, quando cedido ao órgão ou entidade de outro ente da federação, com ou sem ônus para o cessionário, permanecerá vinculado ao regime de origem. Com base na matriz constitucional a Lei 9717, de 27/11/1998, estabelece no art. 1º A, aditado pela Medida Provisória nº 2.187-13/2001, de 24/08/2001: [...] Assim, de caráter obrigatório, essa regra geral para as unidades federativas indicadas, o Estado a reproduziu, a par de suplementá-la, no art. 47 da LC 64/2002, que instituiu o regime próprio da previdência social de seus servidores. [...] Ademais, o ex-servidor jamais negou sua vinculação ao sistema e, uma vez vinculado, responde pelas obrigações. Na Consulta n. 755.50416, o TCEMG manifestou-se de forma favorável sobre a possibilidade de o servidor cedido continuar a receber a sua remuneração do órgão ou entidade cedente mediante reembolso dos valores despendidos pelo cessionário. No presente caso, o TCEMG recomendou que o cedente, ao registrar as despesas correspondentes à remuneração do servidor cedido e ao reembolso realizado pelo cessionário, observasse os procedimentos contábeis previstos em manual da Secretaria do Tesouro Nacional. Acrescentamos que o TCEMG, com base em orientação normativa do Ministério da Previdência Social e da Secretaria de Políticas de Previdência Social, asseverou que, na hipótese de cessão com ônus para o cessionário, cabe a este efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias — tanto da cota devida pelo cedente, quanto da cota devida pelo servidor cedido — à unidade gestora do regime de previdência social do cedente. Por fim, o TCEMG asseverou que se o cessionário não cumprir com aquela obrigação, caberá ao cedente providenciar o recolhimento das contribuições, buscando do primeiro o ressarcimento dos valores despendidos. Seguem transcritos excertos do voto do relator. [...] resta consignar os procedimentos de ordem contábil que deverão ser observados pelo órgão cedente para fins de registro das despesas decorrentes do pagamento da remuneração de seu servidor e do reembolso efetivado pelo cessionário. A Lei Federal n. 9.717/1998 “dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências”. O art. 1º-A foi inserido na Lei Federal n. 9.717/1998 pela Medida Provisória n. 2.187-13/2001. 16 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Pleno. Consulta n. 755.504. Relator: cons. substituto Gilberto Diniz. Sessão de 10 de set. 2008. 15 165 2014 Recorda o Dr. Plínio Salgado que, na forma da Constituição da República compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre previdência social (art. 24, inc. XII), limitando-se a competência da União a estabelecer normas gerais, ao passo que é da alçada dos outros entes a edição de regras suplementares (art. cit. §§ 1º e 2º). jan.|fev.|mar. Esta questão foi enfrentada no Pedido de Reconsideração, Processo DA/156/05/, às fls. 28/36, apenso, em Parecer da Assessoria Jurídica PA/AJ/PRES/02/06, da lavra do Dr. Plínio Salgado. Revista TCEMG Argumenta o recorrente que durante o período de sua cessão à Universidade Federal de Minas Gerais não recebeu remuneração do Tribunal de Contas e por isso, inexistiria o fato gerador da obrigação do recolhimento da contribuição previdenciária. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Seguem transcritos excertos do voto do relator. CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG Em razão da necessidade de harmonizar os procedimentos de execução orçamentária, financeira e contábil, nos três níveis de governo, de modo a garantir a evidenciação dos seus efeitos no processo de consolidação das contas públicas, a Secretaria do Tesouro Nacional, órgão central de contabilidade da União nos termos do Decreto Federal n° 3.589/0017, por determinação contida no § 2º do art. 50 da Lei Complementar 101/00, expede atos normativos voltados à uniformização de procedimentos técnicos utilizados no curso da execução orçamentária. Pela adoção de métodos comuns entre os entes federados, pretende-se evitar a utilização de parâmetros diferentes para eventos de mesma natureza, e ainda, o registro em duplicidade de receitas e despesas decorrentes de operações realizadas entre duas ou mais esferas de governo. De acordo com as orientações contidas no Manual de Despesa Nacional, aplicável à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, disponível [...] no site da referida Secretaria, [...], e que será editado por via de Portaria Conjunta para registrar os eventos decorrentes da realização de despesa com pessoal cedido com ônus, quando o servidor pertencer à outra esfera de governo, deverão ser adotados os seguintes procedimentos18: [...] Por remate, é indispensável consignar que, a teor do disposto no caput do art. 27 da Orientação Normativa nº 1, editada em 23/01/07, pelo Ministério da Previdência Social, por via da Secretaria de Políticas de Previdência Social, e publicada em 25/01/07 no Diário Oficial da União19, o desconto da contribuição devida pelo servidor cedido e a contribuição devida pelo ente de origem são de responsabilidade da entidade cessionária, cabendo a esta última efetuar o repasse daquelas contribuições à unidade gestora do Regime Próprio de Previdência Social do ente federativo cedente. E, mais, na hipótese de o cessionário não efetuar o repasse das contribuições àquela unidade no prazo legal, cabe ao cedente efetuá-lo, buscando o reembolso dos valores perante o cessionário. 3 ANÁLISE DAS DECISÕES DO TJMG Analisando as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) sobre a cessão, verificamos a existência de jurisprudência extensa, com assuntos de variadas naturezas, muitas vezes afetos a leis específicas do Estado de Minas Gerais e dos municípios que o compõem. Nesse contexto, esclarecemos que buscamos concentrar neste estudo decisões que abordam aspectos mais genéricos do instituto, de aplicação comum a todos os entes da Federação. 3.1 Necessidade de a cessão estar autorizada em lei O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0525.05.071888-7/00120, não reconheceu a validade de convênio de cessão, sob o argumento de que o estatuto dos servidores públicos do órgão cedente é omisso quanto à possibilidade de realização de cessão. No presente caso, o TJMG baseou a sua decisão em parecer exarado, em processo de consulta, pelo TCEMG. Segue transcrita a ementa do julgado. EMENTA: ADMINISTRATIVO — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE — CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO A OUTRA PESSOA DE DIREITO PÚBLICO INTERNO O Decreto Federal n. 3.589/2000 foi revogado pelo Decreto Federal n. 6.976/2009; todavia, foi mantida, neste último diploma normativo, a previsão de que a Secretaria do Tesouro Nacional constitui órgão central de contabilidade da União. 18 Hoje, o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) se encontra na 5ª edição, aprovada pela Portaria n. 437/2012 da STN e pela Portaria Conjunta n. 02/2012 da STN e da Secretaria de Orçamento Federal. 19 A Orientação Normativa n. 01/2007 foi revogada pela Orientação Normativa do Ministério da Previdência Social e da Secretaria de Políticas de Previdência Social n. 02/2009; todavia, foram mantidas, nesta última orientação, as mesmas disposições, contidas na primeira, sobre o dever de o órgão ou entidade cessionário efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias, quando assumir o ônus da cessão. 20 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0525.05.071888-7/001. Relatora: des. Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Julgado em 10 abr. 2012. DJe, 11 maio 2012. 17 166 — POSSIBILIDADE, DESDE QUE PREVISTA NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL — PRECEDENTE DO TCMG — AUSÊNCIA NA LEI MUNICIPAL — IMPOSSIBILIDADE — [...] — É perfeitamente possível a cessão de servidor municipal ao Poder Judiciário, inclusive por meio de convênio, desde que mediante previsão na legislação municipal. Ausente previsão legal, fere-se o Princípio da Legalidade, sendo inválida a cessão [...]. [...] há nos autos elementos de provas preconstituídas consubstanciadas em certidões e declarações que comprovam a cessão de 16 (dezesseis) Servidores Municipais às Unidades da SRF/Montes Claros (fls. 115/121 e 129/130), evidenciando a existência de vagas e o interesse público em supri-las na região 06, para a qual está aprovada a Impetrante. Assim, existindo vagas indevidamente ocupadas em número suficiente para a nomeação tanto da Impetrante quando dos quatro candidatos que estão à sua frente na ordem classificatória, evidente o direito líquido e certo à nomeação pretendida, desde que demonstrado a existência de vagas e o interesse da administração em supri-las. 3.3 A prática de ato de improbidade administrativa na cessão O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0023.09.011742-7/00122, reconheceu a ocorrência de ato de improbidade administrativa cometido por servidores cedidos e por ordenador de despesas do órgão cessionário e determinou a restituição de valores ao erário municipal. No caso em questão, constou, na publicação oficial do ato de cessão, que essa se daria com ônus para o órgão cedente; entretanto, os servidores cedidos tinham recebido tanto a remuneração do cargo efetivo do qual eram titulares no órgão cedente, como a remuneração do cargo em comissão para o qual foram nomeados no órgão cessionário. Seguem transcritos excertos da ementa da decisão. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Corte Superior. Mandado de Segurança n. 1.0000.09.502146-5/000. Relator: des. Geraldo Augusto. Julgado em 14 jul. 2010. DJe, 13 ago. 2010. No mesmo sentido, encontram-se: __________. Sexta Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1.0024.09.6542832/001. Relator: Maurício Barros, relator do acórdão: des. Antônio Sérvulo. Julgado em 17 ago. 2010. DJe, 24 set. 2010; __________. Quarta Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1.0024.10.244705-9/001. Relator: Almeida Melo. Julgado em 12 maio 2011. DJe, 16 maio 2011. __________. Sétima Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1.0024.10.244706-7/001. Relator: des. Peixoto Henriques. Julgado em 10 de maio 2011. DJe, 20 maio 2011. 22 __________. Tribunal de Justiça. Quinta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0023.09.011742-7/001. Relator: des. Versiani Penna. Julgado em de 21 mar. 2013. DJe, 26 mar. 2013. 21 167 2014 [Excertos do voto do Relator] jan.|fev.|mar. EMENTA: CONCURSO PÚBLICO — CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS DISPOSTAS NO EDITAL — EXISTÊNCIA DE INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO — NOMEAÇÃO — DIREITO SUBJETIVO. Segundo a orientação do Superior Tribunal de Justiça, o candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital do certame não tem mera expectativa de direito, mas verdadeiro direito subjetivo à nomeação para o cargo a que concorreu e foi classificado. E tal direito ainda mais se evidencia quando demonstrada a existência de vagas e o interesse da administração em provê-las, o que resta caracterizado com a cessão de servidores municipais para suprir a deficiência da Unidade SRF Regional Montes Claros. Revista TCEMG O TJMG, no Mandado de Segurança n. 1.0000.09.502146-5/00021, reconheceu o direito líquido e certo do impetrante de ser nomeado para cargo ao qual concorreu em concurso público, sob o fundamento de que tinha sido aprovado dentro do número de vagas disponibilizadas no edital e de que a Administração Pública demonstrara a necessidade do preenchimento daquelas vagas, visto que, durante o prazo de validade do concurso público, possuía servidores cedidos de outro órgão público, para suprirem a deficiência do serviço. Seguem transcritos excertos da decisão. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA 3.2 A cessão de servidor público e o princípio constitucional do concurso público CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — [...] — AÇÃO DE RESSARCIMENTO — ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA — CUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS DE CARGO PÚBLICO COM SUBSÍDIOS DE SECRETÁRIO MUNICIPAL — IMPOSSIBILIDADE — SERVIDOR CEDIDO COM ÔNUS PARA O ÓRGÃO DE ORIGEM — ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E EFETIVO DANO AO ERÁRIO — COMPROVAÇÃO — RESTITUIÇAO DEVIDA — APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92 — SENTENÇA MANTIDA. [...] — A configuração das hipóteses de improbidade administrativa previstas nos artigos 9° e 10 da Lei 8.429/1992 demandam a prova do enriquecimento ilícito, bem como da efetiva lesão ao erário decorrente de qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa. — Constitui ato de improbidade administrativa a cumulação de remunerações advindas de cargo efetivo e de cargo comissionado (Secretário Municipal), tendo em vista que o servidor fora cedido pelo Estado de Minas Gerais ao Município de Alvinópolis, com ônus para o órgão de origem, nos termos do convênio n. 478/07 e da publicação no órgão oficial. — O favorecimento de servidores e a incorporação indevida de verbas públicas nos respectivos patrimônios encerram enriquecimento ilícito e efetivo dano ao erário e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa. [...] — Sentença mantida. O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0080.06.005278-6/00123, reconheceu a ocorrência de ato de improbidade administrativa cometido por servidor cedido e por responsável pelo órgão cessionário, no caso, presidente de câmara municipal, sob o fundamento de que a cessão não tinha sido realizada para atender ao interesse público, mas, sim, a interesses particulares do servidor cedido. No presente julgado, o TJMG verificou que o servidor cedido não prestou serviços para o órgão cessionário; ao contrário, utilizou o período da sua jornada de trabalho para realizar campanha eleitoral, tendo sido, inclusive, eleito para o cargo de vereador da câmara municipal para a qual tinha sido cedido. Seguem transcritos excertos da decisão. EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA — IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA — LESÃO AO ERÁRIO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADOS [...]. Restando demonstrado nos autos que a cessão de servidor a outro órgão público causou lesão ao erário por não ter em sua finalidade o interesse público, aliada à ofensa ao princípio da moralidade pública, deve o servidor público ficar sujeito às sanções tipificadas nos arts. 9º, XI e 10, XII, da Lei de Improbidade Administrativa. Nas peculiaridades do caso concreto, revela-se adequada a condenação imposta aos réus pelo juízo de origem quando se constata possuir caráter inibitório de futuras práticas lesivas ao erário público e ao princípio da moralidade administrativa. [...]. [Excertos do voto do relator do acórdão] Da análise minuciosa dos autos, observo que o objeto da lide a ser solucionado pela Instância Revisora consiste em averiguar se o ato administrativo de cessão de servidora da Secretaria Estadual de Saúde para a Câmara Municipal de Bom Sucesso, possui finalidade a bem do serviço público ou praticado em prol de interesses particulares, em verdadeiro desvio de finalidade. [...] Da análise do conjunto probatório carreado para os autos, observo que a cessão de servidora da Administração Estadual à Câmara Municipal de Bom Sucesso teve como intuito primordial 23 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Sexta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0080.06.005278-6/001. Relator: des. Ernane Fidélis; relator do acórdão: des. Edilson Fernandes. Julgado em 26 de fev. 2008. DJe, 1º abr. 2008. 168 de servir a ela (primeira ré) como forma de tempo disponível para fazer campanha eleitoral propriamente dita, atendendo, assim, interesses particulares dela e do segundo réu, do que prestar serviço de interesse da coletividade. [...] Forçoso concluir que no presente caso houve prática de ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito, decorrente de vantagem patrimonial indevida (art. 9º, XI) e, por conseqüência, lesão ao erário (art. 10, XII), condições mais que suficientes a ensejar a condenação dos recorrentes nas sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/92. [Excertos do voto do relator] Sabe-se que, ao Poder Judiciário, é vedado o exame da conveniência e oportunidade do ato administrativo, cabendo-lhe aferir o aspecto da legalidade [...]. No entanto, insta ressaltar, hodiernamente, tem-se reconhecido a possibilidade do controle pelo Poder Judiciário dos motivos determinantes do ato [...]. Com efeito, apresenta-se possível o exame judicial dos atos discricionários à luz dos princípios da finalidade, moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, não ficando circunscrito ao exame de legalidade. [...] No caso em tela, o impetrante sustenta a ilegalidade do ato que determinou a prorrogação de sua cessão ao TRT-3ª Região apenas até 01/07/2012, pleiteando seja determinada sua permanência no referido órgão até 31/12/2012. A cessão de servidor público, por dizer respeito à organização do serviço, é ato discricionário, em que o administrador dispõe de certa margem de liberdade, outorgada pela lei, para avaliar a conveniência e oportunidade na realização do ato administrativo. Nesse contexto, é de se convir, tal matéria submete-se ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração, estando, portanto, infensa ao crivo do Judiciário [...]. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Corte Superior. Mandado de Segurança n. 1.0000.12.081486-8/000. Relator: des. Bitencourt Marcondes. Julgado em 3 de abr. 2013. Publicado em 26 abr. 2013. No mesmo sentido, encontram-se: __________. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0009.05.003214-4/001. Relator: des. Alvim Soares. Julgado em 13 de dez. 2005. Publicado em 17 de jan. 2006; __________. Quarta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.06.930568-8/002. Relator: des. Audebert Delage. Julgado em 24 de set. 2009. Publicado em 29 set. 2009; __________. Quinta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.10.116919-1/002. Relator: des. Fernando Caldeira Brant. Julgado em 20 de jun. 2013. Publicado em 28 jun. 2013. 24 169 2014 jan.|fev.|mar. EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. [...]. SERVIDOR PÚBLICO. CESSÃO. ATO DISCRICIONÁRIO. SEGURANÇA DENEGADA. [...]. III — A cessão temporária de servidor público, por ser ato discricionário, sujeita-se ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração, e, via de conseqüência, encontra-se infenso ao crivo do Poder Judiciário. IV — Ausente demonstração de violação de direito líquido e certo, a hipótese é de denegação da segurança. Revista TCEMG O TJMG, no Mandado de Segurança n. 1.0000.12.081486-8/00024, indeferiu pedido de permanência de servidor cedido no órgão cessionário, sob o fundamento de que a cessão, por dizer respeito à organização do serviço, é ato discricionário, submetido ao juízo de conveniência ou oportunidade do órgão cedente, e de que o indeferimento da prorrogação da cessão por parte do órgão cedente se baseou no interesse público. Acrescentamos que o TJMG considerou que o fato de a cessão ser ato discricionário não impede o Poder Judiciário de analisar se o ato observou, entre outros, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, nem de analisar se o ato guarda consonância com os motivos de fato e de direito que ensejaram a sua prática. Seguem transcritos excertos da decisão. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA 3.4 A precariedade do ato de cessão CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG [...] Diante disso, mister concluir pela inexistência do direito líquido e certo invocado pelo impetrante, pois a Administração, no uso de sua competência discricionária, entendeu ser conveniente a prorrogação de sua disponibilidade junto ao TRT apenas até julho de 2012. No entanto, cumpre ressaltar que o ato administrativo, ainda que discricionário, deve guardar consonância com os motivos de fato e de direito que ensejaram sua prática, quer dizer, a situação fática que autoriza a realização do ato deve corresponder, necessariamente, à sua previsão legal, sob pena de nulidade, por desvio de finalidade. Nesses casos, isto é, quando o administrador se utiliza de seu poder discricionário para violar a finalidade da norma, está-se diante de ilegalidade, o que autoriza a interferência do Judiciário para tutelar direitos eventualmente lesados com a prática do ato viciado. Entretanto, no caso em tela, não há qualquer indício de que o ato administrativo foi praticado com abuso de poder, desvio de finalidade, ou, ainda, de forma atentatória aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ao contrário, o ofício encaminhado pela Secretaria de Estado da Educação ao TRT-3ª Região (fls. 22), demonstra que o indeferimento da prorrogação nos moldes pleiteados pelo impetrante se deu por razões de interesse público, isto é, necessidade de recomposição do quadro de servidores para atender à demanda do serviço. Contrariamente à decisão proferida no Mandado de Segurança n. 1.0000.12.081486-8/000, o TJMG, no Agravo de Instrumento n. 1.0000.11.041034-7/00125, deferiu, por maioria, liminar pleiteada em mandado de segurança e autorizou a permanência de servidor cedido no órgão cessionário, a despeito de o órgão cedente não ter concordado com a prorrogação da cessão. No caso em análise, o TJMG fundamentou a sua decisão no art. 226 da Constituição da República (prevê que a família, como base da sociedade, possui especial proteção do Estado) e na aplicação, por analogia, do art. 36, parágrafo único, III, a, da Lei Federal n. 8.112/1990 (prevê a remoção, a pedido, de servidor público federal, para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração). Segue transcrito excerto da ementa da decisão. EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA — SERVIDORA ESTADUAL CEDIDA À ABIN — RENOVAÇÃO DA CESSÃO REQUERIDA PELA ABIN — INTERESSE DA SERVIDORA — ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE/SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL TRANSFERIDO PARA O DISTRITO FEDERAL PARA TRATAMENTO DE SAÚDE — LIMINAR DEFERIDA — APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, III DA LEI 8.112/1990. PROTEÇÃO DA FAMÍLIA — ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Defere-se liminar, em mandado de segurança, para prorrogar a cessão da impetrante, servidora pública estadual (escrivã da Polícia Civil) à ABIN, já que essa agência o requereu e há interesse da servidora, para acompanhar o marido, também servidor (Policial Federal), transferido para Brasília por motivos de saúde [...]. Quanto à decisão do TJMG proferida no Agravo de Instrumento n. 1.0000.11.041034-7/001, entendemos que o voto do relator, Edivaldo George dos Santos, embora não tenha sido vencedor, analisou a matéria de forma mais adequada, deixando de acolher, em liminar, o pedido do servidor cedido para permanência no órgão cessionário. Seguem transcritos excertos do voto do relator. [...] cada ente que compõe a Federação deverá organizar o serviço público da melhor forma que atenda ao interesse público. A Administração Pública pode movimentar seus servidores, ex officio, para atender ao interesse público, desde que respeitados os parâmetros impostos pela lei, bem como os princípios norteadores da atividade administrativa. 25 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis. Agravo de Instrumento n. 1.0000.11.041034-7/001. Relator: des. Edivaldo George dos Santos; relator do acórdão: des. Edilson Fernandes. Julgado em 18 de jan. 2012. Publicado em 1º de fev. 2012. 170 A cessão é ato discricionário e, em sede de cognição sumária, entendi que os motivos expostos no ato que indeferiu a prorrogação da cessão da servidora, são razoáveis. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL — AGRAVO DE INSTRUMENTO — AÇÃO ORDINÁRIA — LOTAÇÃO EM COMARCA — CESSÃO PROVISÓRIA — DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA — AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO — PLAUSIBILIDADE DAS ALEGAÇÕES — INOCORRÊNCIA — MANUTENÇÃO DO ‘DECISUM’. 1. Ausente a plausibilidade das alegações iniciais não há falar em deferimento da liminar pleiteada nos autos de ação ordinária, com fundamento em pretenso direito subjetivo à lotação de servidor no serviço público estadual. 2. A despeito do direito constitucional à família, não se extrai do art. 226 da Constituição da República um direito público subjetivo do servidor de ser lotado no serviço público em virtude da lotação de seu cônjuge, sem que sejam levados em conta os critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública estadual. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Já no Agravo de Instrumento n. 1.0024.12.335322-9/00126, o TJMG adotou entendimento, ao qual nos filiamos, de que o art. 226 da Constituição da República não afasta a precariedade do ato de cessão, nem cria para o servidor cedido o direito subjetivo de permanência no órgão cessionário. Além disso, o TJMG argumentou que não cabe a aplicação, por analogia, do art. 36, parágrafo único, III, a, da Lei Federal n. 8.112/1990 aos servidores do Estado de Minas Gerais. Segue transcrita a ementa da decisão. [Excertos do voto do Relator] De plano, de ser anotado que o ato de remanejamento de servidor público junto à administração Municipal e para exercer função idêntica ao do cargo para o qual foi concursado, é discricionário estando sujeito, portanto, aos aspectos de conveniência e da oportunidade. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Oitava Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1.0024.12.335322-9/001. Relator: des. Edgard Penna Amorim. Julgado em 20 de jun.2013. Publicado em 5 jul. 2013. No mesmo sentido, encontra-se: ___________. Sexta Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1.0480.13.008046-2/001. Relator: des. Barros Levenhagen. Julgado em 22 de ago. 2013. Publicado em 27 ago. 2013. 27 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Cível. Reexame Necessário n. 1.0155.05.007775-1/002. Relator: des. Geraldo Augusto. Julgado em 4 de jul. 2006. Publicado em 21 jul. 2006. No mesmo sentido, encontram-se: ___________. Sexta Câmara Cível. Reexame Necessário n. 1.0151.03.007474-5/001. Relator: des. Ernane Fidélis. Julgado em 25 de abr. 2006. Publicado em 2 jun. 2006; ___________. Oitava Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0216.04.026030-1/001. Relator: des. Edgard Penna Amorim. Julgado em 29 de maio de 2006. Publicado em 15 set. 2006; ___________. Quarta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0702.10.041702-2/001. Relator: des. Almeida Melo. Julgado em 24 de mar. 2011. Publicado em 28 mar. 2011; ___________. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0344.09.054152-7/001. Relator: des. Armando Freire. Julgado em 11 de jun. 2013. Publicado em 20 jun. 2013; ___________. Segunda Câmara Cível. Reexame Necessário n. 1.0112.05.051385-5/001. Relator: des. Francisco Figueiredo. Julgado em 30 de maio 2006. Publicado em 23 jun. 2006. 26 171 jan.|fev.|mar. EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA — SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL — CESSÃO PARA EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES PERANTE ENTE ESTATAL — ATO ADMINISTRATIVO DESTITUÍDO DE MOTIVAÇÃO — ILEGALIDADE. Desde que o ato administrativo do qual decorreu o remanejamento do servidor municipal, por cessão ao Estado, foi desmotivado e antecedeu ao convênio celebrado, tem-se por evidenciada ilegalidade passível de ser afastada através do mandado de segurança. Revista TCEMG O TJMG, no Reexame Necessário n. 1.0155.05.007775-1/00227, determinou o retorno de servidor ao órgão cedente, sob o fundamento de que a sua cessão foi ilegal, por ausência de motivação. No presente caso, o TJMG, embora tenha reconhecido que a cessão é ato discricionário, defendeu a necessidade de motivá-la, para evitar a prática de atos arbitrários, contrários ao interesse público. Seguem transcritos excertos da decisão. 2014 3.5 A necessidade de se motivar o ato de cessão CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG Diante de tal constatação, em princípio e em tese, não caberia ao Judiciário examinar esses critérios de conveniência e oportunidade (mérito do ato) que levaram a administração ao remanejamento noticiado, pena de imiscuir-se em seara imprópria. Contudo, na hipótese, trata-se de designação de servidor, sem qualquer motivação, para prestar seus serviços para outro ente Estatal, em lotação distinta da que foi aprovado em concurso público, o que, realmente evidencia ilegalidade passível de ser afastada via do mandado de segurança. [...] Com efeito, a falta de qualquer motivação é a marca indelével do arbítrio, tornando ilegal o ato administrativo, mormente quando se trata de ato que, de alguma forma, afeta a direitos/ interesses individuais, como na espécie. O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0024.06.216211-0/00228, embora tenha afirmado que a cessão se caracteriza pela precariedade e que não depende de motivação para ser revogada, entendeu, com base na teoria dos motivos determinantes29, que o administrador público, ao motivar a sua realização numa determinada situação fática, a saber, preservação da integridade física do servidor cedido, somente poderia revogá-la se comprovasse que a integridade física daquele servidor não se encontrava mais em risco. Destacamos que, a despeito de o TJMG ter considerado inválida a revogação da cessão, não acolheu o pedido do servidor cedido de permanecer em definitivo no órgão cessionário, com fundamento, entre outros, no fato de a cessão ser ato discricionário da Administração Pública, não cabendo, nesse aspecto, a intervenção do Poder Judiciário. Seguem transcritos excertos da decisão. EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO — CESSÃO TEMPORÁRIA — MOTIVO RELEVANTE — REVOGAÇÃO POR CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO — IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE DEFERIMENTO DA CESSÃO DEFINITIVA — IMPROCEDÊNCIA. — A cessão temporária de servidor, por ser revestida de precariedade, pode ser revogada a qualquer momento, independentemente de motivação; contudo, uma vez que a ação administrativa teve por justificativa um motivo fático relevante, a este ela se vincula, de tal forma que a validade do ato subseqüente, de revogação da cessão, passa a depender do desaparecimento das causas que ensejaram aquele ato, sob pena de nulidade. — Contudo, muito embora o reconhecimento de invalidade do ato de revogação da servidora, não é possível acolher-se sua pretensão de remoção definitiva [...], havendo, pois, impedimentos legais e regulamentares ao deferimento do pedido de remoção definitiva, além do que tal ato é da administração, que o Poder Judiciário não pode substituir. [Excertos do voto do Relator do acórdão] [...] observa-se que a questão aqui posta em julgamento é de fato sui generis, posto que se tem de um lado um ato administrativo de cessão temporária de servidor, a princípio, discricionário e revogável e, de outro, um motivo ligado ao exercício da função do cargo de assistente social que teria ocasionado a referida cessão, qual seja, a ameaça à integridade física da servidora. [...] Na hipótese, se o ato administrativo que permitiu que a servidora fosse cedida à Comarca de Belo Horizonte teve por motivação o risco à incolumidade física da servidora, enquanto no exercício de suas funções e por decorrência dela, deve haver uma relação de congruência quanto ao ato que revoga esta mesma cessão temporária, ou seja, para que se evidencie a possibilidade de revogação, os motivos que o ensejaram não poderão mais existir e, ao que MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.06.216211-0/002. Relator: des. Geraldo Augusto. Julgado em 12 de ago. 2008. Publicado em 29 ago. 2008. 29 Nas lições de Di Pietro (2013, p. 219), segundo a teoria dos motivos determinantes, “a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade”. Acrescenta ainda a autora “quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros”. 28 172 se tem nos autos, estes não ocorreram, nem a administração cuidou de averiguar a situação anômala. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL — DIREITO ADMINISTRATIVO — SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL — CESSÃO — DESVIO DE FUNÇÃO — ESCRIVÃO DE POLÍCIA CIVIL — DIREITO À PERCEPÇÃO DE DIFERENÇAS SALARIAIS — IMPOSSIBILIDADE — ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS — PROVA DE AUSÊNCIA DE VÍNCULO ENTRE O SERVIDOR E O ENTE ESTATAL. O servidor público que exerce função alheia àquelas inerentes ao cargo que ocupa tem direito às diferenças salariais referentes ao cargo paradigma, enquanto continue exercendo seu trabalho em desvio de função. Contudo, inexistindo prova de vínculo funcional entre o servidor da Administração Municipal e o Estado de Minas Gerais, ou de convênio firmado entre os entes, inexiste legitimidade passiva do ente estatal. Segundo Di Pietro (2013, p. 218), “a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia da legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública”. Complementou dizendo que “a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais poderes do Estado”. 31 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.08.170568-3/001. Relatora: des. Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Julgado em 7 de ago. 2012. Publicado em 16 ago. 2012. No mesmo sentido, encontram-se: __________. Terceira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.08.171636-7/001. Relator: des. Kildare Carvalho. Julgado em 1º de jul. 2010. Publicado em 21 jul. 2010; __________. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.10.034449-8/001. Relator: des. Eduardo Andrade. Julgado em 22 de jan. 2013. Publicado em 31 jan. 2013; __________. Terceira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.10.040396-3/001. Relator: des. Albergaria Costa. Julgado em 31 de jan. 2013. Publicado em 8 fev. 2013; __________. Quinta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0194.10.008906-0/001. Relatora: des. Áurea Brasil. Julgado em 8 de set. 2011. Publicado em 29 set. 2011; __________. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0194.10.009832-7/001. Relator: des. Alberto Vilas Boas. Julgado em 26 de mar.2013. Publicado em 5 abr. 2013; __________. Primeira Câmara Cível, Apelação Cível n. 1.0194.10.011271-4/001. Relator: des. Eduardo Andrade. Julgado em 17 de abr. 2012. Publicado em 11 maio 2012; __________. Terceira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0194.11.008945-6/001. Relator: des. Dídimo Inocêncio de Paula. Julgado em 9 fev. 2012. Publicado em 17 fev. 2012. 30 173 2014 O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0024.08.170568-3/00131, analisou pedido formulado por servidor municipal, em face do Estado de Minas Gerais, de pagamento de diferenças remuneratórias, em razão de ter exercido, durante o período em que ficou cedido para o Estado de Minas Gerais, atribuições típicas do cargo de escrivão da Polícia Civil, o qual possui remuneração superior ao cargo efetivo de que é titular no município. No presente caso, o TJMG, sob o argumento de que não havia sido comprovada a formalização do convênio de cessão, extinguiu o processo sem julgamento de mérito e declarou a ilegitimidade passiva do Estado de Minas Gerais para figurar na ação. Entendeu ainda o TJMG que seria de responsabilidade do município assumir todos os encargos da cessão, incluindo as diferenças remuneratórias decorrentes do desvio de função. Segue transcrita a ementa da decisão. jan.|fev.|mar. 3.6 O desvio de função na cessão Revista TCEMG Sobre esse tópico em específico, esclarecemos que, a despeito da divergência aqui exposta, a maioria das decisões do TJMG exigem a motivação do ato de cessão, posição com a qual concordamos. Nesse sentido, entendemos que a discricionariedade da cessão não dispensa o cedente nem o cessionário de demonstrarem que a sua realização encontra-se atrelada ao interesse público, o que possibilita o controle da legalidade dos motivos que ensejaram a prática do ato30. Acrescentamos que a Constituição do Estado de Minas Gerais, no § 2º do art. 13, prevê que “o agente público motivará o ato administrativo que praticar, explicitando-lhe o fundamento legal, o fático e a finalidade”. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Entende-se, pois, que para a validade do ato de revogação da cessão temporária em questão, a decisão deve estar precedida dos motivos ou melhor ainda, do desaparecimento dos fatos que ensejaram e justificaram o ato anterior, sem o que, inválido referido ato de revogação da cessão, posto que tanto o motivo legal quanto o motivo fático integram a validade do ato e podem sofrer controle pelo judiciário. CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG Discordamos da decisão retroexposta, uma vez que a ausência de formalização do convênio de cessão não se pode sobrepor à situação fática comprovada nos autos do processo. Nesse contexto, defendemos que, uma vez demonstrado que o servidor municipal prestou serviços para o Estado de Minas Gerais, cabe a este, destacamos, beneficiário dos serviços, pagar as diferenças remuneratórias ao servidor. Nessa linha, encontrase o voto do desembargador Alberto Vilas Boas, cuja tese, no nosso entender, deveria ter prevalecido no julgamento. Seguem transcritos excertos desse voto. Por certo, é incontroverso que, mesmo sem a existência de convênio formal entre o Município de Açucena e a Policia Civil de Minas Gerais, esse último tem se valido da força de trabalho do autor para que fossem prestados os serviços inerentes à polícia judiciária. [...] Dessa forma, se a remuneração do autor é paga mensalmente pelo Município de Açucena, mas o serviço é prestado em favor do Estado de Minas Gerais em função diversa da originariamente exercida, considero que, em tese, as diferenças de remuneração devem ser pagas pelo Estado de Minas Gerais. É que a Municipalidade cumpriu sua parte no acordo e pagou ao autor os vencimentos inerentes ao cargo que originariamente ocupava, e, então, não seria possível coagi-la judicialmente a arcar com as diferenças salariais se a mão de obra estava colocada à disposição do Estado de Minas Gerais. Assim, é possível compreender que é o Estado de Minas Gerais quem, na realidade, beneficiouse do desvio de função que propiciou designar o autor para exercer função típica de Oficial de Justiça durante o período destacado na inicial. [...] Por conseguinte, se no âmbito de uma cessão de servidor há de existir algum equilíbrio entre as partes, reputo cabível que, se o Município arcou com o pagamento dos vencimentos e das contribuições previdenciárias, a diferença que exista entre o cargo público municipal e aquele desempenhado no âmbito estadual deve ser satisfeito pelo Estado de Minas Gerais, sob pena de enriquecimento sem causa. O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0024.11.044328-0/00132, entendeu que não cabia ao ente cessionário pagar ao servidor cedido que se encontrava em desvio de função as diferenças remuneratórias existentes entre o cargo do qual é titular na entidade cedente e o cargo cujas atribuições foram de fato exercidas. No presente caso, o TJMG considerou que, durante a cessão, o vínculo entre o servidor cedido e a entidade cedente havia sido mantido e que a entidade cedente havia assumido o ônus da remuneração do servidor cedido. Seguem transcritos excertos da decisão. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL — SERVIDOR PÚBLICO — CESSÃO — AUTARQUIA ESTADUAL — PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA — ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS — MANUTENÇÃO DO VÍNCULO COM DER/MG — VERBAS REMUNERATÓRIAS — RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE CEDENTE — DESVIO DE FUNÇÃO — PRELIMINAR ACOLHIDA — EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO — RECURSO NÃO PROVIDO. 1- O Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais é o legitimado a figurar no pólo passivo da lide, porque é a autarquia estadual — dotada de personalidade jurídica própria — responsável pelo pagamento das verbas remuneratórias dos servidores integrantes do seu Quadro de Pessoal. 2- Ainda que o servidor do DER/MG tenha sido cedido para desempenhar atribuições junto à Polícia Civil do Estado, compete à autarquia efetuar o pagamento de eventuais diferenças salariais devidas, notadamente porque expressamente consignada a obrigação no ato de cessão. 32 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Sexta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.11.044328-0/001. Relator: des. Corrêa Junior. Julgado em 25 de jun. 2013. Publicado em 5 jul. 2013. 174 3- Recurso não provido. [Excertos do voto do Relator] Consoante se infere dos autos, sendo o autor servidor do DER-MG - Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais, autarquia estadual responsável pelo pagamento de sua remuneração e dotada de personalidade jurídica própria e distinta do ente público ao qual se encontra cedido, descabe ao Estado de Minas Gerais responder pelo pedido formulado. Também não concordamos com o conteúdo dessa decisão. Entendemos que o fato de o servidor cedido permanecer vinculado à entidade cedente no período de cessão e o fato de a cessão ter ocorrido com ônus para aquela entidade não justificam que ela responda pelo desvio de função. No caso, a responsabilidade deveria recair sobre o ente cessionário, já que, além de ter permitido que o servidor permanecesse em desvio de função, foi o beneficiário dos serviços por ele prestados. Dentro dessa linha, a qual, s.m.j., entendemos como a mais adequada, localizamos a decisão proferida pelo TJMG na Apelação Cível n. 1.0699.02.0175526/00133. Seguem transcritos excertos da referida decisão. EMENTA: Ação de cobrança. Cessão de servidor. Ônus para o cedente. Alegação de exercício em cargo em confiança junto a outro órgão. Pretensão à diferença de verbas salariais. Observância das normas pactuadas. Recurso desprovido. [Excerto do voto do Relator] [...] ao servidor é devido o valor relativo ao cargo exercido, se desvio de função houve ou até mesmo exercício de cargo diverso daquele ocupado pelo servidor, deve o recorrente requerer do ente para o qual prestou o serviço e não da Municipalidade que, em momento algum, infringiu o pactuado. 3.7 Irregularidade na cessão e pagamento da remuneração ao servidor cedido O TJMG, na Apelação Cível n. 1.0024.08.172638-2/00134, no nosso entendimento, de forma correta, decidiu que o ente cessionário deveria reembolsar a entidade cedente das despesas com a remuneração do servidor cedido, mesmo o prazo do convênio já tendo expirado. No presente caso, o TJMG considerou a situação fática, isto é, que o serviço continuou a ser prestado ao ente cessionário após o término do prazo do convênio, cabendo a ele, portanto, cumprir a sua parte no acordado para a cessão do servidor, sob pena de enriquecimento ilícito e de ofensa, entre outros, ao princípio da honestidade. Segue transcrita a ementa da decisão. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0699.02.017552-6/001. Relator: Maciel Pereira. Julgado em 12 de maio 2005. Publicado em 1º jun. 2005. No mesmo sentido, encontra-se: __________. Quarta Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.08.1726382/001. Relator: des. Dárcio Lopardi Mendes. Julgado em 30 de jun. 2011. Publicado em 8 ago. 2011. 34 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.08.172638-2/001. Relator: Eduardo Andrade. Julgado em 5 de jul. 2011. Publicado em 22 jul. 2011. 33 175 2014 Desse modo, o DER-MG é realmente o legitimado a figurar no pólo passivo da demanda, porque é a autarquia estadual responsável pelas verbas remuneratórias auferidas pela parte autora, que continua a pertencer ao seu Quadro de Pessoal. jan.|fev.|mar. Assim sendo, resta inconteste ser a autarquia a responsável pelo pagamento da remuneração do autor, ainda que cedido a outro órgão. Revista TCEMG Ademais, emerge dos autos, em reforço à conclusão acima, que o autor encontra-se à disposição da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, desde janeiro de 2005, com ônus para o órgão de origem — DER-MG, f.137. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA [...] CESSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO: UMA ANÁLISE COM ENFOQUE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TCEMG E PELO TJMG EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA — RESSARCIMENTO — CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO — CESSÃO DE FUNCIONÁRIO E, EM CONTRAPARTIDA, REEMBOLSO DE VALOR EQUIVALENTE AO SALÁRIO DESTE — RESCISÃO DO ACORDO, SEM DEVOLUÇÃO DO SERVIDOR À CEDENTE — PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ATESTADA — ENRIQUECIMENTO ILÍCITO POR PARTE DO MUNICÍPIO — PEDIDO JULGADO PROCEDENTE — RECURSO DESPROVIDO. — Pelo exame dos autos, se, mesmo após o término de convênio firmado entre as partes, o funcionário cedido pela autora permaneceu prestando seus serviços à municipalidade, deve esta reembolsá-la, sob pena de enriquecimento sem causa e afronta aos princípios da honestidade, legalidade e moralidade. — Recurso desprovido. 4 CONCLUSÃO A harmonia e a cooperação entre os entes federados são características inerentes a um modelo de Estado republicano e federativo como o brasileiro. Na realidade, elas constituem meios para que os preceitos estabelecidos na Constituição da República sejam alcançados, contemplando a realização de esforços mútuos, voltados para a execução de serviços públicos ou de determinada atividade administrativa. Conforme se extrai do caput do art. 37 da Constituição da República, com a alteração trazida pela Emenda Constitucional n. 19/1998, a eficiência constitui um dos princípios da administração pública, exigindo do Estado a adoção de instrumentos de gestão dinâmicos, com vistas à obtenção dos melhores resultados no exercício de suas competências constitucionais e na prestação de serviços públicos. Sobre o princípio da eficiência, ensina Di Pietro (2013, p. 84): O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. (grifos no original) A própria Constituição da República estimula a colaboração entre os entes federados, buscando o melhor aproveitamento de recursos financeiros, técnicos e humanos. A título exemplificativo, os incisos VI e VII do art. 30 dispõem que os municípios, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, manterão programas de educação infantil e de ensino fundamental, bem como prestarão serviços de atendimento à saúde da população, respectivamente. Acrescentamos, por oportuno, que a Constituição do Estado de Minas Gerais, no parágrafo único do art. 197, ao dispor sobre a descentralização do ensino, por cooperação, previu a cessão de pessoal do magistério do Estado para os municípios. Já o inciso V do art. 198 daquele mesmo diploma disciplina que o Poder Público garantirá o direito à educação por meio da “cessão de servidores especializados para atendimento às fundações públicas e entidades filantrópicas, confessionais e comunitárias sem fins lucrativos, de assistência ao menor e ao excepcional”. Destacamos, por fim, que o inciso II do art. 166 também da Constituição do Estado de Minas Gerais prevê como um dos objetivos prioritários dos municípios “cooperar com a União e o Estado e associar-se a outros Municípios, na realização de interesses comuns”. Nesse contexto, o convênio de cessão de pessoal — por meio do qual o cedente disponibiliza ao cessionário servidor habilitado para a execução de atividades específicas, de interesse comum — constitui importante instrumento para atingir a eficiência na administração pública, na medida em que poderá contribuir para elevar ou manter o padrão de qualidade dos serviços prestados pelo cessionário, atendendo às necessidades da coletividade. 176 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. rev. ampl e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 1.369 p. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013. 938 p. OLIVEIRA, Antônio Flávio de. Servidor público: remoção, cessão, enquadramento e redistribuição. 2. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2005. 333 p. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. atual. até a EC 51, de 14/02/2006 por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2006. 826 p. Abstract: This study aims to examine the assignment of civil servant, contemplating their general characteristics and decisions handed down by the Court of the State of Minas Gerais and the Court of Justice of the State of Minas Gerais. The decisions selected for this study address generic aspects of the assignment, so that the arguments drawn from them are of common application to all members of the Federation and help public managers to use the institute with appropriate manners, protecting the validity of the administrative act performed. We conclude in this study that, in spite of constituting an important mechanism for cooperation among federal entities, in order to increase the efficiency of public service delivery, the assignment must be used in special cases and obey a series of requirements, if otherwise, it may result in the violation of constitutional principles, especially of morality, and the impersonality of the public service. Keywords: Assignment. Cooperation. Efficiency in public service delivery. Obedience to constitutional principles. 177 2014 REFERÊNCIAS jan.|fev.|mar. Desse modo, a partir da análise das decisões do TCEMG e do TJMG, buscamos sintetizar algumas orientações sobre a cessão de servidores públicos, as quais, uma vez cumpridas, resguardarão a validade do ato administrativo praticado. Revista TCEMG Acontece que o recomendado pelo próprio art. 37, da CF, é que os cargos públicos sejam providos mediante a realização de concurso público, em que possam ser escolhidos os mais qualificados para o desempenho da atribuição pertinente ao cargo público. Sendo assim, o uso desenfreado da cessão apresenta-se como grave ameaça à eficiência no serviço público e como transgressão ao princípio da moralidade e, ainda, comumente, também ao princípio da impessoalidade, posto que objetiva, muitas vezes, o atendimento de interesse pessoal. COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA No entanto, a despeito da importância da cessão para a concretização do princípio constitucional da eficiência, o instituto, conforme se depreende dos julgados do TCEMG e do TJMG, deve ser utilizado em hipóteses especiais, sempre com base no interesse público, e obedecer a uma série de requisitos, caso contrário, poderá resultar na violação de princípios constitucionais, com destaque para a moralidade, a impessoalidade e a exigência de aprovação em concurso público. A propósito, seguem os ensinamentos de Oliveira (2005, p. 35): ESTUDO TÉCNICO REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS Recebida a documentação a fls. 1-163, a conselheira presidente, Adriene Andrade, determinou a sua autuação como denúncia e a distribuição dos autos, conforme despacho a fls. 164. Os autos foram distribuídos ao conselheiro Wanderley Ávila (fls. 166), que, em despacho a fls. 167, determinou o encaminhamento dos autos a esta Coordenadoria para análise da denúncia no prazo de 72 horas. 2 DO RELATÓRIO DOS AUTOS N. 911.646 Versam os autos sobre denúncia apresentada pela empresa Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda. acerca do Edital de Pregão Presencial n. 004/2013, referente ao Processo Licitatório n. 024/2013, do tipo menor preço global, instaurado pela Empresa Municipal de Transporte e Trânsito (Transbetim), com vistas a prestação de serviços de gestão de tráfego, obtida através da utilização de soluções integradas de fiscalização e análise de tráfego, em vias urbanas do Município de Betim/MG, incluindo o fornecimento dos equipamentos, softwares e sistemas de informática, bem como sua implantação, manutenção e atualização tecnológica, materiais, pessoal e o gerenciamento de todos os serviços necessários ao processamento das imagens, nas condições e termos definidos neste Edital e, em especial, nos Anexo I — Do Objeto e II — Termo de Referência. Recebida a documentação a fls. 1-105, a conselheira presidente, Adriene Andrade, determinou a sua autuação como denúncia e a distribuição dos autos, conforme despacho a fls. 106. Os autos foram distribuídos ao conselheiro Wanderley Ávila (fls. 108), que, em despacho a fls. 109, determinou o encaminhamento dos autos a esta Coordenadoria para análise em conjunto com a Denúncia n. 911.607, já remetida a esta Coordenadoria e que trata do mesmo procedimento licitatório, concedendo mais 24 horas ao prazo inicialmente fixado. 181 2014 prestação de serviços de gestão de tráfego, obtida através da utilização de soluções integradas de fiscalização e análise de tráfego, em vias urbanas do Município de Betim/MG, incluindo o fornecimento dos equipamentos, softwares e sistemas de informática, bem como sua implantação, manutenção e atualização tecnológica, materiais, pessoal e o gerenciamento de todos os serviços necessários ao processamento das imagens, nas condições e termos definidos neste Edital e, em especial, nos Anexo I — Do Objeto e II — Termo de Referência. jan.|fev.|mar. Tratam os autos de denúncia apresentada pela empresa Eliseu Kopp & Cia Ltda. acerca do Edital de Pregão Presencial n. 004/2013, referente ao Processo Licitatório n. 024/2013, do tipo menor preço global, instaurado pela Empresa Municipal de Transporte e Trânsito (Transbetim), objetivando a Revista TCEMG 1 DO RELATÓRIO DOS AUTOS N. 911.607 ESTUDO TÉCNICO Pregão para contratação de serviços de detecção, registro e processamento de imagens de infrações de trânsito: economicidade e celeridade PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE Passa-se à análise do Edital de Pregão Presencial n. 004/2013, em face das Denúncias n. 911.607 e 911.646, conforme determinação a fls. 108 dos Autos n. 911.646. 3 DA ANÁLISE DO EDITAL DE PREGÃO PRESENCIAL N. 004/2013 EM FACE DAS DENÚNCIAS N. 911.607 E 911.646 3.1 Da fundamental separação do objeto licitado em lotes (Denúncia n. 911.607) A denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda. alega a irregularidade do edital, uma vez que o termo de referência, Anexo II, “F”, do edital (fls. 154), inclui no mesmo lote produtos na área de fiscalização eletrônica, tais como: “equipamentos do tipo fixos, do tipo estático/portátil, central de controle operacional, sistema de processamento, sistema para análise e estatística para acidentes e talonário eletrônico”. (grifo nosso) A denunciante questiona ainda: [...] por que o equipamento medidor de velocidade do tipo estático/portátil do tipo pistola precisa ser licitado juntamente com os demais equipamentos controladores fixos, se não acarreta qualquer prejuízo ao conjunto do processo a separação em lotes, apresentando-se apenas o benefício de ampliar o número de empresas participantes, proporcionando a escolha da proposta mais vantajosa à Administração? Por fim, a denunciante requer a separação do objeto em diferentes lotes ou processos, com o fim de ampliar a participação no certame e, por conseguinte, a escolha da proposta mais vantajosa ao erário. Análise: A discussão gira em torno do edital sob exame contemplar, em um único lote, o fornecimento de diversos produtos na área de fiscalização eletrônica de trânsito, os quais não guardam correlação lógica entre si, por serem totalmente distintos e autônomos uns dos outros. No item 9.1 do edital, a fls. 77, verifica-se que o critério de julgamento do processo licitatório será pelo menor preço global, sendo lote único, a conferir: 1 Serviços de detecção, registro e processamento de imagens de infração de trânsito com fornecimento de equipamentos: 1.1 Equipamento fixo registrador automático de infração 1.1.1 Módulo Fixo Ostensivo sem display 1.1.2 Módulo Fixo Ostensivo com display 1.1.3 Módulo Avanço de Semáforo 1.1.4 Módulo Parada sobre a faixa de pedestres 1.1.5 Módulo leitura automática de placas 1.1.6 Módulo faixa exclusiva 1.1.7 Instalação, aferição, manutenção, coleta de imagens, sinalização obrigatória, energização, seguro de equipamento, estudo técnico e remanejamento e veículo 1.8 Talonário Eletrônico 1.9 Medidor de velocidade Estático/Portátil — Tipo Pistola 1.10 Câmera de Monitoramento 1.10.1 Instalação e manutenção de Infraestrutura da Central de Controle Operacional 1.10.2 Licença de Softwares da Central de Controle Operacional 182 2 Processamento, gerenciamento e apoio à JARI 2.1 Processamento e gerenciamento das notificações de autuação/penalidade; coordenação de produção de dados; suporte aos usuários; licenças dos softwares; apoio à JARI e site para informação aos usuários 3 Sistema para Análise Estatística de Acidentes 3.1 Coordenação de produção de dados, suporte aos usuários e licença do software 4 Suporte Técnico 4.1 Equipe de Apoio A Lei n. 8.666/93 dispõe: Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: § 1° As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala. (grifo nosso) A Lei n. 8.666/93, por via de regra, exige que as compras efetuadas pela Administração sejam divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis e, por consequência, a formação de lote único nos certames é a exceção. Ademais, por via de regra, o parcelamento amplia a competitividade, o que contribui para a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração. Logo, esta unidade técnica entende que, se não for adotada a regra do parcelamento, deverá o administrador motivar o ato, de forma que justifique o critério de julgamento adotado, no caso, menor preço global (sendo lote único). Em razão disso, os responsáveis podem ser intimados para apresentar justificativas para a adoção do critério de julgamento pelo menor preço global (sendo lote único). É importante registrar que se houver justificativas plausíveis, o critério de julgamento pode ser pelo menor preço global, embora a sugestão da denunciante seja o parcelamento, considerando a natureza do objeto, que é divisível, ou, até mesmo, a realização de processos licitatórios distintos. Diante do exposto, esta unidade técnica entende que os responsáveis podem ser intimados para apresentar justificativas para a adoção do critério de julgamento pelo menor preço global (sendo lote único). 3.2 Da ilegal exigência de prestação prévia do serviço licitado — amostra dos equipamentos em 5 dias antes da abertura (Denúncia n. 911.607) A denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda. alega a irregularidade do edital, uma vez que o termo de referência, Anexo II, “E”, do edital (fls. 153), exige a apresentação de amostras até cinco dias antes da entrega dos envelopes. A denunciante alega ainda: [...] o que se verifica é que o Ente Público exige a prévia prestação de parte do serviço — mediante a determinação de avaliação em campo — antes mesmo de a empresa apresentar sua proposta e ter o contrato assinado, desconsiderando que os altos custos envolvidos nessa atividade, inclusive, com 183 2014 [...] jan.|fev.|mar. IV — ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade; Revista TCEMG [...] ESTUDO TÉCNICO Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE as certificações do Inmetro, a fim de que o equipamento a ser testado possa ter devidamente aferida a sua funcionalidade, fatalmente afetarão a maior competitividade, já que diversas empresas certamente optarão por não participar do certame. [...] Logo, verifica-se que a impossibilidade de ser exigida prévia demonstração se deve ao fato de que as empresas que possuem interesse em participar deste certame precisam preparar-se para disponibilizar um alto investimento antes mesmo da abertura do certame, haja vista que possuem ciência de que terão de produzir diversos equipamentos específicos sob pena de desclassificação no certame, transportá-lo até o local onde serão realizados os testes, enviar uma equipe para providenciar toda a instalação do equipamento, emitir uma A.R.T. (Anotação de Responsabilidade Técnica), aferir os equipamentos, manter sua equipe no Município, entre outros gastos. (grifo nosso) Por fim, a denunciante expõe diversos pontos que “comprovam a necessária e fundamental exclusão dos testes em escala real desse certame licitatório, a fim de resguardar a lisura e a ampla competitividade” (grifo nosso) do certame, quais sejam: • Da necessidade de aprovação do equipamento pelo Inmetro. Os instrumentos de medidor de velocidade já são submetidos à avaliação inicial pelo Inmetro, de acordo com o Regulamento Técnico Metrológico pertinente (Portaria Inmetro n. 115/98), antes de ser posto no mercado para comercialização ou uso, além da fiscalização periódica e eventual, a fim de assegurar que os instrumentos conservem as características originais de fabricação. A Lei Nacional n. 9.933/99 conferiu ao Inmetro a competência para regulamentar, com exclusividade, toda e qualquer atividade na área de metrologia, na qual se inserem os equipamentos medidores de velocidade licitados no edital em questão. • Da comprovação da capacidade técnica por meio da apresentação de laudos técnicos e atestados de capacidade técnica. A Transbetim pode se precaver ao exigir na habilitação atestados emitidos por outros órgãos bem como laudos emitidos por peritos técnicos ou centros de pesquisas, a fim de agilizar os procedimentos de contratação e conferir objetividade ao julgamento do certame. • Da prestação de garantias à fiel execução do contrato, previsão de sanções e possibilidade de rescisão em caso de inexecução contratual. A garantia oferecida pela empresa contratada servirá para assegurar o integral cumprimento das exigências e obrigações assumidas por ela durante todo o período da execução contratual. • Da impossibilidade de exigir prévia fabricação de equipamentos. O equipamento deve ser fabricado somente em caso de contratação, impossibilitando, portanto, a realização de testes que dependam da prévia fabricação do equipamento, nos termos do § 6º do art. 30 da Lei n. 8.666/93. • Da necessidade de ajustes no local de instalação. Todo e qualquer equipamento depende de ajustes que devem ser feitos no local onde o mesmo irá funcionar definitivamente, em razão das influências externas, alheias à capacidade técnica do objeto proposto. • Dos custos para o licitante participar de demonstração/testes. O custo para o licitante, sem nenhuma certeza de contratação, é em torno de R$ 350.000,00, por envolver aspectos como: (1) prévia fabricação do produto já customizado às exigências do edital; (2) logística de pessoal e equipamentos até o local do teste; (3) contratação de segurança privada para guarda do equipamento; (4) contratação de energia elétrica para o local; (5) contratação do fornecimento de internet, entre outros. • Da competência exclusiva do Detran para avaliação de talonários eletrônicos. O Detran possui competência exclusiva para controlar e autorizar a fabricação e a comercialização de talões eletrônicos, conforme Portarias n. 1.279 (arts. 1º e 2º) e n. 141 (art. 5º, § 1º). • Da posição do Tribunal de Contas da União e de diversas cortes de contas estaduais.1 1 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão n. 2.353/2011. Relator: min. Raimundo Carreiro. Sessão de 31 ago. 2011. DOU, 9 set. 2011. ___________. Plenário. Acórdão n. 1.529/2006. Relator: min. Augusto Nardes. DOU, 30 ago. 2006. Disponível em: <contas.tcu.gov.br/portaltextual/ PesquisasFormulario>. 184 Análise: A discussão gira em torno de o edital sob exame contemplar a exigência de amostras de todos os licitantes (Anexo II, “E”, — Termo de Referência — Amostra, a fls. 153), a conferir: 1 — ATESTADO DE ACEITAÇÃO E COMPROVAÇÃO DE AMOSTRA c) Central de Controle Operacional: As licitantes deverão ainda indicar, através de Declaração, onde possuem equipamentos instalados para possíveis visitas caso seja solicitado pela comissão. Sem ônus para a licitante. Sendo solicitada tal visita e a mesma for marcada para local onde a licitante não possua mais equipamentos instalados, o município poderá definir vias públicas do mesmo para que seja feita uma instalação para demonstração. d) Sistemas de Processamento, Sistema para Análise e Estatística de Acidentes e Talonário Eletrônico: fornecer um micro computador contendo os softwares de processamento e gerenciamento de infrações, software de análise de estatísticas de acidentes, dois equipamentos tipo talonário eletrônico (incluindo impressora portátil e o software para registro e emissão de Autos de Infrações) demonstrando a compatibilidade dos mesmos com as especificações previstas exigidas nesse Edital e seus Anexos. A licitante deverá preparar todos os exemplos necessários à demonstração, não sendo permitida, no decorrer do processo de demonstração, a agregação de módulos ou partes de programas não constantes do conjunto entregue. Para o Talonário Eletrônico, a licitante deverá apresentar ainda, a portaria de homologação do sistema junto ao DENATRAN. 1.2 — O agendamento e a realização da amostra deverá ser feito junto à TRANSBETIM, nos dias 21 e 22/11/2013, de 09 às 16 horas, pelo telefone (31) 3594-5404, com a Sra. Fabíola. 1.3 — As realizações das amostras ocorrerão nos dias 25 e 26/11/2013, mediante prévio agendamento. Inicialmente, registra-se que o Pleno do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Sessão do dia 26/06/2013, nos autos das Representações n. 00000800/989/13-9 e 00000822/989/13-8, formuladas, respectivamente, pelas empresas Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda e Eliseu Kopp & Cia Ltda, ora denunciantes, em face do Edital de Pregão Presencial n. 018/2013, cujo objeto era semelhante ao dos autos (contratação de empresa especializada em locar, implantar e operar barreira eletrônica, emissor de multas, radar de velocidade estático, radar de semáforo vermelho, radar de velocidade fixo, radar portátil — tipo pistola, implantação de sistema computacional em ambiente operacional, processamento e controle de registros oriundos dos equipamentos eletrônicos), assim decidiu: RIO DE JANEIRO. Tribunal de Contas. Processo n. 201.730-4/07. Relator: cons. Jonas Lopes de Carvalho Junior. Arquivado em: 13 ago. 2012. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas. Processo n. 11.784-0200/13-8. Ainda não possui decisão publicada. 185 2014 jan.|fev.|mar. b) Equipamento estático/portátil registrador automático de infração tipo pistola: disponibilizar um equipamento para comprovação das especificações previstas exigidas nesse Edital e seus Anexos, além do fornecimento de laudos comprovando a segurança das imagens através da assinatura digital, portarias de aprovação de modelo do Inmetro, carta de garantia de fornecimento assinada pelo fabricante e manuais. Revista TCEMG a) Equipamentos fixos registradores automáticos de infração e seus módulos: fornecer os métodos de implantação, operação e manutenção, laudos comprovando a segurança das imagens através da assinatura digital, portarias de aprovação de modelo do INMETRO, manuais, carta de garantia de fornecimento assinada pelo fabricante, assim como toda especificação técnica demonstrando a compatibilidade dos mesmos com as especificações previstas exigidas nesse Edital e seus Anexos. As licitantes deverão ainda indicar, através de Declaração, onde possuem equipamentos instalados para possíveis visitas caso seja solicitado pela comissão. Sem ônus para a licitante. Sendo solicitado tal visita e a mesma for marcada para local onde a licitante não possua mais equipamentos instalados, o município poderá definir vias públicas do mesmo para que seja feita uma instalação para demonstração. ESTUDO TÉCNICO 1.1 — Visando à comprovação das exigências contidas no edital e seus anexos, as licitantes deverão até 05 (cinco) dias anteriores à entrega dos envelopes: PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE Voltando aos pontos de controvérsia debatidos a partir do pedido subscrito por Eliseu Kopp, compreendo, de certo modo, justificada a exigência de amostras e a realização de testes de campo necessários à verificação das funcionalidades dos equipamentos pretendidos. Afinal, a medida se amolda ao nível de exigência que se espera do fornecedor e ao valor tecnológico agregado aos equipamentos. Contudo, devo reconhecer que a exigência está deslocada, vinculando todo e qualquer participante desde a fase de habilitação (cf. itens 6.18 e seguintes). Conforme entendimentos já consolidados, portanto, a apresentação de amostras, para permanecer, deve restringir-se à licitante vencedora. A exigência de amostras ou protótipos objetiva averiguar as características do produto ofertado com as especificações estabelecidas no ato convocatório da licitação, em especial no que diz respeito à qualidade, durabilidade, desempenho e funcionalidade do objeto licitado, o que fortalece a aplicação do princípio da eficiência da administração pública. Logo, uma vez imposta a exigência de amostras ou protótipos, as condições para análise devem estar previstas no ato convocatório e não podem ter critérios subjetivos nem ficar ao livre arbítrio dos membros da comissão de licitação. Em relação à modalidade pregão, em que se verifica a inversão das etapas, sendo o julgamento das propostas realizado antes da análise dos documentos referentes à habilitação, é vedada a exigência de apresentação de amostras ou protótipos antes da fase de lances, devendo a obrigação ser imposta, portanto, somente ao licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, quanto ao valor e objeto, quando caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da aceitabilidade do objeto ofertado, o que se encontra em consonância com o disposto no inciso XI do art. 4º da Lei n. 10.520/2002. Para que o produto objeto da futura contratação seja aceitável, é preciso que ele atenda às especificações técnicas ou ao padrão mínimo de qualidade, nos termos e condições do ato convocatório. Para tanto, exigem-se amostras ou protótipos. O jurista Marçal Justen Filho (2009, p. 136)2 aborda o tema com propriedade na sua obra: Tornou-se pacífico o entendimento de ser vedada a apresentação de amostras por todos os licitantes. Essa solução infringe o princípio da proporcionalidade-necessidade, eis que somente se produz a análise da amostra apresentada pelo licitante que tenha formulado o lance de menor valor. Submeter todos os demais licitantes a apresentar amostras equivale a generalizar um encargo econômico inútil — o qual se traduz num desincentivo à participação na licitação. Deliberações do Tribunal de Contas da União: A exigência de amostras a todos os licitantes, na fase de habilitação ou de classificação, além de ser ilegal, pode impor ônus excessivo aos licitantes, encarecer o custo de participação na licitação e desestimular a presença de potenciais interessados. (Acórdão 1113/2008 Plenário — Sumário) Na modalidade pregão, é vedada a exigência de apresentação de amostras antes da fase de lances, devendo a obrigação ser imposta somente ao licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar. (Acórdão 1634/2007 Plenário — Sumário) Adote em editais de pregão critérios objetivos, detalhadamente especificados, para avaliação de amostras que entender necessárias à apresentação. Somente as exija do licitante classificado provisoriamente em primeiro lugar no certame. (Acórdão 1168/2009 Plenário) O TCEMG já se manifestou sobre o assunto nos autos da Denúncia n. 862.638: De fato, a exigência de amostras de todos os licitantes, na habilitação, é excessivamente onerosa, podendo elevar o custo da licitação e afastar possíveis interessados, acarretando desestímulo na participação do certame, com manifesto prejuízo para a ampla competição. 2 JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: cometários à legislação do pregão comum e eletrônico. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialética, 2009. 186 Nesse sentido, tem-se o Acórdão n. 1634/2007 do Tribunal de Contas da União3: ‘REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. PREGÃO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE AMOSTRAS ANTES DA FASE DE LANCES. JULGAMENTO SUBJETIVO. RESTRIÇÃO AO ALCANCE DA PROPOSTA MAIS VANTAJOSA À ADMINISTRAÇÃO. PROCEDÊNCIA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DE ATO. Na modalidade pregão, é vedada a exigência de apresentação de amostras antes da fase de lances, devendo a obrigação ser imposta somente ao licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar.’ Constata-se, pois, afronta aos princípios insculpidos no art. 3º da Lei n. 8.666/93, em especial o da isonomia e, por conseguinte, o da competitividade, essenciais para que a Administração Pública selecione a proposta mais vantajosa. A denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda. alega que as especificações detalhadas sobre os equipamentos licitados são de alta complexidade tecnológica, razão pela qual a modalidade pregão é incabível para o objeto licitado. Segundo a denunciante, “para a seleção de equipamentos mais complexos é necessário o rito previsto na Lei de Licitações e Contratos (Lei n. 8.666/93), o qual permite que a Administração possa realizar uma análise mais completa da empresa vencedora”. Alega ainda que: [...] seria inadmissível um procedimento licitatório para a contratação de tais serviços, sem a realização de um devido procedimento licitatório, o qual analise primeiramente a habilitação jurídica e técnica da empresa, verificando a legalidade dos documentos apresentados, para posteriormente ser realizada uma análise de preço praticado. Por fim, afirma que a Lei n. 8.666/93, em seu art. n. 45, § 4º, estabelece que os serviços de informática seguirão obrigatoriamente o tipo de licitação técnica e preço. Análise: Aduz a denunciante que o objeto licitado é extremamente complexo e detalhado, não se encaixando no conceito de bens e serviços comuns, razão pela qual entende ser indevida a utilização da modalidade pregão no presente caso. Argumenta, ainda, que, por tratar-se de contratação de bens e serviços de informática, deveria ter sido adotado o tipo técnica e preço, e não o tipo menor preço, como foi feito. Inicialmente, registra-se que o Pleno do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Sessão do dia 26/06/2013, nos autos das Representações n. 00000800/989/13-9 e 00000822/989/13-8, formuladas, respectivamente, pelas empresas Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda e Eliseu Kopp & Cia. Ltda., ora denunciantes, em face do Edital de Pregão Presencial n. 018/2013, cujo objeto era semelhante ao dos autos, conforme citado alhures, assim decidiu: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acordão n. 1.634/2007. Relator: min. Ubiratan Aguiar. Sessão de 15 ago. 2007. DOU, 17 ago. 2007. 3 187 2014 jan.|fev.|mar. 3.3 Da ilegal contratação por meio da modalidade pregão presencial — inocorrência de bem comum (Denúncia n. 911.607) Revista TCEMG Diante do exposto, esta unidade técnica entende que a apresentação de amostras ou protótipos do produto não pode ser exigida de todos os licitantes, mas apenas do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, em se tratando da modalidade pregão. Logo, o edital é irregular por exigir no Anexo II “E” — Termo de Referência (fls. 153) a apresentação de amostras de todos os licitantes, o que deve ser atendido no prazo de cinco dias antes da entrega dos envelopes. ESTUDO TÉCNICO Portanto, no caso em epígrafe, considero ilegal a exigência de amostras contida no edital. PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE Nesse sentido, parece-me incontroverso que a locação de equipamentos destinados à sistematização do monitoramento do trânsito municipal possa ser licitada por meio de Pregão, porquanto indubitável que o serviço foi objetivamente especificado no edital, conta com padrões de qualidade usuais e corriqueiros, admitindo, com isso, perfeito confronto de propostas discriminadas conforme o preço. A título de exemplificação, em pesquisa na internet, observa-se que vários órgãos públicos realizam licitações na modalidade pregão para a contratação de empresa especializada na execução de serviços de manutenção, implantação de equipamentos eletrônicos de fiscalização, sistemas para controle, gerenciamento, apoio e modernização ao controle do trânsito em vias públicas do município, a conferir: 1 — Aviso de Edital — Pregão Presencial 78/2013 O Município de Sete Lagoas, através da Consultoria de Licitações e Compras, torna público aos interessados, nos autos do pregão presencial n. 78/2013, que contém como objeto a contratação de empresa para execução de serviços de manutenção, implantação de equipamentos eletrônicos de fiscalização, sistema para controle, gerenciamento, apoio e modernização ao controle do trânsito em vias públicas do município, que as empresas Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda., DCT Tecnologia e Serviços Ltda e Talentech — Tecnologia Ltda., protocolaram tempestivamente peças de impugnação ao edital. Após análise das peças interpostas, julgou-se improcedente o mérito da impugnação protocolada pela licitante Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda., e declarouse procedente o mérito das peças protocoladas pelas licitantes DCT Tecnologia e Serviços Ltda e Talentech — Tecnologia Ltda., conforme parecer presente nos autos. Sendo que após realizadas as devidas alterações no edital, fica designada a seguinte data para realização do certame. Credenciamento e Recebimento dos envelopes até às 09h00min do dia 02/12/2013 na Consultoria de Licitações e Compras (Travessa Juarez Tanure, n. 15 / 4º andar — Centro). Sessão para abertura de envelopes e julgamento às 09h15min do dia 02/12/2013. O edital estará à disposição dos interessados no site da Prefeitura Municipal de Sete Lagoas, endereço: www.setelagoas.mg.gov.br. Informações: (31) 3779-3700. Vinicius Barroso Andreata. Pregoeiro. Geraldo Donizete de Carvalho. Consultor. 2 — Pregão Presencial n. 018/2013 formulado pela Prefeitura Municipal de Araraquara, cujo objeto é a contratação de empresa especializada em locar, implantar e operar barreira eletrônica, emissor de multas, radar de velocidade estático, radar de semáforo vermelho, radar de velocidade fixo, radar portátil (tipo pistola), implantação de sistema computacional em ambiente operacional, processamento e controle de registros oriundos dos equipamentos eletrônicos4. 3 — Pregão Presencial n. 10.018/2013 instaurado pela Prefeitura de São Bernardo do Campo, objetivando a contratação de empresa especializada para a prestação de serviços de monitoramento eletrônico, com fornecimento de equipamentos de controle de velocidade, de restrição veicular, câmeras com laço virtual e demais serviços para operação e manutenção no sistema viário do município, nos termos das especificações constantes no edital e em seus anexos5. Verifica-se, ainda, que já existem várias empresas do ramo de fiscalização eletrônica de trânsito, como as empresas Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda., DCT Tecnologia e Serviços Ltda e Talentech — Tecnologia Ltda, além da denunciante (Eliseu Kopp & Cia Ltda). Conclui-se, pois, que existem no mercado diversas empresas que prestam os serviços objeto da licitação em análise, com padrão usual de execução. Da análise do edital em comento, observa-se que o objeto de maior relevância é o fornecimento de equipamentos de medidor de velocidade. Logo, entende-se que a contratação pretendida pela Administração tem por objeto precípuo, essencial, a prestação de serviços de detecção, registro e processamento de imagens de infrações de trânsito e, isso, s.m.j., não são essencialmente bens e serviços de informática. Afigura-nos que os sistemas e softwares são bens de informática, mas constituem elementos acessórios da licitação, aberta para os fins principais definidos no objeto. Ou seja, nada mais são do que consequência dos registros infracionais. 4 5 Disponível em: <http://www4.tce.sp.gov.br/sites/default/files/epe-m-03-rmc-002-etc-00000800_989_13-9.pdf>. Disponível em: <http://www2.tce.sp.gov.br/arqs_juri/pdf/233696.pdf>. 188 Cumpre informar, ainda, que os serviços que serão contratados não tratam de serviços de natureza predominantemente intelectuais, o que também não justificaria a realização de licitação tipo técnica e preço, nos termos do art. 46 da Lei n. 8.666/93. Esse é o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, esposado na Súmula n. 20, in verbis: “As contratações que objetivem a monitoração eletrônica do sistema de trânsito devem ser precedidas de licitação do tipo “menor preço”, vedada a delegação ao particular de atividades inerentes ao Poder de Polícia da Administração, bem como a vinculação do pagamento ao evento multa.” A título de ilustração destacamos também alguns trechos de julgamentos daquela Corte em processos relacionados com a contratação de serviços de detecção, medição e registro de imagens de infrações de trânsito: ESTUDO TÉCNICO Quanto à constatação de que os serviços objeto do certame podem ser considerados como de amplo conhecimento no mercado, salienta-se que, conforme dito alhures, existem no mercado diversas empresas que prestam os serviços objeto da contratação em análise, que possuem padrão usual de execução. Fato é que o mercado já dominou a tecnologia em questão, ou seja, a evolução do mercado mudou o panorama desses serviços, os quais não mais podem ser considerados de conhecimento restrito a poucas empresas. Na grande maioria das contratações da espécie por nós analisadas, os editais englobam desde a instalação de equipamentos de detecção eletrônica até os serviços que ora são postos em disputa, que nada mais são do que conseqüência dos registros infracionais. É bem assim que os diversos precedentes que serviram de base para o estabelecimento da consolidação jurisprudencial da Súmula n.º 20, trataram da matéria como monitoramento eletrônico do sistema de trânsito, não me parecendo que o caso presente seja diferente de tais prejulgados, para efeito de não incidência da jurisprudência consolidada. Assim, ante a característica comum dos serviços licitados que, como nos mostra a jurisprudência, são prestados por diversas empresas do setor, possuindo padrões usuais de execução, penso que na situação em questão a Prefeitura deveria se utilizar do critério adjudicatório de menor preço, adotando as especificações dos equipamentos, segundo suas necessidades, como critério de aceitabilidade das propostas, evitando-se, desse modo, incorrer num eventual julgamento subjetivo”. (grifo nosso) Processo TC — 1262/002/03 — Segunda Câmara — Sessão 21/11/20067 SÃO PAULO. Tribunal de Contas. Tribunal Pleno. Acórdão n. TC 17.983/026/07. Relator: cons. Fulvio Julião Biazzi. Sessão de 20 jun. 2007. DOE, 21 jun. 2007. Disponível em: <www.tce.sp.gov.br>. 7 SÃO PAULO. Tribunal de Contas. Segunda Câmara. Processo TC – 1262/002/03. Relator: cons. Renato Martins Costa. Sessão de 21 nov. 2006. DOE, 7 dez. 2006. 6 189 jan.|fev.|mar. Como se observa nas obrigações da contratada (item 13 do edital) o objeto constante do presente instrumento refere-se a serviços que são decorrência dos registros de infrações obtidos pela monitoração eletrônica do sistema de trânsito, ou seja, processamento dos autos de infração e disponibilização de equipamentos para possibilitar ao Poder Público realizar, dentre outras atividades a notificação dos infratores, a cobrança das multas, o processamento dos recursos administrativos, a exclusão de multas pagas e a interligação com os demais sistemas de trânsito para registro de pontuação, conforme previsões do Código de Trânsito Brasileiro. Revista TCEMG No que tange ao tipo licitatório adotado, embora a argumentação da Prefeitura tente atribuir um padrão diferenciado dos serviços postos em disputa, os quais no seu julgamento vão além daqueles de detecção eletrônica de infrações de trânsito, não vislumbro no presente caso elemento que o diferencie dos inúmeros precedentes já examinados por esta Casa, que possui pacífico entendimento de que atividades da espécie devem ser licitadas pelo critério de menor preço, tendo em conta o significativo rol de empresas que se dedicam a tal segmento, passível de ser constatado pelos diversos contratos por nós examinados envolvendo esse assunto. 2014 Processo TC — 17983/026/07 — Tribunal Pleno — Sessão 20/06/07 — Sessão Municipal6 PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE 3.2 Deveras. Serviços, como os licitados e afinal contratados, obedecem a diretrizes técnicas específicas e há muito padronizadas e customizados, com o emprego de equipamentos apropriados e protocolos de execução bem estabelecidos e de amplo domínio das inúmeras empresas do ramo. Não há, aí, pois, atividade intelectual específica, que mereça apreciação destacada e possa justificar a escolha do tipo licitatório condenado em primeiro grau e pelo enunciado da Súmula n. 20 da jurisprudência dominante nesta Corte. Cabe acrescentar que, no entendimento do professor Marçal Justen Filho, a utilização dos diferentes tipos de licitação está relacionada com a necessidade objetiva da Administração, in verbis: É relevante escapar do simplismo de vincular os tipos de licitação à natureza do objeto a ser licitado. Um profundo equívoco legislativo ocorre no caput do art. 46 quando pretende reservar a licitação de técnica para serviços de natureza predominantemente intelectual e a de menor preço para as compras. Esse tipo de diferenciação é profundamente incorreto e dá oportunidade a equívocos lamentáveis. O núcleo da questão reside, como sempre, na natureza da necessidade experimentada pela Administração. Isso não equivale a afirmar que, na licitação de menor preço, a Administração pode ser satisfeita mediante qualquer produto, apenas interessando a ela o menor preço. Essa afirmativa é profundamente incorreta, eis que a Administração (como qualquer adquirente de bens e serviços) exige sempre uma qualidade mínima, abaixo da qual o objeto é imprestável. Pode afirmar-se que a licitação de menor preço é cabível quando o interesse sob tutela do Estado pode ser satisfeito por um produto qualquer, desde que preenchidos requisitos mínimos de qualidade ou técnica. Já as licitações de técnica são adequadas quando o interesse estatal apenas puder ser atendido por objetos que apresentem a melhor qualidade técnica possível, considerando as limitações econômico-financeiras dos gastos públicos. [...] Veja-se que a Administração sempre pretende a melhor prestação possível. Sob um certo ângulo, poderia afirmar-se que a licitação visa a selecionar a melhor proposta possível, inclusive do ponto de vista técnico. Mas a distinção entre licitação de menor preço e de técnica não se relaciona imediatamente com essa questão. O que se avalia é a necessidade objetiva da Administração. Cabe examinar se o desempenho pelo Estado de suas funções poderá ocorrer com a execução de uma prestação que apresente qualidade mínima. Assim se passa quando a satisfação do interesse estatal não demandar a elevação da qualidade do objeto além daquele mínimo. Nesse caso, é indiferente para a Administração receber uma prestação melhor ou pior, desde que a qualificação seja superior a padrões mínimos pré-determinados. (grifo nosso) Para se verificar a necessidade objetiva da Administração na contratação em exame, depreende-se da Resolução n. 166, de 15 de setembro 2004, que a realidade nacional do trânsito, extremamente grave, sobretudo pelo número alarmante de ocorrências sinistras, exige por parte de vários órgãos e entidades, sob a liderança do Estado, medidas de civilidade no trânsito que englobam questões sociais, econômicas, laborais, sanitárias, estatísticas e científicas (de engenharia), com a utilização no controle do trânsito, de equipamentos eletrônicos para a detecção, medição e registro de imagens de infrações. Segundo o autor Arnaldo Rizzardo8, é “impossível desvincular a organização do tráfego, da engenharia.” É sabido e inegável que a maneira de fiscalização atual, resultante do novo Código de Trânsito, propicia o que se pode chamar “indústria de multas de trânsito”, constituindo-se o fenômeno num mecanismo arrecadador de volumosas cifras. Consequentemente, os objetivos das medidas de fiscalização do trânsito foram desvirtuados, uma vez que aplicadas sem caráter educativo, inclusive na área federal com a cobrança desenfreada de multas. 8 RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 278. 190 A medida que deveria ser essencialmente educativa deu lugar à coibição dispendiosa. Todavia, segundo as estatísticas governamentais, com a introdução da fiscalização ostensiva oriunda do novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), houve no Brasil uma diminuição de acidentes e mortes no trânsito, ainda que os índices sejam drásticos e assustadores. De todo modo, constata-se que o nível de conscientização dos condutores aumentou. [...] § 2º O instrumento ou equipamento medidor de velocidade dotado de dispositivo registrador de imagem deve permitir a identificação do veículo e, no mínimo: I — Registrar: a) Placa do veículo; b) Velocidade medida do veículo em km/h; c) Data e hora da infração; II — Conter: a) Velocidade regulamentada para o local da via em km/h; b) Local de infração identificado de forma descritiva ou codificado; c) Identificação do instrumento ou equipamento utilizado, mediante numeração estabelecida pelo órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via. Vê-se, pois, que são estabelecidas funções mínimas para os equipamentos/sistemas medidores de velocidade e registradores de imagens de infrações de trânsito. Diante de todo o exposto, em que pesem as alegações da defesa, entende este órgão técnico que a utilização de licitação tipo técnica e preço é imprópria para o certame em análise, sendo recomendada a utilização da modalidade pregão, pois tudo indica que tal modalidade afigurar-se-á como a solução mais econômica, além de mais célere e ágil, possibilitando a obtenção de preços mais baixos. 3.4 Das exigências técnicas específicas e restritivas (Denúncias n. 911.607 e 911.646) A denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda. alega as seguintes irregularidades: 3.4.1 Da exigência de equipamento radar estático/portátil do tipo pistola prevista na alínea f do item 2.1 do Anexo I do edital (fls. 84) Segundo a denunciante, o edital está exigindo que “um único equipamento realize uma exigência pertinente a dois equipamentos diferentes”, o que vai de encontro à Portaria do Inmetro n. 115, de 29 de junho de 1998. 191 2014 Art. 1º A medição de velocidade deve ser efetuada por meio de instrumento ou equipamento que registre ou indique a velocidade medida, com ou sem dispositivo registrador de imagem dos seguintes tipos: jan.|fev.|mar. Por outro lado, a Resolução Contran n. 146, de 27/08/2003, no art. 1º, dispõe que: Revista TCEMG Isso posto, entende este órgão técnico, s.m.j, que, embora o CTB não trate especificamente da questão, a fiscalização de trânsito, por meio de radares, tem cunho principalmente pedagógico, tendo a finalidade precípua de evitar acidentes e caráter essencialmente preventivo, desde que a eficácia da fiscalização prime pelos princípios da moralidade, da finalidade e da razoabilidade. ESTUDO TÉCNICO Nesse panorama, entende-se que, uma vez elaboradas as regras e instalados os equipamentos coibitivos, a Administração visa, na fiscalização do trânsito, primeiramente, à prevenção de acidentes, com a observância à lei do trânsito por parte dos condutores e, por consequência, à penalização dos infratores. PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE Quanto a esse ponto, alegou também que “a imensa maioria das empresas que trabalha com monitoramento de velocidade no Brasil (cerca de 15 empresas) utiliza-se de equipamentos estáticos”, o que restringe a ampla participação do certame. Segundo a denunciante apenas uma empresa vem ofertando o produto no mercado. E mais, não há justificativa no edital para a exigência de equipamento portátil do tipo pistola, sendo que [...] o apontamento manual do equipamento portátil para cada veículo que trafega na via pode ensejar no emprego de fatores pessoais e subjetivos na aplicação de penalidade, posto que o agente de trânsito operador do equipamento poderá escolher qual veículo irá registrar, fato que não ocorre com o radar estático, o qual fica posicionado em um tripé ao lado da via, ou dentro de um veículo da fiscalização do trânsito. (sic) 3.4.2 Da ilegal exigência de equipamentos fixos do tipo ostensivo (com e sem display) prevista nos subitens 1.5.2 e 1.5.2.1.1.1 do item 1.5 do Anexo II do edital (fls. 109) Segundo a denunciante, o edital está exigindo que o equipamento fixo ostensivo possua a funcionalidade com ou sem display, mas o equipamento sem display é o radar fixo. E mais, “o único equipamento que possui em seu escopo o display é a lombada eletrônica, por tratar-se de função ostensiva, educativa”. A denunciante conclui dizendo que “somente é utilizado o display para os equipamentos redutores de velocidade; caso contrário o equipamento caracteriza-se como medidor de velocidade”. Por fim, a denunciante Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda. alega que a inclusão de radar portátil (tipo pistola) restringe o universo de fabricantes pelas seguintes razões: (1) apenas duas empresas nacionais fabricam o equipamento (Fiscal Tecnologia e LaserTech), “o que significa que o interessado na disputa ficará à mercê da conveniência comercial dessas no tocante ao fornecimento e preço do produto”; (2) “trata-se de equipamento a ser usado nos limites da cidade de Sete Lagoas, cuja finalidade bem poderia ser alcançada pelo chamado radar do tipo ‘estático’ — cuja fabricação é larga entre a maioria das empresas do setor”. (grifo nosso) Análise: Verifica-se que o edital, ao exigir entre os seus objetos o medidor de velocidade estático/portátil (tipo pistola), não traz uma definição precisa, suficiente e clara deste objeto, uma vez que a Resolução Contran n. 396/2011 mostra a diferença dos equipamentos que medem a velocidade, a saber: Art. 1º A medição das velocidades desenvolvidas pelos veículos automotores, elétricos, reboques e semirreboques nas vias públicas deve ser efetuada por meio de instrumento ou equipamento que registre ou indique a velocidade medida, com ou sem dispositivo registrador de imagem dos seguintes tipos: I — Fixo: medidor de velocidade com registro de imagens instalado em local definido e em caráter permanente; II — Estático: medidor de velocidade com registro de imagens instalado em veículo parado ou em suporte apropriado; III — Móvel: medidor de velocidade instalado em veículo em movimento, procedendo a medição ao longo da via; IV — Portátil: medidor de velocidade direcionado manualmente para o veículo alvo. Da leitura do edital, item 1.6.2.3 do Anexo II (fls. 115), que trata do equipamento de medição de velocidade estático/portátil do tipo pistola, verifica-se a seguinte previsão: “De acordo com a Resolução n. 396/11 do Contran, entende-se por medidor estático/portátil aquele medidor de velocidade direcionado manualmente para o veículo alvo”. Logo, o conceito constante do edital em questão é referente ao radar portátil, conforme resolução citada, e não ao radar estático, ainda que haja previsão no edital (item 1.6.2.2 — fls. 115) da obrigatoriedade do 192 radar portátil (tipo pistola) conter um tripé. Ou seja, mesmo que o radar portátil (tipo pistola) seja acoplado a um tripé, ainda assim, é considerado um radar portátil (tipo pistola), pois precisa ser manipulado pelo homem no momento de apertar o gatilho do radar. Não é, portanto, um radar estático; este é conceituado como: medidor de velocidade com registro de imagens instalado em veículo parado ou em suporte apropriado, sem que o homem precise apertar o gatilho do radar. As informações prestadas pela Prefeitura, ademais, demonstram que o equipamento não é de distribuição tão restrita no mercado, bem como oferece vantagens comparativas relativamente aos equipamentos do tipo estático.10 Diante do citado julgado, conclui-se que o radar portátil (tipo pistola) vem sendo utilizado em vários municípios, em razão de dispor de tecnologia diferente e mais avançada em relação à dos radares estáticos; isso porque o radar portátil permite ao agente fiscalizador aferir a velocidade e a distância de veículos e motocicletas em diferentes faixas e vias de trânsito, além de permitir o constante deslocamento do agente com o equipamento para os pontos de maior necessidade de monitoramento de velocidade. Constata-se, ainda, que o equipamento não é de distribuição tão restrita no mercado. Ademais, a opção pelo radar portátil (tipo pistola) decorre da conveniência da Administração, e o secretário municipal de trânsito e transporte urbano, na condição de autoridade de trânsito no município, detém estudos técnicos que estabelecem as demandas necessárias ao cumprimento das atividades que a norma de trânsito lhe atribui. Diante do exposto, entende esta unidade técnica que a exigência editalícia de radar portátil (tipo pistola) é regular, uma vez que os medidores de velocidade portátil (tipo pistola) possuem especificidades técnicas que os distinguem dos demais, com previsão legal, não podendo, portanto, ser substituídos por outros tipos de equipamentos. Quanto à alegação da denunciante de ser ilegal a exigência de equipamentos fixos do tipo ostensivo (com e sem display), prevista nos subitens 1.5.2 e 1.5.2.1.1.1 do item 1.5 do Anexo II do edital (fls. 109), esta unidade técnica entende que a opção pelo radar fixo do tipo ostensivo (com e sem display) decorre da conveniência da Administração. Em consulta ao site Gerenciamento e Controle de Trânsito (CGT)11, verifica-se a previsão de equipamentos fixos do tipo ostensivo (com e sem display), a conferir: www.tce.sp.gov.br SÃO PAULO. Tribunal de Contas. Processo n. 800/989/13-9. Relator: cons. Renato Martins Costa. Acórdão publicado: DOE, 5 jul. 2013. 11 Disponível em: <http://www.gctnet.com.br/solucoes.asp>. Acesso em: 29/11/2013.. 9 10 193 2014 Afinal, não caberia nesta fase avaliar se a opção pelo radar móvel alternativamente ao radar estático implicaria redução automática de contendores ou outra sorte de violação a direito subjetivo, uma vez que há de se presumir que a composição do objeto decorre da conveniência da Administração que, na qualidade de autoridade de trânsito no município, há de deter estudos técnicos que estabeleçam as demandas necessárias ao cumprimento das atividades que a norma de trânsito lhe atribui. jan.|fev.|mar. Também afasto a controvérsia ventilada pela representante Splice Indústria Comércio e Serviços Ltda., incidente sobre a inclusão de radar portátil, tipo pistola, no objeto do certame. Revista TCEMG Quanto à exigência de radar portátil (tipo pistola), questionada pelas denunciantes, o Tribunal de Contas de São Paulo9 — nos autos do Processo n. 800/989/13, sessão do dia 26/06/2013 — concluiu pela inexistência de qualquer irregularidade quanto à exigência de radar portátil (tipo pistola), a conferir: ESTUDO TÉCNICO Isso posto, esta unidade técnica entende que o edital é irregular, tendo em vista a expressão “estático” no objeto para “medidor de velocidade portátil (tipo pistola)”, o que faz com que a definição desse objeto não seja precisa, suficiente e clara, nos termos do art. 3º, II, da Lei n. 10.520/02, que trata do pregão, e não se adeque à Resolução do Contran n. 396/11. PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE Medidor de velocidade fixo (ostensivo sem display) É um equipamento medidor de velocidade do tipo fixo ostensivo que informa a velocidade da via no corpo do equipamento e que pode ser instalado em estradas ou dentro das cidades em ruas ou avenidas. Medidor de velocidade fixo (ostensivo com display) É um equipamento fixo ostensivo que informa a velocidade do veículo em um display eletrônico. Informa também a velocidade da via no corpo do equipamento. Os equipamentos em questão, além de serem usados para situações de tráfego distintas, possuem complexidades técnicas diferentes que demandam experiência distinta dos licitantes na instalação, operação e manutenção dos equipamentos, razão pela qual é razoável a exigência deles no processo licitatório em questão. Isso posto, esta unidade técnica entende que os equipamentos fixos do tipo ostensivo (com e sem display), somados a outros equipamentos previstos no edital em comento, reforçam a fiscalização e a segurança no trânsito, estando a escolha de tais equipamentos no âmbito do poder discricionário da Administração, razão pela qual se considera regular a exigência de equipamentos fixos do tipo ostensivo (com e sem display). 3.5 Da ausência da exigência de equipamentos novos (Denúncia n. 911.607) A denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda. alega que: [...] o instrumento convocatório não exige a apresentação de equipamentos novos e sem uso, o que representa um grande risco para a Administração Pública, pois sem a presença de tal exigência básica, poderão ser apresentados equipamentos defasados e antigos pelo mesmo valor em que seriam contratados equipamentos novos e tecnologicamente avançados. Sustenta ainda que a ausência da exigência de equipamentos novos “compromete a lisura da contratação, visto que a empresa que atualmente opera os equipamentos no Município seria beneficiada, uma vez que já possui os equipamentos produzidos e instalados nos locais”. (grifo nosso) Análise: A denunciante postula ser necessária a exigência de equipamentos novos e sem uso, de forma que afaste o favorecimento de empresa específica. A propósito, registre-se a impugnação apresentada pela empresa Gerenciamento e Controle de Trânsito Ltda (GCT) em face do edital de Concorrência Pública n. 239/2008-0012, cujo objeto é a contratação de empresa ou consórcio para prestação de serviços de medição da velocidade de veículos, com coleta, armazenamento e tratamento de dados e imagens, mediante a disponibilização, instalação e manutenção de equipamentos eletrônicos medidores de velocidade, tipo fixo (discreto), com transmissão de dados online (wireless) bem como de software e sistemas especializados para processamento e apoio à emissão das notificações de autuação de infração (N.A.I.) e notificações de imposição de penalidade (N.I.P.) pelo Dnit e relatórios estatísticos e gerenciais, a conferir: Tendo em vista tratar-se de contrato de prestação de serviços, cujo escopo engloba a manutenção dos equipamentos disponibilizados na atividade, causa espécie a disposição taxativa no sentido de que devem ser empregados equipamentos novos e sem uso: essa medida implica a impossibilidade de o licitante utilizar equipamentos que eventualmente já possua e que atendam às disposições editalícias no tocante a características técnicas e funcionais. Ou seja, equipamentos novos sob o ponto de vista de patamar tecnológico, utilidade e eficiência, mas que tenham sido anteriormente utilizados. 12 Disponível em: <http://www1.dnit.gov.br/anexo/outros/Impugna%C3%A7%C3%A3o_edital0238_08-00_1.pdf.>. Acesso em: 29 nov. 2013. 194 Essa exigência impacta diretamente na estimativa de custo dos licitantes, que devem embutir no preço do serviço não só valor de aquisição dos equipamentos novos, mas também os demais custos envolvidos nesta aquisição, tais como financiamentos, custo de oportunidade do desembolso de capital para aquisição dos mesmos, etc., o que, obviamente, repercute nas propostas de preços ofertadas. Ora, considerando que o edital expressamente prevê nos itens 16.1 alínea “d”, 16.4 e 16.5 que os custos de manutenção são de responsabilidade da contratada e devem integrar o preço proposto, bem como que o projeto básico determina taxativamente que a manutenção corretiva dos equipamentos não pode ultrapassar o prazo de 24 horas (itens 10.10.1 e 10.10.2 do Anexo I), fica ainda mais evidente a impertinência da restrição ao eventual uso de equipamentos que a proponente já possua. Isso porque: a) a manutenção dos equipamentos é de responsabilidade da empresa contratada; Diante disso, fica óbvio que a restrição à utilização de equipamentos usados implica antieconomicidade da contratação; em oposição, não há qualquer plus de qualidade ou de segurança à contratante no caso da utilização de equipamentos novos, já que, antes do início da operação, os equipamentos têm que necessariamente ser aferidos pelo INMETRO. Ora, tal aferição garante, com absoluta segurança, que o equipamento estará em condições adequadas de funcionamento. [...] Não é demais salientar que se trata de contrato de prestação de serviço e não de aquisição de bens. Ou seja, o que a Administração “compra” é o serviço, executado de acordo com determinados padrões de qualidade. Pouco importa se a contratada entende preferível, do ponto de vista econômico e comercial, utilizar equipamentos próprios que atendam às especificações do edital e, eventualmente, em virtude de se tratarem de equipamentos usados, arcar com custos de manutenção mais altos. Desde que respeitados os padrões mínimos de eficiência e qualidade na prestação dos serviços previstos no Edital e no contrato, a opção por utilizar equipamentos novos ou usados é da proponente, que deve avaliar qual solução lhe é conveniente comercialmente. O administrador não pode de antemão renunciar à possibilidade de obter contratação mais vantajosa a partir da utilização de equipamentos usados, desde que conformes com as especificações do Edital. O que importa, frise-se, é a qualidade do serviço prestado e a economicidade da contratação. São esses os elementos, no caso, que consubstanciam o interesse público na contratação. Não há, portanto, razão alguma que justifique a exigência de equipamentos novos, exigência que, contrariando o princípio da busca da proposta mais vantajosa, viola os arts. 37, XXI, da Constituição Federal, e 3º da Lei 8.666/93. (grifo nosso) Esta unidade técnica compartilha desse entendimento. Conforme se verifica do termo de referência anexo ao Edital de Pregão Presencial n. 004/2013, há previsão de manutenção pela contratada dos equipamentos objetos do processo licitatório (itens 1.1.2.29.3 —fls. 94-95; 1.2.2.29.3 — fls. 100; 1.3.2.29.3 — fls. 106; 1.5.2.29.3 — fls. 113; 1.6.2.11.3 — fls. 117 e 1.6.2.22.1 — fls. 121). Ademais, consta que nenhum equipamento (medidor de velocidade), 195 2014 jan.|fev.|mar. d) logo, a vantajosidade das propostas deve ser avaliada segundo o critério definido no Edital, que é o de menor preço; se os custos prováveis de manutenção de equipamentos usados forem superiores, isso terá reflexo na proposta; se, contudo, for possível para o licitante utilizar equipamentos já disponíveis em seu estoque e utilizados em outros contratos (ou seja, cujo custo de aquisição já tenha sido parcial ou totalmente amortizado) de forma competitiva quanto aos custos de manutenção, não há razão jurídica para que o DNIT deixe de acolher sua proposta. Revista TCEMG c) não há, portanto, risco de um “diferencial de qualidade” na prestação dos serviços em face destas regras; os padrões definidos no Edital quanto à forma de prestação do serviço, o desempenho dos equipamentos e os prazos e condições de manutenção serão aplicados a qualquer contratada, independentemente de serem os equipamentos recém-adquiridos e jamais utilizados ou não; ESTUDO TÉCNICO b) há prazos máximos determinados de manutenção; PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE com exceção do radar portátil (tipo pistola) e do talonário eletrônico (Palm), poderá entrar em operação sem que tenha sido aferido e aprovado pelo Inmetro ou entidade por ele credenciada, cumprindo as disposições legais estabelecidas pelo Contran (itens 1.1.2.11 — fls. 90; 1.2.2.11 — fls. 97; 1.3.2.11 — fls. 103 e 1.5.2.11 — fls. 110). Outrossim, não se mostra razoável que para todo procedimento licitatório a licitante interessada tenha que adquirir equipamentos novos, se esta for a postura adotada pelos órgãos licitantes. Aferida a segurança dos equipamentos objetos do certame por meio da previsão editalícia de inspeção deles pelo Inmetro e da manutenção deles pela contratada, bem como a economicidade do certame pela viabilidade da contratação de equipamentos usados, esta unidade técnica entende ser razoável a contratação de equipamentos usados. Logo, a denúncia não procede quanto a esse ponto. 3.6 Da ausência de orçamento e do valor estimado (Denúncias n. 911.607 e 911.646) A denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda. alega que “o edital não apresenta planilha de composição de custos unitários detalhada, tão pouco valor estimado para a contratação”, em desacordo com o art. 7º, § 2º, II e art. 40, § 2º, II, ambos da Lei n. 8.666/93, que impõem a “obrigatoriedade quanto à formulação de orçamento expressando-se todos os seus custos unitários”. Segundo a denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda., a “omissão é grave e acarreta prejuízo na elaboração de propostas adequadas, já que diversos custos não estão sendo contemplados na planilha do Anexo II, F — Modelo de Planilha/Proposta Comercial, apresentada no instrumento convocatório.” No mesmo sentido, a denunciante Splice Indústria, Comércio e Serviços Ltda. alega ausência de planilha balisadora de preços unitários e de valor estimado da contratação, o que vai de encontro aos arts. 7º e 40 da Lei n. 8.666/93. Análise: Compulsando os autos, verifica-se que, de fato, não consta do Edital de Pregão Presencial n. 004/2013 a planilha de custos unitários e do valor estimado da contratação. Em se tratando das modalidades licitatórias previstas na Lei n. 8.666/93, a Administração Pública tem o dever de anexar ao edital o orçamento estimado em planilha de preços unitários e global, sendo imprescindível sua divulgação aos interessados, evitando-se, assim, tratamento desigual aos licitantes. A Lei n. 8.666/93 exige no inciso X do art. 40 a previsão de uma referência de preços, permitindo que a Administração Pública possa avaliar a exequibilidade das propostas. Para tanto, é imprescindível a elaboração de um orçamento anterior à publicação do ato convocatório, nos termos do inciso II do § 2º do art. 40 da Lei n. 8.666/93. A conferir: Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: [...] X — o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 48; [...] § 2° Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante: [...] II — orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; 196 Diante do exposto, esta unidade técnica entende que, em relação ao pregão, por força do art. 9º da Lei n. 10.520/02, que dispõe sobre a aplicação subsidiária da Lei n. 8.666/93, a Administração também tem o dever de anexar ao edital o orçamento estimado em planilhas de preços unitários e global. 3.7 Da ausência de projeto básico e do estudo técnico (Denúncia n. 911.607) A denunciante Eliseu Kopp & Cia. Ltda. alega a ausência de estudo técnico e complementa que, segundo a Resolução n. 214/2006 do Contran (arts. 1º e 3º, § 2º), para a instalação de quaisquer equipamentos medidores de velocidade, fundamental se faz a realização de estudos técnicos. Alegou ainda que, diante do art. 6º, IX, da Lei n. 8.666/93, “tem-se claro que é fundamental para a licitação de quaisquer controladores a elaboração de um projeto básico, o qual justifique a necessidade do processo com base em estudos técnicos”. Por fim, requereu a apresentação de projeto básico, constando os estudos técnicos preliminares e a justificativa técnica pela escolha das especificações técnicas obrigatórias. Análise: Compulsando os autos, verifica-se que consta, como anexo do edital em exame, o Termo de Referência — Anexo II (fls. 88-154), específico para a modalidade pregão. O termo de referência é um instrumento de gestão estratégica, pois representa uma projeção detalhada da futura contratação, onde são abordadas questões como: a definição do objeto de forma detalhada, clara e precisa; justificativas técnicas para a contratação do objeto; as etapas; os prazos; o valor estimado da contratação quanto ao custo unitário e global; a modalidade da licitação; a metodologia a ser observada (envolve tanto o tipo de insumos utilizados quanto o manuseio destes insumos); os critérios de aceitabilidade do produto; forma de apresentação do produto; critérios para avaliação da habilitação dos proponentes; condições de execução; 197 2014 A obrigatoriedade de constar da fase interna o orçamento estimado em planilha de preços unitários e global é inquestionável. Mas, considerando que não consta dos autos a fase interna do certame, uma vez que os responsáveis ainda não foram intimados para apresentá-la, a análise da questão ficou prejudicada no momento. Em razão do exposto, os responsáveis podem ser intimados para apresentar a pesquisa de preços bem como o orçamento estimado do custo unitário e o valor global, embora esta unidade técnica entenda que o referido orçamento já deveria ter constado como anexo do edital. jan.|fev.|mar. Entretanto, frente aos novos rumos seguidos pela jurisprudência do TCU, revejo também o meu entendimento para considerar que a divulgação do orçamento estimado em planilha de quantitativos e preços unitários é obrigatória para as licitações regidas pela Lei nº 8.666/93 e facultativa para a modalidade pregão, não obstante seja instrumento obrigatório e imprescindível ao planejamento que antecede a fase externa do certame e que, por isso, deve necessariamente constar do procedimento administrativo. (Denúncia n. 884.713. Relator: Cláudio Terrão. Segunda Câmara. Sessão do dia 04/07/2013). (grifo nosso) Revista TCEMG Eu próprio adotava o entendimento de que o inciso II do § 2º do art. 40 da Lei de Licitações era de aplicação compulsória igualmente à modalidade pregão, em vista da omissão da Lei nº 10.520/02, da subsidiariedade da norma geral de licitações e, especialmente, dos princípios da publicidade e da transparência que permeiam os procedimentos licitatórios. ESTUDO TÉCNICO Todavia, existe entendimento divergente. A Segunda Câmara desta Corte de Contas, seguindo entendimento do Tribunal de Contas da União, já se posicionou nos autos da Denúncia n. 884.713, de que, em relação ao pregão, a anexação do orçamento ao edital não é obrigatória, bastando a sua inclusão no respectivo procedimento administrativo. Mas em relação às demais modalidades licitatórias regidas pela Lei n. 8.666/93 a divulgação do orçamento estimado em planilha de preços unitários e global no edital é obrigatória, a conferir: PREGÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE DETECÇÃO, REGISTRO E PROCESSAMENTO DE IMAGENS DE INFRAÇÕES DE TRÂNSITO: ECONOMICIDADE E CELERIDADE obrigações da contratada e da contratante; condições de pagamento; sanções, além de outras questões pertinentes ao objeto licitado. A denunciante alegou ausência de justificativa técnica pela escolha das especificações técnicas obrigatórias. Ora, se as especificações técnicas são obrigatórias, não há porque justificar, uma vez que elas constam do edital. No caso, o que se vislumbra é a ausência de justificativas técnicas para a contratação dos objetos do certame. Com essas considerações, verifica-se que o termo de referência é insuficiente, uma vez que ausentes as seguintes questões: (i) etapas e prazos de entrega e instalação do objeto da licitação; (ii) valor estimado da contratação quanto ao custo unitário e global, diante dos preços praticados no mercado, informações estas relevantes para os objetivos da Administração; (iii) justificativas técnicas para a contratação dos objetos do certame em questão. Esta Corte de Contas já se manifestou quanto à insuficiência do termo de referência nos autos do Edital de Licitação n. 863.387, da relatoria do conselheiro Mauri Torres, sessão do dia 15/03/2012, a conferir: Quanto à insuficiência do Termo de Referência, acertadamente asseverou o órgão técnico em sua análise, fls. 51: ‘No caso da descrição do objeto do certame, de forma precisa, suficiente e clara, apesar do termo de referência no item 1 mencionar que as quantidades e especificações estariam discriminadas no anexo II do termo de referência, não se observou no presente edital, tal anexo. Quanto aos critérios de avaliação do custo do bem, apesar do termo de referência mencionar no item 8 que os valores estariam detalhados no anexo II, também não se observou tal anexo no presente edital. Quanto à garantia dos produtos, apesar do edital exigir garantia no item 1.2, não se observou a descrição de tal garantia no termo de referência com seus respectivos detalhamentos como por exemplo, tempo e quilometragem mínima.’ Além da irregularidade quanto à insuficiência do Termo de Referência apontada na análise técnica, constatei incongruência em referido Termo quanto ao prazo estipulado para entrega dos bens adquiridos. A fls. 12 observa-se no item 5.1 que foi estipulado um o prazo máximo de entrega de 05 (cinco) dias. Já no Termo de Referência, a fls. 27, o item 4 estipula que a Contratada terá um prazo de 24 (vinte e quatro) horas a partir do recebimento da Nota de Empenho, para fornecimento dos pneus solicitados pela Seção de Transporte do Município. Diante do exposto, este órgão técnico entende que o edital é irregular diante da insuficiência do termo de referência (fls. 88-154). 4 DA CONCLUSÃO Por todo o exposto, após análise do Edital de Pregão Presencial n. 004/2013, em face das Denúncias n. 911.607 e 911.646, conforme determinação a fls. 109 dos Autos n. 911.646, esta unidade técnica entende que o certame designado para o próximo dia 04/12/2013 pode ser suspenso em razão da verificação das seguintes irregularidades: 1) exigência de amostras de todos os licitantes (Termo de Referência, Anexo II, E, do edital — fls. 153); 2) imprecisão na descrição do objeto (medidor de velocidade estático/portátil — tipo pistola), uma vez que a Resolução n. 396/11 do Contran mostra a diferença dos equipamentos: um, medidor de velocidade estático; outro, medidor de velocidade portátil — tipo pistola; 3) insuficiência do termo de referência, quanto às seguintes questões: (i) etapas e prazos de entrega e instalação do objeto da licitação; (ii) valor estimado da contratação quanto ao custo unitário e global, diante dos preços praticados no mercado, informações estas relevantes para os objetivos da Administração; (iii) justificativas técnicas para a contratação dos objetos do certame. 198 Esta unidade técnica entende que: 1) Os responsáveis podem ser intimados para apresentarem: (i) pesquisa de preços e orçamento estimado do custo unitário e valor global; (ii) justificativas para a adoção do critério de julgamento pelo menor preço global (sendo lote único); (iii) justificativas para a delegação do poder de polícia em relação aos seguintes objetos do certame: (a) processamento e gerenciamento das notificações de autuação/penalidade; (b) operacionalização do equipamento de medição de velocidade portátil do tipo pistola (Quem vai apertar o gatilho do radar?); (c) operacionalização do talonário eletrônico — Palm (Quem são os agentes conveniados?); (d) produção dos AIT eletrônicos. Revista TCEMG Cael/DME, 29 de novembro de 2013. Érica Apgaua de Britto Analista de Controle Externo TC 2938-3 2014 À consideração superior, jan.|fev.|mar. 3) Após, os autos podem retornar a esta coordenadoria para análise da documentação e das justificativas apresentadas. ESTUDO TÉCNICO 2) Os autos dos Processos n. 911.607 e 911.646 podem ser apensados em razão da conexão de matéria, possibilitando o julgado simultâneo, nos termos do art. 156, § 1º, do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução n. 12/08). 199 ÍNDICES REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS Consórcio administrativo município ações e serviços de saúde cômputo de despesas, 3/2013, 83 REVISTAS DE 2013 regime jurídico, 4/2013, 78 Adicional de insalubridade aumento do percentual, 3/2013, 106 Administração pública compras e aquisições planejamento, necessidade, 1/2013, 75 democratização, 2/2013, 52 Advocacia pública representação de agentes políticos, 3/2013, 126 Advogado contratação administração municipal, 2/2013, 136 defesa de agentes políticos, 3/2013, 126 Agente político remuneração, 2/2013, 112 representação judicial ou extrajudicial observância do interesse público, 3/2013, 126 Agravo n. 886.018, 3/2013, 101 Aposentadoria especial Contrato administrativo garantias, 1/2013, 138 Controle da constitucionalidade Tribunal de Contas, 1/2013, 141; 4/2013, 71 Controle externo princípio do custo-benefício, 4/2013, 118 princípios do contraditório e da ampla defesa, 4/2013, 127 ver também Tribunal de Contas policial civil exame de constitucionalidade, 1/2013, 141 segurança jurídica, 4/2013, 23 ver também Regime Próprio de Previdência Social Crédito adicional abertura Atos de Aposentadoria, 1/2013, 141 Auditoria Operacional recursos de convênio demonstração contábil, 4/2013, 106 n. 862.696, 1/2013, 109 abertura Café ciclo em Minas Gerais, 1/2013, 1 Câmara municipal repasses financeiros base de cálculo, 2/2013, 75 cumprimento de mandado judicial, 3/2013, 116 Comportamento humano filosofia, 1/2013, 2; 2/2013, 2; 3/2013, 3; 4/2013, 2 recursos de superavit financeiro, 4/2013, 103 Denúncia n. 839.455, 1/2013, 160; 2/2013, 84 Despesa de pessoal final de mandato, 3/2013, 106 professor readaptado, 3/2013, 91 Despesa pública irregularidade Concurso público taxa de inscrição aspectos jurídicos, 2/2013, 100 ressarcimento, 4/2013, 112 Devido processo legal contraditório e ampla defesa processo administrativo de controle, observância, 4/2013, 127 203 2014 n. 812.017, 2/2013, 80 n. 833.221, 2/2013, 117 n. 837.533, 1/2013, 84 n. 837.679, 4/2013, 106 n. 838.654, 4/2013, 78 n. 843.481, 3/2013, 83 n. 849.726, 3/2013, 77 n. 850.498, 3/2013, 100 n. 859.122, 2/2013, 75 n. 862.810, 3/2013, 71 n. 873.919, 3/2013, 136 n. 875.563, 1/2013, 126 n. 876.280, 3/2013, 71 n. 876.494, 3/2013, 91 n. 876.555, 4/2013, 103 n. 879.740, 3/2013, 87 n. 885.888, 3/2013, 106 n. 886.369, 4/2013, 93 ÍNDICES - REVISTAS DE 2013 Consórcio de empresas, 1/2013, 209 Consórcio público ver Consórcio administrativo Consulta jan.|fev.|mar. Remete ao número da página Revista TCEMG ÍNDICE DE ASSUNTO ÍNDICE DE ASSUNTO — REVISTAS DE 2013 Direito Medicamento Direito à informação, 1/2013, 27 Direito administrativo Microempresa pós-modernidade, 3/2013, 11 aquisição contratação emergencial, 3/2013, 137 tratamento jurídico diferenciado teoria constitucional, 1/2013, 27 competência legislativa, 2/2013, 157 Discricionariedade Motorista de táxi norma jurídica contratação, 1/2013, 160 contribuição portuguesa, 4/2013, 51 Empregado público ver Servidor público regido pela CLT Ensaio CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de, 4/2013, 11 GAMBOGI, Luís Carlos Balbino, 3/2013, 11 Município disponibilidade de caixa depósito compulsório instituição financeira oficial, 4/2013, 71 ver também Prefeitura Entrevista Pedido de Reexame NARDES, Augusto, 1/2013, 13 NÓBREGA, Marcos Antônio Rios da, 2/2013, 11 n. 837.520, 3/2013, 116 Pequena empresa Filosofia do direito tratamento jurídico diferenciado formação jurídica, crítica, 4/2013, 42 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) despesa com pessoal competência legislativa, 2/2013, 157 Permissão de serviços públicos serviço de táxi, 1/2013, 160; 2/2013, 84 Policial civil aposentadoria especial, 1/2013, 141 professor readaptado, 3/2013, 91 Políticas públicas Fundo Municipal de Saúde conselho gestor, 1/2013, 43; 2/2013, 52 saneamento básico aspectos contábeis, 2/2013, 117 Incidente de inconstitucionalidade avaliação de resultados, 1/2013, 109 n. 896.486, 4/2013, 71 Prefeitura Interesse público contratação de serviços advocatícios direitos fundamentais, 1/2013, 55 créditos previdenciários, resgate, 2/2013, 136 Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) repasses financeiros câmara municipal base de cálculo, 2/2013, 75 descumprimento do limite, 3/2013, 116 rejeição integral, Poder Legislativo, 2/2013, 80 Lei municipal vício de competência, 4/2013, 71 ver também Câmara municipal Licitação alienação de veículos e sucata, irregularidade, 3/2013, 155 aquisição Prescrição aplicabilidade no TCEMG, 2/2013, 148; 4/2013, 97 combustível aeronave, 2/2013, 171 Prestação de Contas Municipal medicamento situação emergencial, 3/2013, 137 passagem aérea, 1/2013, 102 Previdência complementar ver Previdência privada Previdência complementar indicação de marca, 3/2013, 77 Princípio da insignificância documentação probatória, 1/2013, 126 Processo administrativo “carona”, 2/2013, 36 Professor n. 697.611, 2/2013, 126 n. 710.096, 1/2013, 130 contratação direta aspectos constitucionais, 4/2013, 11 ver também Servidor público manutenção de veículos, irregularidade, 1/2013, 209 objeto, especificação aplicabilidade no TCEMG, 1/2013, 130, 183; 2/2013, 126 pneus, importação sistema de registro de preços n. 704.548, 4/2013, 112 transporte coletivo urbano, reestruturação, 4/2013, 84 tratamento de resíduos de saúde, irregularidade, 4/2013, 149 ver também Contrato administrativo 204 readaptação funcional remuneração com recursos do Fundeb reajuste salarial, 3/2013, 91 Queijo Termo de Ajustamento de Gestão produção, Serro (MG), 3/2013, 1 n. 876.297 impropriedade, 1/2013, 158 Racionalismo Tomada de contas especial aspectos humanos e sociais, 3/2013, 54 dano ao erário, ausência, 3/2013, 122 n. 758.750, 3/2013, 122 Recurso Ordinário n. 781.234, 4/2013, 97 n. 811.956, 1/2013, 75 n. 859.005, 4/2013, 84 n. 859.016, 4/2013, 84 n. 862.155, 1/2013, 102 n. 862.480, 2/2013, 112 n. 876.555, 4/2013, 103 n. 886.369, 4/2013, 93 Topázio imperial, riquezas de Minas, 2/2013, 1 Transporte coletivo reestruturação estudo técnico, elaboração, 4/2013, 84 controle difuso de constitucionalidade, 4/2013, 71 execução das decisões, 2/2013, 23 poderes e atribuições, 3/2013, 19 princípio da insignificância, 1/2013, 188 Recursos hídricos Minas Gerais gestão, 4/2013, 1 Tribunal de Contas – Minas Gerais Regime Próprio de Previdência Social constitucionalidade de lei, análise, 1/2013, 141 prescrição, 2/2013, 148; 4/2013, 97 recurso conselho gestor participação social, 2/2013, 52 Remuneração princípio da unicidade, 3/2013, 101 natureza alimentar ÍNDICES - REVISTAS DE 2013 Tribunal de Contas devolução ao erário, impossibilidade, 2/2013, 112 acumulação de cargos Resíduo urbano dois cargos públicos acumuláveis, 3/2013, 71 ver também Câmara municipal triagem e compostagem jan.|fev.|mar. terceirização do serviço, 1/2013, 84 2014 Vereador Restituição de Caução n. 748.282, 1/2013, 138 Saneamento básico Minas Gerais Revista TCEMG política, 1/2013, 109 Saúde recursos aplicação mínima, 3/2013, 83 resíduos, tratamento, 4/2013, 149 Servidor público não estável afastamento remunerado mandato eletivo, 3/2013, 87 previdência complementar, 4/2013, 11 ver também Aposentadoria, Regime Próprio de Previdência Social Servidor público regido pela CLT adicional por tempo de serviço quinquênio, pagamento, 4/2013, 93 Súmula vinculante aposentadoria contraditório e ampla defesa, restrições, 4/2013, 23 Teoria do direito Teoria dos princípios, crítica Humberto Bergmann Ávila, 3/2013, 36 205 ÍNDICE DE AUTOR — REVISTAS DE 2013 ÍNDICE DE AUTOR CASTRO, Sebastião Helvecio Ramos de Consulta n. 812.017, 2/2013, 80 Consulta n. 843.481, 3/2013, 83 Recursos Ordinários n. 859.005 e 859.016, 4/2013, 84; 862.155, 1/2013, 102 REVISTAS DE 2013 Remete ao número da página COELHO, Hamilton Antônio Consulta n. 873.919, 2/2013, 136 Processo Administrativo n. 704.548, 4/2013, 112 Termo de Ajustamento de Gestão n. 876.297, 1/2013, 158 Tomada de Contas Especial n. 758.750, 3/2013, 122 CORTELLA, Mario Sergio ALMEIDA, Reuder Rodrigues Madureira de Para refletir... Enquanto há vida..., 2/2013, 2 Para refletir... Não se desespere! Do mal será queimada a semente..., 4/2013, 2 Para refletir... Panta rei?, 1/2013, 2 Para refletir... Sábia consciência, 3/2013, 3 Devido processo legal: observância do contraditório e da ampla defesa nos processos administrativos de controle, 4/2013, 127 ANDRADE, Adriene Barbosa de Faria Carta ao leitor, 1/2013, 8 Consulta n. 837.533, 1/2013, 84 Consulta n. 838.654, 4/2013, 78 Consulta n. 849.726, 3/2013, 77 Consulta n. 859.122, 2/2013, 75 COSTA, Eduardo Carone Recurso Ordinário n. 811.956, 1/2013, 75 DINIZ, Gilberto Pinto Monteiro Consulta n. 833.221, 2/2013, 117 Consulta n. 837.679, 4/2013, 106 Consulta n. 885.888, 3/2013, 106 Restituição de caução n. 748.282, 1/2013, 138 ARCELO, Adalberto Antonio Batista O direito, a sociedade e nós mesmos: a formação jurídica como tecnologia emancipatória de subjetivação na complexidade contemporânea, 4/2013, 42 DORELLA, Micheli Ribeiro Massi Sistema de registro de preços: o “carona” à luz das inovações decorrentes do Decreto Federal n. 7.892/13, 2/2013, 36 ÁVILA, Wanderley Geraldo de Consultas n. 862.810 e 876.280, 3/2013, 71 Incidente de Inconstitucionalidade n. 896.486, 4/2013, 71 DUARTE, Mauri José Torres Consulta n. 850.498, 2/2013, 100 Consulta n. 875.563, 1/2013, 126 Consulta n. 876.494, 3/2013, 91 Recurso ordinário n. 781.234, 4/2013, 97 BAPTISTA, Isabelle de O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado: uma análise à luz dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, 1/2013, 55 BARCELOS, Renato de Abreu ELIAS, Gustavo Terra Súmula vinculante n. 3 do Supremo Tribunal Federal: um estudo do conflito entre as mutações do direito e a busca de segurança jurídica no controle dos atos de aposentadoria pelos tribunais de contas, 4/2013, 23 Maleabilidade deontológica? Uma crítica à teoria dos princípios de Humberto Ávila, 3/2013, 36 BORGES, Maria Cecília Mendes Aplicação do princípio do custo-benefício do controle, 4/2013, 118 FIGUEIREDO, Paulo Henrique Participação de empresas consorciadas em licitação: limites da discricionariedade administrativa, 1/2013, 209 BRITTO, Érica Apgaua de Irregularidades no procedimento licitatório para contratação de serviços de abastecimento de aeronaves, 2/2013, 171 CALAZANS, Fernando Ferreira Participação e controle social: a experiência da gestão compartilhada nos regimes estaduais de previdência dos funcionários públicos, 2/2013, 52 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de GAMBOGI, Luís Carlos Balbino Direito: entre a modernidade e a pós-modernidade (Ensaio), 3/2013, 11 GUIMARÃES, Daniel de Carvalho Considerações sobre a intercorrente, 2/2013, 148 aplicação KONCIKOSKI, Marcos Antônio Regime de previdência complementar dos servidores públicos (Ensaio), 4/2013, 11 206 da prescrição Da racionalidade à razão sensível e o papel da política jurídica, 3/2013, 54 MAFRA, Eric Botelho PIRES, Maria Coeli Simões MARTINS, Túlio César Pereira Machado RIBEIRO, Eloisa Majestade consagrada, 2/2013, 1 SILVA NETO, Belarmino José da Responsabilidade na gestão fiscal: alienação de bens públicos, 3/2013, 155 MASCARENHAS, Fernando Vilela Tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte nas aquisições públicas e sua disciplina normativa, 2/2013, 157 MASSARIA, Glaydson Santo Soprani Ponderações sobre a defesa de agentes políticos à custa do erário, 3/2013, 126 SIMÃO, Evelyn Questões sobre a contratação de serviço de tratamento e disposição final de resíduos infectantes de saúde, 4/2013, 149 MELO, Cristina Andrade Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração, 1/2013, 160 SOARES, Roberta Moraes Raso Leite Sistema de registro de preços: o “carona” à luz das inovações decorrentes do Decreto Federal n. 7.892/13, 2/2013, 36 MELO, Marília Carvalho de Gestão de recursos hídricos em Minas Gerais, 4/2013, 1 MONTEIRO, Délia Mara Villani O direito administrativo no contexto do novo constitucionalismo, 1/2013, 27 TERRÃO, Cláudio Couto Auditoria Operacional n. 862.696, 1/2013, 109 Consulta n. 879.740, 3/2013, 87 Consulta n. 886.369, 4/2013, 93 Denúncia n. 839.455, 2/2013, 84 MONTEIRO, Thiago Lins Alguns delineamentos dogmáticos contemporâneos da discricionariedade administrativa: possíveis contribuições do direito português à experiência brasileira, 4/2013, 51 TORRES, Mauri ver DUARTE, Mauri José Torres VALE, Murilo Melo Os conselhos gestores de políticas públicas e a democracia deliberativa: limites e desafios para a consolidação deste instituto deliberativo, 1/2013, 43 MOURÃO, Licurgo Atos de Aposentadoria, 1/2013, 141 Pedido de Reexame n. 837.520, 3/2013, 116 Prestação de Contas Municipal n. 697.611, 2/2013, 126 ÍNDICES - REVISTAS DE 2013 SILVA, Pedro Henrique Dornas de Carvalho VIANA, José Alves NARDES, Augusto Entrevista, 1/2013, 13 NASCIMENTO, Rodrigo Melo do Decisões condenatórias proferidas pelas cortes de contas: natureza, revisibilidade judicial e eficácia jurídica, 3/2013, 19 NÓBREGA, Marcos Antônio Rios da Entrevista, 2/2013, 11 NOVIELLO, Alexandra Recarey Eiras Aplicação e limites do princípio da insignificância no âmbito dos julgamentos proferidos pela Corte de Contas Mineira, 1/2013, 183 NUNES, Camila Costa Aplicação e limites do princípio da insignificância no âmbito dos julgamentos proferidos pela Corte de Contas Mineira, 1/2013, 183 OLIVEIRA, Licurgo Joseph Mourão de ver MOURÃO, Licurgo 207 Agravo n. 886.018, 3/2013, 101 Consulta n. 876.555, 4/2013, 103 Prestação de Contas Municipal n. 710.096, 1/2013, 130 Recurso Ordinário n. 862.480, 2/2013, 112 Os índices cumulativos das revistas são elaborados pela Coordenadoria de Biblioteca. 2014 Aplicação e limites do princípio da insignificância no âmbito dos julgamentos proferidos pela Corte de Contas Mineira, 1/2013, 183 jan.|fev.|mar. Legalidade da aquisição de medicamentos e insumos para tratamentos médicos mediante contratação emergencial, 3/2013, 137 Queijo do Serro: memória e arte da cidade mineira, 3/2013, 1 Revista TCEMG A execução das decisões dos tribunais de contas e sua eficácia: uma revisão necessária, 2/2013, 23 209 Revista TCEMG jan.|fev.|mar. 2014 ÍNDICES - REVISTAS DE 2013 ÍNDICE DE ASSUNTO — REVISTAS DE 2013 210