Mapeamento do Artesanato em Cerâmica do Espaço Mauriti – Cabo

Transcrição

Mapeamento do Artesanato em Cerâmica do Espaço Mauriti – Cabo
Mapeamento do
Artesanato em
Cerâmica do Espaço
Mauriti – Cabo de
Santo Agostinho - PE
PROJETO CULTURAL 1564/13
PRODUTOR CULTURAL: TIBÉRIO TABOSA
RELATÓRIO DA PESQUISA
Mapeamento do
Artesanato em Cerâmica
do Espaço Mauriti – Cabo
de Santo Agostinho - PE
PROJETO CULTURAL 1564/13
PRODUTOR CULTURAL: TIBÉRIO TABOSA
Recife, Dezembro de 2014
Sumário
1. Dados Gerais
1.1. Apresentação
1.2. Objetivos da Pesquisa
1.3. Metodologia da Pesquisa
1.4. Equipe Técnica
2. Meta 1. Levantamento dos principais mestres e artesãos e suas técnicas tradicionais
2.1. Contextualização histórico-geográfica do Cabo de Santo Agostinho
2.2. O Processo de Formação da Cerâmica Artesanal no Cabo: revisão sobre a história de constituição
do Espaço Mauriti
2.3. Os Mestres Ceramistas entrevistados
2.3.1. Seu Celé
2.3.2. Seu Deó
2.3.3. Nena
2.4. As técnicas de produção
2.4.1. Extração e preparação de matéria-prima
2.4.2. Modelagem
2.4.3. Queima
2.4.4. Peças históricas
2.5. Centro de Artesanato Arq. Wilson Campos Júnior
2.6. Trajetória histórica da Cerâmica Cabo
2.7. Transformações do Espaço Mauriti
2.7.1. Casa da maromba e estoque de barro
2.7.2. Forno de Seu Celé
2.7.3. Galpão de Seu Celé
2.7.4. Demais galpões
3. Sistematização da Informação
3.1. Memória Histórica
3.2. Pesquisa–ação e os Modos de Fazer
3.3. Captura de Imagem e Sons
3.4. Os Conteúdos Finais Registrados e Disponibilizados
4. Considerações Finais
5. Bibliografia
6. Apêndices
Apêndice A. Transcrição de Entrevista
Apêndice B. Transcrição de Entrevista
Apêndice C. Transcrição de Entrevista
Apêndice D. Transcrição de Entrevista
Apêndice E. Transcrição de Entrevista
Apêndice F. Vídeo de entrevistas com mestres artesãos
Agradecimentos
A delicada tarefa da recuperação de patrimônio imaterial na linguagem artesanato envolve
gente criativa e sensível, que se comunica através de seus discursos, tanto os verbais quanto os
manuais. Estes foram dados de forma espontânea e livre, nos cabendo agora agradecer aos mestres
pelo desprendimento e reiteradas manifestações de dádiva.
Ao Seu Celé, Deó, Nena e tantos outros que nos permitiram contar suas histórias, o nosso muito
obrigado.
A equipe de pesquisadores
1. Dados Gerais
1.1. Apresentação
Este documento apresenta ao Governo do Estado de Pernambuco, por meio do Sistema de
Incentivo à Cultura, o resultado da pesquisa fomentada pelo projeto cultural “Mapeamento do
Artesanato em Cerâmica do Espaço Mauriti – Cabo de Santo Agostinho - PE”.
A pesquisa se propôs a realizar o mapeamento, a recuperação e disponibilização da história do
artesanato em cerâmica do Espaço Mauriti, que está localizado no município do Cabo de Santo
Agostinho, no Estado de Pernambuco e teve como foco os principais eventos emblemáticos
ocorridos ao longo do tempo a partir do relato dos mestres artesãos de maior representatividade do
local sobre o processo de formação do núcleo produtivo e suas técnicas tradicionais.
O projeto propôs quatro metas: Levantamento dos principais mestres e artesãos e suas técnicas
tradicionais; Registro da história de constituição do espaço em documento digital; Registro das
formas das técnicas e do fazer tradicional em cerâmica artesanal em documento digital; e
Disponibilização das informações para o público em geral e pesquisadores do assunto. As três
últimas metas tratam do material audiovisual e da distribuição de todo o material pesquisado, que
serão veiculados de forma online no site do Laboratório O Imaginário e disponibilizado à Fundarpe
para divulgação digital.
1.2. Objetivos da Pesquisa
A pesquisa teve como objetivos:
Geral
Mapear, recuperar e disponibilizar a história do artesanato em cerâmica do Espaço Mauriti,
localizado no município do Cabo de Santo Agostinho – PE, a partir da pesquisa sobre os eventos
emblemáticos ocorridos ao longo do tempo, a memória de mestres/artesãos representativos do
local e o levantamento de suas técnicas tradicionais de produção.
Específicos

Realizar levantamento e registro da história oral a partir da identificação de mestres e
artesãos do Espaço Mauriti;

Pesquisar e registrar o processo de produção artesanal em cerâmica, especialmente o
fazer tradicional;

Organizar e disponibilizar a história da produção artesanal em cerâmica dos mestres
e oleiros Espaço Mauriti;
1.3. Metodologia da Pesquisa
Para condução de pesquisa, foram definidas metas e estratégias metodológicas contendo:
META 1 - Levantamento dos principais mestres e artesãos (pelo menos 03 – três) e suas técnicas
tradicionais
Etapa 01 Rastrear através de acervos públicos os principais mestres da história do artesanato do
Cabo de Santo Agostinho, especificamente do espaço Mauriti;
Etapa 02 Identificar os mestres do Cabo e suas técnicas tradicionais de produção;
Etapa 03 Selecionar os mestres do espaço Mauriti que contribuíram para a formação da história do
lugar;
Tipos e estratégias de pesquisa:
Pesquisa bibliográfica (livros, artigos e periódicos especializados);
Pesquisa documental (arquivos, instituições, etc.);
Pesquisa de campo (observação direta e entrevistas).
META 2 - Registro da história de constituição do espaço em documento digital (áudio e vídeo)
Etapa 04 Levantar a história dos mestres e seu legado;
Etapa 05 Registrar, por meio de registro oral e por imagem, as histórias dos mestres e do lugar;
Tipos e estratégias de pesquisa:
Pesquisa ou estudo de campo (observação direta e entrevistas);
Registro em áudio e vídeo;
META 3 - Registro das formas das técnicas e fazer tradicional em cerâmica artesanal em
documento digital (áudio e vídeo)
Etapa 06 Levantar através de registro oral e por imagem as técnicas de produção artesanal dos
mestres e seu legado;
Etapa 07 Registrar o fazer artesanal e suas técnicas de produção;
Tipos e estratégias de pesquisa:
Pesquisa ou estudo de campo (observação direta e entrevistas);
Registro fotográfico e em vídeo;
Pesquisa-ação (análise da tarefa).
META 4 - Disponibilização das informações para o público em geral e pesquisadores do assunto
Etapa 08 Sistematização das informações;
Etapa 09 Redação do relatório;
Etapa 10 Disponibilização do relatório em formato digital.
1.4. Equipe Técnica
Produtor Executivo
 Tibério César Macêdo Tabosa
Pesquisadores
 Tibério César Macêdo Tabosa
 Ana Maria Queiroz de Andrade
 Virginia Pereira Cavalcanti
Pesquisadores Júniores
 Erimar José Dias e Cordeiro
 Ana Carolina dos Reis Silva
 Vinícius Simões Botelho
 Felipe Rodrigues Soares
 Mariana Souza Melo
 Danyelle do Nascimento Marques
2. Meta 1. Levantamento dos
principais mestres e artesãos e suas
técnicas tradicionais
Para a realização da pesquisa, que se caracteriza como um estudo de caso, foram utilizadas
basicamente três técnicas de pesquisa:
A Documentação (coleta de documentos) é uma fonte de coleta restrita a documentos sendo de
suma importância ao estudo de caso, pois pode ser útil a todos os tópicos e assumir muitas formas:
cartas, memorandos, fotografias, entre outros. Os documentos adquiridos auxiliaram no processo
de aquisição das informações e imagens sobre os aspectos culturais, enfocando a história.
A Entrevista é uma das mais importantes informações para o estudo de caso. Definida como um
procedimento interrogativo, trata-se do encontro entre duas pessoas, entrevistado e entrevistador,
para que o entrevistador obtenha informações sobre determinado assunto. Para essa pesquisa
foram utilizadas entrevistas não-estruturadas, por meio de questionários e gravações.
A Observação direta se referente à observação realizada diretamente no local investigado,
sendo úteis para fornecer informações adicionais em ocasiões em que se está coletando outras
evidências. A observação direta esteve presente em todos os momentos pesquisados junto à
comunidade, auxiliando no registro das informações de cada etapa.
O conjunto das informações, após análise crítica, foi organizado em sete itens principais:
contextualização histórico-geográfica do Cabo de Santo Agostinho; processo de formação da
Cerâmica Artesanal no Cabo; os mestres ceramistas; as técnicas tradicionais; o Centro de
Artesanato Arq. Wilson Campos Júnior; a linha do tempo da Cerâmica Artesanal; as transformações
do espaço Mauriti; e a sistematização das informações.
Muito embora a proposição inicial da pesquisa tenha sido a de reconstituir a história do Espaço
Mauriti, contada pelos seus principais mestres artesãos, a pesquisa não ficaria completa se não se
tratasse também de incluir o novo momento de (re)territorialização da Cerâmica Artesanal do Cabo,
agora no Centro de Artesanato Arq. Wilson Campos Júnior. Por esse motivo, também dedicamos
um item para descrever os primeiros anos de atividade do Centro e os mestres artesãos envolvidos
nesse processo.
2.1. Contextualização histórico-geográfica do Cabo de Santo
Agostinho
A região do Cabo de Santo Agostinho é conhecida não só́ pelo seu litoral composto por belas
praias, mas também pela sua rica história que remete também aos tempos de engenhos. A história
do Cabo também tem relação com inúmeras batalhas, onde índios, de etnia Caetés, negros
africanos, escravos de usinas de engenhos, portugueses, espanhóis e holandeses, lutaram em
defesa da cultura e soberania do lugar. A economia era centrada no desenvolvimento da
monocultura da cana-de-açúcar, posteriormente surgem novos engenhos e o Cabo passa a
representar o poderio econômico da Província de Pernambuco (LIRA, 2007).
Geograficamente, o Cabo de Santo Agostinho está localizado na região metropolitana do
Recife. A 33 km da capital de Pernambuco, seus limites são, Moreno e Jaboatão dos Guararapes ao
norte; ao sul, Ipojuca e Escada, a leste, o oceano Atlântico; e a oeste, Vitória de Santo Antão; e sua
população é de 169.229 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2010). A sua área urbana é composta pela sede e os núcleos urbanos dos distritos e a área
rural é constituída por engenhos, pequenas propriedades e latifúndios.
O município do Cabo de Santo Agostinho congrega atrativos turísticos e potencialidades
econômicas que repercutem no desenvolvimento de todo o Estado, no entanto, mesmo com todo
esse potencial o município apresenta índices que apontam a necessidade de geração de emprego e
renda.
Economicamente, o Cabo se beneficia da localização geográfica, de uma infraestrutura
ferroviária, rodoviária e principalmente do Porto de Suape, para se estabelecer como o maior polo
industrial de Pernambuco e um dos mais importantes complexos portuários do país. O Complexo
Industrial e Portuário de Suape, situado nos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, é a
única entrada e saída naval para toda a Região Nordeste. Isso se torna um atrativo para empresas
interessadas em colocar seus produtos no mercado regional ou exportar para outros países.
2.2. O Processo de Formação da Cerâmica Artesanal no Cabo:
revisão sobre a história de constituição do Espaço Mauriti
Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento da Indústria e Comércio (2007), cerca de 8,5
milhões de pessoas trabalham com a atividade artesanal e aproximadamente 28 bilhões por ano são
movimentados pelo artesanato no Brasil. Parte dessa contribuição vem da região nordeste, na qual
um grande contingente da população tem no artesanato a sua única fonte de renda. Em
Pernambuco, a produção artesanal alcança um total de 75 mil pessoas e envolve localidades com
baixos índices de desenvolvimento humano.
A produção de cerâmica no Cabo de Santo Agostinho é uma das atividades que remonta aos
tempos da colonização, mas a atividade artesanal no município conta também com uma grande
variedade de matérias-primas, como argila, coco, couro, tecido, papel e madeira.
No caso do artesanato cerâmico, as jazidas existentes na região, oriundas da formação
geológica vulcânica, foram um importante elemento mobilizador. Durante séculos, as olarias de
propriedade dos engenhos produziram apenas tijolos e telhas para atender, exclusivamente, às
necessidades internas da principal atividade econômica da zona da mata sul de Pernambuco. Os
utilitários como panelas e potes eram fabricados para engenhos como o Massangana em
modelagem manual, ou seja, sem o auxílio do torno.
A história da produção cerâmica do Cabo ganha força quando essas olarias se tornaram
independentes dos engenhos e começar a produzir os produtos para comercializar na região. Com o
passar do tempo, essas olarias confeccionaram moringas, jarras, panelas, potes, alguidares e pratos
de curau.
Um contexto deste início das olarias no Cabo é descrito por Lira, 2007:
“Nessa época, havia poucas olarias, segundo rememoram os mais velhos: a
olaria de Sindô, Manuel da Paz e Eliotério Nascimento Paz; e a olaria de um
português chamado Henrique Almeida, que produzia apenas manilhas de barro. As
terras onde existiram essas olarias pertenciam ao Engenho Igarapu, que fazia parte
da Usina Santa Inácia, onde hoje se encontram as olarias de Celestino e Zezé, entre
outras.”
Aprendiz na olaria de José do Nascimento, Celestino José Mota Filho, filho de Celestino José
Mota e Josefa Maria Mota, que futuramente seria conhecido como Seu Celé, iniciava os primeiros
passos no universo da cerâmica artesanal nos anos 50. Era o local de trabalho também de Abiud
Trajano e Clementino Cândido. Seu Celé viria a se tornar o criador do que é hoje conhecido como
Espaço Mauriti.
O Espaço Mauriti começa a se constituir como território de produção da cerâmica artesanal do
Cabo quando Seu Celé, em janeiro de 1971, retorna de Limoeiro do Norte – Ceará. Após residir por
dois anos acompanhado de seu pai e toda a sua família, Seu Celé se estabelece numa antiga vacaria,
que é transformada em galpão, abrindo assim a primeira olaria do local. Pouco tempo depois o seu
pai também retornaria do Ceará e se incorporaria ao negócio.
Figura 1. Área aproximada do terreno adquirido para construção da olaria. Fonte: Google Maps, 2012
Seu Celé passa a ser um disseminador da técnica e apoiador da iniciativa de outros moradores
locais na instalação de olarias. Já no final da década de 70 e início de 80, a produção cerâmica do
Cabo atinge seu auge com duas dezenas de unidades produtivas instaladas e funcionando no local e
uma variedade de produtos que iam desde telhas e tijolos, objetos utilitários, tais como moringa e
filtro de água, até objetos decorativos.
Figura 2. Filtros em produção massiva. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004
A produção estava crescente e apenas a cerâmica do Seu Celé e seu pai ocupava um espaço de
mais de mil metros quadrados, empregado em seu ápice 56 pessoas, entre oleiros, ajudantes,
carregadores e motoristas. Entretanto, começaram a acontecer uma série de problemas
relacionados com o fornecimento do barro, pela apropriação das terras onde ficavam as jazidas de
barro pela administração de Suape1, que iniciava a reserva de áreas para sua utilização no complexo
portuário, e também pela proibição do uso de lenha nativa pelo IBAMA. Isto afetou muitos dos
produtores e reduziu a produção. Apenas alguns poucos permaneceram, suportados, na sua
maioria, pelas redes familiares centralizadas em Seu Celé. A figura abaixo, adaptada de Lira,2007,
ilustra o cenário no início dos anos 2000:
Figura 3. Diagrama das redes entre os oleiros.
Este estado de fragilização demandou a criação de um ente jurídico para reverter a situação de
acesso ao barro, de modo de que foi criada, em 1985, a Associação dos Ceramistas e Artesãos do
Cabo, cujo primeiro presidente foi o Seu Celé. O objetivo primário era a organização dos produtores
para formalização da retirada do barro em terras administradas por Suape, o que veio a ocorrer
inicialmente com um contrato de comodato de uso de uma área específica por 10 anos e foi
renovado por períodos distintos e descontínuos até meados de 2014, quando a área em que a boas
jazidas já foram vendidas a novas empresas. Essa ainda é uma questão delicada e em busca de
solução, uma vez que a extração da argila deve envolver necessariamente um planejamento de
manejo sustentável do processo. Já a substituição do uso da lenha nativa ocorreu com o uso de
refugo e retraços de madeira de construção, abundantes na área em função do grande crescimento
de edificações do entorno.
1
O Complexo Industrial Portuário de Suape é detentor do porto de mesmo nome e das terras
adjacentes, onde foram instaladas diversas empresas e indústrias. Também compete à sua
administração a demarcação das propriedades pré-existentes para conter o crescimento e a
conservação ambiental na sua área de abrangência.
No entanto, a partir da década de 1990, a demanda pela produção começou a decrescer. A
qualidade das peças já não condizia com os padrões estabelecidos pelo mercado e a escassez de
novos produtos dificultava a manutenção das vendas. Fonte geradora de emprego e renda para
muitas famílias, muitas olarias fecharam as portas.
A situação só foi alterada a partir de 2003, quando o Laboratório O Imaginário, em parceria com
o Sebrae, definiu junto aos artesãos e outros parceiros uma estratégia de ação que fortalecesse a
produção artesanal da cerâmica utilitária no Cabo de Santo Agostinho.
As ações para melhorias no desenvolvimento de produtos, nos processos de produção e no
apoio a comunicação e a comercialização das peças cerâmicas artesanais, mobilizaram esforços de
empresas, instituições e da comunidade que valorizaram a atividade artesanal no Cabo de Santo
Agostinho. A materialização desse esforço se concretizou no ano de 2007 quando foi construído,
pela Prefeitura do Município, o Centro de Artesanato Arq. Wilson Campos Júnior, melhor detalhado
no item [2.5. Centro de Artesanato Arq. Wilson Campos Júnior], espaço localizado às margens da
PE-60, perimetral de circulação turística do estado, e que favorecia a passagem da rede de gás
natural, com o objetivo de abrigar um forno a gás e ser também um centro de treinamento.
No que diz respeito ao desenvolvimento de novos produtos e a diminuição do uso de recursos
naturais, a estratégia foi manter a técnica e direcionar a um mercado cujo valor agregado é
percebido. A ampliação do portfólio de produtos ofertados para diferentes segmentos de mercado
geraram maiores oportunidades de venda e rentabilidade para os artesãos. Em maior número e com
melhor organização, estes tiveram a oportunidade de concretizar pedidos maiores e divulgarem os
trabalhos de forma mais eficiente. Tais ações, aliadas ao novo espaço, convergiram em premiações,
como o Top 100 Sebrae obtidos nos anos de 2009 e 2012.
Figura 4. Artesãos Nena e Andrea (esquerda e centro) com o troféu do Top 100 Sebrae de 2012, ao
lado da também ganhadora Maria Adélia, do Artesanato Cana-bravo. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2012
O Centro de Produção Artesanal, no entanto, não substituiu o Mauriti, que continuou abrigando
ainda muitos oleiros e mestres artesãos. Ao longo dos anos de 2013 e 2014, uma grande e
emblemática parte do espaço Mauriti foi desativada e transformado em campo de futebol e
garagens, conforme está descrito no item [2.7. Transformações do Espaço].
2.3. Os Mestres Ceramistas entrevistados
Os fazeres e as técnicas da atividade cerâmica da comunidade tradicional artesanal do Espaço
Mauriti estão comprometidos pelo não repasse às novas gerações. Esse rico patrimônio imaterial
precisa e deve ser preservado. A preservação do patrimônio cultural imaterial fortalece as
“referências culturais” dos grupos sociais em sua heterogeneidade e complexidade. É necessário
então, selecionar um conjunto de mestres artesãos que detenham os saberes e as técnicas
necessários para a produção e a preservação dos aspectos dessa forma de expressão da cultura
tradicional. (AMORIM, 2014)
Segundo Fisher e Soares (2010), é atribuída a condição de mestre artesão àquele(a) que possui
os conhecimentos e as técnicas necessárias para a produção, preservação e repasse das artes e
ofícios enraizados no cotidiano de sua comunidade, sendo reconhecido no local onde vivem e por
outros setores culturais.
A transmissão desses conhecimentos formais e tácitos, valores, técnicas e habilidades possibilita
a assimilação, acesso e difusão dos diversos saberes, memórias e histórias presentes na construção
dos discursos da linguagem artesanato.
Para a escolha dos mestres artesãos capazes de revelar o simbólico, o real e a aptidão manual do
universo produtivo da cerâmica artesanal do Espaço Mauriti, optamos por fazer inicialmente uma
pesquisa com os próprios artesãos da área, na busca da identificação dos que sejam considerados
mais representativos. O único requisito foi de que estivessem vivos e em condições de nos oferecer
seus depoimentos. Nessa primeira abordagem, chegamos a uma lista de nove nomes. Em paralelo
fizemos uma compilação para construção de uma lista de nomes baseada em nossa experiência de
trabalho na área, das observações feitas durante a pesquisa e de algumas indicações existentes na
documentação e na bibliografia disponível, basicamente catálogo de feiras, exposições, indicações
para premiações e menções em livros.
Em seguida a equipe de pesquisadores analisou as indicações dos artesãos dentro dos critérios
de validação definidos para a caracterização de um mestre artesão apta para suportar o processo de
preservação do patrimônio imaterial.






Conhecimento dos saberes e das técnicas tradicionais;
Estilo próprio;
Reconhecimento público e pela própria comunidade;
Capacidade de transmitir saberes e técnicas;
Seguidores e aprendizes formados ao longo da carreira;
Disponibilidade para gravar depoimentos e confeccionar algum artefato cerâmico
Ao final do processo fizemos a confrontação com a lista que havíamos previamente construído,
resultando ao final do processo de convergência a seleção de três mestres artesãos para uma série
de entrevistas para coleta de informações históricas, acerca das pessoas, do lugar e dos modos de
fazer, que foram registradas em fotos, áudio de vídeo. Os mestres escolhidos foram: Seu Celé, Deó
e Nena, cujos perfis são apresentados a seguir:
Figura 5. Realização das entrevistas com os mestres artesãos. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2014
2.3.1. Seu Celé
Figura 6. Celestino José Mota Filho – Seu Celé. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004
Nascido no Cabo em 20 de fevereiro de 1939, este é o representante vivo mais importante para
contar a história do Mauriti. Celestino José Mota Filho, mais comumente chamado de Seu Celé, foi o
iniciador da cerâmica na localidade do Mauriti, juntamente com seu pai, Celestino José Mota. Tal é a
importância deles que, no hoje conhecido bairro Mauriti, uma rua leva o nome de Celestino José
Mota, falecido em 1981.
Figura 7. Correspondência com o nome da rua: Celestino José Mota. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2014
Figura 8. Rua Celestino José Mota, Bairro Mauriti. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014
Além da visão empreendedora de montar uma olaria com dezenas de pessoas nas diversas
etapas de produção, Seu Celé é também um hábil oleiro para transformar o barro bruto e peças bem
acabadas. Conta que começou a trabalhar na olaria de José do Nascimento, conhecido como Zezé,
aos 11 anos de idade, onde ajudava a “burnir” a cerâmica (um tipo de polimento na cerâmica, antes
de queimar, para dar um aspecto menos rústico).
No final da década de 60, seu pai resolveu se mudar para o Ceará com toda a família. No Ceará,
morou por cerca de dois anos, em Fortaleza e depois foi em Limoeiro do Norte; mas devido à esposa
não ter se adaptado ao clima, Seu Celé voltou para o Cabo, onde comprou um galpão e abriu a
pequena olaria que anos mais tarde se tornaria um bairro.
Figura 9. Documentos de compra do local. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014
A partir de sua olaria, outras foram surgindo, pois Seu Celé passou a ensinar a várias pessoas do
local a trabalhar com o barro na produção de utilitários e objetos de ornamentação. Assim, foi
vendendo alguns lotes, doando outros e várias residências se instalaram no local.
Foi então que seu pai retornou do Ceará e se incorporou ao negócio, o empreendimento cresceu
e chegou a ter 56 funcionários e ocupar uma área de mil metros quadrados.
Sua personalidade e suas habilidades o credenciam como mestre artesão principal da
comunidade do Mauriti e lhe institucionalizam como líder. Funda em 1985 e é o primeiro presidente
da Associação do Ceramistas do Cabo. Continua influenciando na comunidade e foi um dos
incentivadores da construção do projeto coletivo do Centro de Artesanato Arq. Wilson Campos
Júnior, que tem como um dos objetivos a preservação do legado histórico e identitário do Mauriti.
Em virtude da idade e por dar acompanhamento à esposa convalescente, Seu Celé quase não opera
mais o torno, por falta de tempo, embora ainda mantenha a mesma habilidade e capricho que
sempre foram sua marca. Uma de suas peças, batizada de Petisqueira Celé, é hoje continuada por
outros artesãos, como Nena.
Seu Celé é um mestre artesão com finas habilidades, autor de peças emblemáticas,
reconhecidas e premiadas inclusive no exterior conforme pode ser observado no diagrama
apresentado a seguir, transposto de SILVA, 2009:
Figura 10. Diagrama das peças produzidas por Seu Celé ao longo do tempo. Fonte: Silva, 2009
Figura 11. Petisqueira Celé – peça mais emblemática da produção recente de Celé. Fonte: Acervo
Laboratório O Imaginário, 2004
2.3.2. Seu Deó
Figura 12. Deoclécio José Mariano – Deó. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006
Deoclécio José Mariano, apelidado de Deó, nascido em 03 de junho de 1945, conta que começou
a trabalhar com barro por volta dos 14 anos, aprendendo com o pai, Severino José Mariano, fazendo
panelas.
Já fez peças de cerâmica em Escada, Amaragi, Primavera, entre outras cidades antes de se fixar
no Cabo na década de 70 . Aliás, o convite para vir trabalhar no Mauriti veio do pai de Seu Celé, que
o conheceu na feira de Ribeirão, vendendo panelas de barro. Deó já chegou no Mauriti com o
“status” de oleiro, não precisando passar pelas funções de ajudante, pois já conhecia o processo.
Depois de ter trabalhado com e para Seu Celé por quase 30 anos, Deó hoje ainda mantém dois
tornos e um forno em casa, mas com data certa para desativar. Pensa em como conciliar um bem
merecido descanso com o hábito de estar sempre produzindo.
Deó é um mestre artesão que gostaria de ter mais tempo para desenvolver o seu lado criativo,
que pelas contingências da vida foi dificultado pela pressão da produção em série de peças
demandadas pelo mercado massivo.
Apresentamos a seguir algumas peças emblemática da produção de Deó:
Figura 13. Peças produzidas mais recentemente por Seu Deó. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2006
2.3.3. Nena
Figura 14. Severino Antônio de Lima - Nena. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006
Severino Antônio de Lima nasceu em 15 de junho de 1964 e ganhou a alcunha de Nena desde
muito jovem e assim ficou conhecido. Cresceu em meio à olaria de Seu Celé, onde perambulava
desde garotinho e passou por todas as fases da formação de um oleiro: de curioso a ajudante, de
burnidor a oleiro. Já fez tijolo, telha e depois passou a fazer peças mais elaboradas, como
quartinhas, alguidares e vasos, sempre trabalhando com Clebe Mota, o irmão de Seu Celé.
Talvez por ser um dos artesãos mais novos que tenham trabalhado como oleiro, Nena é um dos
poucos que ainda continua em plena produção, mas dedicado prioritariamente às peças utilitárias e
decorativas de valor agregado.
É um mestre artesão com grande potencialidade criativa e que apresenta características
importantes desta categoria. Gosta de experimentar, é observador das reações de seus
consumidores, colabora com seus pares, gosta de ensinar e tem o artesanato como profissão
assumida em tempo total desde muito jovem.
Tem seu trabalho e estilo já reconhecido por especialistas que fazem pedidos e solicitação de
projetos especiais com muita frequência; dentre as mais recentes, estão os vasos transformados em
luminárias para decoração formulada pelo arquiteto Carlos Augusto Lira para o projeto do Centro
do Artesanato de Pernambuco, inaugurado em 2012. Tem um amplo portfólio de artefatos do qual
se apresenta uma representação a seguir:
Figura 15. Peças produzidas mais recentemente por Nena. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário,
2006
Figura 16. Ovos de Páscoa, produzidos como ação promocional. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2012
2.4. As técnicas de produção
2.4.1. Extração e preparação de matéria-prima
A retirada de argila das jazidas nunca foi uma constante para o grupo de ceramistas. Já foi
doada, vendida, e regularizada por favores políticos. Foi a causa da criação da Associação dos
Ceramistas e Artesãos do Cabo de Santo Agostinho, em março de 1985, por orientação do então
governador Roberto Magalhães.
Uma das maiores dificuldades é que a melhor argila é a mais profunda, logo, é necessário a
escavação das camadas mais superficiais. Como se trata de um grupo com menor grau de
organização, nunca houve aquisição de maquinário para esta etapa, de modo de que todo o
trabalho era feito com pás e enxadas. O transporte é feito por meio de caçambas de caminhão.
Como unidade de medida, cada caminhão de barro era chamado de “carrada”, com cerca de 6
toneladas de argila.
Durante o período das chuvas (de março a agosto), as condições de acesso à jazida e dela própria
não favorecem a atividade, comprometendo o atendimento de pedidos e a qualidade das peças
produzidas.
Figura 17. Retirada manual da argila. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004
O processamento da argila era feito com os pés, como os próprios artesãos chamam, “pisando”
ou “passando” o barro. Nena conta que num galpão com teto baixo de madeira e piso de cimento,
era espalhada areia para que a massa de barro não grudasse no chão. O “passador de barro” fazia
então um exercício de força e equilíbrio, ao se equilibrar na pilha e forçar o espalhamento para em
seguida recompor uma nova pilha e reiniciar o processo. Este espalhamento era feito pelo menos
três vezes com cada porção de barro. Cada “pisador” processava em média 15 porções, que uma vez
espalhada ocupavam cerca de 5 metros quadrados. O objetivo era de misturar o barro para
homogeneizar a mistura.
Figura 18. Demonstração do processamento do barro sem maquinário. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2014
Dois artifícios eram usados nesses processo: o arame, que era passado esticado e de forma
aleatória para retirada de pedaços de pedra, raízes e outros materiais indesejáveis; e o varão de
ferro, usado para quebrar torrões de barro aglomerados que ficavam duros como pedra.
Posteriormente foi adquirida/confeccionada uma máquina, chamada de maromba, que traz um
resultado parecido, com um pouco menos de esforço. A máquina utiliza um motor, adaptado numa
caixa de marcha de caminhão (para fazer a redução da velocidade e aumento da força) que
movimenta um grande fuso, que faz a massa se compactar. Ainda assim, o barro era passado pelo
menos três vezes na maromba para ficar misturado o bastante para ser usado no torno.
Figura 19. Processamento do barro na maromba – mecanizado. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2004
2.4.2. Modelagem
O processo de feitura das peças é feito tradicionalmente pela modelagem em tornos cerâmicos
manuais improvisados, que posteriormente foram quase todos adaptados para uso de motor
elétrico. Uma quantidade bastante reduzida de artesãos do local trabalhava com modelagem
manual ou qualquer outra técnica.
A operação no torno consiste em posicionar uma porção de argila no centro do prato giratório e,
através de movimentos manuais, modelar a superfície da peça de revolução. Todavia, a
manutenção da posição curvada e torcida do tronco frente ao torno pode provocar danos a coluna
vertebral e aos músculos das costas.
Figura 20. Artesão Clebe Mota trabalhando no torno. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004
Figura 21. Adaptação de motor ao torno mecânico. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004
2.4.3. Queima
A última etapa da produção é a queima, que é realizada em fornos em formato de torre, que
queimam principalmente madeira. Esta madeira é proveniente normalmente de descarte de pallets
e outras madeiras que são vendidas como lenha, também para padarias; mas no auge da produção
foi utilizada muita madeira nativa, cortada sem o devido manejo.
Os fornos são intermitentes, quer dizer, só se faz a queima mediante ter uma carga de peças de
barro que preencha o forno. Como o controle da chama é feito “no olho”, a temperatura não é
controlada nem homogênea. Com uso de cones pirométricos, a temperatura máxima medida foi de
650°C, o que em termos de cerâmica é considerado baixo.
Acompanhar uma queima é um trabalho que exige dedicação, para fazer o aquecimento correto
da temperatura, uma vez que utiliza de meia a uma caçamba de caminhão de madeira (dependendo
do tamanho do forno) e cerca de 24 horas de queima, antes de deixar o fogo apagar e esperar o
forno esfriar para retirar as peças. No alto do forno tem pequenas “janelas” ou espias como os
artesãos chamam. Estas espias ajudam para saber a temperatura da câmara: quando todas as
espiam ficam na cor de brasa, indica que a temperatura interna chegou ao nível desejado e o artesão
já pode parar de abastecer com lenha e chama se extingue naturalmente. São necessárias cerca de 8
a 12 horas para esfriar e desenfornar o material.
Seu Deó revela que tem que saber colocar as peças dentro do forno (enfornar), porque “se não
souber arrumar as peça dentro, vai quebrar muita peça. A peça não pode ficar em mau posição.
Porque, se ela ficar em mau posição, quando queimar, ela quebra, entroncha, empena...”
O artesão Durval é o conhecedor da montagem dos fornos, tendo construído e reconstruído os
fornos das olarias do Mauriti. O tamanho dos fornos é medido em quantos filtros bem colocados ele
comporta. O maior forno das olarias era o que ficava próximo ao galpão de Seu Celé e comportava
800 filtros.
Desde que cada artesão passou a trabalhar para si em pequenas unidades produtivas, existe a
prática de compartilhamento de fornos em função da necessidade de cada um, ou seja, se existe
uma quantidade de peças que precise ser queimada com rapidez, mas não preenchem o forno
grande, o dono de um forno menor pode ceder espaço para esta queima.
Figura 22. Durval Ferreira do Nascimento, artesão e montador de fornos; e Figura 23. Forno grande,
junto à pilha de madeira. Fontes: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006
Figura 24. Forno pequeno. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006
Figura 25. Amontoado de madeira para ser usada como lenha. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2006
2.4.4. Peças históricas
Os artesãos relataram e se dispuseram a reproduzir algumas das peças históricas mais
relevantes, como resgate e preservação de saberes. O artesão Nena conta que a quartinha de água
era uma das peças mais difíceis, principalmente pelo bico fino e o corpo largo. Servia quase como
uma prova de habilidade no torno.
Figura 26. Alguidar (à esquerda) e “caco de formiga” (à direita) . Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2014
Figura 27. Quartinha de água, fogareiro e panela de barro. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário,
2014
Figura 28. Jarros descritos por Celé, Degrau (esq.), Apolo (centro) e Sino (dir.) . Fonte: Acervo
Laboratório O Imaginário, 2014
2.5. Centro de Artesanato Arq. Wilson Campos Júnior
Inicialmente com a demanda de instalar um forno a gás que atingisse maiores temperaturas, foi
formatado um projeto para implementar um forno a gás. Diante dessas novas possibilidades foi
negociada uma parceria encabeçada pelo Laboratório O Imaginário e o grupo de ceramistas com a
Prefeitura do Cabo em 2005 para a construção de um novo Centro de Produção de Cerâmica
Artesanal do Cabo. Para a execução das obras, em 2006, foram formadas parcerias com o Banco do
Nordeste (aporte financeiro para construção do forno), Instituto Tecnológico de Pernambuco - ITEP
(projeto do forno a gás), Prefeitura do Cabo (edificação do Centro) e Companhia Pernambucana de
Gás - Copergás (instalação das redes de gás natural).
O espaço de produção foi projetado para contemplar as etapas de modelagem, secagem,
queima, esmaltação e estoque de produto acabado. Eventualmente também se tornou espaço de
comercialização das peças e também espaço de treinamentos e reuniões.
Figura 29. Construção do Centro de Artesanato. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006
Um dos articuladores na prefeitura para cessão do terreno e autorização para as obras foi o
então secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Wilson de Queiroz
Campos Júnior. Infelizmente, ele faleceu durante uma viagem, vítima de um infarto em 12 de junho
de 2007. Por seu empenho na edificação do centro, este foi inaugurado levando seu nome.
Figura 30. Arquiteto Wilson de Queiroz Campos Júnior (esq.) e fachada do Centro. Fonte: Acervo
Laboratório O Imaginário, 2007
Em 2007, o Sebrae articulou que parte da Rodada de Negócios da Fenearte daquele ano fosse
realizada levando os lojistas convidados a visitar os locais de produção. O recém criado Centro foi
um destes locais. Neste dia, além da visitação e pedidos, houve uma demonstração de mestres
artesãos fazendo peças no torno.
Figura 31. Rodada de negócios Sebrae. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2007
Em 2012, com aporte do Ministério da Ciência e Tecnologia, foi adquirido um segundo forno a
gás para aumentar a capacidade de produção.
Figura 32. Segundo forno a gás instalado. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2012
No início de 2013, após novas parcerias com o Banco do Nordeste e com o Ministério da Ciência
e Tecnologia, através do plano de criação de Centros Vocacionais Tecnológicos, foram adquiridas
máquinas de processamento de argila de maior porte, que foram instaladas numa expansão do
Centro.
Figura 33. Conjunto de esteira, laminador e maromba. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2013
Em meados de 2013, através de um incentivo do Funcultura, houve o primeiro treinamento
voltado para a formação de novos artesãos, por meio do repasse promovido por um mestre, na
ocasião foi o artesão Nena.
Figura 34. Turma de treinamento realizada pelo incentivo Funcultura. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2013
No final de 2013 foi lançado oficialmente o patrocínio do Projeto Petrobras Desenvolvimento e
Cidadania, com objetivo de geração de trabalho e renda com a cerâmica artesanal. Este foi um
projeto estruturador foi realizado pelo Laboratório O Imaginário com duração de dois anos com
recursos para equipe física constante, aquisição de equipamento permanentes, realização de
treinamentos e material de consumo.
Figura 35. Início do patrocínio Petrobras. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2013
Figura 36. Espaço de esmaltação de peças. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2013
Ao longo de 2014 novos participantes foram agregados ao Centro, novos equipamentos
adquiridos e participações em feiras e desenvolvimento de produtos alavancaram as vendas.
Figura 37. Participação do Centro de Artesanato na XV Fenearte. Fonte: Acervo Laboratório O
Imaginário, 2014
Figura 38. Equipe fixa do Centro junto à equipe do Laboratório O Imaginário. Fonte: Acervo
Laboratório O Imaginário, 2014
Figura 39. Fachada do Centro. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014
2.6. Trajetória histórica da Cerâmica Cabo
Para análise da trajetória histórica do Espaço Mauriti e seus elementos interferentes, dentro da
visão dialética, o que denominamos de Linha do Tempo fizemos uma adaptação da metodologia
apresentada por Cardoso e Cunha (2005), um arcabouço teórico que denominaram de análise de
trajetória aplicada a avaliação organizacional. Para eles, essa análise é o estudo sistematizado de um
caminho percorrido no tempo; produz uma espécie de fotografia em movimento (nada mais que uma
filmagem, observação dos pesquisadores) da história da organização e pode ser aplicado numa
dimensão genérica, buscando ver a organização como um todo; ou específica, analisando a trajetória de
uma área, de um projeto ou de um grupo dentro da organização.
O uso da técnica consiste, basicamente, em caracterizar, num determinado segmento do
tempo, os fatos e fenômenos mais importantes ligados à história que se pretende analisar. Como
recurso formal, utiliza-se uma matriz de dupla entrada, chamada matriz da trajetória, na qual se
cruzam os marco temporais e os fenômenos que se quer analisar. Os conteúdos das células da
matriz são capturados através da análise crítica de discursos conseguidos via técnicas variadas,
sendo a entrevista uma das mais utilizadas. Ao adaptar a técnica foram determinados intervalos de
tempo e identificado fatos e fenômenos mais significativos. A construção da matriz da trajetória
facilita o cruzamento dos dados e auxilia na visualização de fenômenos recorrentes, fatos isolados
ou impactantes, ente outros aspectos que enriquecem a percepção e análise do grupo.
Para nosso caso, vamos considerar os marcos temporais considerados relevantes, os que
apareceram nas entrevistas não-estruturadas em repetição no nível de saturação, o que nos situou
algumas décadas antes do início da abertura oficial das operações produtivas com cerâmica no
Espaço Mauriti, que ocorreu no início de 1971 com a abertura da olaria do Seu Celé até o momento
atual, quando está estabilizando um projeto produtivo de cerâmica com valor agregado no Centro
de Artesanato, que por razões histórica e afetivas, está estritamente ligado ao Espaço Mauriti.
Como fatos e fenômenos importantes, a prática da pesquisa e validação junto aos artesãos ao
longo de todo o processo com entrevistas e reuniões, nos levou a considerar os fatos relevantes, os
principais atores sociais individuais ou coletivos envolvidos, os impactos e resultados, o portfólio de
produtos, as contradições e os problemas enfrentados e os modos de fazer e suas técnicas
tradicionais.
A Linha do Tempo construída para o Espaço Mauriti está apresentada a seguir:
Linha do tempo - Mauriti
Marcos
1900 - 1949
Origem da cerâmica nos
engenhos do Cabo
Usina Santo Inácio
(fornecimento de barro 1940)
Nascimento de Seu Celé
(1944)
Nascimento de Seu Deó
(1945)
Olaria de José do
Nascimento (1950)
Fatos
relevantes
1950 - 1975
1976 - 1985
1986 - 1990
1991 - 2006
2007 - 2008
2009 - 2014
Nascimento de Nena (1960)
Decadência do filtro (valor
cobrado pelo filtro não
justifica a produção)
Sebrae - apoio a feiras e
consultorias
Deixa de ser um Centro
produtivo e passa a ter
vários pequenos
produtores (1993)
Operação do Centro de
Artesanato Arquiteto
Wilson Campos Júnior as
margens da PE -60 (2007)
Redução significativa na
produção do Mauriti (2012)
Contrato:
Sebrae / UFPE –
Imaginário para atuar no
Cabo com oficinas de
design e gestão (2003)
Projeto Centro Vocacional
Tecnológico
Dificuldade do obtenção
da matéria –prima (suape,
causas ambientais e
transporte)
Agravamento das questões
ambientais e de
acessibilidade no Mauriti.
Resistência dos ceramistas
em utilizar o Centro de
Artesanato
Desaceleração da
produção do Mauriti
Montagem projeto
Petrobrás
Fornecimento precário do
barro (Suape)
Início do projeto Petrobras
no Centro de Artesanato
Arquiteto Wilson Campos
Júnior – Cabo de Santo
Agostinho (2013)
Montagem da olaria de Celé
(1971).
Expansão da cidade é
proporcional a dificuldade
de obtenção do barro
Cerâmica de Zezé (José do
Nascimento) no bairro de
São Francisco – Produção de
filtros
Chegada de Seu Deó ao
Mauriti a convite de Seu
Celé Filho (1975)
Chegada de Deó ao Mauriti
(1980)
Morte de Seu Celé (Pai) 1981 Permissão para
utilizar a olaria para
produção de encomendas
feitas individualmente ao
artesão
A escassez do barro (1983)
Auge da olaria ceramica
Mauriti (1984). Chegou a
trabalhar com 56 pessoas
(20 oleiros).
Valorização do artesanato
no Mercado
O Artesanato (vasos para
decoração) ganha força
para equilibrar a decadência do filtro
Crescimento dos
intermediários
Criação da Associação dos
Ceramistas (1985)
Incremento gradual da
produção dos filtros
Arrendamento da olaria de
Celé para a produção de
filtros (agregou boa parte
dos artesãos)
Problemas estruturais e
ambientais (fumaça do
forno) do Mauriti
Apesar dos esforço a
situação do fornecimento
do barro é inconstante
(Suape)
O comércio de filtro
representava,
praticamente, a
sobrevivência dos artesãos
(2003/2004)
Conforme documento da
Associação, havia um total
de 30 artesãos inscritos
(2004)
Projeto do Centro de
Artesanato Arquiteto
Wilson Campos Júnior
(2005)
Início da construção do
Centro de Artesanato
Arquiteto Wilson Campos
Júnior (2006)
Consultoria da
Comunidade Solidária
Expansão Suape
Novo espaço de
comercialização – Garapu
(2014)
Inauguração da cerâmica
do artesão Fernando Alves
(2014)
Criação do site/portfolio de
produtos “Mãos de
Pernambuco” (2014)
Linha do tempo - Mauriti
Marcos
1900 - 1949
1950 - 1975
Manoel Paz precursor da
Cerâmica (1900)
Celestino José Mota
Celestino José Mota Filho
José do Nascimento
Zezé dos filtros
Principais
atores sociais
individuais ou
coletivos
envolvidos
Zé Stamburgo (fazia
artesanato)
1976 - 1985
Intermediários. Exemplo:
Inaldo da Galinha
(atravessador)
1986 - 1990
1991 - 2006
2007 - 2008
2009 - 2014
Apoio do Sebrae
Sebrae / UFPE – O
Imaginário
Prefeitura do Cabo
Família de Celé
Banco do Nordeste do
Brasil
Associação de Ceramistas
e Artesãos do Cabo
Laboratório O ImaginárioUFPE
Suape
Prefeitura
Apoio LBA e Cobal aos
artesãos com projetos
BNB
AD/Diper e Governo do
Estado (Barro Suape)
Lula Lima (instalou uma
produção de filtros em
Santo Inácio)
Coperbo (Empresa da qual
comprava-se retraço de
serraria)
Comunidade Solidária
Prefeitura
Artesão Severino (Nena)
AERPA - Plínio Santos
Filho
Laboratório
O Imaginário- UFPE
Fernando Alves
MCT
Deputado Cadoca
(Facilitava negociações
com empresas de Suape
para obtenção do barro)
Petrobras
Suape
Deoclécio José Mariano
(Deó)
Erivaldo José de Paulo
(Uruda)
Engenho Uchoa
Produção de
embalagem para mel
Produtos utilitários,
jarras, e filtros
Tijolos e telhas manuais
Panelas
Alguidar
Telhas e tijolos
Portfólio de
produtos
Produção de filtros
(1940)
Curau
Quartinhas
Manilhas
Produziam a talha –
suporte para estocar
água (1960)
A oferta de produtos
industrialzados em
plástico e vidro ampliam
as dificuldades de
concorrência dos
produtos em cerâmica
(decorativos e
utilitários)
Utilitários:
Filtros
Fogareiro
Caco de formiga
Quartinha
Decorativos:
Jarro apolo
Jarro sino
Jarro degrau
Caqueira
Mealheiro
Filtros
Outras peças de
menor valor
Transformação na
forma das peças
Primeiro catálogo de
produtos (padronização
das peças)
Criação da marca
Ceramistas do Cabo
Peça emblemática:
petisqueira de Sr. Celé,
Flores de Clebe e
Totens de Nena
Ainda continua a
produção dos filtros
Classificação e
agrupamento dos
produtos cuja finalidade
é a organização
Produtos desenvolvidos
a partir da técnica do
Olhar Atento
Catálogo de produtos
para Fenearte 2014
Linha do tempo - Mauriti
Marcos
1900 - 1949
1950 - 1975
1976 - 1985
1986 - 1990
1991 - 2006
Técnicas antigas para
fabricação de panelas.
Uso do Torno
Torno manual
Introdução de novas
tecnologias
Instalação do forno a
gás
Barro passado no pé
Barro passado na
maromba
Estoque de argila
chamada de lamujo ou
lamujem (barro residual
produzido durante a
execução da peça no
torno)
Oficinas para facilitar a
organização dos
espaços
Início das pesquisas com
esmaltação
Torno tradicional
Tinta natural (taguá)
Modos de fazer
e técnicas
tradicionais
2009 - 2014
Desenvolvimento de
torno elétrico
ergonômico
Queima a gás natural
Forno elétrico (2014)
três fornos grandes,
sendo seis queimas por
semana
Definição de preços
coletivamente
Inicia a formulação do
projeto
coletivo/planejamento
estratégico com a
participação voluntária
dos artesãos.
Uso da madeira nativa
(chamado pelos
artesãos de lenha do
mato)
Contradições e
problemas
enfrentados
2007 - 2008
“Concorrência interna” .
Os mesmos clientes e
diferentes oleiros para
atender a demanda nos
mesmos espaços de
produção
Uso da lenha do mato
Uso do mesmo
fornecedor do barro
Se por um lado a
valorização do
artesanato foi uma
alternativa também
trouxe a necessidade de
novos mercados que
demandava outro tipo
de vendedor (novo
intermediário)
Apesar do pouco valor
agregado ainda
continua a produção de
filtros
Início do uso do barro de
Suape
Uso de madeira de
retraço de construção
As capacitações
estavam voltadas para a
inserção de jovens no
artesanato.
A sustentabilidade do
artesão comprometida.
O filtro permanecia
como a demanda de
mercado mais
garantida.
As questões relativas ao
uso do barro, mesmo
com a intervenção da
Associação , não estão
bem resolvidas
(ambiental e
institucionalmente)
Mesmo com o incentivo
e a divulgação os canais
de distribuição e o
mercado do filtro ainda
é predominante.
A reação a mudança do
Mauriti para o Centro de
Artesanato, apesar da
qualidade da estrutura
oferecida.
Concorrência da
indústria de vidros e
plástico
Nena foi o artesão que
acreditou e investiu
tempo (produção de
peças e participação em
feiras)
A reação dos artesãos
para trabalhar no
Centro.
A construção de um
novo projeto coletivo e
modelo de gestão
Linha do tempo - Mauriti
Marcos
Resultados e
impactos
1900 - 1949
1950 - 1975
1976 - 1985
1986 - 1990
Engenho Massangana
(melhor panela de barro
do Brasil)
Os oleiros trabalhavam
para Celé e produziam
por conta própria
somente em suas
residências
A concorrência com
outros artesãos
Cursos e capacitações
voltadas para o
artesanato
A valorização do
artesão/artista
A necessidade do barro
fez surgir a Associação
dos Ceramistas e
Artesãos do Cabo
Seu Celé fez doações de
52 terrenos e 06 vendas
no Mauriti
1991 - 2006
O arrendamento da
Olaria agregou vários
artesãos – foco
produção de filtro
Primeira
participação da
Fenearte com mais
espaço (no estande do
Sebrae e no Imaginário)
Exposição e divulgação
do Ceramistas do Cabo
Maior Reconhecimento
Busca de maior valor
agregado nos produtos
2007 - 2008
2009 - 2014
Exposição de produtos
com destaque na
Fenearte
Desarticulação dos
ceramistas
Elaboração de convênio
prefeitura/ universidade
e copergás
Dificuldade de
fornecimento de barro
(falta de planejamento
dos ceramista para
estocagem mais as
dificuldade com a
liberação de jazidas
além da retirada de
forma irregular e
dificuldade de
transporte
Premiação Pernambuco
Design (2008)
Premiação TOP 100
SEBRAE (2009 e 2012)
Primeira compra de
estande Fenearte
(2010)
Aproximação dos
ceramistas de Jaboatão
A construção de um
novo projeto coletivo e
modelo de gestão
2.7. Transformações do Espaço Mauriti
Em seu processo de desativação, o Espaço Mauriti passou por várias transformações sociais que
se refletem nas edificações do entorno. A seguir são apresentadas algumas imagens que ilustram
essas transformações físicas.
2.7.1. Casa da maromba e estoque de barro
O local onde ficava instalada a maromba e as baias de estocagem de argila foi convertido em
mais uma residência.
Figuras 40 e 41. Espaço de processamento da argila, vista do interior (esq.) e exterior (dir.). Fonte:
Acervo Laboratório O Imaginário, 2007
Figura 42. Espaço transformado em residência. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014
2.7.2. Forno de Seu Celé
O forno foi demolido, muito em função da pouca quantidade de artesãos que permanecem
produzindo no local (e a maior destes tem seus fornos menores). Outra razão foi o incômodo que a
fumaça causava aos residentes do entorno.
Figura 43. Forno de Seu Celé ainda em uso. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2007
Figura 44. Escombros após a demolição do forno. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014
2.7.3. Galpão de Seu Celé
Os filhos de Seu Celé não seguiram com a produção cerâmica e desmontaram a estrutura e
reorganizaram, com uma quadra de futebol e novas garagens.
Figura 45. Galpão de produção de Seu Celé, algumas garagens e a pilha de madeira. Fonte: Acervo
Laboratório O Imaginário, 2007
Figura 46. Interior do galpão de produção de Seu Celé. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004
Figuras 47 e 48. O espaço foi transformado em quadra de futebol. Vista do interior (esq.) e exterior
(dir.). Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014
2.7.4. Demais galpões
Com o acesso ao crédito mais facilitado, a quantidade de carros da população do entorno do das
olarias cresceu, e com isso a demanda por garagens.
Figura 49. Galpões e garagens anteriores. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2007
Figura 50. Loteamento em novas garagens. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014
3. Sistematização da Informação
Uma referência básica recomendada pela UNESCO para qualquer levantamento de informação
no ambiente artesanal é a Guía Metodológica para la Captación de Información sobre la Artesanía
editada em Paris em 1994 e que ainda segue atual como recomendação oficial. Esta foi nossa base
bibliográfica inicial, sobre a qual construímos a nossa visão para o enfrentamento do objeto do
projeto. Alguns tópicos conceituais importantes trabalhados na pesquisa empírica são apresentadas
a seguir, culminando com a apresentação do variado rol de conteúdos construído e disponibilizado
ao final do esforço da pesquisa.
3.1. Memória Histórica
Segundo Freitas (2006), história oral é um método de pesquisa que utiliza a técnica de entrevista
e outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da experiência humana. Isto é,
o registro de acontecimentos, histórias de vida, trajetórias de comunidades produtivas, enfim, de
temas históricos contemporâneos que permitam acessar pessoas que ainda estejam vivas. Sua
principal técnica de coleta de dados é a entrevista de história oral, que obtém depoimentos dos
entrevistados.
Dentro do método de procedimento histórico utilizado nesta pesquisa para a recuperação das
histórias do bairro Mauriti e dos seus mestres artesãos, inicialmente fizemos uma pesquisa
bibliográfica (livros, artigos e periódico especializados) e documental (base de dados do Laboratório
o Imaginário da UFPE, internet, arquivos de instituições) - CAUDE(2001).
De posse desta base utilizamos entrevistas não-estruturadas; o objetivo era a construção de um
espaço de valorização das narrativas dos artesãos. Nesse sentido, os encontros entre eles e os
pesquisadores não produziram propriamente história ou biografias nem uma informação
sistematizada sobre determinadas técnicas ou modos de fazer, mas relatos de fatos,
procedimentos, formas de superação de dificuldades relacionadas com o trabalho e a convivência
comunitária. Isso era a própria metodologia, qual seja a de deixá-los falar o que era relevante para
eles, para vermos o que emergia no trabalho da memória (BOSI, 1987).
Segundo Vergara (2008) as algumas das principais características das entrevistas de história oral
são as seguintes:




Permite reconstituir redes de relação, padrões de socialização, trajetórias de
instituições, de comunidades e de indivíduos;
Privilegia a recuperação do vivido, conforme concebido por quem viveu;
Requer do pesquisador experiência e conhecimento prévio sobre a temática ou a
história de vida do entrevistado, na medida em que o resultado da entrevista é
construído pelo entrevistador e pelo entrevistado. Além disso, exige sensibilidade para
captar temas emergentes, que podem ser relevantes para os propósitos da pesquisa;
Há o risco de o entrevistado evitar determinados temas, em virtude de seu depoimento
estar sendo gravado.
Os artesãos, ao contarem um pouco de si, do próprio bairro, das formas de fazer e conviver de
cada artesão ao narrar suas lembranças, não estão apenas construindo suas memórias particulares,
mas a memória coletiva do grupo.
Essa articulação entre a memória individual e coletiva é explicada por Halbwachs (1990), que
entende a memória como resultada da relação dos indivíduos em seus grupos sociais. Ao invés de
estudar a memória em si, isolando no indivíduo e colocando-a cada vez mais distante do social,
Halbwachs propõe-se a analisar os “quadros sociais”. A lembrança individual passa a estar
relacionada com os grupos e instituições às quais o indivíduo pertence, sendo estes a família, a
classe social, a escola, a igreja ou o trabalho.
Diante disso, o que se percebe é que quando lembramos é porque os outros, a situação presente,
nos fazem lembrar, pois na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, é refazer, reconstruir,
repensar, com imagens e ideias de hoje as experiências do passado. Este autor considera que a
menor alteração do ambiente atinge a qualidade da memória e amarra a memória da pessoa à do
grupo; e, ainda, que a linguagem é o instrumento decisivamente socializador da memória (PINEZI et
all, 2014).
A observação direta dos pesquisadores das construções remanescentes, do portfólio das peças
históricas, do ambiente das entrevistas, a análise dos lay outs dos ambientes produtivos, dos
equipamentos e ferramentas históricas ou ainda em uso são outra fonte de informações na
construção da memória histórica que pretendemos registrar.
3.2. Pesquisa–ação e os Modos de Fazer
Na definição de Thiollent (1988), trata-se de um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema
coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema
estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
Neste trabalho optamos por utilizar esta estratégia de pesquisa para levantamento criando
assim, as condições para a análise detalhada e conjunta do fazer artesanal e de suas técnicas de
produção. Este método de pesquisa é, muitas vezes, tratado como sinônimo de pesquisa
participante. A pesquisa-ação é uma forma de pesquisa participante; entretanto, nem todas as
pesquisas participantes são consideradas pesquisa-ação, uma vez que este método é centrado na
intervenção planejada em uma dada realidade, por parte do sujeitos. A participação dos
pesquisadores não é suficiente para que a investigação seja considerada pesquisa-ação
(THIOLLENT; 1987,1988)
Segundo Vergara (2008), algumas das principais características da pesquisa-ação são as
seguintes:

Mobiliza os sujeitos para atuarem durante todo o processo de investigação e
identificação dos problemas prioritários;

Permite explorar e estimular o processo de aprendizagem dos sujeitos, por meio da
discussão e da disseminação de informações;

É recomendado para investigações com grupos, organizações, coletividades de
pequeno e médio porte, sendo inadequado para utilização em nível macrossocial.
Nos registros de produção de peças artesanais históricas de livre escolha com mestres artesãos
distintos, foi possível estabelecer o passo-a-passo do processo produtivo e a observação cuidadosa
e comentada dos modos de fazer e suas respectivas técnicas, que foram registradas em vídeo.
3.3. Captura de Imagem e Sons
Ao longo das entrevistas não-estruturadas, transcritas e apresentadas na seção [6. Apêndice],
foram capturadas imagens e sons que possibilitaram a geração de um conteúdo em vídeo com
duração de 95 minutos.
Metodologicamente, as imagens e os sons permitem a realização de leituras das experiências
vividas, dos conflitos, das representações e dos imaginários. Além disso, as produções audiovisuais
têm sido frequentes, não apenas como registros dos trabalhos de campo, mas também como
formas alternativas de construção de narrativas sensíveis sobre o universo cultural investigado
(BAUER, 2008).
O autor Canevacci (2001), baseado nas imagens e nos sons, propõe a construção de uma
metodologia que dê conta das “biografias culturais” dos lugares e dos atores sociais que os habitam
ou frequentam. Por sua vez, Martins (2008) elabora por meio de suas leituras imagéticas, uma
reflexão metodológica que aponta indícios de relações e representações sociais que articulam
atores sociais e seus repertórios, passados e presentes.
3.4. Os Conteúdos Finais Registrados e Disponibilizados
Após o término do período da coleta e análise das informações a nossa pesquisa registrou o
seguinte conjunto de conteúdos:

Portfólio de produtos dos Mestres – Item [2.4.4. Peças históricas]

Processo Produtivo Tradicional – Item [2.4. As técnicas de produção]

Recuperação de artefatos artesanais (disponíveis no Centro de Artesanato Arq.
Wilson Campos Júnior)

Transcrições das entrevistas – seção [6. Apêndice]

Registros da trajetória histórica – Item [2.6. Trajetória histórica da Cerâmica Cabo]

Perfil dos mestres artesãos – Item [2.3. Os Mestres Ceramistas entrevistados]

Recuperação de fotos anteriores e registro fotográfico atual do espaço Mauriti –
item [2.7. Transformações do Espaço]

Registro em áudio e vídeo – Apêndice G.
As pesquisas e levantamentos foram validados com os artesãos ao longo de todo o processo,
seja por meio do confronto entre as informações prestadas, durante as entrevistas e em reuniões de
nivelamento das informações.
Figura 51. Reunião de validação das informações coletadas. Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário,
2014
4. Considerações Finais
A nossa hipótese de pesquisa foi comprovada: de fato era necessário fazer o mapeamento,
recuperação e disponibilização para o público em geral e, especialmente, para os pesquisadores
sobre a temática, da história do artesanato em cerâmica do Espaço Mauriti. A pesquisa comprovou
que a atividade produtiva neste momento este espaço está sendo totalmente desativada, pelo
menos nos seus moldes tradicionais e na sua territorialidade.
Os registros que ora são realizados e disponibilizados, protegem as referências culturais e
identitárias da cerâmica tradicional e de reconhecida qualificação do Cabo para as novas gerações,
especialmente para o grupo de artesãos que estão constituindo o Centro de Artesanato Arq. Wilson
Campos Júnior, que por vizinhança e laços afetivos, se constitui no herdeiro natural do legado do
Espaço Mauriti.
Como proposto na metodologia da proposta do projeto, trabalhamos dentro da perspectiva
dialética que, segundo (DEMO, 1995):
“A dialética é considerada uma das metodologias mais contundentes para o
estudo da realidade social, pois oferece as bases para uma interpretação mais
dinâmica e totalizante da realidade. De acordo com essa perspectiva, os fenômenos
sociais (a dinâmica da produção artesanal constitui um exemplo por excelência), não
podem ser consideradas de forma isolada, desconectadas de suas condicionantes
econômicas, sociais, ambientais, políticas, institucionais e históricas”.
Para a sistematização dos conteúdos registrados, seguimos os ensinamentos de (BERTUCCI,
2012):
“A sistematização é o processo coletivo envolvendo o pesquisador e o(s)
sujeito(s) da investigação visando à recuperação, interpretação e a reapropriação
crítica da prática vivenciada por participantes de uma experiência. Nesse processo
são incorporados diversas vozes e olhares que agregam conhecimentos e saberes das
pessoas ou grupos envolvidos” (complemento em negrito pelos pesquisadores).
Usando o Estudo de Caso do Espaço Mauriti, que se caracteriza pela capacidade de lidar com
uma complexa variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações
(YIN,2001) e com base nas experiências vividas em campo, optamos por aprofundar as observações
sobre os eventos contemporâneos relacionados com a criação do Centro de Artesanato em 2007
pela ligação afetiva e histórica que o mesmo tem com o Espaço Mauriti.
Os registros dos conteúdos construídos ao longo da pesquisa são variados e amplos, conforme
detalhado no item [3. Sistematização da Informação] deste relatório.
Estamos seguros que a livre e ampla disseminação deste relatório conforme previsto, será mais
uma semente no campo da necessidade urgente de preservar a identidade e dos valores simbólicos
do rico e variado artesanato na sua expressão mais representativa em nosso Estado, que é a
cerâmica.
5. Bibliografia
AD/Diper. Artesanato de Pernambuco – III Fenneart Edição Especial. Recife: AD/Diper, 2002.
AD/Diper – Fenearte Feira Nacional de Negócios do Artesanato. Fenearte Catálogos das Feiras V a
XV. Recife: AD/Diper, 2004 a 2014.
AMORIM, Maria A. Patrimônios Vivos de Pernambuco. Segunda Edição Revisada e Ampliada.
Recife: FUNDARPE, 2014.
ANDRADE, Ana; CAVALCANTI, Virgínia (organizadoras) Imaginário Pernambucano: design,
cultura, inclusão social e desenvolvimento sustentável. Recife: Zoludesign, 2006.
ANDRADE, Ana Maria Queiroz de ; SILVA, Germannya D Garcia de Araújo ; BOTELHO, Vinicius
Simões ; CAVALCANTI, Virginia. P. Design metholology and sustainability: between crafwork
production and industrial production. In: Changing the change - design visions proposals and tools,
2008.
ANDRADE, Ana Maria Queiroz de ; TABOSA, T. C. M. C. ; SILVA, G. D. A. ; CAVALCANTI, Virginia
Pereira. Local sustainable development and design-craftwork intervention model. In: 4
INTERNATIONAL FORUM OF DESIGN AS A PROCESS, 2012, Belo Horizonte.
BAUER, Martin W; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um
manual prático. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2008.
BERTUCCI, Ademar. Sistematização de Experiências da Economia Solidária. Porto Alegre:
Cooperativa Catarse Coletivo de Comunicação, 2012.
BORGES, Adélia. Design + Artesanato: o caminho brasileiro. São Paulo: Editora Terceiro Nome,
2011.
BOSI. Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
CANEVACCI, Massimo. Antropologia da Comunicação Visual. Rio de Janeiro:DP&A, 2001.
CARDOSO, Cármen; CUNHA, Francisco C da. Repensando a Organização: uma abordagem
psicossociológica. Recife: Instituto de Tecnologia e Gestão, 2005.
CARDOSO, Denis. Uma Introdução a História do Design. São Paulo: Edgar Blülcher, 2004.
CASTRO Cláudio M. A Prática da Pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1978.
CAUDE, Roland. Como se Documentar. Lisboa/ Portugal: Editorial Pórtico, 2001.
CAVALCANTI, Virgínia P; ANDRADE, Ana M; SILVA, Germannya D; TABOSA, Tibério C M.
“Sustainable Design in Communities Producing Arts and Crafts: an experience in Cabo de Santo
Agostinho, Pernambuco – Brazil”. Artigo aprovado para apresentação e publicação nos anais do I
International Symposium on Sustainable Design, realizado na cidade de Curitiba/PR, em setembro de
2007.
CAVALCANTI, Virginia. P. ; CAMPOS, C. ; ANDRADE, Ana Maria Queiroz de ; SILVA, Germannya D
Garcia de Araújo ; CORDEIRO, E. J. D. . Ergonomia e design: soluções para implementação de
melhorias na produção de cerâmica artesanal do Cabo de Santo Agostinho. In: 7º ERGODESIGN,
Balneário do Camboriú, 2007
CAVALCANTI, Virginia. P. ; ANDRADE, Ana Maria Queiroz de ; SILVA, Germannya D Garcia de
Araújo ; CORDEIRO, E. J. D. . Tecnologia como argumento de competitividade: a vitrificação de
produtos em cerâmica artesanal. In: P&D Design 2010 - 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Design, São Paulo, 2010
D'GARCIA, Germannya ; CAVALCANTI, Virginia. P. ; ANDRADE, Ana Maria Queiroz de ; SANTOS
FILHO, P. B. ; CORDEIRO, Erimar . Refugo industrial como insumo para a cerâmica artesanal: uma
alternativa sustentável para o artesanato do Cabo de Santo Agostinho - Pernambuco. In: P&D
Design 2008 - 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Paulo, 2008
DEMO, Pedro. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas, 1995.
FISHER, Tânia; SOARES, Rodrigo. Mestres em Artes e Ofícios Populares. Salvador: UFBA, CIAGS,
2010.
FREITAS, Sônia M de. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: Associação
Cultural Humanitas, 2006.
HALBWACHS, Michael. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento social. Glossário de Termos Sociais.São
Paulo: IDIS, 2010.
LIRA, Flávia Wanderley. O que guardam os potes? Um olhar sobre a cerâmica artesanal do Cabo
de Santo Agostinho. Recife: Monografia de graduação em design UFPE, 2007
MANZINI E; VEZZOLLI, C. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis. São Paulo: Editora da
USP, 2005.
MARTINS, José de S. Sociologia da Fotografia e da Imagem. São Paulo: Contexto, 2008.
PINEZI, Ana K; MENEZES, Marilda A; CAVALCANTE, Alexandre S. Memória de Idosos: as
narrativas em diversos espaços de interação social. Revista Civitas. v.14 n.2. (2014). Edição
Narrativas Teorias e Métodos. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC/RGS, Porto
Alegre, RGS, 2004.
PNDA – Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato. Encontro Regional de Cerâmica
“Mãos no Barro” Relatório Final do Encontro, Brasília, novembro de 1987.
SEBRAE Nacional . Artesanato Design e Mercado. Prêmio Top 100 Sebrae 2006 1ª.Edição. Brasília:
Sebrae, 2007.
SEBRAE Nacional. Prêmio Top 100 Sebrae 2ª Edição. Brasília:Sebrae,2009.
SEBRAE Nacional. Artesanato: um negócio de muitas culturas. Prêmio Top 100 Sebrae 3ª Edição.
Brasília: Sebrae, 2012.i ..
SILVA, Germannya D´Garcia de Araújo ; CORDEIRO, E. J. D. ; CAVALCANTI, Virginia. P. ; ANDRADE,
Ana ; BOTELHO, Vinicius Simões . Tornos cerâmicos: melhorias ergonômicas no equipamento
agregando valor à cultura local. In: ABERGO 2008 - 15º Congresso Brasileiro de Ergonomia, Porto
Seguro, 2008
SILVA, Ana Carolina dos Reis. Utilitários cerâmicos de mesa para uma culinária contemporânea.
Caruaru: Monografia de graduação em design UFPE, 2009.
SILVA, Ana C; CORDEIRO, Erimar J; ANDRADE, Ana Q. Desenvolvimento Tecnológico da Cerâmica
Artesanal do Cabo de Santo Agostinho: um diálogo entre tradição e inovação. Artigo
apresentado no 10º P&D Design, São Luiz - MA, outubro de2012.
SILVA, A. C. R. ; ANDRADE, Ana Maria Queiroz de ; CORDEIRO, E. J. D. ; SILVA, G. D. G. A.;
CAVALCANTI, Virginia. P. Desenvolvimento Tecnológico da Cerâmica Artesanal do Cabo de
Santo Agostinho: um diálogo ente a tradição e inovação. In: 55 Congresso Brasileiro de Cerâmica,
Ipojuca, 2011.
SOARES, Rodrigo; FICHER, Tânia. “ Aqui Aprendeu da Mãe que Aprendeu da Mãe”: memórias
significados do artesanato no território do sisal/Bahia. Artigo apresentado no EnANPAD 2010. Rio
de janeiro, setembro,2010.
TABOSA, Tibério C M; CABRAL, Glenda Gomes; TSCHÁ, Elizabeth Ra. “Empreendedorismo Social
Transformador: o caso da ação do Projeto Imaginário Pernambucano na comunidade artesanal do
Cabo de Santo Agostinho/PE” - artigo aprovado para apresentação e publicação nos anais do XXI
EnANPAD, realizado na cidade do Rio de Janeiro/RJ, em agosto de 2007.
TABOSA, Tibério C M; “TSCHÁ, Elizabeth R; CABRAL, Glenda G; PAIVA JUNIOR, Fernando G”. Redes
“Sociais, Dádiva e Cooperação na Intervenção Social Transformadora: o caso do Projeto
Imaginário Pernambuco-Brasil”. Artigo aprovado e publicado na revista do IV Congresso Mundial de
Administração, realizado na cidade de Coimbra/Portugal em outubro de 2007.
TABOSA, Tibério C M; CAVALCANTI, Virgínia P; ANDRADE, Ana M Q; CABRAL, Glenda G.
“Application of the Triple Top Line Model in the Critical Analysis of a Methodology that Takes a
Social Approach to Design: the university laboratory called The Imaginary, Recife/PE, Brazil”.
Artigo aprovado para apresentação e publicação nos anais do Comulus Shanghai Conference 2010 –
Young Creators for Better Life realizado na cidade de Shanghai na China em setembro de 2010.
THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação nas Organizações. São Paulo:Atlas,1997.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1988.
UNESCO Artesanía : guia metodológica para la captacíon de la informacion. Paris: UNESCO,
1994.
VERGARA, Sylvia C. Métodos de Pesquisa em Administração. São Paulo: editora Atlas, 2008.
YIN, Robert. Estudo de Caso: planejamento e métodos. São Paulo: Bookman, 2001.
6. Apêndices
A. Transcrição da entrevista de Seu Celé
B. Transcrição da entrevista de Nena – primeira parte
C. Transcrição da entrevista de Nena – segunda parte
D. Transcrição da entrevista de Nena – terceira parte
E. Transcrição da entrevista de Seu Deó
F. Vídeo de entrevistas com mestres artesãos
Apêndice A. Transcrição de Entrevista
No processo de transcrições, procurou-se respeitar ao máximo, na íntegra, a fala dos
entrevistados, mesmo quando incorrem em erros morfológicos e sintáticos. Nesses casos, de
acordo com as normas, é mais importante privilegiar a semântica – o conteúdo e não a forma.







Sempre que aparecer o sinal ###, significa palavra ou frase não entendida (ou
inaudível).
Os diálogos de terceiros reproduzidos durante a entrevista aparecerão em colchetes,
entre aspas.
Os diálogos referentes ao pensamento do interlocutor aparecerão entre chaves.
As sinalizações em amarelo sobre os termos significam a necessidade de ajuste dos
mesmos, caso não tenham sido entendidos corretamente.
As sinalizações em amarelo, entre chaves, quando houver, referem-se aos detalhes que
precisam ser destacados para melhor compreensão da transcrição.
As reticências indicam a não conclusão do pensamento/fala.
Todo texto será transcrito obedecendo ao Novo Acordo Ortográfico.
Seu Celé – Celestino José Mota Filho
Entrevistador:_a história do Mauriti, como foi que ela começou, como foi que se transformou? Esse
bairro que era uma área de olaria virou uma área residencial, como é que foi essa
transformação? Desde o começo lá com o seu pai ou se o senhor começou antes disso, eu
queria entender essa história.
Seu Celé:_quem começou mesmo fui eu.
Entrevistador:_foi o senhor?
Seu Celé:_ foi. Nós estávamos em Fortaleza. Meu pai ficou lá e meu irmão, Cléber... ficaram lá.
Entrevistador:_ o senhor e seu pai são daqui do Cabo?
Seu Celé:_ somos daqui, eu sou filho do Cabo.
Entrevistador:_ aí saíram do Cabo por uma questão de?
Seu Celé:_ não, eu porque, lá, na região que a gente estava era muito quente, Limoeiro do Norte é
uma cidade muito quente.
Entrevistador:_qual é a cidade?
Seu Celé:_ Limoeiro do Norte.
Entrevistador:_ Limoeiro do Norte, lá no Ceará?
Seu Celé:_sim. E minha esposa não estava se dando lá, aí eu tive que retornar pra aqui.
Entrevistador:_mas, inicialmente, por que é que vocês se mudaram pra lá?
Seu Celé:_papai foi montar uma cerâmica de um cidadão chamado seu Couto, que tinha umas loja lá,
tinhas umas 5 loja em Fortaleza e vendia muito filtro lá. E ele era...
Entrevistador:_ em que ano vocês se mudaram pra lá?
Seu Celé:_66. Em 66 fomos pra lá. Em 71, janeiro de 71 retornei pra cá.
Entrevistador:_ porque sua esposa não se acostumou...
Seu Celé:_ não se acostumou... Mas eu ensinei umas pessoas lá, o povo de lá. Eu ensinei, ficaram
trabalhando e foi mais gente daqui pra lá também...
Entrevistador:_ fazendo filtro?
Seu Celé:_ sim, fazendo filtro. E eu vim-me embora.
Entrevistador:_ e aqui no Cabo tinha olaria, tinha cerâmica?
Seu Celé:_ tinha a cerâmica de Zezé.
Entrevistador:_mas era aqui no Mauriti?
Seu Celé:_no Bairro de São Francisco. Então eu comecei aqui em janeiro de 71, comecei a ficar naquela
casa, onde fica a casa de Clebe, meu irmão. E fui... foi crescendo e chegou o ponto de, com 3
ano, já tava com mais de mil metro quadrado de área coberta.
Entrevistador:_ fazendo o quê? Filtro?
Seu Celé:_é, fazendo filtro, artesanato em geral. Fazia filtro, tijolo, telha, tijolos manuais, telhas
manuais também, jarras, potes, fazia de tudo. E continuo crescendo, crescendo, crescendo,
mas depois veio as dificuldades.
Entrevistador:_cresceu até que época, mais ou menos? Quando é que a coisa tava pegando fogo?
Seu Celé:_ até 82, 85, mais ou menos. Não me recordo bem. De 82 até 85...
Entrevistador:_ vendendo bem...
Seu Celé:_ vendia bem, produzia muito.
Entrevistador:_ quantas pessoas chegaram a ta envolvidas nesse processo?
Seu Celé:_ eu cheguei a trabalhar aqui com 56 pessoas
Entrevistador:_ tinha oleiro, ajudante, passador de barro...
Seu Celé:_ motorista... tinha dois motorista, né?
Entrevistador:_pra ir fazer as entregas?
Seu Celé:_ fazendo entrega, indo buscar material. Cheguei a trabalhar com 56 pessoas.
Entrevistador:_ e seu pai também trabalhava com essa...
Seu Celé:_papai trabalhava, depois ele veio pra cá também e ficou me ajudando aqui.
Entrevistador:_quando é que ele voltou? Você disse que começou em 71 aqui.
Seu Celé:_foi, em 71 mesmo meu pai chegou. Logo quando eu comecei o serviço, com pouco tempo
meu pai também retornou. Aí Clebe ficou lá. Clebe ainda passou dois ano lá. Passou mais dois
anos. Depois de dois anos foi que Clebe veio pra cá. Aí ficou aqui também, trabalhando aqui.
Eu cedi um galpãozinho lá atrás pra ele, ele fez mais outro galpão e começou a trabalhar
também.
Entrevistador:_ mas ele trabalhava pra ele?
Seu Celé:_ pra ele.
Entrevistador:_ não era pro senhor, na produção que o senhor tava envolvido?
Seu Celé:_ não, o de Clebe era próprio, era separado. Ele trabalhava... Clebe mesmo chegou a
trabalhar... só moças, ele tinha 8 pintando pra ele.
Entrevistador:_ ele fazendo e o pessoal...
Seu Celé:_ fazendo... e tinha o oleiro que trabalhava pra ele também, ele tinha.
Entrevistador:_aí, mais ou menos 83, 85 a coisa começou a...
Seu Celé:_ começou a dificuldade de barro, lenha, queria ir embora, queria voltar pro Ceará ou pra
Bahia, ir embora e... foi quando resolvemos fazer a associação, formar a nossa associação dos
ceramistas.
Entrevistador:_ o barro, até então, era retirado de onde?
Seu Celé:_era uma área lá em Serrarias, no Engenho Serrarias, perto de... de... eita, agora esqueci o
nome do engenho... Massangana. Perto de Massangana. Mas Suape foi comprando essas
áreas. Onde tinha barro, Suape...
Entrevistador:_essa área antigamente era privada?
Seu Celé:_era. Suape foi indenizando o pessoal e ficando com essa área.
Entrevistador:_ e foi incorporando esses terrenos...
Seu Celé:_e foi proibindo...
Entrevistador:_ aí, quando incorporou, o acesso de vocês foi suspenso. Aí, pra poder ter acesso a esse
barro, conversando com Suape, aí foi formada a associação...
Seu Celé:_ antes de conversar com Suape formamos a associação, aí fomos ao governador...
Entrevistador:_ em que ano?
Seu Celé:_ 85. Fomos ao governador. Aí o prefeito entregou uma carta em mãos a ele e depois ele
mandou resposta e entremo em contato com o pessoal da AD-Diper e foi... a AD-Diper entrou
com contato com Suape e foi quem encaminhou a gente a Suape. Fomos à Suape e dois saiu
o contrato de comodato.
Entrevistador:_pra poder vocês retirarem o barro pro artesanato...
Seu Celé:_ sim.
Entrevistador:_ quando o senhor fala a gente, era quem?
Seu Celé:_a associação.
Entrevistador:_quem dos artesãos estava envolvido, as pessoas que tavam envolvidas nisso, nessas
conversas?
Seu Celé:_eu, que eu era o presidente da associação.
Entrevistador:_ foi o primeiro presidente...
Seu Celé:_ o primeiro presidente. Que eu era quem... mesmo com os outros presidentes, sempre
quem ia de frente era eu.
Entrevistador:_ aí o senhor falou que barro conseguiu resolver, formando a associação, falando com
o governador, com a AD-Diper, e Suape teve... institucionalmente, teve a associação, e Suape
deu o comodato, que permitiu a extração de barro mais organizada. Qual era a dificuldade
com a lenha?
Seu Celé:_ aí surgiu também... desapareceu a lenha de mata, mas veio o retraço de construção das
indústrias que tavam sendo montada em Suape.
Entrevistador:_ quer dizer, quando Suape comprou essas terras, começou também a vender e alugar
e tal pra instalação de indústria, e nessa instalação de indústria tinha madeira...
Seu Celé:_ madeira... retração de construção, né?
Entrevistador:_mas antes de ser retraço era o quê? Era da mata...
Seu Celé:_ era lenha de mata. De mata e de serraria, que tinha as serrarias aqui que fazia palete e fazia
caixa pra fábrica de borracha sintética.
Entrevistador:_ pra Coperbo, né?
Seu Celé:_Coperbo. A antiga Coperbo. E era muito retraço de serraria. Aí a gente comprava os sarrafo
e comprava madeira de mata. Depois apareceu retraço de construção.
Entrevistador:_e qual foi a dificuldade que teve? Porque o senhor falou que teve dificuldade de acesso
a barro e de acesso à madeira...
Seu Celé:_ porque o Ibama empatou. Toda a extração de mata por aqui foi parada. Essas usinas
todinha por aqui... se fosse pego, era preso. Aí ninguém... teve que parar os corte de madeira,
né? Aí ficamos só trabalhando com retraço de construção...
Entrevistador:_ mas esse retraço como alternativa pra coisa não...
Seu Celé:_ não parar. Até hoje vive com isso.
Entrevistador:_ esse uso ainda é esse tipo de retraço...
Seu Celé:_ é. Só que tem um período que tem muita, mas tem período que cai... as indústrias, né,
porque termina... e agora as indústrias tão sendo montada mais com ferragem. Tão usando,
no lugar da madeira, da tábua, tão usando ferro, chapa de ferro, fazendo tudo, andaime, tudo
com ferro...
Entrevistador:_ aí, a sobra de madeira que tinha...
Seu Celé:_ aí já caiu muito, que eles não tão gastando nem, talvez, ¼ da madeira que gastava pra fazer
uma indústria. Talvez ¼ de madeira eles gaste agora ou menos.
Entrevistador:_ta sobrando muito menos madeira agora, também? Aí, em 95 o senhor tava
continuando... esse primeiro contrato de concessão da jazida de barro venceu, e aí, o que é
que aconteceu a partir daí?
Seu Celé:_ a gente ia lá, conversava com Suape, Suape mandava a gente procurar a AD-Diper, outro
órgão no Recife ou a governadoria, e eles entravam em contato, faziam reuniões e a gente ia
lá, dava muitas viagem, eu saía daqui, tinha semana de dá duas, três viagem...
Entrevistador:_ essas reuniões eram aonde?
Seu Celé:_era na AD-Diper mesmo, na governadoria...
Entrevistador:_o senhor se lembra na AD-Diper com quem o senhor tratava?
Seu Celé:_era Doutor... agora não me recordo. Sei que ele veio pra Suape. Era... eu esqueço o nome
do doutor.
Entrevistador:_ então, sem forçar muito a memória, no governo era quem?
Seu Celé:_ no governo... também não me recordo mais o governo...
Entrevistador:_ sem problema...
Seu Celé:_sei que quem nos ajudava muito foi Cadoca. Sei que a gente procurava Cadoca e Cadoca
encaminhava gente. Às vezes Cadoca ligava direto logo lá pra Suape, que resolvesse nosso
problema e foi resolvido...
Entrevistador:_ ele era algum secretário ou...?
Seu Celé:_ Cadoca era deputado.
Entrevistador:_aí, de certo modo, ele ajudou nesse...
Seu Celé:_ ajudou muito.
Entrevistador:_ aí, nessas reuniões... o senhor falou que duas, três vezes por semana tinha reunião, e
conseguiu se entrar num acordo pra renovar?
Seu Celé:_sempre se renovava. Sempre caía em época de eleição [risos], ainda tinha isso.
Entrevistador:_então, essas concessões eram de 4 em 4 anos?
Seu Celé:_é, sempre era em tempo de eleição. Aí a gente falava, procurava Cadoca e sempre ele nos
ajudou nisso e resolvia. Aí depois baixou pra um ano e foi ficando mais difícil. E foi mudando
também de diretor, mudava sempre de diretor aí em Suape, sempre muda, aí é muito
problema. Tem uns que aceita, outros num aceita, num quer aceitar, aí...
Entrevistador:_ e isso foi se arrastando até hoje?
Seu Celé:_ hoje ainda ta empatado. Ta empatado. Num ta mais tirando barro lá.
Entrevistador:_ no mesmo lugar que vocês tiravam antes...
Seu Celé:_ já agora venderam, porque eles brigavam muito por essa área, e foi vendida essa área.
Venderam um pedaço dela, aí empataram tudo, né? Cortaram e num pode mais passar carro.
Entrevistador:_ aí o barro que tem acesso hoje já é por outro caminho? Tem que vir da Paraíba e de
outros locais?
Seu Celé:_ só da Paraíba mesmo.
Entrevistador:_em que momento deixou de ser um grande centro produtivo pra ser um monte de
pequenos produtores? Entendeu a pergunta?
Seu Celé:_ foi em 95.
Entrevistador:_ em 95 começou a ficar mais picado?
Seu Celé:_em 95... antes de 95... 93... de 93 a 95, começou o povo se dividindo, né?
Entrevistador:_ vamos falar das pessoas, Celé! Que eu conheça, tem o senhor, Clebe, Durval, Deó,
Nena... são as pessoas que a gente teve mais conhecimento. Se o senhor lembrar de mais
algum, o senhor pode falar também. Como é que esse pessoal veio pra trabalhar aqui e como
é que eles ficaram com seus espaços, depois, Fernando, Abiude...?
Seu Celé:_ Deó morava em Ribeirão. Ele vendia... ele fabricava... Gameleira. Parece que era
Gameleira, e vendia em Ribeirão, e papai encontrou com ele lá.
Entrevistador:_ ela já era ceramista?
Seu Celé:_ já era ceramista. Ele só fazia pote e fogareiro, essas coisa. Papai encontrou com ele lá e
perguntou se ele queria vir trabalhar aqui. Ele... conversando a dificuldade que ele tinha lá,
tinha muita dificuldade lá... aí ele veio olhar aqui, gostou e veio pra cá, veio morar aqui.
Entrevistador:_ em que ano?
Seu Celé:_ Deó foi... eu não me lembro bem, mas... antes de 80.
Entrevistador:_ e ele veio trabalhar na produção de filtro que o senhor e seu pai conduziam?
Seu Celé:_ sim. Quer dizer, ele fazia logo pote, fogareiro, essas coisa, caqueira...
Entrevistador:_que eram as coisas...
Seu Celé:_ que ele já fazia lá e aprendeu a fazer filtro aqui e começou a fazer filtro também.
Entrevistador:_ nesse espaço grande que o senhor falou que tinha? E, por exemplo, Abiude, que é
uma pessoa...
Seu Celé:_Abiude também era oleiro, trabalhava em Tracunhaém, trabalhava em todo canto por aí.
E...
Entrevistador:_ trabalhava fazendo o quê?
Seu Celé:_ quartinha, só quartinha. Depois aprendeu a fazer outras coisa, e depois começou fazendo
artesanato.
Entrevistador:_ e Nena?
Seu Celé:_ Nena aprendeu aqui.
Entrevistador:_ um instantinho só... #### [15:29]... o senhor precisava de mais gente pra ajudar na
produção e chamou Deó, Abiude... tinha mais alguém desse tipo?
Seu Celé:_ sempre aparecia, sempre chegava aqui. Chegou seu Pedro, de Água Preta, dois de Água
Preta. Vieram também Elias, Nido, que são irmãos, e Neco, três irmãos, de Barreiros, mas eles
tavam aprendendo ainda com o pai dele. O pai dele tinha olaria lá, Antônio Paulo. E eles vieram
pra aqui, chegaram aqui eu ensinei a eles e eles ficaram... eles já tinham uma praticazinha, aí
começaram e trabalharam muito tempo comigo aqui. E agora eles tão em Fortaleza. Eles
foram pra Fortaleza. Moravam em Barreiros, que eles andavam muito. Agora, graças a Deus,
eles pararam mais. Botaram uma ceramicazinha lá, o prefeito ajudou eles lá, montou uma
cerâmica pra eles e eles tão trabalhando lá.
Entrevistador:_a gente tava falando dessa outra turma, que era gente que se criou por aqui: Fernando,
Nena...
Seu Celé:_ Fernando também... chegaram tudo criança, aprendeu tudo e começou trabalhando aqui,
Fernando...
Entrevistador:_ maloqueirando por aqui...
Seu Celé:_ [risos] aprendeu... Fernando, Nena, aprendeu...
Entrevistador:_ Zé é dessa turma?
Seu Celé:_não. Zé já era oleiro, só que ele num era oleiro, era metade oleiro, que ele só fazia uma peça,
só fazia a cabeça do filtro, a parte superior. Ele aprendeu na olaria de Zezé. Aí quando chegou
aqui foi que aprendeu o resto.
Entrevistador:_Durval?
Seu Celé:_ Durval já era oleiro também e não sabia fazer tudo. Ele se aperfeiçoou mais aqui...
Entrevistador:_ era mais parecido com Zé?
Seu Celé:_ sim.
Entrevistador:_ essa turma todinha aprendeu com o senhor? Porque o senhor tava falando que Deó
fazia quartinha, outra pessoa fazia uma peça, então fazer o filtro, que era a produção massiva
daqui, aprenderam com o senhor?
Seu Celé:_ não, eu ia mandando fazer, quer dizer, dando orientação, né? Eu orientava, faça assim,
assim, aí... mas pega logo, né? Quem já tem uma prática, quem já faz alguma coisa, aí aprende
mais fácil.
Entrevistador:_ quem já domina a coisa, fazer a peça era só uma questão de orientação?
Seu Celé:_ é. E teve muitos que aprendeu aqui. Severino, que já faleceu, ele também. Montou uma
cerâmica em Pontes dos Carvalhos. Ele faleceu. Teve aquela turma de Prazeres...
Entrevistador:_Diel passou por aqui?
Seu Celé:_ não, mas os primo dele... aquele... o baixinho, que morreu... como é? Que eu esqueço
muito...
Entrevistador:_ que fazia escultura?
Seu Celé:_não, ele fazia... Israel! Conheceu Israel, não? Que ele faleceu, bebia muito. Tinha Israel,
tinha mais dois irmão dele, tudo aprenderam aqui comigo. Eles morava depois da Charneca e
aprenderam aqui. São primo desse de Barreiros também. Tem mais dois tio deles também que
trabalhou comigo, que era de Barreiros também, aí se aperfeiçoaram aqui. Que eles viu minhas
peça lá, meus jarro, papai levou pra vender na feira lá e ele... quando chegou lá, ele disse:
[“_que oleiro é esse? Como é que um oleiro faz uma peça dessa?”]. Ficaram admirado, porque
eles era oleiro e num sabia como é que fazia aquela peça. Aí, veio pra aqui e aprendeu a fazer
aqui, os tio deles. Teve Uruda também. Uruda era meio oleiro também. Trabalhava em Zezé e
só fazia uma qualidade de peça, só fazia também o bojo, não fazia a cabeça. Aí veio pra aqui e
se aperfeiçoou aqui. Uruda, Nado, o irmão dele também. Inácio. É muitos. Já teve Epitácio, da
Charneca, Paulo, também aprenderam esses daí. Moisés, que começou pequeno aqui.
Entrevistador:_ esses que o senhor ta citando era quem fazia o filtro ou parte do filtro? Porque tinha
muita gente também que era pra barro, era carregador...
Seu Celé:_não, esses era tudo oleiro. Gente... ajudante assim trabalharam muitos aqui, foram muitos.
Seu Celé:_ os serviços de menor criatividade, que era carregar...
Seu Celé:_ é...
Entrevistador:_ passar barro, juntar bola, essa parte mais...
Seu Celé:_ mais pesada assim era muita gente que passava por aqui, mas os que aprenderam mesmo,
chegaram a aprender...
Entrevistador:_ o senhor falou que chegou a ter 56 trabalhadores...
Seu Celé:_entre...
Entrevistador:_ quantos desses eram oleiros, de fazer a peça sem ser esses auxiliares?
Seu Celé:_ oleiro tinha uns 20. Eu queimava forno todos os dias. Era três fornos grandes, era seis fornos
por semana.
Entrevistador:_ algum desses fornos grandes era aquele central?
Seu Celé:_ sim, mas ele... não sei se você viu...
Entrevistador:_ sim, o original...
Seu Celé:_ que ele caiu...
Entrevistador:_ foi derrubado...
Entrevistador:_em que momento seus oleiros saíram da empresa e começaram a montar seus
negócios próprios?
Seu Celé:_ ... quando tava ficando difícil as coisas, aí eu fui orientando o povo a cada um trabalhar pra
si. Vendi aquela parte ali a Vaninho. Fernando também já tinha aquela área. Quer dizer, aquela
área era minha também, mas quando eu comprei essa área aqui, esse pessoal já existia aí e eu
num quis problema de ninguém, nem quis cobrar nada de ninguém, deixei essa área pra eles
lá, né? Aí Fernando construiu lá a cerâmica dele, fez lá. Eu cedi uns torno... sempre eu fui,
assim... Deó a mesma coisa, cedi aquela área ali pra Deó e ele foi montando os serviço dele ali.
Os que queria, né? Uns num quiseram.
Entrevistador:_a partir de que ano o senhor começou a montar as suas próprias olarias?
Seu Celé:_ eu num me lembro bem...
Entrevistador:_ mas foi depois desse problema de 95, quando a coisa começou a desandar ou foi antes
ou muito depois disso?
Seu Celé:_antes de 95 já tinha gente já se separando, eu já tava cedendo espaço para os outros.
Entrevistador:_ outra dúvida que eu tenho, seu Celé, o senhor começou a contar a sua história... antes
de 71 o senhor disse que começou a montar esse espaço.
Seu Celé:_comecei em 71.
Entrevistador:_antes de 71 esse espaço aqui era o quê?
Seu Celé:_ isso era uma campina. Isso aqui... o cidadão criava gado.
Entrevistador:_aqui não tinha casa?
Seu Celé:_ não. A Cohab não existia, a PE60 não existia.
Entrevistador:_a Prefeitura, por exemplo, é onde é hoje?
Seu Celé:_ não. Era lá no Centro.
Entrevistador:_ sim, mas é onde é hoje, aquele prédio ali?
Seu Celé:_era ali, mas não é mais ali, é lá embaixo agora.
Entrevistador:_ ah, ta, ela era nessa subida aqui...
Seu Celé:_ sim, naquela ladeira, perto da igreja. Não é mais ali. Mudaram. A Prefeitura era ali. Mas não
existia... o bairro de São Francisco, muito pouca gente... não existia quase nada por aqui. Aqui
não existia nada, era só cana e mato.
Entrevistador:_ nessa área aqui que hoje é o Mauriti?
Seu Celé:_ hum.
Entrevistador:_ isso aqui é bairro São Francisco?
Seu Celé:_ é bairro Mauriti.
Entrevistador:_ esse nome, Mauriti, o senhor sabe de onde vem?
Seu Celé:_ não. Desde eu menino que já se chamava Mauriti. Vinha só até aí. Daqui pra cá agora passou
a ser Centro. Aqui é Centro, porque ficou... e tem a Cohab, tem Igarapu, isso tudinho por aí
ficou como Centro. Isso aqui não era Centro, agora é Centro.
Entrevistador:_sua irmã falou que tinha aqui um... tipo um cocho...
Seu Celé:_ é, pronto, aí, justamente onde é a casa de Clebe, essa casa daí, foi onde eu comecei, era
um galpão... uma cocheira, uma vacaria. O homem criava gado, era o pai do prefeito, do exprefeito, que morreu de desastre, Zequinha da Bolacha.
Seu Celé:_chamava Zequinha da Bolacha, que ele tinha padaria. Eu comprei a ele, comprei a posse.
Entrevistador:_a esse Zequinha?
Seu Celé:_ sim, porque isso aqui era do Estado. Essa área daqui era do Estado. Foi área da usina.
Quando a usina entrou em falência...
Entrevistador:_era plantação de cana, algo assim?
Seu Celé:_ sim.
Entrevistador:_ o senhor lembra qual era o nome da usina?
Seu Celé:_ Santo Inácio. Aí ficou pro Banco Habitacional. Era dono de terreno aqui. Aí, do Banco
Habitacional passou pra Cohab. Quando eu comprei já foi à Cohab.
Entrevistador:_ o senhor comprou esse terreno com a ideia já de fazer olaria?
Seu Celé:_ não. Eu já tinha olaria. Eu comprei porque cederam, ele arrumou não sei com quem, o pai
do prefeito, essa área, pra criar gado, criava vaca de leite e a cocheirinha era ali. Eu comprei e
ele avisou: [“_esse terreno não é meu, to vendendo só a posse!”]. Comprei por 550 mil
cruzeiros na época.
Entrevistador:_o senhor tem essa documentação toda aqui da compra do espaço, que foi tratado com
a Cohab, no caso. Então, em 77, o senhor recebeu aquela carta da... mostra aquela cara, seu
Celé! Essa carta de julho de 77, foi quando o senhor efetivou, começou a efetivar a compra do
terreno pra ser seu...
Seu Celé:_ exatamente.
Entrevistador:_ até então o senhor usava, mas...
Seu Celé:_não era meu.
Entrevistador:_ um dia podia ser reclamado de volta. Agora, em 71, que o senhor começou, o senhor
já tinha alguma coisa aqui ou começou a construir em 71?
Seu Celé:_em 71 comecei a construir, a trabalhar, em 71, que eu comprei a posse, que era o
galpãozinho que tinha, a cocheira.
Entrevistador:_ a Zequinha...
Seu Celé:_ ao pai dele, seu Antônio.
Entrevistador:_que tinha essa vacaria por aqui...
Seu Celé:_sim.
Entrevistador:_ o senhor comprou a posso do terreno a ele e começou a...
Seu Celé:_trabalhar. Desmanchei o cocho e comecei a trabalhar nesse galpão.
Entrevistador:_ esse primeiro forno era aonde?
Seu Celé:_ era aqui atrás.
Entrevistador:_ não tem nada dele que seja visível?
Seu Celé:_ tem mais, não. Dois forno foi primeiro aí e o outro aqui.
Entrevistador:_ e essas casas, essas moradias, em que momento elas foram aparecendo? A primeira
a aparecer era a sua, né?
Seu Celé:_ foi, a primeira foi essas minhas duas aqui. A minha e do meu pai. Que eu tinha uma casa
ali, Malaquias, mas o que ficava ruim pra eu vir todo dia, que eu tinha que descer uma ladeira
alta e subir outra pra vir trabalhar. Aí eu aluguei essa casinha da esquina, aí. Vendi minha casa
lá e construí duas aqui.
Entrevistador:_essa #### [28:28] já existia?
Seu Celé:_ já. Era a última da rua.
Entrevistador:_ o senhor disse que já tinha gente morando nessa área, quando o senhor comprou esse
terreno. Quem eram esses moradores? E que casas são essas?
Seu Celé:_era só uma arruadozinho que tinha, do finado Odilon, já falecido. Odilon Pantorra. É
falecido já. Ficou pros filhos, os filhos também acabaram com tudo e terminaram ainda em
tragédia, que mataram um filho dele, né, pra roubar. Que ele tinha uma granja ali e mataram
ele pra roubar, assaltante.
Entrevistador:_ eu entendi o senhor falando, não sei se eu entendi errado, que aquela casa, no
começo, ali, de Fernando, já tinha?
Seu Celé:_ não tinha toda, era como um sitiozinho ali. Tinha em cima, a da mãe dele. Aí eles foram
construindo pra baixo.
Entrevistador:_ aí o pessoal foi vindo pra cá, pra fazer filtro, trabalhar e de certa forma foi construindo
casa com facilidade de ir trabalhar perto de casa...
Seu Celé:_ sim.
Entrevistador:_ pronto, seu Celé, continuando... A parte de produção, de fazer e das peças que o
senhor fazia, o foco era o filtro dessa produção, do Mauriti como um todo, mas sempre tinha
quem fizesse outras peças. Que peças eram essas?
Seu Celé:_ tinha os jarros decorativo. Quando eu comecei, era o jarro degrau, jarro polo, jarro sino,
outros que não me recordo mais agora o nome. Vendia muito.
Entrevistador:_ o senhor poderia fazer essas peças ou teria como alguém fazer? A gente pediu
algumas peças pra Nena fazer, mas o senhor poderia orientar ou o senhor mesmo fazer? Seria
possível?
Seu Celé:_ fazer... talvez, se eu tiver um tempinho...
Entrevistador:_o senhor ainda trabalha?
Seu Celé:_ eu trabalho, mas...
Entrevistador:_ ainda que numa quantidade pequena, mas o senhor ainda trabalha?
Seu Celé:_dá pra fazer ainda alguma coisa. Agora que... não faço... num dou mais produção, né, se eu
não aguentar... a coluna num deixa, né?
Entrevistador:_ mas alguma coisa o senhor...
Seu Celé:_que eu faço outras coisas, que eu vivo trabalhando aqui...
Entrevistador:_ desculpe, quando eu falo trabalhar é trabalhar com cerâmica...
Seu Celé:_ não, quer dizer, mas dá pra eu fazer.
Entrevistador:_ hoje o senhor tem algum torno que o senhor possa usar?
Seu Celé:_ não, só lá no Centro.
Entrevistador:_ ou pra pedir a algum colega aqui...
Seu Celé:_é... o de Deó, Vaninho.
Entrevistador:_ mas também não queria que o senhor saísse muito aqui, porque tem os seus
problemas de família, né, também... se puder descer, ótimo, se não puder descer, a gente fala
com Deó, fala com Percivânio pra emprestar. Se o senhor pudesse fazer uma peça dessa que
o senhor ta citando seria bem bacana.
Seu Celé:_ posso.
Entrevistador:_ o senhor sempre trabalhou com torno ou trabalhou com alguma outra técnica?
Manual ou...
Seu Celé:_ não, só em torno, mesmo.
Entrevistador:_ o senhor fazia tijolo e telha?
Seu Celé:_ não. Quer dizer, eu fiz umas telhas pra mim mesmo, quando fiz minha primeira casa, aí eu
fiz. Mas eu não tinha olaria ainda nesse tempo, fiz na olaria do meu tio.
Entrevistador:_ aqui no Cabo?
Seu Celé:_ sim. Meu tio tinha uma olaria pequena...
Entrevistador:_onde era a olaria?
Seu Celé:_ era ali no beco do Sindicato Rural, por trás do Sindicato Rural. Aí eu...
Entrevistador:_ como era o nome do seu tio?
Seu Celé:_José Clarindo.
Entrevistador:_o senhor chegou a trabalhar lá?
Seu Celé:_ não, eu... nessa época eu trabalhava na destilaria. Aí à noite eu fazia as telhas. Com
candeeiro. Não tinha... lá não tinha luz elétrica, aí eu fazia pra mim.
Entrevistador:_o torno, o senhor aprendeu com quem a lidar com o torno?
Seu Celé:_ meu pai trabalhava na cerâmica de Zezé, na cerâmica central, fazendo filtro pra ele e eu
comecei... meu pai me levou pra lá, eu com 11 ano de idade, pra dar acabamento em tampa
de quartinha. Eu comecei dando acabamento nas tampa de quartinha, aí comecei dando
acabamento nas quartinha e fui... depois fui botando maçaneta em tampa de filtro e fui
aprendendo até...
Entrevistador:_ isso começando aos 11 anos?
Seu Celé:_ aos 11 ano.
Entrevistador:_ na evolução natural de ajudante, a trabalhar e...
Seu Celé:_ não, 11 ano eu já comecei trabalhar no torno, né, dando acabamento, aí aprendi fácil. Eu
num queria aprender e aprendi fácil. Eu não sei por que. Um dia eu fui fazer... abrir uma várzea
tentei abrir uma várzea [34:31], papai tava colocando pé nos bojo, aí o finado Antônio Paulo
disse: [“_olha, Celé, Celestino já sabe abrir a várzea”]. Aí, pronto, eu fui abrindo várzea pra meu
pai, fazendo as várzea e papai apregando os pés. Aí sempre quando eu terminava meu
serviço... meu serviço lá era burnir [34:39] as quartinha e botar maçaneta em tampa de filtro,
pra pregar aquele castelozinho, e dá acabamento e pintar filtro. Meu serviço era esse. Aí
quando eu acaba o meu, trabalhava na produção, aí eu ajudava papai.
Entrevistador:_isso na olaria de Zezé?
Seu Celé:_ sim.
Entrevistador:_ e a olaria de Zezé, o que foi que aconteceu com ela?
Seu Celé:_depois ele adoeceu, entregou pro filho. O filho... depois o filho também morreu, entregou
pra o outro filho, o filho mais novo que é professor e não deu continuidade, acabou. Hoje é o
Plano Saf.
Entrevistador:_ aí, das peças que o senhor fazia, que não fosse filtro, mas que tinha uma vendagem
muito grande, o senhor falou... qual o nome das peças?
Seu Celé:_ era jarro sino, jarra polo, jarro degrau... tinha outro jarrinho pequeno que eu fazia... esqueci
o nome agora, que vendia muito também... muito estilo de jarro e vaso pra planta também.
Fazia muito.
Entrevistador:_ tem uma história que, no auge mesmo aqui, não sei em que época, o cliente vinha pra
cá, pra pegar a peça no forno ainda, abrindo o forno o pessoal meio que já brigando...
Seu Celé:_pronto, já nessa época... o povo... tinha dia eu me acordava cinco hora da manhã, já tinha
gente desenfornando, gente a chegar a brigar ali por peça.
Entrevistador:_que peças são essas?
Seu Celé:_ justamente essas peças. Esses vaso e outros vasos também já... o marajoara, né, quando
começamos a fazer também o marajoara. Aí muita gente brigava por esses jarro, que vinha
gente de todo... vinha gente de Sergipe, Fortaleza, Salvador, Natal, Paraíba, de todo canto
vinha gente comprar.
Entrevistador:_ então, o canal que tinha de vender essas peças era basicamente o pessoal vir aqui?
Seu Celé:_eu num saía pra vender, vendia tudo aqui.
Entrevistador:_ o filtro, por outro lado...
Seu Celé:_ também o filtro, vendia tudo aqui.
Entrevistador:_ mas o senhor falou que tinha motorista...
Seu Celé:_ pra fazer as entrega. Eles comprava... e também pra ir buscar o barro e a lenha, porque
todo dia eu tinha que botar uma carrada de lenha, porque todo dia queimava... tava
queimando forno. Tinha forno que queimava um caminhão de lenha de uma vez só. Tinha um
forno grande embaixo, onde hoje é o galpão de Clebe, ali na frente, queimava um caminhão
de lenha em cada fornada...
Entrevistador:_ por vez, por queima...
Seu Celé:_ hum. Que era um forno grande...
Entrevistador:_ aí o senhor falou do Mauriti em si, né, da construção e da operação dele, falou antes
do Mauriti, o que é que tinha, da vacaria e tal, e depois do Mauriti? Isso aqui... quais foram as
mudanças mais recentes aqui?
Seu Celé:_ não, a mudança agora, depois que eu me aposentei e minha esposa também adoeceu...
Entrevistador:_quando foi que o senhor se aposentou?
Seu Celé:_ eu me aposentei em 2009.
Entrevistador:_ pelo INSS?
Seu Celé:_sim.
Entrevistador:_aí o senhor parou de ter aquela produção diária que o senhor tinha pra ficar mais em
casa, dar assistência a...
Seu Celé:_ a minha esposa.
Entrevistador:_aí o senhor tava falando dessa desativação...
Seu Celé:_ aí o meu galpão eu dei pro meu menino, aí desmanchou e construiu essa quadra. O outro
ali, ele desmanchou também, onde era a maromba, a máquina que traçava o barro, os tanque,
aí construiu a casa dele, né? Pronto!
Entrevistador:_ e o operador da máquina, Geraldo?
Seu Celé:_ ele ta com Percivânio.
Entrevistador:_ ah, continua trabalhando com Percivânio?
Seu Celé:_ é.
Entrevistador:_ele era artesão ou era só auxiliar?
Seu Celé:_só auxiliar.
Entrevistador:_ o trabalho dele sempre foi de...
Seu Celé:_é, ele nunca quis aprender.
Entrevistador:_ mas não de produzir, só de manipular e beneficiar o barro.
Seu Celé:_sim.
Entrevistador:_ o forno grandão, o pessoal falou que faz uns 15, 20 dias que ele demolido, né? Por que
ele foi? Porque tava ocupando espaço, já não tava sendo usado...
Seu Celé:_a gente já num ia mais usar, aí eu dei os tijolo pra Fernando, mandei Fernando desmontar
e ele já aproveita os tijolo pra montar o dele lá. É tijolo manual, aí dá pra ele...
Entrevistador:_ pronto, seu Celé, tava falando dessas mudanças que aconteceram aqui. O galpão
mais antigo o senhor deu ao seu filho, que desmanchou e fez a quadra de futebol. o senhor
tava falando que doou o espaço da máquina...
Seu Celé:_da máquina também, ele construiu a casa pra morar...
Entrevistador:_ isso era quem, Deó?
Seu Celé:_não, meu filho. O de Deó é o outro terreno de trás, onde Deó construiu as casa.
Entrevistador:_ essa área do Mauriti, que é sua, ela ia até aonde, seu Celé?
Seu Celé:_olhe, essa área, o seguinte: tinha até ali, perto onde é a casa de Deó, esse galpão aí embaixo,
aqui por trás do galpão de Cléber, por aqui, por trás daquelas casa, até o outro lado da rua.
Entrevistador:_ dessa ladeira pra lá?
Seu Celé:_sim, sendo até... o marco que botaram foi do outro lado de lá, né?
Entrevistador:_ essa área chegou a ser usada pra cerâmica?
Seu Celé:_não, que já tinha casa ali, aí foi justamente as casa... já tinha umas dez casa aí em cima, aí
eu num quis mexer com ninguém, né?
Entrevistador:_ não quis criar confusão com ninguém.
Seu Celé:_é, né? Não quis mexer e deixei pra lá, porque também lá ficou essa sobra de terra até a
barreira, ficou lá pra baixo, também até a outra rua, embaixo. E papai perguntou: [“_por que
não mede tudo pra ver quanto é tudo?”]. Aí o engenheiro lá disse: [“_não, isso daí a gente não
vai precisar, se você precisar você pode ocupar, fique pra vocês”].
Entrevistador:_ por que era área de declive, é? Área de...
Seu Celé:_é porque é uma barreira muito alta e tinha muita pedra, ele disse que não iam cavar, aplanar
mais nada ali pra construir. Não valia a pena, aí ele disse que não ia mais usar, aí se a gente
precisasse podia usar, aí eu dei pro povo, né? Também deixei o povo construir.
Entrevistador:_ aí foram recortando pra fazer casa.
Seu Celé:_é.
Entrevistador:_ nessa área do Mauriti, quantas famílias o senhor imagina que moram hoje? Consegue
fazer uma conta por alto?
Seu Celé:_olhe eu... eu sei que deu dei 52 terrenos. E eu vendi ainda uns 5 ou 6 terreno e tem ainda...
Entrevistador:_ então são cerca de 60 terrenos que viraram residência?
Seu Celé:_é mais ou menos isso. Tem mais... tem os daqui de cima... dá mais de 60. 65 mais ou menos,
com os que já tinha, né?
Entrevistador:_ nessa área que antigamente era a olaria, a produção cerâmica?
Seu Celé:_sim.
Entrevistador:_ e o Centro, Celé? Como é que tu vê o Centro hoje nessa história toda? Que é o mais
perto que a gente te da continuidade disso...
Seu Celé:_não, o Centro, pra quem quer trabalhar num ta ruim, ta bom. Pra quem pode e quem quer
trabalhar. Só que a maioria dos artesãos, eles se acomodaram e quer que venha mais coisa...
mais fácil pra eles. Porque eu quando comecei aqui tudo era difícil. Eu sozinho, tudo difícil,
trabalhava de domingo a domingo, de dia e de noite e graças a Deus venci. Mas esses que
aprenderam não querem.
Entrevistador:_ com suas limitações de saúde e tal...
Seu Celé:_é. Quando chegou... Clebe também a mesma coisa, ta impossibilitado, doente, acamado,
não pode mais trabalhar, mas eu penso que eu tenho saudade, né, do que fazia, mas só que
não posso mais.
Entrevistador:_ outra área também que, de certa forma, ta dando continuidade a isso é o espaço lá
de Fernando, que é Massangana, né?
Seu Celé:_não, é Sebastião Paul.
Entrevistador:_ é quase Pontezinha?
Seu Celé:_não, é pra cá, depois da Charneca, é pra cá, é Mercês.
Entrevistador:_ é Cabo?
Seu Celé:_é Cabo.
Entrevistador:_ e o espaço dele... quem ainda trabalhava aqui, que não pôde mais, que o espaço
mudou completamente ta trabalhando com ele?
Seu Celé:_ta.
Entrevistador:_ ou é Nena que ta trabalhando lá no Centro e Fernando ta trabalhando ainda com filtro
nesse sítio dele?
Seu Celé:_é...
Fim da Entrevista.
Apêndice B. Transcrição de Entrevista
Nena – Severino Antônio de Lima – Primeira Parte
Entrevistador:_como é que tu chegasse lá na Olaria?
Nena:_aqui eu... minha vó comprou uma casa, morava em Mercês, na Usina Mercês...
Entrevistador:_aqui no Cabo?
Nena:_ no Cabo. É depois da Charneca, é uma usina, que hoje ta desabitada. Aí minha vó, o marido da
minha vó, que era padrasto da minha mãe, aposentou-se, aí comprou uma casa no centro da
cidade, no Cabo, comprou ali, vizinho de Celé. Aí foi morar lá, eu vim morar com a minha vó,
aí fiquei na olaria.
Entrevistador:_ que idade você tinha?
Nena:_ eu tinha uns 6 pra 7 anos.
Entrevistador:_ e o que é que tinha naquela área quando tu se mudasse?
Nena:_ só... nessa área lá só tinha a olaria de Celé e pra frente, agora onde é Cohab só tinha mato.
Mato e roçado, macaxeira...
Entrevistador:_e casa, tinha?
Nena:_ não, não. Tinha sítio. Por aqui tinha sítio. Aí tinha um sítio chamado seu Pinto, que a gente
roubava manga, macaxeira, essas coisa por lá [risos]. Era maloqueiro. Aí eu cheguei a morar
junto de Celé. O marido da minha vó comprou um caminhão, aí carregava lenha pra olaria,
pras padaria, e eu fiquei por ali, maloqueirando, arretando, arretando, e na época só fazia...
num fazia artesanato, só fazia peça... na época que era... eu ainda me lembro que eu assisti a
Copa lá, a de 70. Eu cheguei ali em 68... eu sou de 60, quer dizer, na Copa de 70 eu já lá
assistindo, eu to lembrado. Foi no México. Eu era pivete, mas eu me lembro. Aí me lembro que
Celé botava um televisão preto e branco, que naquele tempo não tinha televisão colorida.
Botava no terraço e ia todo mundo, a raça da olaria pra lá assistir. Não tinha... tinha feito pouco
tempo que tinha feito aquele galpão que hoje ##### [01:56] na quadra.
Entrevistador:_ aquele galpão principal?
Nena:_é, o principal, que não era ali, a olaria começou lá atrás, né?
Entrevistador:_lá atrás aonde?
Nena:_onde tinha umas casa lá pra trás. Começou lá. Tinha um sítio de coco, ali onde ele comprou,
que hoje tem a marca da Cohab, tem lá. Aonde a Cohab pensava em fazer ta lá.
Entrevistador:_ essa área hoje #### [02:17] com cerâmica também.
Nena:_não, não. Era casa. Aí Celé foi vendendo... foi desmanchando o galpão e foi puxando pra parte
de baixo. E a de cima ele fez uma casa pra ele, aí vendeu. Clebe fez a dele, Clebe fez outra casa
lá e foi descendo, aí foi pra aquela parte de baixo, mas era tudo lá em cima. Aí eu fiquei lá, aí
eu ficava maloqueirando ali. Aí depois veio meu irmão, veio minha irmã, minha mãe, a gente
começou a alugar casa aí pela Cohab. Era eu mais 4 irmãos pequenos, 5 irmão pequeno, 5
comigo e uma irmã. Aí eu ficava na olaria só maloqueirando, aí eu rapava tijolo, que lá...
Entrevistador:_ o que é rapar tijolo?
Nena:_ que ele fazia tijolo manual e o tijolo manual ficava um resíduo do lado do tijolo, a gente tinha
que rapar com a faca, pra tirar aquele resíduo. Aí eu ficava rapando tijolo sábado e domingo.
E meu irmão ficava ajudando Celé, trabalhava... aí aprendeu a laminar, chamado acabamento,
meu irmão, o mais velho. O meu irmão menor era mais novo, aí não trabalhava, não. Eu ficava
só mais maloqueirando.
Entrevistador:_ quando você fala Celé, você fala Celé pai ou Celé filho?
Nena:_ os dois, que o criador da cerâmica ali é Celé mesmo, o pai dele tava fora. Aí quando Celé
começou a trabalhar lá, aí o pai dele veio ajudar ele, aí ficou lá, ficou os dois.
Entrevistador:_ mas, quem começou aquele espaço...
Nena:_ foi Celé, Celé mesmo. Celé filho. Mas depois o pai dele chegou e quando ele vivia lá, a
autoridade era do velho, porque era filho dele, aí ele... às vezes Celé queria fazer alguma coisa,
ele não aceitava, fazia do jeito que ele queria. Muitas vezes eu via Celé aperreado porque...
Entrevistador:_e depois dessa fase de raspar tijolo, como é que você #### com o torno? [03:56]
Nena:_ foi o seguinte: começou a fase de artesanato. Aí era muito... vendia muito, vendia muito. O
que você fizesse...
Entrevistador:_ antes disso, o que não era artesanato era o quê?
Nena:_ Celé fazia telha, fazia tijolo... tijolo manual. Ele fazia lá, queimava na caieira. Não sei se tu já
ouvisse falar em caieira. Caieira é os tijolo que vai montando, montando, montando, bota 30
mil tijolo, 20 mil tijolo numa caieira só. Aí faz o buraco e bota fogo, nelas mesmo, monta nelas
mesmo. Uma pirâmide...
Entrevistador:_ela é o... o que vai ser queimado...
Nena:_ é, é, aí chama caieira. Aí queimava, fazia tijolo, telha, fazia quartinha, cachepot, que agora é
caqueira... quartinha, caqueira, fazia aquela manilha, que hoje tem encanação de PVC, mas
antigamente era de barro, fazia aqueles negócio, fazia minhaeiro, fazia pote pra mel, fazia
fogareiro, fazia aqueles... que a gente chamava caco de formiga, que era pra formiga num
comera as planta...
Entrevistador:_ e isso vendia aonde?
Nena:_ vendia em todas as feira. Era peça de feira. Vinha gente de fora. Ele saía... tanto fazia pra
vender, como fazia entrega. Ele tinha uma caminhoneta pequena, chamava piranha.
Antigamente, na carroceria, ele enchia de peça e saía pra fazer praça. Ia pra Palmares,
Garanhuns, pra aquela área lá pra cima.
Entrevistador:_ o tijolo também era pra vender em feira?
Nena:_ não, não. O tijolo ele vendia lá em... em grande quantidade, ele vendia em milheiro, vendia lá
na cerâmica mesmo, não entrega longe, não, era só peça de feira. aí depois chegou um tal de
Zé Stamburgo lá. É um galego que faz... o sobrinho dele é até... é da Empetur aqui do Cabo,
negócio de turismo. É um tal de... esqueci até o nome dele agora. É sobrinho de Zé Stamburgo,
é. Ele veio aqui umas duas vezes. Aí... Zé Stamburgo chegou lá com artesanato. Ele viajou e
viu no Pará umas máscara... um pingente... umas mascarazinhas indígena, de barro. Ele
começou a fabricar e começou a vender. Vendia, vendia, vendia e muito. Aí Clebe também
começou a fazer artesanato. Aí ganhou muito dinheiro. Clebe ganhou muito dinheiro. Clebe
tinha lá em cima 3 casa, seis mulé trabalhar pra ele, pintando, e era luxo: todo dia de manhã
tinha leite por causa da tinta e era... só desenhando, que ele fazia uns desenho na peça, com
aquela aspa de guarda-chuva ou senão um berilo. Botava na caneta e fazia aqueles desenho.
Era na base de umas 5 ou 6 pessoas fazendo aquilo pra ele, durante o dia todinho e a semana
toda...
Entrevistador:_ mas ele ficava na olaria?
Nena:_ na olaria, fabricando peça.
Entrevistador:_mas fabricando as peças dele?
Nena:_ dele, de Clebe.
Entrevistador:_ isso não era peça de uma #### [07:18], era peça de Clebe?
Nena:_de Clebe, de artesanato. Já foi depois dessas demandas de Celé fazer essas peça, aí Clebe
começou a fazer. Primeiro foi Clebe, aí eu trabalhava com ele e chegava muita gente ali pra
comprar peça, o pátio ali de Celé ficava cheio de carro, não tinha nem lugar pra botar carro. Já
vi muitas veze as mulher brigar no forno, na frente do forno, por peça que saía, as mulher
queria a mesma peça e começava a briga lá, por causa de uma peça de barro. Vendia muito,
vendia muito mesmo. Aí, o que eu ficava lá? Ficava carregado as peças. As mulher comprava
e eu levava no carro, aí as mulher davam uma grojeta. Aí por semana eu ganhava mais do que
quem tava trabalhando, porque num sujava aquele povo que tinha dinheiro e eu carregava.
Entrevistador:_tu trabalhava em quê nessa época?
Nena:_eu trabalhava, não, ficava lá só maloqueirando.
Entrevistador:_ tu tinha que idade?
Nena:_ eu tenho 50 ano.
Entrevistador:_ não, naquela época.
Nena:_ era de 10, 12 ano.
Entrevistador:_ ah, ta, pensei que fosse mais velho. E quando você ficava raspando tijolo?
Nena:_ era antes. Era na época que só fabricava peça de utilidade: jarra pra botar água, quartinha,
esses negócio. Quando começou a fazer artesanato, eu ficava na olaria carregando as peça
pros caminhão das madame, ficava fazendo recado pra Clebe, que Clebe fumava, mandava
comprar cigarro, ficava... mandava comprar lanche, ficava lá, e quando era no fim de semana
ele dava dinheiro, mas não trabalhava certo, não.
Entrevistador:_ não era um trabalho, não, era um bico.
Nena:_ não, não. Quando... aí de vez em quando eu ia pro torno, fazia uma pecinha... quando chegava
cliente lá...
Entrevistador:_ no torno de quem?
Nena:_ no torno de Clebe. Praticamente eu aprendi foi com Clebe.
Entrevistador:_teu padrinho...
Nena:_foi Clebe, foi Clebe. Aí eu comecei. Fazia uma pecinha, fazia outra. Quando chegava um cliente
lá, queria ver como é que fazia, aí eu ficava no torno. Mas só fazia cinzeiro. Aí foi aos pouco,
aprendendo, aprendendo, aos pouco aprendendo, aí quando chegou um tempo que Clebe
ganhou na loteria esportiva. Clebe ganhou duas vezes na loteria, aí eu comecei a fazer umas
peça de tampa, aí ele disse: [“_faz!”]. Comecei a fazer pra irmã dele, que a irmã dele pintava,
a Célia, lá de Prazeres. Aí eu fiquei fazendo, fazendo, aí ele disse: [“_fica fazendo aí!”]. Aí
começou a me ensinar e eu comecei a aprender e aprendi com Clebe.
Entrevistador:_ aí começou a fazer artesanato, aprendeu com Clebe, começou a fazer tuas próprias
peças e fazia peça pra ele...
Nena:_fazia peça pra Clebe, comecei a fazer peça pra ele. O barro lá, na época, era pisado, não tinha
máquina, pisava no pé. O barro pisava no pé. Geo pisava barro lá na época. Geo ainda ta la
hoje.
Entrevistador:_ tinha várias pessoas pra pisar barro ou era... tinha o próprio galpão?
Nena:_ tinha um galpão... aquele... a máquina agora. Hoje... era aquele tinha antigamente, passava
na máquina, né? A maromba. Mas antes era o cima, logo no início. Pisava barro, depois
passava no arame pra tirar a raiz, esses negócio, passava direto, assim, no bolo, que era pra
tirar... a impureza vir no arame.
Entrevistador:_ não tinha peneira.
Nena:_ não tinha peneira, não tinha nada. Era no pé e no arame.
Entrevistador:_nessa época, cada um trabalhava por si ou...
Nena:_ não, trabalhava pra Celé. Tudo pra Celé. Clebe tinha o galpão dele porque era irmão de Celé.
Celé deu um galpão pra ele trabalhar pra ele. Mas o resto tudinho trabalhava pra ele. Com o
pai de Celé lá, ninguém fazia peça pra ninguém, porque Celé não deixava, o velho, o pai de
Celé, seu Celé velho. Celezinho, não. Quando seu Celé ficou doente e faleceu, aí ele começou.
Aí foi pra lá Uruda, fazer peça pra ele, seu Deó fazia peça pra ele, Abiude fazia peça pra ele,
Moisés fazia peça pra ele, e outros que foi pra lá e fazia peça pra ele. Mas Celé velho, o pai dele,
ele não deixava ninguém fazer nada.
Entrevistador:_ a pessoa trabalhava...
Nena:_prestava serviço pra ele, ele pagava. Agora, pra fazer peça ele não deixava, não. Ele não deixava
de jeito nenhum. Eu vi lá muitas veze ele quebrar peça dos outros, porque fazia... Celé
deixava...
Entrevistador:_as peças que ele não aprovava...
Nena:_não... porque o seguinte, Celé era... não dizia não. Aí... [“_Celé, deixa eu fazer umas peça aí!]...
por exemplo, Abiude trabalhava na CPR. Na CPR tinha uma cerâmica. A CPR é onde agora é o
Asa Branca, ali, do lado do Banco do Brasil.
Entrevistador:_ e o que era a CPR?
Nena:_ era um cerâmica. Cerâmica de artesanato. Agora, era uma grande empresa, fazia cerâmica
com esmalte na época.
Entrevistador:_ e tudo era de Celé?
Nena:_ tudo era de Celé: galpão, barro, tudo, tudo. Era a olaria de Celé. Aqui no Cabo... hoje que ta
fraco, mas antigamente, toda cerâmica aqui no Cabo, quem montava cerâmica passava na
mão de Celé. Não teve um aqui no Cabo que montou uma cerâmica sem passar na mão de
Celé. Todos. Ali tem Israel, que ele não fabricava peça, mas viu lá em Celé e botou uma pra ele.
Uruda passou em Celé, Zezinho passou em Celé, esse menino lá de Prazeres passou em Celé,
antes de botar o negócio dele trabalhou em Celé, Fernando trabalho em Celé, Vaninho
trabalhou em Celé. Todos eles que têm olaria hoje passou em Celé. Celé foi como se fosse uma
faculdade do barro pra...
Entrevistador:_uma pergunta inaudível [14:24]
Nena:_ Vila Irmão Unido, bairro do Mauriti.
Entrevistador:_ uma pergunta inaudível [14:29]
Nena:_é porque... quando Celé chegou por ali tinha um senhor lá que era dono de engenho e tinha uns
arruado, aí botaram o nome da rua Irmão Unido. Várias casas agarrada na outra. Aqueles
engenho de antigamente não tinha aquele corredor de casa? Pronto. Ainda tem lá um arruado
de casa, só que antes era um dono só. Hoje tem vários... cada um comprou diferente, aí
reformou.
Entrevistador:_uma pergunta inaudível [15:01]
Nena:_ no Mauriti não sei, não. No Mauriti... isso aí eu não sei dizer, não. Eu sei que quando eu cheguei
aqui não tinha... Bairro São Francisco não tinha, era pouco, era poucas casa, que não tinha
ainda. Não existia... Malaquias era poucas casa. Cohab não existia, aquilo tudo era mato.
Antigamente aqui era o lixão, porque isso que ainda chama o lixão, que o lixo da cidade era
derramado aqui, botava aqui o lixo. Isso tudinho aqui era lixo. Tinhas umas cana... ainda me
lembro que tinha um caminho aqui que passava, saía lá na pista, um caminho estreito que saía
lá embaixo, na pista. Aí tinha um bocado de engenho por ali, eu andava por aqueles engenho.
Aí eu aprendi e de lá pra cá, pronto, sempre trabalhei com isso. Eu trabalhava em Celé, eu e
meu irmão. A gente pagava aluguel, fazia feira, ajudava minha mãe, a gente pequeno, lá na
cerâmica já.
Entrevistador:_ mas isso que você falou agora ainda no...
Nena:_no auge. Aí quando começou a decadência foi o seguinte, aí todo mundo começou a ver
olaria... tinha um tal de Naldo, aí abriu olaria na vila, que até depois ele desistiu e ficou aquele
tal de Bartô, não sei se tu chegasse a ouvir falar dele... Pronto, esse Bartô. Aí Zé Stamburgo
abriu lá na Torrinha. Aí abriu Israel, aqui na vila, na Vila Ipojuca, Zezinho começou a fazer peça.
E aí o que acontece? A turma começou a vender barro. Chega lá e... aquele conjunto
pequenininho de estante, fazia 500, 600, botava num caminhão, pintava e partia. Chegava e
vendia na feira. Aí começou... porque, você sabe, gente que tem dinheiro, que conhece a
história, não quer negócio de feira pra botar dentro de casa, ta entendendo? Aí começou a
pintar peça, as tinta... umas peça... aquele, como é que chama? Uma tinha que bota álcool...
como é o nome daquela tinta? Bota álcool, aí leva sol, com 2 dia, 3 dia aí ta aquele negócio
feio. Aí começou a desvalorizar, desvalorizar e a turma começou a correr porque foi
desvalorizando a peça em 80, mais ou menos, depois de 80...
Entrevistador:_uma pergunta inaudível... de Celé pai foi 81... [19:09]
Nena:_81, foi.
Entrevistador:_ de certa forma, isso teve alguma relação? Porque você tava falando que em 80
começou a desandar...
Nena:_ seu Celé morreu em 81, que você tava falando, mas ele passou um tempo doente, afastado.
Aí, quando ele começou a se afastar, aí a turma começou... Celé liberando pros outros a
fabricar peça. Quando começou a decadência... no início de 80, mais pra lá um pouquinho
mais... aí começou a entrar atravessador, a turma... eu tinha um colega lá... até eu fui na
Fenearte agora e vi ele, é... Domingo. Ele comprava Kombi cheia de peça a gente. Naquela
época ele já vitrificava na casa dele. A gente levava de mil conjunto, todo mês a gente levava
pra casa. Ele vitrificava ali em Piedade... Piedade ou era Candeias, um negócio assim. Aí
começou a decair porque a turma começou a vender as peças em feira, começou a turma
levando peça pra Caruaru, pra vender na feira de Caruaru. Vendia. Tinha um menino que toda
semana levava uma Kombi ali pra Palmares, botava na feira lá.
Entrevistador:_ mas ##### [20:25], não vendia bem, era isso?
Nena:_ não, é porque é o seguinte: lá na olaria a gente só vendia peça natural e Clebe era quem
pintava. Aí a turma começou a pintar em casa. Passava um tal de betume. Não sei se tu
conhece, betume com álcool, misturava, dava um banho na peça e levava. E foi
desvalorizando, desvalorizando, aí a turma começou a se afastar. Aí começaram a entrar na
área de filtro.
Entrevistador:_ até então vocês não faziam?
Nena:_ não faziam filtro, não, porque tinha Zezé que fazia filtro. Zezé só fazia filtro. Zezé vendia no
Nordeste todo filtro e ele tinha feito um pacto com Celé, que Celé pegava barro dele, mas só
pra artesanato. Quando Celé começou a fazer filtro, aí cortou Celé, não venderam barro pra
Celé mais.
Entrevistador:_ que até então não era concorrente.
Nena:_ não era concorrente. Aí, o que Celé fez? Celé Pegou e a gente foi aqui na área e pegou uma
área aí e abriu a associação. Foi na época que abriu a associação pra ter direito ao barro em
Suape. E Zezé depois começou a pegar da gente, lá na associação.
Entrevistador:_ e quem começou a pegar?
Nena:_ Zezé.
Entrevistador:_ depois dessa briga todinha...
Nena:_ depois ele começou a usar do que a gente pegava.
Entrevistador:_ uma pergunta inaudível [21:46]
Nena:_ eu nunca trabalhei. Eu trabalhava com Clebe. Depois trabalhei com Celé, com Clebe, com seu
Deó. Eu só trabalhava ali, depois fui pra Fortaleza. Meu irmão... fui pra lá...
Entrevistador:_ uma pergunta inaudível [21:59]
Nena:_ é, não. É Nilson, o mais velho, trabalha com Brennand hoje. Aí ele botou uma cerâmica lá e eu
fui lá ajudar ele, fui umas 3 vez pra lá. Teve uma senhora lá que queria botar uma cerâmica pra
mim, pra eu trabalhar com ela, mas meu irmão tava lá, eu não quis concorrer com ele. Aí eu
vim. Fui um tempo pra Petrolina, passei um tempo em Petrolina, mas sempre vinha trabalhar
com os menino aqui. Aí trabalhei... pra não dizer que eu trabalhei o resto da minha vida em
Celé, trabalhei um tempo ali em Santo Inácio, com um tal de Lula Lima, que foi Secretário de
Segurança do Cabo e foi Secretário de Saúde.
Entrevistador:_ tu trabalhava com quê?
Nena:_ fazendo filtro. E fui trabalhar em Zezé também, trabalhei em Zezé. Zezé eu trabalhei com o
filho dele agora, no fim da... na hora que tava fechando, com Beto.
Entrevistador:_##### [22:57] Celé pai...
Nena:_ Celé velho, não.
Entrevistador:_ quando começou a fazer filtro, Celé pai já tinha falecido?
Nena:_já tinha falecido. Quando o artesanato começou a afracar, aí Celé começou a fazer filtro. Aí
começou a fazer filtro... aí fazia... se eu não me engano era Uca, uma mulher chamada Uca,
que faleceu, e Cal e Tenente, também. Trabalhou Ziel, Nafo e Vaninho fazendo filtro pra ele,
que ele até abriu uma firma... a firma de Celé e ele fechou os três, fabricante de filtro pra ele.
Entrevistador:_ pergunta inaudível [23:58]
Nena:_ não, ele fazia parte da Associação por causa do barro, porque a maioria é a turma de Prazeres,
a turma de Ipojuca. Era associado por causa do barro. O principal da Associação, pra acesso ao
barro, porque não podia tirar sem a Associação.
Entrevistador:_ pergunta inaudível [25:43].
Nena:_ aí fui trabalhar lá em Santo Inácio, trabalhar com Moisés. Aí Moisés, a gente fazia jarro, jarro
de pendão, aí começou a cair a venda de peça, e a turma querendo filtro, querendo filtro. Aí
Moisés disse: [“_vamos fazer filtro! _Eu não sei filtro, não. _A gente aprende”]. Aí começou
praticando, com 4, 5 dia eu comecei a fazer. Fazia pouco, fazia 80, 70 peça, fazia 100 filtro por
semana. Aí foi o tempo que a mulher de Celé pediu o galpão a ele, aí eu fui trabalhar em Santo
Inácio. Cheguei em Santo Inácio, tinha que fazer 150 peça por dia. Eu disse: [“_ e eu vou fazer
nunca?”]. No primeiro dia, eu fiz 170. Aí o que eu não fazia numa semana eu fiz num dia só. Aí
comecei a fazer filtro e fui trabalhar com Fernando. Aí Fernando foi botar uma laje dele lá no
galpão, aí fiquei...
Entrevistador:_ pergunta inaudível [26:43]
Nena:_ não, não, aquilo é novo. É onde ele mora agora, mesmo, na casa dele. Embaixo era uma olaria.
É Fernando, é parte de cima, na de baixo é Vaninho. Aí comecei a fazer filtro com ele, ele parou
pra botar laje, aí eu, como tava meus irmão tudo desempregado, aí eu disse: [“_vamo falar
com Celé, fazer filtro lá!”]. Tinha barro lá, a gente foi, fiz 100 filtro em Celé, 200 filtro. Aí meu
irmão falou com Celé, a gente foi pra aquele galpão e ficou lá. Eu passei mais de 15 ano ali
naquele galpão, trabalhando pra mim, com meus irmão. Aí trabalhava o mais velho, e os três
tava desempregado. Eu fabricava e ficavam lá me ajudando, pra quando for no final de semana
a gente arrumar o dinheiro da feira, né? Aí apareceu esse serviço de Brennand, vieram me
procurando pra ir trabalhar lá. Mas eu não quis ir porque meus irmão tava tudo dependendo
de mim, que só quem fabricava era eu, meus irmão num fabricavam, tava tudo desempregado.
Aí se eu for era tudo... à toa. Aí meu irmão mais velho foi. E ta lá até hoje. Saiu uma vez, que
foi naquela rescisão do... daquela crise que teve aí, ele botou um bocado pra fora, depois
mandou chamar novamente. E o outro meu irmão foi trabalhar numa metalúrgica, ta
trabalhando até hoje, faz mais de 20 ano. E um trabalha lá, que é Fio, e o outro é eletricista. Aí
eu fiquei em Celé até agora. Quando foi agora, o galpão tava tombando lá, mas Celé não tinha
recurso e também a concorrência lá em cima era... concorrência em todo canto tem, mas lá
em cima era o seguinte: você fazia um filtro e dava de graça, o outro vendia mais barato ainda,
e aí você ficava revoltado. Aí, quando Celé pediu o galpão eu vim pra cá. Até hoje to aqui.
Entrevistador:_[28:39] pergunta inaudível.
Nena:_ quando eu vim pra cá... faz uns 4 ano que eu to aqui já. Foi quando eu vim de lá pra cá, que eu
entreguei a Celé. Antes eu já tava pensando em vir pra cá, que eu já tinha falado até com Ana,
com Virgínia, pra vir pra cá. Ela disse: [“_vá, vá!”], mas eu tava com o galpão lá em cima...
Entrevistador:_ [28:56] pergunta inaudível.
Nena:_o galpão tava... a estrutura tava caindo tudinho, as madeira tava podre e quando dava uma
chuvada eu perdia muita peça lá. Teve um tempo lá de eu ta com 400 filtro seco, lá, pra
queimar, aí dava uma chuvada à noite, a goteira quebrava as peça toda e não tinha condições
de reformar, Celé também tava... além de ser recurso financeiro, também sem incentivo pra
aquilo, porque esse tempo todinho trabalhando, às veze... levando queda, levando queda, aí
ele disse... tinhas uns carro lá, que o povo botava uns carro lá, ele disse: [“_oia, eu to com medo
que isso aqui caia, se pegar um carro o prejuízo vai ser maior”]. Aí falou comigo e com Leda,
que eu trabalhava numa parte e Leda na outra. Aí ta certo... e eu tava com um #### [29:58]
de filtro pra um cara da Paraíba. Aí ele disse: [“_se você quiser ir fazer no galpão lá de cima, vá
fazer”], mas eu disse: [“_sabe de uma coisa? Vou não”], aí vim aqui pra baixo. Eu mesmo... eu
fazia... fabriquei filtro, fabriquei outras coisas, mas eu gosto de trabalhar com barro. A minha...
eu gosto de trabalhar mais com artesanato, não com peça, assim, repetida. Eu gosto de criar
um modelo de peça, criar uma coisa que os outros num faça, pra eu fazer. Eu gosto disso. Eu
não sei se é defeito meu ou se é...
Entrevistador:_ não gosta de repetição...
Nena:_ é, eu não gosto, não gosto. Eu gosto de fazer coisa diferente, tentar coisa diferente, coisa
diferente. Eu gosto disso.
Entrevistador:_ o que era o galpão de Celé virou uma quadra de futebol [30:44]...
Nena:_ é, e onde era o barreiro, agora é a casa do filho de Celé. Onde passava o barro.
Entrevistador:_ e o ##### [30:52] era o quê?
Nena:_ é garagem. Aonde era o Leda, ele vendeu uma parte, o cara fez uma casa. E na minha parte,
onde eu trabalhava hoje é uma garagem. Ele fez uma garagem lá e ta alugada. Deó vai
trabalhar só até para o mês, que ele... seu Deó tinha uma máquina, tinha um tanque de botar
barro... e ele derrubou o tanque pra fazer uma casa. Vendeu a máquina. Quando é agora... ele
confiava na máquina de Celé e quando é agora Celé desativou. Ele partiu pra fazer barro com
Fernando. Fernando agora se mudou pro lado de Escada ali, e ele agora não tem onde passar
o barro...
Entrevistador:_o forno grande...
Nena:_ derrubaram ali.
Entrevistador:_ derrubaram há quanto tempo?
Nena:_ o mês passado.
Entrevistador:_ o espaço que era de Clebe?
Nena:_ Celé deu a Clebe e ele ta desativado lá, ta parado. Segundo... a mulher de Clebe queria fazer
garagem lá também, porque a turma pede muito pra botar carro lá.
Entrevistador:_e Vaninho?
Nena:_ Vaninho ta trabalhando. Só tem ele lá em cima agora.
Entrevistador:_ no espaço que era de Fernando, Fernando já tirou tudo...
Nena:_ tirou. Ele comprou outro espaço, gastou muito dinheiro lá, fez um terreno muito grande lá, um
galpão muito grande lá, o terreno muito grande, muito grande mesmo.
Entrevistador:_ #### [32:12] tinha quantos galpões lá?
Nena:_ ali em Celé?
Entrevistador:_ sim.
Nena:_ ali em Celé, só galpão ali, no auge mesmo...
Entrevistador:_##### [32:22]
Nena:_ o nome?
Entrevistador:_ sim.
Nena:_os galpão ou as pessoas? Olhe o galpão... que eu conheço lá em Celé tinha o primeiro, depois
foi pro segundo, que era de Clebe. Depois veio um terceiro, um quarto. Aonde mora hoje a
mulher de Clebe, os filhos de Clebe, da primeira mulher, era o galpa de Celé ali, a casa de cá e
um galpão. Ele fez uma casa, fez duas, Clebe fez outra, aí foi puxando. Até o arruado onde tem
o meu galpão, que eu tava lá, aquele galpão ali também era um galpão ali antes, um galpão
que fazia telha e tijolo. Celé teve tempo ali de ter 5 forno. Tinha aquele redondo, tinha outro
em cima e tinha quadrado embaixo, pequeno e tinha onde é o galpão de Clebe, e tinha um que
era de 8 boca. Era um monstro, que botava lenha aqui e a cinza caía embaixo, era como se
fosse um cinzeiro. Pegava uma camada de tijolo, dessa altura, pegava outra camada de telha
e em cima é que botava as peça. O cara passava 2, 3 dias pra enfornar, pra montar as peças pra
botar fogo, era. Era grande demais o forno. E tinha outra lá embaixo, onde tinha esse galpão...
esse galpão, que eu disse a tu que hoje é um arruado, onde tinha a casa de Deó, ali era um
galpão também, que fazia telha e guardava tijolo. Fazia telha... telha tinha aqueles #####
[34:01]. Tu já visse fazer telha, como faz telha?
Entrevistador:_ eu vi fazendo uma vez, que tem aquela grade, né, que chama?
Nena:_é, grade. Bota e tem uma madeira com umas ripinha, bota ela aqui e ela já sai em pé lá. Aí vai
botando uma em cima da outra, aquela montagem. Aí lá só botava telha. O galpão era maior
do que aquele que eu trabalhava nele. Comigo e Leda. Era muito maior. Só pra botar telha e
tijolo e fazia jarra.
Nena:_ pergunta inaudível [34:40]
Nena:_ não. Quando eu vim de Mercês, Celé já tava com o galpão já pronto, o primeiro. E Aude já viu
quando Celé tava derrubando lá, que tinha uma vacaria lá, que Celé tava derrubando. Aude já
alcançou isso. Eu não alcancei, Alde alcançou, que ele era maloqueiro dali que nem eu, agora
ele no tempo dele, e eu no meu.
Fim da Entrevista.
Apêndice C. Transcrição de Entrevista
Nena – Severino Antônio de Lima – Segunda Parte
Entrevistador:_é um alguidar isso aí?
Nena:_é um alguidar. É uma das peças mais antigas que existe.
Entrevistador:_eu conheço alguidar no sentido de oferenda, tem outro sentido?
Nena:_ tem oferenda, mas antigamente era o prato de comer também.
Entrevistador:_ tinha tamanho de alguidar?
Nena:_ tinha. Tem pequeno, o mínimo possível, que é mais ou menos 15cm, e tem até de 50, 60.
Entrevistador:_ essa peça faz de uma vez só ou tem que fazer de pedaço?
Nena:_ faz de uma vez só. Filtro faz duas vez por causa do pé do filtro, né?
Entrevistador:_peça de #### [01:12] você tem que fazer de duas vezes, porque não sustenta...
Nena:_é, não sustenta o peso.
Entrevistador:_ é uma peça fácil de fazer?
Nena:_é, é uma peça fácil. Antigamente, quando a gente não tinha... trabalhava com artesanato, a
peça mais difícil da cerâmica era a quartinha. Era a mais difícil, por causa do bojo e pescoço.
Entrevistador:_fazer uma peça fininha era difícil?
Nena:_é. Ela tinha que ser maneira, porque quando bota água ela fica pesada, que aquele povo que
trabalhava com o corte das canas levava pra... cheia d’água, tinha que ser maneiro. E o pescoço
pra fazer o bojo e... que era o boloado e mais o pescoço.
Entrevistador:_ a peça era feita de uma vez? Tinha que esperar secar o barro...
Nena:_não, não, era de uma vez só. A quartinha tinha que ser de uma vez só.
Entrevistador:_ então, de fato, tinha que ser com cuidado, porque senão afundava, né?
Nena:_ é. Naqueles tempo, o oleiro sempre fazia de uma vez só. Era raro fazer duas veze.
Entrevistador:_ começou a fazer peças duas vezes foi o filtro?
Nena:_ não. O filtro... sempre teve o filtro por causa do pé, mas tem a talha, que é completa, faria de
uma vez. A talha é um filtro sem vela. A gente chama talha. Como se fosse aquele filtro que a
turma... de cachaça, agora, sendo grande, pra botar água. Ele não filtra.
Entrevistador:_ o pessoal só armazena...
Nena:_ armazena água, aí justamente chamava de talha.
Entrevistador:_essa aqui já ta pronta, é só... se precisar de algum ajuste...
Nena:_ é, é...
Entrevistador:_ isso é um alguidar grande?
Nena:_não, isso aqui não é um alguidar grande, não. Isso é um médio. O grande dá mais de 50cm. É
mais ou menos deste tamanho. Esse aqui deve ter uns 20cm a 30cm mais ou menos. Mais ou
menos 40... 39cm. Pronto! Já ta pronto, aqui!
Entrevistador:_vai fazer o quê, aí, Nena?
Nena:_ uma quartinha.
Entrevistador:_ de uma vez só?
Nena:_ de uma vez só.
Entrevistador:_ o torno também, na época, era no pé, né?
Nena:_ no pé. Aí a turma diz: [“_mas tu num cansa, não?”]. Eu passava o dia todinho rodando e nunca
cansei. Agora que eu to com essa daqui eu canso.
Entrevistador:_ ficou mal acostumado, né?
Nena:_ é.
Entrevistador:_era facinho...
Nena:_ é. Mas ainda tenho muita resistência nas pernas, porque a gente fazia cento e poucas peça por
dia, rodano. Aí a turma dizia: [“_se tu for andando, as pancada que tu dá aí na roda, se for
andando vai em São Paulo e volta”] [Risos]
Entrevistador:_ aqui na olaria não tinha menino magricela, não, né, Nena?
Nena:_tinha, não.
Entrevistador:_o pessoal todinho... usava muito o pé, fazia força...
Nena:_hoje é bom. Antigamente, ali em Celé fazia telha, tijolo e fazia peça. O tijolo a gente tinha que
rapá no pátio, tombar tudinho, ajuntar, empilhar, chamava-se empilhar. Era muito serviço. Na
olaria nunca faltou trabalho, não. Faltou dinheiro, mas trabalho, não. Hoje chegou a
tecnologia aqui no Cabo, mas antigamente, nos anos 70 e pouco, ali em Celé trabalhava muita
gente ali, porque não tinha serviço aqui no Cabo. Aí a turma ficava sem fazer nada, ia tudo
trabalhar na olaria. Ainda me lembro: a primeira empresa que chegou aqui no Cabo foi a
Rhodia, Coperbo, que tinha antigamente, aquela que faz borracha e a Brahma. Pronto, era as
três empresa mais importante do Cabo.
Entrevistador:_ e também tinha a ##### [06:55]
Nena:_ a ##### [06:56] era firma pequena, eu to falando firma grande.
Entrevistador:_ empregava bastante gente...
Nena:_ empregava muita gente. A turma que trabalhava na Brahma, Rhodia e Coperbo era rica aqui
no Cabo, era considerado rico. Oia... aqui é a paleta inoxidável, ele fica lisa. Se você num
cuidar, ela agarra.
Entrevistador:_ na #### [07:20] trabalhava muita gente?
Nena:_ ##### [07:21] era firma pequena, mas trabalhava muita gente. Pronto, agora vou fechar o
pescoço aqui agora, que é onde, na quartinha é a complicação, é fechar o pescoço.
Antigamente, quando você chegava pra trabalhar na cerâmica, que ninguém lhe conhecia, aí
o teste era fazer uma quartinha...
Entrevistador:_pra saber se o cara era...
Nena:_ é. Chegava lá: [“_Celé, eu quero... tem um serviço pra mim aí, Celé? _Você é o quê? _Eu sou
oleiro. _É oleiro? Venha cá! Faça uma quartinha, aí!”]. Pela quartinha, se ele se saiu bem...
Entrevistador:_ aí tinha que ser uma peça difícil...
Nena:_é.
Entrevistador:_como o alguidar é peça fácil...
Nena:_é.
Entrevistador:_ era a peça mais difícil de fazer?
Nena:_na época, a quartinha era a peça mais difícil. Hoje, depois do artesanato ela ficou fácil. Hoje a
gente trabalha com uma paleta dessa aqui, que chama paleta, a gente faz as peça todinha com
uma só. Antigamente, não. O oleiro trabalhava com 5, 6 paleta. Aqui era uma paleta pra... aqui
na curva era outra, pra ficar isso aqui era outra...
Entrevistador:_ por que, Nena?
Nena:_ porque era a tradição mesmo de cada curva, pra não fazer uma paleta... porque ele tinha uma
quadrada, aí não podia fazer essa curva aqui, aí ele usava várias.
Entrevistador:_ esse lamuge [08:58] sempre se usou, né Nena?
Nena:_ lamuge [08:57] sempre aproveitou-se.
Entrevistador:_fazia esse #### e pegava de volta pra... [08:59]
Nena:_ é, é. Celé mesmo guardava esse lamuge [09:08] pra fazer aquelas peça dele, as petisqueira.
Ele não coava o barro, aí esse aqui passava na mão e aí quando tem uma pedrinha aqui a gente
sente, aí sai.
Entrevistador:_ isso é pedra ou decoração?
Nena:_decoração, que já é um frisozinho que a gente faz. Aonde dava o friso com a tinta. Aqui ta
pronto.
Entrevistador:_Celé aprovava uma peça dessa?
Nena:_aprovava, aprovava.
Entrevistador:_ chamava pra ser oleiro?
Nena:_ chamava, chamava.
Entrevistador:_ e se acabava rápido né?
Nena:_ era... era... E uns caco que a turma botava pra formigueiro. Até pode tirar foto daquele, que
aquilo ali a gente fazia muito naquele tempo.
Entrevistador:_ o que era isso?
Nena:_ era um... eu vou te mostrar. Ele é uma roda, com outra roda aqui dentro. Aí botava água aqui
na beira, e a planta ficava no meio daquela peça. A formiga não chegava. Aí chamava caco de
formiga. Pronto. Durval fazia esse caco de formiga e o fogareiro.
Entrevistador:_ já visse pessoal trabalhando em torno de madeira?
Nena:_se eu já vi?
Entrevistador:_sim.
Nena:_ de madeira, como?
Entrevistador:_ torno de madeira, pra tornear madeira, fazer pé de mesa...
Nena:_ já, já.
Entrevistador:_ é a mesma...
Nena:_ é.
Entrevistador:_ assim, aparentemente é a mesma coisa.
Nena:_ ali é bom que a madeira fica presa, né?
Entrevistador:_dá uma travadinha...
Nena:_ é, ela não tem como correr. Aqui, não. Se você tremer a mão, o barro também treme. Pronto,
aqui é a tampa...
Entrevistador:_ fazer peça mais baixa é mais fácil do que fazer peça comprida, né?
Nena:_é, é. Comprida é mais complicado. Tem que ter equilíbrio, tem que ter... Isso aqui a gente vai
pegar depois.
Entrevistador:_isso aí você já...
Nena:_já faz parte da peça...
Entrevistador:_ isso aqui é a medida, sabendo que você vai usar essa peça?
Nena:_ é, é.
Entrevistador:_ pra começar a fazer peça, naqueles tempos, qual a primeira peça que você aprendia
a fazer?
Nena:_era minhaeiro. A gente chamava lá no tempo de biririca.
Nena:_ biririca. E era sortido que a gente vendia. Quartinhazinha, deste tamainha e minhaeiro deste
tamainho. Era sortido. A turma dizia: [“_eu quero 100 biririca!”], aí botava sorteado: era
metade de um e metade do outro.
Entrevistador:_a dificuldade de fazer era a mesma..
Nena:_ é...
Entrevistador:_ então, fazia de um, fazia de outro...
Nena:_era. O oleiro, quando ele mandava a gente fazer, fazia sorteado. Fazia 30 de um, 60 de outro.
Entrevistador:_quando cansava de um fazia outro...
Nena:_é, é... aí começava a aprender. Mas antigamente, o oleiro quando começava a trabalhar...
antigamente, não... Hoje, não, mas antigamente era: carregar lenha pro forno, pisar barro,
carregar tijolo... é...
Entrevistador:_ uma pergunta inaudível [14:57]
Nena:_ a gente chamava caco de formiga, mas Celé chama lá em cima de caco de refego [15:02]
Nena:_ hum, refego. Caco de refego. Agora, a gente chamava caco pra formiga. Aí, aqui, o que é que
fazia? Aplanava o terreno, botava água aqui e aqui a planta, e aqui chei d’água, aí a formiga...
aterrado com areia, aí a formiga vinha e não passava pra comer a planta porque tinha água.
Ela não passava pra água.
Entrevistador:_ não conseguia passar pela água...
Nena:_ é, aí a planta aqui subia tranquila.
Fim da Entrevista.
Apêndice D. Transcrição de Entrevista
Nena – Severino Antônio de Lima – Terceira Parte
Entrevistador:_#### o barro, pra #### [00:04]
Nena:_um ferro, pra unir o barro na pancada, unir os dois na pancada.
Entrevistador:_e essa areia?
Nena:_ essa areia é pra não colar o barro no chão, no piso.
Entrevistador:_ aí você vai segurando aí... na madeira...
Nena:_ é, na madeira pra não cair, pra se equilibrar. Se espalhava... pra lá agora, menino, pra lá.
Entrevistador:_ pra espalhar, mesmo...
Nena:_ espalhar, porque espalhava, ia unindo. A intenção era unir o barro.
Entrevistador:_isso o que ele fazia...
Nena:_ três vezes. É. Fazia, depois cortava, juntava novamente, e pisava novamente. Tu ta pisando
com os dois pés. Ele não pisava com os dois pés, era um só, fixo, e o outro só assim, oh,
espalhando, que ele espalhava, mesmo, ficava bem fininho.
Entrevistador:_ e apoiava...
Nena:_é, é, só fechando...
Entrevistador:_vamo fazer assim, só... coloca um pé e...
Nena:_concentra só um no meio, um no meio, o pé no meio, só assim! Agora o pé de Jairo era deste
tamanho, quando passava, o barro... [risos]. Pronto, o processo era esse. Aí tinha
Entrevistador:_ a #### era essa ou...? [01:21]
Nena:_era mais ou menos essa daí... aí eles pegava... corta, aí, Melo! Corta aqui uma... uma... pronto,
puxa agora! Uma parte de cá, sai rodando uma pra outra, rodando, rodando, pronto! É isso
mesmo, agora role pro meio de novo. Essa aqui no meio, no meio, no meio. Não! bote
devagarzinho, aí, no meio do barro! A outra parte agora...
Entrevistador:_ bote em cima dele.
Nena:_ a outra parte de cá, rapaz! Sim, do mesmo jeitinho. Aí corta aqui, aí... Aí começava novamente.
Corte novamente! Sim. Pronto. Bote em cima agora, pronto! E outra parte de cá.
Entrevistador:_ espalhava e tal...
Nena:_ é. Agora começa novamente. Comece novamente! Pronto! Aí isso era três veze!
Entrevistador:_ o pé não fica... de moça, com essa...?
Nena:_ fica, fica fino...
Entrevistador:_mas porque depois vai pisar no cimento, no...
Nena:_ é, é. É a mesma coisa da mão da gente. Trabalha com barro direto, né? Aí quando a turma
pega na mão da gente... a turma pensa que a gente é maloqueiro, não trabalha, porque a mão
da gente é bem fininha.
Entrevistador:_ porque todo trabalhador tem a mão calejada...
Nena:_é, é... tem a mão grossa.
Entrevistador:_PERGUNTA INAUDÍVEL...[03:20]
Nena:_ mas tanto barro aí, fácil.
Entrevistador:_ engrossa a perna...
Nena:_ é, é [risos]. É academia
Entrevistador:_ #### [03:34] deixando o barro pronto pra ser trabalhado...
Nena:_ pronto, é isso mesmo. Aí quando ele ajuntava, ele botava novo pó de areia pra não colar
novamente, porque a umidade do barro passa pro chão, aí cola. Isso aí é uma ##### [04:25]
quando quiser trabalhar em casa e não tiver barro, pega barro, bota ali, oh...
Entrevistador:_ outra coisa #### [04:44] não tinha? Pra tapear?
Nena:_ não, tinha, não. Ta bom! Pra cortar aí, ta bom. Mais curto! Ta bom! E a gente também... sabe
quando a gente fazia isso também? Quando a gente queria o barro mais duro e o barro tava
mole, espalhava e a água do barro ##### [05:13]...
Entrevistador:_ fazer isso umas 5 vezes e ta bom, né?
Nena:_[risos]
Entrevistador:_é, isso era pra fazer uma. Você disse que...
Nena:_três vezes...
Entrevistador:_ #### [06:05]
Nena:_ 15 passada. Quer dizer, ele fazia isso aí em cada passada, era três vezes. Por exemplo, ele
botava... a quantidade que ele botava, ele botava mais ou menos o #### daqui [06:14], 4, 5
vezes a quantidade desse barro, a quantidade desse aí. Aí, pisava 3 vezes e dessas 3 vezes era
uma passada...
Entrevistador:_ era um lote?
Nena:_ um lote. Aí fazia 15 ou mais por dia. Fazia 7 de manhã e de tarde fazia 8.
Entrevistador:_ quem achava que era fácil, né?
Nena:_ é.
Entrevistador:_e o senhor fazia alguma peça?
Nena:_ não [risos]
Entrevistador:_ não tinha tempo, né? Que também era pro novato, né?
Nena:_era. E tinha uma coisa: trabalhava na produção, só ganhava se pisasse. Se não pisasse, não
ganhava, não. Quando era de tarde, Celé perguntava: [“_quantas pisadas? _15”], no outro dia
[“_15”], aí quando era no sábado ele recebia.
Entrevistador:_esse barro o #### [07:06] como fazer, né? Esse barro... escolhia muito bem a pecinha
que eu vou fazer...
Nena:_tinha o DNA dele...
Entrevistador:_ com todo amor e carinho, né?
Nena:_é.
Entrevistador:_ faz um pé, pô. Desenha um pé pisando barro. E esse já foi o barro que veio da
máquina, então ele já ta amaciado, né?
Nena:_ é. Quando é barro fraco, é bom de pisar porque ele é único. Mas quando ele é branco, que vem
aquele torrão duro dentro, é duro, é bronca. É quase pedra, pra quebrar é difícil.
Entrevistador:_ e esse #### [07:55]?
Nena:_ de ferro, de ferro. Era um pedaço de varão, do grosso, né? Varão do grosso, pra bater e ele
abrir, aí as pancada vinha unindo ele. Depois juntava novamente, e tome porrada novamente.
Pronto?
Fim da Entrevista.
Apêndice E. Transcrição de Entrevista
Seu Deó – Deoclécio José Mariano
Entrevistador:_quando a gente... A gente já falou com Nena, já falou com Celé. Nena já fez pra gente
alguidar, já fez um tal de caco de matuto, que é... tem alguma outra peça dessas, que é das
mais antigas que o senhor fazia e tal?
Seu Deó:_rapaz, eu trabalhava muito com fogareiro, pote, antigamente, né? As peças mais antigas
são essas coisa.
Entrevistador:_tem como fazer essas peças pra gente?
Seu Deó:_ caqueira, né, caqueira de planta. Pronto, vou fazer uma caqueira agora.
Entrevistador:_ tem uma peça que Nena falou, que quando a pessoa chegava na olaria e falava:
[“_não, eu trabalho com barro, eu sou oleiro...”], aí tinha uma peça que... não sei se era o... a
quartinha, né, que era uma peça difícil de fazer...
Seu Deó:_ quartinha, era...
Entrevistador:_ assim, que você botava à prova se sabia fazer ou não.
Seu Deó:_ é, sabia. A quartinha é uma peça muito antiga também, é muito antiga a quartinha.
Entrevistador:_o senhor começou a trabalhar com barro com que idade, seu Deó?
Seu Deó:_ rapaz, eu comecei a trabalhar com barro eu tinha na faixa de uns 14 anos.
Entrevistador:_ aqui no Cabo?
Seu Deó:_não, em outro lugar.
Entrevistador:_mas, aqui em Pernambuco ou fora?
Seu Deó:_Pernambuco. Eu trabalhei com barro em Escada, trabalhei em Amaragi, trabalhei em
Primavera, essas cidades, né?
Entrevistador:_ já rodou um bocadinho?
Seu Deó:_já.
Entrevistador:_ e o senhor aprendeu a trabalhar com barro com quem?
Seu Deó:_ com meu pai. Ele fazia... meu pai trabalhava com panela, essas coisas.
Entrevistador:_ era de onde o seu pai?
Seu Deó:_ meu pai era de Limoeiro do Norte.
Entrevistador:_ que é aonde? Limoeiro é interior de Pernambuco?
Seu Deó:_ Limoeiro é Pernambuco.
Entrevistador:_que é depois de Carpina.
Seu Deó:_ sim, pronto, é isso mesmo. Aí meu pai começou trabalhando, fazendo panela. Mas ele tinha
sítio. Aí numa parte trabalhava no sítio e a outra parte trabalhava na olaria.
Entrevistador:_ as panelas que ele fazia eram de torno?
Seu Deó:_de torno, trabalhava com torno.
Entrevistador:_como é que tu vieste parar aqui?
Seu Deó:_ rapaz, eu cheguei aqui através de Celé. Se chamava Celé velho, o pai de Celé. Ele me
conheceu na feira de Ribeirão.
Entrevistador:_ o senhor não tem nenhum parentesco com a família de Celé, não?
Seu Deó:_ não. Celé me conheceu na feira de Ribeirão, vendendo panela na feira. Aí, viu meu trabalho
e me chamou pra cá, trabalhar com ele aqui. Aí eu deixei lá e vim morar aqui. Aí vim trabalhar
com ele. Isso em 75.
Entrevistador:_ quando o senhor veio pra cá, o que é que tinha aqui nesse espaço, nessa área aqui?
Seu Deó:_aqui não tinha nada, era só mato. Agora, dali pra frente, aonde era a olaria, ali na quadra.
Entrevistador:_ que era a olaria de Celé.
Seu Deó:_ era a olaria, na quadra. Aí, eu fui trabalhar por ali, num galpãozinho, aí a gente ficava por
ali.
Entrevistador:_quando Celé comprou essa área, aqui era uma vacaria, mas quando você, seu Deó,
veio pra cá já tava com galpão...
Seu Deó:_ já tava com galpão, é... já não era mais vacaria, era um galpãozinho da gente trabalhar lá,
fazendo essas peças...
Entrevistador:_ o senhor veio pra cá em 70 e?
Seu Deó:_75.
Entrevistador:_e o senhor começou aqui já sendo oleiro ou veio ser ajudante?
Seu Deó:_não, foi já oleiro.
Entrevistador:_ o Celé pai já conhecia seu trabalho da...
Seu Deó:_ é e aqui era mais filtro... eu vim pra aqui fazer mais pote, esses pote, esses fogareiro de
barro, mais essas peças. Depois foi que foi modificando os estilo das peças, os estilo de jarro...
Entrevistador:_ as peças do começo eram mais..
Seu Deó:_ era mais quartinha...
Entrevistador:_ peça do dia a dia...
Seu Deó:_ era quartinha, esses minhareirozinho, mais essas peça assim.
Entrevistador:_quando é que a olaria de Celé pai... assim, porque Celé pai e Celé filho trabalhavam
juntos. Quando foi que aquela estrutura se desmontou e o senhor montou o seu espaço?
Seu Deó:_ foi porque, quando eu cheguei aqui, aí ele... disse: [“_Deó, vou lhe dar um pedaço de terreno
pra você construir uma casa pra você”]. Eu disse: [“_tudo bem”].
Entrevistador:_ quando não tinha essa casa aqui, o senhor morava aonde?
Seu Deó:_eu morava no outro lado. Porque, quando eu cheguei eu morava aí no outro lado, e quando
eu cheguei, ele alugou uma casa pra mim, e eu morava ali do outro lado, aí ele disse: [“_eu vou
lhe dar um pedaço de terra pra você fazer uma casa pra você”]. Aí justamente foi aqui. Aí eu
fiz uma casa, mas não cheguei nem a morar. Transformei numa olaria, aí pude fazer as peça
pra mim, né? Trabalhava pra ele e trabalhava pra mim.
Entrevistador:_era o quê? De dia, de noite ou era uma dia pra você, um dia pra ele?
Seu Deó:_eu trabalha de dia pra ele e à noite eu fazia alguma coisa pra mim.
Entrevistador:_ fazia o seu, pessoal, e ia fazer pra empresa, digamos assim?
Seu Deó:_é, é. Aí ele me deu esse terreno aqui e eu fiquei trabalhando pra ele e pra mim. Trabalhei
pra Celé um bocado de... eu acho que eu trabalhei uns 30 ano mais ou menos pra ele.
Entrevistador:_com que idade o senhor ta agora, seu Deó?
Seu Deó:_ vou fazer 70 anos. No dia 03 de junho eu completo 70 anos.
Entrevistador:_ aí, atualmente é o quê? Se aposentar, mesmo, de trabalho, fazer só por lazer ou...
porque o senhor ta reformando a casa, pra alugar, pra aluguel?
Seu Deó:_é, na verdade, já ta alugada essa casa. Vou só terminar pra entregar.
Entrevistador:_ah, já ta alugada, já fez o contrato de aluguel com alguém?
Seu Deó:_já. Fechou contrato.
Entrevistador:_ qual a data que o senhor sai daqui efetivamente?
Seu Deó:_ final de janeiro. Eu prometi que entregava a casa final de janeiro.
Entrevistador:_ ta só terminando aí, ajeitando, pra entregar a casa.
Seu Deó:_ é. Mas eu pretendo trabalhar ainda, porque vai ser ruim me acostumar parado, porque eu
##### [07:56] muito trabalho. Às vezes acontece de passar uma semana sem trabalhar fico
aperreado. O tempo não passa, pra ficar sem fazer nada não dá, aí eu pretendo ainda fazer
alguma coisa. Porque Fernando quer que eu vá pra lá, né, na olaria dele.
Entrevistador:_ ficar montando as coisas...
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_no sítio dele.
Seu Deó:_ é. Ele já ta trabalhando lá.
Entrevistador:_ Zé ta com ele.
Seu Deó:_Zé ta com ele lá. Aí, se eu não for pra lá, eu acho qu eu vou pro Centro, sabe? Fazer alguma
coisa lá, porque pelo menos trabalhar no Centro é mais tranquilo, né?
Entrevistador:_aqui é mais produção, né?
Seu Deó:_ mais produção.
Entrevistador:_ é mais compromisso?
Seu Deó:_ mais compromisso.
Entrevistador:_ qual foi a fase que tava na época de ouro, que tava bem? Anos 70, 80, 90?
Seu Deó:_ acho que há uns 15 anos, mais ou menos, atrás era muita... a venda de peça era muito boa.
A gente vendida muito jarro, não vencia os pedido das pessoas.
Entrevistador:_ faltavam?
Seu Deó:_ sempre faltava mercadoria pra vender, era muito comprador na época.
Entrevistador:_faz uns 15 anos?
Seu Deó:_ acho que uns 20... de 15 a 20 anos.
Entrevistador:_ e o que é que mudou daquela época pra hoje, fora essa quantidade de pedidos? Assim,
o tipo de trabalho... o que é que mudou?
Seu Deó:_ah, o que mudou é que antigamente as coisas era mais fácil, né, vamos dizer, com o material
que a gente trabalha, né
Entrevistador:_ você fala o barro?
Seu Deó:_sim, o barro. Era mais fácil, não tinha tanto problema feito hoje.
Entrevistador:_ de conseguir pegar o barro...
Seu Deó:_ sim, era mais fácil. Hoje em dia ta essa dificuldade, né? Acaba, não acaba.
Entrevistador:_ esse barro que você ta trabalhando hoje vem de estoque, de...?
Seu Deó:_esse barro veio do estoque de Fernando. Antes de parar lá ele conseguiu fazer um estoque.
A gente estamos trabalhando com ele agora. Não fosse isso, tinha que ta trazendo esse barro
da Paraíba.
Entrevistador:_ e aí fica muito caro...
Seu Deó:_ fica um pouco caro, né?
Entrevistador:_o frete?
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_ e quantas pessoas trabalhavam? Como era a movimentação disso naquele tempo?
Seu Deó:_ah, naquela época era muita gente que trabalhava, tinha muitos oleiros, né? A produção era
mais. Hoje em dia até os oleiro acabaram mais.
Entrevistador:_só de oleiro tem quantos lá, seu Deó?
Seu Deó:_rapaz, eu não to bem certo, mas tinha muitos. Tinha, porque Celé tinha um galpão ali e era
cheio de oleiro. Tinha outro galpão aqui embaixo. Rapaz, só aqui nesse galpão de Celé acho
que trabalhou uns... acho que uns 10 oleiro.
Entrevistador:_ porque oleiro é a principal.
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_ porque sempre tem um ajudante, um fornador...
Seu Deó:_ é... só pra fazer a peça, né? Era muita produção a gente tinha aqui.
Entrevistador:_ qual era a dificuldade naquela época? Mesmo quando a produção era boa, o que é que
era mais difícil naquele ofício?
Seu Deó:_ o mais difícil... olhe, eu não sei, porque tudo o que a gente fazia vendia, tudo o que se fazia
vendia.
Entrevistador:_o difícil que eu falo não é peça difícil, é de dificuldade de produzir, desgastante, de
físico ou a jornada era muito longa. Tinha alguma dificuldade assim? Era bom, mas era difícil
de lidar?
Seu Deó:_ é, porque... hoje em dia também a lenha é mais difícil, né, porque a lenha só chega de sobra
dessas firma, né, mas nessa época não tinha muita dificuldade, porque a gente botava lenha
de mata, essas coisa assim. É que não tem mais, mas antigamente sempre teve. Não era difícil
de chegar lenha, essas coisa.
Entrevistador:_ era mais fácil de trabalhar...
Seu Deó:_mais fácil.
Entrevistador:_ acesso a esses materiais.
Seu Deó:_ mais fácil, é.
Entrevistador:_ o que o senhor acha que aconteceu que aquele negócio desandou? Porque o senhor
acha que... era essa produção, cliente brigando por peça e hoje em dia, se não for filtro, não
tem produção?
Seu Deó:_ é. Rapaz, acho que foi porque, no decorrer do tempo, as pessoas vão se afastando ou diz
“não quero ser mais oleiro, vou parar, to cansado já”, outros foram pras firma, aí as coisa vai
sempre diminuindo, né?
Entrevistador:_ o senhor acha que o barro perdeu a graça? Porque, assim, enquanto ta vendendo, ta
todo mundo satisfeito. Assim, o oleiro só desiste porque a venda ta fraca, né? Eu procurar
emprego em firma, porque o meu trabalho de ceramista não ta dando retorno...
Seu Deó:_ o filtro caiu um pouco, né, porque não tem essa quantidade de oleiro... a gente ta fazendo
menos porque não tem essa quantidade de oleiro. O filtro caiu um pouco por causa desse
negócio de água mineral, essas coisa, aí o filtro caiu mais, acho que caiu mais de 50% nas
venda, mais por causa disso, né?
Entrevistador:_ por quanto o senhor vende um filtro?
Seu Deó:_ rapaz, eu vendo ele aqui por 15 reais. Só ele, sem nada. Sem tampa, sem vela e sem torneira,
né?
Entrevistador:_são quantos filtros por mês?
Seu Deó:_ eu to produzindo aqui, por semana, na faixa de 150 filtro?
Entrevistador:_ o senhor e seu...
Seu Deó:_é o que se faz aqui dentro de filtro.
Entrevistador:_ aqui, da produção?
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_ são duas pessoas, o senhor e...
Seu Deó:_ a gente faz mais caqueira, né, jarro, que o pessoal pede, mas o filtro mesmo... antigamente
eu fazia uma faixa de 800 filtro por semana.
Entrevistador:_ antigamente o senhor diz quando, mais ou menos?
Seu Deó:_ antigamente há uns... acho que uns 15 anos atrás, mais ou menos. Eu fabricava na faixa de
800 filtro por semana, aliás, por mês...
Entrevistador:_dava uma média de 200 por semana.
Seu Deó:_ não, não era por semana, era mensal mesmo, era na faixa de 800 por semana. Eu tinha um
cliente que só ele levava 600, 700 toda semana.
Entrevistador:_ era quase só pra ele que o senhor trabalhava?
Seu Deó:_ era. Eu tinha um cliente de... era de onde, meu Deus? Ceará. Ele vinha pegar aqui. Toda
semana, toda semana... tinha semana de levar duas carrada de filtro. Depois eu passei pra
outro rapa daqui mesmo. Ele pegava os filtro todinho que a gente fazia. Brigava pra não vender
a outra pessoa.
Entrevistador:_ queria que vendesse a ele mesmo.
Seu Deó:_é.
Segundo momento da entrevista...
Entrevistador:_...digamos assim, tinha poucos? Oleiro tinha bastante, barro sempre teve, mas forno
tinha pouco. É caro fazer forno, seu Deó?
Seu Deó:_ é, forno... tem mais dois forno grande aqui, né? Um grande e um pequeno. Um do tipo de
Celé e o outro de Clebe, o irmão de Celé, mas só que foi derrubado. Agora só funciona esse
meu, tem o Vaninho ali e tem o antigo, de Fernando, mas que não ta mais... há tempo que não
ta funcionando, porque também o material diminuiu, né, a fabricação.
Entrevistador:_ por que é que tinha pouco forno? Por que era caro de fazer? Por que pouca gente sabia
fazer?
Seu Deó:_ não, os que tinham era suficiente pra atender os pedidos, as mercadorias, né
Entrevistador:_ não me entenda mal, mas o forno do senhor era, assim, pessoal, atendia o seu
trabalho?
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_ o forno de Clebe atendia o trabalho de Clebe?
Seu Deó:_ de Clebe.
Entrevistador:_mas o grandão atendia, digamos assim, todo mundo?
Seu Deó:_ é, o resto das pessoas. Às vezes a gente levava... porque o forno de Clebe era menor, né?
Aí quando a gente tinha um pedido menor, aí levava e ficava lá no forno dele.
Entrevistador:_ ah, no fim das contas todo mundo...
Seu Deó:_era, todo mundo usava os forno.
Entrevistador:_ se quisesse fazer uma peça maior, que não coubesse no seu...
Seu Deó:_pois é... só esse aqui, que não vinha pra cá, porque ficava mais distante, né? Eles queimavam
mais lá em cima. Aí só ele queimava aqui, porque ficou mais aproximado da minha olaria, né?
Entrevistador:_ quando o senhor montou a sua olaria, o senhor fez o forno ou ainda usou o forno...
Seu Deó:_ não, eu usei muito lá em cima, o de Celé, né? Aí depois foi que eu fiz esse aqui e to usando
porque fica mais perto, né? Mas sobre valor, um forno desse, pra fazer isso, a mão de obra é
mais ou menos uns dez a doze mil reais.
Entrevistador:_ de mão de obra?
Seu Deó:_de mão de obra. Fora material.
Entrevistador:_ só usa o que, basicamente tijolo e mão de obra?
Seu Deó:_ é, tijolo o barro.
Entrevistador:_ o tijolo, vocês compram ou vocês fazem?
Seu Deó:_ esse tijolo foi feito aqui mesmo, que antigamente a gente fazia tijolo manual pra Celé. Fazia
tijolo manual e a gente já fazia os forno, quando precisava. Tudo aqui mesmo.
Entrevistador:_ o tijolo é com o mesmo barro de produção?
Seu Deó:_ não. O tijolo é feito com barro de barreira, qualquer barro dá, não é o barro que a gente faz
a peça...
Entrevistador:_ é um barro, vamos dizer assim, menos mole.
Seu Deó:_ é, pois é.
Entrevistador:_e esse tijolo, com um barro, vamos dizer assim, mais leve, ele aguenta?
Seu Deó:_ aguenta.
Entrevistador:_ porque tem que aguentar a temperatura, a pressão...
Seu Deó:_mas ele guenta. Faz o forno aqui e passa o tempo todo aí. Agora, só a parte dos arco dele,
que leva muito fogo, aquilo de tempos em tempos a gente tem que trocar, porque ele vai
cedendo. Vai queimando, queimando, queimando, vai afracando o tijolo.
Entrevistador:_era isso que eu ia perguntar. E esse forno já caiu alguma vez?
Seu Deó:_ os arco dele já, a parte de dentro.
Entrevistador:_quer dizer que o grandão já teve...
Seu Deó:_ já, já.
Entrevistador:_ eu sei que o grandão já teve... eu já presenciei ele sendo construído. O senhor também
já teve...
Seu Deó:_ já. O fogo é demais, o barro também num guenta, né? Aí vai afracando, afracando,
termina...
Entrevistador:_ os arcos que você fala é o quê?
Seu Deó:_ é esses arco que a gente faz pra botar as peça em cima.
Entrevistador:_esse piso, digamos assim...
Seu Deó:_ é, pois é. A gente faz os arco dele, depois faz o piso de tijolo pra botar as peça em cima...
Entrevistador:_ que é justamente onde o fogo bate...
Seu Deó:_é. Aí, com o tempo vai afracando o tijolo, porque o barro é um barro bem... porque o barro
refratário é que guenta muito fogo, né? Mas esse aí num guenta muito.
Entrevistador:_ aí tem que dá uma reforçada...
Seu Deó:_é. Agora a parte do forno mesmo guenta muito tempo... 10, 12, 15, 20 ano e num acaba.
Entrevistador:_qual foi o forno maior que o senhor já viu?
Seu Deó:_ por aqui, o maior... dizem que o forno de uma olaria que tem aí, a olaria de seu José, que é
antigo, foi o primeiro que fez olaria aqui, dizem que era bem grande. Agora, por aqui mesmo
o maior que eu conheci foi o de Celé.
Entrevistador:_o senhor chegou a ver esse forno?
Seu Deó:_ não, não, cheguei, não. Esse forno de Celé, a gente colocava nele 400 filtro completo. Dava
800 peça, né? A parte de cima e a parte de baixo.
Entrevistador:_esse seu, o senhor bota quanto?
Seu Deó:_ esse aqui eu boto 300 filtro nele. Cabe 300 nele.
Entrevistador:_ seu Deó, eu não perguntei antes, mas com que idade você se fixou aqui no Mauriti pra
trabalhar com Celé?
Seu Deó:_olha, eu cheguei aqui em 75.
Entrevistador:_ de 75 pra cá.
Seu Deó:_ foi, foi.
Entrevistador:_ a madeira que vocês conseguem hoje é do...
Seu Deó:_ é retraço de firma, né? Antigamente, chegava muita madeira de mata, mas agora, não. Não
tem corte mais, e as mata também tão tudo se acabando por aí.
Entrevistador:_ isso tudo é comprado, a madeira?
Seu Deó:_ é, a gente compra. Uma carrada dessa é na faixa de 400 reais.
Entrevistador:_ o forno consome quanto de madeira por vez?
Seu Deó:_ é uma carrada nesse forno aqui...
Entrevistador:_queimando...
Seu Deó:_ queimando... dois forno...
Entrevistador:_ uma carrada dá pra fazer suas queimas?
Seu Deó:_é, duas queima.
Entrevistador:_num forno desse tamanho?
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_quanto tempo leva essa queima?
Seu Deó:_ rapaz, é um dia e uma noite.
Entrevistador:_ 24 horas?
Seu Deó:_ é, 24 hora.
Entrevistador:_ é uma pessoa só que cuida do forno ou se reveza?
Seu Deó:_ não, é uma pessoa... às vezes.. no meu caso, mesmo, eu tenho uma pessoa que esquenta a
noite todinha, aí no outro dia eu tomo conta e termino.
Entrevistador:_de noite... esse começo é só pra ir aquecendo...
Seu Deó:_ é, só aquecendo ele. Aí no outro dia é que vai aumentando o fogo, né? Um pouquinho,
aumentando, até chegar a hora de encher ele de mesmo, pra terminar, o final. Aí vai o dia
todinho.
Entrevistador:_ de quanto em quanto tempo você tem que ficar expiando o forno ou #### [22:48] o
tempo todo?
Seu Deó:_não, quando a gente começa a caldear o forno, que é encher de lenha, sabe, pra queimar as
peça...
Entrevistador:_ caldear é botar ele pra...
Seu Deó:_é, terminou o esquento, aí vai encher pra ele...
Entrevistador:_ pra temperatura aumentar mesmo...
Seu Deó:_ já pra queimar tudo.
Entrevistador:_é caldear?
Seu Deó:_é. Aí a gente ta forno, enchendo, e ta vendo o fogo. Aí tem essas espias [23:12], aí quando
ele ta ficando bom, quando ele ta ficando bom, essas espia começa a ficar tudo vermelha, da
cor de brasa, as peça...
Entrevistador:_ acesa, né?
Seu Deó:_é, a gente vê as peça da cor de brasa, aí fica sempre olhando, né? Aí quando ele ta todinho,
todas as espia ta vermelho, a gente arreia o forno.
Entrevistador:_ aí o quê?
Seu Deó:_ essas espia...
Entrevistador:_ certo, quando todas tão cor de brasa...
Seu Deó:_ é, cor de brasa...
Entrevistador:_ quer dizer o quê?
Seu Deó:_ que tão pronta as peça.
Entrevistador:_terminou o processo...
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_ aí, deixa um pouquinho mais ou...
Seu Deó:_não, é só encerrar o forno.
Entrevistador:_ aí, o encerramento é o quê? Deixa o forno morrer?
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_ não bota mais lenha...
Seu Deó:_ é, deixa o fogo acabar.
Entrevistador:_ e depois que ele apaga, quanto tempo leva pra poder abrir e... tem que esfriar ainda?
Seu Deó:_ é, tem que esfriar. A gente num... se a gente termina, assim, de 07 hora da noite, aí no outro
dia num tira, só no outro. Ta muito quente...
Entrevistador:_ tem que passar a noite também...
Seu Deó:_ é. Passa um dia e a noite esfriando pra tirar no outro dia.
Entrevistador:_terminou 07 da noite de hoje, aí amanhã de manhã é que vai tirar?
Seu Deó:_ é umas 24 hora pra esfriar. Num é dois dia, é um dia e uma noite. Que a gente arreia, aí ele
esfria à noite, esfria o outro dia, aí no outro é que a gente tira. O tempo que queimar ele é o
tempo de esfriar, 24 hora.
Entrevistador:_ quando eu perguntei de quanto em quanto tempo tem que ficar olhando o forno, é
que, no dia que o senhor ta queimando, o senhor consegue sentar no torno pra trabalhar ou
você tem que ta...
Seu Deó:_não, não, eu consigo trabalhar e tomar conta.
Entrevistador:_ quando ta lá, o forno ta esquentando, aí termina uma peça ou uma fornada lá, aí volta
pra cá pra...
Seu Deó:_é.
Entrevistador:_ a que temperatura esse forno chega, seu Deó? Já fizeram essa medição ou tem
estimativa de temperatura?
Seu Deó:_ olha, eu num to bem certo, mas acho que é uns 700 graus, mais ou menos.
Entrevistador:_ pra aprender a trabalhar com torno leva quanto tempo?
Seu Deó:_ rapaz, pra aprender a fazer as peça... depende muito das pessoa, né, porque tem pessoa
que aprende mais rápido, né? Isso é... algumas coisas são assim, né? Tem pessoas que aprende
mais rápido, tem outros que demora mais. Mas eu acho que a pessoa sendo inteligente no
torno num ano ta fazendo um bocado de peça.
Entrevistador:_ e pra trabalhar no forno, pra trocar uma queimada dessa sem perder?
Seu Deó:_no forno... é, pra aprender no forno já é mais fácil. É só a pessoa saber controlar o forno e o
esquento, né? Bota um pouquinho de madeira na boca do forno e vai deixando pegar
devagarinho. Aí, quando ta terminando, bota de novo. Nem deixa baixar nem bota muita
madeira, né?
Entrevistador:_ pra temperatura não subir e gastar lenha à toa...
Seu Deó:_ é, é... é só ter cuidado de passar a noite todinha tomando conta, né, que é pro fogo não
baixar. Porque não pode botar muita lenha pra demorar a botar de novo. Tem que botar de
pouquinho e aí... sempre segurando a noite todinha.
Entrevistador:_ então é preciso um conhecimento também pra...
Seu Deó:_ é, mas as pessoa sempre pega essa prática, porque ta sempre com a gente junto, aí vai
aprendendo isso aí.
Entrevistador:_ a colocação de peça no forno tem algum macete, algum mistério ou é só jogar a peça
dentro e pronto?
Seu Deó:_ não, tem que saber fornar, porque senão, se não souber arrumar as peça dentro, vai quebrar
muita peça. A peça não pode ficar em mau posição. Porque, quando queima, se ela ficar em
mau posição, quando queimar ela quebra, entroncha, empena...
Entrevistador:_ tem que ter a posição...
Seu Deó:_ é, a posição da peça, né? Tem que botar tudo casadinho, tudo direitinho. Não pode botar a
peça bambeando, porque quando botar o fogo, no outro dia ta empenada, não guentou o
peso. Porque, quando a peça ta... quando queima, ela amolece um pouco, né? Aí ela empena...
Entrevistador:_se ela não tiver bem...
Seu Deó:_ é, tem que ta apoiada.
Entrevistador:_ essa amarração de ferro ta funcionando, Deó?
Seu Deó:_isso é pro forno abrir. Porque, quando bota no forno, que... em cada #### [28:08] que ta
fazendo o forno, aí o forno quer inchar, né, por causa da pressão do fogo. Aí esses ferro é que
segura pra ele num se abrir. Porque se deixar sem ferro o forno cai, se abre.
Entrevistador:_esse forno foi o senhor que construiu ou foi...
Seu Deó:_ esse forno foi Durval. Durval é quem sempre faz esses forno por aqui.
Entrevistador:_ os forno de Celé, dos outros fabricantes foram todos feitos por ele?
Seu Deó:_ é Durval. Fernando. Agora mesmo Durval foi quem fez o de Fernando. Aqui só tem ele que
faz forno por aqui.
Entrevistador:_ o senhor saberia fazer forno, pela vivência, pela prática?
Seu Deó:_ rapaz, eu... eu faço. Eu posso num fazer forno muito grande, mas de tamanho médio eu
faço.
Entrevistador:_ como é feito o forno, Deó? Como é a arquitetura dele, digamos assim?
Seu Deó:_ é só medir o tamanho da base, né, o tamanho da base dele.
Entrevistador:_tem uma relação o tamanho de base e o forno?
Seu Deó:_ tem. Aí, vê o tamanho da base, faz o barro, traça o barro, barro só água, e vai colocando o
tijolo, como o pedreiro vai botando as parede, né, e colocando o barro. Quando chega na
altura de fazer os arco, a pessoa, às veze faz um arco, bota dentro dele e cobre de tijolo, duas
carreira de tijolo por cima. Aí é o arco, né? Depois planeia ele assim e sobe as parede até chegar
em cima.
Entrevistador:_ e pra fazer essa parte daqui?
Seu Deó:_é, aí é simples, é só colocando tijolo e já virando. Cada #### [30:05] que você bota em cima,
aí vai virando um pouquinho. Ele segura porque é barro, quando você bota o tijolo, cola, o
barro já cola o tijolo. Você faz ele todinho sem precisar de escora. Aí deixa ##### [30:25], faz
o muro em cima, pronto, ta feito o forno.
Entrevistador:_ e essa #### [30:31], tem uma quantidade certa pra fazer?
Seu Deó:_ isso depende do tamanho do forno, né? Um forno desse aqui, 6 furo, às veze 8, mas o
normal é 6 pra um forno desse. Forno grande é que faz mais, né? Mas um forno normal, assim,
desse tamanho, basta 6 #### [30:59], é suficiente pra o forno.
Entrevistador:_ uma pergunta inaudível [31:08]?
Seu Deó:_ não, o nome dele é forno, mesmo.
Entrevistador:_o senhor já viu outro tipo de forno que não fosse desse formato nessas suas vivências?
Seu Deó:_ eu já vi forno de cerâmica, né, cerâmica de tijolo. Porque já é diferente desse. Não tenho
nem bem conhecimento, mas é diferente, que o fogo entra, desce por cima, já tem um bueiro
grande, distante, pra o fogo... pra puxar, né, o fogo pra lá.
Entrevistador:_ uma pergunta inaudível [32:01]?
Seu Deó:_mas isso aí, rapaz, isso não tem o que aprender, não. É a pessoa vê fazendo e fazer também.
Às vezes pode até não dá certo, mas às vezes dá, né? De primeiro num dá e depois vai fazendo
e dá certo.
Entrevistador:_ ##### [32:20] que tem que fazer quem faz é o senhor mesmo ou o senhor chama
alguém?
Seu Deó:_ não, eu chamo uma pessoa pra fazer. Tanto é que eu já fiz uma vez, mais eu gosto mais de
chamar outra pessoa.
Entrevistador:_ chama porque ta...
Seu Deó:_ é, às veze eu to fazendo outra coisa e tem um rapaz aqui que ele faz.
Entrevistador:_ exige uma praticidade...
Seu Deó:_ é.
Entrevistador:_ saber fazer o senhor sabe, mas não tem tempo...
Seu Deó:_ é, exato. Forno grande assim eu nunca fiz não, mas forno pequeno eu já fiz.
Entrevistador:_já fez?
Seu Deó:_ já! Forno pra queimar 100 filtro, que trabalham mais com negócio de panela, essas coisa, aí
o forno era pequeno, aí eu fazia.
Entrevistador:_ e esses forno pequenos... é aquele forno temporário que ele faz?
Seu Deó:_é feito aquele forno que tem ali em #### [33:16]. Você conheceu aquele forno ali? Pronto,
pequeno que eu falo é assim, daquele tamanho.
Entrevistador:_aquele é um pequeno?
Seu Deó:_ é, pequeno, forno pra 100 filtro. Aí no caso dá o quê? Dá 200 peças, né, cabeça e pé, 100
filtro.
Entrevistador:_a ponta [33:33] do forno vocês constroem ele com #### [33:35], quebrado, rachado?
Seu Deó:_ é, pra fechar, né? Aqui eu boto tijolo. Boto tijolo como quem ta fazendo, construindo uma
casa, mesmo, botando a parede. Aí boto tudinho, passo o barro fora, pra num ficar aberto,
senão o fogo sai, né? Por aqui, sai todinho. No outro dia a gente abre e no outro dia a gente
enforna.
Entrevistador:_ e aí esse barro da porta também vai ser... vai queimar também?
Seu Deó:_ é... é qualquer barro, barro de barreira mesmo. A gente amolece ele...
Entrevistador:_ ah, é barro, assim, safado, pra economizar...
Seu Deó:_ é... é... às veze a gente faz com esse mesmo, esse barrinho mole que a gente tem aí, aí
engana. Bota o tijolo sem barro, depois veda tudinho. Fica mais fácil tirar, né? Faz tudo,
quando é no outro dia a gente tira, depois que termina.
Fim da Entrevista.
Apêndice F. Vídeo de entrevistas com
mestres artesãos
Anexo em pendrive: vídeo fullhd em formato mp4 com 95 minutos de duração
Também disponível em: youtu.be/1I9b6WNw3p4

Documentos relacionados