Talvez falte a pedra! Força!
Transcrição
Talvez falte a pedra! Força!
TEMPO JOVEM A sopa do texto Albino Brás foto Ana Paula Era eu ainda criança quando me falaram da sopa da pedra. Esta designação causou-me, inicialmente, um impacto negativo. Da pedra?! Não soava bem, nem ao ouvido e, menos ainda, ao paladar. Veio-me à memória aquela minúscula pedrinha que, escondida na sopa de feijão que a minha mãe um dia preparara e que, ao comê-la, inadvertidamente trinquei um objecto estranho que me partiu um dente. Era, como dizia, uma pedrita que terá entrado na sopa à boleia dos feijões trazidos da horta da família. Portanto, me empreste uma panela, de preferência bem grande, e farei uma deliciosa sopa de pedra. Mas o senhor vai mesmo cozinhar a pedra? – questiona-o, intrigada. – Claro! – E vai sair daqui uma sopa muito saborosa – responde-lhe. A mulher, ainda meio incrédula, pega na maior panela que tem na cozinha, enche-a com água, põe-na ao lume e, tomada pela curiosidade, corre a contar às vizinhas o que ali estava a acontecer. Quando a água entrou em ebulição, já toda a vizinhança ali se Talvez falte a pedra! Força! A pedra é apenas o ponto de partida as memórias não eram as melhores como para enxergar virtudes na tal sopa da pedra. Só mais tarde me contaram a história de tão estranho manjar, cujo nome me causara alguma aversão. A sopa de todos Diz a história, que agora conto numa versão livre, que um certo homem, bate à porta de uma senhora rica. Assustada, a senhora atende. Ele, com fome, suplica-lhe comida. Ela, sem titubear, diz-lhe que não tem nada para lhe dar. Que não seja por isso, apressa-se ele a dizer, não se preocupe pois trago comigo uma pedra de sopa. Basta que a senhora FÁTIMA MISSIONÁRIA 26 Edição LIII | Fevereiro de 2007 encontrava. Ficam atentos. O forasteiro deixa cair a pedra na água e, logo após, prova com a colher e faz saber como estava deliciosa. Mas, com um senão. Ficaria melhor ainda se lhe trouxessem uma tigela de feijão. Uma das vizinhas falou da farta colheita de feijão que teve naquele ano e apressa-se a trazer uma bela porção. E coze, com a pedra, em lume brando. Nova prova. Estava ainda melhor. Mas, para ele, faltava algo ainda. Pede um pouco de carne. Outra vizinha corre e traz a carne bem fresca, fruto da matança do porco nessa mesma semana. Deita-a na panela. Ferve. Prova. E o homem pede mais e mais. E, nesta mesma empreitada, segue o corrupio de vizinhas que mundo vão trazendo outros ingredientes: batatas, couves, cenouras, massa, sal, cebola e azeite. Com a pedra, tudo fervia. Enquanto esperavam, aproveitavam para se aquecer à volta da fogueira e conversavam muito, contando histórias de hoje e de antigamente. Um rasto de fraternidade No fim, o forasteiro pede pratos para toda a gente. Com estes, veio também o pão, as frutas... Todos se sentaram e o anfitrião começou a distribuir a sopa da pedra. Comeram, entusiasticamente felizes, na partilha da comida e da alegria. A pedra tinha dado um sabor muito especial àquela sopa. Entretanto, e sem que ninguém se apercebesse, o forasteiro aproveitou para se ir embora, deixando atrás de si um rasto de fraternidade. E mais: deixara ali a milagrosa pedra de sopa, que eles poderiam usar sempre que quisessem fazer a mais deliciosa sopa de pedra do mundo. Já ao longe, olha para trás e pôde comprovar como ali estava uma casa não só iluminada por dentro mas, também, por fora. Pessoas que raramente se viam, confraternizavam à volta de uma panela velha cheia de sopa de pedra. E não consta que alguém tivesse partido algum dente ao comer aquela sopa de pedra. Lição de vida Esta é uma parábola que pode ser lida de várias perspectivas. Gosto espe- Para reflexão A nível pessoal cialmente de tirar esta conclusão: Às vezes até temos pouco, mas se não colocamos em comum esse pouco que temos, não será fácil descobrir a riqueza da partilha. Com outros somos muitos. E o bem comum só se realiza no dar-se e no doar-se, na partilha dos dons e dos bens. Atrevo-me a dizer que o missionário é, não só mas também, aquele que leva consigo a pedra da sopa; porque imbuí do do espírito de Deus, quer suscitar a vida. Com Jesus, quer ser um servidor, mas também um facilitador, despertando dons, carismas, tantas coisas adormecidas. Sabe que há diversidade de dons e ministérios, mas a comunhão não nasce por geração espontânea. Deus já está presente como Palavra eterna no seio de todos os povos e culturas, à espera de alguém que, com a pedra da sopa faça acontecer o milagre da vida. O milagre da Missão. Chama-me a atenção que, no final da história, o personagem principal, depois de ter conseguido que todos partilhassem os seus bens, a comida e a alegria, simplesmente saia de cena. Os jovens tem uma vocação natural para abraçar causas e acreditar que até mesmo o impossível pode ser possível. Basta para tal aprender a partilhar e levar outros a fazê-lo: sonhos, ideais, causas comuns. Talvez falte a pedra! Força! A pedra é apenas o ponto de partida para uma sopa que será, certamente, muito boa! A sopa universal! [email protected] FÁTIMA MISSIONÁRIA 27 Edição LIII | Fevereiro de 2007 – Esta história, que fala de colaboração, solidariedade, partilha, festa, faz-te lembrar alguma passagem da Bíblia? Qual? – O que é partilhar? E o que mais te custa partilhar? Porquê? – Compara esta história com a realidade. Encontras alguma semelhança? – Conheces alguma pessoa (ou pessoas) que se possa relacionar com a personagem da história? No teu grupo de jovens: – Faz uma lista de factos e atitudes que possam estar simbolizados na pedra e, seguidamente, põe-nos por ordem de importância. A importância que cada um lhe dá no fortalecimento dos laços comunitários, na globalização da solidariedade, na luta por um mundo mais justo, na criação de uma nova sociedade. Em que medida a pedra foi o segredo da sopa? – Na prática do dia a dia o que é que podem significar o feijão, as batatas, o sal… Aplica-o a situações concretas como, por exemplo, a vocação como dom, o voluntariado missionário, o esforço de todos pela paz, a luta contra a fome e a favor da justiça, a defesa do meio ambiente, a partilha dos dons e dos bens, na perspectiva do bem comum.