a crise do processo civil: uma visão crítica
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a crise do processo civil: uma visão crítica
1 A CRISE DO PROCESSO CIVIL: UMA VISÃO CRÍTICA Por JOSÉ ADELMY DA SILVA ACIOLI Professor Auxiliar de Direito do Trabalho e Previdenciário da Universidade Federal de Alagoas 1. A crise do processo: Em épocas remotas, nas quais o Estado, aqui empregado como Poder Político, inexistia ou era incipiente (não tendo força para se sobrepor aos indivíduos), permitia-se aos litigantes a autotutela de seus interesses, gerando fatores de insegurança social, tendentes a suscitar à ruptura da vida em coletividade. Com o transpassar da história, o Estado se fortaleceu assumindo o monopólio da Jurisdição, isto é, da capacidade de dizer o direito, submetendo as partes à decisão por ele anunciada. Em face desse citado monopólio, nasceu ínsita a idéia de processo, que significa avançar, proceder em direção a um fim, ou seja, tornouse necessária a existência de atos teleologicamente ordenados a alcançar um fim, qual seja, o pronunciamento estatal acerca do direito em litígio (sentença). Dessarte, durante muito tempo, o processo foi concebido como uma mera sucessão de atos (rito, procedimento) numa visão sincrética da tutela de direitos1, até que, em meados do século passado, passou por uma profunda revisão dogmática, cujo marco é 1868 com a obra de BÜLOW, La Teoria de las Excepciones Procesales y los Pressupuestos Procesales, ganhando, a partir daí, status de ciência autônoma, com meios próprios de investigação científica, 1 FLÁVIO LUIZ YARSHELL, Tutela Jurisdicional específica ..., p. 16; 2 o que só foi possível com o questionamento do caráter civilista da ação, como destaca YARSHELL2. Assim, o processo passou a ser encarado numa perspectiva instrumental, como assevera DINAMARCO3, trazendo, como aspecto positivo, a crença na aptidão do processo ao cumprimento de seus objetivos sócio-políticojurídicos, e, como negativo, uma tendência processualizante, verificada pelo excessivo apego ao formalismo e sua dissociação à realidade social, culminada pela consagração dos meios em detrimentos dos fins processuais. Com efeito, a sociedade cresceu, os conflitos se multiplicaram e a prestação jurisdicional tornou-se morosa, máxime pela consagração do procedimento processual por excelência, vale dizer, o procedimento ordinário, que permite a cognição plena e exauriente do direito em litígio, repelindo sua cognição parcial, sumarizada, relegando-a à excepcionalidade. Houve, portanto, a priorização da segurança jurídica, entendida como o direito dos litigantes à cognição exaustiva do direito em litígio, ensejando a amplitude do contraditório, da defesa, da interposição de recursos, etc, em detrimento da tempestividade da prestação jurisdicional, em última análise, entendida como acesso à Justiça. Tem-se, na prática, uma tensão entre esses dois valores, que, abstratamente, são compatíveis e harmonizados pelo texto constitucional e entre os quais não há qualquer hierarquia, mas que na prática ensejam uma nítida colisão de direitos fundamentais, trazida à baila por ZAVASCKI4, evidenciando a impossibilidade de sua interpretação de modo absoluto, haja vista sofrerem restrições pela própria Constituição e pelo sistema jurídico que dela emana. 2 Obra Cit., p.56; Em A Instrumentalidade do Processo, p.266/268; 4 TEORI ALBINO ZAVASCKI, em Antecipação de tutela e colisão de direitos fundamentais, p. 09/10; 3 3 O procedimento ordinário, primado no postulado da segurança jurídica, faz com que seja suscitada a desigualdade das partes na relação jurídico-processual, uma vez que o ônus da demora do processo recai exclusivamente no autor, tendo se afastado da realidade social, inserindo o princípio da neutralidade que obsta a criação de um procedimento capaz de distribuir racionalmente o tempo do litígio. 1.1 - A demora do processo: Como dissemos na página 02, o processo tornou-se excessivamente formalista, preterindo a celeridade em detrimento da segurança, entendendo-se a demora do processo como um mal necessário à cognição definitiva do direito, havendo um afastamento da ciência processual em relação ao que se passa na realidade social, promovendo uma inquietação geral que transcende à ciência do Direito, preocupando sociólogos, antropólogos, psicólogos, economistas, políticos e a sociedade como um todo, que pode ser resumida numa indagação fundamental para o estudo da crise do processo, trazida por CAPPELLETTI5, qual seja, a de “a que preço e em benefício de quem estes sistemas de fato funcionam”. Tradicionalmente, para conceituar autor e réu, a grande maioria da doutrina prende-se a dizer que o primeiro é aquele que pleiteia o reconhecimento de um direito subjetivo e o último, o que requer a declaração de inexistência desse direito alegado pelo autor. Entrementes, poucos dão conta, como destaca MARINONI6, que aquele pretende, em regra, a modificação da realidade existente e este, a manutenção do status quo. Esta percepção aparentemente prosaica traz à tona toda a discussão que envolve o processo em face da colisão existente entre o direito à celeridade e o direito à segurança jurídica. 5 MAURO CAPPELLETTI, Acesso à Justiça, p. 7; LUIZ GUILHERME MARINONI, em Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença, p. 18; 6 4 Em verdade, o tempo do processo sempre foi visto de forma secundária, com o réu que não tem razão7 beneficiando-se da morosidade processual em detrimento da angústia causada na vida particular do autor, vale dizer, acarretando-lhe danos de toda a ordem, não só patrimoniais, mas também morais. Inobstante, há aqueles que entendem que a demora processual é necessária à cognição definitiva do direito, sendo até mesmo natural à tramitação do processo8, máxime pela consagração constitucional do princípio da ampla defesa, que admite, segundo alguns, defesa abusivas com o fito de obstar a realização do direito do autor. Ora, como diz MARINONI9, “a defesa é direito nos limites em que é exercida de forma razoável ou nos limites em que não retarda, indevidamente, a realização do direito do autor”. Fora desses casos, deve ser coibida pela lei, pelos jurista de um modo geral e, máxime, pelos Magistrados que não podem ficar alheios ao que está acontecendo no plano fáctico do processo, que é um instrumento não só técnico, mas sobretudo ético e político. Como afirmava CARNELUTTI10, “o tempo é o inimigo contra o qual o juiz luta sem descanso”. Não bastasse isso, é preciso entender que o princípio da inafastabilidade da apreciação da lesão ou ameaça de direito pelo Judiciário, concebido modernamente como a tutela efetiva, isto é, tempestiva e adequada à razão de ser do processo, qual seja, a de dar a cada um exatamente o que é seu, é norma constitucional tal qual a “ampla defesa”, inexistindo qualquer hierarquia entre elas. 7 Expressão de MARINONI, obra cit., p. 19; J. E. FRIAS, em Tutela antecipada em face da Fazenda Pública, p. 60; 9 Obra cit., p. 20; 10 Apud ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, em Novas observações sobre a efetividade do processo, p. 115; 8 5 Para FRITZ BAUR11, “somente procedimentos céleres preenchem a finalidade do processo, dando-lhes efetividade”. Com efeito, a justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível12. A demora processual, por si só, infringe no autor um manancial danoso denominado por ITALO ANDOLINA 13 de dano marginal em sentido estrito ou dano marginal por indução processual. Dessa forma, se ou autor for obrigado a esperar a coisa julgada material acerca de um direito, de logo provado (seja pela apresentação de provas irrefutáveis, seja pela incontrovérsia ou pelo reconhecimento do pedido, ainda que parcialmente), para requerer a execução, a ele terá sido imposto um dano marginal, com o processo servindo ao réu que não tem razão14. É claro, portanto, que se deve racionalizar o tempo da demanda de forma igualitária entre os litigantes, equilibrando-se a relação processual em torno do princípio da isonomia, porquanto o direito a um provimento jurisdicional tempestivo e adequado trata-se indiscutivelmente de um direito de cidadania15 Não podemos perder de vista, é certo, que o “processo instantâneo é uma verdadeira quimera”16, sendo curial observar-se que “um processo extremamente seguro, mas excessivamente lento é tão inadequado quanto outro bastante rápido, mas sem nenhuma segurança”17, pelo que tem-se que buscar formas de equilibrar a balança, garantindo-se um processo tão rápido quanto 11 Apud VALDIR FLORINDO, em Tutela Antecipatória - Um Direito de Cidadania, p.26; CAPELLETTI, obra cit., p. 20/21; 13 Apud MARINONI, obra cit., p. 22; 14 A propósito, veja-se o lúcido pensamento de MARINONI, no que pertine à extensão dos danos em face do autor da demanda, ocasionado pela demora processual, in verbis: “Se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana e se o bem perseguido interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida do homem das ruas, não pode ter seus sentimentos, as suas angústias e as sua decepções desprezadas pelos responsáveis pela administração da Justiça.” (Obra cit., p. 19); 15 Expressão de VALDIR FLORINDO, em Obra cit., p. 26; 16 ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, obra cit., p. 116; 17 Ib idem; 12 6 possível, afim de se obter uma maior segurança nos provimentos juridicionais. A tutela antecipada, as medidas cautelares e as técnicas de sumarização de demandas em geral, são os meios próprios para tal fim. 1.2 - Crítica à unificação de procedimentos em detrimento da existência de direito diferenciados: O processo civil, como dissemos na primeira página desse artigo, surgiu como ciência autônoma no século passado, momento histórico em que o pensamento científico estava inserido no ideal do liberalismo, cujo cerne era marcado pelo brocardo laissez faire, laissez passer, com o Estado se abstendo de intervir nas relações humanas, atuando apenas para garantir e tutelar a liberdade, a propriedade e a iniciativa econômica. Era o Estado mínimo. Assim, para o sucesso do liberalismo capitalista, tornou-se imprescindível a existência da figura inerte e impotente dos juízes, cujo mister restringia-se à aplicação lógica de dizer o direito, sem quaisquer poderes para intervir na relação litigiosa. A própria clássica tripartição dos poderes de MONTESQUIEU fomentou esse absenteísmo do Judiciário em relação à realidade social, haja vista destinar-lhe a função precípua do cumprimento das leis, pura e simplesmente, sem contudo, legar-lhe a competência de interpretá-las e adequálas ao concretismo dos fatos, distintos em cada relação processual, a fim de sair da sua passividade em relação às injustiças provenientes da lentidão e da manutenção do status quo que o procedimento ordinário alimenta. Destarte, resta claro que o mito da neutralidade dos juízes, marcado pela ausência de qualquer vontade inconsciente e pela teorização do conceito de ação, como adverte Ovídio Baptista 18, serviram para escamotear a 18 Em Curso de Processo Civil, vol. 1, p. 95; 7 tendência que se formava para a universalização do procedimento ordinário, em que há completa cognição e as partes discutem o objeto em litígio de forma irrestrita, formando-se uma única ação, de cunho eminentemente abstrato, pelo que desnecessária e ilógica seria a classificação de outros tipos de ações, que trariam o processo à realidade, vale dizer, as chamadas ações especiais (assim denominadas por desviarem-se do rito padrão), chegando alguns autores, como por exemplo FREDERICO MARQUES19, a aceitar sua inclusão nas compilações modernas de normas processuais, “como simples homenagem à tradição, tanto menos justificada quanto mais progredia a “ciência” processual”. Em outras palavras, a doutrina clássica, sem se dar conta do distanciamento do processo em relação ao direito material, responsável pela sua inefetividade, e influenciada pela teoria unitária do ordenamento jurídico, segundo a qual as normas de direito material são insuficientes à composição das lides, passou a entender que somente a sentença declaratória de mérito, fundada em cognição plena e exauriente, resolveria completamente o litígio, sendo, portanto, os juízos de cognição sumária de natureza provisória e excepcional. Ocorre que esse padrão procedimental, tornou-se insuficiente e inadequado às exigências de uma sociedade de massas que logrou enorme progresso durante este século com o encurtamento das distâncias, modernização das comunicações, que culminaram na instantaneidade das relações interhumanas, provocando uma transformação sócio-cultural sem precedentes na história da civilização do homem, exigindo um processo mais célere, a fim de compor os “novos litígios” que não podem se sujeitar à morosidade do procedimento ordinário, trazendo à tona sua limitação e, mais que isso, sua superação. Com efeito, é de se desnaturar a ilusão que tomou conta dos operadores do direito, de que a segurança jurídica ou, em outros termos, a 19 Apud OVÍDIO BAPTISTA, obra cit., p. 95; 8 “busca da verdade” somente é alcançada pela cognição plena, entendendo-se, nesse caso, que qualquer error in judicando seria ocasionado pelas partes que não trouxeram as provas e os meios necessários ao julgamento da lide. Hoje, há necessidade premente de se priorizar tutelas fundadas na urgência de provimento, fugindo da visão retrógrada do procedimento ordinário de que juízos fundados em verossimilhança é um risco imensurável e inaceitável. O processualista tem de compreender, com ensina OVÍDIO BAPTISTA 20, que o “instrumento com ele labora não poderá jamais oferecer uma solução absolutamente ideal e imune a qualquer inconveniente”. Assim, contrariando o postulado do procedimento ordinário padrão que obsta ao Magistrado qualquer meio de realização do direito do autor antes de plena cognição do direito e prolação de sentença de mérito (ordo judiciorum probatorum) foi redescoberto o procedimento cautelar, o famoso tertium genus, o qual, no sentir de LIEBMAN21, aparenta existir simultaneamente os procedimentos de conhecimento e de execução. A preocupação com a efetividade dos direitos subjetivos situou-se em sua necessidade social de proteção22. Para FAIREN GUILLÉN23, a aplicação de juízos sumários é de fundamental importância para a concepção de um processo moderno por quatro razões que por si só se explicam: ratione parva quantitatis; ratione parvii prejudicii; ratione urgentia necessitatis; e ratione miserabilium personarum. Destarte, os provimentos fundados em tutelas de urgência e juízos de verossimilhança, consagrando a efetividade dos direitos subjetivos, marcada 20 Em Curso de Processo Civil, vol. III, p. 13; Apud OVÍDIO BAPTISTA, em obra cit., vol. III, p. 15; 22 Expressão de FRITZ BAUR, em Tutela Jurídica mediante Cautelares, p. 17. Continuando sua linha de raciocínio, traduz a mais pura essência do instituto, pelo que transcrevemos: “... pretende-se que o provimento provisório venha a compensar transitoriamente a fraqueza do indivíduo frente ao mais forte ou ao poder de um grupo, ou que venha a remediar temporariamente estados de necessidades sociais e agudos.” (Ib idem ) 21 9 pela rapidez da prestação jurisdicional, são grandes inovações científicas na seara do processo civil, em combate à lentidão, inadequação e superação do procedimento ordinário como rito padrão, consistindo basicamente na adequação da “natureza do direito pleiteado e dos meios necessários à sua efetivação”24, no intuito de fazer prevalecer o aspecto positivo da instrumentalização do processo, qual seja, sua aptidão de compor o litígio, realizando exatamente e tudo aquilo que o vencedor tenha o direito de conseguir, e em cumprimento à sua função sócio-político-econômica, abandonando, para isso, o mito da neutralidade, haja vista o processo não ser somente um instrumento técnico, mas, máxime, ético e político, como já tivemos oportunidade de afirmar. Esse “novo processo”, na expressão de CALMON DE PASSOS 25, passará necessariamente pela superação: do mito da neutralidade; do entendimento do processo como garantia de direitos individuais, concebendo-o como instrumento político de fundamental importância na participação do cidadão com vistas a promover a atuação dos agentes políticos na realização dos interesses coletivos e transindividuais; do mito da separação de poderes, emergindo um sistema de freios e contrapesos para o controle do poder político e econômico. 1.3 - A falácia do princípio nula executio sine titulo: A cognição sempre foi encarada como aspecto estritamente necessário para a legitimação da capacidade do Estado dizer o direito, como medida tendente a certificar a res deducta e forma de não cometimento de injustiças na composição de conflitos intersubjetivos, criando um clima amplamente favorável à universalização do procedimento ordinário, marcado pelo mito da neutralidade estatal. 23 24 Apud KAZUO WATANABE, em Cognição no Processo Civil, p. 98; JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, em Direito e Processo, p. 53; 10 Alegando razões de ordem histórica, PONTES DE MIRANDA26 conclui as concepções processualísticas em três princípios: tese, em que a execução forçada do devedor somente poderia ser realizada após a cognição plena e da coisa julgada; Antítese, em que se promovia execuções forçadas sem a existência de um título jurídico que fosse a sentença; e Síntese, que se deveria buscar para admitir normas executivas sem cognição completa ou exauriente da res in judicium deducta. Neste momento, é curial notar-se que os sistemas jurídicos, de uma maneira geral, sempre foram impostos “de cima para baixo”, isto é, das elites dominantes, detentoras do capital e do poder político, para o cidadão comum, pelo que o princípio da nula executio sine titulo servia e serve até hoje, para impossibilitar a execução direta de um direito, instando passar por toda a morosidade do procedimento ordinário para eliminar um elemento dito nocivo à situação jurídica substancial, vale dizer, a incerteza com a qual a sociedade não poderia conviver, razão porque os juízos sumários sempre foram vistos como uma excepcionalidade, evitável sempre que possível. Ocorre que esse falso postulado não foi suficientemente observado quando o próprio Estado arvorou-se de privilégios, como o procedimento do Executivo Fiscal, ou quando os empresários se beneficiaram da Teoria dos Títulos de Crédito, ambos livrando-se da lentidão do rito ordinário, executando diretamente o seu credor.27 Em vista dessa problemática e denunciando esses privilégios, ANDREA PROTO PISANI28, propõe no direito italiano o alargamento da técnica dos títulos extrajudiciais a todas as hipóteses em que um documento seja capaz de provar o direito do autor. 25 Em Democracia, participação e processo, p. 95; Em Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo III, p. 521; 27 A propósito, veja-se a irresignação de OVÍDIO BAPTISTA com essa situação: “Mesmo assim, e apesar de tal atitude doutrinária, de duvidosa legitimidade, os mesmos escritores que condenavam os “processos sumários”, ou como diz SEGNI, os “juízos especiais”, nunca repudiaram, por exemplo, a longa e laboriosa teoria dos títulos de crédito, por meio dos quais os “empresários” poderiam livrar-se do tão elogiado procedimento ordinário, servindo-se do mais puro e bem feito processo sumário que a doutrina moderna jamais concebeu!” (Obra cit., vol. I, p. 103); 28 Apud MARINONI, obra cit., p. 60) 26 11 Por outro lado, não se pode olvidar que a premissa cogniçãoexecução do princípio da nula executio sine titulo foi direcionado à realização ou satisfação de direitos de natureza patrimonial, sendo inadequada àqueles que consistem numa obrigação de fazer (prestações infungíveis) e de não fazer (isto é, de tolerar ou abster-se). Destarte, como se pode sentir, a tutela executiva tem sempre um caráter sancionador , mercê de na grande maioria dos casos tutelar o direito do exeqüente com a lesão já consumada anteriormente. Em respeito à categoria dos bens jurídicos passíveis de mensuração econômica, como dito acima, o processo executivo pode cumprir seu mister de restituição plena do direito litigioso ao titular, voltando o bem à sua esfera jurídica ou recebendo indenização pelo valor do bem, podendo-se dizer que o processo serviu ao que se destinava. Contudo, há outros bens os quais, consumada a lesão, nada pode ser feito para a sua recomposição ao estado anterior, restando ao ordenamento jurídico acenar, segundo a expressão de BARBOSA MOREIRA 29, com um “prêmio de consolação”, qual seja, o ressarcimento por perdas e danos, reconhecendo sua impotência, fomentando “um pedido de desculpas pela incapacidade de fazer funcionar a contento, o instrumental da tutela”30. Tudo isso acontece, como adverte GABRIEL MARCEL31, pelo fato dos sistemas jurídicos, reflexos da sociedade em que vivemos, estarem mais voltados para o ter do que para o ser, ficando vários outros direitos, como os relativos à personalidade, ao meio ambiente e, mormente, àqueles que envolvem interesses transindividuais ou difusos, sem uma tutela jurisdicional adequada, porquanto as lesões neles configuradas sejam irreversíveis. 29 Em Tutela Sancionatória e Tutela Preventiva, p. 23; Ib idem; 31 Apud BARBOSA MOREIRA, obra cit. , p. 23; 30 12 Os adoradores da ordinariedade, de logo, poderão dizer: para isto serve o processo cautelar, com suas liminares, classificadas por CALAMANDREI32 como provimentos verdadeiramente executivos, quando proferidos após a sentença declaratória de mérito (arrestos, seqüestros, ...) e falsamente executivos, quando prolatados antes de certificado o direito pelo ato final do processo de conhecimento. Ocorre que as tutelas cautelares têm a característica da provisoriedade, com interesse imediato pela eficácia do processo principal e não pelo direito ameaçado de ser lesionado. O que se deve buscar, são tutelas preventivas33, de procedimentos singelos e ágeis, com vistas a tutelar de forma imediata, e não provisória, o direito subjetivo litigioso sob ameaça de lesão, sendo uma tese que refoge aos rígidos postulados do princípio da nula executio sine titulo. Destarte, os operadores do direito têm de procurar pensar novas maneiras de se enfrentar a questão da demora processual, seja tomando lições no direito estrangeiro, seja buscando soluções internas, não se conformando com a idéia de que somente pela cognição plena, com ampla dilação probatória, muitas vezes desnecessárias, se alcance a realização da tutela jurisdicional, olvidando os devastos efeitos que ela traz na vida dos litigantes, sobretudo nos mais débeis economicamente, e não concebendo tais danos como males necessários à boa distribuição de justiça , porque, como diz OVÍDIO BAPTISTA 34, “a consciência da crise é já o prenúncio de que o espírito humano prepara-se para superá-la, na medida em que rompe com o imobilismo provocado pela ilusão dogmática”. 32 Apud OVÍDIO BAPTISTA, Obra cit., vol. III, p. 19; Expressão de BARBOSA MOREIRA, obra cit., p. 25; 34 Em Democracia Moderna e Processo Civil, p. 99. 33 13 BIBLIOGRAFIA BAUR, Fritz - Tutela Jurídica mediante Medidas Cautelares, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1985. Trad. Armindo Edgar Laux; BEDAQUE, José Roberto dos Santos - Direito e Processo Influência do Direito Material sob o Processo, São Paulo: Malheiros Editores, 1995; CÂMARA, Alexandre Freitas - Novas observações sobre a efetividade do processo. In “Doutrina”, Rio de Janeiro: Instituto de Direito, 1996, vol. 3. Coordenação James Tubenchlak. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Brian - Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1988. Trad. Ellen Gracie Nortfleet. DINARMARCO, Cândido Rangel - A Instrumentalidade do Processo, 5ª edição revista e atualizada, São Paulo: Malheiros Editores, 1996; FLORINDO, Valdir - Tutela antecipatória - Um direito de cidadania. In “Síntese Trabalhista”, ano VII, n. 88, out/96, p. 24/26; FRIAS, J. E. 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