medicina veterinária da conservação
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medicina veterinária da conservação
ISSN 1517-6959 R e v is t a Ano 19 – Edição N° 59 | mai / jun / jul / ago - 2013 MEDICINA VETERINÁRIA DA CONSERVAÇÃO conexão entre saúde humana, saúde animal e saúde do ecossistema Projetos “Suçuarana” e “Mata Ciliar” Construindo uma nova ciência hipertensão intra-abdominal e síndrome compartimental em cães A Revista CFMV é editada quadrimestralmente pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e destina-se à divulgação de trabalhos técnico-científicos (revisões, artigos de educação continuada, artigos originais) e matérias de interesse da Medicina Veterinária e da Zootecnia. A distribuição é gratuita aos inscritos no Sistema CFMV/CRMVs e aos órgãos públicos. Correspondência e solicitações de números avulsos bem como solicitação de assinaturas devem ser enviadas ao Conselho Federal de Medicina Veterinária no seguinte endereço: SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 Brasília–DF – CEP: 71205-060 Fone: (61) 2106-0400 – Fax: (61) 2106-0444 Site: www.cfmv.gov.br – E-mail: [email protected] Capa: Monitoramento de onça parda na Serra do Brigadeiro, MG. Projeto Suçuarana/UFV A Revista Cfmv é indexada na base de dados Agrobase. Revista CFMV. – v.19, n. 59 (2013) Brasília: Conselho Federal de Medicina Veterinária, 2013 Quadrimestral ISSN 1517 – 6959 1. Medicina Veterinária – Brasil – Periódicos. I. Conselho Federal de Medicina Veterinária. AGRIS L70 CDU619(81)(05) Sumário 4Editorial | 5 Entrevista 8 A Declaração de Cambridge 10 A importância da inserção em atividades político-legislativas 13 Das práticas em zoológico à especialização dos dias atuais 16 Projeto Mata Ciliar Edivaldo Santos 19 Projeto Suçuarana, Minas Gerais 22 Publicações científicas de 2010 a 2012 refletem o crescimento da área 26 Destaques 31 Suplemento Científico 58 Sexagem Fetal em Bovinos por Ultrassonografia 61 Tratamento dietético em cães cardiopatas 67 Hipertensão intra-abdominal e síndrome compartimental em cães 72 Encefalopatias espongiformes transmissíveis 82 Artigo de opinião Editorial NOSSO PAPEL NA CONSERVAÇÃO DAS ESPÉCIES O Brasil é um dos principais alvos do comércio e tráfico de animais silvestres, fato que se dá devido ao seu imenso potencial em biodiversidade, sendo apontado como um dos principais fornecedores da rede de tráfico, de onde são extraídos cerca de 12 milhões de animais de nossas florestas e ecossistemas, anualmente. Enfatize-se a existência da criação comercial legal que oferece ao consumidor uma alternativa à ilegalidade e que somente comercializam espécies nascidas em seus recintos. Entretanto, é preciso avaliar quanto o comércio legal estimula o tráfico por que existem criadores que se utilizam da fachada legal para praticar a ilicitude. Além dos impactos antrópicos resultantes dos processos de ocupação, industrialização e desmatamento, hoje as espécies se deparam com uma nova ameaça: o prazer de possuir um animal silvestre em casa. Alem disso, a maioria daqueles que passam a ter a guarda destes animais vão perceber o “mal negócio” que fizeram quando se conscientizam que não possuem estrutura nem disponibilidade para recebê-los. Se quisermos influenciar positivamente, devemos agir na “educação” de nossos clientes, no dia a dia de nossos consultórios e de nossas atividades no campo, orientando-os sobre a necessidade de conhecer profundamente a espécie antes de adotá-la e, acima de tudo, que avaliem se são capazes ou tem vontade de lidar com as necessidades especiais destes animais. expediente CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 Brasília–DF – CEP: 71205-060 Fone: (61) 2106-0400 Fax: (61) 2106-0444 www.cfmv.gov.br [email protected] Tiragem: 95.000 exemplares DIRETORIA EXECUTIVA Presidente Benedito Fortes de Arruda CRMV-GO nº 0272 Vice-Presidente Eduardo Luiz Silva Costa CRMV-SE nº 0037 Conselheiros Efetivos Adeilton Ricardo da Silva CRMV-RO nº 002/Z Fred Júlio Costa Monteiro CRMV-AP nº 0073 José Saraiva Neves CRMV-PB nº 0237 Líder da Área de Comunicação Flávia Tonin CRMV-MA nº 0454 Nivaldo de Azevedo Costa CRMV-PE nº 1051 Conselheiros Suplentes Francisco Pereira Ramos Heitor David Medeiros CRMV-ES nº 0093 Márcia Leite Nordman Wall Barbosa de Carvalho Filho Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk Amilson Pereira Said Secretário-geral Ricardo Junqueira Del Carlo CRMV-DF nº 0594 CRMV-TO nº 0019 Tesoureiro Presidente Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk Marcello Rodrigues da Roza Secretário-Geral CRMV-PR nº 0850 Conselho Editorial Editor Subeditora Joaquim Lair Coordenador de Comissões Editor Ricardo Junqueira Del Carlo CRMV-MG nº 1759 Jornalista Responsável Flávia Tonin CRMV-MT nº 0951 MTB nº 039263/SP João Esteves Neto Projeto e Diagramação Duo Design Comunicação José Helton Martins de Sousa Impressão Gráfica Editora Pallotti CRMV-AC nº 0007 CRMV-RN nº 0154 é permitida a reprodução de artigos da revista, desde que seja citada a fonte. OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO REPRESENTANDO, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CFMV. As fotos enviadas serão automaticamente cadastradas no banco de imagens do CFMV com o devido crédito. 4 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Fotos: Merck Entrevista Edival Santos Médico Veterinário que seguiu carreira na indústria de saúde animal e assumiu em janeiro último a presidência da MSD Saúde Animal no Brasil. Graduado pela Universidade de São Paulo, com MBA pelo IBMEC, iniciou sua carreira no campo, trabalhando nas áreas técnica e marketing para a Coopers e Novartis. Ingressou na Intervet Brasil, em 2000, cresceu profissionalmente na companhia e, em 2005, foi nomeado Diretor de Marketing Global de Ruminantes, sediado em Boxmeer, na Holanda. Em 2010, passou a ocupar o cargo de gerente-geral na Espanha da antiga Intervet/ Schering-Plough, atual MSD Saúde Animal (Merck Animal Health), presente em mais de 50 países. Como avalia a concentração mundial pela qual passa a indústria de saúde animal? Como é a realidade da empresa que dirige? Nos últimos 20 anos, o processo de fusões e aquisições neste setor, como nos demais, foi intenso. Mas também existem pequenas e médias empresas globais, além das fortes empresas locais, que fazem o mercado de saúde animal bastante competitivo. A MSD Saúde Animal é uma multinacional com tradição em três negócios-chave de produção: ruminantes, suínos e aves; com potencial de crescimento em aquicultura e animais de companhia. Somos a segunda operação do mundo e a segunda empresa no Brasil. Em 2012, faturamos aproximadamente R$ 500 milhões no Brasil. A concentração da indústria é uma ameaça para o mercado de trabalho dos Médicos Veterinários e Zootecnistas? Não. Tenho 25 anos de mercado e, quando iniciei, eram poucos os Médicos Veterinários Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 atuantes na indústria. Isso acontecia em posições muito específicas, como em produção de vacinas. Hoje, a porcentagem de Médicos Veterinários nas empresas é muito mais alta. Praticamente toda a equipe de campo da nossa empresa é composta por Médicos Veterinários e/ou Zootecnistas, além de profissionais em marketing, desenvolvimento, regulatório e farmacovigilância. Entre suas ações administrativas, em 2010, há citação de um recall que urgentemente retornou ao mercado, minimizando os impactos nas vendas. Quais são os principais desafios desse mercado? A transparência é uma delas? A transparência é uma necessidade em qualquer crise. É preciso agir rápido, de forma transparente, e resolver o problema. Nesse caso específico, que era um problema de embalagem, conseguimos realizar em 40 dias um processo que levaria seis meses numa multinacional. 5 Entrevista Sua trajetória profissional sempre o aproximou da área de marketing e administração. Como aliou esse conhecimento a sua formação profissional em Medicina Veterinária? Aprendendo, na prática, expondo-me a situações que me obrigaram a aprender. Depois de alguns anos de formado, já crescendo profissionalmente na indústria, senti a necessidade de fazer um MBA e outros cursos na área de negócios. Em palestra para estudantes, Santos fala sobre o trabalho na indústria e seus desafios. Como avalia a formação dos Médicos Veterinários e Zootecnistas que passam a fazer parte do quadro de colaboradores? Onde os brasileiros se destacam e onde pecam na ascensão por cargos de liderança? Se hoje ainda há preconceito por se trabalhar na indústria, ele é insignificante, se comparado há 25 anos. Os estudantes devem ver a indústria de saúde animal como uma bela e grande oportunidade de mercado de trabalho. O problema é a formação daqueles que deixam a universidade. É preciso buscar desenvolvimento em áreas que os estudantes conhecem pouco, como administração, gestão, liderança, marketing, finanças etc. Quando o profissional consegue aliar o conhecimento técnico com o negócio, ele se torna um grande profissional para a indústria da saúde animal. É impressionante a quantidade de brasileiros em cargos de liderança no mercado mundial em geral. Isso acontece porque eles acabam buscando esse desenvolvimento profissional. O senhor foi vice-presidente global da área de ruminantes, dirigiu a empresa na Espanha e atualmente é o presidente da MSD Saúde Animal no Brasil. O que influenciou sua ascensão profissional? Em primeiro lugar, respeito pelas pessoas. Depois, muito trabalho, sempre em busca de melhorias, aprimoramento profissional e um pouco de sorte, que não faz mal a ninguém. Para onde devem caminhar as pesquisas na área de medicamentos para a saúde animal? Em quais pontos acredita que o Brasil pode se destacar ou contribuir para o mundo? As exigências para o desenvolvimento e registro de produtos aumentaram consideravelmente em todo o mundo nos últimos anos. Isso faz com que o tempo e o custo sejam muito maiores para ter novos produtos. Então, é muito importante que as empresas invistam em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para obtenção de novas tecnologias e produtos inovadores. Nessa circunstância, é muito importante pertencer a uma empresa farmacêutica humana em que podemos aproveitar sinergias do desenvolvimento do produto para a saúde humana e animal. O mercado de saúde animal brasileiro é altamente competitivo, em evolução e tem um grande espaço para desenvolvimento de ferramentas tecnológicas utilizadas também em outros países. Nesse caso, a Pecuária pode contribuir com as novas tecnologias, como no caso Quando o profissional consegue aliar o conhecimento técnico com o negócio, ele se torna um grande profissional para a indústria da saúde animal. 6 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Pelas mudanças sociais, o mercado de animais de companhia torna-se cada vez mais importante Iniciativa social: cão terapeuta. dos beta-agonistas, que aumentam a produção de carne por boi confinado, com total segurança. Acredita numa maior aproximação entre a universidade e a empresa? Qual é o comprometimento da sua empresa com a investigação científica no Brasil? Trabalhamos em parceria com diversas universidades, nas diferentes espécies animais, tanto em colaboração para levar conhecimento aos nossos clientes em P&D quanto em mostrar aos estudantes as novas ferramentas, produtos, serviços e seu papel na indústria. A MSD Saúde Animal tem um centro de desenvolvimento de produtos no Brasil – local e complemento de produtos desenvolvidos fora do País. Além disso, promove o Prêmio de Pesquisa Clínica, para incentivar o desenvolvimento da pesquisa clínica e agregar cada vez mais valor à Medicina Veterinária. E quanto à promoção e apoio a iniciativas sociais, educativas e ambientais da empresa? Há preo cupação em substituir ou reduzir a experimentação animal nas pesquisas? Ser sustentável é ter um compromisso com a sociedade de hoje e de amanhã em quatro pilares: social, econômico, cultural e ambiental. Há vários meios de aderir às formas sustentáveis, desde jogar papel no lixo até controlar o consumo desenfreado. A MSD (humana) tem projeto de doação de medicamentos para eliminar a enfermidade “cegueira dos rios”, presente na África, América Latina e Oriente Médio. No Brasil, a divisão de saúde animal patrocina projetos que utilizam animais para ajudar na reintegração de pessoas à sociedade, sejam portadores de necessidades especiais, autistas, idosos ou dependentes químicos. Resolvemos Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 apoiar essas iniciativas de pet terapia e hipnoterapia, também, porque trabalhamos com a ciência para animais mais saudáveis e acreditamos na sua relação direta e positiva no bem-estar humano. Sobre o uso de animais na experimentação, a MSD faz o possível para reduzir o número de animais em experimentação de novos produtos. Mas não é possível desenvolver um produto sem o uso deles, já que um produto que vai ao mercado precisa mostrar-se seguro tanto para os animais quanto para as pessoas. A MSD investe em pesquisa para uso alternativo e premia cientistas que atingem algum progresso nesse campo. Como são vistos o mercado e a produção animal brasileira pelos executivos da MSD Saúde Animal? O Brasil sempre foi um importante player e produtor de aves, suínos, bovinos e leite. Depois de oito anos no exterior, o que mais me chama a atenção é como o País continua crescendo como produtor de proteína animal e aumentando o volume produzido. Além disso, pelas mudanças sociais, o mercado de animais de companhia torna-se cada vez mais importante. Como você vê as profissões de Medicina Veterinária e Zootecnia no Brasil? Que reflexão você pode deixar para os nossos acadêmicos? O campo de trabalho para o Medico Veterinário e Zootecnista é muito amplo, há muita oportunidade. Como em todas as áreas, precisamos buscar a excelência. Eu, particularmente, quero ter os melhores profissionais. Portanto, se tem pretensão de entrar na indústria, prepare-se para isso, desde a universidade; estude muito e adquira sempre um amplo conhecimento. Conhecimento não ocupa espaço. 7 Bem-estar Animal A Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos Em julho, especificamente no dia 7, a Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, completou um ano. O documento é um marco, pois, pela primeira vez, a comunidade científica reconheceu que os animais são seres senscientes. A declaração, em resumo, apresenta a conclusão de um grupo de neurocientistas de que os humanos não são os únicos animais com as estruturas neurológicas que geram consciência. Agora se admite o que foi negado durante tanto tempo: muitos animais, incluindo o invertebrado polvo, apresentam consciência. A partir do documento escrito por Philip Low e editado por Jaak Panksepp, Diana Reiss, David Edelman, Bruno Van Swinderen, Philip Low e Christof Koch, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, é possível combater com embasamento científico a prática dos animais vistos como máquinas e, consequentemente, utilizados como se assim fossem até meados do século XX, quando emergiram diversos questionamentos sobre suas capacidades. 8 O fato de que os animais apresentam consciência torna seus estados afetivos importantes do ponto de vista moral, isto é, se um animal sofre, isso deve ser considerado moralmente. As várias situações que causam sofrimento aos animais passam a ser questionadas, pois a neurociência mostrou que, de fato, os animais experimentam situações favoráveis e desfavoráveis. A Declaração de Cambridge cumpriu o relevante papel de inverter o ônus da prova. A partir dessa constatação científica, se alguém quiser afirmar que os animais (pelo menos os vertebrados e cefalópodes) não têm consciência, terá que demonstrá-lo sob a luz da mesma ciência. Ficou evidenciada a necessidade de se repensar várias práticas que ocorrem em nossa sociedade em relação aos animais e os Médicos Veterinários e Zootecnistas têm um importante papel nessa conscientização. Por esse motivo, precisam avaliar essa Declaração e refletir para que possam lidar com as repercussões éticas de suas ações, em uma sociedade que reconhece cada vez mais o estatuto moral dos animais. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Declaração de Cambridge sobre a Consciência Neste dia 7 de julho de 2012, um destacado grupo internacional de neurocientistas cognitivos, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais reuniram-se na Universidade de Cambridge, Reino Unido, para reavaliar os substratos neurobiológicos da experiência consciente e comportamentos relacionados em animais humanos e não humanos. Embora a pesquisa comparativa sobre este tópico seja naturalmente dificultada pela incapacidade dos animais não humanos, e frequentemente dos seres humanos, em comunicar prontamente e de forma clara os seus estados internos, as seguintes observações podem ser afirmadas inequivocamente: • O campo da pesquisa sobre a consciência está evoluindo rapidamente. Várias novas técnicas e estratégias para a pesquisa com animais humanos e não humanos vêm sendo desenvolvidas. Consequentemente, uma maior quantidade de dados está se tornando disponível, e isso pede uma reavaliação periódica dos preconceitos previamente sustentados nesse campo. Estudos com animais não humanos mostraram que circuitos cerebrais homólogos, correlacionados com a experiência e a percepção conscientes, podem ser seletivamente facilitados e interrompidos para avaliar se eles são necessários, de fato, para essas experiências. Além disso, em seres humanos, novas técnicas não invasivas estão disponíveis para investigar os correlatos da consciência. • Os substratos neurais das emoções não parecem limitar-se às estruturas corticais. De fato, redes neurais subcorticais estimuladas durante estados afetivos em humanos também são criticamente importantes para gerar comportamentos emocionais em animais. A estimulação artificial das mesmas regiões cerebrais gera comportamentos e estados emocionais correspondentes tanto em animais humanos quanto não humanos. Onde quer que se evoquem, no cérebro, comportamentos emocionais instintivos em animais não humanos, muitos dos comportamentos subsequentes são consistentes com estados emocionais conhecidos, incluindo aqueles estados internos que são recompensadores e punitivos. A estimulação cerebral profunda desses sistemas em humanos também pode gerar estados afetivos semelhantes. Sistemas associados ao afeto concentram-se em regiões subcorticais, onde abundam homologias neurais. Animais humanos e não humanos jovens sem neocórtices retêm essas funções mentais-cerebrais. Além disso, circuitos neurais que constituem a estrutura de apoio parae stados comportamental-eletrofisiológicos de atenção, sono e tomada de decisão parecem ter surgido evolutivamente ainda na radiação dos invertebrados, sendo evidentes em insetos e em moluscos cefalópodes (por exemplo, polvos). • As aves parecem apresentar, em seu comportamento, em sua neurofisiologia e em sua neuroanatomia, um caso notável de evolução paralela da consciência. Evidências de níveis de consciência quase humanos têm sido demonstradas mais marcadamente em papagaios-cinzentos africanos. As redes emocionais e os microcircuitos cognitivos de mamíferos e aves parecem ser muito mais homólogos do que se pensava anteriormente. Além disso, se descobriu que certas espécies de pássaros exibem padrões neurais de sono semelhantes aos dos mamíferos, incluindo o sono REM e, como foi demonstrado em pássaros mandarins, padrões neurofisiológicos que se pensava anteriormente que requeriam um neocórtex mamífero. Os pássaros pega-rabuda, em particular, demonstraram exibir semelhanças notáveis com os humanos, com grandes símios, com golfinhos e com elefantes em estudos de autorreconhecimento no espelho. • Em humanos, o efeito de certos alucinógenos parece estar associado a uma ruptura nos processos de ânteroalimentação e retroalimentação corticais. Intervenções farmacológicas em animais não humanos com componentes conhecidos por afetar o comportamento consciente em humanos podem levar a perturbações semelhantes no comportamento de animais não humanos. Nos seres humanos, há evidências que sugerem que a percepção está correlacionada com a atividade cortical, o que não exclui possíveis contribuições de processos subcorticais, como na percepção visual. Evidências de que as sensações emocionais de animais humanos e não humanos surgem a partir de redes cerebrais subcorticais homólogas fornecem provas convincentes para uma qualia afetiva primitiva evolutivamente compartilhada. Nós declaramos o seguinte: “A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos”. * O documento está disponível em http://fcmconference.org/img/CambridgeDeclarationOnConsciousness.pdf. Dados dos Autores Comissão Nacional de ética, bioética e bem-estar animal (CEBEA/CFMV) Alberto Neves Costa (Presidente) Médico Veterinário, CRMV-PE nº 0382 Marcelo Weinstein Teixeira Médico Veterinário, CRMV-PE nº 1874 Carla Forte Maiolino Molento Médica Veterinária, CRMV-PR nº 2870 Maria das Dores Correia Palha Médica Veterinária, CRMV-PA nº 0917 Luis Fernando Batista Pinto Zootecnista, CRMV-BA nº 0235/Z Rita Leal Paixão Médica Veterinária, CRMV-RJ nº 3937 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 9 Assuntos políticos A IMPORTÂNCIA DA INSERÇÃO EM ATIVIDADES POLÍTICO-LEGISLATIVAS Em um país de grande dimensão, como o Brasil, aos diversos projetos que tramitam no Congresso marcado por diferenças culturais e que busca posiNacional, sempre alicerçada nos princípios éticos, ção entre as nações mais prósperas do mundo, são defendendo os cidadãos brasileiros e os profissionais compreensíveis as mudanças que ocorrem a todo Médicos Veterinários e Zootecnistas. o momento nas leis que o regulamentam. Para isso, COMO SÃO AS AÇÕES DA CONAP/CFMV? quer seja nas esferas federal, estadual ou municipal, A Conap apresenta uma agenda de reuniões as leis, os decretos, as medidas provisórias, ou deordinárias mensais na sede do CFMV em Brasília-DF, mais marcos regulatórios são definidos por meio de onde são planejadas e executadas as ações da codeliberações dos legisladores no Congresso Naciomissão (Figura 1) com o auxílio de um assessor parnal (Câmara dos Deputados e Senado Federal), nas lamentar. Também são agendadas reuniões entre os assembleias legislativas e nas câmaras municipais, membros da Conap e os parlamentares, deputados sendo, posteriormente, sancionadas pela presidênfederais e senadores, além da participação em audicia da República, governadores estaduais e prefeitos ências públicas nos projetos de lei (PL) de interesse. municipais, respectivamente. A Conap, atualmente, monitora cerca de 100 projeAs profissões em nosso país são regulamentatos de lei correlatos à Medicina Veterinária e/ou Zootecdas pelos Conselhos de Classe, autarquias criadas nia, estando cerca de 20 classificados como prioritários. em defesa à sociedade, que atuam de acordo com a A maioria relaciona-se com as seguintes temáticas: Constituição brasileira e estabelecem as condutas • Bem-estar Animal; a serem seguidas pelos profissionais a eles vin • Regulamentação das Atividades Profissionais; culados, por meio dos códigos de ética profissional. • Defesa e Vigilância Sanitária Animal; Atualmente, inúmeros projetos de lei são propostos • Saúde Pública Veterinária; por parlamentares e, de alguma forma, interferem • Agronegócio; na dinâmica das profissões; sendo assim, os órgãos • Ensino. representativos de classes e/ou profissões devem ser atuantes em todas as esferas, pois as Cada PL proposto na Câmara dos novas percepções da sociedade e Deputados ou no Senado Federal a transversalidade de áreas de Reuniões é encaminhado pelo assessor atuação multiprofissional Ordinárias parlamentar para a Conap estimulam o Estado a Seminário e esta faz uma análise alterar seus mecanisCâmara dos Análises PL’s Deputados – técnica e emite um mos regulatórios. CAPADR parecer para a preNo sentido de sidência do CFMV. criar mecanismos De acordo com a proativos, de posição do CFMV e proteção à socieAudiências Câmara de Ações públicas no presidentes as ações propostas dade e às profisConap/CFMV Congresso CRMVs pela Conap, são sões, o Conselho elaboradas estraFederal de Meditégias para alcancina Veterinária çar os objetivos em instituiu, por meio Visitas e reuniões no relação ao PL. Posteda Portaria nº 12, Artigo na Congresso Revista CFMV riormente, sua tramitade 25 de março de Nacional ção é monitorada junto 2011, a Comissão NaMinuta ao Congresso Nacional, cional de Assuntos PolítiPL. ENC para que ações de mobilizacos (Conap), que desde sua ção ou emergenciais sejam efetiimplantação vem atuanvadas, caso seja necessário. do de forma decisiva junto Figura 1. Principais ações da Conap/CFMV. 10 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 A Conap, além de assessorar as outras Comissões do Conselho Federal junto às Casas de Lei, também se vale do conhecimento específico delas, buscando informações técnicas consubstanciadas para melhor argumentação e defesa do posicionamento do Conselho, como, por exemplo, nas áreas de: bem-estar animal, regulamentação do Exame Nacional de Certificação Profissional (ENCP), legislações ambientais, saúde pública veterinária, entre outros. A Conap também busca apoio na opinião de consultores ad hoc do CFMV. No ano de 2012, em uma proposta articulada entre a Câmara dos Deputados e a Conap/CFMV, realizou-se no mês de outubro um seminário inédito denominado: Sistemas de Controle dos Alimentos de Origem Animal: Bases para a Saúde Pública e o Agronegócio do Brasil. Esse evento foi organizado em parceria com a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CPADR) CONSIDERAÇÕES Atualmente, o Congresso Nacional possui apenas sete Médicos Veterinários eleitos deputados federais e nenhum senador da República. Infelizmente, nenhum Zootecnista foi eleito para a atual legislatura federal (2011-2014). Contudo, mesmo com número reduzido na representação parlamentar, a Conap já construiu relações importantes com esses deputados para atuarem em prol das profissões ou na propositura de projetos de lei demandados pelo CFMV. Nesse sentido, a criação da Conap/CFMV tem por objetivo preencher essa lacuna, mesmo que parcialmente, por meio da TRAMITAÇÃO DE UM PROJETO DE LEI NO CONGRESSO NACIONAL Ao tomar conhecimento de um projeto Apresentação do Tramitação de Projetos de Lei Projeto de lei ou de emenda à Constituição de granCâmara dos Deputados de repercussão na Câmara dos Deputados Mesa - Analisa e Numera ou no Senado Federal, é comum a mídia veicular discursos favoráveis ou contrários à Existe Tramitação SIM sua aprovação. Porém, pouco se sabe sobre conjunta Projeto similar? Não o “caminho” que esse projeto percorre no Mesa distribui Legislativo até ser convertido em lei. Esse às Comissões “caminho” é chamado de Processo Legislativo, que é uma série de atos para que uma SIM Conclusivo nas Primeira Prazo para Comissões? Comissão Emendas (5 sessões) proposição torne-se norma jurídica. Não Inicialmente, qualquer PL ordinário do SIM Primeira Parecer com Prazo para substitutivo? Comissão Emendas (5 sessões) Legislativo deve seguir um trâmite comum Não junto ao Congresso Nacional, independenÚltima Comissão Votação na temente de sua origem, seja na Câmara dos (CCJR) Comissão Deputados ou no Senado Federal. O trâmite Comissão básico de um pojeto de lei ou de um projeto Plenário Seguinte de lei complementar (PLP), na Câmara dos Deputados, segue um roteiro. No Senado, Última Comissão (CCJR) as siglas usadas são as seguintes: Projeto de Lei do Senado (PLS), Projeto de Lei da SIM Méritos Tem Emendas? Arquivo Contrários? Câmara (PLC), Projeto de Lei Complementar SIM NÃO NÃO do Senado (PLS-Complementar), e Projeto NÃO Votação em Méritos Redação Final de Lei Complementar da Câmara (PLC-ComPlenário Conflitantes? (CCJR) plementar). NÃO Sim Recurso para Independentemente da origem, o proPlenário jeto segue para o Senado Federal ou para Tramitação de projetos de lei na Câmara dos Deputados a Câmara dos Deputados e terá uma nova (*) adaptada de http://www.boletimmbml.net/sambio/tramitacao-dos-projetos-de-lei/ tramitação. Após a aprovação em ambas as Casas, a Presidência da República tem o poder de sancionar ou vetar a totalidade ou partes do projeto. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 11 Assuntos políticos CONAP participa de evento no Congresso Nacional maior representatividade político-legislativa das profissões de Medicina Veterinária e Zootecnia. No entanto, essas ações devem ser multiplicadas nas esferas estaduais e municipais, sendo importante que os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária e Zootecnia (CRMVs) criem comissões assessoras que atuem junto aos governos estaduais e prefeituras municipais. Além disso, é importante que os Médicos Veterinários e Zootecnistas envolvam-se nas Casas Legislativas e Executivas, orientando e posicionando sobre os assuntos que dizem respeito às profissões. A Conap, atualmente, está envidando esforços para criação de uma agenda propositiva de ações político-institucionais que atenda às principais demandas das profissões e as estratégias do CFMV. Associado a isso, propõem uma rede de contatos a partir dos CRMVs, onde cada profissional registrado poderá auxiliar na defesa das profissões à medida que está próximo da base eleitoral do parlamentar. Com isso, as ações e as estratégias poderão ser sincronizadas pelo Sistema CFMV/CRMVs e, portanto, tornarem-se mais eficazes. O sistema está concretizando o objetivo de defender os direitos e conquistas de cada profissão no âmbito político, contudo, é sabedor que essas conquistas exigem atenção constante e articulada de todos os seus integrantes. Dados dos Autores Comissão Nacional de Assuntos Políticos (Conap/CFMV) Júlio O. J. Barcellos (Presidente) Médico Veterinário – CRMV-RS nº 3185 [email protected] Carlos Humberto Almeida Ribeiro Filho Médico Veterinário – CRMV-BA nº 0454 Geraldo Marcelino Carneiro Pereira do Rêgo Médico Veterinário – CRMV-RN nº 0015 Marcelo Henrique Puls da Silveira Médico Veterinário – CRMV-SC nº 1646 Nilton Abreu Zanco Médico Veterinário – CRMV-SP nº 6956 Ricardo Pedroso Oaigen Médico Veterinário – CRMV-PA nº 2272 Roberto Baracat de Araújo Médico Veterinário – CRMV-MG nº 1755 12 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 animais selvagens no Brasil Projeto suçuarana/UFV Das práticas em zoológico à especialização dos dias atuais Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Projeto Suçuarana/UFV A Medicina Veterinária de animais selvagens asselvagens que orientam aqueles que possuem exemsume cada vez maior importância socioeconômica, plares legalizados como animais de estimação. principalmente pela maior consciência da sociedade O campo de trabalho é vasto e reflete a diversidasobre a importância da conservação ambiental. Há de de espécies de animais selvagens. O planeta Terra cerca de 30 anos, a especialidade restringia-se aos é habitado por 47 mil espécies de vertebrados (HEIcuidados, à cura e ao manejo de animais de zoológiZER et al., 1999), e nelas estão incluídos o homem e co, que tinham por objetivo prioritário a exposição cerca de cinquenta espécies de animais domésticos. ao público. Atualmente, com a abertura de criaTodo o restante é de animais selvagens. douros e a preocupação com o futuro das espécies Considerando a importância social e econômica, ameaçadas ou não de extinção, a área de atuação do aliada à diversidade das espécies, observa-se o surgiclínico de animais selvagens cresce constantemente. mento de uma nova ciência: a Medicina Veterinária A especialidade “animais selvagens” inclui as clínicas médica e cirúrgica de animais em cativeiro ou vida livre, porém, diversas subespecialidades estão sendo criadas. Exemplos são a anestesia, o planejamento e a responsabilidade técnica em criadouros, zoológicos e centros de triagem. Tem-se a reprodução, para fins comerciais ou de conservação, especialmente das espécies ameaçadas de extinção. Há, inclusive, Médicos Veterinários especializados em comportamento de animais Onça parda capturada por armadilha fotográfica. 13 animais selvagens no Brasil Medicina Veterinária da Conservação • Trata-se de uma ciência que se preocupa com a saúde ambiental. Envolve transdisciplinaridade, tanto na pesquisa, nas ações de manejo e na proposição de políticas públicas voltadas à manutenção da saúde de todas as comunidades biológicas e seus ecossistemas. • Atuar em Medicina Veterinária da Conservação é trabalhar para manter a diversidade biológica e, conseqüentemente, a qualidade de vida para pessoas, espécies domésticas e selvagens, com objetivos de manter um ambiente saudável. • A promoção da saúde dos ecossistemas e de seus componentes pode ser denominada Saúde Ambiental. Contudo, considerando as inter-relações e a complexidade dos processos que ordenam os ambientes na terra, pode-se conceituar que a Saúde Ambiental é dependente da conjunção da Saúde humana, Saúde Animal e Saúde Vegetal, garantindo a Saúde de todo o Ecossistema. da Conservação, que tem por objetivo a saúde do ambiente com uma visão integrada do ecossistema. Utiliza as ferramentas e recursos da Medicina Veterinária buscando a conservação das espécies. O principal exemplo é a atuação no monitoramento de animais na natureza. Há diversos projetos, em várias instituições do País e, dentre eles, citam-se os trabalhos com antas no Espírito Santo e tamanduás e onças no pantanal do Mato Grosso do Sul; o monitoramento das tartarugas marinhas no litoral brasileiro; o mico-leão caissaar na Ilha do Superagui-PR e conservação de onças pintadas no Parque Nacional do Iguaçu- PR. Surgimento no Brasil A organização e o crescimento da Medicina Veterinária de animais selvagens no Brasil é fruto, principalmente, da influência do norte-americano Murray E. Fowler, que foi o responsável, em 1966, pelo início da especialidade no mundo (ver box). Sua primeira vinda ao Brasil foi em 1985, para ministrar um curso teórico-prático, convidado pela PósGraduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Após essa visita, houve maior interação entre os Médicos Veterinários do Brasil, especialistas no tema. Houve estímulo à troca de informações e experiências e participação em congressos similares, como, também, à pesquisa e publicação de material. Nos Estados Unidos, a Medicina Veterinária de animais selvagens surgiu em 1966, na Universidade da Califórnia, em Davis, por iniciativa do Médico Veterinário Murray E. Fowler, quando implantou o programa Zoological Medicine, com amplo enfoque nas clínicas médica e cirúrgica de animais selvagens de vida livre, cativos e daqueles de estimação não convencionais. Concomitantemente, na mesma universidade, iniciava-se um programa de serviços veterinários no Zoológico de Sacramento, com Fowler atuando como responsável técnico. Ele encontrou muitas dificuldades, principalmente as relacionadas à falta de literatura de referência. Trabalhava com a premissa de que a Medicina é universal, igual em todas as espécies. Fez esforços no sentido de não perder oportunidades, e assim efetuou estudos e necropsias, obteve novas informações e ampliou conhecimentos básicos. A Medicina Veterinária de animais selvagens vivia um tempo heróico, cheio de grandes desafios, que não estavam consolidados e fundamentados em especialidade. Ao longo do tempo, além da experiência adquirida, foram estabelecidos contatos com outros profissionais e foi organizada uma rede de troca de conhecimento e experiências. As informações geradas foram reunidas, em 1978, em seu primeiro livro: Restraint and Handling of Wild and Domestic Animals, já na terceira edição e que, após quatro décadas, continua sendo referência. Em 1986, publicou a primeira enciclopedia sobre a Medicina Veterinária de animais selvagens denominada Zoo and Wildlife Medicine. Fowler segue sua atuação na Universidade de Davis com 23 livros publicados. Material complementar sobre Fowler em espaço da Revista CFMV no Portal CFMV 14 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Associação Mata Ciliar Figura 1. Concentração de grupos de estudos no sudeste do Brasil. Sutura de pele em Arara. O desempenho do professor Fowler é tratado como um marco. Tanto que o material de apoio do curso persiste como guia e referência para acadêmicos, profissionais de zoológico e para formulação de ementas de disciplinas de graduação. Tamanha foi a importância do evento que se costuma delimitar a Medicina Veterinária nacional de animais selvagens em antes e depois de Fowler. Em 18 de maio de 2010, ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFPR e mantém relacionamento técnico-científico com várias instituições do País. O Paraná exerce forte influência e destaque na Medicina Veterinária de animais selvagens. A UFPR foi a primeira a oferecer uma disciplina abordando o tema no curso de graduação em Medicina Veterinária. Atualmente, diversas instituições de ensino oferecem disciplinas, cursos de especialização e residência na área, com desenvolvimento e consolidação de linhas de pesquisa na pós-graduação. A publicação de livros é mais recente e segue a estratégia adotada por Fowler, ou seja, divulgar o conhecimento científico acumulado associado com a vivência clínica e cirúrgica dos profissionais brasileiros. Em 2007, foram reunidos artigos de Médicos Veterinários e Biólogos sul-americanos e norte-americanos, mas principalmente brasileiros, produzindo o primeiro livro enciclopédico sobre medicina de animais selvagens em língua portuguesa, denominado Tratado de Animais Selvagens – Medicina Veterinária. A relevância dessa obra, no Brasil, pode ser comparada ao impacto mundial do lançamento do Zoo and Wildlife Medicine, que é referência nos Estados Unidos. A partir dessa época, as publicações de Medicina Veterinária passaram a receber artigos dessa especialidade tão vasta e abrangente, além do crescimento de publicações específicas. Surgem muitos grupos de estudos e, muitas escolas de Medicina Veterinária passam a oferecer disciplinas voltadas à Medicina Veterinária de Animais Selvagens. Outras passam a instalar ambulatórios específicos para animais selvagens em seus hospitais. Congressos e similares voltados a pequenos animais também passam a contemplar painéis sobre o tema. Surgem grupos como a Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (1977), Associação Brasileira de Animais Selvagens (1991), Grupo Fowler (2004) e Grupo de Estudos Acadêmicos de Animais Selvagens, dos quais se tem conhecimento de 46 grupos, de acordo com a organização que os reúne no GEAs BR (Figura 1). Porém, a organização estima que existam mais grupos ainda não informados. Dados dos Autores COMISSÃO NACIONAL DE ANIMAIS SELVAGENS (CNAS/CFMV) Rogério Ribas Lange (Presidente) Médico Veterinário – CRMV-PR nº 0955 [email protected] Albert Lang Médico Veterinário – CRMV-SC nº 1617 Mariângela da Costa Allgayer Médica Veterinária – CRMV-RS nº 6352 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Isaac Manoel Barros Albuquerque Médico Veterinário – CRMV-AL nº 0479 João Luiz Rossi Junior Médico Veterinário – CRMV-SP nº 11607 Laerzio Chiesorin Neto Médico Veterinário – CRMV-AM nº 0284 15 Educação ambiental Associação Mata Ciliar Trabalhar com animais selvagens, acima de tudo, é trabalhar com gente Educação ambiental é feita com grupos de todas as idades, principalmente, crianças. Por: Flávia Tonin – Jornalista CFMV É comum ouvir daqueles que se iniciam no trabalho com animais selvagens: “adoro bichos, mas não quero chegar perto de gente!”. Acreditam que o trabalho com exemplares nativos isola o técnico, na maior parte, em áreas longínquas do País. A experiência oferece outro ponto de vista. Atuante, há 25 anos, na Associação Mata Ciliar, a Médica Veterinária Cristina Harumi Adania defende que “trabalhar com animais selvagens, acima de tudo, é trabalhar com gente”. Ela lembra que, mais do que as atividades técnicas, a Medicina Veterinária de animais selvagens precisa investir na difusão da conservação e, para isso, cada vez mais estar em contato com pessoas. “Ao fazer um trabalho de educação ambiental evita-se que mais animais cheguem aos centros de reabilitação”, exemplifica referindo-se ao desestímulo para que exemplares do tráfico sejam adotados como animais de companhia. Com outro viés, ressalta que o relacionamento com pessoas permite esclarecer como funcionam as entidades reguladoras, seus mecanismos e exigências. Lidar com pessoas em benefício dos animais selvagens também é estabelecer parcerias com iniciativas públicas e privadas que garantam sustento para as organizações, como também sugerir propostas que incentivem políticas públicas. Por outro lado, é preciso um bom relacionamento com a equipe para 16 o sucesso de um tratamento. “Quando o Médico Veterinário atua com toda essa gente garante que muitos animais selvagens não tenham contato com gente nenhuma e fiquem onde devem estar, em seus grupos e habitats naturais”, diz Cristina. A Associação Mata Ciliar é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que nasceu há 26 anos com o intuito de proteger margens de rios, nascentes e outros recursos hídricos. No entanto, para alcançar seus objetivos, perceberam a necessidade de realizar a educação ambiental: “foi inevitável e também iniciamos um programa para a conservação da fauna e propagação das florestas”, lembra a Médica Veterinária. Nesses anos de atuação, mais de 8.000 animais já passaram pela organização, tendo alguns sido realocados em ambiente natural, há aqueles que vivem em cativeiro e outros que, apesar dos cuidados, não sobreviveram. As atividades científicas estão concentradas no Centro Brasileiro para Conservação de Felinos Neotropicais, inaugurado em 1997, que tem por objetivo utilizar a tecnologia a favor da conservação. Atualmente, o Centro de Felinos, abriga 70 animais de oito espécies ameaçadas de extinção: onça-pintada (Panthera onca), onça-parda ou suçuarana (Puma concolor), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-maracajá (Leopardus wiedii), mourisco (Puma yagouaroundi), gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), gato-do -mato-pequeno (Leopardus tigrinus) e gato-palheiro (Leopardus colocolo). Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 a associação recebe apoio das empresas Tetrapak e Vetnil e de padrinhos virtuais dos animais. O objetivo dos tratamentos é o retorno para a vida livre, o que nem sempre é possível, devido a sequelas físicas ou deficiências que não permitem disputa por comida e abrigo em ambiente natural. “O aprendizado é doído: esses animais não foram excluídos pelo bando. Eles foram vítimas da rápida urbanização da região, principalmente, atropelamentos e choques elétricos”, explica. Nasce na Mata Ciliar animal selvagem fruto de transferência de embrião. A partir de parceria com o Zoológico de Cincinnati, nos Estados Unidos, a Faculdade de Medicina Veterinária da USP, além de Zoológicos do interior e da Grande São Paulo, nasceu, na Associação Mata Ciliar, o primeiro animal silvestre da América Latina fruto de transferência de embriões (TE), em 2007, após sete anos do início das pesquisas. A associação já soma três jaguatiricas frutos da técnica e tem um estoque de aproximadamente 70 embriões congelados dessa espécie e de gato do mato pequeno. Os procedimentos com fertilização in vitro são realizados em centro cirúrgico e laboratório anexos (Centro Jaguaretê), na sede da Mata Ciliar. Recentemente, a organização recebeu um equipamento que permitirá ampliar, em qualidade, o banco de amostras biológicas dos animais, que é referência com mais de 20.000 amostras de DNA, soro e outros materiais úteis para a pesquisa. Em outra frente, desde 1997, foi implantado o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) que recebe e presta atendimento médico veterinário para os animais provenientes da região, resgatados, principalmente, pelo Corpo de Bombeiros, Polícia Ambiental, Guarda Municipal e Defesa Civil. “Eles chegam em estado lastimável. Compara-se a um hospital de Guerra”, afirma Cristina. Ela explica que os exemplares são vítimas de maus-tratos, tráfico, queimadas, caça, desmatamento, atropelamento, choque elétrico, entre outros. “Os animais passam por um sofrimento que ninguém vê, apenas nós, Médicos Veterinários, Biólogos e tratadores. Por isso a importância da educação conservacionista. Assim, evitaríamos que chegassem aqui dessa forma”, desabafa. A entidade chegou a receber mais de dez animais por dia, porém, o centro reduziu o recebimento por limite de estrutura e falta de contrapartida, principalmente, dos governos locais. Atualmente, dos 20 municípios atendidos, apenas três firmaram parceria com a associação (Bragança Paulista, Cajamar e Jundiaí). Além da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Relacionamento com a comunidade Quando os animais são recuperados, o momento da soltura é especial e por isso é utilizado como apelo para a educação ambiental. Ao atender grupos de crianças, a Mata Ciliar programa soltura de pequenos animais, principalmente pássaros. O ato, com orientação e acompanhamento técnico, é feito pelas próprias crianças. “Aquela criança que abriu a gaiola dificilmente permitirá animais presos e terá outra postura conservacionista”, afirma Cristina. Antes da soltura, todo o grupo visita o centro e recebe informações sobre os animais: a conservação, os prejuízos do tráfico e um detalhamento sobre as etapas de reabilitação. Alguns animais, antes da liberdade, recebem colares e são monitorados. A limitação para a prática deve-se ao custo do equipamento, programa e recursos humanos, aproximadamente R$ 20.000. Além da educação, a entidade faz treinamentos, em especial com os policiais: “É importante a qualificação para que saibamos conter o animal da forma correta, evitando estresse ou agravamento da lesão, como também para nossa segurança e das pessoas que estão no local”, avalia o subcomandante, Paulo Vicente Soares, da Guarda Municipal de Jundiaí-SP. Há também a preocupação com os proprietários rurais. “Nos relacionamentos com as comunidades rurais, além da conservação, levamos informação sobre geração de renda, uso do solo e Soltura de pássaros pelas crianças em momento de visita. 17 Educação ambiental Centro cirúrgico com paredes “de vidro” para favorecer a educação ambiental. tecnologias”, comenta a Médica Veterinária. A Mata Ciliar entende que a fixação dessas pessoas no campo também contribuirá para a conservação. A partir de 2013, a Mata Ciliar iniciou uma parceria com a Universidade de Santo Amaro (Unisa) e foi criado um programa de aperfeiçoamento profissional com quatro vagas. “Há um interesse crescente dos estudantes. Essa nova geração tem mais estrutura, visão e formação para se qualificar na área de animais selvagens”, avalia o coordenador do curso, Celso Mar- tins Pinto. A associação também recebe estagiários da graduação do Brasil e do exterior, com permanência mínima de um mês e limite de cinco vagas. A associação conta com 10 colaboradores e tem em sua equipe multidisciplinar quatro biólogos e uma Médica Veterinária, além de aproximadamente 50 voluntários que fazem desde a alimentação, cuidado, limpeza de recinto, atividade administrativa etc. Os voluntários podem se inscrever em www.mataciliar.org.br. Não trabalho com animais selvagens, o que tenho com isso? Médico Veterinário é formador de opinião e está em contato direto com a sociedade. Principalmente o clínico de pequenos animais, ao ser consultado, deve orientar sobre a necessidade de buscar informações da espécie antes de adotá-la. Quais são seus hábitos, costumes, mudanças com a maturidade, longevidade entre outros. Lembrar os clientes que a receptação é um ato ilegal e para cada um animal sobrevivente, nove morreram. Profissionais de campo podem incentivar práticas conservacionistas, manutenção de áreas de conservação ambiental e a vida livre dos animais selvagens nas propriedades rurais para convivência em harmonia. As ações de produção geram impacto ambiental e o Médico Veterinário e Zootecnista são determinantes na orientação para que este seja o menor possível. 18 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Conservação e extensão Projeto Suçuarana, Minas Gerais, exemplo para educação ambiental Flagrantes da interação com a comunidade local. O Projeto Suçuarana na Serra do Brigadeiro foi criado em 2009, a partir de demanda da gerência do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (Pesb) em resposta a ocorrência de casos de predação de bezerros, realizada por grandes felinos, em propriedades no entorno do PESB, normalmente naquelas praticantes de agricultura familiar, cuja perda de um animal representa prejuízo considerável. Vários subprojetos de pesquisa e de extensão estão em execução. Citam-se o Programa de Extensão que desenvolve trabalhos de educação ambiental em escolas regionais e um Programa de Assistência Técnica a Produtores Rurais, bem como a pesquisa para conhecimento da população, ecologia e sanidade dos felinos silvestres do Pesb. Assim, no projeto são realizados cursos e palestras de temas ligados a agricultura, campanhas de vacinação de bovinos e castrações de animais domésticos, minimizando o impacto da predação e melhorando a relação das comunidades com o Pesb e, também, no estudo da mastofauna há o entendimento de como os predadores influenciam o equilíbrio do ecossistema e como sua preservação Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 auxilia a conservação de toda a comunidade faunística, uma vez que a escassez de levantamentos e de informações sobre a biologia e higidez in situ dos felinos atuam como fatores de ameaça à sua manutenção. Com armadilhamento fotográfico está sendo possível levantar as espécies residentes no Pesb. Para isso o parque foi dividido em subáreas, o que permitiu identificar realidades distintas dentro da Unidade de Conservação. Duas subáreas chamaram muita atenção devido à grande presença humana e também de animais domésticos, sendo estas não separar como de maior desequilíbrio e menor número de es- 19 Conservação e extensão Equipe do projeto e onça-parda sedada. pécies, bem como ausência de animais importantes no ecossistema. No projeto também são realizadas campanhas de captura de animais silvestres para análise do estado de higidez e para coleta de material biológico destinado a análises genéticas, criopreservação de gametas, parasitologia, epidemiologia e biometria. Os felinos capturados (jaguatirica e onça-parda) recebem colares equipados com transmissores VHF e GPS de modo que suas áreas de uso e padrões de deslocamento e dispersão passam a ser conhecidos e melhor compreendidos. Dentre os animais monitorados uma onça-parda chamou atenção devido ao padrão do uso e à grande área de deslocamento. Ela está sendo monitorado, via satélite, com uso do sistema GPS, desde setembro de 2012, e sua área de uso ultrapassa 600 km2, que é muito superior à descrita para a espécie na literatura. As causas desse grande deslocamento podem ser em parte compreendidas pelo cenário ambiental e socioeconômico em que esse indivíduo está inserido. A Zona da Mata mineira é densamente povoada e, atualmente, muito pouco resta da cobertura vegetal original, pois a Mata Atlântica foi substituída por lavouras, particularmente as de café. Os remanescentes da cobertura original são poucos e situam-se nas regiões onde o relevo acidentado desencorajou a retirada da mata para uso do solo. O padrão de deslocamento do animal monitorado mostra a importância da mata uma vez que sua dispersão acontece sempre de um fragmento de mata para outro, enfatizando a importância dos Resultado da assistência técnica associada à educação ambiental. 20 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Padrão de deslocamento de onça-parda, pontos em amarelo, obtido por GPS desde 2012. corredores ecológicos para a espécie. Entre um fragmento e outro, a onça-parda atravessa diversas propriedades rurais, e o contato próximo a animais domésticos determina maior probabilidade de transmissão cruzada de doenças, como, por exemplo, a parvovirose (em animal foi diagnosticado presença de anticorpos). Com os dados coletados pôde também ser observado que duas rodovias, a BR 262 e a BR 116 atuam como barreiras ao deslocamento desse animal. Esses obstáculos atuam como restrição à troca genética entre populações. Nesse caso específico, a BR 116 impede o animal monitorado de acessar o Parque Nacional do Caparaó, onde existe o registro da onça parda e encontra-se a menos de 60 km do Pesb. O projeto pretende capturar e monitorar mais indivíduos para conhecer melhor o comportamento dessa espécie, topo de cadeia, e identificar e mitigar as ações antrópicas que comprometem sua conservação. O projeto conta com apoio do CNPq, Fapemig, Ufv, Sisbiota, Cenap/ ICMBio e INPE, com sede logística na Universidade Federal de Viçosa. Agradecimento a Antonio Carlos Csemak Junior pela participação nas diversas etapas do projeto. Dados dos Autores Tarcizio Antônio Rego de Paula Médico Veterinário-CRMV-MG nº 3799. MSc, Professor Adjunto, UFV. Coordenador do Projeto. [email protected] Gediendson Ribeiro de Araujo Médico Veterinário-CRMV-ES nº 1660 Letícia Bergo Coelho Ferreira Médica Veterinária-CRMV-MG nº 12855 Leanes Cruz da Silva Medico Veterinário-CRMV-MG nº 12511 Rafael de Morais Garay, Medico Veterinário-CRMV-MG nº11590 Thyara de Deco Souza e Araujo Médica Veterinária-CRMV-ES nº 1144 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 21 animais selvagens PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS DE 2010 A 2012 REFLETEm O CRESCIMENTO DA ÁREA O Brasil tem tido avanços consistentes na produção científica nos últimos anos, com destaque para a Medicina Veterinária, colocando o País em segundo lugar no mundo, atrás dos Estados Unidos da América (SANTOS, 2012). A análise das publicações reflete o interesse do Médico Veterinário pela área de animais selvagens (CUBAS et al., 2007), que é coincidente com o aumento do número de habilitações, busca por atualização, criação de associações e a edição do primeiro livro no idioma português dedicado à fauna brasileira, o Tratado de Animais Selvagens: Medicina Veterinária (CUBAS et al., 2007). A vasta biodiversidade da fauna silvestre brasileira, a existência de diversas instituições zoológicas, o aumento do número de animais silvestres e exóticos como pets, o crescente interesse de pesquisadores por medicina ambiental vêm gerando grande quantidade de informações e que estão sendo divulgadas, com maior frequência, em periódicos nacionais, apesar da pressão por parte de órgãos financiadores de pesquisa para que sejam publicadas em revistas estrangeiras. Para comprovação desse crescimento, foi realizado um estudo de revisão que analisa o perfil das publicações brasileiras que abordaram medicina de animais selvagens de janeiro de 2010 a dezembro Tabela 1. Artigos por periódicos brasileiros cadastrados pela Capes com livre acesso on line que abordaram medicina de animais silvestres durante o período de 2010 a 2012. Revistas Pesquisa Veterinária Brasileira Arquivos Brasileiros de Medicina Veterinária e Zootecnia Revista Brasileira de Patologia Veterinária Ciência Rural Ciência Animal Brasileira Acta Veterinaria Brasilica Acta Scientiae Veterinariae Revista Brasileira de Medicina Veterinária Brazilian Journal of Veterinary Pathology Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Sciences Veterinária e Zootecnia Memórias do Instituto Oswaldo Cruz Revista Brasileira de Ciência Veterinária Acta Amazonica Brazilian Journal of Microbiology ARS Veterinaria Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical Semina: Ciências Agrárias Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal Revista Brasileira de Ciência Avícola Veterinária em Foco Revista Ciência Animal Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo Arquivos do Instituto Biológico Revista FZVA Arquivos de Ciência Veterinária e Zootecnia Ciência Animal UNOPAR Científica: Ciências Biológicas e Saúde Veterinária e Notícias Ciência Veterinária nos Trópicos Revista Brasileira de Ciência Animal Brazilian Journal of Infectious Diseases TOTAL 22 Total 94 59 43 27 23 19 19 17 17 16 15 15 10 9 9 8 6 6 6 4 4 3 3 3 3 3 2 2 2 2 1 1 451 % 20,8 13,1 9,7 6,1 5,1 4,3 4,3 3,9 3,9 3,6 3,4 3,4 2,2 2,0 2,0 1,5 1,3 1,4 1,4 0,9 0,9 0,6 0,7 0,7 0,5 0,5 0,4 0,4 0,4 0,4 0,1 0,1 100 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Figura 1. Valor percentual das áreas temáticas identificadas nas publicações envolvendo medicina de animais silvestres durante o período de 2010 a 2012. 2012. Foram consultadas revistas da área de avaliação em Medicina Veterinária, cadastradas e qualificadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que apresentam versões online e não bloqueadas. Na análise, foram avaliados quais periódicos apresentaram artigos abordando medicina de animais selvagens e a origem dos periódicos. Identificou-se a prevalência de táxons estudados, área de estudo e idioma publicado. Não foram considerados artigos de estudos zootécnicos. Foram encontrados 451 artigos referentes à medicina de animais selvagens em 32 periódicos. Entre os periódicos, 59,38% (19/32) pertencem a universidades; 28,12% (9/32) pertencem a associações, fundações, colégios, sociedades ou conselhos e 12,5% (4/32) a instituições de pesquisa. A Pesquisa Veterinária Brasileira foi o periódico que mais publicou artigos sobre medicina de animais selvagens (89/451-20,2%) seguido de Arquivos Brasileiros de Medicina Veterinária e Zootecnia (54/451-12,2%), como pode ser visto na Tabela 1. Durante o período analisado, observou-se que no ano de 2011 houve o maior número de artigos publicados, 170, sendo identificados artigos focados em educação ambiental, répteis, aves, organismos aquáticos, invertebrados, conteúdo multitáxon e mamíferos, sendo essas ultimas as que apresentaram predominância (49,4%), como pode ser visto na Tabela 2. Foram identificadas sete áreas temáticas, com alguns agrupamentos conforme afinidade. As publicações abordaram Anatomia/Fisiologia (162/451), Parasitologia (97/451), Patologia (91/451), Saúde Pública/Epidemiologia (52/451), Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Figura 2: Distribuição da quantidade de artigos encontrados conforme o foco nas áreas temáticas durante o triênio avaliado. A.F.: Anatomia/Fisiologia; C.A.: Cirurgia/Anestesiologia; Pl: Patologia; Mb: Microbiologia; Pr: Parasitologia; Sp.E.: Saúde pública/Epidemiologia; B.E.: Biologia/Ecologia. Microbiologia (25/451), Cirurgia/Anestesiologia (18/451) e Biologia/Ecologia (6/451), como pode ser visto na Figura 1. Ao analisar a distribuição dos artigos conforme o foco entre as áreas temáticas identificadas, constatou-se maior concentração de artigos envolvendo Anatomia/Fisiologia, e que somente publicações sobre Organismos Aquáticos abrangeram as sete áreas temáticas classificadas (Figura 2). Do total de publicações, 189 (41,9%) foram escritas em idioma estrangeiro, sendo 188 artigos em inglês e um em espanhol. Apesar da pequena quantidade de publicações envolvendo invertebrados, estas foram as mais escritas em idioma estrangeiro, seguidas por aquelas abordando organismos aquáticos. Apesar do maior número de publicações focadas em mamíferos, este foi o foco taxonômico que apresentou a menor quantidade de artigos escritos em idioma estrangeiro. A única publicação encontrada no idioma espanhol tratava de répteis (Tabela 3). Ausência de periódicos especializados Nota-se a predominância de revistas generalistas, nas quais os artigos diluem-se pelos diversos títulos de diferentes origens/instituições, visto 23 animais selvagens os artigos podem ser avaliados por pesquisadores altamente conceituados, porém Ano Prevalência não familiarizados com animais silvestres. Foco das publicações (%) 2010 2011 2012 Esse fator pode determinar que artigos Educação ambiental 0 1 0 1 (0,2) com informações importantes ou inéditos Invertebrados 3 1 5 9 (2) sejam rejeitados ou artigos com conceitos Aves 26 26 33 85 (10) equivocados ou já reconhecidos sejam Répteis 14 19 7 40 (9) aceitos sem necessidade ou real valor. Isso Mamíferos 72 90 33 223 (49,4) acontece quando os casos ou estudos são Organismos aquáticos 24 33 34 91 (20) bem conhecidos e explorados em animais Diversos táxons 2 0 0 2 (0,4) domésticos e os revisores extrapolam os 141 170 140 Total e percentagem 451 (100) (31,3) (37,7) (31) dados para animais não domésticos. A predominância de publicações sobre Tabela 3. Análise da frequência dos idiomas utilizados nas publicações mamíferos é uma tendência normal, visto envolvendo medicina de animais silvestres, por foco taxonômico, durante o que estão mais presentes em parques, zooperíodo de 2010 a 2012. lógicos, instituições de pesquisa e também Foco das P.P.L.E. N.P. Inglês Espanhol Português como pets no ambiente doméstico. A pesquipublicações (%) sa revelou que apesar de existirem poucos Aves 85 37 – 48 43,5 profissionais trabalhando com organismos Invertebrados 9 5 – 4 55,5 aquáticos, há muita publicação sobre o Mamíferos 223 79 – 144 35,4 assunto, revelando grande exploração acaOrganismos dêmica, superando répteis e aves, que são 91 50 – 41 54,9 Aquáticos táxons mais acessíveis para estudos. Répteis 40 17 1 22 45 O grande número de artigos publicados Multitáxons 2 – – 2 – em idioma estrangeiro é uma peculiaridade importante e benéfica, pois os projeta interEducação 1 – – 1 – Ambiental nacionalmente, aumentando a abrangência Total 451 188 1 262 41,9 de leitura e a probabilidade de citação, poN.P.: Número de publicações; b – P.P.L.E.: Prevalência de publicações em língua estrangeira (Inglês/ dendo, também, encorajar a publicação de Espanhol). artigos estrangeiros abordando medicina de animais silvestres em revistas nacionais. Um fator negativo encontrado no estudo é a que das três revistas que mais apresentaram arescassez de artigos abordando educação ambiental, tigos abordando medicina de animais silvestres um tema intimamente ligado à conservação animal apenas uma apresenta foco especializado. A pue muito comentado nas últimas décadas devido à blicação em revistas não especializadas pode acarmudança de postura das sociedades. retar erros que variam de sutis a grosseiros, pois Tabela 2. Foco taxonômico específico das publicações identificados durante o período de 2010 a 2012. Referências Bibliográficas CAPES. Webqualis. Disponível em: http:// qualis.capes.gov.br/webqualis/publico/ pesquisaPublicaClassificacao.seam?conversationPropagation=begin. Acessado em: 10/10/2012. CUBAS, Z. S.; SILVA, J. C. R.; CATÃO-DIAS, J. L. Tratado de Animais Selvagens: Medicina Veterinária. São Paulo: Roca, 2007, 1.376p. SANTOS, R. L. Pesquisa científica em medicina veterinária no Brasil e sua contextualização global. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, v. 18, n. 57, p. 66-70, 2012. Dado do Autor Guilherme Augusto Marietto Gonçalves Médico Veterinário e Biólogo - CRMV-SP no. 16392. DSc e docente da Faculdade do Sudoeste Paulista (FSP/Avaré, SP) [email protected] 24 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Conselho em ação CFMV investe em campanha educacional contra o tráfico de animais Engajados em defender a fauna e a biodiversidade brasileira, o CFMV, com apoio dos Conselhos Regionais, fez o pré-lançamento da Campanha Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Selvagens, tema do 45º ano de atividade do Sistema CFMV/CRMVs. Em parceria com a Rede Globo e Sesi, o CFMV esteve presente, em 18 de maio, no evento “Ação Global”, atendendo diretamente cerca de 8.000 pessoas. As participações foram no Distrito Federal, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, praças em que o CFMV foi convidado a atuar. Cada local contou com dois profissionais da Medicina Veterinária, voluntários, para orientações sobre os animais selvagens. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Foi apresentado documentário sobre os prejuízos do tráfico e distribuídas cartilhas educativas. Para as crianças, atividades lúdicas com teatro, pintura, animadores e brincadeira com balão, evidenciaram a importância da conservação. Essa foi uma primeira ação da campanha que será expandida para todo o País, com diversas ações programadas para o ano. 25 destaques CFMV proíbe a prática da caudectomia Desde junho, a prática de caudectomia está proibida no Brasil. A Resolução nº 1.027, de 18/6/2013, expressou em seu texto o impedimento do corte da cauda dos caninos por motivo estético. O dispositivo modifica a Resolução nº 877, de 15 de fevereiro de 2008, que continha apenas uma recomendação do CFMV para que a cirurgia não fosse realizada. Raças como Cocker Spaniel, Pinscher, Pointer Alemão, além de Pitbull, Rottweiller e Doberman são alvos comuns do procedimento que são corriqueiramente justificados como para “embelezar” o animal. De acordo com o Presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda, o Conselho priva pelo bem-estar do animal. “Queremos coibir a caudectomia e conscientizar o Médico Veterinário a não recomendá-la, já que amputar parte de um animal por motivo torpe é inadmissível”. Os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs) podem receber denuncias da população. CFMV critica Resolução nº 457 do CONAMA 26 combate ao tráfico e os riscos à proteção da fauna brasileira não sejam negligenciados”. Após ação de mídia do CFMV, o Conselho Federal de Biologia também se manifestou contrário e o Deputado Federal Ricardo Tripoli (PSDB/ SP) apresentou em julho Projeto de Decreto Legislativo que susta a Resolução. shutterstock O CFMV manifestou-se contrariamente à publicação da Resolução nº 457 do Conselho Nacional de Meio Ambiente em junho de 2013. A nota pública, que critica a norma, foi enviada à imprensa e publicada no portal e redes sociais da instituição. Para o CFMV, diversos pontos do documento aprovado pelo Conama privilegiarão o tráfico de animais silvestres, promovendo a banalização do crime. Na avaliação do Conselho, a Resolução comprometerá ainda mais a responsabilidade que foi transferida aos estados para à gestão e fiscalização da fauna em cativeiro. Em sua manifestação, o CFMV solicita uma resposta do Governo sobre a norma. “O CFMV, como representante dos mais de cem mil profissionais da Medicina Veterinária e da Zootecnia em todo o País, cobra um posicionamento do Governo Federal para que os esforços no Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Resolução nº 1.015 entrará em vigor somente em fevereiro de 2014 O CFMV prorrogou o prazo para a entrada em vigor da Resolução nº 1.015, que versa sobre novos critérios para o funcionamento de estabelecimento veterinários. A norma, que vigeria a partir de agosto de 2013, só terá efeito em fevereiro de 2014. O objetivo é dar um tempo maior para as adaptações às novas diretrizes. A Resolução estabelece atualizações para acompanhar as mudanças do mercado, garantir melhores condições de atendimento aos animais, acompanhar o desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia, como também alinhar-se à legislação sanitária vigente. Além de outras alterações, o dispositivo amplia a exigência de equipamentos necessários para o setor cirúrgico, o qual deverá ser dividido em sala de preparo de paciente, sala de assepsia, sala de lavagem e esterilização de materiais, unidade de recuperação anestésica e sala cirúrgica. “Como se trata de modificações na estrutura física dos locais, achamos por bem ampliar o prazo para que os proprietários possam obedecer às exigências feitas pelo CFMV”, justifica o Presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda. Câmara Nacional de Presidentes discute temas na área de gestão Presidentes e colaboradores do Sistema CFMV/CRMVs se reuniram em junho em Brasília para tratar de importantes temas nas áreas contábil e de gestão. O evento aconteceu na sede do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) e teve entre os principais assuntos a Gestão Planejada, e o Controle Externo; e a Gestão do Sistema Contábil. Representantes do Tribunal de Contas e da Corregedoria-Geral da União também participaram do encontro. Durante a abertura da Câmara, o Presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda, ressaltou a importância do debate conjunto entre o Conselho Federal e os Regionais. “Quanto tratamos de temas importantes de forma conjunta agregamos valor às decisões. O debate é uma prática saudável, por meio da qual obtemos grandes resultados”, destacou. No evento, os Conselhos Regionais puderam conhecer com detalhes o Planejamento Estra- tégico do CFMV e os desafios da atual gestão. Também foram apresentados painéis relatando a importância do Controle Interno nos Conselhos Profissionais, ministrado pelo representante da Secretaria Federal de Controle Interno da CGU, Marcus Vinicius de Azevedo Braga e sobre os aspectos práticos para a Prestação de Contas do CFMV e dos CRMVs perante o TCU, apresentado pelo chefe do setor de Prestação de Contas do Tribunal, Geovani Ferreira de Oliveira. Médicos Veterinários e Zootecnistas Cadastrem-se em www.cfmv.gov.br e receba semanalmente, em seu endereço eletrônico, notícias do CFMV. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 27 Destaques CFMV marca presença em audiências públicas em Brasília no primeiro semestre Representantes do CFMV participaram de duas audiências públicas, em abril, nas Casas do Congresso Nacional em Brasília. A Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) do Senado Federal discutiu as condições de funcionamento dos abatedouros no País e no evento o presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda, ressaltou as ações empenhadas pelos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária. Falou sobre as dificuldades que o Sistema CFMV/ CRMVs enfrenta no cumprimento da fiscalização dos estabelecimentos. “Não adianta haver fiscalização e punição a estabelecimentos irregulares e aos profissionais que não exercem o seu papel com ética, se por vias judiciais é possível reverter as determinações dos conselhos”. A Câmara dos Deputados também realizou debate sobre a crueldade com que são tratados os animais nos abatedouros. Na ocasião, o membro da Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal do CFMV, Marcelo Weistein Teixeira, afirmou que somente uma ação conjunta dos Conselhos Federal e Regionais, Ministério Público, autoridades administrativas e sociedade organizada poderá mudar o panorama nefasto que domina em grande parte dos abatedouros no País. Sistema CFMV/CRMVs completará 45 anos em setembro O Sistema CFMV/CRMVs completa 45 anos e promoverá diversas ações, no segundo semestre, em alusão à data. O destaque será o lançamento oficial da Campanha Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Selvagens, que contará com a participação e o apoio de parceiros como Ministério Público Federal, Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), Organizações Globo e Polícia Rodoviária Federal. Ainda como parte da comemoração da data, haverá a Solenidade Oficial da data, no dia 21 de outubro, na Câmara dos Deputados, que homenageará os Médicos Veterinários e Zootecnistas e enfatizará a importância e as principais conquistas do Sistema; a Exposição Itinerante com fotos históricas do CFMV; e o Dia da Conscientização em Defesa da Fauna, que consistirá ações em praças e parques do Brasil com estandes e distribuições de cartilhas sobre o combate ao tráfico de animais selvagens. Receba via Twitter e Facebook as notícias e informações de importância da Medicina Veterinária e da Zootecnia. No Twitter procure, por CFMV_oficial e no Facebook por Portal CFMV. 28 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 IV SEMINÁRIO BRASILEIRO DE RESIDÊNCIA EM MEDICINA VETERINÁRIA DEBATE REGULAMENTAÇÃO DO MEC Passado um ano do reconhecimento dos Programas de Residência em Medicina Veterinária pelo Ministério da Educação (MEC), o CFMV preocupou-se em reunir e esclarecer as dúvidas dos coordenadores de curso sobre o cadastramento, reconhecimento e o perfil dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde, nos quais também está inserida a Medicina Veterinária. Em parceria com o MEC, os debates foram realizados durante o IV Seminário Brasileiro de Residência em Medicina Veterinária, nos dias 20 e 21 de maio, em São Paulo, SP. Atualmente, estão cadastrados no MEC 203 programas de residência multiprofissional da saúde e 328 em área profissional da saúde. Outros 237 estão em fase de elaboração. Do total de cadastrados, 171 programas são de Medicina Veterinária, com maior concentração em Minas Gerais, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul. Ao final, os representantes dos Programas de Residência em Medicina Veterinária presentes fizeram uma moção pública para pleitear ao Ministro da Educação a publicação da portaria que nomeia a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde. Na ocasião, o Médico Veterinário Eduardo Harry Birgel (foto) foi homenageado pelo CFMV, em reconhecimento aos importantes serviços prestados. Revista CFMV recebe homenagem do Senado Federal A edição número 58, que trouxe um especial sobre a atuação das mulheres na Medicina Veterinária e Zootecnia recebeu um “Voto de Congratulações e Aplausos” do Senado Federal. O requerimento foi feito pela Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/ AM), no final de junho de 2013, com voto lido em plenário. A Senadora é procuradora da mulher do Senado e por sua atuação, entendeu que o especial editado pela Revista CFMV foi um reconhecimento ao papel da mulher e evidenciou sua importância dentro das duas profissões. Ela parabenizou a publicação e a iniciativa do Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Conselho Federal de Medicina Veterinária. A primeira edição do ano (no. 58) trouxe um especial com sete artigos e uma entrevista sobre a atuação da mulher nas profissões representadas pelo CFMV. Foram apresentados dados estatísticos e detalhamento sobre a mulher na Medicina Veterinária e Zootecnia. Também foi abordada sua atuação nas áreas de bem-estar animal, animais selvagens, relações políticas e a trajetória nos cursos de Medicina Veterinária e Programas de Residência em Medicina Veterinária. A edição completa pode ser vista em www.cfmv.gov.br 29 Cfmv na mídia Desafios da Medicina Veterinária e Zootecnia Proibição à caudectomia Em entrevista à Revista Andipet (6ª edição), o presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda, ressaltou que os Médicos Veterinários e Zootecnistas, independentemente da área de atuação, têm como principal desafio evidenciar e entender a saúde do ser humano, dos animais e do meio ambiente como saúde única. Diálogo com criadores de pets CFMV contra o tráfico O CFMV con Carteira de vacinação é fundamental tin ua sua parce O ria com a Revista Cães e Cia para divulgação de artigos orientadores sobre os cuidados com os animais de companhia. Dentre os últimos textos divulgados, foi abordada a importância da carteira de vacinação e também orientações sobre o correto descarte de carcaças de animais. Amigo vet Mais do que um cuidado, guardar cuidadosamente a carteira de vacinação e mantê-la sempre atualizada é um ato de amor aos animais de estimação C Kelly Photo / Big Stock Photo Por BENEDITO FORTES DE ARRUDA brasileiro está cada dia mais predisposto a ter um animal de estimação. As crianças sempre foram fascinadas por eles e os adultos, cada dia mais, se dão conta do que já é comprovado pela ciência: dedicar tempo aos pets funciona como terapia, aliviando o estresse e as tensões da rotina diária. Quem tem gato ou cachorro conhece bem a sensação de chegar em casa, depois de um dia cansativo, e ser recebido com festa. Esses e outros fatores, como o aumento da renda da população, contribuíram para o Brasil alcançar uma marca considerável: temos, atualmente, a quarta maior população de pets do mundo e a segunda em cães e gatos. Contando apenas as duas espécies, o País já soma aproximadamente 59 milhões de animais. É importante, entretanto, lembrar que, além de cuidados básicos com alimentação, higiene e educação, não deve ser esquecido o reforço da defesa imunológica do animal contra doenças graves, muitas vezes fatais, obtido por meio de programa consistente de vacinação (veja no final da matéria). Controlar atentamente as datas das aplicações é fundamental para que o animal não fique com as vacinas vencidas. Viabilizar esse trabalho é uma das funções importantes da carteira de vacinação. Preenchida obrigatoriamente por médico-veterinário, a carteira contém dados confiáveis, úteis para dar suporte para que as aplicações ocorram no momento certo e com as dosagens corretas, de modo a garantir o bem-estar do pet e, indiretamente, de seus donos e da sociedade. Por isso, a recomendação é manter a carteira de vacinação em local seguro e de fácil Reforço regular do sistema imunológico: ato de amor facilitado pela carteira de vacinação localização. Perdê-la significa perder também o histórico e a cronologia de todo trabalho de imunização já feito. A decorrência é que, sem essas informações, o médico-veterinário não tem outra saída a não ser trabalhar no campo das hipóteses, o que pode significar risco de o animal ficar imunologicamente vulnerável e exposto à própria sorte. É verdade que as informações registradas na carteira de vacinação também devem ser mantidas no prontuário do animal em poder do médico-veterinário, podendo ser disponibilizadas quando solicitado. Mas não se deve esquecer que imprevistos acontecem, como a eventual perda de informações arquivadas eletronicamente, o encerramento das atividades da clínica ou, ainda, a dificuldade de resgatar Novas regras O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) publicou, recentemente, a Resolução 1.023, que altera e revoga incisos dos artigos 2º, 3º e 4º da Resolução 844/2006, e traz alguns acréscimos importantes aplicáveis em documentos cuja expedição só pode ser feita por médicosveterinários: Carteira de vacinação – em caso de emissão de nova carteira, deve ficar registrado que se trata de segunda via ou subsequente (artigo 4º, §1º, inciso X). Atualizações feitas por médico-veterinário autônomo deverão conter o nome completo dele, bom como seu endereço e telefone (inciso XI). Certidões de óbito – devem relatar o porte do animal, assim como apresentar a resenha (desenho que mostra particularidades da pelagem) no caso de eqüídeos, o que antes não era exigido. O local da morte também deverá ser detalhado, com informações da cidade, unidade da federação, identificação do local – clínica, residência ou fazenda, etc. A identificação do proprietário, nome, CPF ou CNPJ e endereço completo são exigências explicitadas agora no inciso I (antes estavam no VII). Atestado sanitário – aqui também a pelagem dos equídeos deve ser informada em forma de resenha. o histórico quando o animal foi imunizado em diferentes estabelecimentos. Outra utilidade da caderneta de vacinação é o uso por ocasião da emissão de atestado de saúde, documento exigido sempre que um animal vai para o exterior, também expedido exclusivamente por médico-veterinário. Programa de vacinação Cães • Filhotes: aplicação de vacina V10, também conhecida como polivalente, múltipla ou combinada. Protege contra Cinomose, Adenovirose tipo 1 (hepatite), Adenovirose tipo 2 (doenças respiratórias), Parainfluenza Canina, Parvovirose Canina, Leptospirose (Leptospira icterohaemorrhagiae, L. canicola, L. grippotyphosa e L. pomona) e Coronavirose. Existe, alternativamente, a vacina V8, que se diferencia da V10 por não proteger de duas cepas de leptospira (L. grippotyphosa e L. pomona). • Adultos: repetição anual da V10 Gatos • Filhotes: aplicação de vacina quádrupla, que protege contra rinotraqueíte, panleucopenia, calicivirose e clamidiose. • Adultos: repetição da vacina quádrupla anualmente Cães e gatos • Filhotes e adultos: aplicação anual de vacina antirrábica. Atua contra o vírus da raiva, que pode ser fatal para animais e humanos. Benedito Fortes de Arruda é médico-veterinário e presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). CÃes & Cia • 407 49 Especialidades crescem na Medicina Veterinária A revista Veja São Paulo, em maio, publicou reportagem sobre a especialização na Medicina Veterinária. Em entrevista, o secretário-geral do CFMV, Felipe Wouk, alertou que apesar da expansão da profissão, o Conselho reconhece, na época, apenas cinco especialidades. “O CFMV tem regras rígidas que precisam ser seguidas”, esclareceu. 30 A publicação da Resolução CFMV nº 1027 que proibe o corte de cauda foi notícia em diversos veículos de comunicação: O Globo, Estado de S. Paulo, TV Globo, SBT, T V Gazeta, Revista Veja, EPT V (G l o b o I n t e r i o r d e S P ) , Agora São Paulo, Correio Braziliense, Diário do Nordeste, Diário de Pernambuco, RBS Notícias, Diário de Santa Catarina, Jornal do ComércioSC, Jornal do Cariri, CE, Revist a Clínic a Veterinária e Revista Cães e Cia. A manifestação contrária do CFMV à resolução no. 457 do Conama foi apoiada pela imprensa. Os jornais O Estado de S.Paulo e O Globo repercutiram a opinião do Conselho. A nota também foi destaque nos blogs Ambiente-se e Blog do Dener Giovanini, ambos do Estadao. com; e nos sites Eco Reserva, Terra Ciência, entre outros . Discussão sobre a Leishmaniose Em reportagem sobre a Leishmaniose, na Revista Cães e Gatos, edição 165, de 2013, o CFMV defendeu seu posicionamento sobre a enfermidade. “Deixamos claro que, até que a cura da doença seja cientificamente comprovada, o posicionamento institucional do Conselho Federal e também dos Regionais é pelo não tratamento do mal nos animais, garantindo, assim, a segurança e a proteção à saúde pública”, observa o presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda. O posicionamento também foi debatido pelo jornal O Povo, de Fortaleza, CE. Zootecnia em pauta CFMV defende exame para registro O Presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda, participou de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a obrigatoriedade do exame nacional de cursos para obtenção do registro profissional. Ele defendeu a importância da prova para todo os egressos da área de saúde. A audiência foi transmitida pela TV Câmara. Como parte das ações para a comemoração do Dia do Zootecnista, o CFMV realizou ampla divulgação na mídia sobre as atribuições da profissão e seus desafios. Dentre as publicações, destaca-se a divulgação na Revista Globo Rural online, além de outros sites de mídia especializada em agronegócio. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 SuplementoCientífico Abordagem farmacológica da dor neuropática pós-amputação de membros em cães. Revisão de Literatura Roberta Cristina Campos Figueiredo / Karina Velloso Braga Yazbek Neospora Caninum: aspectos clínicos e epidemiológicos. Revisão de literatura Denise Claudia Tavares / Rodrigo Prevedello Franco / Breno Cayeiro Cruz / Luiz Daniel de Barros Flávio Lopes da Silva / Chayanne Silva Ferreira / Katia Denise Saraiva Bresciani Conhecimento e atuação em relação à esporotricose. Um estudo de caso com Médicos Veterinários do Rio de Janeiro Cristiano Teixeira Schultz / Rosane Gomes Alves / Alexandre Pina Costa Prevalência de cisticercose bovina em abatedouro de Rondônia Darlene Ramos / Aliny Pontes Almeira REVISTA DO CFMV - Brasília - DF - Ano XIX - Edição N° 59 - 2013 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 Brasília-DF – CEP: 71205-060 Fone: (61) 2106-0400 www.cfmv.gov.br DIRETORIA EXECUTIVA Ricardo Junqueira Del Carlo CRMV-MG nº 1759 Comitê Científico da Revista CFMV Presidente Conselho Editorial Cláudio Lisias Mafra de Siqueira Editor da Revista CFMV Presidente Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk Secretário-geral Presidente Benedito Fortes de Arruda Vice-Presidente Eduardo Luiz Silva Costa Secretário-Geral Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk Tesoureiro Amilson Pereira Said Márcia Leite Líder da Área de Comunicação Ricardo Junqueira Del Carlo Editor CRMV-MG nº 5170 Roberto Baracat de Araújo CRMV-MG nº1755 Gilson Helio Toniollo CRMV-SP nº 2113 João Luis Rossi Júnior CRMV-SP nº 11607 e CRMV-ES nº 1206/VS Flávia Tonin Subeditora Luiz Fernando Teixeira Albino CRMV-MG nº 0018/Z Joaquim Lair Coordenador de Comissões Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 31 suplemento científico Abordagem farmacológica da dor neuropática pósamputação de membros em cães. Revisão de literatura Pharmacological therapy in neuropathic after limb’s amputation in dogs RESUMO A amputação de membros pode determinar o aparecimento de dor crônica que é descrita como fantasma e do coto de amputação, e é classificada como neuropática. Não existe fármaco específico para seu tratamento, pois a transmissão da dor envolve múltiplos mecanismos e neurotransmissores, tornando obrigatória a analgesia multimodal, com fármacos que possuem diferentes mecanismos de ação. Palavras-chave: dor neuropática, analgesia, dor fantasma ABSTRACT The limb’s amputation can induces chronic pain like phantom pain and stump pain, defined as a neuropathic pain. There is no specific drug apable of treating neuropathic pain, because pain transmission involves multiple mechanisms and neurotransmitters, forcing perform a multimodal analgesia using drugs that have different action mechanisms. Keywords: neuropathic pain, analgesy, phantom pain INTRODUÇÃO Para o Colégio Americano de Anestesiologia Veterinária, em pacientes veterinários, a dor é condição clínica importante que deve, obrigatoriamente, ser prevenida e tratada para que o animal mantenha suas atividades diárias como sono, lazer, alimentação e higiene adequadas e interação com o proprietário. Apesar dos recentes avanços obtidos em relação à compreensão e tratamento da dor em animais, pacientes ainda sofrem devido à ausência de tratamento de síndromes dolorosas crônicas, ocasionando efeitos sistêmicos deletérios e redução da qualidade e da expectativa de vida (FIGUEIREDO e FLÔR, 2011). Para a correta abordagem da dor crônica no paciente animal, o local afetado e ao seu redor devem ser palpados; o proprietário deve ser questio- 32 nado sobre a dor manifestada e como interfere na qualidade de vida. A escolha do tratamento deve basear-se no estágio da dor, pois toda dor que vai além do grau leve deve ser tratada com mais de uma classe de analgésicos (Figura 1). A formulação do tratamento deve ser de forma lógica e coordenada, esclarecendo ao proprietário os possíveis efeitos colaterais (LASCELLES, 2005). A utilização de adjuvantes, como anticonvulsivantes e antidepressivos tricíclicos, é baseada em tratamentos, efetuados no homem (SAKAMOTO, 1995). Opióides, antagonistas de receptores NMDA, anti -inflamatórios e anestésicos locais também podem ser utilizados no protocolo antiálgico. Tratamentos multdisciplinares como a acupuntura e a fisioterapia também podem ser de importância. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Anticonvulsivantes Dor intratável Terapia invasiva Os anticonvulsivantes mais utiliOpioides potentes zados em humanos portadores de dor Dor moderada e intensa não opioides adjuvantes neuropática são a gabapentina e a preOpioides fracos Dor leve e moderada gabalina, cujos mecanismos capazes de não opioides adjuvantes aliviar a dor ainda não estão totalmente Analgésicos não Dor leve esclarecidos, porém há indícios de que opioides adjuvantes interagem com receptores NMDA, anFigura 1. Abordagem da dor. OMS, 2008. tagonizando-os e com canais iônicos, na dor neuropática ocorrem anormalidades senestabilizando a membrana neuronal e diminuindo soriais em relação à dor inflamatória e a pobre a transmissão sináptica nos gânglios da raiz dorsal resposta aos analgésicos, a utilização de fármacos da medula espinhal (LEBRE et al., 1995; LASCELLES, adjuvantes como os antidepressivos, além de po2005). Moulin et al. (2007) informaram que, juntatencializar analgésicos, melhoram a qualidade do mente com os antidepressivos tricíclicos, os antisono, muitas vezes prejudicado em portadores de convulsivantes devem constituir a primeira classe dores crônicas. Esses efeitos são atingidos mesmo de analgésicos adjuvantes a serem prescritos nos se utilizando doses inferiores àquelas da ação anticasos de dor neuropática. Bone et al. (2002) enfadepressiva (CARDENAS et al., 2002). tizam a eficácia da gabapentina nos casos de dores Os ADT inibem a recaptação de serotonina no intensas decorrentes de síndromes neuropáticas. corno dorsal de medula espinhal, onde se dá a priA gabapentina foi introduzida na Medicina Vetemeira sinapse do neurônio aferente. Além disso, rinária como anticonvulsivante. Porém, estuda-se a alteram a sensibilidade do receptor adrenérgico pré possibilidade de possuir propriedades analgésicas e pós-sináptico e possuem ações anticolinérgicas em menores doses. No cão é metabolizada via este(LEBRE, 1995). Seu emprego significa, portanto, rase hepática (LASCELLES, 2005). Em cobaias há rediminuição da sobrecarga de informação que a via dução considerável dos sintomas de dor neuropática aferente conduzirá ao cérebro para posterior decocomo hiperalgesia, que consiste na sensação dolorodificação. Seus efeitos colaterais estão relacionados sa exacerbada frente a um estímulo pouco doloroso, à ação colinérgica como sonolência (MACIEL, 2004). e alodinia, caracterizada em sensação álgica diante A amitriptilina é o fármaco dessa classe mais de estímulo inócuo (MAO, 2000). utilizado como adjuvante no tratamento de dor, Nicolajsen et al. (2006), trabalhando com painibindo recaptação de serotonina e norepinefrina, cientes humanos, concluíram que a gabapentina contribuindo, assim, para o aumento da viabilidade administrada diariamente, no primeiro mês após a de neurotransmissores inibitórios (CARDENAS et al., amputação de membros, não reduziu a incidência de 2002). Doses terapêuticas podem desencadear grador pós-amputação. ves alterações cardíacas como bradicardia sinusal, Em ratos, a gabapentina, administrada pelas vias podendo evoluir para assistolia, tornando necessária oral ou intratecal, inibiu a transmissão da dor inflamaa realização de monitoração de pressão arterial, tória e reduziu a hiperalgesia causada por lesão nervosa eletrocardiograma ou até a realização de monitoriperiférica e queimadura (GAYNOR et al., 2009). zação cardíaca dinâmica (Holter) antes e durante o Não há relatos do uso de anticonvulsivantes no tratamento. A ocorrência de potencialização de seus tratamento de dor pós-amputação em cães, porém, efeitos, quando utilizada concomitantemente à teraa dose da gabapentina sugerida por Tranquilli et al. pia com anticonvulsivantes, fato comum em casos de (2005) é de 5-10 mg/kg, a ser administrada pela via dor crônica neuropática, pode incrementar a metaoral e repetida a cada 12 ou 24 horas. Seus efeitos adbolização hepática dos ADT, resultando em aumento versos incluem sonolência, fadiga e ganho de peso sérico desses e sobredose relativa, aumentando seu (GAYNOR et al., 2009). potencial cardiotóxico (LEBRE et al., 1995). Antidepressivos tricíclicos Estudo realizado no Ambulatório de Dor e Os antidepressivos tricíclicos (ADT ) são fárCuidados Paliativos da Faculdade de Medicina macos derivados do iminobenzil tricíclico, muito Veterinária e Zootecnia da USP, com 27 cães portautilizados no tratamento da depressão e, secundores de dor neuropática, apresentando alodinia, dariamente, no controle de síndromes dolorosas concluiu que o fármaco é eficaz no tratamento docrônicas em humanos (LEBRE et al., 1995). Como loroso, ocorrendo remissão do sintoma clínico da Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 33 suplemento científico Arquivo CFMV neuropatia em 70,37% dos casos logo no primeiro retorno (FLÔR et al., 2009). Wilder-Smith et al. (2005) trabalharam com 94 pacientes humanos separados em grupos que receberam cloridrato de tramadol, placebo e amitriptilina, por um mês. Houve remissão da dor nos pacientes tratados com amitriptilina e tramadol, com baixos índices de efeitos colaterais (mais comuns nos tratados com tramadol), demonstrando potentes efeitos antinociceptivos nesses casos. Sob orientação da Sociedade Canadense de Dor, no tratamento de dor crônica neuropática ficou estabelecido que os ADT possuem relevância, ficando aprovada sua eficácia e de outros fármacos como anticonvulsivantes, lidocaína (administração tópica), tramadol e metadona, no homem (MOULIN, et al., 2007). A dose da amitriptilina preconizada por Tranquilli et al. (2005) é de 1 mg/kg, pela via oral, repetindo a administração a cada 12 ou 24 horas. Opioides Esses fármacos ligam-se reversivelmente a receptores específicos no SNC e medula espinhal, alterando a nocicepção e percepção da dor. Centralmente, no mesencéfalo e medula, os opióides ativam as vias nociceptivas descendentes, via liberação de serotonina e, talvez de norepinefrina. No sistema límbico, alteram os componentes emocionais da dor. Seus efeitos dependem da afinidade que possuem pelo receptor específico, podendo ser mu, kappa, delta e sigma (FANTONI & MASTROCINQUE, 2002). Os agonistas totais µ são os analgésicos mais potentes dessa classe, seguidos pelos agonistas-antagonistas e agonistas parciais mu. Os antagonistas opióides ligam-se nos receptores, porém, sem exercer efeito analgésico. São utilizados para reverter efeitos adversos dos agonistas totais (MATHEWS, 2000). Possui diferentes vias de administração: oral, parenteral ou espinhal, constituindo, essa última via, uma opção bastante utilizada em humanos para o controle de dor crônica (ROCHA et al., 2002). A metadona é um opioide sintético, agonista de receptores mu, delta e kappa, e antagonista de receptores N-Metil D-Aspartato (NMDA), além de, possivelmente bloquear a recaptação de serotonina e noradrenalina. Disponível em administração oral, em humanos, estima-se que sua potência analgésica seja até 10 vezes superior à da morfina (RIBEIRO et al., 2002). Seu uso no tratamento da dor decorrente de processos neoplásicos cresce devido à sua eficácia, ausência de formação de metabólitos ativos e baixo 34 Monitoramento da dor custo. Devido ao fato de ligar-se a receptores NMDA, supõe-se que possua mecanismos de ações diferentes em portadores de dor neuropática e não neuropática (GAGNON et al., 2003). Bergmans et al. (2002) trataram quatro pacientes humanos portadores de dor fantasma intratável, refratária a múltiplas modalidades de tratamentos, com a metadona pela via oral e concluíram que o fármaco foi eficaz no auxílio da remissão dolorosa. A dose indicada para cães é de 0,05-2 mg/kg, pela via oral, intramuscular ou subcutânea (TRANQUILLI et al., 2005). O cloridrato de tramadol é um opiáceo que possui características especiais, pois sua molécula inibe a recaptação de serotonina e dopamina, além de exercer atividade opiácea sobre receptores mu, kappa e delta, tendo pouca tendência em desenvolver tolerância, mesmo durante uso prolongado, sendo suas ações desejáveis em portadores de dor crônica, como a neuropática (AMARAL FILHO & MARCZYK, 2003). Tranquilli et al. (2005) preconizam 2-10 mg/kg, pela via oral, a cada oito horas. Outra opção para o tratamento da dor, por longos períodos, é o fentanil em forma de adesivo transdérmico. Opióide sintético, de ação semelhante à da morfina, possui a vantagem de proporcionar liberação constante e regular do fármaco ao longo de 72 horas com menores poderes sedativos, nauseantes e obstipantes em relação à morfina. Pode ser utilizado em hepato e nefropatas (MACIEL, 2004). Possui período de latência de seis a 24 horas e, Pascoe (2000) detectou, após 72 horas, concentrações plasmáticas ideais para maRevista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 nutenção da analgesia em cães. Deve ser utilizado na dose de 0,005 mg/kg/h, trocando o emplastro a cada três dias (TRANQUILLI et al., 2005). Estudos em humanos demonstram que o fentanil pode ter papel de destaque no tratamento de síndromes dolorosas crônicas, sendo muito bem tolerado pela vias espinhais (peridural e raquidiana), administrado continuamente com o auxílio de cateter peridural ou raquidiano, inserido na proximidade da substância gelatinosa, na raiz nervosa correspondente à região afetada pela dor (ROCHA et al., 2002). A morfina é um opióide indicado no tratamento de dor moderada a grave. Possui muitos efeitos colaterais como sedação, náusea e obstipação (MACIEL, 2004). Uma alternativa ao seu uso, com mínimos efeitos colaterais, é a utilização pelas vias espinhais. Devido à sua hidrossolubilidade, permanece por até 24 horas no espaço peridural e migra cranialmente para níveis mais altos no canal medular (ROCHA et al., 2002). Em estudo realizado por Kukanich (2005), com seis cães tratados com morfina pela via oral, foi comprovado que o M-6-G, metabólito responsável pelo efeito analgésico do fármaco não foi detectado no plasma de nenhum animal, concluindo que a morfina administrada por essa via não é eficaz. Huse et al. (2001) indicaram o uso de opióides, como a morfina, no tratamento da dor fantasma em humanos, pois o fármaco auxilia na reorganização do córtex cerebral. Em cães, a dose varia entre 0,2-2 mg/ kg, pelas vias subcutânea e intramuscular. Se administrada pela via endovenosa, nunca ultrapassar 0,4 mg/kg (TRANQUILLI et al., 2005). Antagonistas de receptores NMDA O receptor NMDA é importante para indução e manutenção da sensibilização central (LASCELLES, 2005). Seus antagonistas reduzem a excitabilidade dos neurônios sensibilizados no corno dorsal da medula espinhal e bloqueiam a resposta neuronal facilitada aos estímulos repetitivos das fibras C e, podem ser efetivos no tratamento da dor neuropática (FIGUEIREDO e FLÔR, 2011). Os antagonistas NMDA estão relacionados com a prevenção da tolerância (por mecanismos desconhecidos) e aumento do efeito da analgesia produzida pelos opióides (ISHIZUKA et al., 2007). A cetamina bloqueia a sensibilização central e, em baixas doses, não provoca alterações hemodinâmicas e respiratórias, sendo segura no tratamento da dor neuropática. Há disponibilidade para administração pela via oral, Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 bastante utilizada em humanos, apresentando bons resultados (ALVES, 2004). Sua administração no período perioperatório pode prevenir a potencialização da dor (fenômeno wind-up) e reduzir a dor pós -operatória (ROCHA et al., 2002; WAGNER et al., 2002). Wagner et al. (2002) infundiram cetamina em 13 cães, pacientes de amputação de dígitos, iniciando a administração do fármaco após o procedimento cirúrgico e finalizando-a após 18 horas e observaram melhor analgesia em relação ao grupo controle. Wilson et al. (2008) testaram a cetamina de forma preemptiva, administrada pela via epidural em humanos que se submeteriam à amputação distal de membros. A analgesia peri e pós-operatória foi significantemente superior em relação ao controle, com menores incidências de desenvolvimento de dor no coto de amputação e dor fantasma. A cetamina tem sido utilizada em humanos por via subaracnóidea, potencializando os efeitos de opióides em pacientes com câncer, mostrando-se alternativa terapêutica para o manejo de dor oncológica e neuropática crônica não oncológica (ROCHA et al., 2002). Tranquilli et al. (2005) indicam seu uso pela via peridural, associada a um anestésico local e um opioide para cães portadores de dor crônica, na dose de 0,5 mg/kg ou 0,5 mg/kg/h, pela via endovenosa. O dextrometorfano também é um antagonista de receptores NMDA utilizado em humanos, porém, estudos não comprovaram eficácia no tratamento de dor crônica, e 37% das pessoas tratadas relataram piora da dor (ALVES, 2004). Lascelles (2005) tem utilizado amantidina como adjuvante no alívio de dor crônica e associado a AINES, melhorando a analgesia e diminuindo a incidência de efeitos colaterais e, contraindica o uso em cardiopatias congestivas e em terapia com ADT. Em animais, reduz alodinia e a tolerância ao uso de opioides. Em cães portadores de osteossarcoma e osteoartrite, potencializou o efeito de AINES e melhorou a qualidade de vida dos pacientes (GAYNOR et al., 2009). A dose para cães é de 1-4 mg/kg, pela via oral, repetida a cada 24 horas (TRANQUILLI et al., 2005) Anestésicos locais Interrompem a condução do estímulo nervoso insensibilizando a zona inervada e aliviando a dor temporariamente, bloqueando a geração e a condução do impulso nervoso. Devem ser empregados como parte do protocolo anestésico nas amputações de membros, evitando transmissão do impulso nociceptivo e, no pós-operatório 35 suplemento científico Arquivo do CFMV Administração epidural de fármacos para controle da dor tardio, caso o paciente necessite (OTERO, 2005). A administração perineural de soluções anestésicas locais, momentos antes da transecção cirúrgica dos nervos principais é útil para diminuir a incidência de dor fantasma. Cães que terão membros pélvicos amputados poderão ser beneficiados pela administração de lidocaína e bupivacaína pela via peridural, evitando o desenvolvimento de lesões pós-amputação (TRANQUILLI et al., 2005). Quando administrada pela via endovenosa, a lidocaína apresenta ação multifatorial, resultante da interação com canais de sódio e diferentes receptores e vias de transmissão nociceptiva, como inibição de glicina, redução da produção de aminoácidos excitatórios e produção de tromboxano A2, liberação de opioides endógenos, redução de neurocininas e liberação de adenosina (LAURETTI, 2005). A lidocaína está disponível para uso transdérmico em humanos, auxiliando no tratamento de neuropatias periféricas, sem uso aprovado para animais. As doses sugeridas para o uso de anestésicos locais em cães são de até 6 mg/kg para a lidocaína com ou sem adrenalina, repetida a cada duas horas, e até 2 mg/kg para a bupivacaína com ou sem adrenalina, repetida a cada seis horas (TRANQUILLI et al., 2005). Anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) e esteroidais (AIES) Os AINES tradicionalmente são usados no tratamento da dor aguda traumática e pós-cirúrgica, contribuindo para evitar a sensibilização de receptores periféricos e hipersensibilização central (OTERO, 2005). Em casos crônicos, são 36 indicados somente em se houver dor associada à inflamação e edema, não constituindo a principal classe farmacológica para o tratamento da dor neuropática ( TRANQUILLI et al., 2005). REIS & ROCHA (2006) relatam que sua eficácia no tratamento da hipersensibilidade após lesão de nervos periféricos é controversa, sendo modestas as respostas apresentadas. A dipirona é bastante segura para uso prolongado, provocando poucos efeitos deletérios renais ou gastrintestinais (FANTONI & MASTROCINQUE, 2002). Seu mecanismo de ação está relacionado ao bloqueio direto da hiperalgesia inflamatória por prostaglandina E (PGE), supostamente promovendo dessensibilização de nociceptores periféricos por ativação de óxido nítrico, e não ao bloqueio de COX-1 e 2, como os outros AINES (REIS & ROCHA, 2006). Marquez & Ferreira (1987) realizaram estudos administrando dipirona em cobaias com dor crônica, não obtendo efeitos analgésicos satisfatórios. Descreveram um efeito analgésico potente da dipirona sobre dor intratável causada por desaferentação e constrição do nervo ciático. Administraram o fármaco em forma de infusão regional, obtendo analgesia relevante e de longa duração, permanecendo por até dois meses, sugerindo que seu efeito analgésico periférico de longa duração sobre a hiperalgesia provavelmente seja proveniente da indução da dessensibilização dos terminais nociceptivos no neurônio sensorial primário, corroborando a hipótese de que a síntese de óxido nítrico, perifericamente, pode estar relacionada ao efeito analgésico local da dipirona. A dose sugerida da dipirona para cães é de 25 mg/kg, pela via oral, a cada oito horas (TRANQUILLI et al., 2005). A utilização dos corticosterooides em pacientes com dor neuropática deve ser considerada em casos em que há processo inflamatório instalado, com a finalidade de diminuir edemas, inflamações e lesões vasculares (JACOMET, 2005). CONSIDERAÇÕES FINAIS O tratamento de síndromes dolorosas crônicas em geral, não apenas as ocasionadas pela amputação, devem priorizar um protocolo multimodal respeitando a complexidade das síndromes, atentando para a necessidade de alteração do fármaco ou de sua dose. A abordagem farmacológica da dor crônica neuropática e não neuropática é, às vezes, frustrante, pois a remissão dolorosa pode ser irrelevante ou, quando ocorre de forma satisfatória, é comum que haja recidiva após alta. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Referências Bibliográficas ACVA. Position Paper. American College of Veterinary Anesthesiologists Position paper on the treatment of pain in animals. J. Vet. Med. Assoc. v. 23, n. 5, p. 628-639, 1998. ALVES, T. C. A. et al. Tratamento farmacológico da neuralgia do trigêmeo: revisão sistemática e metanálise. Rev. Bras. Anestesiol. v. 54, n. 6, p. 836-849, 2004. AMARAL FILHO, A. C. C.; MARCZYK, L. R. S. 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Pesquisas recentes utilizando diversas espécies animais buscam responder lacunas sobre seu ciclo de vida e possível potencial zoonótico. Essa revisão enfatiza os principais aspectos biológicos do parasita, descrevendo seu ciclo, modo de contágio, manifestações clínicas, métodos diagnósticos e tratamentos utilizados, contribuindo para aprimoramento das pesquisas científicas e seu controle biológico. Palavras-chave: Neosporose, ciclo biológico, diagnóstico, zoonose ABSTRACT Neospora caninum is a parasite discovered in the 80’s and is considered as a major cause of abortion in cattle in many coutries. Recent research using different animal species seek to answer several on its life cycle and its possible zoonotic potential. This review emphasizes the biological aspects of the parasite, describing its cycle, mode of transmission, clinical manifestations, diagnostic methods and treatments used today. Keywords: Neosporosis, life cycle, diagnosis, zoonosis Introdução O Neospora caninum é um protozoário descrito (BJERKAS et al. 1984) como causador de encefalomielite e miosite em cães que, até então, devido à sua semelhança morfológica era diagnosticado como Toxoplasma gondii (DUBEY et al., 1988). A neosporose é uma doença emergente e considerada a principal causa de abortamentos em bovinos, em diversos países (DUBEY et al., 2007). Apesar de ser doença primária de canídeos e bovinos, os animais selvagens e domésticos podem ser expostos ao N. caninum (DUBEY e SCHARES, 2011). Até o momento, já foi descrito em infeções naturais de cavalos, 38 cabras, búfalos, ovelhas, camelos e cervos, que são classificados como hospedeiros intermediários (DUBEY et al., 1998; LINDSAY et al., 1999). Experimentalmente, gatos, camundongos, porcos, gerbis, ratos, raposas e macacos foram infectados por N. caninum (DUBEY et al., 1996). Em 1998, o cão foi classificado como o hospedeiro definitivo do parasita (MCALLISTER et al., 1998). As zoonoses parasitárias caninas são motivos de preocupação devido sua associação à ocorrência de afecções que levam a imunodeficiências, em especial a AIDS. Essa associação aliada à inserção, cada vez mais diversificada e ampla, dos cães na sociedade e ao desenvolvimento de tecnologias Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 diagnósticas na investigação clínica das parasitoses, implicou o desenvolvimento de doenças referidas como emergentes (AMBROISE-THOMAS, 2000). Ao analisar essa conjuntura, Thompson (1999) ressaltou que compete aos Médicos Veterinários do novo milênio, o diagnóstico, a estruturação de um sistema de investigação e o acompanhamento epidemiológico, transferindo seu conhecimento pela educação sanitária no controle das parasitoses. O potencial zoonótico da doença ainda é incerto, pois embora o parasita não tenha sido isolado de tecidos humanos, anticorpos contra N. caninum, em Figura 1. Ciclo biológico do Neospora caninum. (Redesenhado de Dubey, 1999). seres humanos, já foram descritos (LOBATO et al., 2006). Porém, visto que símios não huPouco ainda é conhecido sobre o desenvolmanos podem ser infectados experimentalmente vimento e a distribuição tecidual de N. caninum por N. caninum, o presente artigo visa elucidar em animais infectados por vias naturais de transpontos a respeito desse protozoário, em virtude missão. Mcguire et al. (1999) encontraram cistos do seu possível potencial zoonótico. teciduais nos cérebros de ratos inoculados via parenteral, após 17 dias de inoculação. Dubey et Ciclo biológico al. (1996) e Barr et al. (1994), demonstraram a preEstudos recentes comprovam que outros sença de N. caninum em cérebros de fetos bovinos, canídeos, como o coiote (Canis latrans), o dingo com 31 dias de inoculação de taquizoítos em suas australiano (Canis domesticus) e o lobo cinza (Canis mães. Há pouca informação sobre a infectividade lupus) também podem ser hospedeiros definitivos dos cistos teciduais e taquizoítos quando ingerido parasita (DUBEY et al., 2011; KING et al., 2010). No dos ou inoculados por via oral (DUBEY, 1999). entanto, oocistos viáveis só foram demonstrados Cães alimentados com cistos teciduais podem nas fezes de cães e lobos naturalmente infectados, eliminar oocistos que esporulam no ambiente, em com as fases sexuada e assexuada, podendo ser até 24 horas em condições ótimas de temperatura e completadas no cão (Figura 1). umidade (DUBEY, 1999). Os oocistos têm 10-12 µm Os taquizoítos e cistos teciduais, ambos intrade diâmetro e possuem uma parede transparente, celulares, são os estágios encontrados nos hospecom 0,6-0,8 µm de espessura. Após esporularem, deiros intermediários. Os taquizoítos de N. caninum possuem dois esporocistos que medem aproximasão caracterizados por formato ovóide ou globular, damente 8,4 x 6,1 µm, contendo quatro esporozoítos medindo 3-7 x 1-5 µm e os cistos teciduais ovalados, cada. Os esporozoítos são alongados, medindo 6,5 x com até 107 µm de comprimento são encontrados 2,0 µm (DUBEY et al., 2002). geralmente no sistema nervoso central e retina. A Os oocistos são morfologicamente semelhanparede dos cistos medem até 4 µm de diâmetro e os tes à Hammondia heydorni encontrada nas fezes bradizoítos localizados dentro dele são alongados de cães, e ao T. gondii e Hammondia hammondi e medem 8 x 2 µm. Cistos teciduais já foram enconencontrados nas fezes de gatos. A frequência da trados na musculatura de cães e bovinos infectados eliminação de oocistos de N. caninum e sua du(DUBEY et al., 2002). rabilidade no ambiente são incógnitas, porém, Cistos musculares encontrados em psitacídeos Mcallister et al. (1998) e Lindsay et al. (1999), mosforam imunocorados com soro anti-N. caninum, intraram que cães eliminam baixa quantidade de dicando a possibilidade de um número muito maior oocistos, independente de sua idade ou imunode hospedeiros intermediários (MINEO et al., 2011). competência. Anticorpos contra esse parasita também foram Estágios entero-epiteliais no intestino de canídedetectados em búfalos, raposas, camelos e galinhas os, que precedem a produção de oocistos, ainda são (MARTINS et al., 2011). desconhecidos, assim como a produção destes pelos Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 39 canídeos que se infectaram após ingestão de oocistos esporulados, não sendo possível a localização e a descrição dos esquizontes e/ou gamontes dentro do trato alimentar (DUBEY et al., 2002). Hospedeiros susceptíveis podem se infectar ingerindo água e/ou alimentos contaminados com oocistos provenientes de fezes de canídeos. Infecções experimentais foram realizadas pela ingestão de leite contendo taquizoítos, confirmando a transmissão vertical de N. caninum em bovinos, ovinos, caprinos, camundongos, cães, gatos, macacos e porcos. Essa forma de transmissão, juntamente com a ingestão pós-natal de oocistos, as únicas demonstradas em bovinos, são as mais eficientes vias Figura 2. Reação de Imunofluorescência indireta (RIFI) para o diagnóstico da neosporose. de transmissão nesta espécie (DUBEY, 1999; e citologia do lavado broncoalveoloar. Porém, apreDUBEY et al., 2002; DUBEY e SCHARES, 2011). sentam características citológicas de inflamação A forma como os cães são infectados pelo N. mista evidenciada por meio da observação de neucaninum na natureza ainda não está totalmente trófilos, linfócitos, eosinófilos, células plasmáticas e elucidada. Acredita-se que a transmissão ocorra da macrófagos no lavado bronco alveolar. mãe para os fetos nos estágios finais da gestação, Estudos epidemiológicos realizados em humaou pelo leite logo após o nascimento. No entanto, a nos empregam testes indiretos, ou seja, aqueles transmissão vertical de N. caninum, em cães, é conque verificam a presença de anticorpos anti-N. casiderada muito variável e menos significante do que ninum. Dentre esses testes, os mais utilizados são a transmissão horizontal. A transmissão fecal de N. o teste de aglutinação direta, imunofluorescência caninum, em cães, também parece ser menos signiindireta (Figura 2), western blotting, além dos ficante do que o carnivorismo, sendo a ingestão de testes imunoenzimáticos. A reação de imunofluotecidos infectados a mais provável fonte de infecção rescência indireta (RIFI) é considerada a técnica de dos carnívoros. A transmissão pelo sêmen é possível, referência (DUBEY e SCHARES, 2011). Taquizoítos no entanto não existem muitos estudos que comprointactos são utilizados como antígenos, com a vem essas teorias (DUBEY e SCHARES, 2011). identificação de anticorpos contra os antíge Diagnóstico nos presentes na superfície celular do parasita Atualmente, existem vários métodos laboratoriais (BJÖRKMAN e UGGLA, 1999). Entretanto, Dubey para o diagnóstico da neosporose, se iniciando semet al. (1998) relatam a possibilidade da ocorrência pre pelas informações obtidas na anamnese, achados de reação cruzada com outros coccídeos, sendo do exame físico e sorologia positiva, em virtude dos esse teste considerado subjetivo para a realização exames hematológicos e bioquímicos apresentaremda leitura. O ensaio imunoabsorvente ligado à se inespecíficos. A miosite, quando observada, resulta enzima (ELISA) utiliza antígenos solúveis, particuno aumento da atividade sérica da creatina quinase larmente as proteínas de superfície, podendo ser e aspartano aminotransferase. Além disso, anormapadronizado em laboratórios usando concentralidades no líquido cefalorraquidiano (LCR) incluem ções de proteínas determinadas (PARÉ et al., 1995). aumento na concentração protéica (20 mg/dl a 50 Para identificação da neosporose, o teste ELISA mg/dl) e uma pleocitose celular inflamatória mista foi primeiramente descrito por Björkman et al. (1997) mediana (10 céls/ml a 50 céls/ml), sendo encontrados e, desde então, vários ELISAs indiretos vêm sendo monócitos, linfócitos, neutrófilos e, raramente, eosipadronizados. Proteínas do complexo apical do panófilos. Padrões intersticiais e alveolares respiratórios rasita, tal como NcGRA1, NcGRA2, NcGRA6, NcGRA7, podem ser notados em radiografias torácicas (DUBEY além de proteínas recombinantes como NcGRA2, et al., 2005). NcGRA6 e NcGRA7 têm sido testadas como antígeOs taquizoítas são raramente identificados no nos para o diagnóstico sorológico em cães e bovinos. exame citológico do LCR, in print de lesões cutâneas Recentemente, Borsuk et al. (2011) desenvolveram 40 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Fonte: Fulle Laboratories suplemento científico um teste de ELISA para N. caninum em bovinos, utilizando a proteína recombinante NcSRS2, com os resultados indicando alta especificidade e sensibilidade no diagnóstico sorológico em bovinos. O teste de aglutinação direta foi descrito primeiramente por Desmonts e Remington (1980) para detecção de anticorpos anti-T. gondii. Anos depois, Packham et al. (1998) adaptaram o teste para o N. caninum. Trata-se de um teste relativamente simples e rápido, podendo ser utilizado para o diagnóstico de várias espécies, não necessitando de anticorpo secundário marcado; entretanto, requer uma grande quantidade de taquizoítos intactos (BJÖRKMAN e UGGLA, 1999). Estudos demonstraram que o teste de aglutinação direta pode substituir a RIFI por apresentar uma sensibilidade e especificidade comparável com as encontradas nela (PACKHMAN et al., 1998). Testes de diagnósticos diretos são fundamentais na confirmação da infecção, baseando-se na detecção do parasita ou do ácido desoxirribonucléico do agente. Dentre essas técnicas está a flutuação em sacarose, o bioensaio e a PCR. Na flutuação em sacarose para a pesquisa de oocistos de N. caninum nas fezes de cães, ocorre a flutuação devido à menor densidade, após centrifugação em solução de sacarose (GONDIM et al., 2002). Devido à semelhança entre os oocistos de Neospora e Hammondia, é necessário o emprego de técnicas moleculares na diferenciação dessas espécies. Entretanto, a maior dificuldade de diagnóstico por meio dessa técnica está na possibilidade de se encontrar um cão eliminando oocistos. O bioensaio é outra importante ferramenta no isolamento do parasita em amostras de cães e bovinos. O modelo animal utilizado nessa técnica tem sido o gerbil (Meriones unguiculatus), por apresentar maior susceptibilidade à infecção pelo N. caninum (DUBEY e LINDSAY, 2000). Entretanto, esse método demanda muito tempo, além da utilização de animais de laboratório. A reação em cadeia pela polimerase (PCR) vem sendo relatada como método de diagnóstico para N. caninum desde 1996, quando vários trabalhos envolvendo essa técnica foram publicados (KAUFMANN, 1996; MÜLLER et al., 1996; YAMAGE et al., 1996), com base na amplificação in vitro do DNA do parasita. No caso do N. caninum, da região ITS1 (PAYNE e ELLIS, 1996) e do segmento Nc5 (KAUFMANN et al., 1996). Em seguida, surgiram variantes da técnica de PCR tais como Nested, RFLP Restriction fragment length polymorphism (RFLP) e Real Time. Atualmente, técnicas de biologia molecular, deviRevista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 do à simplicidade, rapidez além da confiabilidade dos resultados, estão sendo muito usadas para o diagnóstico do N. caninum. Potencial zoonótico Existe uma grande preocupação em torno do potencial zoonótico do N. caninum após dois macacos rhesus (Macaca mulatta) terem sido infectados pelo parasita (BARR et al., 1994). No entanto, não existem evidências sólidas de que o N. caninum acomete seres humanos, devido aos baixos níveis de anticorpos relatados (PETERSEN et al., 1999; TRANAS et al., 1999; LOBATO et al., 2006). Na Inglaterra, 518 trabalhadores rurais e 3.232 pessoas consideradas sem risco foram avaliados, apresentando resultados positivos para N. caninum por meio da RIFI (MCCANN et al., 2008). Na Califórnia, foram detectados anticorpos anti-N. caninum com títulos de 100 em 6,7% dos soros humanos analisados por RIFI (TRANAS et al., 1999). Em mulheres que apresentaram abortos espontâneos repetidos, não foram encontradas evidências de infecção por N. caninum. No entanto, devido a sua ampla gama de hospedeiros em potencial, a possibilidade de infecção humana não pode ser excluída (PETERSEN et al., 1999). Os efeitos predominantes da neosporose em cães são primariamente sinais neurológicos progressivos, incluindo a paralisia dos membros. Possivelmente pode ser válido correlacionar esses sinais clínicos ao examinar pacientes humanos com sintoma de aborto e distúrbios neurológicos de etiologia desconhecida. Além disso, a possível presença de N. caninum em pacientes com sistemas imunitários enfraquecidos deve ser considerada. No Brasil, foram detectados anticorpos IgG contra N. caninum em 38% de pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e em 18% de pacientes com desordens neurológicas, em Uberlândia, Minas Gerais, sustentando essa possibilidade (LOBATO et al., 2006). Pesquisadores continuam a busca por N. caninum por meio de testes sorológicos, ou, alternativamente, usando material coletado em biópsias ou autópsias para a realização de PCR ou análise imuno-histoquímica. Contágio A infecção adquirida via transplacentária manifesta-se severamente, caracterizada clinicamente pela ocorrência de encefalite, poliradiculite, polimiosite e paralisia dos membros pélvicos atingindo preferencialmente animais com até 12 meses de idade, porém sem predileção sexual ou racial (LINDSAY et al., 1999). 41 A enfermidade causada pelo N. caninum pode ser localizada o u g e n e ra l i z a d a , co m o u m a severa dermatite ulcerativa descrita em cães de Israel (PERL et al., 1998). Dubey et al. (1990) relataram a ocorrência de cistos de N. caninum na retina de quatro cães que adquiriram a doença via congênita. Já a ocorrência de neosporose clínica em animais adultos sugere, muitas vezes, a reativação de uma infecção anterior, associada à imunossupressão induzida por vacinas de vírus atenuado (PATITUCCI et al. 1997). Figura 3. Ovo de N. caninum.. Barber e Trees (1996) sugeriram que o parasita pode ser encontrado em vários órgãos (coração, pulmões e fígado) durante a fase aguda, restringindo-se ao sistema nervoso central (SNC) na fase crônica. Casos fatais têm sido relatados em animais com idade entre 8 a 15 anos, em cadelas com infecção subclínica transmitindo via transplacentária para suas proles em sucessivas gestações. Apesar da predisposição para sexo e raça ser desconhecida, a maioria dos casos descritos cita a ocorrência em cães das raças Labrador, Boxer, Greyhound e Golden Retriever (BOYD et al., 2005). Infecções clínicas e subclínicas de N. caninum em cães apresentam importância epidemiológica, principalmente pelo hospedeiro ser capaz de eliminar oocistos no ambiente, fator este de risco para a ocorrência de abortos associados a N. caninum em bovinos (PARÉ et al., 1998). Aspectos clínicos A paralisia ascendente com hiperextensão dos membros pélvicos de filhotes infectados congenitamente é a manifestação clínica mais comum da doença, com ocorrência de posteriormente atrofia muscular. A polimiosite e a doença multifocal do sistema nervoso central (SNC) podem ocorrer isoladamente ou associadas, com os sintomas evidenciados logo após o nascimento ou após algumas semanas de vida (LINDSAY et al., 1999). A morte neonatal é comum (BOAVENTURA et al., 2008). Cães com aproximadamente 15 anos de idade também desenvolvem a doença, com evolução clínica para paralisia progressiva, meningoencefalite, insuficiência cardíaca e complicações pulmonares, em que, em muitos casos, recomenda-se a eutanásia (BOAVENTURA et al., 2008). 42 InfoEscola suplemento científico Sinais clínicos como tosse produtiva, cansaço fácil e morte súbita foram associados à afecção respiratória primária e miocardite. Disfagia, hepatite, dermatite ulcerativa, paralisia da mandíbula, cegueira, convulsões, incontinência urinária e fecal também foram observadas na infecção primária aguda ou na exacerbação da infecção crônica (LINDSAY et al., 1999). Barber e Trees (1996) relataram aspectos clínicos de cães com neosporose, citando a ocorrência de paresia de membros pélvicos, tetraparesia, ataxia, atrofia muscular, hiperextensão dos membros afetados, tremores, anorexia e hipertermia, evoluindo para o óbito. Cañón-Franco et al. (2003) estudando cães da área rural e urbana encontraram aumento da ocorrência de anticorpos para N. caninum em cães rurais, sugerindo maior predisposição para aqueles com idade avançada, evidenciando a aquisição pós-natal do agente. Já Boyd et al. (2005) relataram a ocorrência de dermatite nodular generalizada com progressão rápida para afecção neuromuscular fatal em um cão da raça boxer com 16 anos, encontrando nos aspirados e biopsia dermatológica, taquizoítas e à necropsia, necrose inflamatória intralesional no cérebro, coração e musculatura esquelética. Tratamento Embora muitos cães não sobrevivam a neosporose, a resposta terapêutica favorável está relacionada com associação da sulfadiazina-trimetropina (15 mg/kg, VO, BID) combinada com pirimetamina (1 mg/kg, VO, SID), associadas ou não a clindamicina (10 mg/kg, VO, TID) durante quatro a seis semanas. Entretanto, a terapia Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 deve ser iniciada antes da rigidez muscular, se possível, com o prognóstico reservado para os cães com acometimento neurológico. Contudo, o sucesso dos tratamentos é normalmente baixo, embora existam relatos de resolução completa dos sinais de neosporose em cães adultos com administração combinada de pirimetamina (1 mg/kg, SID) e sulfadoxina (20 mg/kg, BID) durante 30 dias (GENNARI e SOUZA, 2002) A terapia à base de glicocorticoides pode ativar os bradizoítos encontrados nos cistos teciduais, resultando em doença clínica, com replicação intracelular de taquizoítos, levando ao comprometimento do SNC, por meio de infiltrados celulares mononucleados, sugerindo a ocorrência de um componente imunomediado na patogênese (GALGUT et al., 2010). Cistos teciduais intactos em estruturas neurais geralmente não estão associa- dos à inflamação, mas cistos teciduais rompidos induzem a ela. Galgut et al. (2010) relataram a ineficiência da imunossupressão com prednisona e ciclofosfamina no tratamento de meningoencefalite por N. caninum em um cão, com grande concentração de celularidade inflamatória no líquido cefaloraquidiano. Considerações finais A descoberta e os estudos sobre o N. caninum são recentes, entretanto é um parasita de suma importância na clínica de pequenos animais e, principalmente na bovinocultura de leite. Nesse sentido, a presente revisão elucidou as principais dúvidas quanto aos aspectos epidemiológicos, ciclo evolutivo, hospedeiros, aspectos clínicos e terapêuticos, enfatizando o seu possível potencial zoonótico. Referências Bibliográficas AMBROISE-THOMAS, P. Emerging parasite zoonoses: the role of host-parasite relationship. International Journal for Parasitology v.30, n.12/13, p. 1.361-7, 2000. BARBER, J. S., TREES, A. J. Clinical aspects of 27 cases of neosporosis in dogs. Veterinary Record v. 139, n. 18, p. 439-443, 1996. BARR, B.C., CONRAD, P. 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Dados dos Autores Denise Claudia Tavares Médica Veterinária, CRMV-SP nº 16526, doutoranda [email protected] Rodrigo Prevedello Franco Médico Veterinário, CRMV-SP nº 15737, MSc, docente curso de Medicina Veterinária UNIMAR, SP Breno Cayeiro Cruz Médico Veterinário, CRMV-SP nº 30881 44 Luiz Daniel de Barros Médico Veterinário,CRMV-SP nº 31853, MSc, doutorando Flavio Lopes da Silva Médico Veterinário, CRMV-SP nº 25006, MSc, doutorando Chayanne Silva Ferreira Médica Veterinária, CRMV-SP nº 27171 Katia Denise Saraiva Bresciani Médica Veterinária, CRMV-SP nº 7161 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Conhecimento e atuação em relação à espotricose. UM ESTUDO DE CASO com médicos Veterinários do RIO DE JANEIRO knowledge of veterinarians about sporotrichosis in rio de janeiro RESUMO Há, atualmente, no Rio de Janeiro, uma discussão sobre a ocorrência da zoonose esporotricose em vários municípios. Micose adquirida pelas mordeduras ou arranhões de animais infectados. O papel do felino na transmissão ao homem vem ganhando grande importância para os Médicos Veterinários, estudantes e tratadores devido ao contato direto com os animais, tornando-se um novo grupo de risco. O objetivo do trabalho foi identificar, por meio de inquérito, o conhecimento dos profissionais em relação à transmissão e ocorrência da doença, além de medidas de prevenção e controle. Esses profissionais foram escolhidos, uma vez que participam da identificação dos casos na população animal, podendo contribuir para o controle e prevenção da doença nos seres humanos. Foram verificados equívocos em pontos críticos relacionados ao controle da doença, podendo remeter à formação acadêmica. Enfatiza-se o papel do Médico Veterinário como profissional de saúde pública, uma vez que a conscientização do proprietário, da profilaxia adequada e o controle da doença no ambiente dependem, em grande parte, da qualidade das informações transmitidas durante o atendimento clínico. Palavras-chave: esporotricose, médico veterinário, conhecimento ABSTRACT There are currently in Rio de Janeiro a discussion on the occurrence of a zoonotic disease called sporotrichosis in several of its municipalities. This mycosis can be acquired through bites or scratches from infected animals. The role of the cat in transmission to humans is gaining great importance, especially for veterinarians, students and grooms, becoming a new risk group. The objective of this study is to identify through investigation the knowledge of veterinary professionals in relation to the transmission and occurrence of the disease, and prevention and control. These professionals were chosen as they participate in the identification of cases in the animal population and may contribute to the control and prevention of disease in humans. Were observed be mistakes in controlling, which may be related to academic training. This aspect is of concern regarding the role of the professional veterinary and public health professional, since the formation of the owner aware of appropriate prophylaxis and disease control in the environment depend largely on the quality of the information provided during the clinical care. Keywords: sporotrichosis, medical veterinary, knowledge Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 45 suplemento científico Arquivo do Autor INTRODUÇÃO A esporotricose é a micose subcutânea mais comum na América Latina (SCHUBACH, 2006), acometendo principalmente felinos no Brasil (LARSSON, 2000). Em países do Hemisfério Norte essa doença é mais comum em cães de caça ou de lida nas propriedades rurais e em cavalos (SCOTT, 1996; COPETTI, et al., 2002), com manifestações nodulares subcutâneas e localizadas, sendo observada na fase sistêmica somente em alguns dos pacientes, geralmente imunossuprimidos. Essa lógica não se aplica a felinos, visto que em estudos realizados não ter sido observada relação entre a imunossupressão e o acometimento de felinos (SCHUBACH, 2006; SOUZA, 2006). Mesmo também sendo acometido, o cão é de menor importância do que o felino, devido às lesões serem acidentalmente causadas quando da ocorrência de escoriações, normalmente na região do focinho, decorrente do hábito de farejar. Da mesma forma, por não ter o comportamento defensivo de arranhar, como os gatos (SOUZA, 2006), mesmo que o cão possua o agente nas unhas, dificilmente conseguirá Figura 1. Felino acometido por lesões na face. inoculá-lo, uma vez que seu agente etiológico, geralanimais saudáveis em áreas de ocorrência de casos mente o Sporothrix schenckii, necessita de uma lesão (SOUZA, 2006). pré-existente ou de uma inoculação traumática para No Hemisfério Norte e em regiões do Hemisfério se instalar no organismo. Sul onde ocorrem baixas temperaturas, os casos De maneira geral, o felino (Figura1) infecta-se ocorrem segundo padrões sazonais (SCHUBACH, et por meio de mordeduras e arranhaduras que sofre al., 2005) sendo de incidência constante em regiões durante o contato sexual e, ou, brigas entre machos, nas quais o clima permanece quente ao longo de ou da demarcação de território e afiação das unhas todo o ano (LOPES, et al., 1999; SCHUBACH, et al., (FREITAS, 1956; MEINERZ, 2007). Normalmente, 2004; BARROS, et al., 2007). De maneira geral, é a mia transmissão zoonótica associa-se a animais de cose profunda mais prevalente do continente amerivida livre ou semiconfinados que, por entrarem em cano, sendo a segunda mais importante da América contato com ambientes ou animais possivelmente do Sul e a mais importante nos estados da região Sul infectados, adquirem o agente, transmite-os mesmo do Brasil (JONES, et al., 2000; DONADEL, et al., 2008). quando não apresentam sinais clínicos, visto terem GRÁFICO1 Categoria deschenckii profissionais médico-veterinários segundo No Estado do Rioode Janeiro, as áreas de maior sido isoladas- culturas de S. de unhas de tempo de formados. incidência dessa doença estão na Baixada FluminenGráfico 1. Categoria de profissionais médicos-veterinários se, nos municípios de Duque de Caxias e São João de segundo o tempo de formados participantes da pesquisa. Meriti, e o município do Rio de Janeiro (BARROS, et al., 2004; SCHUBACH, et al., 2004; SCHUBACH, et al., 2005; BARROS, et al., 2007), com o perfil do grupo de 18,20% GRÁFICO1 - Categoria de profissionais médico-veterinários segundo o risco para a doença mudando desde o primeiro caso 43,60% tempo de formados. A1 - Até 3 anos de formado diagnosticado, principalmente no que diz respeito 18,20% oria de profissionais médico-veterinários segundo o A2 a 9 anos de de formado ao- 4contágio caráter zoonótico, ou seja, na transmissão A3 - 10 a 20pelo anos contato de formadocom um animal ou seus subprodutos 20% A4 - mais edesecreções. 20 anos de formado 18,20% Considerando o potencial zoonótico dessa in43,60% A1 - Até 3 anos de formado fecção, proprietários de animais domésticos, em es18,20% A2 - 4 a 9 anos de formado pecial, felinos, e profissionais em contato direto com 43,60% A3 - 10 a 20 anos de formado A1 - Até 3 anos de formado animais, incluindo Médicos Veterinários, tratadores e 20% A2 - 4 a 9 anos de formado A4 - mais de 20 anos de formado demais, constituem importante grupo de risco. A3 - 10 a 20 anos de formado % A4 - mais de 20 anos de formado 46 GRÁFICO2 – Tempo de formação acadêmica e dificuldade com termos Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 epidemiológicos. GRÁFICO2 – Tempo de formação acadêmica e dificuldade com termos 80,00% Conforme a Lei Federal nº 5.517/1968, o Médico Veterinário tem o dever de informar aos proprietários sobre os riscos a que eles estão expostos para o caso das enfermidades com potencial zoonótico, caso não adotem medidas adequadas e específicas a cada enfermidade, tanto em situações envolvendo animais sadios ou enfermos. Apesar de óbvio, no entanto, o Médico Veterinário apenas será capaz de desempenhar tal função caso detenha conhecimento sobre cada uma dessas enfermidades e seus riscos. foram identificados, fato que foi esclarecido no momento da entrevista. RESULTADOS A frequência dos profissionais segundo o tempo de formados mostra que, 44% (n= 132) dos profissionais pertencem ao grupo A1; 20% (n= 60) ao grupo A2; 18% (n=54) ao grupo A3, e 18% (n= 54) ao grupo A4 (Gráfico 1). Segundo o gênero, 56 % (n= 168) são do sexo feminino e 44% (n= 132) do sexo masculino. Desse total de profissionais entrevistados, 96% (n= MATERIAIS E MÉTODOS 288) afirmaram ter algum tipo de conhecimento sobre Para avaliar o conhecimento de Médicos Veteria doença, 4% (n= 12) nunca ouviram falar dela. nários, clínicos de pequenos animais, atuantes em Quando questionados, alguns profissionais apremunicípios do estado do Rio de Janeiro, quanto à sentaram dificuldade da compreensão de termos esporotricose, foi elaborado questionário anônimo como agente etiológico, endemia e profilaxia, entre subdividido em três partes básicas: outros, com 69,69% (n= 92), 53,33% (n= 32), 40,7% a) identificação da área geográfica de atuação, tempo (n=22) e 40,7% (n=22), nos grupos A1, A2, A3 e A4, de formado e se tinha conhecimento da doença; respectivamente (Gráfico 2). b) o conhecimento epidemiológico e etiológico Quando questionados sobre a natureza do agensobre a esporotricose; te etiológico, 89,% (n=267) dos entrevistados afirmaGRÁFICO1 - Categoria de profissionais médico-veterinários segundo o c) a forma e condições dos atendimentos realizados, ram tratar-se de um fungo; 5% (n= 15) afirmaram tratempo de formados. com questões sobre protocolo profilático adotado tar-se de uma bactéria; 4% (n=12) disseram tratar-se em caso de suspeita, protocolo de tratamento ou de um protozoário e 2% (n=6) afirmaram ser causada eutanásia, e as condições ambientais da clínica. por um vírus (Gráfico 3). Foram entrevistados 300 profissionais, em vaQuando perguntados sobre o atendimento aos riados estabelecimentos de atendimento18,20% clínico animais (Figura1) com suspeita de zoonoses como veterinário em municípios da Baixada Fluminense esta, 18%43,60% (n=54) dos profissionais alegaram não A1 - Até 3 anos de formado e no Município do Rio de Janeiro, tendo adotar nenhum cuidado diferenciado quando do 18,20% sido estes A2 - 4 a 9 anos de formado escolhidos de maneira aleatória. atendimento; 33,% (n= 99) disseram utilizar luvas de A3 - 10 a 20 anos de formado Após a coleta de dados, estes foram tabelados procedimento e tomar os devidos cuidados na mani20% A4 - mais de 20 anos de formado e trabalhados com o auxílio de programa de análipulação desses animais; 60% (n=180) afirmaram utises estatísticas. lizar luvas, mas que não adotavam nenhum cuidado Para análise, os profissionais foram subdivididos maior com os animais suspeitos do que os cuidados em quatro grupos de acordo com o tempo de formaque tinham no atendimento a qualquer outro animal; ção, sendo: (A1) Profissionais até o terceiro ano de e 7% (n=21) alegaram apenas tomar cuidado com o conclusão de curso; (A2) Profissionais com conclusão manuseio (Gráfico 4), entendendo-se o tomar cuidado de curso entre quarto e GRÁFICO2 – Tempo de formação acadêmica e dificuldade com termos nove anos; (A3) Profis- epidemiológicos. Gráfico 2. Tempo de formação acadêmica e dificuldade com termos epidemiológicos. sionais entre o décimo e 80,00% o vigésimo ano de con70,00% clusão de curso; e (A4) 60,00% Profissionais com mais de 50,00% vinte anos de conclusão de curso (Gráfico 1). Não 40,00% 70,00% foram considerado nessa 30,00% 54% subdivisão a realização 20,00% 40,00% 40,00% de cursos de especializa10,00% ção e/ou pós-graduação. 0,00% Por questões éticas, A1 - Até 3 anos de A2 - 4 a 9 anos de A3 - 10 a 20 anos de A4 - mais de 20 anos formado formado formado de formado os profissionais participantes da pesquisa não Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 47 suplemento científico GRÁFICO 3 – Resposta dos entrevistados sobre a natureza do agente ao manuseio medidas como aparar Gráfico 3. Resposta dos entrevistados sobre a natureza do agente etiológico da esporotricose. etiológico da esporotricose. unhas ou enfaixar as patas de felinos suspeitos a fim de evitar inoculação 90,00% do agente, e realização da contenção 80,00% dos animais atendidos com o auxílio 70,00% de um ajudante, por exemplo. 60,00% Quando indagados sobre o trata50,00% 89,10% mento, 1,66% (n=5) dos entrevista40,00% dos afirmaram não tratar os animais, 30,00% porém encaminhá-los ao Instituto 20,00% Evandro Chagas para atendimento; 10,00% 4% (n=12) não adotavam tratamen5,50% 3,60% 1,80% 0,00% to, indicando para eutanásia com Bactéria Fungo Protozoário Vírus indicação de descarte em forno crematório para a carcaça; 7% (n=21) GRÁFICO 4 – Cuidado no atendimento de animais suspeitos de zoonoses recomendavam a eutanásia, mas não pelos profissionais DISCUSSÃO o descarte da carcaça em forno crematório; 1,66% médico-veterinários O desconhecimento das terminologias técnicas a (n=5) adotavam tratamento utilizando algum tipo respeito da epidemiologia e da patologia da doença de antifúngico; 4% (n=12) utilizam Doxiciclina no podem dificultar a compreensão da informação de tratamento da esporotricose de animais atendidos textos científicos e técnicos. Isso sugere que o profispor eles; 9% (n=27) recomendavam a utilização de sional não está em sintonia com os avanços médicoCetoconazol no tratamento da enfermidade em Uso de luvas e manuseio 33,30% científicos e com a linguagem, tornando inacessível questão; e 72,66% (n=218) utilizavam o Itraconazol normal a compreensão e a fixação deCuidado conhecimento. no combate a esta micose (Grafico 5). ao manuseioO mais somente preocupante é quando verificamos que a maior parte Dentre o grupo de profissionais que relataram de luvas e cuidado ao 60% (70%, n= 92) dos profissionaisUso com dificuldades nesnão recomendar o tratamento (n=39), aproximadamanuseio ses termos são os representantes do grupo A1. Esse mente 70% (n=27) não adotam nenhum tratamento, grupo é constituído por profissionais recém-formados optando pela eutanásia são do grupo profissional A4 6,70% (no máximo três anos de formação); estes deveriam (mais de 20 anos de formação), sendo observado nos estar mais cientes desses termos, visto terem saído demais grupos a distribuição homogênea entre as há pouco tempo do meio acadêmico, esperando-se demais condutas citadas. Arquivo do Autor maior familiaridade com a terminologia técnica das diversas disciplinas que abordam esses conhecimentos, dentre as quais, Epidemiologia, Saneamento, Doenças Infecciosas e Parasitárias, Parasitologia Veterinária, Microbiologia Veterinária, Imunologia Veterinária e Medicina Veterinária Preventiva. Esse aspecto leva-nos a refletir se os conteúdos foram assimilados ou simplesmente desconsiderados após a aprovação nas referidas disciplinas, sendo a seguir esquecidos pelo aluno, futuro profissional, o qual, por alguma razão, desconhece que os conteúdos básicos, incluindo seu vocabulário técnico, são essenciais na sua atuação profissional e a correta comunicação científica. Isso nos faz refletir quanto à necessidade de implantação de algum tipo de avaliação do conhecimento adquirido pelo aluno egresso da universidade anterior ao seu registro para exercício profissional efetivo. Sendo a determinação do agente etiológico fundamental no êxito do tratamento de qualquer doença, a falta de conhecimento quanto à origem de Figura 2. Atendimento a gato portador de esporotricose. 48 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 20,00% 10,00% 0,00% 5,50% Bactéria 3,60% Fungo Protozoário 1,80% Vírus GRÁFICO 4 – Cuidado no atendimento de animais suspeitos de zoonoses pelos profissionais médico-veterinários Gráfico 4. Cuidado no atendimento de animais suspeitos de zoonoses pelos profissionais médico-veterinários tato (DEHS, 2002), alguns profissionais alegam que a utilização de luvas assusta os proprietários que acabam por abandonar os animais ou não aderem ao tratamento, optando pela eutanásia. Uso de luvas e manuseio 33,30% normal Outros, ainda alegam que a inocuCuidado ao manuseio lação do agente por mordida ou arrasomente nhadura não pode ser prevenida por Uso de luvas e cuidado ao 60% luvas, e, por esse motivo, não as utilizamanuseio vam, contrariando, com esta recusa na utilização de luvas, um procedimento 6,70% básico de bissegurança. Essas informações foram adicionais, não previstas no determinada patologia, diga-se de passagem, não inquérito e identificadas por meio de rara, torna qualquer tratamento adotado ineficaz relatos feitos pelos profissionais no diálogo durante e, ou, inadequado, significando, como no exemplo as entrevistas. abordado em se tratando de uma zoonose, inclusive Segundo profissionais entrevistados na região da na exposição e risco pessoal e à comunidade. Chama Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, 90% dos animais atenção para a utilização de antibiótico, com teraatendidos em seus estabelecimentos com suspeita pêutica para o problema fúngico apresentado ou o de esporotricose vêm pelas mãos de pessoas que desconhecimento da conduta correta a ser adotada buscam animais abandonados nos parques e terrenos e indicações relacionadas. baldios, para, então, tratá-los. Sobre o destino dos cadáveres dos animais por Nessa situação, tem-se como causa a constanparte dos profissionais, observa-se que aqueles que te exposição ambiental, o que torna complexa a optam pela eutanásia podem não estar refletindo soabordagem terapêutica, visto esses profissionais bre a natureza dimórfica do fungo (SCHUBACH, 2008). encontrarem dificuldade no controle da doença em Ainda que careça de estudos comprobatórios, há nível ambiental por outros fatores que não o descopossibilidade de a carcaça animal ainda poder ser uma nhecimento, mas ideologias/condutas antieutanáfonte de contaminação para o solo em que esse animal sicas e culturais, como a alimentação dos animais de for depositado pelo proprietário. Dessa maneira, não rua, o que permite a fixação de colônias de animais levar esse fato em consideração pode acarretar risco à errantes, entre outros, que estão além da atuação do saúde da população e de seu entorno. clínico veterinário em sua rotina profissional. Mesmo sabendo que a utilização de luvas de O fato de vários estudos apontarem a situação procedimento no atendimento clínico é uma mediepidêmica da esporotricose na região metropolitana da profilática de extrema importância, que oferece do Rio de Janeiro preocupa ao deparar com a conduta segurança ao profissional, bem como ao paciente, de alguns profissionais que, por desconhecimento, GRÁFICO 5 barreira – Tratamento utilizado pelos profissionais como eficaz contra a contaminação por con- médicoignoram procedimentos básicos na abordagem da doveterinários nos casos de esporotricose. ença como a instrução correta aos proprietários dos Gráfico 5. Tratamento utilizado pelos profissionais animais, bem como os procedimentos profiláticos médico-veterinários nos casos de esporotricose. básicos quando do atendimento. 3,60% 1,80% Quando observamos a quantidade de Mésim, outros antifungicos dicos Veterinários que afirmam atender casos 3,60% de esporotricose em seus estabelecimentos sim, cetoconazol 9,10% 7,30% clínicos e observamos as casuísticas relatadas sim, doxiciclina pelos principais grupos que estudam esta patosim, itraconazol logia e sua epidemiologia no Estado do Rio de Janeiro (SCHUBACH, et al., 2006; BARROS, et al., não, eutanásia sem descarte 2007), bem como a grande frequência de casos não, eutanásia com descarte encontrados em áreas que até então eram consi72,70% adequado deradas de baixa ocorrência, verifica-se que essa não, encaminhamento ao IPEC epidemia pode ter um impacto ainda maior do que se pensa. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 49 suplemento científico CONCLUSÃO Ao refletirmos sobre esses dados, defrontando os a trabalhos existentes, notamos que o presente estudo vem enriquecer o entendimento da dinâmica dessa epidemia, com foco em um grupo de risco frequentemente exposto ao contágio decorrente de sua atividade profissional, Médicos Veterinários atuantes na clínica de pequenos animais. Quando analisamos aspectos relacionados à atuação desses profissionais, vemos a ne - cessidade de realização de correlação entre as propostas curriculares na estrutura dos cursos de graduação das diversas escolas de Medicina Veterinária e o exercício do profissional Médico Veterinário como promotor de saúde pública. O estudo aponta a necessidade de mais estudos nesta área, inclusive a necessidade de maior controle quando do registro nos conselhos regionais como pré-requisito para a realização da atividade profissional. Referências Bibliográficas BARROS, M.B.L. et al. 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Rosane Gomes Alves Médica Veterinária, CRMV-RJ nº 5 949, MSc doutoranda Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde Alexandre Pina Costa Médico Veterinário, CRMV-RJ nº 5715 MSc, docente Universidade Grande Rio, RJ Dados dos Autores Cristiano Teixeira Schultz Médico Veterinário, CRMV-RJ nº 11 543 [email protected] 50 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 PREVALÊNCIA DE CISTICERCOSE BOVINA EM ABATEDOURO DE RONDÔNIA CYSTICERCOSIS prevalence in BOVINEs of RONDÔNIA state RESUMO Dentre as lesões encontradas nas linhas de inspeção em matadouros frigoríficos de bovinos, a cisticercose destaca-se como a mais frequente, entre as demais enfermidades, ocasionando perdas significativas. Trata-se de zoonose causada pelo cisticerco proveniente dos ovos eclodidos no estágio intermediário do ciclo evolutivo da Taenia saginata. No período de maio de 2010 a abril de 2011, foram abatidos 123.761 animais, dos quais 12 estavam infectados com o Cysticercus bovis, representando uma prevalência de 0,009%. Mesmo que os índices apresentem-se abaixo da média brasileira, são necessárias medidas profiláticas, possibilitando a extinção da doença no estado. É necessária a conscientização da população quanto às medidas sanitárias, realização de vermifugação dos animais periodicamente, proporcionando menor risco à saúde pública e diminuição dos prejuízos na cadeia produtiva da pecuária. Palavras-chave: cisticercose, Rondônia, Cysticercos bovis ABSTRACT Among the lesions found in inspection lines in slaughterhouses from bovine cysticercosis stands out among the most frequent. Bovine cysticercosis in an infection caused by Cysticercus from eggs hatched in the middle stage of the life cycle of Taenia saginata. In the period may 2010 to April 2011 were slaughtered 123.761 animals of which 12 were infected with the Cysticercus bovis, representing a prevalence of 0.009%. Even if the ratios are presented below the national average, it is necessary prophylactic measures, allowing the disease to become extinct in the state. So, it is necessary that they have the public awareness of the sanitary measures to carry out a deworming regularly providing less risk to public health and reducing losses in the livestock production chain. Key words: cysticercosis, Rondônia, Cysticercus bovis INTRODUÇÃO O Brasil destaca-se no cenário mundial com o maior rebanho bovino comercial (MORAIS et al., 2009). Comparado às últimas décadas, o País tem transformado toda a sua cadeia produtiva, investindo cada vez mais na genética do rebanho e na diminuição da idade ao abate. Também se destacam as indústrias que modernizaram suas instalações e transformam os matadouros em indústrias produtoras de carne (SANTOS et al., 1999). Na cadeia de carne bovina, Rondônia destaca-se no contexto brasileiro por possuir o sétimo (7º) maior Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 rebanho do País com produção crescente (IBGE, 2009). Segundo Grecellé (2008), Rondônia destacou-se com o maior crescimento em efetivo bovino (292%) no período de 1996-2006. Com o constante crescimento no consumo de carne bovina e com um mercado consumidor cada vez mais exigente, faz-se necessário o controle de doenças infectocontagiosas, tendo os matadouros frigoríficos papel importante na detecção dessas patologias. Diversas são as doenças que acometem bovinos e causam perdas econômicas. Dentre elas, destaca-se a cisticercose, apresentando a maior 51 PINTO, P.S.A. suplemento científico Cistos presentes na musculatura. percentagem entre as demais enfermidades (SILVA et al., 2003; NUNES, 2008). Segundo Costa (2006), dados registrados pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) pelos registros do Serviço de Inspeção Federal (SIF), a cisticercose bovina tem se apresentado como a lesão de maior ocorrência no exame post morten, razão pela qual merece ser observada pelos órgãos de fiscalização com atenção especial. A cisticercose bovina é uma doença de caráter zoonótica, transmitida pelos ovos da Taenia saginata (NAVARRO, 2012). Esse parasita tem como hospedeiro intermediário os bovinos (FERNANDES et al., 2002; CARDOSO et al., 2008) e, como hospedeiro definitivo, o homem, causando a doença conhecida como “solitária” (NAVARRO, 2012). A transmissão ocorre quando os bovinos ingerem pastagem e água contaminadas com os ovos da espécie Cysticercus bovis, que é a forma infectante da T. Saginata em sua fase larval. A água e o solo são contaminados com as proglotes liberadas nas fezes humanas que eclodem e liberam os ovos (PEREIRA et al., 2006; NUNES, 2008). O ciclo é concluído quando o homem ingere a carne bovina mal cozida infectada (PFUETZENREITER et al., 2000). A cisticercose atinge principalmente as classes com menor poder aquisitivo, e sua ocorrência é caracterizada por falta de higiene humana e deficiência no saneamento básico rural, com consequente contaminação ambiental (MEDEIROS et al., 2008; SANTOS, 2008). Segundo Pereira et al. (2006), essa enfermidade é subdiagnosticada por passar despercebida aos olhos do criador e dos profissionais da área técnica, que não detectam os sinais da doença no animal, não realizando, assim, o tratamento, medidas preventivas e/ ou profiláticas. Os casos de cisticercose em bovinos são identificados no matadouro frigorífico durante a inspeção das carcaças, que é a medida mais relevante para identificação e prevenção. Apesar 52 das limitações, a inspeção identifica de forma considerável as carcaças com infestações, e serve como advertência precoce da infecção em uma comunidade (BORBA et al., 2004; SOUZA et al., 2007). Os cisticercos tendem a localizar-se em músculos ricos em suprimento de mioglobina, onde ocorre melhor oxigenação do tecido (GALVÃO, 2008). A legislação vigente preconiza que órgãos a serem inspecionados são: músculo masséter, músculo pterigóide, língua, coração, diafragma e seus pilares, por serem esses os principais órgãos infectados (MANNIGEL et al., 2002; FALAVIGNA et al., 2006; SOUZA et al., 2007; SANTOS et al., 2008). Em decorrência da impossibilidade do descarte de todas as carcaças parasitadas, os critérios de destino são fundamentados no seu grau de infecção. As carcaças com cisticerco calcificado podem ser destinadas à salsicharia. No caso de pequenas infecções de cisticercos vivos, a carne pode ser aproveitada condicionalmente pela salga. Já na carcaça com infecção intensa ocorre a rejeição total (PFUETZENREITER et al., 2000; SILVA et al., 2003; MEDEIROS et al., 2008). MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi conduzido em um matadouro frigorífico, sob inspeção federal, no município de Rolim de Moura, estado de Rondônia, pela coleta de dados retroativos das condenações de carcaças por cisticercose referentes ao período de maio de 2010 a abril de 2011. O abate nesse estabelecimento era predominantemente de bovinos, realizado seis vezes por semana, com média de 500 a 600 animais por dia, provenientes de 28 municípios do estado de Rondônia. O diagnóstico da cisticercose foi obtido por inspeção visual (macroscópica) das carcaças e vísceras, como preconizados pelo Decreto Federal nº 361 de 29/3/1952 (RIISPOA). O cisticerco é visto como uma vesícula translúcida, ovóide ou alongada, com coloração branca acinzentada, repleta de líquido translúcido (GALVÃO, 2008). Os cistos, indicadores de cisticercose, foram identificados pelo técnico de serviço da inspeção federal (SIF), com base em características morfológicas previamente padronizadas, e confirmadas pelo Médico Veterinário da inspeção. O diagnóstico dos Cysticercus bovis, durante a inspeção das carcaças, foi realizado pela inspeção rotineira e sistemática da musculatura cardíaca, músculo masséter, músculo pterigóide, língua e diafragma como preconizado pela legislação vigente (BRASIL, 1997). No caso de identificação dos cistos, Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 0,018% dos casos positivos. Nos meses de maio, junho, julho e novembro de 2010 não foi encontrado nenhum caso durante a inspeção. Essa variação pode estar relacionada com o ciclo biológico do parasita. Também foi observado que a forma viva da cisticercose (n=10) é predominante em relação aos cistos calcificados (n=2), semelhante ao observado por Morais et al. (2009), Santos et al. (2008) e Vollkopfý et al. (2008). Esses valores representam a prevalência de cisticercose entre os 28 municípios de origem dos animais Gráfico 1. Percentagem das condenações de carcaças em abate normal e emergencial no período de avaliados. Todos os municípios estão maio de 2010 a abril de 2011, Rolim de Moura – Rondônia. localizados na região Sul do Estado. era inspecionada toda a musculatura esquelética Atualmente, Rondônia possui 53 muniminuciosamente. Foi considerado como portador cípios, sendo este valor de 0,009% representativo dessa zoonose o animal que, durante o abate, aprede 52,83% do território rondoniense. Portanto, O valor apresentado é referente à região Sul do estasentou as alterações descritas anteriormente em do e não é válido para todo o território. uma das musculaturas, caracterizada pelo aspecto A prevalência de cisticercose apresentada morfológico como Cysticercus bovis. neste estudo, quando comparada a outros estaRESULTADOS E DISCUSSÃO dos, revelou um menor valor. Pesquisas realizadas No período de maio de 2010 a abril de 2011 nos estados como Alagoas (OLIVEIRA et al., 2011), foram abatidos cento e vinte e três mil setecentos Bahia (ALMEIDA et al., 2006) Rio de Janeiro (PEREIe sessenta e um bovinos (123.761). A principal RA, 2006), São Paulo (MANHOSO e PRATA, 2004), patologia observada foi cisticercose (Gráfico 1) obMato Grosso do Sul (VOLLKOPFÝ et al., 2008), Mato servada em doze animais (12), representando uma Grosso (SCHEIN et al., 2004), Santa Catarina (NUNES, prevalência de 0,009% (Tabela 1). O diagnóstico 2008), Paraná (SOUZA et al., 2007) e Rio Grande do foi baseado nas lesões macroscópicas compatíveis Sul (CORRÊA et al., 1997) demonstraram prevalência com o Cysticercus bovis. entre 0,16% a 9,73% (Tabela 2). Por meio da análise da Tabela 1, pode ser obO índice de cisticercose bovina aceitável para servado que o mês de março de 2011 apresentou países em desenvolvimento está em torno 1% até 3% maior prevalência de animais acometidos com (BARSZCZ et al., 2008). Nossos resultados demonsTabela 1. Prevalência de cisticercose em bovinos abatidos em frigorífico sob inspeção federal no período de maio de 2010 a abril de 2011. Rolim de Moura, Rondônia. MESES DO ANO MAI/10 JUN/10 JUL/10 AGO/10 SET/10 OUT/10 NOV/10 DEZ/10 JAN/11 FEV/11 MAR/11 ABR/11 TOTAL ANIMAIS ABATIDOS ANIMAIS ACOMETIDOS 2.163 5.210 8.096 9.143 9.862 8.358 10.646 13.854 13.950 14.738 15.810 11.931 123.761 1 1 1 1 1 2 3 2 12 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 ESTÁGIO LARVAR CISTOS VIVOS 1 1 1 1 2 2 2 10 CISTOS CALCIFICADOS 1 1 2 PREVALÊNCIA % 0 0 0 0,010 0,010 0,011 0 0,007 0,007 0,013 0,018 0,016 0,009 53 suplemento científico Tabela 2. Prevalência de cisticercose em bovinos abatidos por estado, segundo autor e período analisado. ESTADO Alagoas Bahia Mato Grosso Mato Grosso do Sul Minas Gerais Paraná Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Rondônia Santa Catarina São Paulo AUTOR/ANO Oliveira et al., 2011 Almeida et al., 2006 Schein et al., 2004 Vollkopf et al., 2008 Moreira et al., 2002 Souza et al., 2007 Pereira, 2006 Corrêa et al., 1997 Barszcz et al., 2008 Nunes et al., 2008 Manhoso e Prata, 2008 tram que a região Sul de Rondônia destaca-se dos outros estados nacionais, estando abaixo desse índice (Tabela 1). Segundo Vollkopfý et al. (2008), a explicação para estados com baixos níveis de cisticercose bovina pode ser devido à forma de produção extensiva, contrapondo as regiões em que os animais são criados em confinamento. Um levantamento realizado, no mesmo frigorífico, entre janeiro de 2005 a fevereiro de 2007, foi relatada prevalência de 0,03% de cisticercose bovina (BARSZCZ et al., 2008), valor pouco superior ao encontrado no presente estudo. Essa variação pode sugerir um avanço nas medidas preventivas dessa doença no estado ou pode ter sido alterada pela variação nos municípios de onde foram provenientes os animais abatidos. Diferenças na prevalência de cisticercose foram relatadas entre municípios no estado do Rio de Janeiro, evidenciado na pesquisa realizada por Pereira et al. (2006), que obteve prevalência 1,95% no município do Rio de Janeiro, contrapos- PERÍODO ANALISADO 2000-2005 2005 1996-2000 2007 1997-1999 2000 1997-2003 1996 2005-2007 2006 1999-2001 PREVALÊNCIA (%) 0,32% - 0,65% 4,2% 0,69% 0,16% 7,0% 3,83% 1,58 - 2,09% 4,63% 0,03% 1,4 % 9,73% to à Costa (2003), que obteve prevalência de 10% no município de Nova Friburgo. Mesmo que os índices apresentem-se baixos, são necessárias medidas profiláticas, possibilitando que a doença passe a ser extinta no estado, reduzindo, assim, as perdas econômicas na produção de carne. Para isso, é necessária a conscientização da população quanto às medidas de higiene. Também é necessária a conscientização dos produtores quanto aos cuidados sanitários do rebanho e que seja realizada a vermifugação dos animais periodicamente, proporcionando menor risco à saúde pública e diminuindo prejuízos na cadeia produtiva da pecuária. CONCLUSÃO Durante o período avaliado, constatou-se que a cisticercose acomete animais de produção na região sul do estado, com índices de pre valência abaixo da média brasileira. Rondônia encontra-se em níveis desejados para países em desenvolvimento. Referências Bibliográficas ALMEIDA, L. P.; IGREJA, H. P., ALVES, F. M. X., SANTOS, I. F.; TRORELLY, R. Cisticercose bovina em matadouro-frigorífico sob inspeção sanitária no município de Teixeira de Freitas-BA: prevalência da enfermidade e análise anatomopatológica de diagnóstico sugestivo de cisticercose. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, v. 13, n. 3, p. 178-182, 2006. BARSZCZ, A. M.; CANABARRO, A. R.; BONFIM, D. S.; FAZOLLO, A. F.; SCHONS, S. 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MSc, docente do Centro Universitário Luterado de Ji-Paraná. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 55 suplemento científico Normas para apresentação de Artigos Informações Gerais O Suplemento Científico da Revista do CFMV tem como objetivo a publicação de artigos de investigação científica, de revisão e de educação continuada, básica, e profissionalizante, que contribuam para o desenvolvimento da ciência nas áreas de Medicina Veterinária e de Zootecnia. A publicação do artigo dependerá da sua apresentação dentro das Normas Editoriais e de pareceres favoráveis. Os pareceres ad hoc terão caráter sigiloso e imparcial. A periodicidade da publicação será quadrimestral. Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão(ões), Referências Bibliográficas e, quando houver, Agradecimentos, Tabela(s), Quadro(s) e Figura(s). A critério do(s) autor(es), os itens Resultados e Discussão poderão ser apresentados como uma única seção. Quando a pesquisa envolver a utilização de animais, os princípios éticos de experimentação animal preconizados pelo Conselho Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea) e aqueles contidos no Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, e na Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979, devem ser observados. Também deve ser observado o disposto na Resolução CFMV nº 879, de fevereiro de 2008, ou naquela que a substituir. A inscrição e tramitação é exclusivamente eletrônica em www.cfmv.gov.br Normas Editoriais Os textos de revisão, de educação continuada e científicos devem ser de primeira submissão, escritos segundo as normas ortográficas oficiais da língua portuguesa e com abreviaturas consagradas, exceto o Abstract e Keywords, que serão apresentados em inglês. Assim como uma versão do título. Artigos de Revisão e de Educação Continuada Os artigos de revisão e de educação continuada devem ser estruturados para conter Resumo, Abstract, Palavras-chave, Keywords, Referências Bibliográficas e Agradecimentos (quando houver). A divisão e subtítulos do texto principal ficarão a cargo do(s) autor(es). Artigos Científicos Os artigos científicos deverão conter dados conclusivos de uma pesquisa e conter Resumo, Abstract, Palavras-chave, Keywords, Introdução, Material e Apresentação Os manuscritos encaminhados deverão estar digitados com o uso do editor de textos Microsoft Word for Windows (versão 6.0 ou superior), no formato A4 (21,0 x 29,7), com espaço simples, com margens laterais de 3,0cm e margens superior e inferior de 2,5cm, na fonte Times New Roman de 16 cpi para o título, 12 cpi para o texto e 9 cpi para rodapé e informações de tabelas, quadros e figuras. O artigo completo deverá ter no máximo 12 páginas. Título O título do artigo, com 15 palavras no máximo, deverá ser escrito em negrito e centralizado na página, sem utilizar abreviaturas. A versão na língua inglesa deverá anteceder o Abstract. Autores Citar respectivos registros em conselhos de classe à excessão de alunos de graduação. Resumo e Abstract O Resumo e sua tradução para o inglês, o Abstract, não podem ultrapassar 250 palavras, com in- TRAMITAÇÃO ELETRÔNICA O envio de artigos ficou mais fácil, ágil e transparente. Acesse www.cfmv.gov.br 56 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 formações que informem o objetivo, a metodologia aplicada, os resultados principais e as conclusões. Palavras-chave e Keywords No máximo cinco palavras serão representadas em seguida ao Resumo e Abstract. As palavras serão escolhidas do texto e não necessariamente do título. Texto Principal Deverá ser apresentado em espaço simples, fonte Times New Roman 12. Poderão ser utilizadas abreviaturas consagradas pelo Sistema Métrico Internacional, por exemplo, kg, g, cm, ml, EM etc. Quando for o caso, abreviaturas não usuais serão apresentadas como nota de rodapé. Exemplo, GH = hormônio do crescimento. As citações bibliográficas do texto devem ser pelo sobrenome do(s) autor(es) seguido do ano. Quando houver mais de dois autores, somente o sobrenome do primeiro será citado, seguido da expressão et al. Exemplos: Rodrigues (1999), (Rodrigues, 1999), Silva e Santos (2000), (Silva e Santos, 2000), Gonçalves et al. (1998), (Gonçalves et al., 1998). Referências Bibliográficas A lista de referências bibliográficas será apresentada em ordem alfabética por sobrenome de autores, de acordo com a norma ABNT/NBR-6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Inicia-se a referência com o último sobrenome do(s) autor(es) seguido da(s) letra(s) inicial(is) do(s) prenome(s), exceto nos nomes de origem espanhola ou de dupla entrada, os quais devem ser registrados pelos dois últimos sobrenomes. Todos os autores devem ser citados. Obras anônimas têm sua entrada pelo título do artigo ou pela entidade responsável por sua publicação. A referência deve ser alinhada pela esquerda e a segunda linha iniciada abaixo do primeiro caractere da primeira linha. Os títulos de periódicos da referência podem ser abreviados, segundo a notação do BIOSES *BIOSIS. Serial sources for the BIOSIS previews database. Philadelphia, 1996, 486p. Abaixo são apresentados alguns exemplos de referências bibliográficas. Artigo de periódico EUCLIDES FILHO, K.; V.P.B.; FIGUEIREDO, M.P. Avaliação de animais nelore e seus mestiços com charolês, fleckvieh e chianina, em três dietas 1. Ganho de peso e conversão alimentar. Revista Brasileira de Zootecnia, v.26, n.1, p.66-72, 1997. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Livros MACARI, M.; FURLAN, R.L.; GONZALES, E. Fisiologia aviária aplicada a frangos de corte. Jaboticabal: Funep, 1994. 296p. Capítulos de livro WEEKES, T.E.C Insulin and growyh. In: Buttery, P.J.; LINDSAY, D.B.; HAYNES, N.B. (ed). Control and manipulation of animal growth. Londres: Butterworths, 1986. p.187-206. Teses (doutorado) ou dissertações (mestrado) MARTINEZ, F. Ação de desinfetantes sobre salmonella na presença de matéria orgânica. Jaboticabal, 1998. 53p. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Ciências Agrárias eVeterinárias. Universidade Estadual Paulista. Artigos apresentados em congressos, reuniões e seminários RAHAL, S.S.; W.H.; TEIXEIRA, E.M.S. Uso de fluoresceina na identificação dos vasos linfáticos superficiais das glândulas mamárias em cadelas. In. CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 23 Recife, 1994. Anais... Recife, SPEMVE, 1994. p.19. Tabelas, Quadros e Ilustrações As tabelas, quadros e ilustrações (gráficos, fotografias, desenhos etc.) podem ser apresentados no corpo do artigo. Uma em cada página. Serão numerados consecutivamente com números arábicos. A tabela deve ter sua estrutura construída segundo as normas de Apresentação Tabular do Conselho Nacional de Estatística (Rev. Bras. Est. v. 24, p.42-60, 1963). Fotografias As fotografias deverão estar em boa resolução (nítida, colorido sem saturação, sem estouro de luz ou sombras excessivas), com resolução mínima de 300 dpi, com a foto em tamanho grande (centímetros), formato TIF e as cores em CMYK. Se possível, também devem ser enviadas em arquivos separados (JPEG). Ao enviá-las, o autor automaticamente autoriza sua inclusão no banco de imagens do CFMV, com o devido crédito. Avaliações/Revisões Os artigos sofrerão as seguintes avaliações/revisões antes da publicação: 1) avaliação inicial pelo editor; 2) revisão técnica por consultor ad hoc; 3) avaliação do editor e/ou Comitê Editorial. 57 Reprodução Animal Sexagem Fetal em Bovinos por Ultrassonografia A tecnologia utilizada para sexagem fetal fornece informações precoces referentes à confirmação da prenhez e ao sexo do feto com até 100% de acurácia (LAMB e FRICKE, 2008). Além disso, contribui para a eficiência reprodutiva melhorando o desempenho produtivo e a lucratividade dos rebanhos bovinos (SCARCELLI et al., 2004), pois permite a concentração de maior número de machos destinados à produção de carne, maior número de fêmeas, produtoras de leite e bovinos de corte para criação de animais elite. REVISÃO DE LITERATURA A determinação do sexo fetal pode ser realizada por meio da técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) ou pelo uso do aparelho de ultrassonografia. O PCR determina o sexo fetal a partir do DNA fetal isolado do plasma materno, sendo uma forma sensível e eficaz (Da CRUZ et al., 2010). A identificação do sexo fetal por meio da ultrasonografia vem sendo praticada há alguns anos, em bovinos e equinos. Segundo Fernandes (2006) é uma técnica não invasiva, de execução rápida, pouco traumática para os animais gestantes e principalmente para o feto examinado. 58 Durante o exame é necessária a visualização do tubérculo genital (TG), estrutura responsável pela formação do clitóris nas fêmeas e do pênis nos machos (FERNANDES, 2006), que se apresenta de forma altamente brilhante, ecogênica (BARUFI e MIZUTA, 2000) e bilobulada, localizando-se inicialmente sobre a linha média, entre os membros posteriores. Pode ser detectado aos 50 dias de gestação, porém com essa idade ainda acontece sua migração, não sendo possível, ainda, detectar o sexo masculino ou feminino (FERNANDES, 2006). Entre 55 e 90 dias de gestação é possível observar a diferenciação dos sexos, pois nas fêmeas ocorre a migração do TG para uma pequena distância em sentido ventral à base da cauda e, no macho, o tubérculo genital migra em uma distância maior em sentido anterior, e imediatamente posterior ao cordão umbilical (GONÇALVES et al., 2008). Curran et al. (1989) preconizam o aparelho de ultrassom de modo B, com um transdutor entre 5 e 7 MHZ (evitando cortes profundos). O reto deve ser evacuado, o transdutor é introduzido e conduzido protegido abaixo da palma da mão até o corno gestante. Na sequência, o transdutor fará um mapeamento dorsal da região, nos sentidos longitudinais, transversais e per pendiculares. A referência, no feto, passa a ser a região Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Arquivo do Autor Figura 1. Tubérculo genital nas proximidades da inserção do cordão umbilical no abdomem. A) Figura macroscópica indicando o tubérculo genital no feto (Círculo verde) B) Tubérculo genital caudalmente ao cordão umbilical, em imagem de ultrassonografia (círculo verde). umbilical e a inserção do cordão para, assim, poder determinar o sexo fetal. A detecção do TG masculino é mais fácil quando comparada ao feminino, contudo, quando não se observa o tubérculo posterior ao cordão umbilical, não se deve afirmar que o feto é fêmea. Na interpretação da imagem, observa-se que a cauda é uma estrutura monolobular, enquanto o TG se apresenta de forma bilobulada (BARUFI e MIZUTA, 2000). Mello (2003) descreve que além da localização do TG, o posicionamento do feto também pode interferir na técnica de sexagem, tornando-se difícil a identificação do tubérculo em secções longitudinais do feto. Já em imagens latero-laterais e imagens em corte sagital, a morfologia bilobulada apresenta se mais distinta. Para orientação do operador, o primeiro passo é a identificação da face anterior do feto, por meio da visualização do coração pulsante ou da cabeça do feto. Após esta identificação, realiza-se a progressão em sentido posterior, até que o cordão umbilical seja visto penetrando no abdômen, observando atrás deste, a presença (macho) ou ausência (possivelmente fêmea) do TG (MELLO, 2003). Em uma abordagem longitudinal, a identificação da estrutura torna-se mais difícil, mas ao rotacionar o transdutor em 90º é possível observar uma visão sagital. Ambas as áreas, atrás do cordão umbilical e sob a cauda, devem ser examinadas para confirmação da presença ou ausência do TG (FERNANDES, 2006). Três locais formadores de imagem devem ser examinados: adjacente ao umbigo/abdômen, entre os membros pélvicos e na porção ventral da cauda [possível tubérculo genital feminino] (LAMB e FRICKE, 2008). Segundo Campos (1993), a eficácia desta técnica está em torno de 100% e é dependente da habilidade e experiência do operador. merciais. Do total examinado, 22 obtiveram prenhez positiva para fêmea e 12 para macho. A transferência de embriões foi realizada em propriedade localizada na cidade de Uberaba-MG. Os embriões pertenciam a touros e vacas elites e foram transferidos em vários estágios de maturação. Vacas, após seis dias de ovulação, recebiam embriões no estágio de mórula, com oito dias blastocisto inicial e, com mais de oito dias, blastocisto, seguindo o critério descrito por Jainudeen et al. (2004). As receptoras, sem padrão racial definido e com idade entre dois e três anos, foram submetidas a exames clínico-sanitários e de condição corporal, conforme critérios definidos por De Grossi (2003) e Franco et al. (2004). A confirmação de prenhez viável foi feita por meio de exame de utrassonografia, aos 55 dias após a transferência de embrião, e foi considerada positiva quando identificada a presença do feto e dos batimentos cardíacos. Nessa ocasião, não foi possível verificar o sexo fetal. Aos 60 dias de gestação, as vacas foram submetidas à técnica de sexagem fetal, com o auxílio do aparelho de ultra-som de modo B, 7,5 MHz e probe de arranjo linear. Fernandes (2006) cita que a sexagem fetal pode ser feita até o 90º dia de gestação, porém, Barros e Visintin (2001) relataram que aos 70 dias já existe grande dificuldade em observar o TG, que pode ser confundido com estruturas como os ossos. Também, o feto já está maior, com movimentação diminuída, deslocado para a cavidade abdominal e, com o avançar da gestação, a visualização da inserção do cordão e do tubérculo estará dificultada, podendo haver erros de diagnóstico. Após identificar o feto, foi examinado o local de inserção do cordão umbilical, em busca do tubérculo genital. Quando localizado atrás do cordão umbilical, caracterizava feto macho (Figura 1). Caso o tubérculo não fosse identificado na inserção do cordão, a probe era manuseada em sentindo da cauda do feto e a presença do TG definia o sexo fêmea para o feto (Figura 2). RELATO DE CASO Foram identificados o sexo de produto oriundo de 34 receptoras de embrião bovino, com objetivo de separação de gestação de fêmeas para fins coRevista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Figura 2: Tubérculo genital nas proximidades da base da cauda. A) Figura macroscópica indicando o tubérculo genital no feto (círculo verde) B- Tubérculo genital crânio-caudal a cauda, em imagem de ultrassonografia (círculo verde). 59 Reprodução Animal O posicionamento do feto no útero foi importante. Em algumas vacas ele se encontrava na posição longitudinal, dificultando o diagnóstico, sendo necessário realizar a rotação da probe em 90º, permitindo visualizar o feto na posição sagital. Porém, independentemente da posição que o feto estava foi feita mais de uma imagem para que a acurácia do exame fosse de 100%. CONSIDERAÇÕES FINAIS A técnica de sexagem fetal, mesmo possuindo eficácia de 100%, possui como restrições a necessidade de habilidade e o custo dos equipamentos. Porém, a identificação do sexo fetal em bovinos é de extrema importância para a valorização do produto e do plantel. Referências Bibliográficas B A R R O S , B . J . P. ; VI S I N T I N , J . A . Co n t ro l e u l t r a - s o n o g r á f i c o d e gestações, de mortalidades embrionárias e fetais e do sexo de fetos bovinos zebuínos. Brazilian Journal Veterinary Research and Animal Science v.38,n.2, p.74-79, 2001. BARUFI, F.; MIZUTA, K. Aplicações clínicas da ultra-sonografia reprodutiva bovina. 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Ludmila Souza Fernandes Médica Veterinária, CRMV-MG 11443, docente, Facisa-Univiçosa, MG Giancarlo Magalhães dos Santos Médico Veterinário, CRMV-MG 11005, docente, Facisa-Univiçosa, MG 60 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Nutrição TRATAMENTO DIETÉTICO EM CÃES CARDIOPATAS Arquivo do autor Além de novos medicamentos, avanços recentes têm ampliado a compreensão da necessidade de intervenções nutricionais e farmacológicas em portadores de patologias cardíacas. O tratamento dietético tem como finalidade dar condições para que o sistema cardiovascular mantenha o suprimento de oxigênio e nutrientes para os tecidos corpóreos em níveis adequados (ETTINGER e FELDMAN, 2008). Os objetivos da nutrição já não estão limitados ao baixo teor de sódio na dieta. Pesquisas têm mostrado que outros nutrientes como a taurina, a arginina, vitaminas e sais minerais, além de nutrientes especiais tais como L-carnitina, coenzima Q10, podem ser complemento importante à terapia médica (PIBOT et al., 2008). As doenças cardíacas aparecem em diferentes tipos, sua severidade varia de animal para animal e existem diferenças inerentes ao indivíduo. Portanto, a terapia deve ser individual quando se refere à indicação de restrições de nutrientes ou à suplementação alimentar. Sendo assim, animais cardiopatas devem ser mantidos no peso ideal, a fim de obter meRevista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 nor trabalho cardíaco e contribuir com sua qualidade de vida (ETTINGER e FELDMAN, 2008). SISTEMA CARDIOVASCULAR Nas alterações miocárdicas, o inotropismo negativo limita a capacidade do coração manter débito cardíaco, pressão arterial e fluxo sanguíneo em padrões de normalidade (CUNNINGHAM, 2002; ETTINGER e FELDMAN, 2008). Cerca de 33% dos cães com 13 anos de idade ou mais, têm alguma forma de cardiopatia (GOLDSTON e HOSKINS, 1999). Entre os mecanismos adaptativos que agem para manter a preservação do débito cardíaco estão os sistemas nervoso simpático e renina-angiotensinaaldosterona, que atuam na tentativa de aumentar o débito cardíaco e concomitantemente a pressão arterial (CUNNINGHAM, 2002). Assim, ocorre a liberação da aldoresterona que é um hormônio antidiurético, cuja função é reter sódio e água nos rins, aumentando a volemia. A vasopressina ou ADH é liberada na região da neuro-hipófise e potencializará o efeito da aldosterona (CUNNINGHAM, 2002). 61 Nutrição Em situações crônicas, os efeitos são insuficientes e, muitas vezes, a estimulação continuada determina deterioração da função cardíaca. Também, a constante redução do fluxo sanguíneo resulta na diminuição do aporte de nutrientes necessários para o turnover protéico e a renovação tissular (ETTINGER e FELDMAN, 2008). CAQUEXIA CARDÍACA A caquexia cardíaca é um estado catabólico comum nas fases mais avançadas das cardiopatias, definido como perda de peso, não intencional, envolvendo mais de 10% da massa muscular (Quadro 1). É notada, principalmente, quando há equilíbrio nitrogenado e energético negativo decorrente de ingestão alimentar inadequada, perda excessiva de energia ou metabolismo alterado (BELERENIAN et al., 2001; ETTINGER e FELDMAN, 2008). Com a ingestão de calorias insuficientes, o organismo inicialmente irá utilizar aminoácidos gerados pelo catabolismo da massa corporal magra. Este processo, ao se tornar constante, inicia o metabolismo da gordura, a fim de preservar a massa corporal magra. Porém, os animais cardiopatas não conseguem realizar essa mudança adaptativa para a utilização da gordura corporal e continuam o catabolismo da massa corporal magra (BELERENIAN et al., 2001; FREEMAN, 2008). Quadro 1. Fatores que contribuem para perda da massa corporal em cães cardiopatas. • carga de trabalho aumentada (dispneia e taquipneia) sobre músculos da respiração; • ingestão de energia inadequada; • falta de apetite até anorexia que pode ser induzida pela terapia instituída; • hipóxia celular ocasionada pelo baixo débito cardíaco e má perfusão periférica; • hipermetabolismo ocasionado por maior demanda energética dos tecidos cardíacos e pulmonares; • congestão em vísceras abdominais ocasionada pela evolução da doença ou por compressão devido à ascite. Adaptado de Belerenian et al., 2001 Nota-se também má-absorção consequente da insuficiência da perfusão sanguínea e posterior atrofia das vilosidades intestinais (BELERENIAN et al., 2001). A presença de mediadores inflamatórios como citocinas, fator alfa de necrose tumoral e inter- 62 leucina-1 influenciam o surgimento de caquexia cardíaca, causando diretamente a anorexia, a fim de aumentar a disponibilidade de energia e, concomitantemente, provoca perda de massa corporal magra (FREEMAN, 2008). O reconhecimento dos estágios iniciais da caquexia cardíaca é importante para sua reversão (FREEMAN, 2008). A terapia nutricional baseia-se na estimulação do apetite a fim de combater a anorexia e a desnutrição. Para reduzir a produção e os efeitos dos mediadores inflamatórios recomenda-se a suplementação com ácidos graxos Ômega 3 poli-insaturados (ETTINGER e FELDMAN, 2008; FREEMAN, 2008). OBESIDADE Estimativas apontam a obesidade como a doença nutricional mais comum em cães: 25% a 35% apresentam sobrepeso ou são obesos. Na gênese da afecção estão fatores genéticos, sociais, culturais, metabólicos e endócrinos. Todos produzem um desequilíbrio entre o consumo e o gasto energético, que conduz a um balanço energético positivo acumulado na forma de gordura, determinando ganho de peso e mudanças na composição corporal (GONÇALVES, 2006). Em cães obesos há predisposição ao desenvolvimento de arritmias em diferentes graus, sobrecarga ventricular; volume plasmático e extracelular aumentados, ativação neuro-humoral aumentada, excreção de sódio e água urinário reduzida, frequência cardíaca aumentada, disfunção sistólica e diastólica, intolerância a exercício e irregularidades da pressão arterial (BELERENIAN et al., 2001). Com o aumento da massa corporal, haverá incremento do trabalho cardíaco que produzirá esforço adicional no coração já debilitado pela infiltração de gorduras, contribuindo para a progressão da doença (GUIMARÃES e TUDURY, 2006). Alimentos destinados à perda de peso são caracterizados pela baixa densidade energética, concentrações mais elevadas de proteínas e fibras alimentares, utilização de amido de assimilação lenta e incremento de vitaminas e minerais. Com isto, objetiva-se aumentar a ingestão de matéria seca, promovendo um estímulo mais eficaz de saciedade, sem a elevação concomitante da ingestão calórica e mantendo, ao mesmo tempo, a ingestão dos nutrientes não calóricos, de modo a permitir funcionamento adequado das atividades orgânicas. No entanto, deve-se ter cuidado, pois a perda de peso progressiva pode evoluir para caquexia (GONÇALVES, 2006). Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 NECESSIDADES DE MACRONUTRIENTES Carboidratos A recomendação de carboidratos situa-se em 50% do valor calórico da dieta. Nos casos de retenção de dióxido de carbono, aumentada na má ventilação, a redução no percentual de carboidratos estará indicada (MAGNONI e CUKER, 2002). Estudos preconizam dietas com baixos níveis de carboidratos, aumentando o percentual de participação lipídica e protéica. A presença de mono, di e polissacarídeos deve ser observada, alterando-se a proporção na dieta de acordo com a presença ou não de doenças associadas (MAGNONI e CUKER, 2002). A oferta de fibras é indispensável para os animais cardiopatas, pois além de auxiliarem na excreção de colesterol, também regulam o funcionamento intestinal, evitando a obstipação que poderá alterar o ritmo cardíaco (MAGNONI e CUKER, 2002). Proteínas Taurina A taurina é um aminoácido sulfurado particular, isto é, não está associada a outros aminoácidos para formar proteínas, permanecendo sob forma livre (CARVALHO, 2005). Nos cães, a taurina pode ser sintetizada no fígado a partir de dois aminoácidos sulfurados, a cisteína e a metionina, portanto não é um aminoácido indispensável na dieta (CARVALHO, 2005). A taurina é essencial para a contração do músculo cardíaco; é um agente osmorregulador que desempenha papel antiarrítmico. Protege os miócitos contra os efeitos do excesso de cálcio. Age também na preservação da integridade das células do músculo cardíaco, prevenindo a hipertrofia induzida pela angiotensina II, in vitro. Também colabora na eliminação de radicais livres, sendo conhecida por sua atividade antioxidante (ETTINGER e FELDMAN, 2008; PIBOT et al., 2008). Apesar de trabalhos evidenciarem que na cardiomiopatia dilatada o teor plasmático de taurina estava baixo, nem sempre isto ocorrerá em associação com esta patologia (BELERENIAN, 2001). Contudo, a suplementação por via oral de 250 a 500 mg de taurina por animal a cada 12 horas, diariamente, pode ter efeito positivo (ETTINGER e FELDMAN, 2008). Carnitina A L-carnitina é responsável pelo transporte de ácidos graxos de cadeia longa pela membrana das Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 mitocôndrias, onde serão oxidados para geração de energia. É sintetizada no fígado e nos rins por meio de dois aminoácidos essenciais: lisina e metionina, em processo dependente das vitaminas hidrossolúveis, ascorbato, niacina, piridoxina e do íon ferroso (BORGES et al., 2003; FREEMAN, 2008). A L-carnitina concentra-se nas células musculares cardíacas e esqueléticas e desempenha papel essencial no transporte de metabólitos tóxicos para fora da mitocôndria, por meio das enzimas que transportam ácidos graxos de cadeia longa do citosol, que é fonte importante de energia para o coração. Este aminoácido possui ações de cardioproteção perante hipóxia e estresse oxidativo. Tem função de sequestrar radicais livres; aumenta a função contrátil do coração; diminui as concentrações de LDL e aumenta a fração de HDL circulantes; diminui a produção de ácido láctico na musculatura; conserva a massa muscular e favorece a perda de peso; diminui a peroxidação lipídica, pois diminui o substrato disponível; inibe o ferro, catalisador da produção de radicais; aumenta o teor de vitamina C, pois como a vitamina C participa da síntese da L-carnitina, essa vitamina é “economizada” e aumenta o teor de vitamina E devido à diminuição do estresse oxidativo (BORGES et al., 2003; ETTINGER e FELDMAN, 2008; RODRIGUES, 2008). A suplementação de carnitina, 10-20 mg/kg três vezes ao dia, por via oral, é recomendada, pois pode melhorar o desempenho energético/metabólico dos cardiomiócitos e das células musculares esqueléticas (GOLDSTON e HOSKINS, 1999; ETTINGER e FELDMAN, 2008). Arginina A arginina é um precursor do óxido nítrico (NO), que foi identificado como um fator de relaxamento do músculo liso dos vasos sanguíneos (MAGNONI e CUKIER, 2002). Tem por funções inibir a agregação e adesão plaquetárias, bem como do sistema reninaangiotensina-aldosterona, diminuição da proliferação vascular em músculos lisos e mantém o tônus vasodilatador normal. A dieta é a principal fonte para o organismo, uma vez que as quantidades necessárias não podem ser sintetizadas de forma endógena (MAGNONI e CUKIER, 2002). No entanto, o uso de arginina por via oral determina irritação gástrica, emese e diarreia, possivelmente pelo excesso de produção do NO no trato gastrintestinal e pela disfunção na absorção intestinal de outros aminoácidos. A alternativa é a administração de L-citrulina, potente precursor da síntese 63 Nutrição Arquivo CFMV Monitoramento de cão cardiopata. de L-arginina. Como um aminoácido neutro, a Lcitrulina não compete com aminoácidos básicos e sua administração não requer HCL equimolar. Sendo assim, a administração de L-citrulina por via enteral ou parenteral pode ser útil para animais cardiopatas. Todavia, serão necessários maiores estudos para avaliar a real eficácia da administração de arginina ou L-citrulina na reversão da disfunção cardiovascular (PIBOT et al., 2008). Lipídeos Apesar do papel importante no metabolismo, o consumo excessivo de determinados tipos de gordura pode favorecer o aparecimento de doenças cardiovasculares e a obesidade (MAGNONI e CUKIER, 2002). Os ácidos graxos podem ser divididos em dois grupos, ômega 3 e 6. Os ácidos graxos da série 6 são: ácido cis-linoleico; gama-linolênico; dihomo-gamalinolênico; araquidônico. E os da série 3 são: alfalinolênico; eicosapentaenoico; docosahexaenoico (BORGES et al., 2003). Os ácidos graxos não são sintetizados por cães, e como são imprescindíveis devem ser ingeridos na dieta (PIBOT et al., 2008). Podem diminuir a produção de citocinas inflamatórias, fator de necrose tumoral alfa e Interleucina-1, bem como demonstram ser benéficos nas arritmias 64 e têm efeitos positivos na presença de dispneia e taquipneia (PIBOT et al., 2008). A forma de suplementação ideal ainda não está determinada. Porém, alguns autores, sugerem doses de 40 mg/kg de ácido eicosapentaenoico e 25 mg/kg de ácido docosahexaenóico para cães com anorexia e caquexia. Os efeitos colaterais da suplementação são relatados como letargia, prurido, vômitos, diarreia e urticária. A superdosagem pode causar diminuição da agregação plaquetária e aumento do tempo de coagulação (PIBOT et al., 2008). NECESSIDADES DE MICRONUTRIENTES Sódio Muitos processos que envolvem membranas são controlados pelo equilíbrio entre os íons de íons de sódio, cloro e potássio presentes. Em muitas situações, o desequilíbrio desses mecanismos favorece a retenção de sódio (hipernatremia) determinando acúmulo excessivo de líquido no corpo (ETTINGER e FELDMAN, 2008). A taxa reduzida de excreção de sal, que ocorre em casos crônicos, progride à medida que a cardiopatia se agrava. Está comprovado que a instituição Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Arquivo CFMV precoce da restrição dietética de sódio pode retardar o agravamento da doença cardíaca. No entanto, cães sadios, geriátricos, que foram alimentados com dietas contendo níveis baixos de sal, desenvolveram aumento discreto na atividade de renina plasmática e de aldosterona. Em outro estudo, cães ao serem submetidos à dieta com restrição do sódio precocemente, juntamente com uma terapia diurética, tiveram os sistemas nervoso simpático e renina-angiotensina-aldosterona ativados a fim de conservar o sódio corporal por meio da redução de excreção renal, resultando assim no equilíbrio hidroeletrolítico (GOLDSTON e HOSKINS, 1999; ETTINGER e FELDMAN, 2008). A instituição de restrição de sódio na dieta como ferramenta clínica é dividida em três níveis, sendo a restrição discreta ou reduzida, de 3,5 a 6,5 mg/kg; moderada, de 2,5 a 3,5 mg/kg e rigorosa, de 1 a 3 mg/ kg (ETTINGER e FELDMAN, 2008). Todavia, a troca completa da ração não deve ser de forma abrupta e sim de modo gradual. Inicia-se selecionando uma dieta com baixo teor de sódio. Os alimentos destinados a animais com insuficiência renal são uma alternativa, pois possuem restrição moderada de sódio e são palatáveis (GOLDSTON e HOSKINS, 1999). Potássio O potássio é um elemento principalmente intracelular, presente em maior concentração nas células musculares e nervosas. Participa da manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico, na contração muscular, no funcionamento cardíaco e na transmissão dos impulsos nervosos (CUNNINGHAM, 2002). É absorvido no intestino delgado e, hormônios como epinefrina, insulina e aldosterona, são responsáveis por manter os níveis séricos em níveis basais e, também por aumentar sua captação para o músculo esquelético, fígado, ossos e glóbulos vermelhos (DOUGLAS, 2006). A deficiência de potássio (hipocalemia) deve ser evitada, pois pode agravar a arritimogênese, diminuir a contratilidade miocárdica, induzir a fraqueza muscular e pode potencializar ou induzir toxicidades relacionadas a fármacos (digoxina, diuréticos, antiarrítmicos) (ETTINGER e FELDMAN, 2008). Magnésio O magnésio é mineral constituinte de tecidos moles e duros. Participa de sistemas enzimáticos, como na ATPase, hexoquinase, oxidase pirúvica etc. Além disso, faz parte dos íons que participam dos processos de excitabilidade da membrana (DOUGLAS, 2006). Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Cão boxer, idoso, portador cardiopatia. A concentração plasmática de magnésio pode diminuir pela ação excessiva de diuréticos. Assim como o potássio, a deficiência de magnésio (hipomagnesemia) causa distúrbios eletrolíticos que podem agravar a arritmia, diminuir a contratilidade miocárdica e induzir a fraqueza muscular e pode potencializar ou induzir toxicidades relacionadas a fármacos (ETTINGER e FELDMAN, 2008). TERAPIA NUTRICIONAL COADJUVANTE Vitaminas e antioxidantes A suplementação vitamínica deverá ser indicada quando houver perda associada com diurese e alteração de absorção gastrintestinal (MAGNONI e CUKER, 2002). O betacaroteno é um potente sequestrador do oxigênio, principalmente em situações de baixa pressão (BORGES et al., 2003). A vitamina E é o antioxidante potente que interrompe a cadeia de peroxidação lipídica. Protege os lipídeos poli-insaturados da lesão pelos radicais livres; reduz a adesão e a agregação plaquetária; inibe os fatores de coagulação dependentes de vitamina K, bem como a estimulação da produção de endotelina e atenua a inibição da produção de óxido nítrico. Para conservar sua eficácia, a vitamina E requer a presença da vitamina C (BORGES et al., 2003). O fornecimento mínimo recomendado de vitamina E, para obtenção do efeito antioxidante é de 50 mg por quilo de matéria seca; entretanto, tal dosagem ainda não está bem estabelecida. A suplementação de vitamina C, em dosagens de 3 e 0,5 g dia, não mostra efeito adverso. Porém, a utilização por longos períodos pode aumentar o risco de urolitíase por cálculos de oxalato de cálcio (BORGES et al., 2003). Pesquisas recentes mostram que a coenzima Q10 65 Nutrição arquivo CFMV (ubiquinona), presente no tecido animal, participa de algumas reações metabólicas incluindo ciclo de Krebs, possui ação antioxidante e faz parte da bomba sódio-potássio, importante na prevenção de doenças cardíacas (FREEMAN, 2008; PIBOT et al., 2008). A dose recomendada é de 30 ou 90 mg por via oral, duas vezes por dia (MAGNONI e CUKER, 2002; FREEMAN, 2008). Cão cardiopata portador de ascite e edema de extremidades. FORNECIMENTO DE ÁGUA CONSIDERAÇÕES FINAIS A água da dieta é uma fonte significativa de ingestão de sódio. Por tal motivo, a água fornecida deve ser purificada (ionizada) ou destilada (ETTINGER e FELDMAN, 2008). O objetivo da terapia nutricional em cães cardiopatas é potencializar o tratamento médico, influenciando tanto na decisão terapêutica imediata, como no prognóstico em longo prazo. Referências Bibliográficas BELERENIAN, CG; MUCHA, JC; CAMACHO A. Afecciones cardiovasculares en pequenõs animales. 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Rio de Janeiro, 2008. 50p. Dissertação. Universidade Castelo Branco. Dados dos Autores Daniele Danezi Savio Graduanda de Medicina Veterinária, Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Roberto Andrade Bordin Médico Veterinário, CRMV-SP nº 12.809, MSc, DSc, docente na Universidade Anhembi Morumbi 66 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Clínica Médica HIPERTENSÃO INTRA-ABDOMINAL E SÍNDROME COMPARTIMENTAL EM CÃES Apesar de esses termos serem ainda pouco à hipertensão intra-abdominal e à síndrome do comconhecidos na Medicina Veterinária, eles são de partimento abdominal (SCA). A pressão na cavidade fundamental importância para o manejo de algumas abdominal é geralmente próxima de zero, sendo consiafecções em pacientes críticos. Muito se sabe sobre derada normal até 10 mmHg, principalmente no períoa pressão arterial, pressão venosa central, pressão do pós-operatório imediato de intervenções cirúrgicas intracraniana, entre outras; no entanto, quando abdominais. Níveis de pressão sustentada acima de 12 falamos de pressão intra-abdominal (PIA), muitos mmHg caracterizam HIA e quando os valores enconquestionamentos ainda surgem em relação às suas tram-se acima de 20 mmHg associada a pelo menos aplicabilidades e às consequências. uma disfunção orgânica, tem-se um quadro de SCA, A cavidade abdominal é um compartimento com necessitando de descompressão abdominal imediata complacência limitada por possuir paredes rígidas (Quadro 1). Em maio deste ano, ocorreu na Colômbia (arcos costais, coluna vertebral e pelve) e flexíveis um encontro com expertises sobre o assunto, que pu(parede abdominal e diafragma). O comprimento blicarão em breve novo consenso sobre o tema. dessas paredes e o volume dos órgãos contidos deEm cães, a PIA normal foi descrita por Conzemius terminam a pressão dentro do abdômen em detere colaboradores (1995) quando se encontra entre 0 e minado momento. A pressão no estado estacionário 3,75 mmHg (0 e 5 cmH2O), e relataram seu aumento de até 11,25 mmHg (15 cmH2O) em cães após ovariohistedentro da cavidade abdominal, que aumenta com a rectomia. Outro estudo revelou valores de PIA, em cães inspiração (contração diafragmática) e diminui com saudáveis, entre 3,23 a 8,05 cmH2O e, em gatos saudáveis a expiração (relaxamento do diafragma) é definida valores médios de 4,4 cmH2O (LOPES, 2010) e, por fim, a como PIA (CHEATHAM, 2009). mensuração da PIA em 29 cães também saudáveis, eviA PIA é influenciada pelo índice de massa corpodenciou valores entre 0 e 4,3 cmH20, com média de 1,79 ral, pela posição do paciente, atividade muscular da cmH20 (BACCHI, 2011). Como não existe consenso sobre parede abdominal e pela respiração. Essa pressão é o tema na Medicina Veterinária, as definições e valores afetada diretamente pelo volume dos órgãos ocos e são os mesmos determinados pela WSACS. maciços do abdôdem, pela presença de ar ou efusão A WSACS também determinou a pressão de perfuabdominal, bem como pela capacidade de distenção são abdominal (PPA), que é igual à pressão arterial méabdominal (CASTELHANOS et al., 2007). O aumento dia (PAM) menos a PIA (PPA=PAM-PIA) e é uma medida de volume em qualquer um dos seus conteúdos que reflete a perfusão dos órgãos abdominais. Segundeterminará aumento nessa pressão, prejudicando do An e West (2008), a PPA deve ser compreendida da a circulação sanguínea e, dessa forma, alterando a mesma maneira que a pressão de perfusão cerebral é função e ameaçando a vitalidade dos tecidos (CHEN utilizada nos casos de hipertensão intracraniana. et al., 2008). O conceito de hipertensão intra-abdo- Quadro 1. Definições de hipertensão intra-abdominal e síndrome do compartimento abdominal para minal (HIA) foi introduzido na literatura de seres humanos da Sociedade Mundial de Síndrome de Compartimento Abdominal (WSACS). forma concreta no início de 1980; porém, CONDIÇÃO MENSURAÇÃO DA PIA com o advento dos procedimentos cirúrNormal < 12 mmHg gicos laparoscópicos, os estudos sobre o HIA tema cresceram de forma expressiva nos Grau I 12-15 mmHg últimos 15 anos. Na Medicina Veterinária, Grau II 16-20 mmHg o primeiro trabalho sobre PIA e HIA data de Grau III 21-25 mmHg 1995 (CONZEMIUS et al., 1995) e os estudos Grau IV > 25 mmHg sobre o tema permanecem escassos. SCA DEFINIÇÕES Em 2006, a Sociedade Mundial de Síndrome do Compartimento Abdominal (WSACS) publicou as definições associadas Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 > 20 mmHg + disfunção orgânica ou < 60 mmHg PPA + disfunção orgânica HIA – hipertensão intra-abdominal SCA – síndrome do compartimento abdominal PPA – pressão perfusão abdominal (pressão arterial média – PIA) 67 Clínica Médica DIAGNÓSTICO O método-padrão ouro para mensuração da PIA faz-se por intermédio de uma sonda uretral de Foley conectada a um transutor de pressão (mmHg) ou a uma coluna de água (cmH20) (MALBRAIN et al., 2006; CHEATHAM, 2009). Os primeiros estudos para determinar a PIA foram realizados com manômetros de água, com resultados apresentados em cmH20. Estudos subsequentes utilizando-se transdutores eletrônicos de pressão determinaram a PIA em mmHg (1mmHg=1,36 cmH20), e atualmente é a unidade recomen- Figura 1. Visão esquemática do sistema de aferição da pressão intra-abdominal de uma fêmea da dada pela WSACS. A unidade mais usada em espécie canina em decúbito dorsal. Notar o ponto zero como a linha da sínfise púbica. Medicina Veterinária é em cmH20, provavemente devido a seu baixo custo e maior facilidade em detria montagem desse sistema, faz-se o esvaziamento mento da utilização de um dispositivo eletrônico. da bexiga seguido de infusão de 1 mL/Kg de solução A WSACS recomenda a instilação de, no máximo, salina a 0,9% para adequar o volume de acordo com 25 mL de solução salina estéril através da sonda de o porte do animal. Passado um minuto, abre-se a Foley, devendo as mensurações ser realizadas de torneira de três vias a fim de comunicar o equipo de forma seriada, iniciando após um minuto da instilaPVC à sonda uretral permitindo que o fluido vesical ção de solução na bexiga, para que a musculatura encontre-se em equilíbrio com o volume contido na detrusora acomode-se ao volume e não interfira coluna métrica. O ponto zero do manômetro marca nos valores da PIA. Variações da PIA diante de suaves o nível da sínfise púbica do animal. Após a estabicontrações abdominais confirmam que existe boa lização do menisco da coluna de solução salina, o fidelidade de transdução da pressão (de WAELE et al., valor deve ser registrado baseado na altura da coluna 2009). Essa recomendação de volume fixo não é adeem relação ao ponto zero (KRON et al., 1984; LOPES, quada em Medicina Veterinária, pois o tamanho de 2010; BACCHI, 2011). bexiga é muito variável, especialmente nos cães, deOs sinais clínicos de SCA incluem abdômen tenso vido à multiplicidade de raças e de portes. Infusão de e distendido, aumento da PIA, função renal dimivolume em excesso pode acarretar superestimação nuída, hipóxia e ventilação inadequada, tendendo da PIA, devido à hiperdistensão da bexiga, podendo todas essas variáveis a cessar após laparotomia deslevar à contração muscular por deflagrar o reflexo de compressiva (AN e WEST, 2008). micção (KIMBALL et al., 2009). FISIOPATOLOGIA Durante a mensuração, pessoas devem estar em Inúmeras consequências negativas desenvoldecúbito dorsal e para o cão aceita-se o decúbito lavem-se com o aumento da PIA (Tabela 1), pois essa teral e dorsal. Segundo Drellich (2000), o ponto zero pressão é transmitida para espaços e cavidades adda coluna de água é a altura da sínfise púbica para os jacentes, reduzindo o débito cardíaco, restringindo cães. O consenso de HIA determina para pessoas a a ventilação pulmonar, diminuindo a função renal, linha axilar média e mudanças na posição do corpo a perfusão visceral e aumentando a pressão intra(ou seja, deitado, de bruços, a cabeça da cama elevacraniana (SCHEIN, 2006). Villaça e Mantovani (2006) da), contrações musculares do detrusor da bexiga e demonstraram, experimentalmente, que os cães sodos músculos abdominais podem ter impacto sobre frem alterações similares aos seres humanos quando a precisão das aferições (DE WAELE et al., 2009). a PIA encontra-se acima de 20 mmHg. A determinação da PIA pode ser realizada com o HIA resulta em alterações hemodinâmicas deanimal em decúbito lateral ou dorsal, utilizando-se o vido a alterações na pré-carga, pós-carga e pressão método de sondagem vesical com uma sonda uretral intratorácica (MALBRAIAN et al., 2005). A pré-carga (com diâmetro ideal para cada animal), sob técnica diminui devido à redução do retorno venoso para o asséptica, acoplada a uma torneira de três vias, a qual coração pela compressão da veia cava e veia porta, o deve estar conectada a uma coluna de água, dividida que também leva à diminuição do débito cardíaco. O em cmH20 e a um equipo de macrogotas vinculado a bolsa coletora de urina (Figuras 1 e 2). Após finalizada aumento da pressão intratorácica pelo descolamen- 68 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 to cranial do diafragma e a transmissão da pressão intra-abdominal para a cavidade torácica inibem o enchimento ventricular durante a diástole. O aumento da pressão intratorácica vai interferir na aferição da pressão venosa central, que pode ser elevada apesar da marcada hipovolemia. A diminuição do retorno venoso também pode causar acúmulo de sangue nas veias e nos órgãos abdominais (AN e WEST, 2008). A disfunção respiratória é resultado direto do deslocamento cranial do diafragma, resultando em compressão extrínseca do parênquima pulmonar. Como resultado da compressão parenquimatosa pulmonar, tem-se atelectasia alveolar, diminuição do transporte de oxigênio, uma fração de shunt intrapulmonar, redução do fluxo sanguíneo capilar, levando à diminuição da eliminação do dióxido de carbono e aumento do espaço alveolar morto. Em conjunto, todos esses efeitos levam à hipoxemia e à hipercapnia arterial (CHEATHAM, 2009). Alterações renais, manifestadas por oligúria e anúria têm sido demonstradas em modelos animais e humanos há décadas e são o resultado de uma combinação de redução de débito cardíaco com diminuição do fluxo sanguíneo renal, compressão de vasos e parênquima renais, aumento da resistência vascular renal e redistribuição do fluxo sanguíneo no interior desse órgão (MALBRAIAN et al., 2005). PIA entre 9,75 e 15 mmHg (10 e 20 cmH20) demonstraram diminuir a taxa de filtração glomerular e pressões superiores a 18,75 mmHg (25 cmH20) resultaram em oligúria e anúria em cães (JOUBERT et al., 2007). De todos os sistemas, o intestinal parece ser um dos mais sensíveis às elevações da PIA, que quando se apresenta maior que 20 mmHg (27,2 cmH20) acar- Figura 2. Cateterização uretral. A sonda uretral de PVC está acoplada a uma torneira de três vias, a qual está conectada a um equipo de macrogotas vinculado a uma bolsa coletora de urina (seta vermelha) e a uma coluna de água a partir de um equipo de PVC (seta amarela). reta redução significativa na perfusão dos capilares, levando à isquemia tecidual e à liberação dos mediadores inflamatórios. Essas moléculas aumentam a permeabilidade capilar e levam a extravasamento de líquidos para o espaço extravascular, contribuindo para o aumento do líquido abdominal, causando elevação adicional da PIA, perpetuando o ciclo vicioso que resulta em piora da perfusão, isquemia intestinal, redução do pH da mucosa, intolerância alimentar, acidose metabólica sistêmica e aumento significativo da mortalidade (AN e WEST, 2008; KIMBALL, 2006). Segundo Lattuada e Hedenstierna (2006), um fator adicional que contribui para o ciclo HIA/SCA está relacionado ao comprometimento do fluxo lin- Tabela 1. Tabela-resumo com as consequências da hipertensão intra-abdominal. (Adaptada de Schein, 2006) Pressão arterial média Frequência cardíaca Pressão nas vias aéreas Pressão torácica Pressão venosa central Pressão capilar pulmonar Pressão na veia cava Pressão na veia renal Débito cardíaco Retorno venoso Fluxo de sague visceral pH da mucosa gástrica Fluxo sanguíneo renal Taxa de filtração glomerular Pressão intracraniana Complacência da parede abdominal Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Aumento X X X X X X X X - Diminuição X X X X X X X Nenhuma alteração X - 69 Clínica Médica fático e consequente aumento do edema intestinal. A má perfusão intestinal tem sido apontada como possível mecanismo para perda de barreira e posterior desenvolvimento da translocação bacteriana, sepse e falência múltipla de órgãos (KIMBALL, 2006). Artéria e veias hepáticas e o fluxo da veia porta estão reduzidos pela presença de HIA. O fluxo da artéria hepática é diretamente afetado pela diminuição do débito cardíaco. O fluxo venoso portal e hepático estão diminuídos como resultado da compressão extrínseca do fígado e pelo estreitamento anatômico das veias hepáticas que passam pelo diafragma (CHEATHAM, 2009). Pressão e perfusão cerebrais podem estar comprometidas diante de HIA. A pressão intracraniana aumenta e pode resultar na redução da perfusão cerebral. Os mecanismos já propostos incluem diminuição do fluxo sanguíneo venoso do plexo lombar (levando à maior pressão do líquido cerebroespinhal), aumento da pressão parcial de dióxido de carbono (resultando em aumento do fluxo sanguíneo cerebral), e diminuição do retorno venoso cerebral devido à alta pressão intratorácica (MUIR, 2006). Alterações hormonais foram associadas à PIA de 80 mmHg (108,8 cmH20) em cães, como no aumento plasmático do hormônio antidiurético, que foi atribuído à redução do débito cardíaco. Em suínos, foi demonstrado aumento da renina plasmática quando submetidos à HIA de 34 cmH20. Ambas as alterações hormonais foram completamente revertidas pela descompressão abdominal (LE ROITH et al., 1982). ETIOLOGIA Várias são as causas de aumento da PIA em seres humanos, incluindo hemorragia intra-abdominal, pancreatite, choque séptico, edema visceral, dilatação gástrica, obstrução intestinal, neoplasias abdominais, redução de grandes hérnias, fechamento de laparotomia por tensão, pneumoperitôneo em procedimentos laparoscópicos e, até mesmo, a infusão agressiva de fluidos colóides em pacientes hipovolêmicos (COHEN et al., 2003; HUNTER e DAMANI, 2004; PRADO et al., 2005). No entanto, a maioria dos estudos sugere que a maior incidência de HIA é observada em pacientes que tenham sofrido intervenção cirúrgica abdominal, principalmente se evoluírem com hemorragia ou se estiver relacionado com traumatismo abdominal grave (HUNTER e DAMANI, 2004; VON BAHTEN e GUIMARÃES, 2006). Em Medicina Veterinária, poucos estudos que tratam da etiologia do tema foram realizados até o momento, no entanto assumem-se as mesmas causas 70 de SCA relatadas em seres humanos. Já foi descrito que ascite, hemorragia abdominal, dilatação e vôlvulo gástrico, herniorrafia diafragmática e edema visceral podem culminar com HIA em cães (CONZEMIUS et al., 1995; JOUBERT et al., 2007; LOPES, 2010). TRATAMENTO A máxima no tratamento da SCA é a prevenção. Conhecer os fatores de risco e estabelecer a etiologia da SCA permite identificar pacientes de risco, por intermédio da monitoração da PIA. Isso facilita a instituição de medidas preventivas e corretivas diante da detecção da HIA, antes que a SCA desenvolva-se. A escolha das estratégias terapêuticas está fortemente relacionada à etiologia da HIA/SCA do paciente, bem como sua condição clínica (AN e WEST, 2008). Terapia clínica recomendada pelo consenso da WSACS para diminuição da PIA incluem paracentese, descompressão gástrica (aspiração nasogástrica), descompressão retal (enemas, tubo retal), sedação, bloqueio neuromuscular, agentes pró-cinéticos (metoclopramida, cisaprida), diuréticos (furosemida) e colóides. O tratamento definitivo nos casos de insucesso do manejo clínico de redução da PIA é a descompressão cirúrgica por laparotomia (de WAELE et al., 2009). Em pacientes que sofreram intervenções cirúrgicas abdominais, o melhor método para prevenir a SCA é retardar o fechamento da cavidade, diante de situações sabidamente conhecidas como capazes de provocar HIA, especialmente em pacientes com injúria abdominal traumática (MENTULA e LEPPÄNIEMI, 2010). O método mais utilizado é a aplicação da bolsa de Bogotá (BATACCHI et al., 2009). Drenagem peritoneal aberta tem sido descrita para cães e gatos como terapia única nos casos de HIA/SCA (LANZ, 2001). CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos anos, a medicina de animais de companhia foi marcada por avanços tecnológicos, aperfeiçoamento do atendimento emergencial e monitoramento do paciente crítico, porém a inclusão da mensuração da PIA em situações que predispõem a SCA é raramente realizada, conferindo ao paciente grandes possibilidades de evoluir para falência orgânica e óbito, sem diagnóstico prévio da alteração abdominal. Mesmo na Medicina, há evidências de falhas no conhecimento dos consensos sobre o tema e a realização de diagnóstico e tratamento adequados. Pouco há descrito sobre o tema em Medicina Veterinária, portanto há ainda a necessidade de se apoiar nas definições e conceitos da WSACS para a realização Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 de estudos que sejam capazes de determinar o melhor método para mensuração da PIA em cães e gatos, confirmando se o volume de 1mL/kg para preenchimento vesical é o mais adequado, além de identificar os fatores de risco e a prevalência de HIA e SCA nessas espécies. Os esforços para obtenção desses dados são fundamentais para orientar e alertar os profissionais para a existência dessa condição e a importância do seu tratamento. Até o momento, sabe-se que os valores normais da PIA para cães estão entre 0 e 5 cmH20. Sugere-se que sejam realizados estudos que esclare- çam se a PIA tem relação direta com o peso ou somente com escore corporal dos animais. Apesar de a terapia intensiva estar sendo exaustivamente estudada em animais de companhia, o estudo da PIA e das suas implicações estão sendo negligenciados pelos Médicos Veterinários, devido à carência de informações sobre o tema. Faz-se necessária a realização de estudos adicionais nessa área e a difusão do conhecimento, objetivando identificar uma condição clínica que até pouco tempo era desconhecida e que representa alta taxa de mortalidade. Referências Bibliográficas AN, G.; WEST, M. A. Abdominal compartment syndrome: a concise clinical review. Critical Care Medicine, v. 36, n. 4, p. 13041310, 2008. BACCHI, R. Avaliação da pressão intraabdominal com sonda uretral de PVC em cães saudáveis e com hipertensão induzida. Curitiba, 2011. 85p. Dissertação (mestrado). Pós- Graduação em Ciências Veterinárias. Universidade Federal do Paraná. BATACCHI, S. et al. Vaccum-assisted closure enhances recovery of critically ill patients following emergency surgical procedures. 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As encefalopatias espongiformes transmissíveis (EETs) constituem um conjunto de complexas doenças neurodegenerativas transmissíveis, com longos períodos de incubação e invariavelmente fatais, que acometem homem e animais. O agente etiológico é uma partícula proteica denominada príon (proteinaceous infectious particle) ou PrP (prion protein – PRUSINER, 1982) sendo formada após a conversão de uma glicoproteína da membrana plasmática de células normais, de função ainda desconhecida, chamada PrPc (“c” significa celular, ou seja, própria das células normais). Dessa forma, a PrPc é transformada no príon (denominada de PrPSC, onde sc significa scrapie), que se acumula no sistema nervoso central (SNC) e induz a doença. Neste contexto, o protótipo (padrão) das doenças priônicas é a scrapie (prurido lombar ou paraplesia enzoótica dos ovinos), enfermidade que acomete ovinos e caprinos, sendo a primeira a ser associada aos príons. Juntamente com a scrapie, destaca-se a variante bovina, conhecida como encefalopatia espongiforme bovina (BSE – popularmente conhecida como doença da vaca louca), pela importância econômica e potencial zoonótico. 72 Dadas as particularidades dessas doenças, tanto em relação às características das enfermidades priônicas, à transmissibilidade, dificuldade de diagnóstico ante mortem, alta resistência do agente infectante aos métodos convencionais de descontaminação química e ao calor e resistência às proteases (CDC, 2009) e à degradação ambiental (BROWN; ABEE, 2005), as EETs animais tornaram-se foco importante de restrições no comércio internacional e impulsionaram recomendações de vigilância epidemiológica e biossegurança pelos órgãos internacionais de referência à saúde humana (OMS) e animal (OIE). Neste contexto, em maio de 2012, o Brasil recebeu o status de risco negligível para BSE pela OIE. O diagnóstico da BSE é usualmente realizado após o período de incubação da doença e morte do animal (OIE, 2002), havendo métodos rápidos (triagem), como Elisa e Western Blotting (que usam tecidos frescos, não fixados), e os métodos tradicionais e necessários para a confirmação dos casos, a histopatologia e a imunohistoquímica (considerada como método-padrão ouro), ambos utilizando amostras fixadas em formol (FAO, 2007). No caso de bovinos, a maior concentração de príons encontrase no sistema nervoso central (SNC), sendo, portanto, a investigação diagnóstica e a manipulação de amostras as atividades ocupacionais de maior risco. O único fator de risco definido na transmissão das doenças priônicas é a inoculação ou ingestão de tecidos ou homogenatos contaminados, estando a infectividade presente em altos níveis no cérebro e demais órgãos do SNC e em menores níveis em outros tecidos, como baço, linfonodos, timo, intestino, pulmão, músculo esquelético, língua, medula óssea e sangue (CDC, Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 2009). Assim, a regra de ouro para a segurança ocupacional nas atividades envolvidas com as EETs é evitar, durante a manipulação de amostras (seja esta durante a coleta e/ou manipulação dentro do laboratório), a ocorrência de injúrias penetrantes, a contaminação de feridas cutâneas e a ingestão acidental (BROWN e ABEE, 2005). REQUISITOS DE BIOSSEGURANÇA Devido ao seu potencial zoonótico, o príon causador da BSE está incluído no grupo de risco 3; consequentemente, o nível de contenção necessário às atividades relacionadas à manipulação de animais doentes ou suspeitos, bem como de tecidos potencialmente contaminados (como nos casos de vigilância epidemiológica), requerem medidas de segurança compatíveis com essa classificação (ACDP, 2003), sendo necessariamente de nível 3 para laboratórios de referência (FAO, 2007). Entretanto, após uma análise de risco, tomando-se como base as condições sanitárias do país, as características do trabalho realizado (tipo, tecido amostrado, natureza da manipulação e quantidade manipulada), alguns requisitos pertinentes ao nível 3 não precisam necessariamente ser implementados (VLA, 1999; ACDP, 2003; OMS, 2004; GAVIER-WIDÉN et al., 2005; FAO, 2007; OIE, 2011). Considerando a possibilidade dessa adaptação, mormente pelo baixo risco (mas não inexistente) de infecção pela via inalatória e a alta resistência do príon aos desinfetantes comumente utilizados, a categoria de risco é por vezes denominada 3** (FAO, 2007) ou também “L3-BSE” (LEUN- DA-CASI et al., 2009). Como já mencionado, com apoio de uma análise de risco, alguns requisitos do nível 3, como o diferencial de pressão entre salas, a filtragem de ar exaurido por filtros tipo high efficiency particulate air filter (HEPA) e a selagem da sala para fumigação, podem não ser implementados (ACDP, 2003; LEUNDA-CASI et al., 2009). Por outro lado, embora a infecção via aerossóis não tenha sido confirmada, a utilização de diferencial de pressão na sala tem sido considerada altamente recomendável para prevenir a disseminação de ar contaminado para outras áreas do laboratório e para evitar a disseminação de odores de substâncias químicas (CFIA, 2011). No caso da scrapie, pela ausência de conexão com a doença humana, a variante infectante foi incluída na categoria de risco 2, embora tal classificação esteja em debate pelos achados de ovinos infectados com a variante bovina, havendo a possibilidade que passe a ser classificada também como categoria de risco 3 (OIE, 2011). Segundo o Advisory Committee on DangerousPathogens (ACDP, 2003), as condições requeridas para laboratórios níveis 2 e 3 são semelhantes, sendo os pontos diferentes relacionados à forma de gestão, à necessidade de treinamento especial e ao grau de supervisão, além de requisitos físicos específicos. No caso das EETs, os gestores devem garantir a capacitação e o treinamento de pessoal para atividades que envolvam risco de infecção e a sua apropriada supervisão. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2009), a abordagem mais prudente em laboratórios envolvidos com príons é, no mínimo, Quadro 1. Classificação dos requisitos físicos para laboratórios de diagnóstico post mortem das EETs em mandatório (M) ou recomendado (R) – CFIA, 2011. Item 1 Requisito Classificação Localização e acesso 1.1 Acesso liberado apenas a pessoas autorizadas. M 1.2 Portas que permitam restrição de acesso por meio de sistema. M 1.3 Portas das salas com sinalização apropriada. M 1.4 Entrada via antessala. R 1.5 Entrada que permita a separação de roupas pessoais daquelas dedicadas ao trabalho. M 1.6 Área de escritório deve ser localizada fora do perímetro de contenção. M 1.7 Abertura de portas suficiente para permitir a passagem de equipamentos de trabalho. M 2 Superfícies (acabamento) 2.1 Portas e batentes devem ser de acabamento sólido e não absorvente. M 2.2 Superfícies internas (pisos, paredes, bancos etc.) devem ser não absorventes e resistentes a métodos de descontaminação, por exemplo, com hipoclorito de sódio e hidróxido de sódio. M 2.3 Pintura/revestimento devem ser passíveis de limpeza. M 2.4 Superfícies interiores devem ser contínuas. M 2.5 Superfícies interiores devem ser resistentes a impactos, de acordo com a função. M 2.6 Continuidade deve ser mantida entre o piso e parede. M 2.7 Piso antiderrapante. R 3 3.1 Perímetro de contenção Todas as entradas mecânicas, elétricas e de serviços devem ser seladas e localizadas abaixo da superfície de trabalho para facilitar e garantir a descontaminação. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 M 73 dOENÇAS INFECCIOSAS 3.2 Janelas seladas no local e material do envidraçamento que promova nível adequado de segurança. M 3.3 Autoclave capaz de atingir temperatura mínima de 134°C ou 121°C, no caso de protocolo em duas etapas (químico e calor). M 3.4 Autoclave com porta dupla localizada no perímetro de segurança. R 3.5 Autoclave fora do perímetro de segurança – estabelecer procedimento rigoroso de controle de resíduos para o transporte de resíduos ou materiais em recipientes resistentes a impacto e vazamento até a autoclave. M 3.6 O corpo da autoclave deve ser localizado fora da contenção a fim de facilitar a manutenção. R 3.7 A autoclave localizada no perímetro deve ser equipada com um mecanismo de intertravamento para prevenir que as duas portas abram simultaneamente. R 3.8 Autoclave deve possuir instrumento para registro do ciclo (tempo, temperatura e pressão). M 3.9 Área para descontaminação de materiais e equipamentos. R 3.10 Outras tecnologias para descontaminação (tanque de imersão química, incinerador, hidrólise alcalina) presentes no perímetro de contenção. R 3.11 Se não for possível a instalação de outras tecnologias para descontaminação, então, procedimentos rigorosos de transporte dos resíduos até esses sistemas devem ser adotados. M 4 4.1 Prover ventilação adequada para o uso de substâncias cáusticas. M 4.2 Laboratório equipado com uma cabine de segurança biológica. M 4.3 Escolha da cabine de segurança biológica baseada em análise de risco. M 4.4 Cabine de segurança biológica com sistema bag-in/bag-out. R 4.5 Quando não for possível dispor de cabine segurança biológica com sistema bag-in/bag-out, deve ser estabelecido procedimento para retirada segura do filtro HEPA. M 4.6 Fornecimento e exaustão de ar não podem interferir com a operação da cabine de segurança biológica e capela de exaustão. M 4.7 Sistema de exaustão de ar deve ser independente de outras áreas. R 5 Infraestrutura 5.1 Drenos separados dos níveis menores de contenção, ou seja, conectados a um sistema de tratamento de efluentes. R 5.2 Ralos devem ser instalados apenas quando for essencial. R 5.3 Válvula de controle de suprimento da água deve ser localizada fora do laboratório. R 5.4 Cilindros de gás comprimido (com exceção de extintores de incêndio) devem estar localizados fora do perímetro de contenção. R 5.5 Pias de higienização pessoal devem estar localizadas próximas ao ponto de saída ou na antessala. R 5.6 Pias de higienização pessoal devem ter capacidade de ser operadas sem o uso das mãos. R 5.7 Lava-olhos emergencial deve estar localizado na contenção. M 5.8 Chuveiro de emergência deve estar localizado na contenção. M 5.9 No-breaks devem estar localizados fora do período de contenção. R 5.10 Sistema de comunicação deve ser providenciado entre o exterior e interior do laboratório. M Sistemas eletrônicos para transferência de informação e dados para o exterior da área de contenção. R 5.11 6 74 Sistema de tratamento de ar Requisitos gerais 6.1 Pessoal do laboratório deve demonstrar competência na manipulação de tecidos e materiais contaminados. M 6.2 Todos os protocolos específicos para a operação do laboratório devem ser desenvolvidos, lidos e compreendidos pelo pessoal. Esses protocolos incluem procedimento de entrada e saída de pessoas, equipamentos, amostras e resíduos. M 6.3 Desenvolvimento e aplicação de protocolos para a correta descontaminação de todos os resíduos do laboratório, equipamentos e do espaço físico. M 6.4 Pessoal do laboratório deve ser treinado no uso seguro de equipamentos de segurança, cabines e procedimentos para redução da produção de aerossóis, descontaminação e resposta emergencial no caso de acidentes. M 6.5 Protocolo de segurança deve ser desenvolvido, estar acessível e comunicado para o caso de inoculação acidental ou exposição a boca e olhos. Treinamento nessa aplicação deve estar documentado. M 6.6 Feridas e outras soluções de continuidade devem ser protegidas com material à prova de água. M 6.7 Comer, beber, fumar, armazenar alimentos ou aplicar cosméticos são atividades proibidas na área de contenção. M 6.8 Cabelos longos devem ser presos. M 6.9 Portas do laboratório devem permanecer fechadas para controlar o acesso. A entrada no laboratório deve ser documentada (logbook). M 6.10 Os equipamentos usados em atividades relacionadas às EETs devem, na medida do possível, serem dedicados; caso contrário, um protocolo de descontaminação efetiva deve ser colocado em prática. M 6.11 Roupas pessoais devem ser separadas daquelas dedicadas ao trabalho no laboratório. M 6.12 A seleção de EPIs apropriados vai depender da quantidade e natureza do material infeccioso, bem como dos procedimentos a serem utilizados. M 6.13 Uma análise de risco deve ser realizada no laboratório para identificar riscos e desenvolver práticas de trabalho seguras que incluem o uso apropriado de EPIs. M 6.14 Ao entrar no laboratório, devem ser retiradas jóias e bijuterias e vestidos aventais (frente fechada), luvas, propés ou sapatos dedicados. Em geral, aventais de frente sólida são preferíveis aos aventais normais para prevenção de contaminação da roupa. De preferência, esses materiais devem ser descartáveis. M 6.15 Dupla luvagem deve ser realizada na manipulação de materiais infectantes, bem como ser colocada cobertura de manga descartável. M 6.16 Proteção completa de face deve ser utilizada, como óculos de proteção e máscara, sempre que for realizado procedimento que possa produzir partículas; na ocorrência destas, os EPIs devem ser descontaminados. M Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 6.17 Cortes e punções devem ser evitados pela utilização mínima de materiais cortantes e colocação de luvas de proteção a cortes. M 6.18 Procedimentos que possam gerar aerossóis ou respingos, como a clivagem de tecidos, devem ser realizados em cabines de segurança biológica. M 6.19 Para minimizar a contaminação da superfície de trabalho da cabine de segurança biológica, os procedimentos devem ser realizados em recipientes ou sobre cobertura absorvente que possa ser incinerada após o uso e que não interfira com o funcionamento da cabine. M 6.20 Quando houver a manipulação de material sabidamente positivo, deve ser considerado o descarte de insumos permanentes (como pinças e moldes de inclusão). M 6.21 Luvas externas devem ser removidas ainda no interior da cabine de segurança biológica. M 6.22 As superfícies de trabalho devem ser descontaminadas ao fim do trabalho com os materiais suspeitos, e as coberturas descartadas apenas quando o trabalho terminar, sendo que as absorventes devem ser descontaminadas previamente. M 6.23 O trabalho no micrótomo deve ser realizado em área dedicada e com baixo trânsito de pessoas; a área ao redor deve ser reduzida e durante a microtomia o técnico deve utilizar propés que devem ser descartados; uma alternativa é adotar procedimento efetivo para evitar a dispersão dos resíduos do corte do bloco de tecido com parafina. M 6.24 A limpeza de rotina do laboratório deve ser efetuada pelas pessoas que trabalham na contenção ou por pessoal dedicado e treinado a realizar essa tarefa. M 6.25 A área do laboratório deve ser mantida livre de objetos desnecessários ao trabalho ou daqueles cuja descontaminação seja difícil de ser realizada. M 6.26 A elaboração de relatório e outros papéis de trabalhos devem ser mantidos separados das áreas onde materiais infectantes são manipulados. M 6.27 Todo material contaminado deve ser transportado em recipientes fechados resistentes à quebra, quando não em uma cabine de segurança biológica. M 6.28 Mãos devem ser lavadas depois da remoção das luvas internas e antes de deixar o laboratório. M 6.29 Quando aventais descartáveis não são vestidos, vestimentas contaminadas devem ser descontaminadas antes de serem lavadas. M 6.30 Deve ser realizada a verificação da eficácia das autoclaves, usando indicador de temperatura apropriado. Os resultados devem ser mantidos em arquivo, incluindo os registros dos ciclos (por exemplo, tempo, temperatura e pressão). M 6.31 Materiais sensíveis ao calor, que não podem ser autoclavados, devem ser descontaminados no perímetro de contenção. M 6.32 Um inventário de controle positivo deve ser mantido e documentado. O acesso a esse material deve ser controlado. M 6.33 Os protocolos devem ser estabelecidos antes do início dos trabalhos, sendo o treinamento do pessoal um aspecto crítico e que pode envolver o trabalho inicial com tecidos não infectados. M 6.34 Relatórios detalhados dos processos de certificação e de testes devem ser mantidos. M o trabalho em nível 2 de biossegurança, usando as práticas pertinentes ao nível 3. Por outro lado, o Canadian Food Inspection Agency (CFIA, 2011) e a FAO (2007) recomendam que os laboratórios de diagnóstico das EETs trabalhem em nível mínimo de segurança 2, com requisitos adicionais (Quadro 1), dos quais se destacam: a) a entrada do laboratório deve permitir a separação dos EPIs da roupa do técnico, preferencialmente em uma ante-sala; b) as superfícies de trabalho devem ser não porosas, passíveis de limpeza e resistentes aos procedimentos de descontaminação; c) o uso de cabine de segurança biológica com sistema bag-in/bag-out é recomendável e, se não for possível, deve ser estabelecido procedimento de contenção para a remoção segura do filtro HEPA; d) a autoclave deve ser idealmente localizada no laboratório; caso contrário, protocolos adequados para a identificação do resíduo gerado (incluindo a indicação dos parâmetros de tratamento) e o transporte seguro deles devem ser estabelecidos; e) os equipamentos e materiais usados no laboratório devem ser, na medida do possível, de Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 uso dedicado, descartáveis (no caso de materiais) e serem submetidos a procedimentos efetivos de descontaminação; f) no caso de manipulação de tecidos suspeitos, embora não seja necessário o tratamento de efluentes, é recomendável que procedimentos operacionais adequados para coleta e tratamento sejam adotados como medida de precaução em virtude de um caso positivo ser confirmado. Para a FAO (2007), a orientação é a de que, além dos procedimentos gerais de proteção, algumas recomendações, sejam também observadas. (Quadro 2) Para o transporte, o material infectante deve estar acondicionado de forma robusta, segura e encontrar-se apropriadamente identificado, sendo somente manipulado no interior da cabine de segurança biológica. De forma ideal, as amostras devem ser armazenadas no laboratório onde serão manipuladas (ACDP, 2003). Em relação à proteção individual do operador, devese ter em mente que as conseqüências a curto e longo prazos da exposição das mucosas oral e nasal ao príon não são conhecidas e a infecção inalatória ou por ingestão indireta de aerossóis contaminados não podem ser totalmente descartadas (LEUNDA-CASI et al., 2009). 75 dOENÇAS INFECCIOSAS Quadro 2. Alguns critérios de biossegurança, segundo a FAO (2007). Recomendações Observações Os laboratórios envolvidos com BSE devem possuir uma área de trabalho A antessala criada por essas duas portas pode também ser usada como separada, com acesso restrito e documentado, feito por meio de portas vestiário, sendo que a porta externa deve conter o símbolo de perigo duplas. biológico. As superfícies do laboratório devem ser resistentes a ácidos, bases e As superfícies devem ser regularmente submetidas a procedimentos desinfetantes agressivos de descontaminação; O laboratório deve possuir cabine de segurança biológica classe II B2, com sistema vertical de fluxo de ar ascendente e filtros compatíveis com Filtros Hepa ou Ulpa. as menores partículas possíveis Uso de equipamentos e materiais de uso dedicado ou descartáveis Recomendação para evitar a contaminação cruzada. Presença de uma autoclave capaz de atingir temperaturas superiores A autoclave deve estar presente, idealmente no laboratório ou, no mínia 134°C. mo, na mesma instalação. O pessoal do laboratório deve colocar luvas de proteção antes de adentrar no recinto e outros equipamentos de proteção individual (EPIs) Esses paramentos não devem sair do laboratório, a menos para o descartambém devem ser utilizados, incluindo jalecos, óculos de proteção ou te final e somente com autoclavação prévia. protetores de face, sapatos dedicados ou propés. Uso de dupla luvagem e o uso de mangotes durante a manipulação na Para prevenção de qualquer contato entre a amostra e a vestimenta do cabine de segurança biológica técnico. O laboratório deve garantir o nível de qualidade e segurança padrão, O laboratório deve seguir as boas práticas microbiológicas e estabelecer um programa de garantia da qualidade. Todos os materiais que tenham contato com amostras devem ser con- A descontaminação é, portanto, uma etapa imprescindível, havendo siderados contaminados, o que implica que tudo que tiver de sair do procedimentos específicos para resíduos sólidos, líquidos, instrumentos laboratório deve ser previamente descontaminado. ou equipamentos ou superfícies. Assim, no contexto laboratorial, o treinamento dos envolvidos na manipulação de tecidos e fluidos, potencialmente contaminados, é essencial (CFIA, 2011), a fim de evitar a emissão de aerossóis ou gotículas. Além disso, é altamente recomendada a utilização de EPIs para evitar a exposição acidental (CDC, 2009), como luvas de procedimento, de proteção a cortes, de proteção química, mangotes, avental, toucas, propés e máscaras, de preferência, confeccionados em material descartável (CDC, 2009; CFIA, 2011). DESCONTAMINAÇÃO A conformação estrutural do príon é a responsável pela sua particular resistência aos métodos de descontaminação química e física, usualmente empregados em laboratórios biológicos (OMS, 2004, LEUNDA-CASI et al., 2009), havendo, ainda, diferenças entre as diversas variantes de príons quanto ao grau de resistência à inativação por proteases ou ao calor (LEUNDA-CASI et al., 2009). De qualquer forma, a irradiação, fervura, autoclavação ao ciclo de 121°C, por 18 minutos ou o emprego de seis ciclos sucessivos de três minutos são ineficientes (CDC, 2009; LEUNDA-CASI et al., 2009). Ressalte-se a permanência ambiental do príon, que pode sobreviver no solo por pelo menos três anos (BROWN e ABEE, 2005). Outro ponto crítico consiste no fato de que a fixação de tecidos em formaldeído ou glutaraldeído e a inclusão em parafina mantêm a infectividade do príon por muito tempo, quiçá indefinidamente (OMS, 1999; VLA, 1999; LEUNDA-CASI et al., 2009). 76 Todas essas particularidades, associadas ao fato de que a proteína priônica tem alta afinidade e forte ligação a materiais de aço inoxidável, fazem com que o processo de descontaminação seja alvo de grande debate, com o foco voltado para o uso de altas temperaturas e substâncias químicas corrosivas. Nesse sentido, a associação desses métodos físicos e químicos é o que tem sido mais frequentemente defendida como a de maior eficiência na descontaminação de príons (CDC, 2009; LEUNDA-CASI et al., 2009). É importante ressaltar que mesmo as técnicas de descontaminação combinadas e reconhecidas como mais eficientes não eliminam totalmente a infectividade residual, sendo apenas a destruição por incineração, em temperaturas superiores a 1.000°C, a forma segura de eliminação total do príon (OMS, 1999; CDC, 2009). A incineração é, portanto, a opção de descontaminação de escolha para todos os instrumentos e materiais descartáveis e para os resíduos, notadamente os tecidos com alta infectividade (OMS, 1999). Vale salientar que os processos químicos efetivos de descontaminação apresentam riscos ocupacionais e são extremamente corrosivos para a maioria dos materiais e superfícies empregados em laboratório e, por isso, é aconselhável que sejam empregados materiais descartáveis na rotina (Quadro 3). Quando não é possível, recomenda-se que os materiais sejam mantidos úmidos até a limpeza e descontaminação, sejam rapidamente limpos para evitar que o biológico resseque e que não haja Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Quadro 3. Eficácia de agentes químicos e físicos na descontaminação de príons (BROWN e ABEE, 2005). Métodos químicos Ineficazes Parcialmente eficazes Eficazes Álcool Dióxido de cloro Hipoclorito de sódio Amônia Glutaraldeído Hidróxido de sódio (1-2 N) β-propiolactona Iodóforos Ácido fórmico (100%) Detergentes Tiocianato de guanidina (4M) Óxido de etileno Dicloroisocianurato de sódio Formaldeído Metaperiodato de sódio Ácido hidroclórico Ureia (6-8M) Peróxido de hidrogênio Ácido peracético Permanganato Fenólicos Métodos físicos Fervura (100 °C) Calor úmido (121°C) Calor úmido (134°C) Radiação de micro-ondas Calor seco (300°C) Calor seco (>600°C) Radiação UV Radiação ionizante (≥50 kg) mistura de materiais empregados em tecidos potencialmente contaminados com os demais (OMS, 1999; LEUNDA-CASI et al., 2009). PROCESSAMENTO HISTOPATOLÓGICO Entre as recomendações específicas para o processamento histopatológico, está a necessidade de descontaminação das amostras pós-fixadas em formol, sendo usualmente recomendado o ácido fórmico para essa finalidade (OMS, 1999; ACDP, 2009b; VLA, 2009), pois reduz a infectividade da amostra a níveis negligenciáveis e, apesar de os fragmentos tenderem a tornarem-se friáveis, há boa preservação da morfologia histológica (OMS, 1999). Esse procedimento não deve ser realizado em tecidos frescos (apenas nos pós-fixados em formol), nem em tecidos previamente expostos a fenol, que interage deleteriamente com o ácido fórmico (ACDP, 2009a; ACDP, 2009b). Caso esse procedimento não seja realizado, as amostras são consideradas infectantes durante todo o procedimento, desde a fixação até a montagem das lâminas e os instrumentos utilizados no processamento devem ser de uso dedicado (exclusivo), já que não há procedimento factível para sua descontaminação (OMS, 1999). Nesse caso, também, após a colocação da lamínula, as lâminas devem necessariamente ser descontaminadas externamente e rotuladas como material infectante e, no caso de dano ou quebra, devem ser descontaminadas e encaminhadas para incineração (OMS, 1999). De forma geral, as amostras são clivadas em fragmentos de 4 a 5 mm e são imersas em ácido fórmico 98% por 30 minutos a uma hora (tempo preferencial), sob agitação suave e exaustão, e, em Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 seguida, devem ser mantidas em formaldeído 10% tamponado por 45 a 48 horas antes do processamento (OMS, 1999; ACDP, 2003; OMS, 2004; ACDP, 2009b; CDC, 2009). Segundo a FAO (2011), os fragmentos clivados e colocados nos cassetes devem ser imersos em ácido fórmico e mantidos sob agitação durante uma hora; em seguida, devem ser enxaguados em água destilada corrente por, no mínimo, 15 minutos e, então, recolocados em solução fresca de formol e mantidos por cerca de 12 horas (overnight). A solução de ácido fórmico utilizada no procedimento pode ser reutilizada três vezes antes do descarte. Após o tratamento com ácido fórmico, os tecidos podem ser processados e manipulados sob as mesmas precauções de rotina das outras amostras; pode ser utilizado um micrótomo não dedicado (não exclusivo) para a microtomia dos blocos de parafina, mas a navalha deve ser descartável e retirada antes da utilização em outro tipo de material. Os debris resultantes desse procedimento devem ser retirados e encaminhados para incineração (ACDP, 2009b). Outra prática recomendável é a de realizar a descontaminação das lâminas prontas com o ácido fórmico, antes que sejam retiradas do ambiente laboratorial de contenção (GAVIER-WIDÉN et al., 2005). O resíduo líquido, como o formol utilizado na remessa das amostras, deve ser coletado em um recipiente com capacidade para 4 litros que, inicialmente, contenha 600 mL de hidróxido de sódio 6N (CDC, 2009). Os frascos que acondicionam as amostras fixadas em formol devem também ser fechados apropriadamente, descontaminados, selados em sacos plásticos, rotulados com a indicação de material infectante e armazenados separadamente. Para manuseio da amostra, o frasco deve ser colocado sobre 77 dOENÇAS INFECCIOSAS Quadro 4. Procedimentos de descontaminação de instrumentos, equipamentos, materiais e superfícies. Recomendações Observações Imersão em hidróxido de sódio 1N, aquecimento em autoclave gravitacional (gravity displacement autoclave) a 121°C 30 minutos; a limpeza, enxague e esterilização são feitas da forma convencional (OMS, 1999; CDC, 2009). O utensílio utilizado para imersão dos materiais e autoclavação deve ser tampado e capaz de coletar o vapor condensado de hidróxido de sódio; também, deve-se evitar o derrame dessa solução no interior do equipamento e serem adotadas medidas de proteção ocupacional durante o procedimento e retirada do material da autoclave (BROWN et al., 2004); Imergir em hidróxido de sódio 1N ou hipoclorito de sódio (20.000 ppm) por uma hora. Transferir para água destilada e para autoclave gravitacional a 121°C por uma hora. A limpeza, enxague e esterilização são feitas da forma convencional (OMS, 1999; CDC, 2009) Imergir em hidróxido de sódio 1N ou hipoclorito de sódio (20.000 ppm) por uma hora. Enxaguar em água destilada, transferir para um recipiente aberto e autoclavar a 121°C em autoclave gravitacional ou 134 °C em autoclave do tipo porous load por uma hora. A limpeza, enxague e esterilização são feitas da forma convencional (OMS, 1999; CDC, 2009) Imergir em hidróxido de sódio e fervura por 10 minutos a pressão atmosférica. A limpeza, enxague e esterilização de forma convencional (OMS, 1999) Imergir em hipoclorito de sódio (preferência) ou hidróxido de sódio (alternativa) à temperatura ambiente por uma hora. A limpeza, enxague e esterilização de forma convencional (OMS, 1999) Autoclavar a 134°C, durante 18 minutos - essa forma pode não ser efetiva nos piores cenários, como, por exemplo, quando há o endurecimento e ressecamento do tecido sobre a superfície (OMS, 1999). Outras referências (VLA, 1999; ACDP, 2009a) recomendam autoclavar a 134-138°C por 18 minutos a 30 lb/in ou seis ciclos sucessivos de três minutos cada, ressaltando que no limite inferior da faixa de temperatura a inativação do agente pode não ser completamente efetiva. Resíduos de bancada descartáveis (tais como luvas e aventais) devem ser autoclavados (tipo porous load) a 134-137°C em ciclo único de 18 minutos ou em 6 sucessivos ciclos de 3 minutos cada, seguido de incineração (OMS, 2004). Superfícies ou instrumentos sensíveis ao calor podem ser tratados com hidróxido de sódio 2N ou hipoclorito de sódio (20.000 ppm) por uma hora (ou overnight para equipamentos). Assegurar que a superfície mantém-se úmida durante todo o processo e em seguida, enxaguar com água. Antes do tratamento químico, recomenda-se que a contaminação grossa da superfície seja reduzida, com retirada do excesso de material orgânico, já que isso reduz a força das soluções anteriores (OMS, 1999; VLA, 1999; CDC, 2009). Resíduos líquidos potencialmente contaminados com príons devem ser tratados com hipoclorito de sódio (20.000 ppm) durante uma hora. Solução desinfetante fenólica (como a Environ LpH®) pode ser usada em superfícies laváveis, duras, não porosas (como chão, placas, equipamentos), itens (como instrumentos não descartáveis, lâminas) e/ou resíduos de soluções laboratoriais, como a formalina (CDC, 2009). Pequenos materiais (secos), resistentes a hidróxido de sódio ou hipoclorito de sódio, imergir em uma dessas soluções anteriores e autoclavar (tipo porous load) a 121°C por uma hora. No caso de grandes materiais (secos) ou materiais de qualquer tamanho não resistentes às soluções anteriores, autoclavar a 134°C por uma hora. Quadro 5. Procedimentos de descontaminação, divididos por grupos, segundo a FAO (2007). Grupo 78 Procedimento A Resíduos sólidos: devem ser coletados em lixeiras fechadas, com pedal; em seu interior devem ser utilizados sacos de lixo autoclaváveis, identificados com o símbolo de risco biológico. A lixeira deve ser esvaziada em intervalos regulares e o transporte do saco de lixo até a autoclave realizado com procedimento validado, podendo ser identificados pontos críticos nesse trajeto, os quais devem ser analisados e adaptados corretamente. Os resíduos sólidos devem ser autoclavados a 134°C a 3 bar de pressão, durante uma hora (ou outra circunstância internacionalmente aceita) ou incinerados. B Resíduos líquidos: devem ser incinerados ou autoclavados sob as mesmas condições empregadas nos resíduos sólidos, na medida do possível. Entretanto, nos casos em que não for possível autoclavar ou incinerar, o resíduo líquido deve ser descontaminado com solução de hidróxido de sódio, por uma hora, de forma que a concentração final (da solução de hidróxido de sódio + resíduo líquido) esteja em 2N. C Instrumentos: sempre que possível, os instrumentos devem ser autoclavados. Caso não seja possível, devem ser imersos durante uma hora em hipoclorito de sódio 4% ou hidróxido de sódio 2N (atentar para a possibilidade de dano ao instrumento pelo caráter altamente oxidativo). D Equipamentos e superfícies: a única forma de descontaminação de grandes equipamentos e superfícies é colocando-os em contato com papel toalha embebido com hipoclorito de sódio 4% ou hidróxido de sódio 2N durante uma hora; em seguida, devem ser enxaguados com água para neutralização. No caso do laboratório em si (como paredes, piso, prateleiras) devem ser descontaminados em períodos regulares. A cabine de segurança biológica deve ser descontaminada, sempre, após cada uso usando as soluções citadas anteriormente. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 material descartável, onde deve ser realizada toda manipulação do tecido; a área e o frasco serão descontaminados e o frasco colocado em um novo saco plástico para o correto armazenamento (OMS, 1999). PROCEDIMENTOS DE DESCONTAMINAÇÃO No caso de instrumentos, equipamentos, materiais e superfícies, os seguintes métodos de inativação do príon, descritos no Quadro 4, são aplicáveis. Sendo assim, materiais de laboratório reutilizáveis devem ser imersos em solução fresca de hipoclorito de sódio (1:5) ou hidróxido de sódio 1N, devendo ser mantidos pelo menos durante uma hora (ou, se possível, overnight); devem ser abundantemente enxaguados em água corrente antes de serem embalados para autoclavação a 134-138°C por, pelo menos, 20 minutos; essa combinação de métodos físicos e químicos é recomendável para todos os materiais contaminados, independente do tipo de tecido animal envolvido (alta ou baixa infectividade) (BROWN e ABEE, 2005). Segundo a FAO (2007), os procedimentos de descontaminação a serem adotados são divididos em quatro grupos conforme explicitado no Quadro 5. O Quadro 6 mostra alguns procedimentos de descontaminação e descarte sugeridos pela ACDP (2009b). No caso do CFIA (2011), as recomendações publicadas são semelhantes às da FAO, uma vez que estão baseadas nas diretrizes da OMS, ressaltando-se que não há método validado para testar a ação de desinfetantes contra príons (Quadro 7). Quadro 6. Procedimentos de descontaminação e descartes para laboratórios de diagnóstico das EETs (ACDP, 2009b). Item Ação Tempo de contato Tecidos fixados em formol Imersão em ácido fórmico 96%. Vestimenta descartável Disposição em dupla ensacagem e incineração. - Navalhas e instrumentos descartáveis 1. Descontaminação com hidróxido de sódio 2M; 60 minutos Instrumentos de metal não descartáveis Superfícies 2. Coleta em recipiente adequado, dupla ensacagem e envio para incineração. 1. Imersão em hidróxido de sódio 2M; 60 minutos 60 minutos 2. Autoclavação a 134°C. 3 minutos 1. Descontaminação com hidróxido de sódio 2M; 60 minutos 2. Em seguida, enxague abundante; - Xilol, clorofórmio, água contaminada, líquidos Absorção em serragem em recipiente tampado resistente à combustão, contaminados (como formol, solventes) dupla ensacagem e envio para incineração. - 1. Se os tecidos foram descontaminados com ácido fórmico, proceder como qualquer outro material de uso em Patologia; - 2. Se os tecidos não foram descontaminados com ácido fórmico, colocar em recipiente resistente, com tampa e envio para incineração. - Se forem utilizados após a descontaminação das amostras, nenhum procedimento especial é necessário. - Resíduos de parafina de microtomia Equipamentos especiais de patologia Quadro 7. Procedimentos de descontaminação, segundo CFIA (2007). Material Procedimento Tecidos infectados Incineração a 850°C ou a hidrólise alcalina. Lixo sólido Incineração a 850°C (altamente recomendado); a autoclavação a 134°C por uma hora e o tratamento químico com hidróxido de sódio ou hipoclorito de sódio (em seguida, deve-se transferir para água antes de autoclavar a 121°C). Instrumentos descartáveis Incineração a 850°C; a limpeza completa do material, seguida da imersão em hipoclorito de sódio (2% de cloro disponível), durante uma hora a 20°C e, então, o descarte; a limpeza mecânica do material, imersão em hidróxido de sódio 2M, durante uma hora a 20°C e, em seguida, o descarte; a limpeza mecânica do material, seguida da autoclavação a 134138°C por uma hora e, então, descarte. Toalhas e papéis usados para secar instrumentos limpos Devem ser tratados como resíduos sólidos. Instrumentos permanentes (devem ser mantidos umedecidos no período de tempo entre a exposição ao material infectante e a realização do procedimento de limpeza e descontaminação) Limpeza mecânica do material, incineração em hipoclorito de sódio (2% de cloro disponível), durante uma hora a 20°C; a limpeza completa do material, imersão em hidróxido de sódio 2M, durante uma hora a 20°C, seguida de enxague em água e, então, autoclavação a 134-138°C por 18 minutos; a limpeza completa do material, imersão em hidróxido de sódio 1N ou hipoclorito de sódio (2% de cloro disponível), durante uma hora, enxague com água, seguida de transferência para água e autoclavação a 121°C por uma hora. Líquidos Autoclavação a 134°C, uma hora; a incineração a 850°C ou a mistura com hipoclorito de sódio até concentração final que contenha cloro (2% de cloro disponível), durante uma hora. Superfícies Limpeza mecânica seguida da aplicação abundante de solução de hipoclorito de sódio (2% de cloro disponível) e manutenção por uma hora a 20°C para, então, seguir o enxague com água; a limpeza mecânica seguida da aplicação abundante de hidróxido de sódio 2M, manutenção por uma hora a 20°C e enxague com água. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 79 dOENÇAS INFECCIOSAS Quadro 8. Recomendações sobre os cuidados com as soluções de descontaminação, tipos de autoclaves utilizadas e cuidados pessoais. Tópico Observações Familiarizar-se com os químicos Observar as guias de segurança para o trabalho, lendo cuidadosamente as fichas de segurança e os rótulos dos produtos e usando EPIs apropriados para prevenção de exposição química. Hidróxido de sódio. O hidróxido de sódio 1N reage com o CO2 formando carbonatos que neutralizam o hidróxido de sódio e reduzem a sua eficácia, devendo, portanto, ser preparado imediatamente antes do uso; por outro lado, a solução de hidróxido de sódio 10N não reage com o CO2, podendo servir como solução estoque para o preparo da solução a 1N. Essas soluções devem ser mantidas em frascos âmbar, fechados e apropriadamente identificados e preparadas antes de cada uso. O hidróxido de sódio pode ser corrosivo para alguns tipos de aço inoxidável (deve-se testar antes do uso) e sabidamente corrosivo para vidro, alumínio e zinco. Hipoclorito de sódio No caso do hipoclorito de sódio, a exposição à luz e ao ar reduz o cloro disponível. Desta forma, essas soluções devem ser mantidas em frascos âmbar, fechados e apropriadamente identificados e preparadas imediatamente antes de cada uso. A solução estoque tem um prazo de validade de até duas a três semanas. O hipoclorito de sódio não é corrosivo para vidro e alumínio, mas é corrosivo para metais e aço inoxidável (pode ser usado no máximo até 5.000 ppm) e para autoclaves e não pode ser usado nos banhos destinados a autoclavação (diferentemente do hidróxido de sódio). Outro ponto crítico é o fato de ser incompatível com álcool, ácidos e formaldeído, havendo risco de explosão. Caso seja utilizado para limpar instrumentos ou materiais, estes devem ser enxaguados completamente antes da autoclavação. O hidróxido de sódio é cáustico, mas tem ação relativamente lenta à temperatura ambiente, podendo ser removido da pele ou da roupa pelo enxague com água. Por outro lado, a solução aquecida de hidróxido de sódio é agressivamente cáustica e somente deve ser manipulada após o resfriamento. Pode liberar partículas que são perigosas e irritantes. Cuidados pessoais O hipoclorito de sódio elimina cloro constantemente e deve ser mantido em frasco completamente fechado e ao abrigo da luz. O total de cloro liberado durante o procedimento de descontaminação pode ser o suficiente para criar dano respiratório, a menos que seja realizado em local bem ventilado ou isolado. Autoclaves Autoclaves gravitacionais são utilizadas na descontaminação geral e esterilização de soluções e instrumentos; as autoclaves do tipo porous load são otimizadas para a esterilização de instrumentos limpos, roupas, panos, toalhas e outros materiais secos (como os de uso cirúrgico), não sendo adequadas para a esterilização de líquidos. Para descontaminação de amplas áreas ou de cabines de segurança biológica, a fumigação com formaldeído não deve ser utilizada, já que pode ampliar a resistência do príon (LEUNDA-CASI et al., 2009). Em contrapartida, segundo a OMS (2004), a utilização de vaporização com formaldeído deve ser considerada para fins de inativação de outros possíveis agentes patogênicos presentes nas amostras manipuladas. Assim, as superfícies de trabalho das cabines de segurança biológica devem ser recobertas por material descartável, descontaminadas com hidróxido de sódio 1N e enxaguadas com água e o filtro HEPA ensacado e incinerado (CDC, 2009), a pelo menos 1.000°C (OMS, 2004). Vale, ainda, destacar as recomendações sobre os cuidados com as soluções de descontaminação e tipos de autoclaves utilizadas (OMS, 1999; ACDP, 2003; ACDP, 2009a; CFIA, 2011 – Quadro 8). 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS Dadas as particularidades das encefalopatias espongiformes transmissíveis (EETs), tanto em relação às próprias características das enfermidades priônicas, tais como a transmissibilidade, a dificuldade de diagnóstico antemortem, a alta resistência do agente infectante aos métodos convencionais de descontaminação química e física usualmente empregados em laboratórios, associado ao fato de que a fixação de tecidos em formaldeído ou glutaraldeído e a inclusão em parafina mantém a infectividade do príon, e que a proteína priônica tem alta afinidade e forte ligação a materiais confeccionados com aço inoxidável, torna-se extremamente relevante que os laboratórios envolvidos com a manipulação de amostras de tecidos animais, potencialmente contaminadas com príons, avaliem as recomendações internacionais de biosseguranca aplicáveis. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Referências Bibliográficas ACDP. Advisory Committee on Dangerous Pathogens. Laboratory containment and control measures. 2003. Transmissible spongiform encephalopathy agents: safe working and the prevention of infection. Disponível em: < http://www.dh.gov.uk/ ab/ACDP/TSEguidance/index.htm>. Acesso em: 8 jul. 2011. ACDP. Advisory Committee on Dangerous Pathogens. General principles of decontamination and waste disposal. Annex C. 2009a. Transmissible spongiform encephalopathy agents: safe working and the prevention of infection. Disponível em: < http://www.dh.gov. uk/ab/ACDP/TSEguidance/index.htm>. Acesso em: 8 jul. 2011. ACDP. Advisory Committee on Dangerous Pathogens. Guidelines for pathologists and pathology laboratories for the handling of tissues from patients with, or at risk of, CJD or vCJD. . 2009b. Transmissible spongiform encephalopathy agents: safe work ing and the prevention of infection. 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Mapa, DF Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Pedro Moacyr Pinto Coelho Mota Médico Veterinário, CRMV-MG nº 0961. Lanagro/MG 81 opinião RECONHECER AS PRESSÕES SOCIAIS EM PROL DO BEM-ESTAR ANIMAL E AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DE IGNORÁ-LAS Maria Jose Hötzel Médica Veterinária – CRMV-SC nº 3791 Mestrado em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutorado e Pós-doutorado em Ciência Animal pela The University of Western Australia. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Segundo Marian Dawkins, os principais desafios impostos aos cientistas que atuam na questão do bem -estar animal podem ser sintetizados em: os animais têm consciência? Como avaliar o bem-estar animal? Na prática, como usar a ciência para melhorar o bem -estar animal? Mesmo com as limitações científicas para demonstração da existência de consciência em animais, existem evidências de que, em algum grau e de alguma forma, os animais possuem consciência de sofrimento e prazer. Também, nas últimas décadas, houve avanço no desenvolvimento e validação de metodologias para avaliar o bem-estar animal, que permitem identificar pontos positivos e aqueles a melhorar nas práticas de manejo. E, em relação ao terceiro desafio, esforços têm sido investidos no desenvolvimento de alternativas para promover o bem-estar dos animais aliado às expectativas da sociedade e a realidade dos sistemas de produção. Porém, a relação das práticas desenvolvidas e validadas para melhorar o bem-estar e os sistemas de criação animal é, no mínimo, tímida, e certamente aquém das expectativas daqueles preocupados com os animais usados para produzir alimentos. A pesquisa científica, por meio de metodologias interdisciplinares, pode ajudar-nos a identificar e compreender as barreiras para a adoção de práticas que promovem o bem-estar animal. Citaremos como exemplo a descorna de bezerros, uma vez que são crescentemente questionadas pela sociedade aquelas práticas que causam dor. Em resposta, a ciência tem avançado, e a literatura científica 82 evidencia que a descorna causa dor e estresse ao bezerro e que é possível evitá-los. A descorna gera mudanças no comportamento e fisiologia, que podem persistir por 24 horas ou mais, ocasionar perda de peso, e pode, ainda, resultar em estados emocionais negativos ao bezerro. Alternativas de manejo, eficazes para prevenir ou minimizar a dor, são a escolha da idade e método apropriados associadosà recursos farmacológicos. Mesmo assim, em vários países, em muitas propriedades, bezerros de aptidão leiteira, são descornados por técnicas inadequadas, em idades inapropriadas e sem tratamento da dor. Uma conclusão natural é que tanto produtores quanto profissionais não se importam com o bem-estar desses animais. No entanto, a situação é complexa, como evidenciado em pesquisas realizadas com agricultores e extensionistas (Médicos Veterinários, Agrônomos e Técnicos Agrícolas) em Santa Catarina, por meio de questionários online e abordagens qualitativas da Sociologia e da Psicologia Social para investigar o conhecimento, as crenças e o comportamento em relação a descorna de bezerros leiteiros. Em especial, foi avaliado o papel dos profissionais da extensão na aprovação ou rejeição de estratégias para mitigação da dor na descorna. Cerca de 99% dos técnicos acreditam que os animais sentem dor, e afirmam que eles deveriam estar livres desse sentimento e do estresse submetido durante a criação. Por outro lado, manifestam que o método de descorna com ferro quente provoca pouca Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Arquivo da autora Descornas realizadas com uso de pasta (esquerda) e ferro quente (direita) dor e por “pouco tempo”. Também, apesar da demonstração de conhecimento dos métodos existentes para minimizar a dor, eles recomendam ou usam o método de cauterização com ferro quente, sem medicação associada, que foi descrito como o método mais eficaz, mais barato, mais seguro e mais rápido de descorna de bezerros, e o mais desejado pelos produtores. Os técnicos descrevem como obstáculos às práticas capazes de minimizar a dor o aumento dos custos e do trabalho, além da expectativa de resistência dos produtores, o que apontam como ameaça ao seu próprio emprego. Enfatizam que os pecuaristas não aceitam mudanças nas práticas que acarretem falta de retorno econômico ou resultem em aumento de mão de obra. Entretanto, essa avaliação realizada pelos técnicos parece estar influenciada pelas suas próprias atitudes em relação à criação animal, que são orientadas prioritariamente para o aumento da produção. Apesar do relatado, os agricultores e técnicos ouvidos nas pesquisas, expressaram sentimentos em relação à dor e ao sofrimento dos seus animais, e referem-se a eles como indivíduos e às vezes, os chamam por nome: “para poder conversar sobre eles” ou “porque demonstra o nosso carinho”. Pesquisas realizadas na Europa mostram que Médicos Veterinários tendem a superestimar a produção e o desempenho financeiro pelos pecuaristas, em detrimento de ações por bem-estar animal, e geneRevista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 ralizam a crença da barreira econômica. Produtores afirmaram que a descorna com ferro quente e sem mitigação da dor é a única alternativa apresentada pelos técnicos desde que esses, algumas décadas atrás, introduziram a prática da descorna na região. É interessante que os técnicos justificaram a sua recomendação nas suas percepções sobre a receptividade dos agricultores às alternativas, e não em experiências concretas de rejeição dos agricultores às alternativas. Agricultores e técnicos concordaram que a descorna é prática essencial na atividade leiteira, mas ambos parecem ignorar a rejeição do consumidor às práticas que causam dor. Essas práticas foram mencionadas somente por alguns técnicos, e avaliadas como pouco impactantes nas suas decisões de manejo. Para mediar os possíveis conflitos, os técnicos precisam reconhecer as pressões sociais em prol do bem-estar animal e as possíveis consequências de ignorá-las. A crescente conscientização do consumidor sugere um cenário emergente de crescente pressão social para incorporar bem-estar animal às práticas de produção. Essa pressão da comunidade internacional (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), já influencia o Brasil a preparar legislação específica. Mas são importantes ações relacionadas a programas de extensão rural, inserindo políticas que considerem a promoção do bem-estar como meta dos programas de assistência técnica e financiamento rural. 83 Conselhos Regionais de Medicina Veterinária Acre Rua Peru nº 515 Conjunto Habitasa, Quadra F, Casa 25 – Bairro Cerâmica – 69905–106 – Rio Branco/AC (68) 3224–5570 [email protected] Espírito Santo Rua Cyro Lima, 125 – Enseada do Suá – 29050-230 – Vitória/ES (27) 3324-3877 www.crmves.org.br – [email protected] Alagoas Rua 26 de Abril, 299 – Bairro Poço – 57025–570 – Maceió/AL (82) 3221–2086 crmv–[email protected] Goiás Av. Universitária, nº 2169, Qd. 113–A, Lts. 7–E, St. Leste Universitário – 74610-100 – Goiânia/GO (62) 3269-6500 www.crmvgo.org.br – [email protected] Amapá Rua Hamilton Silva, 2441–A – Bairro do Trem – 68902-010– Macapá/AP (96) 3225-1861 [email protected] Maranhão Rua Astolfo Marques nº 57 – Apeadouro 65036-070 – São Luís/MA (98) 3243-2833 www.crmvma.org.br [email protected] Amazonas Rua B, Qd. 03, Casa 01, Conjunto Jardim Yolanda – Parque Dez – 69055-090 – Manaus/AM (92) 3236–1813 www.crmvam.org.br – [email protected] Bahia Estrada de São Lázaro, 21/23 – Bairro Federação – 40210-630 – Salvador/BA (71) 3082-8188 www.crmvba.org.br – [email protected] Ceará Rua Dr. José Lourenço, 3288 – Bairro Aldeota – 60115-280 – Fortaleza/CE (85) 3272-4886 www.crmv-ce.org.br – [email protected] Distrito Federal SCS Quadra 1, Bloco “E”, Edifício Ceará – 14º andar – 70303-900 – Brasília/DF Tel: (61) 3223-5802 www.crmvdf.org.br – [email protected] 84 Mato Grosso Rua Batista das Neves, nº 649 – Centro Norte – 78005-190 – Cuiabá/MT (65) 3634-2534 www.crmv-mt.org.br – [email protected] Mato Grosso do Sul Rua Brilhante nº 1989 – Vila Bandeirantes 79006-560 – Campo Grande/MS (67) 3331-1655 www.crmvms.org.br – [email protected] Minas Gerais Rua Platina, nº 189 – Prado – 30411-131 Belo Horizonte/MG (31) 3311-4100 www.crmvmg.org.br – [email protected] Pará Trav. Curuzú, 2318, Marco – 66085-823 – Belém/PA (91) 3249-0444 www.crmvpa.org.br – [email protected] Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Paraíba Praça Pedro Gondin, 127 – Torre – Caixa Postal: 76 58040-360 – João Pessoa/PB (83) 3222-7980 www.crmvpb.org.br – [email protected] Rondônia Av. Buenos Aires, 2530 – Bairro Embratel 76820-876 – Porto Velho/RO (69) 3222-2560 [email protected] – www.crmv-ro.org.br Paraná Rua Fernandes de Barros, 675 – Alto da Rua XV – 80040-200 – Curitiba/PR (41) 3263-2511 www.crmv-pr.org.br – [email protected] Roraima Rua Brás de Aguiar, nº 90 – Bairro de Mecejana – 69304-460 – Boa Vista/RR (95) 3224-5103 [email protected] Pernambuco Rua Conselheiro Theodoro, 460 – Zumbi 50711-030 – Recife/PE (81) 3797-2517 www.crmvpe.com.br – [email protected] Santa Catarina Rod. Admar Gonzaga, 755 – 3º andar Itacorubi – 88034-000 – Florianópolis/SC (48) 3232-7750 [email protected] – www.crmvsc.org.br Piauí Av. Joaquim Ribeiro, 1830 – Bairro Sul 64019-760 – Teresina/PI (86) 3222-9733 www.crmv-pi.org.br – [email protected] São Paulo Rua Apeninos, 1088 Paraíso – 04104-021 – São Paulo/SP (11) 5908-4799 www.crmvsp.org.br – [email protected] Rio de Janeiro Rua da Alfândega, 91 – 14º andar – Centro 20070-003 – Rio de Janeiro/RJ (21) 2576-7281 www.crmvrj.org.br – [email protected] Sergipe Rua Campo do Brito, 1151, São José 49020-380 - Aracajú/SE (79) 3211-9905 [email protected] – www.crmvse.org.br Rio Grande do Norte Rua Segundo Wanderley, 668 – Barro Vermelho – 59030-050 – Natal/RN (84) 3221-3290 www.crmvrn.org.br – [email protected] Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 1793 - 90035-006 Porto Alegre/RS (51) 2104-0566 www.crmvrs.gov.br – [email protected] Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013 Tocantins Av. Teotônio Segurado, Quadra 602 Sul, Conj. 01 Lote 06 - 77022-002 -Palmas/TO (63) 3214-1077 [email protected] – www.crmvto.org.br Mantenha seus dados atualizados em seu Conselho Regional para que possa receber informações de sua profissão 85 Publicações Fundamentos do comportamento canino e felino Ceres Beger Faraco e Guilherme Marques Soares Editora MedVet www.medvetlivros.com.br Os problemas de comportamento são motivos frequentes de consulta ao Médico Veterinário especializado em animais de companhia. Este livro é, certamente, uma iniciativa pioneira na língua portuguesa para auxiliar a prática da Medicina do Comportamento, tanto para estudantes quanto para profissionais da Medicina Veterinária. Seu objetivo fundamental é conhecer o comportamento normal do cão e do gato, como passo essencial para entender os problemas e os distúrbios clínicos associados. MEU FILHO, UM DIA TUDO ISSO SERÁ TEU Richard Jakubasako e Fábio Lamônica Pereira Editora UFV www.livraria.ufv.br e-mail: [email protected] O autor aborda a questão da transferência de patrimônio a herdeiros, de forma original do ponto de vista dos costumes e estimula a ação, especialmente nos casos que envolvem não apenas bens e outros valores de mais fácil quantificação e divisão, mas, principalmente, negócios e empreendimentos cuja continuidade seria a coroação de todo o esforço e talento realizador de quem tem o patrimônio a transferir. É um guia pratico para heranças, testamentos e transmissão de patrimônio a herdeiros. O Sonho Possível 50 anos da FMVZ – Unesp – Botucatu FMVZ/Unesp Tel.: (14) 3880-2001 email: [email protected] Em quase duzentas páginas, a obra traça a história de luta dos botucatuenses para a criação da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB). Aborda ainda os tempos em que a Faculdade funcionava no chamado “Morrinho”, depois, a criação da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e a estruturação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Por fim, oferece um panorama atual das atividades da unidade. Dentre os textos, o artigo “Saber, experiência e profissionalismo” é de autoria do Presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda sobre o papel da instituição na formação profissional. AGRONEGÓCIO – UMA ABORDAGEM ECONÔMICA Judas Tadeu Grassi Mendes Editora Makron Books www.relativa.com.br 86 Estruturado de maneira didática e objetiva, o livro traça um paralelo entre o agronegócio brasileiro e o mercado internacional e aborda vários fatores-chave no setor, como comercialização e desenvolvimento econômico, demanda, consumo e produção de alimentos, análise de mercados agrícolas e análise de preços agropecuários, entre outros. Além disso, é repleto de exemplos do contexto atual e inclui questões para discussão e revisão, que direcionam e complementam a compreensão do conteúdo apresentado. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XIX - nº 59 - 2013
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