Comemoração dos fiéis defuntos [02.11.2009] – Homilia

Transcrição

Comemoração dos fiéis defuntos [02.11.2009] – Homilia
Comemoração dos fiéis defuntos [02.11.2009] – Homilia 1. Toda eucaristia é ação de graças. Esta de hoje nos faz agradecer a Deus por todas aquelas pessoas – confrades, pais, colaboradores, benfeitores, amigos e parentes – que encarnaram para nós o rosto de Cristo. Olhamos para eles na luz da gratidão. Muitos de nós, quando foram provados pela separação de uma pessoa querida, tiveram que aprender a oração de Santo Agostinho: “Senhor, não vos pergunto por que ma tiras‐
tes, mas vos agradeço por ma terdes dado.” Às vezes, para chegar a rezar esta oração, precisamos de tempo: o necessário para purificar a memória daquela pessoa, para per‐
doar‐lhe suas fragilidades humanas e curar certas feridas, para apreciar o amor do qual deixou traços em nossa vida. Mas a nossa gratidão é tão ampla que acolhe, ao lado dos nossos entes queridos, também as pessoas com as quais nosso relacionamento foi mais superficial ou ocasional. Com algu‐
mas delas nos limitamos a trabalhar juntos. Outras teremos avaliado servindo‐nos de eti‐
quetas pré‐fabricadas. De algumas nós nos servimos e depois deixamos de lado. Ainda mais frequentemente, nos detivemos a olhar nelas o que faltava, sem apreciar o que tinham. A liturgia de hoje nos faz considerar estas pessoas, todas e sem distinção, como um dom. E queira Deus que isto inspire também a nossa relação com os que estão vivos. Mas claro, sem exagerar: bastaria um pouco daquele gênero literário que usamos nos necrológios! Hoje agradecemos a Deus por todos os germes de vida que nossos falecidos deixaram em nós ou na Congregação. Estes germes produzem ainda vida, e o fazem na medida em que essas pessoas foram consciente ou inconscientemente “de Cristo”, como nos dizia são Paulo na segunda leitura. Agora que as olhamos na luz de Deus, talvez nos farão abrir os olhos sobre o cêntuplo (Mt 19,29) que cada dia recebemos nesta terra em termos de amizade, alegria, providência e que raramente agradecemos. Mas hoje a liturgia é sobretudo comemoração. Fazemos um exercício de memória. Peço a vocês para fazermos um minuto de silêncio, durante o qual vamos procurar dar um nome e um rosto aos pais, confrades, colaboradores, benfeitores, amigos e parentes, aos que lançaram a semente da vocação no terreno da nossa vida e aos que a ajudaram a crescer. Por todos, obrigado, Senhor! 2. Toda eucaristia é comunhão. A oração eucarística tem sempre um duplo “memen‐
to:” recordamos os vivos e os falecidos. A celebração de hoje é um “memento” único, que nos faz sentir unidos num vínculo, misterioso tanto quanto real, com todos os nossos mortos. Se as nossas Constituições falam da eucaristia como sinal de solidariedade mis‐
sionária (Const. 29), hoje queremos abrir‐nos à força que deriva dessa solidariedade. Quantas vezes sentimos, indizível mas eficaz, a proximidade e o apoio de um ente queri‐
do falecido? Esta missa de hoje nos confirma naquela verdade de fé que professamos no Credo, mas que muitas vezes esquecemos na vida: a comunhão dos santos. Ela nos faz sentir próximos, todos juntos, os falecidos que direta ou indiretamente amaram a Con‐
gregação, tomaram parte em nossa missão, em nossas esperanças e em nossa peregri‐
nação na fé: e, tenho certeza, estão atuando particularmente para nos ajudar nesses dias de Capítulo Geral. 2 Entre todas essas pessoas, me permitam mencionar alguns confrades em especial: refiro‐
me aos que na vida de nossas comunidades se distinguiram como pessoas de comunhão. Certamente todos nós conhecemos essas pessoas, de todas as idades. Penso em alguns idosos, que o passar dos anos tornou sábios, ajudando‐os a distinguir entre o que é es‐
sencial e o que não é. A espiritualidade oriental os chama de kalogeroi (= “velhinhos sim‐
páticos”). Sua presença nas casas tem sido preciosa para encorajar os jovens comprome‐
tidos “fora”, para aliviar tensões, para não cair no legalismo. Em vez de criticar, com um pouco de humorismo, transmitiam serenidade e confiança. Penso também em tantos de nossos irmãos coadjutores que gastaram a vida no serviço humilde, preocupados com estabelecer e às vezes salvar as relações entre o povo e os "padres". Graças a Deus, esses construtores de comunhão existem ainda hoje. São pessoas que tanto “mastigaram” o Cristo – citando o verbo usado por João no evangelho de hoje – comeram tantas vezes sua carne e beberam o seu sangue, que assimilaram o que Cristo tem mais valoriza: o primado da caridade, sem a qual nada nos adianta (1Cor 13,3). Também aqui, a liturgia de hoje é um remédio para a nossa memória curta, vírus típico do nosso tempo. Hoje em dia tudo nos leva a buscar a novidade nas coisas, nas notícias, nos acontecimentos, esquecendo‐nos de que a única novidade é Cristo, e que ele se en‐
contra nas pessoas, onde – conforme o evangelho de hoje – decidiu morar (Jo 6,56). Du‐
rante este minuto de silêncio recordemos todos os que foram para nós um reflexo da bondade de Deus. Nós as confiamos a vós, Senhor, que sois o único bom (Mc 10,18). 3. Toda eucaristia é sacrifício, memorial do único grande sacrifício redentor consumado no Calvário. Toda missa renova o dom que Cristo faz da sua carne “para a vida do mun‐
do” (evangelho). É em união com esse sacrifício que a nossa morte se torna semente efi‐
caz de vida nova: a nossa morte, mas também tudo o que é antecipação dela, como a doença, a solidão, a frustração, o vazio. É somente por força do sacrifício do Calvário que a redenção se torna copiosa, capaz de atingir a todos: e como Redentoristas temos o dever de não esquecer os últimos, os mais abandonados, os que nem sequer no além têm quem reze por eles. Mas a palavra sacrifício evoca hoje em mim a memória de todos os que deram a vida pela redenção, unindo o seu sacrifício ao de Cristo. O horizonte é muito amplo: faz parte dele quem passou a última fase da sua existência sob o peso da depressão, da ausência de Deus, da dúvida de ter errado tudo na vida. No outro extremo desse horizonte encon‐
tramos aqueles – jovens ou menos jovens, Redentoristas ou colaboradores – que morre‐
ram no próprio campo de missão, vítima da violência, de um acidente, de uma doença contraída por causa do trabalho missionário. Existem Unidades que têm sofrido cruel‐
mente neste particular, e mencionar algumas seria cometer injustiça para com outras. Todos nós sabemos e fomos informados no devido tempo. Certo é que também nós Re‐
dentoristas temos o nosso martirológio. Ainda mais certo é que o sacrifício dessas pesso‐
as não foi em vão. Nossa oração silenciosa nos ajude a recordá‐las. Fazei, ó Pai, Senhor da messe, que o seu sangue torne fecunda a semente de novas vocações. Pe. Serafino Fiore, C.Ss.R. Província de Nápoles