capítulo um - academicos.gibihq.org

Transcrição

capítulo um - academicos.gibihq.org
Nota do Autor
Esta monografia pode ser usada e reproduzida parcialmente desde que citada a
fonte. Ao citar este trabalho, por favor, avisar ao autor.
Baseado nesta monografia publiquei na revista Sociologia Ciência e Vida Ed. 12, um
artigo sobre o universo dos mangás. Para comprar acesse:
http://www.escala.com.br/detalhe.asp?id=8635&grupo=48&cat=248
Contatos:
Marcelo Franco e Souza
http://lordemarcelo.blogspot.com/
[email protected]
2
Marcelo Franco e Souza
MANGÁS – QUADRINHOS E DESENHOS ANIMADOS JAPONESES E SUA
INFLUÊNCIA CULTURAL NO BRASIL
Fortaleza – CE
Universidade de Fortaleza
Junho / 2006
3
MARCELO FRANCO E SOUZA
MANGÁS – QUADRINHOS E DESENHOS ANIMADOS JAPONESES E SUA
INFLUÊNCIA CULTURAL NO BRASIL
Trabalho apresentado como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em
Ciências Sociais
Orientadora: Profa. Ângela Julita Leitão de Carvalho
Fortaleza – CE
Junho / 2006
4
Folha de Aprovação
MARCELO FRANCO E SOUZA
MANGÁS – QUADRINHOS E DESENHOS ANIMADOS JAPONESES E SUA
INFLUÊNCIA CULTURAL NO BRASIL
Monografia apresentada à Universidade de Fortaleza como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais.
Aprovado em _____________ de______
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profa. Ms. Ângela Julita Leitão de Carvalho
___________________________________________________
Profa. Dra. Preciliana Barreto de Morais
___________________________________________________
Profa. Dra. Maria Inês Detsi de Andrade Santos
5
Dedicatória
À minha mãe, Lucília, que nunca me proibiu
de ler histórias em quadrinhos e que,
naturalmente, as financiou durante boa parte
de minha vida.
6
Agradecimentos
Agradeço à minha família, pelo suporte.
À Minha namorada, pela constante espera.
Aos professores e professoras, em especial Ângela Julita, Preciliana, Teixeira,
Sylvia Leão, Inês Detsi e Marinina, por tudo que com eles aprendi.
Aos colegas (e amigos) de universidade (e fora dela), Lemos, Aline, Daniele,
Cynara, Ana, Jorge, DeAssis, Cristina, Caio, Pedro, Gracielli e Patrícia, por tudo que
aprendi fora das salas de aula.
Ao França, por sempre “quebrar o galho” em tudo que precisei.
7
RESUMO
Este trabalho analisa a influência que as histórias em quadrinhos e desenhos
animados japoneses, denominados mangás, exercem sobre o comportamento, vida
social e valores culturais dos jovens brasileiros, através dos Otakus (fãs de Mangá)
de Fortaleza-CE. É crescente o número de jovens adultos e adolescentes que se
reúnem semanalmente na Praça Portugal, no bairro Aldeota, para discutir,
conversar, trocar idéias sobre Mangás. Os Mangás têm chegado ao Brasil através
dos vários títulos de quadrinhos vendidos em bancas e lojas especializadas e do
grande número de Animes (desenhos animados) transmitidos na TV paga e aberta,
além de inúmeros títulos trocados via internet. Utilizou-se de entrevistas,
questionários, observações empíricas, de bibliografia especializada sobre
quadrinhos e dos conceitos de padronização e Indústria Cultural de Adorno e
Horkheimer, da Escola de Frankfurt, para quem a cultura massificada e
industrializada perde seu valor artístico, sendo transformada pelo Capitalismo em
mercadoria e instrumento de alienação e dominação. Através de observação
empírica constatou-se que estes jovens se apropriam dos gestos, modos de vestir,
comportamento e vocabulário dos personagens.Concluiu-se que os Mangás já
atingem uma grande parcela dos jovens, que têm assimilado a cultura japonesa de
forma semelhante a gerações anteriores que absorveram a cultura americana, sejam
os valores morais, familiares e sociais, sejam os modos de vestir e de falar,
evidenciando-se uma possível mudança de influência cultural sobre uma parcela dos
brasileiros, antes americana, agora japonesa.
Palavras-Chave: Quadrinhos; Indústria Cultural; Jovens; Cultura Pop
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I
1.1 O QUE SÃO HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
12
1.2 OS QUADRINHOS JAPONESES
16
1.3 OS DESENHOS ANIMADOS JAPONESES
29
1.4 HISTÓRIA DOS MANGÁS E ANIMES NO BRASIL
32
CAPÍTULO II
2.1 A INDÚSTRIA CULTURAL
34
CAPÍTULO III
3.1 OS FÃS E COLECIONADORES DE MANGÁS
41
3.2 OS OTAKUS DE FORTALEZA
43
3.3 O INTER-RELACIONAMENTO ENTRE AS CULTURAS
OCIDENTAL E ORIENTAL
50
CONCLUSÃO
54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
55
9
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas temos assistido a evolução de um novo fenômeno
cultural de massa. Oriundos do Japão, os mangás e animes – quadrinhos e
desenhos animados japoneses – têm arrebanhado um grande número de fãs em
todo o mundo, particularmente no Ocidente, sobretudo nos EUA, Itália, Espanha e
Brasil. Por ser uma produção cultural japonesa, oriental, e, portanto, carregada de
valores e ideologias próprias, se faz necessário analisarmos sua influência nos
leitores não japoneses. Osamu Tezuka, o pai do mangá moderno, disse, quando
esteve no Brasil, que se fosse brasileiro proibiria que os animes fossem transmitidos
pela TV brasileira (MOYA, 2003), mostrando claramente a noção de que os mangás
e animes influenciam a cultura nacional. Em vista disso, o estudo desse fenômeno é
de grande importância, tanto para os pesquisadores da cultura, como para pais e
educadores, que têm sido surpreendidos com o interesse de crianças, adolescentes
e jovens adultos pelos mangás e animes – e, conseqüentemente, videogames,
brinquedos, músicas e cards games relacionados ao universo dos personagens
japoneses.
Buscamos
responder
em
que
medida
os
mangás
influenciam
o
comportamento e os valores (familiares, religiosos, políticos, etc.) do leitor e
colecionador de Fortaleza. Partimos da hipótese de que essa influência ainda é
restrita a uma pequena parcela de fãs, mas que tem crescido na medida em que os
mangás se tornam mais populares, através das publicações, que já somam mais de
setenta e da exibição dos desenhos na TV aberta e por assinatura, além de
incontáveis títulos comercializados de forma pirata na Internet e comercialização de
cds e dvds. E que, portanto, pode vir a ser tão forte como a influência dos
quadrinhos e desenhos animados americanos, que têm, ao longo dos anos,
doutrinado várias gerações com o American Way of Life.
Através da influência dos quadrinhos americanos, interessei-me pela cultura
pop em geral, cinema, literatura, música, e o inglês como segunda língua. É o que
acontece hoje com os fãs de mangás, que por extensão consomem outros produtos
culturais japoneses e têm interesse não mais pelo inglês, mas pelo japonês como
opção de segunda língua.
10
É comum na academia o estudo da cultura de massa, sobretudo sobre
cinema e televisão. Mas é raro encontrarmos pesquisas sobre os quadrinhos,
considerados a 9ª arte por alguns e “não-arte” por outros. Os quadrinhos foram de
grande importância para o surgimento do cinema, sendo seus precursores, pois se
aproximam mais da linguagem cinematográfica – textos e imagens –, do que apenas
da linguagem literária, sobretudo os mangás, cuja ênfase na imagem é muito maior
que no texto, como na tradição dos quadrinhos ocidentais. Os quadrinhos eram
considerados coisa de criança. Até a década de 1960 os editores americanos
entendiam que só crianças de até dez anos, da zona rural, é que consumiam
quadrinhos. Um adulto que lesse HQs era considerado de pouca inteligência
(EISNER, 1995). Só depois, com os estudos da Arte Pop, com artistas influenciados
pelos quadrinhos, como o americano Roy Lichtenstein (STRICKLAND, 1999) e o
aval de artistas como o cineasta Fellini (no Brasil os comics americanos foram
defendidos e apoiados por ilustres como Gilberto Freyre, Ruy Barbosa, Olavo Bilac e
Raquel de Queiroz) é que os quadrinhos se tornaram “coisa séria”. O escritor
alemão J. W. Goethe foi um grande entusiasta dos quadrinhos quando de seu
surgimento.
Há também filmes bons e ruins. Inteligentes e de entretenimento, para
crianças e para adultos. A afirmação de que quadrinhos são para crianças e gente
pouco inteligente não é mais aceita, prova disso são os diversos prêmios
conquistados por esse meio de comunicação. Entre outros prêmios os quadrinhos já
ganharam um Pulitzer por Maus de Art Spiegelman em 1992 (publicado no Brasil
inicialmente pela editora Brasiliense e mais recentemente, em versão encadernada,
pela Companhia das Letras) e o prêmio literário World Fantasy por A Midsummer
Night's Dream (Sonho de Uma Noite de Verão, do universo do personagem
Sandman da DC Comics, aclamado no mundo inteiro) de Neil Gaiman e Charles
Vess em 1991 (publicado no Brasil inicialmente pela editora Globo e mais
recentemente pela editora Conrad). Atualmente graphic novels chegam a figurar
entre os mais vendidos na importante lista do The New York Times, como Sandman
– Endless Nights (Sandman – Noites sem Fim, publicada no Brasil pela editora
Conrad). Hoje, talvez, os quadrinhos americanos e, sobretudo, os europeus estejam
cada vez mais elitizados, com a nova fase de publicações encadernadas vendidas
11
em livrarias a altos preços (nos EUA, os comics são vendidos em lojas
especializadas, chamadas de comic-shop).
A indústria do entretenimento japonesa é a que mais cresce no mundo, tanto
através dos mangás e animes, como da música, do cinema e, sobretudo, dos
videogames. Mangás, animes e videogames compartilham enredos e personagens,
sendo comum que uma série surgida em uma dessas linguagens seja transportada
imediatamente para as outras. Neste trabalho enfocamos os mangás e os animes
que estão mais intimamente ligados.
O meu interesse pela cultura japonesa me levou a fazer uma tentativa,
juntamente com um amigo, de publicar um mangá, mas nos deparamos com uma
dificuldade: 20 anos de influência dos quadrinhos americanos, sendo difícil escrever
e desenhar uma história que fuja dessa perspectiva. Apesar dos empecilhos,
continuamos com a tarefa de criar uma narrativa que incorporasse traços da cultura
“genuinamente” japonesa, com a finalidade de entender melhor os valores, as
atitudes, as crenças desse povo. Tal exercício me possibilitou adentrar com mais
segurança nesse universo.
As dificuldades enfrentadas no processo acima mencionado foram as
mesmas no que concerne à leitura sociológica desse material, portanto, foi
necessário um longo caminho através da cultura japonesa, o qual percorri para
melhor entender o universo presente nos mangás e animes. Também fiz incursões
no mundo do cinema, em filmes como os de Akyra Kurosawa e Takashi Miike. Da
literatura, tanto em autores tradicionais como Junichiro Tanizaki como mais atuais e
influenciados pela cultura ocidental como Haruki Murakami. Visitei restaurantes
japoneses (existem vários em Fortaleza), considerando que a culinária carrega em si
uma forte tradição cultural. E, obviamente, o estudo da língua (em Fortaleza além de
uma escola particular, o curso é oferecido na UECE e no SENAC).
Para fazer essa análise estudamos, a partir de observação, entrevistas e
aplicação de questionários, os grupos de otakus (fãs de mangá) de Fortaleza, que
se reúnem semanalmente na Praça Portugal, na Aldeota (nas férias se reúnem
diariamente). A reflexão teórica teve como referência central os estudos de Adorno
(1985) sobre o conceito de Indústria Cultural, de Marcuse (1979), sobre sua análise
12
a respeito de “falsa necessidade” e autores que ampliaram os estudos sobre a
cultura de massa como Thompson (2000; 2001).
O trabalho está dividido em duas grandes partes. Na primeira, apresento a
descrição dos mangás e animes, suas características específicas e produtos
relacionados, em constante comparação com os quadrinhos e desenhos animados
americanos, produtos mais facilmente reconhecidos pelos brasileiros e para que
haja maior clareza na compreensão das características peculiares dos produtos
japoneses. A segunda se concentra na análise dos fãs e colecionadores desses
produtos culturais japoneses, procurando compreender como recebem os conteúdos
e como são por eles influenciados.
No primeiro capítulo identifico o vocabulário próprio dos mangás e animes e
produtos relacionados e descrevo suas características específicas, fazendo,
também, um breve histórico de seu surgimento e evolução no Brasil. No segundo
capítulo analiso os mangás como produto cultural, examinando sua mensagem e
ideologia, estabelecendo um contínuo diálogo com a Escola de Frankfurt e o
conceito de Indústria Cultural. Por fim, no terceiro capítulo, através da análise dos
dados, discutimos a recepção a esses produtos por parte de fãs e colecionadores de
Fortaleza, e a influência sobre seus modos de pensar e de agir, através dos otakus
de Fortaleza.
13
CAPÍTULO I
1.1 O Que são as Histórias em Quadrinhos
Consideramos, para análise, os quadrinhos como fenômeno recente,
produto cultural da modernidade, embora seja possível encontrar parentesco até na
chamada pré-história, com os desenhos gravados nas paredes de cavernas. Seus
precursores foram artistas que experimentaram várias técnicas juntando linguagem
verbal e linguagem não-verbal. Como o pedagogo suíço Rudolph Töfler com a
publicação de l‟Histoire de M.Vieux-Bois em 1827; o alemão Wilheim Busch, poeta e
humorista, com Max und Moritz em 1865; o ítalo-brasileiro Angelo Agostini com Nhô
Quim em 1869 e o francês Christophe (pseudônimo de Georges Colombe) com
Fammille Fenouillard de 1889 (MOYA, 2003). Contudo, consideramos, seguindo a
posição de estudiosos de quadrinhos do mundo todo, o ano de 1896 como o início
da passagem do que se pode chamar de histórias ilustradas para histórias em
quadrinhos, com a síntese de vários elementos experimentados isoladamente pelos
precursores, como o balão de falas e pensamentos, no lugar de textos no rodapé,
que deu dinamismo ao argumento; o uso da cor e da ação fragmentada em quadros
(MOYA,2003). Essa síntese foi iniciada pelo americano Richard Fenton Outcault,
através do personagem The Yellow Kid (O Menino Amarelo), criado em 1895 no
jornal New York World ano em que os americanos, fazendo contraponto aos
europeus e outros estudiosos, consideram o nascimento dos quadrinhos. Mas foi
somente em 1896 que Outcault passou a usar os elementos citados, iniciando a
linguagem dos quadrinhos, quando saiu do jornal World, de Joseph Pulitzer para o
Journal de William R. Hearst, que o encorajou a usar os desenhos progressivos na
narrativa e os balõezinhos. (MOYA, 1993).
A Enciclopédia Britânica (1994, v. 13, p. 93), define os quadrinhos como
Narrativa feita com desenhos, geralmente acompanhados de textos
curtos de diálogo, que partem, no mais das vezes, do personagem
que fala. Difundidos em revistas e jornais, os quadrinhos são hoje um
dos mais importantes veículos da comunicação de massas.
Will Eisner (1995, p. 8), um dos maiores nomes comics americanos diz que
14
A configuração geral da revista de quadrinhos apresenta uma
sobreposição de palavra e imagem, e, assim, é preciso que o leitor
exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As
regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e
as regências da literatura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe)
superpõem-se mutuamente. A leitura da revista de quadrinhos é um
ato de percepção estética e de esforço intelectual.
Completando, Sonia M. Bibe Luyten (1985, p. 11-12), uma das maiores
estudiosas de quadrinhos do Brasil diz que
Elas são formadas [as histórias em quadrinhos] por dois códigos de
signos gráficos: a imagem e a linguagem escrita. O fato de os
quadrinhos terem nascido do conjunto de duas artes diferentes – a
literatura e o desenho – não os desmerece.
É infundada a crítica que se faz aos quadrinhos, principalmente
aquela que os considera subliteratura ou “sub arte”. Isso porque,
uma vez que os quadrinhos tenham se nutrido em fontes literárias ou
pictóricas, não quer dizer que esses materiais conservem a sua
natureza depois de adquirirem sua forma final. É o que acontece com
o cinema: depois de o roteiro passar para a linguagem
cinematográfica não é mais literatura e, sim, uma nova e vigorosa
modalidade artística.
Scott McCloud (2005, p. 151), autor e estudioso reconhecido de quadrinhos
completa
A forma de arte dos quadrinhos tem muitos séculos de idade, mas é
vista como invenção recente e sofre o mal de toda nova mídia. O mal
de ser julgada por padrões antigos. Desde a invenção da palavra
escrita as novas mídias são mal compreendidas. [...] Cada meio de
comunicação começa a vida imitando seus predecessores. Muitos
dos primeiros filmes eram peças filmadas, e as primeiras imagens de
televisão pareciam rádio com figuras. Muitos criadores de quadrinhos
só querem atingir as conquistas de outras mídias, e vêem a chance
de trabalhar nelas como subir um degrau. Enquanto os quadrinhos
forem vistos como gênero de escrita ou estilo de arte gráfica, talvez
essa atitude nunca desapareça.
A sociedade ocidental valoriza ao extremo o texto. Teatro, cinema, música e
quadrinhos, são vistos, inicialmente, como gêneros textuais, estudados nos livros
escolares dessa forma. É difícil para muitas pessoas entender que uma peça, um
filme, uma canção e histórias em quadrinhos são muito mais que textos, são
misturas de vários elementos distintos que criam algo novo, uma nova linguagem.
15
Os nomes dados aos quadrinhos são vários. No Brasil, além de Quadrinhos
e HQ (Histórias em Quadrinhos), é bastante utilizado o termo Gibi, denominação
dada devido o título de uma publicação de quadrinhos de grande sucesso no Brasil
lançada em 1939, editada por Roberto Marinho. A versão eletrônica do dicionário
Aurélio atribui quatro significados para o termo gibi, dois deles relacionados aos
quadrinhos. O primeiro, nome registrado de determinada revista em quadrinhos
(referindo-se à revista de Roberto Marinho) e o segundo, por extensão, qualquer
revista em quadrinhos. Além da conhecida expressão popular “não está no gibi”, isto
é, ser fora do comum, inacreditável. Roberto Marinho escolheu o nome de sua
publicação de quadrinhos rivalizando o da publicação de seu concorrente, Adolfo
Aizen, cujo título era Mirim. A escolha do nome aumentou a rivalidade editorial entre
os dois e a briga pela maior fatia do crescente mercado de quadrinhos importados
para o Brasil. “Mirim, em tupi, é o mesmo que „pequeno‟; gibi é usado como
sinônimo de „moleque‟, „garoto‟, „negrinho‟” (JUNIOR, 2004, p. 69). Aizen e Marinho
são os grandes responsáveis pela chegada dos comics (os quadrinhos americanos
como veremos adiante) ao Brasil.
Nos EUA, as histórias em quadrinhos começaram a ser chamadas de
Comics “porque os primeiros artistas exploraram o gênero para fazer graça com o
universo miserável dos cortiços das grandes cidades americanas no final do século
XIX” (JUNIOR, 2004, p. 24). Posteriormente passaram a ser chamadas de Comic
Strips (tiras cômicas, publicadas em jornais, meio de comunicação que mais difundiu
as histórias em quadrinhos nos EUA). São vários os gêneros de tiras (strips). Family
strip (retratando ou satirizando o cotidiano familiar), girl strip (com mulheres sensuais
e moças casadoiras), kid strip (personagens infantis, embora, às vezes, com
posturas e idéias adultas) e animal strip (com animais antropomorfizados, de
conteúdo adulto ou infantil). E, por fim, de Comic Book, termo usado ainda hoje e
pelo qual são conhecidas internacionalmente (VERGUEIRO, 2001). O comic book
surgiu com a idéia de dobrar o tablóide – os comics eram distribuídos nos jornais –
ao meio e grampeá-los, obtendo-se o dobro de páginas. Mais tarde, as capas em
papel especial foram acrescentadas (JUNIOR, 2004). Já foram conhecidas também
por funnies, isto é, divertidos, engraçados, termo não mais utilizado hoje em dia
(VERGUEIRO, 2001).
16
Will Eisner, um dos mais importantes autores e teóricos de quadrinhos dos
EUA e um de seus renovadores, cunhou dois termos importantes. Graphic Novel
(Romance Gráfico), publicações de histórias em quadrinhos completas e fechadas
como os romances – os comic books trazem histórias curtas sempre com ligações
com os números anteriores e os seguintes – geralmente em álbuns encadernados.
Eisner foi o precursor desse tipo de publicação de quadrinhos. E o termo Sequencial
Art (Arte Seqüencial), termo que melhor designa o tipo de linguagem artística que
são os quadrinhos, além de ser um termo que não soa infantil – quadrinhos, além de
infantil não condiz nem com o layout de uma página nem com seu design. Eisner
mostra que uma revista em quadrinhos apresenta uma sobreposição de palavras e
imagens em seqüência, para contar uma história, o que a diferencia da linguagem
literária e da linguagem somente visual (EISNER, 1995).
No Brasil esses dois termos são usados por colecionadores, críticos e
pesquisadores de quadrinhos americanos. Scott McCloud (2005, p. 9) outro autor e
teórico americano de quadrinhos amplia o termo criado por Eisner. Para ele uma
definição mais exata seria “imagens pictóricas e outras [como os textos] justapostas
em seqüência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma
resposta no espectador”.
Na Itália, são chamadas de Fumetti (ou fumacinha, referindo-se aos balões
com a fala dos personagens, uma das principais características dos quadrinhos); na
França, de Bande Dessinée (Banda – as tiras, de comic strips – Desenhada); em
Portugal, de Banda Desenhada, seguindo a denominação francesa ou de Histórias
aos Quadradinhos; na Coréia, de Manhwa (pronuncia-se manruá); na Espanha,
além de cómic, ocorreu algo em comum com o Brasil, quanto ao nome popular, a
lenguage familiar. Uma publicação de quadrinhos de sucesso virou sinônimo de
quadrinhos, a T.B.O. Na América Espanhola o termo usado é Historieta.
Há uma longa tradição de Bande Dessinée e Fumetti, que se diferenciam
tanto em estilo como em temas dos comics. Muitos títulos já foram e continuam
sendo publicados no Brasil. Já a publicação de Manhwa no Brasil só agora está
começando, embalada pelo sucesso dos mangás, já que têm muitas semelhanças
entre si.
17
Para evitar confusões com os termos utilizados ao longo do texto, usarei
sempre a denominação utilizada em cada país quando me referir a publicações
estrangeiras. Para publicações brasileiras usarei o termo gibi. Os termos quadrinhos
e histórias em quadrinhos usarei sempre de forma genérica.
1.2 Os Quadrinhos Japoneses
Os Mangás são os quadrinhos japoneses. Com “acento”, como alerta Sonia
M. Bibe Luyten (2004), que além de estudiosa respeitada dos quadrinhos é
referência quando o assunto é mangá, para não ser confundido com a fruta ou com
manga de camisa.
A palavra Mangá em japonês é sinônimo ao mesmo tempo de histórias em
quadrinhos, revista em quadrinhos, caricatura, cartum e desenho animado
(LUYTEN, 2000). Significa literalmente “imagem a partir de si mesma” (MOLINÉ,
2004, p. 218), tendo sido usada pela primeira vez pelo pintor, cartunista e ilustrador
Katsushika Hokusai no século XIX. Esse artista japonês produziu entre 1814 e 1849
várias seqüências verticais que ficaram conhecidas como Hokusai Manga. “Os
desenhos de forma caricatural – exagerando a forma dos seres humanos – tinham
como tema a vida urbana, as classes sociais, a natureza fantástica e a
personificação dos animais” (LUYTEN, 2004, p.246).
No entanto, somente alguns anos depois o mangá teve seu nome adotado e
consagrado por meio do desenhista Rakuten Kitazawa (LUYTEN, 2004). “O
ideograma chinês usado por Hokusai pode ser dividido em man „involuntário‟ ou „a
despeito de‟ e ga „imagem‟” (MOYA, 2003, p. 134). Segundo Nagado (2002) podem
significar ainda “desenhos irresponsáveis” igual a “irresponsible pictures”, isto é,
quadros ou desenhos irresponsáveis, segundo a tradução do DVD Super Heróis dos
Quadrinhos do Discovery Channell (2002). Na introdução de seu livro sobre a língua
japonesa Marc Barnabé (2005) diz que
A palavra “mangá” significa “desenhos espontâneos, “sem sentido” e
é utilizada no Japão para referir-se a quadrinhos em geral. Por
extensão ela foi adotada no Ocidente com o sentido de “quadrinho
japonês”.
18
O estilo de se desenhar mangá, no entanto, só foi definitivamente
estabelecido na década de 50 por Osamu Tezuka (1927-1989), considerado o “„deus
do mangá‟ – manga no kamisama” (BRAZ, s/d, p. 74). Uma das evidências da
importância de Tezuka para o Japão é o museu inteiramente dedicado a ele. O
museu de 1400m² distribuídos em três andares foi inaugurado em 25 de abril de
19941.
As mais evidentes características específicas dos mangás são:
1. As expressões corporais e faciais caricaturadas, “nos mangás é bom
exagerar” (TORYAMA e SAKUMA, s/d, p.14), em geral com olhos grandes e
redondos, queixos e narizes pequenos e rostos desproporcionalmente maiores do
que o corpo, mas inseridas em cenários “realistas” (ALMEIDA, J., 2005). Os olhos
grandes, que não refletem o desenho dos olhos dos japoneses, têm sido alvo de
especulações de toda sorte. Osamu Tezuka dizia que não há o que interpretar e ria
das interpretações psicológicas e psicanalíticas feitas (MOYA, 2003). É possível que
o formato dos olhos seja influência do teatro Takarakusa, teatro moderno japonês
surgido depois da Segunda Guerra Mundial, onde as mulheres realçavam a
maquiagem nos olhos para ganhar mais expressividade e das animações da Disney
em Tezuka (ALMEIDA, J., 2005).
2. A narrativa cinematográfica, com seqüências detalhadas de alteração de
expressão dos personagens ou de cenas de ação, é amplamente utilizada pelos
1
As informações e a foto do Tezuka Museum foram extraídas de
http://pt.wikipedia.org/wiki/Osamu_Tezuka
19
mangás. O que em um comic book por exemplo, seria contado em poucas páginas e
alguns quadros, em um mangá seria necessário dezenas de páginas e centenas de
quadros. Esse grande volume de páginas para se desenhar uma história no estilo
mangá é que faz com que os artistas japoneses tenham “a tendência de desenhar
de uma maneira mais caricatural, mais esboçada, num estilo menos detalhado do
que o encontrado nos quadrinhos americanos.” (O‟CONNEL, 1997, p. 39). “Em
filmes adaptados de mangás, a decupagem da historinha chega a ser transposta
sem mudança para a tela.” (PARENTE, 2004, p. 49). A abordagem cinematográfica
de Osamu Tezuka teve como influência os filmes alemães e franceses que assistia.
3. As linhas que simulam movimentos – as chamadas hachuras, que, tal
como acontece no cinema, quando um objeto em movimento é focalizado, o fundo é
distorcido, hachurado, esse efeito foi adaptado nos mangás (McCLOUD, 1997). Isso
dá às cenas de ação um belo efeito cinematográfico. Além disso, continua McCloud
(1997, p. 47),
o envolvimento emocional é tão importante quanto o físico para os
criadores de mangás, e a ferramenta-chave para isso é o estilo de
distorção visual conhecido como expressionismo, uma antiga técnica
de exibir estados interiores através da aparência externa. Da mesma
forma, o uso de imagens múltiplas [...] ajuda a ilustrar os conflitos
interiores.
4. A passagem do tempo e mudança de espaço. Enquanto nos comic books
usa-se os chamados recordatórios do tipo “no dia seguinte”, “enquanto isso”, os
mangás utilizam a linguagem visual como o desenho de um sol ou a fachada de um
prédio, indicando além da passagem de tempo, a mudança de espaço. “Na primeira
cena, o melhor é desenhar uma paisagem num quadradão” (TORYAMA e SAKUMA,
s/d, p.54).
Ao contrário do que acontece em outros tipos de quadrinhos, onde os
personagens não estão sujeitos ao tempo, nos mangás eles crescem, envelhecem e
até morrem. As séries têm começo e fim, diferente do que acontece com as revistas
de alguns personagens americanos cuja numeração já passa de cinco centenas,
sendo escrito e desenhado por diversos artistas com os mais variados estilos – nos
mangás um só artista, quase sempre, é o escritor e desenhista de uma série e
nenhum outro participa depois de seu trabalho – sendo esse um dos motivos de sua
crescente aceitação, já que um leitor iniciante não tem que conhecer décadas de
20
cronologia para entender uma personagem nem gastar milhares de dólares para se
ter esse material, caso dos super-heróis americanos. Tomemos o exemplo de
Superman, criado em 1938, além de quase sete décadas de histórias, que sofreram
inúmeras mudanças, tem algumas edições que só colecionadores milionários podem
adquirir. Um exemplar de Action Comics, onde estreou, custa, nos EUA, 125 mil
dólares e a primeira edição de Superman 175 mil dólares (BELFIELD, 2002), sendo
esse também um dos motivos pelos quais as novas gerações brasileiras preferem os
mangás aos comics, a dificuldade de entender, acompanhar e comprar edições de
décadas atrás.2 Todos os que foram entrevistados para esta pesquisa afirmam ser,
além de fãs, colecionadores, o que já é uma hipótese para a queda nas vendas dos
quadrinhos americanos e aumento dos japoneses, aliada, evidentemente, à
crescente influência da cultura japonesa no ocidente. Nos anos 1970, os japoneses
exportavam eletrônicos. Nos anos 1980, sua cultura tradicional e desde os anos
1990 alta tecnologia e cultura pop, tendo os mangás e os animes como produtos
principais. Além disso tudo, uma parcela mais crítica de leitores tem se distanciado
dos valores americanos.
O herói dos mangás também se difere dos comics; são retratados como
pessoas comuns em busca de realização. Perseverança é a principal característica.
“Não há lugar para super-heróis no Japão, tal como caracterizados no ocidente:
invencíveis, superpoderosos e justiceiros [...] suas ações se voltam para outra
dimensão – a interior” (LUYTEN, 2000, p. 70). As personagens de mangá são
humanizadas, mesmo alienígenas ou com poderes especiais (ALMEIDA. J., 2005).
Lembram os heróis gregos e seus antropomórficos deuses. Essa humanização dos
personagens é um conceito usado em super-heróis americanos como em SpiderMan (Homem-Aranha), criado por Stan Lee, o iniciador dessa caracterização
humana dos super-heróis, antes vistos como seres inabaláveis e perfeitos. O
Homem-Aranha quando surgiu era um adolescente com problemas na escola,
familiares e com garotas, além de constante dificuldade financeira. Stan Lee, numa
entrevista para um DVD especial sobre sua vida, diz que a pergunta fundamental foi
se uma pessoa assim existisse, isto é, um super-herói, como seria sua vida
2
No Brasil os números antigos de revistas traduzidas dos originais americanos não chegam a
cifras astronômicas, mas são muito raros e têm, claro, preços bastante elevados para os padrões
brasileiros.
21
cotidiana?3, o que fez com que o público se identificasse com ele de maneira
diferente do que acontecia até então com o Superman (Super Homem), invulnerável,
perfeito e sem problemas. Houve modificações mais tarde e hoje os super-heróis
passam por problemas existenciais os mais variados.
O herói, em termos clássicos, é alguém que descobriu ou realizou algo além
do nível normal de realização ou experiência, alguém que dá a própria vida por algo
maior que ele mesmo. Começa com a história de alguém a quem foi usurpada
alguma coisa ou que sente que está faltando algo na experiência social. Ele tem o
objetivo moral de salvar um povo, uma pessoa ou uma idéia (CAMPBELL, 2003). A
aventura do herói começa com a partida através de um chamado, ele é o escolhido.
Há a recusa inicial, depois a aceitação com auxílio sobrenatural, logo após começa a
iniciação (CAMPBELL, 2004). Esse processo parece ser o esboço de um roteiro de
mangá ou de comic book, a diferença fundamental é que além de heróis com super
poderes os mangás tratam de heróis comuns, sem poderes, que são heróis em seu
pequeno universo, personagens raros nos comic books. São heróis que tratam de
questões pessoais, como trabalhadores ou donas de casa, e não de salvar o mundo
ou combater o crime. Em comparação, o personagem americano Batman é um herói
sem poderes sobrenaturais, não se tornou combatente do crime por auxílio
sobrenatural, mas por tragédia familiar, seus pais foram assassinados na sua frente
quando ainda criança, portanto, “tecnicamente Batman não é um super-herói”, pois
não tem super poderes (GUSMAN, 2005, p. 28), porém é o clássico salvador dos
indefesos, modelo que está longe dos paradigmas do herói japonês.
Segundo a versão eletrônica do dicionário Aurélio a palavra herói vem do
grego, héroos, através do latim heroe. Através da mitologia significa semideus,
alguém extraordinário por seus feitos guerreiros ou protagonista de uma obra
literária. A versão eletrônica do dicionário Michaelis define como alguém de coragem
extraordinária em qualquer perigo, protagonista de qualquer aventura histórica ou
drama real. “Um super-herói é um herói com poderes sobre-humanos, ou pelo
menos habilidades sobre-humanas, o que se desenvolveu a um nível superhumano” (IRWIN, 2006, p.26). Convencionou-se que os super-heróis são os
personagens americanos, de colantes coloridos, que lutam pelo bem. Em outros
3
STAN LEE: mutants, monsters & marvels. Produção de Eric Mittleman. EUA: Columbia
Tristar, 2002. 1 DVD (95 min).
22
lugares como na Europa e no Brasil se tentou criar super-heróis em quadrinhos,
porém, sem sucesso.
Não há dupla identidade no mangá, não há a vida de herói e a vida normal,
pessoal e familiar, como nos comic books. Entretanto, Dizer que os heróis de
mangás e comic books são totalmente diferentes é desconhecer a forma através da
qual a narrativa se estrutura. Há, portanto, aproximações entre os dois, mas a
diferença não diz respeito à presença de “herói” ou de “super-heróis”, mas está
centrada nos gêneros das publicações, muito mais variados nos mangás, como
veremos adiante. Além disso, ao contrário dos comics, os mangás nem sempre
terminam em happy end, tendo, quase sempre, finais trágicos (LUYTEN, 2000).
Sobre as Publicações
Os mangás no Japão são editados no estilo coletânea com cerca de 300 a
500 páginas – chegando, em alguns casos a mil páginas – em papel jornal,
semelhantes às nossas listas telefônicas, com várias séries diferentes, em preto e
branco, e, não raro, alguns títulos trazem algumas páginas coloridas ou em um só
tom de cor, como o rosa, o azul claro ou o roxo (LUYTEN, 2004). As histórias de
maior sucesso são reeditadas em encadernações de luxo (as coletâneas são
consideradas descartáveis pelos japoneses que as jogam no lixo como jornais
velhos), chamadas de tankohon ou tankobom (que são encontrados facilmente nas
livrarias, mesmo títulos antigos, o que não inflaciona o mercado nem impede o
acesso fácil de novos leitores e colecionadores), gerando vários outros produtos
como videogames, séries e longas-metragens animados, filmes, peças teatrais,
novelas, brinquedos, materiais escolares e até perfumes, estes com nomes de
personagens famosos e fragrâncias que lembram suas personalidades. São
vendidos até em máquinas semelhantes à de refrigerantes, custando o equivalente a
uma passagem de ônibus ou metrô (LUYTEN, 2000). O preço de uma passagem de
ônibus em Tókio equivale a cinco reais, quase três vezes o preço de Fortaleza4.
4
VEJA. São Paulo: Ed. Abril, n. 31, 6 ago. 2003.
23
À esquerda capa da edição 39 da Shonem Jump. À direita tankohon de Hellsing.
No Brasil as publicações trazem somente histórias de uma série, com média
de 100 páginas, em preto e branco (trazem as páginas coloridas quando tem no
original japonês). No início eram editadas no modo de leitura ocidental, da direita
para a esquerda; mas hoje a maioria dos títulos é editada da forma original, com
leitura da esquerda para a direita, com o começo das histórias no, para nós, final da
revista, o que não causa a menor dificuldade nos leitores brasileiros, já acostumados
a essa nova forma. No início da publicação dos comics no Brasil os nomes de
lugares e personagens eram alterados ou modificados para nomes brasileiros. Hoje
isso não mais acontece. Os mangás não passaram por essa fase, já começaram
sendo publicados usando os nomes próprios originais. Os primeiros mangás
publicados no Brasil na ordem de leitura original foram Dragon Ball e Cavaleiros do
Zodíaco, lançados em 2000 pela editora Conrad. A editora JBC foi a pioneira no
formato similar ao japonês, como tamanho, papel e também ordem de leitura, a
partir de 2001. As próprias onomatopéias, que fazem parte do visual dos quadrinhos
japoneses, antes traduzidos, agora são inalteradas na versão brasileira, são
entendidas através de legendas, não prejudicando assim, a arte. As onomatopéias já
fazem parte das HQs há muito tempo, mas nos quadrinhos japoneses a relação da
24
onomatopéia com a arte e o texto é maior, devido a composição pictográfica da
língua japonesa.5
Capas das edições brasileiras de Dragon Ball, da fase um, fase Z e edição definitiva com acabamento de luxo
No Japão, o volume de vendas é muito alto. É a maior indústria de
quadrinhos do mundo, movimentando três bilhões de dólares por ano (LUYTEN,
2004b) equivalendo a todas as outras empresas de quadrinhos juntas (BELFIELD,
2002). Somente uma das principais a Shonem Jump (Salto Juvenil) criada em 1968,
com periodicidade semanal, atingia, em 1994, 6,2 milhões de exemplares vendidos
por semana (mais que a tiragem da Time, que é de cinco milhões e mais que as
nossas principais semanais juntas, Veja, Época, Isto É e Carta capital), entrando
para o livro dos recordes como a publicação de maior tirarem do mundo. Atualmente
as vendas da Shonem Jump atingem 5,28 milhões (KEIZI, 2006). Para se ter uma
idéia desses números, as revistas de Maurício de Souza, da Turma da Mônica
(Mônica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento, almanaques e especiais) vendem juntas,
mensalmente, 2,5 milhões de exemplares (LUYTEN, 2000). Entre os mangás mais
importantes no Japão 13 são semanais, dez quinzenais, e 20 mensais. Destes, dez
vendem mais de um milhão de exemplares por número (GUSMAN, 2004). Cerca de
5
A língua japonesa não tem um alfabeto propriamente dito, é composta por dois silabários
chamados hiragana e katakana, com 46 símbolos silábicos cada. Além disso há o kanji, que são os
ideogramas (existem entre 45.000 e 50.000), que tem duas pronúncias diferentes, o on´yomi (leitura
derivada do chinês) e o kun´yomi (leitura original japonesa). Há ainda o furigana, uma espécie de
alfabeto de apoio para se ler kanjis pouco conhecidos ou para ajudar as crianças na leitura, usados
em mangás e na imprensa.
25
40% do material impresso no Japão são de mangás, um mercado 17 vezes maior
que o americano e 30 vezes maior que o europeu (PARENTE, 2004). Isso equivale
a 1,18 bilhão de exemplares vendidos anualmente (MOYA, 2003). Em 2005 foram
contabilizados 2,2 bilhões de exemplares (KEIZI, 2006).
Vários mangás já foram publicados no Brasil, chegando a 70 títulos até o
início de 2006. 57 títulos regulares (além de títulos especiais e versões definitivas
em formato livro de títulos de sucesso) das três principais editoras de mangá do
mercado brasileiro, JBC, Conrad e Panini, que servem de base para esta pesquisa 6
e 13 títulos (além de especiais) de outras editoras, como as grandes Abril e Globo,
sem contar as revistas especializadas, quadrinhos brasileiros e americanos feitos no
estilo mangá e mangás japoneses influenciados pela cultura ocidental, sobretudo
americana. Dragonball, o mangá mais vendido no mundo, no Brasil, só na edição de
estréia, vendeu 100 mil cópias (MEDAUAR; GUSMAN, 2003). No mundo todo a
série Dragonball já vendeu 500 milhões de exemplares, números amplamente
divulgados nos encartes de divulgação da editora Conrad. A Conrad, que publicou
Dragon Ball no Brasil vende, em média 200 mil exemplares de mangá por mês,
equivalente a 47% do mercado (PARENTE, 2004). Os títulos publicados no Brasil
são insignificantes comparados aos milhares existentes no Japão.
Sobre os Gêneros
São inúmeros os gêneros de mangá no Japão, atendendo as mais diversas
faixas etárias de ambos os sexos. Isso se deve ao fato de que a maioria dos
japoneses lê mangá. É comum ver japoneses nos metrôs, a caminho do trabalho ou
da escola, lendo mangás. No filme Encontros e Desencontros (Lost In Traslation,
2003) de Sofia Copolla, há uma cena em que a personagem Charlotte (Scarlett
Johansson) fica intrigada ao ver um japonês lendo um mangá no metrô, algo que
acontece com turistas ocidentais em visita ao Japão, único lugar do mundo onde se
vêem adultos, adolescentes e crianças lendo quadrinhos em todos os lugares. Os
mangás têm histórias sobre os mais variados assuntos, desde mangás didáticos
para as escolas, passando por títulos que ensinam culinária ou direito até as mais
conhecidas no Brasil, como as histórias de samurais, robôs gigantes e comédias
6
Todos os mangás citados pelos entrevistados são editados por uma dessas três editoras.
26
românticas. Os mangás, diferentemente dos comics, que em geral são infantis ou
sobre super-heróis, tem histórias para todos os gostos. De detetive, ficção científica,
fantasia, aventura, histórias sobre o cotidiano, autobiografias, sobre agiotas, donas
de casa, desempregados, trabalhadores, não há o que não possa ser transformado
em quadrinhos, não há limites como nos EUA7. Apesar de não haver restrições
formais para o que pode ser transformado em histórias em quadrinhos nos EUA, se
convencionou que certos temas são interessantes outros não. São raros os autores
que se aventuram a fazer algo diferente, casos como os do já citados Art Spilgeman,
vencedor do Pulitzer e Neil Gaiman, ganhador do World Fantasy.8 São inúmeros os
termos para os diversos gêneros de mangá, os que seguem são os mais conhecidos
pelos leitores brasileiros.
As revistas destinadas ao público adolescente feminino são escritas,
desenhadas e editadas por mulheres, diferentemente do que ocorre nos EUA, onde
a quase totalidade de artistas e editores de quadrinhos são homens. Além disso, o
público feminino leitor é igual ao dos homens, o que não ocorre nos EUA nem na
Europa. No Brasil, o público leitor de quadrinhos americanos e europeus também é,
em sua maioria, masculino. Já o público brasileiro que lê mangá é misto,
evidenciando-se na forte presença de garotas e mulheres nos eventos relacionados
e a publicação de vários títulos voltados para esse segmento. São chamadas de
Shojo (leia-se “shoudyo”) Manga. Nesse tipo de mangá os heróis masculinos são
retratados de forma andrógina, meigos e galantes, diferente do conhecido machismo
predominante na sociedade japonesa Os meninos, no Japão, desde cedo são
incentivados e apoiados nos estudos para entrarem nas melhores universidades. As
meninas vão às faculdades exclusiva para moças e mesmo conseguindo uma
carreira estável depois, são incentivadas – coagidas socialmente – a abandonar tudo
e se dedicar ao lar (LUYTEN, 2000). As histórias são contadas através de símbolos,
traço leve e ambientes oníricos, com temas predominantemente românticos, apesar
de, não raro, terem histórias de aventuras e terror. Relações homossexuais
(platônicas ou não) aparecem inseridas com naturalidade, assim como o suicídio
7
Devido a grande pressão de pais e educadores, influenciados pelo psiquiatra Fredric
Wertham, que publicou um livro de grande repercussão contra os quadrinhos, Seduction of the
Innocent, em 1954, foi criado nos EUA um código de ética que determinava o que poderia ou não ser
publicado, o Comics Code, que, como toda censura tolheu a liberdade criativa e de expressão dos
artistas.
8
Maus é um relato biográfico de um judeu sobrevivente dos campos de concentração nazista.
Sonho de uma noite de verão, mistura a peça homônima de Shakespeare com mitologia grega.
27
(NAGADO, 2002; LUYTEN, 2000). O Mahou Shojo é um subgrupo dentro dos Shojo
Manga, apresentando histórias de heroínas que lutam a serviço do bem (BRAZ, s/d).
Os Shonem Manga são os mangás dedicados ao público adolescente
masculino, tendo como características básicas aventura, violência, humor e erotismo
(NAGADO, 2002). As histórias mais comuns envolvem robôs gigantes, artes
marciais, samurais e grandes cataclismos, temas estes ligados à cultura e história
japonesa. Porém, muitos artistas vêm produzindo histórias “ocidentalizadas”,
certamente para atingir o grande público consumidor que vem se formando por aqui.
Para o público adulto feminino há os Josei Manga ou Lady‟s Comic com
histórias do cotidiano das mulheres, em casa ou no trabalho. Para os homens
adultos existem os Seinen Mangá com temas voltados para questões de trabalho e
atividades sociais. Os temas de esportes são também comuns.
Ainda no gênero adulto tem-se os Gekiga (leia-se “guekigá”), equivalentes
aos comic books underground9 com histórias e estilos mais realistas. O Ero-Gekigá
é o gekigá de cunho erótico. Têm-se ainda os Ero-Guro, que são mangás de
erotismo grotesco e os Nouvelle Manga influenciados pelo termo Nouvelle Vague
(Nova Onda), movimento que renovou o cinema nos anos 50, através de cineastas
como Jean-Luc Godard, François Truffaut e Lois Malle
Além destes, há o Hentai, que pode ser traduzido por “anormal”, “pervertido”
(BARNABÉ, 2005, p.274), voltado para o público adulto, com histórias pornográficas.
Uso esse termo não no sentido pejorativo, mas para diferenciar de erótico, onde as
cenas de sexo são mais sutis e as histórias mais bem elaboradas, caso do EroGekigá. Também é chamado de Etchi (também pode ser grafado ecchi), pronúncia
dos japoneses para a letra H em inglês, letra inicial de hentai, significa “safadeza” ou
“indecência” (ROSA, 2005, p. 3). No Japão são lançados mais de mil títulos de
hentai por ano (ROSA, 2005) enquanto no Brasil o acesso se dá principalmente
através da Internet, que ajudou a difundir o hentai no mundo todo, e publicações
piratas. Títulos oficializados não chegaram a dez. Há de tudo no hentai, histórias que
evidenciam quaisquer fantasias, facilitado por uma atitude em relação ao sexo
diferente da ocidental cristã e agostiniana, os japoneses, em sua maioria budistas e
9
O movimento underground americano nos quadrinhos surgiu nos anos 60, introduzindo
temas políticos, drogas, sexo e contestação do american way of life, através de publicações
independentes, em material barato. Foi um dos movimentos artístico-culturais mais importantes dos
EUA (MOYA, 1993).
28
xintoístas podem ser considerados mais liberais10. Além disso “existe uma clara
distinção na mente do oriental daquilo que é real do imaginário [...]” (ROSA, 2005,
p.34), o que facilita a leitura desse material sem, necessariamente, ser diretamente
influenciado por ele.
São temas recorrentes pedofilia (masculina e feminina), incesto (com pai,
mãe, irmãos, padrastos e madrastas), sexo com autoridades como professores e
professoras (os estudantes japoneses passam em média oito horas por dia na
escola) e policiais, freiras, empregadas domésticas (maid), criaturas monstruosas
com muitos tentáculos, colegiais, com seres mitológicos como fadas e gnomos,
animais (é comum no Japão o mito da sereia ou da raposa que se relacionam
sexualmente com pessoas, algo como o boto, da região amazônica) e insetos;
orgias, sadomasoquismo, voyeurismo, estupro (que quase sempre termina com a
vítima (sempre mulheres) gostando, homossexualidade, que são chamados de Yaoi
“contração de yama nashi, ochi nashi, imi nashi (Que significa „sem clímax, sem
desenlace, sem sentido‟) [...] embora apresente relações amorosas entre rapazes, é
consumido principalmente, embora não exclusivamente, pelo público feminino.”
(MOLINÉ, 2004, p. 219), histórias eróticas com ídolos femininos da música e de
personagens consagrados dos mangás e de videogames. Colegiais e mulheres que
agem como “lolitas”, são quase onipresentes nos hentai, assim como mulheres
tratadas como objetos sexuais, extremamente submissas, torturadas, humilhadas e
penetradas de todas as formas possíveis e algumas fantasiadas11.
É sabido que o povo japonês tem avançado lentamente nas questões de
gênero, sendo comum e aceito socialmente o machismo. Numa cena de um mangá
famoso, publicado no Brasil pela editora Conrad, Garotas de Tóquio, do francês
Frédéric Boilet, um dos precursores do nouvelle manga e um dos poucos artistas de
quadrinhos ocidentais a fazer sucesso no Japão, há uma cena de sexo oral entre o
narrador (o próprio autor) e uma japonesa. Ela diz que é bom dar sexo oral, é só
pedir como o narrador o faz, diferentemente, ela diz, dos garotos japoneses que as
forçam, agarrando-as pelos cabelos e dirigindo-as em direção ao pênis. Vale dizer
10
O xintoísmo (antes a única religião professada no Japão) é pluralista e segue o princípio do
Yin e Yang, não tendo escrituras sagradas, filosofia ocidental ou código moral, o que abriu espaço,
mais tarde, para a entrada para o budismo (FONSECA, 2003), que também tem doutrinas pouco
rígidas.
11
Os temas eróticos mais comuns foram extraídos do livro Hentai, a sedução do mangá, de
organização de Franco de Rosa, com exceção dos comentários.
29
que a história é baseada em experiências reais do autor/narrador e evoca, mesmo
através da representação, o tratamento dispensado às mulheres pelos homens
japoneses. Não há limites para o erotismo japonês, diferentemente do erotismo
ocidental sempre mais vigiado e condenado. A Associação de Pais e Mestres do
Japão tem lutado constantemente contra os hentais, mas devido a liberdade de
expressão japonesa o máximo que conseguiram até agora foi a proibição de
exibição de pênis, vaginas e pelos pubianos, tanto nos hentais como em animes e
filmes (ROSA, 2005). Essa proibição faz com que os artistas os escondam através
de distorção da imagem, tarjas pretas ou outros recursos e enfatizem os seios,
volumosos em excesso, que agradam tanto japoneses como ocidentais; bumbuns e
coxas, como os seios, desproporcionais, e rostos, em geral bem jovens e até
infantis.
Grande parcela dos mangakas (desenhistas de mangás, definido adiante)
famosos começaram desenhando hentai (ROSA, 2005).
É comum no ocidente a crítica acerca da violência e do sexo muito evidentes
nos mangás. Mas é fato que o índice de criminalidade no Japão é um dos menores
do mundo e os casos de estupro são raríssimos. (ROSA, 2005).
Para o público infantil há os Shogaku, com histórias de humor, desenho mais
caricaturesco e por vezes com lições de moral.
Dôjinshi,são as publicações independentes feitas por fãs. É o equivalente do
termo inglês fanzine, contração das palavras fanatic magazine. O termo fanzine
também é usado no Brasil. Além de histórias inéditas é comum nos dôjinshi as
Aniparo, contração de Anime Parody, mangás que parodiam jogos de videogames e
séries animadas conhecidas.
Os Mangaka são os autores de mangá. No Japão são celebridades,
equivalentes aos astros e estrelas de Hollywood, atores e atrizes de novelas ou
jogadores de futebol ou modelos no Brasil. Atuam, inclusive, em comerciais dos
mais diversos produtos (LUYTEN, 2000). Apesar de no Japão em geral o desenhista
de mangá também ser o argumentista, este tem o nome de Gensakusha (MOLINÉ,
2004). “Um autor de sucesso pode chegar a cobrar verdadeiras fortunas e, de fato,
os mais reconhecidos estão entre as pessoas mais ricas do Japão” (BARNABÉ,
2005, p. 17).
30
São várias as publicações brasileiras sobre como desenhar no estilo mangá,
tanto traduções de manuais japoneses, como de trabalhos produzidos por artistas
brasileiros
influenciados
pelos
mangás.
Em
Fortaleza
já
existem
cursos
especializados no estilo mangá, tanto em escolas oficiais como o SENAC como em
vários cursos particulares.
Um dos produtos mais conhecidos relacionados aos mangás são os GarageKit. São bonecos e bonecas de resina dos personagens dos quadrinhos e desenhos
animados. Podem ser comprados prontos ou para montar e pintar de acordo com as
preferências individuais. No Japão são muito vendidos, tornando-se inclusive objeto
de culto erótico e companhia para os solitários otakus [termo que definiremos
adiante]. Étienne Barral (2000. p. 55) diz que
Se os garage-kit gozam de tamanho sucesso junto aos jovens, e
particularmente entre os otaku, é porque o lazer deles é colocar uma
parte de si mesmos no personagem de resina. Pouco importa que as
peças moldadas sejam vendidas aos milhares no comércio. Cada
um, conforme sua destreza, o cuidado que dedicará ao polimento ou
à aplicação da pintura, terá um personagem diferente.
Naturalmente, Barral se refere aos que são vendidos para serem montados
e pintados e não aos prontos.
No Brasil a venda de Garage-kit ainda é pequena devido, sobretudo, a
questões financeiras, já que são caros, mas é também um produto japonês
consumido pelos fãs da cultura pop japonesa.
1.3 Os Desenhos Animados Japoneses
Os Animes são os desenhos animados japoneses (também pode ser lido e
grafado como Animê), são o que os americanos e também brasileiros chamam de
cartoons. É a abreviação do inglês animation. Ganhou forças nos anos 1960, graças
a Osamu Tezuka, com Tetsuwan Atomu (Astro Boy) de 1963 (AGUIAR, 2003).
Contudo, essa não foi a primeira animação japonesa e sim Manga Calendar de
1962, segundo Moliné (2004). Sonia M. Bibe Luyten (2004) vai mais longe na
história e cita Bunpuku-Chagama de 1917, como o primeiro anime produzido no
Japão e Momotarou no Umiwashi de 1943, como primeiro longa-metragem.
31
Além de séries e longas-metragens originais, há os baseados em mangás e
videogames. Não há uma regra, mangá, anime e videogame compartilham enredos
e personagens, sendo o principal item da cultura pop japonesa. Apesar dos animes
serem mais recentes que os mangás, foram eles que chegaram primeiro em todos
os lugares do mundo onde fazem sucesso, trazendo, como conseqüência os
mangás (GUSMAN, 2004). Por serem apenas linguagens distintas do mesmo
produto cultural, mangás e animes se juntam em merchandising, o que não acontece
nos EUA, por exemplo, onde os desenhos animados raramente seguem a trama e
cronologia oficiais dos comics. No Brasil, os animes estão presentes na TV desde o
final dos anos 1960 (NAGADO, 2002). São classificados, como os mangás, por
faixas etárias e sexo. No Japão, atualmente, são produzidas e exibidas nas redes de
TV japonesas mais de 60 animes, movimentando mais de US$ 15 bilhões por ano,
comparando-se em tamanho e influência a Hollywood (GOTO, 2002). No Brasil, as
principais emissoras comerciais abertas, Globo e SBT, e por assinatura têm animes
em sua programação. Fox Kids e Cartoon Network destinam parte de seu horário às
produções japonesas. E mais recentemente foi lançado o canal Animax do grupo
Sony Pictures Television International, dedicado exclusivamente à animação
japonesa, 24h, diariamente, com 30 séries já disponíveis, com maior audiência de
homens entre 18 e 24 anos, segundo o IBOPE, refletindo exatamente seu público
alvo, que são estudantes de nível médio e superior e de alto poder aquisitivo, na
maioria homens, que tenham interesse em tecnologia, cultura urbana, música, sexo
e ação (FONSECA, 2006).
Sessenta por cento dos cartoons exibidos no mundo são animes (GUSMAN,
2004). Em 2003, um anime de longa-metragem japonês ganhou o Oscar de melhor
animação, A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kami Kakushi) de Hayao
Miyazaki.
Além dos animes feitos para a TV e cinema, existem os OVA, Sigla para
Original Video Animation, são animes lançados originalmente para vídeo (BRAZ,
s/d). São comercializados de forma direta ou em locadoras. Sua produção, em geral
é melhor que as feitas para TV e inferiores às feitas para o cinema (NAGADO,
2002). Os longas-metragens de animação são chamados de Movies. Os animes
estrelados por robôs gigantes, bastante comuns são chamados de Super Robot ou
32
associados à palavra Mecha, que designa qualquer equipamento mecânico ou
criatura não-orgânica (BRAZ, s/d).
O anime está cada vez mais presente na cultura pop. No filme Kill Bill vol. I,
há um trecho de sete minutos em anime. No show da cantora Madonna, Drowned
World Tour 2001, os telões do palco exibem, durante boa parte da apresentação,
animes. Outro filme que usou os animes foi Matrix. Como complemento à história da
trilogia há uma série de nove animes chamados de Animatrix. O próprio filme foi
inspirado na plástica das animações japonesas.
O iPod da Apple que pode visualizar vídeos tem animes disponíveis.
Os Anime Song são
As canções-tema de séries, filmes e animações movimentam uma
grande indústria dentro do mercado fonográfico japonês. O termo é
genérico para canções de animes, séries, filmes live-action e até de
video games. (...) as anime songs são interpretadas por dubladores,
atores, cantores especializados nesse filão e também por nomes
consagrados do J-pop, o pop-rock japonês. O gênero também é
chamado de anisong. (NAGADO, 2002).
Com as boas relações que Japão e Brasil têm, sendo o nosso país o lugar
onde mais tem japoneses fora do Japão (LUYTEN, 2000) e com o crescente
interesse pela cultura pop japonesa por aqui, uma produtora de anime resolveu que
uma das personagens de Lemon Angel Project seria uma brasileira filha de
japoneses. Erica Canbell é uma personagem carinhosa que gosta de cuidar dos
outros. Essa personagem aumentará, sem dúvida, o carinho que os fãs brasileiros
sentem pela cultura pop japonesa.12
Além dos animes há os Live Action (em japonês o termo é Tokusatsu, já que
o termo live-action é usado mundialmente para este tipo de série), que significa
“ação ao vivo”, servindo para designar qualquer ação que utilize atores. No Brasil, os
mais famosos foram Ultraman, Jaspion, Jiraya, Lion Man, Changeman e Flashman;
sendo estes dois últimos chamados de Super Sentai, seriado em live-action que
apresenta quintetos de guerreiros coloridos (NAGADO, 2002; BRAZ, s/d). Não
necessariamente todos os fãs de animes gostam de tokusatsu, mas é comum nos
12
Nos mangás também já houve uma homenagem ao Brasil, caso de Love Junkies, onde a
autora faz uma referência aos leitores brasileiros.
33
eventos sobre cultura pop japonesa ter exibição dessas séries. E, não raro, séries de
mangá e anime viram séries em live action.
A grande procura por animes, principalmente na Internet, lugar preferencial
de encontro e troca de informação dos fãs de mangás e animes, gerou os
Fansubber, do inglês fan subtitled (legendado por fãs), grupos de fãs que
disponibilizam na rede mundial títulos de animes por eles legendados.
1.4 História dos Mangás e Animes no Brasil
Segundo Marcel R. Goto (2002), desde os anos sessenta, devido,
sobretudo, à influência das colônias japonesas13 que o Brasil tem contato com os
mangás. Artistas brasileiros descendentes de japoneses produziam HQs no estilo
mangá. Porém, somente em 1988 chegou às bancas brasileiras o primeiro mangá
legítimo, contudo, invertido para a forma de leitura ocidental e em formato americano
(16,5 x 25,5), O Lobo Solitário de Goseki Kojima e Kazuo Koike, pela editora
Cedibra, que não chegou a publicar toda a série. Mais tarde a editora Sampa
adquiriu os direitos e publicou mais alguns números, sem, contudo, chegar ao final.
Somente em 2004 a editora Panini voltou a publicá-lo, dessa vez na íntegra e na
orientação de leitura japonesa. Em 1990 é publicado Akira de Katsuhiro Otomo pela
editora Globo, também em formato americano, leitura ocidental e colorida como a
edição americana, fazendo grande sucesso, acompanhado e incentivado pelo longametragem anime. O longa-metragem Akira, exibido nos cinemas, foi o primeiro a
chamar a atenção do ocidente para os quadrinhos e desenhos animados japoneses.
Outros títulos foram lançados até o ano dois mil, ano que tem início uma nova fase
para os mangás no Brasil. Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco, em orientação de
leitura japonesa, ambos pela editora Conrad, que também tiveram sua versão em
anime exibida no Brasil, dão início ao grande número de mangás publicados por
aqui, além de grande número de revistas especializadas e especiais, bem como de
mangás nacionais e publicações americanas baseadas no estilo mangá, aliadas aos
jogos eletrônicos baseados nos mangás e os cards, jogos de cartas também
baseados nos personagens japoneses, que fazem grande sucesso entre o público
13
Segundo Luyten (2000, p. 191) a maior concentração de japoneses fora do Japão é no
Brasil, sendo que o mangá original sempre foi usado para manter as tradições e unidade linguística.
34
jovem. Várias editoras publicaram mangás no Brasil, porém, somente com o
investimento de editoras como JBC, Conrad e Panini é que esses produtos tiveram
um trabalho sério de editoração, tradução, variedade de títulos e gêneros,
divulgação e distribuição. Juntas, já somam quase 60 títulos publicados.
Os animes também chegam ao Brasil a partir dos anos 1960, com Visitantes
do Espaço, Samurai Kid, O Oitavo Homem, entre outros e o live-action National Kid.
A partir de 70 os animes passam a fazer sucesso de fato no Brasil, com séries como
A Princesa e o Cavaleiro e Speed Racer e mais 19 desenhos. Nos anos 1980
grande parte do sucesso das séries japonesas se deve aos live-action, como
Jaspion e Chageman; e animes como Zillion, Patrulha Estelar e Don Drácula,
totalizando 14 live-actions e mais de 20 animes. Em 1990, um anime se torna o
primeiro da invasão dos animes no Brasil, Cavaleiros do Zodíaco, exibido pela
extinta TV Manchete, tendo altos índices de audiência. Foram mais de 30 desenhos
exibidos no Brasil nesse período, incluindo os de grande sucesso como YuYu
Hakushô, Dragon Ball e Evangelion. Em dois mil começa uma nova fase para os
animes, sendo exibidos nos canais pagos e abertos, vendidos em home-videos e
exibidos no cinema. Os mais conhecidos dessa fase são Pokémon, Dragon Ball e
Yu-Gi-Oh!, este último responsável pela grande procura de cards. No cinema, A
Viagem de Chihiro, ganha, em 2002, o Urso de Ouro no Festival Internacional de
Cinema de Berlim e em 2003 o Oscar de melhor animação. Em 2005 entra no ar o
canal Animax com programação exclusivamente de animes japoneses, diariamente,
24h. Diversos eventos no Brasil exibem animes, inclusive em Fortaleza. O mais
importante deles, o S.A.N.A (Super Amostra Nacional de Anime) reuniu, em 2005,
no Centro de Convenções Edson Queiroz em Fortaleza, aproximadamente 10 mil
pessoas nos dois dias de evento. De 2000 até agora, mais de 50 séries já foram
exibidas (FONSECA, 2003).
A breve história apresentada é panorâmica, pois é impossível fazer uma lista
de todos os animes disponibilizados no Brasil, porque os otakus utilizam a Internet
para divulgar e assistir animes. São centenas de títulos disponíveis, que vêm do
Japão e são traduzidos pelos próprios fãs. Através dos questionários aplicados aos
fãs de Fortaleza foi possível identificar alguns dos favoritos, como veremos no
capítulo três.
35
CAPÍTULO II
2.1 Indústria Cultural
Sendo o Japão um dos países mais consumistas do mundo, não é de se
estranhar que a arte de forma geral e os quadrinhos de forma particular fossem
transformados em mercadoria de consumo. No Japão toda arte é mercadoria, tudo é
usado para vender arte (BARRAL, 2000). Se é que os quadrinhos podem ser
considerados arte para Adorno e Horkheimer (1985), autores do conceito de
Indústria Cultural, já que para eles a arte quando produzida em série perde seu valor
artístico. “No fundo, como o cinema, a televisão e outras manifestações do massmedia, as histórias em quadrinhos hesitam entre o transcendental e o supérfluo”
(Mirador, p. 9478, verbete quadrinhos). Para além disso, a padronização (traço
apontado por Adorno como característico da produção cultural) é mais que evidente
nos mangás, que seguem há muito tempo a fórmula iniciada por Osamu Tezuka dos
olhos grandes, narrativa cinematográfica, personagens caricatos e cenários
“realistas”. Entretanto, há exemplos de autores que criam e publicam seus trabalhos
de forma independente, isto é, sem a influência direta das grandes editoras e que
têm conteúdos que despertam o lado crítico dos leitores, seja em questões políticas,
sociais e/ou religiosas, questionando o status quo ou relativizando valores e
ideologias.
É sabido que o uso da técnica na indústria cultural leva à estandardização,
alcançada através da produção em série e, como conseqüência direta disso, ocorre
a perda do sentido na criação da arte, pois esta, que outrora era concebida fora da
lógica do sistema social, é agora incorporada pela ordem vigente como mais uma de
suas engrenagens, garantindo sua autoreprodução. Como diz Adorno (1985, p. 09),
“a racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação, é o caráter
repressivo da sociedade que se auto-aliena”.
Os quadrinhos raramente foram arte produzida individualmente, isto é, com
todo o subjetivismo do autor (para se produzir uma revista, além dos editores, é
necessário o trabalho conjunto de roteiristas, desenhistas, arte-finalistas, coloristas,
letristas etc), fato este que os caracteriza como a indústria e toda a sua setorização
36
do trabalho. Quando acontece de serem produzidos individualmente, são chamados
de “quadrinhos de autor”, isto é, sem a interferência das editoras, que sempre
tendem a publicar material mais comercial. São escritas, desenhadas e finalizadas
pelo próprio artista. No entanto, são serializados como os outros e comercializados.
O momento único da arte, “o aqui e o agora” e “a aura original”, que para Walter
Benjamim (1975) caracterizaria a arte, não têm lugar nos quadrinhos, por natureza,
fadados à reprodução.
A Indústria Cultural, segundo Adorno e Horkheimer (1985) aliena o indivíduo,
que nunca tem tempo para refletir sobre sua condição social. Não obstante, a
indústria cultural caracteriza-se ainda como indústria do entretenimento, em virtude
de seu poder sobre os consumidores de consumar-se pela mediação do
divertimento. É o sistema se estabelecendo sobre os homens, que buscam na
diversão uma maneira de se subtrair ao trabalho mecanizado para depois se
encontrar em condições de enfrentá-lo. No entanto, Adorno nos afirma que ao estar
intimamente submetido ao processo de trabalho mecanizado, o homem só consegue
captar as produções dos produtos de divertimento que não fogem às regras do
próprio processo de trabalho. Os bens culturais da indústria cultural reproduzem a
base material com a qual se relacionam, não se podendo fugir da lógica cotidiana do
trabalho para neles se distrair, pois no simples ato de consumi-los está a
adequação, a integração ao sistema. Assim, para Adorno (1985, p. 33), “toda
conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada”.
Tem-se que o objeto da indústria cultural é o consumidor. A este se promete,
em todos os ramos da indústria cultural, a fuga da vida cotidiana; mesmo sendo esta
duplicada e re-inserida na lógica da fabricação dos produtos, que oferecem como
paraíso a mesma vida cotidiana. Para Adorno (1985, p. 40), “o divertimento promove
a resignação que nele procura se esquecer”. Seria, de fato, uma fuga, não da
realidade perversa, mas sim da resistência que se poderia ainda nela encontrar.
Os mangás são válvulas de escape para os japoneses. No Brasil, apesar
dos otakus ainda gostarem dos comics americanos segundo os entrevistados, o
modelo de herói japonês, isto é, do indivíduo comum que consegue se superar
devido a um poder mágico ou circunstâncias especiais, tem forte identificação no
imaginário brasileiro que quer vencer os problemas do cotidiano. Os mangás, como
um produto da chamada indústria cultural, portanto, servem como uma leitura de
37
esperança, de sonho e de utopia para o leitor brasileiro, mas não como uma leitura
reflexiva de sua condição.
Para Marcuse (1979), a liberdade na sociedade capitalista seria a liberdade
de consumo. Criticando essa lógica que diz que o indivíduo é livre para consumir e
que essa liberdade se efetiva quando adquire os bens de seu desejo (idéia tão bem
reproduzida na publicidade), divide as necessidades de consumo em necessidades
falsas e necessidades verdadeiras. As falsas necessidades são as impostas pela
sociedade capitalista, independentemente do indivíduo sentir que necessita delas e
que lhe são fundamentais.
Essas necessidades são adquiridas socialmente. Segundo Marcuse, cabe
ao indivíduo, desde que esteja livre de condicionamentos culturais, identificar quais
as necessidades seriam falsas e quais as necessidades verdadeiras para si. Qual o
papel, portanto, da arte na libertação desse indivíduo? Obviamente entendendo,
como Marcuse e Adorno, arte como oposto da “não-arte” massificada. A arte
superior; para os críticos destes, a arte de elite. Ele se pergunta do porquê da
futilidade da arte que lhe é contemporânea. Certamente não pelos acontecimentos
desastrosos mundiais, mas mais pelo caráter unidimensional da sociedade.
Contudo, ele acredita que a arte ainda cumpre seu papel de colaborador na
libertação nos modos de ser e de pensar dos indivíduos e de crítico do
Establishment, não fazendo parte da mudança real, que caberia a ação política e
não aos artistas. Os quadrinhos como arte, ou nona arte, não são, como em
Marcuse, libertadores da consciência e inconsciência.
À luz de McLuhan (in LIMA,1982) poderíamos analisar o próprio meio de
comunicação dos mangás, híbrido de texto e arte visual. Ele teorizou sobre a arte
impressa e sua influência, negando (a posteriori) que seja o único meio válido para a
comunicação. Para ele a própria forma de qualquer meio de comunicação é tão
importante quanto qualquer coisa que transmita. Usando uma lógica evolucionista
ele divide os meios de comunicação em pré-tipográficos e portanto primitivos, o
período dominado pela tipografia e a etapa de surgimento de meios de comunicação
visual e verbal, fruto do avanço tecnológico. Diz que
antes da imprensa, um leitor era alguém que discernia e sondava
enigmas. Após a imprensa, passou a significar alguém que corria os
olhos, que se escapulia ao longo das superfícies mecanizadas do
texto impresso. Hoje em dia, no final de tal processo, chegamos a
aliar a habilidade de ler velozmente com a distração, em vez de com
38
sabedoria. Mas à imprensa, à mecanização da escrita, sucedeu no
século XIX a fotografia e em seguida a mecanização do gesto
humano no filme. A isso seguiu-se a mecanização da fala no
telefone, no fonógrafo e no rádio. Com o cinema falado, e finalmente
com a televisão, sobreveio a mecanização da totalidade da
expressão humana... cada um desses estágios da mecanização da
expressão humana comparou-se, no seu âmbito, à revolução
deflagrada pela própria mecanização da escrita. (ibid, p.151)
Os quadrinhos sempre foram meios importantes para a difusão cultural
americana, agora o são para a cultura japonesa. Nesse sentido, o próprio meio de
comunicação se torna elemento fundamental para aceitação de valores japoneses
por parte dos jovens e adultos brasileiros. Contudo, a lógica evolucionista de
MacLuhan não permitiu que esse autor vislumbrasse a possibilidade de coexistência
entre os vários meios de comunicação. Assim, a televisão não se constituiu no golpe
final aos quadrinhos. Em relação aos mangás, a TV lhe favorece, transmitindo os
animes que alavancam as suas vendas.
Evidentemente se faz necessário dialogar com os críticos da Escola de
Frankfurt e conceituar o que aqui chamamos de comunicação ou cultura de massa.
Pensar no que Barbero (2001) chama de diversidade de leitores sociais e suas
diversas leituras no contexto latino-americano, diferente do que produziu a escola de
Frankfurt. Thompson (2000, p.143) aponta os problemas do conceito de Indústria
Cultural, dizendo
Não é absolutamente claro que todos, ou mesmo a maioria, os
indivíduos das sociedades industriais modernas estejam nitidamente
integrados na ordem social, que suas faculdades intelectuais estejam
tão profundamente embotadas a tal ponto que eles não sejam mais
capazes de ter um pensamento crítico e independente. E mais: o
pressuposto de que a recepção e o consumo de produtos culturais
serve unicamente para reforçar a conformidade ao status quo, para
liquidar com o que já é uma individualidade atrofiada, é por demais
simples. Este pressuposto se baseia na falácia do internalismo e
simplifica demais os processos presentes no ato de recepção dos
produtos culturais, no ato de sua apropriação e integração aos
contextos sociais e aos referenciais imperativos dos receptores.
Estes processos são mais diversificados e complexos do que a teoria
de Horkheimer e Adorno supõe.
Em A Mídia e a Modernidade (2001) Thompson nos dá as características da
comunicação de massa. Em primeiro lugar, ao contrário do que se possa imaginar
com o termo massa, não é o número de indivíduos que recebe os produtos que
determina a expressão, mas no fato de que estes produtos estão disponíveis
inicialmente para uma grande pluralidade de indivíduos. Em relação aos mangás,
39
ainda que seja crescente o número de consumidores, em geral estes se restringem
a uma parcela de crianças, jovens e adultos da classe média, com poder aquisitivo
para comprar as revistas e acesso à Internet e TV por assinatura. Em segundo lugar
massa não diz respeito a uma percepção acrítica, passiva e indiferente de indivíduos
consumidores, de uma cultura de entretenimento homogênea e branda. Além disso,
Thompson discute a expressão "comunicação de massa", dizendo que não há o
receptor imediato no mesmo contexto do emissor da mensagem. Prefere o termo
simples, mídia, ou comunicação mediada.
Thompson (op. cit. p. 296) diz que o desenvolvimento dos meios de
comunicação de massa "possui um impacto fundamental na maneira como as
pessoas agem e interagem umas com as outras". Porém, "[...] [não] determina a
organização social de uma maneira simples e monocausal" (Ibid).
Para analisar a influência e recepção dos produtos japoneses nos otakus
brasileiros recorremos ao conceito de estilo de vida de Pierre Bourdieu, para quem
as trocas de bens simbólicos vai além da relação com o econômico, por isso não
analisa os grupos através de classes sociais, mas de identificação de interesses,
através do conceito de campo e a dinâmica das relações no interior deste, aliado às
idéias de capital cultural e social. "O espaço social e as diferenças que nele se
desenham 'espontaneamente' tendem a funcionar simbolicamente como espaço dos
estilos de vida ou como conjunto de Staände, isto é, de grupos caracterizados por
estilos de vida diferentes". (2003 p. 144 - grifo nosso). "Essa distinção pode marcarse nas maneiras de falar ou na recusa a um casamento desigual" (Ibid).
Os grupos de otakus existentes em Fortaleza, e por extensão do Brasil,
absorvem o capital simbólico japonês. Linguagem, modos de se vestir, valores
sociais, religiosos, familiares. Ideologias políticas, filosofia de vida. Toda a cultura
japonesa implícita, explícita e pressuposta nos mangás.
40
CAPÍTULO III
Como todo produto cultural, os mangás estão carregados de significações,
ideologias e símbolos. Estes, obviamente, dos modos de ser e de pensar japoneses.
Muitos aspectos dos mangás causam espanto, medo ou indignação nos ocidentais,
que, naturalmente, sofreram um processo de socialização diferente.
A ênfase no sobrenatural é um dos aspectos que causam indignação nos
ocidentais, que vêem essa característica nos mangás e animes, através das lentes
do cristianismo, inclusive proibindo os filhos de ver esse material “demoníaco”.
Entretanto, o sobrenatural no Japão não é visto em termos dualistas, maniqueístas,
de céu e inferno, demônios e anjos, assim como no cristianismo ocidental.
Outro aspecto dos mangás é a constante menção à hecatombe, explicado
pela história política do Japão, em constantes guerras, sobretudo a 2ª Grande
Guerra e as catástrofes naturais como terremotos, maremotos e vulcões (LUYTEN,
2000). Nos comics americanos a idéia de catástrofe também é bastante usada, com
os americanos, salvando não só os EUA, como o mundo todo.
A extrema violência também é alvo de críticas no Ocidente. É interessante
que o Japão é um dos países com menor índice de violência. Isso é explicado,
talvez, segundo Luyten (2000), pelo caráter fortemente codificado do comportamento
japonês, que adota uma conduta bastante controlada e pacífica. É necessário um
auto-controle constante para enfrentar o cotidiano de ônibus e metrôs lotados, de um
país superpopuloso, bem como a longa jornada de trabalho e a forte pressão social
pelo sucesso.
Nos mangás, o sexo é tema recorrente. Principalmente o fetiche que os
japoneses têm pelas adolescentes colegiais fardadas14. Em geral, esses mangás
são classificados para adultos no Brasil. Os otakus no Japão não se relacionam bem
com as mulheres (o número de otakus do sexo masculino é bem maior que os do
sexo feminino)15, transmitindo seu desejo para as personagens de mangá e os
garage-kit (BARRAL, 2000). O casamento, em geral, é uma conveniência familiar,
14
A farda das colegiais japonesas consiste em camisa de botão com gravata e saia de pregas
muito curtas.
15
Como já dissemos anteriormente, a maioria dos japoneses lê mangá, tanto homens como
mulheres, os otakus são os aficionados por esse material.
41
tendo pouco ou nenhum espaço para sexo. Espera-se que a mulher cuide do marido
e dos filhos e o marido sustente a casa (podendo, às vezes, freqüentar casas de
massagem), e se a mulher tiver carreira profissional deve abandoná-la para dedicarse ao lar (LUYTEN, 2000). Essa ênfase no sexo e na violência, que não retratam
diretamente a realidade dos japoneses, podem ser utilizadas como cartase. No
Brasil, onde a violência é evidente e o sexo tratado com mais naturalidade 16 a
recepção desses conteúdos por parte dos leitores é, naturalmente, diferenciada.
O sexo e a violência presentes nos mangás, segundo Luyten (2000), não
exprimem a realidade japonesa, que vê nisso apenas uma válvula de escape. E no
Ocidente, em especial no Brasil, por que faz tanto sucesso? Simplesmente por
causa dos animes veiculados na TV, mídia de grande influência? Por que os heróis
americanos não fazem mais tanto sucesso como antes? Por que os mangás estão
se tornando tão populares no Ocidente? A começar pelos EUA, grande produtor de
histórias em quadrinhos, que vêm se rendendo à influência dos mangás (vários
personagens americanos já tiveram histórias publicadas no estilo mangá, por
autores americanos).
Os mangás não fazem uma crítica social e política direta como alguns
comics americanos e HQs brasileiras (sobretudo do movimento underground dos
anos 1960 e 1970). Servem para os japoneses principalmente como válvula de
escape das pressões e frustrações sociais, apesar de às vezes ridicularizar
convenções sociais. As críticas são mais sutis e no mais das vezes se perdem
quando lidas por fãs brasileiros, que estão num contexto histórico e social diferente.
Contudo, aos poucos esses leitores estão entrando no universo japonês, como
aconteceu com leitores de comics americanos. Provavelmente isso acontecerá mais
rápido do que o foi com a aculturação americana. Antes não só se traduzia o texto,
mas gags, nomes próprios e situações típicas dos americanos eram adaptadas ao
contexto brasileiro. Páginas inteiras eram cortadas das edições brasileiras. Hoje,
devido sobretudo a facilidade de informação adquirida através da internet, meio de
comunicação preferido dos otakus, como já foi dito, características da história que só
seriam entendidas no contexto japonês são explicadas em legendas para o leitor e
16
O sexo presente nos mangás, mesmo nos que lá são considerados para crianças, causa
indignação nos ocidentais, como já dissemos, sobretudo nos EUA, herdeiros do calvinismo e do
puritanismo, no Brasil se torna menos ofensivo devido nossa formação mais sincrética, tema já
debatido por autores como Gilberto Freyre.
42
não modificadas, isso facilita enormemente o processo de absorção da cultura
japonesa por parte dos consumidores de mangás e animes no Brasil.
3.1 Os Fãs e Colecionadores de Mangás
Os otakus são os fãs de mangá e anime, como se convencionou chamar no
Brasil. No Japão essa designação carrega um estigma negativo. Segundo Nagado
(2002, p. 78),
[...] significa algo como „viver num casulo‟ e foi cunhado em 1983
pelo escritor Akio Nakamori para definir pessoas que se isolam do
mundo real, vivendo apenas em função de quadrinhos, video
games, seriados, culto a cantores, etc. No entanto, muito diferente
de um torcedor fanático por seu time de futebol, o otaku é um
indivíduo fechado, avesso ao convívio social.
Moliné (2004) define o termo como “tua casa”, termo pejorativo no Japão,
mas sem conotação negativa no ocidente. Seria equivalente aos anglófonos Freak e
Nerd.
O jornalista francês Étienne Barral (2000, p.25) que estudou o fenômeno
otaku diz que
Em japonês, o termo otaku possui dois significados primordiais, que
já existiam antes do aparecimento do fenômeno em si. O primeiro
corresponde à leitura de um dos caracteres japoneses utilizados para
designar a habitação, o lugar onde se vive. O segundo significado da
palavra é uma extensão do primeiro sentido: é um tratamento
impessoal de distanciamento que os japoneses utilizam quando
precisam dirigir-se a alguém sem, contudo, desejar aprofundar a
relação travada. (...) se o termo foi logo aceito para designar essa
nova geração de jovens; é porque ele contém em uma mesma
palavra as duas principais características da síndrome. Efetivamente,
os otaku têm aversão a aprofundar as relações pessoais, e preferem
ficar fechados em casa, no quarto, onde acumulam tudo que pode
satisfazer sua paixão.
Para Barral (2000), a sociedade japonesa deste fim de século se funda
sobre três pilares fundamentais: educação, informação e consumo. Estes são os
domínios da cultura japonesa posta em questão pelos otakus. Por ser bastante
competitiva, devido sua grande população, é extremamente difícil, por exemplo,
43
passar nos exames vestibulares para as melhores universidades, e portanto
conseguir os melhores empregos. Os jovens passam em média oito horas no colégio
e mais duas horas no juku, os cursinhos preparatórios para o vestibular. Os adultos
passam 14 horas no trabalho. Essa rotina é um tema recorrente nos mangás. Os
otakus são fruto dessa rotina e pressão social e buscam nos mangás uma válvula de
escape do mundo real.
O individualismo é combatido. É bem conhecida no Japão a metáfora do
prego com a cabeça para fora da tábua, que deve ser martelada de volta, ilustrando
a ênfase no grupo em detrimento do indivíduo (LUYTEN, 2000; BARRAL, 2000). É
ainda Barral (2000, p. 127), que diz “nos dias de hoje um grande número de mangás
muito populares ridicularizam o sistema social dominante, quer seja a escola, quer
seja o mundo da empresa”. Os otakus são fruto dessa rotina e pressão social.
Buscam nos mangás um escape do mundo real.
No Brasil, os otakus não são isolados do mundo real, nem tem dificuldades
para se relacionar com outras pessoas, nem com o sexo oposto. É normal os
garotos e garotas otakus no Brasil, namorarem. Segundo os otakus que se reúnem
na Praça Portugal, os otakus brasileiros são diferentes, não têm problemas em se
relacionar, nem de namorar. Um dos entrevistados fez referência a um colega
japonês que se reúne na praça: “aqui no grupo tem o Ken, ele é japonês e esse
nosso colega, o Ken, ele era bem tímido no começo, com o tempo é que ele se
soltou mais, mas ele era bem tímido” (Jorge, 22 anos), mostrando a mudança do
colega japonês influenciada pelos modos de se relacionar no Brasil.
O visual dos otakus inclui cabelos coloridos, imitando os jovens japoneses,
uso de acessórios baseados nas personagens de mangá, camisetas com estampas
de mangás, orelhas de pelúcia e coturnos ou botas tipo plataforma. Divertem-se
freqüentando karaokês (mania japonesa), ouvir J-rock e J-Pop (rock e pop
japoneses). Além disso, adoram chicletes, balas, biscoitos e bebidas japonesas
(KORMANN, 2005).
Além do termo fã (do inglês fan, abreviação de fanatic), podemos usar o
termo colecionador para os otakus, pois juntam pilhas e pilhas de mangás e de cds e
dvds com animes, o que faz com que tenha um comportamento específico. Como
44
diz Susan Sontag em O Amante do Vulcão (2003, p.32) “Colecionar expressa um
desejo livre, flutuante, que se apega e se reapega – é uma sucessão de desejos.”.
Uma das brincadeiras favoritas dos otakus é o cosplay, abreviação de
Costume Play. Significa algo como “roupa de brincar”. É a brincadeira em que fãs de
mangás e animes se vestem como seus personagens favoritos. São comuns em
eventos de otakus. Apesar de ter se tornado popular no Brasil só recentemente, no
Japão a brincadeira movimenta milhões de dólares em lojas especializadas, revistas
e eventos. Cosplays (ou cosplayers) japoneses tornam-se, por vezes, verdadeiros
popstars. O Cosplay surgiu nos anos 70 nos EUA, através de fãs de Guerra nas
Estrelas e Jornada nas Estrelas (LOBÃO, 2006).17
Otakus de Fortaleza fazendo cosplay no S.A.N.A 2005
3.2 Os Otakus de Fortaleza
Os otakus de Fortaleza se reúnem há cerca de dez anos na Praça Portugal,
no bairro Aldeota em Fortaleza. As reuniões acontecem aos sábados a partir de 4h
17
Ilustrando essa crescente brincadeira, o milionário japonês Daisuke Enomoto declarou que
fará cosplay no espaço, vestido de Char Anzanable, personagem da famosa série japonesa Gundam,
se a agência espacial russa permitir. O milionário será o quarto a investir 20 milhões de dólares pelo
turismo espacial (RAMONE, 2005).
45
da tarde, e nas férias diariamente. O número de otakus que ali se reúne é impreciso,
e varia bastante. Segundo os entrevistados oscila entre 30 a 100 participantes,
alguns mais entusiasmados dizem ter até 200. Os números aumentam logo após
algum evento para mostra de animes e mangás, realizados esporadicamente na
cidade. Esses eventos têm se tornado muito populares, tendo inclusive cobertura da
mídia de Fortaleza, em jornais como O Povo, Diário do Nordeste e canais de
televisão como Verdes Mares e TVC. O principal deles, o S.A.N.A (Super Amostra
Nacional de Animes), teve, em sua última edição, em 2005, uma média de dez mil
pessoas nos dois dias de evento, segundo dados divulgados em jornais. O
crescente número de fãs de mangás e animes tem provocado a realização desses
eventos também no interior, como em Sobral, e na Região Metropolitana, como em
Horizonte.
Perfil dos Otakus: com a finalidade de traçar o perfil dos jovens otakus e
conhecer de que modo a cultura japonesa exerce influência sobre eles, aplicamos
vinte questionários – sendo que treze do sexo masculino e sete do feminino - e
fizemos seis entrevistas – sendo quatro homens e duas mulheres. O número de
mulheres, aqui, é considerado significativo, já que no Brasil o público consumidor de
quadrinhos e desenhos animados sempre foi, predominantemente, masculino.
Mangás e animes têm a vantagem de ter produtos específicos para aquele público.
As idades variam entre 13 e 25 anos. É comum se ouvir que quadrinhos são
coisa de criança, talvez pelo próprio termo no diminutivo, como já discutimos. Os
dados acima, porém nos revelam outra situação. Segundo Will Eisner (1995), já
citado como o maior nome dos quadrinhos americanos, havia a teoria que dizia que
os leitores de quadrinhos eram crianças pobres e sem inteligência. Teoria infundada,
sobretudo com a renovação e amadurecimento das histórias e dos desenhos. A
respeito do próprio mangá se tinha a idéia de que era entretenimento inútil
(KURUMADA, 2004). No Brasil, o preconceito sempre foi maior. Adolf Aizen, ficou
surpreso ao ver que, nos EUA, “os comics exerciam fascínio sobre o público de
todas as idades, ao contrário do que acontecia no Brasil” (JUNIOR, 2004, p. 26).
Houve um amadurecimento nas tramas de filmes e séries de TV que,
gradativamente, se tornam mais complexas e sofisticadas. Os desenhos animados,
mesmo os infantis, vêm ganhando tramas mais bem elaboradas, refletindo inclusive
a maior gama de informações que têm hoje, crianças e adolescentes e os próprios
46
avanços da tecnologia, como vemos nos videogames. Até mesmo os comerciais de
TV têm se modificado e se elaborado. Artistas como Frank Miller, Alan Moore e Neil
Gaiman revolucionaram a maneira de se fazer quadrinhos, através de histórias mais
elaboradas e roteiros sofisticados, elevando os quadrinhos à categoria de arte. Stan
Lee, um dos maiores nomes dos comics, criador de personagens como HomemAranha, X-Men, Hulk e Quarteto Fantástico, disse em entrevista, no já citado
documentário sobre sua vida, que nunca escreveu para crianças, escrevia em
primeiro lugar para si mesmo, isto é, do que um adulto gostava. O target do canal
Animax, como vimos, são adolescentes e jovens das classes A e B.
Quanto à escolaridade, 20% estão no curso fundamental II, 60% no curso
médio e 20% no curso superior. Perguntados quanto à renda familiar 55% estão
acima de dois salários mínimos (considerado o salário de R$ 350,00). Esses dados
desmentem outra afirmação, a de que jovens pobres e da zona rural é que
consomem quadrinhos. O perfil dos otakus de Fortaleza é de jovens de , com boa
escolaridade, que têm acesso a tecnologias como computador, internet e TV por
assinatura, e poder aquisitivo para comprar tanto mangás e animes como produtos
relacionados, tendo inclusive muitos deles, segundo os entrevistados, que compram
material importado, tanto do Japão como de material japonês editado nos EUA. A
maioria, 75%, compra pelo menos cinco mangás por mês, principalmente em comicshops (ou gibiterias, para os que preferem nomes em português). O acesso aos
animes se dá, sobretudo, através de CDs e DVDs piratas e através da Internet,
somando 66%. Somente 7% afirmaram comprar animes originais. 5% têm acesso
através de VHS e de amigos. A maioria começou a se interessar pelos personagens
japoneses por causa dos animes exibidos nas TVs, só depois passando para os
mangás e produtos relacionados. O número de animes que colecionam ou já
assistiram é, no dizer deles, incalculável.
Já foi comum ter em bancas de jornal, sobretudo na época da editora Abril,
que detinha os direitos dos principais personagens americanos, dezenas de títulos
de comics, hoje só é fácil encontrar, na maioria das bancas, mangás. Apesar disso,
a tendência é a centralização em lojas especializadas, seguindo o modelo
americano, que além de quadrinhos em geral, vendem brinquedos e produtos
relacionados. Há, no Brasil, uma rede de distribuição entre esses pontos
especializados, é o HQ Club, liderada pela maior comic-shop nacional, a Comix
47
Book Shop, de São Paulo. Em Fortaleza, a maior e conhecida nacionalmente é a
Revista e Cia. situada na Av. Pontes Vieira, cujo proprietário, Silvyo Roberto Neves
Amarante, é reconhecidamente um dos grandes especialistas em quadrinhos do
Brasil, além de deter um dos maiores acervos. Também são pontos de grande
venda de mangás em Fortaleza, as comic-shops Ravena, Fanzine e Tenshi, todas
no centro da cidade.
Quanto à pergunta “Que outros produtos/serviços relacionados aos
mangás/animes você consome?”, os itens mais citados foram trilhas sonoras (21%),
revistas especializadas (20%), jogos para computador e videogames (17%), roupas
e acessórios (14%) e card games (10%). Somente 3% indicaram os garage-kit,
revelando o pouco interesse por esse produto no Brasil, apesar de no Japão ter um
grande número de adeptos.
Mais da metade dos que responderam ao questionário, isto é, 65%
revelaram não colecionar quadrinhos americanos ou que não sejam influenciados
pelos mangás, revelando a progressiva mudança de influência através da cultura
pop, antes americana, agora japonesa.
A constante realização de eventos sempre mobiliza os otakus sendo esse
dado confirmado, pois 95% participam de encontros relacionados aos mangás e
animes, e 75% já se fizeram presentes em mais de sete destes eventos.
Quanto ao cosplay 70% disseram que nunca fizeram.
Percebemos uma influência progressiva da cultura japonesa sobre as
atitudes e formas de pensar dos jovens: 80% afirmam que ser otaku mudou algo em
seu estilo de vida. O modo de falar, através de gírias e frases em japonês foi o mais
citado como influência (34%), seguido da maneira de pensar a economia e a política
(16%), modos de se vestir, com roupas e acessórios típicos de personagens
japoneses (13% (somente 8% disseram vestir-se com roupas e acessórios típicos do
Japão)), maneira de pensar a família (11%) e a religião (8%). Cabelo e maquiagem
somaram 8%. Um dos entrevistados citou, no item “outros” que uma das mudanças
percebidas foi na sua preferência musical. As instituições japonesas como a família
e a escola, a política, a economia e a religião, são vistos pelos otakus fortalezenses
como “mais sérias”. Apontam o respeito pela coletividade como item importante. A
política que alia tradição à administração moderna é vista como modelo a ser
48
seguido pelo Brasil. Em vez de se fechar para o Ocidente o Japão se abriu, tentando
conservar contudo, suas tradições milenares. Não há uma sistematização desse
pensamento no discurso dos otakus sobre sua admiração pelo modo japonês de
fazer política e economia, mas nas entrelinhas do que tentam explicar emerge esse
raciocínio. Quanto à religião o japonês é mais aberto, visto as religiões
predominantes, xintoísmo e budismo, terem uma grande abertura ideológica, sem o
dogmatismo do cristianismo. Os otakus vivenciam isso através de uma maior
tolerância moral e de preferências, tanto que na Praça Portugal se reúnem várias
tribos urbanas18, que se unem pelo gosto comum pelos mangás e convivem
cordialmente.
Todos os jovens, com raras exceções, ou seja, 95% confirmaram seu
interesse pela cultura japonesa, adquirindo-a através da Internet (17%), música (JPop e J-Rock) (14%), filmes (13%), live-actions e tokusatsus (12%), livros de história
e de literatura (8%), revistas especializadas (7%), cursos de artes marciais e da
culinária
e
restaurantes
japoneses,
ambos
com
6%,
utensílios
e
livros
especializados, com 4% cada e música folclórica, popular, tradicional com 3%. Um
dos entrevistados marcou o item “outros”, dizendo que adquire conhecimento sobre
a cultura japonesa nos próprios mangás, citando Samurai X e Lobo Solitário, ambos
com histórias de samurais, o herói por excelência para o japonês19.
Perguntados sobre a influência dos mangás em seu comportamento, gestos
e linguagem, todos dizem ter sido influenciados de alguma maneira, e se
interessado pela cultura, história e língua japonesa. “[fui influenciado pelo modo de
vestir] ...nos encontros a gente vai bem a caráter, num estilo oriental... a gente se
centraliza na cultura japonesa. Muita gente faz curso de japonês. Tem um cara aqui
que vai entrar no quinto semestre. [quanto às gírias] chamo todo mundo de Baca,
que significa idiota” (Jorge, 21 anos).
18
É fácil identificar os vários grupos que lá se reúnem como skatistas, clubbers, plays, góticos, roqueiros,
jogadores de RPG, de videogame, etc.
19
Os samurais eram os protetores dos senhores feudais, viviam sob rígido código ético e disciplinar, o
Bushido. Eram tidos como os homens mais honrados e valentes do Japão. Com o fim do feudalismo sua
atividade foi proibida. Muitos deles viraram ronins, isto é, samurais sem mestre. Os mangás de samurai estão
entre os mais lidos no Brasil.
49
“No começo do curso da UECE eu fui atrás de fazer o curso [de japonês],
fiquei como ouvinte um tempo e acabei parando por falta de tempo. Eu também fui
agora para São Paulo, para os eventos de lá, o Animecom e o Animefriends também
por influência dos animes. [mas há influência também] nos gestos. Quando o
pessoal pega um gesto, vira moda. E eu já fiz cosplay também. Quem faz cosplay
acaba pegando um pouco do personagem. Teve uma [gíria] que era uma brincadeira
que era o seguinte: de um anime chamado “Gundam”. A fala de um personagem.
Quando uma menina tá afim dele e manda uma carta ele rasga a carta e diz: maiua
koroso, que é: vou te matar! Então se fazia brincadeiras com as meninas, quando
alguém levava um fora dizia maiua koroso, coisa desse tipo” (Jorge, 22 anos).
“...gíria é quase impossível não pegar alguma coisa assim, por exemplo,
umas palavrinhas que a gente usa, tipo Baca, que significa idiota em japonês, é
também... algumas palavras que você vai ouvindo enquanto tá assistindo anime que
é meio impossível não assimilar. Quando você tá assistindo anime, você já sabe
sem a legenda, o significado de palavras que você já assimilou. Então, só por ouvir
você já pega. Conheço alguns [otakus] que estudam japonês, tanto pra poder ler os
mangás em japonês, tanto pra poder ouvir, entender o que os personagens tão
falando, no anime. Mas eu infelizmente, não tive oportunidade de ir lá e fazer, não
tive tempo. Tô fazendo faculdade, então, não dá muito tempo pra tudo. sempre que
possível eu procuro ler alguma coisa. No caso, atualmente eu tô lendo Musashi [livro
sobre um lendário samurai japonês]. Que é o maior samurai do Japão. Eu tô
gostando muito, é um livro maravilhoso, assim, e sempre que possível, que lançam,
e também a quantidade é pouca de livros publicados sobre o assunto
especificamente aqui no Brasil. É muito pouca se for comparar com, digamos, o que
é publicado no resto do mundo. Existe um interesse das pessoas por uma cultura
que é diferente da deles, então é necessário descobrir mais coisas. geralmente as
meninas são mais influenciadas pela moda dos animes, do Japão em si. Não só dos
animes, mas do pessoal japonês. Então você vê muita menina aqui com sainha, ou
então com um estilo assim meio parecido com colegial e tudo o mais. Mas os
meninos, não, os meninos geralmente ficam com seu estilo próprio, assim não são
muito afetados por isso não, geralmente são as mulheres que são mais afetadas
50
pela moda dos animes e do Japão. (Bruno, 25 anos, um dos organizadores dos
encontros).
É facilmente perceptível as garotas otakus que vão à Praça Portugal com
roupas no estilo colegial japonês, com mini-saias com pregas, meias três-quartos e
boinas. Os rapazes costumam usar preto.
Segundo os entrevistados, os otakus brasileiros têm um comportamento
diferente dos do Japão. Apesar de serem influenciados pelos modos de ser e de
pensar dos japoneses, a cultura otaku foi modificada aos moldes do contexto
brasileiro. Além disso, são poucos os otakus “puros”, a maioria tem preferências
diversas em termos de divertimento, aliando todas elas aos animes e mangás.
O grupo aqui não é só de otakus, tem gente que gosta de video game,
pessoal que gosta de sair, ir pro shopping, engloba um grupo bem maior. Gente que
joga tabuleiro, card, RPG. Um grupo bem diverso. Bem misto. Talvez isso não
ocorra por isso (sic). Mas aqui no grupo tem o Ken, ele é japonês e esse nosso
colega o Ken, ele era bem tímido no começo, com o tempo é que ele se soltou mais,
mas ele era bem tímido. (Jorge, 22 anos).
Os otakus aqui gostam muito de se reunir, de discutir os lançamentos, o
anime que mais gosta. Acho que o otaku aqui é bem mais sociável que o otaku
japonês. E a gente não tem muito esse problema, o único problema é que de vez em
quando, nos eventos em si, entre os diferentes eventos existe uma certa
competição... (Bruno, 25 anos).
Perguntados sobre o interesse crescente por parte dos brasileiros, nos
mangás, não sabem dizer exatamente por quê. A maioria conhece ou leu quadrinhos
americanos, mas devido a uma longa cronologia passada que não tem como ser
seguida acabam desistindo; sendo esse também um motivo pelo qual os quadrinhos
americanos não têm conseguido renovar seu público.
...as TVs abertas elas costumam trazer os animes
mais comerciais
possíveis, ou seja, aqueles animes que com certeza vão vender brinquedo, álbum
de figurinha, cards e tudo mais. Nisso, eles chamam uma determinada atenção de
uma parte do público pra isso, a maioria do público infanto-juvenil curte esse jogos,
coleciona alguma coisa, aí tudo bem. A partir daí você vê que existe realmente uma
demanda por animes. O que a gente mostra nos eventos é que não existe só esse
51
tipo de anime, o anime comercial, ou seja, anime de um nível maior, de um público
mais adulto, animes que têm uma história muito boa, não precisa ser algo só pra
colecionar nem nada, são animes bem mais... digamos, culturalmente mais
interessantes. Falam até da cultura japonesa em si” (Bruno, 25 anos). Em relação à
cultura japonesa em si se referem, sobretudo, ao lado mais tradicional e milenar do
Japão, como artes marciais, cerimônia do chá20, extremamente importante para os
japoneses, os banhos públicos, muito comuns e a escola com toda a sua rigidez.
Apesar do comportamento dos otakus se diferenciar dos seus inspiradores
japoneses, é notória a paixão comum por mangás. Esses jovens têm sido
influenciados pela cultura japonesa, não sendo paixão efêmera de adolescente já
que os entrevistados beiram os 26 anos, estão na faculdade e trabalham. Além
disso, é um movimento que tem se espalhado por todo o Brasil, alimentando uma
indústria cultural forte, dezenas de lojas especializadas e mega-eventos.
3.3 O Inter-relacionamento entre as Culturas Ocidental e Oriental
O cinema e os quadrinhos ocidentais foram – e continuam sendo – influência
para os criadores japoneses, desde a abertura econômica do Japão, depois da
Segunda Guerra Mundial para os EUA. Walt Disney foi uma das maiores influências
de Osamu Tezuka, criador de Kimba, o Leão Branco (Jungle Taitei). Por sua vez, a
Disney americana criou Rei Leão (The Lion King), grande sucesso do cinema, uma
evidente cópia da criação de Tezuka, tanto de personagens como de trama.
Cineastas americanos como os irmãos Wachosky e James Cameron são fãs
confessos das animações japonesas. A influência não é categórica, são, na verdade,
trocas. Um dos mangás de maior sucesso no mundo, Cavaleiros do Zodíaco não
explora em nenhum momento a cultura japonesa de forma direta, os elementos
presentes na trama são da mitologia grega. Cowboy Bebop, anime de sucesso tem
cenas quase que totalmente iguais a filmes americanos de ação. A trilha sonora e a
temática são americanas. Tokyo Godfathers tem o natal cristão como centro, algo
indiferente para japoneses budistas e xintoístas. O Espinafre de Yukiko e As Garotas
20
Para os japoneses o tchá-no-yu (a cerimônia do chá) é uma disciplina mental para chegar a um estado de
calma, felicidade e simplicidade. O ritual é mantido com rigor desde o século XIX.
52
de Tóquio, mangás no estilo nouvelle manga são criações de um francês e fazem
sucesso tanto no Japão como fora dele. Um interessante exemplo dessa
“globalização” dos quadrinhos alavancada pelos mangás é Quark (publicado no
Brasil pela Ediouro), artistas holandeses, desenhando no estilo mangá uma história
com elementos das histórias policiais e de ficção científica americanas. Outro
exemplo, Lord Takeyama (publicado no Brasil pela Opera Graphica), um brasileiro e
um americano se juntaram pra criar uma história no estilo guekigá japonês. Preto e
Branco (publicado no Brasil pela Conrad), mangá original japonês com influência
européia. Ronin (publicado no Brasil inicialmente pela editora Abril e depois pela
Opera Graphica), do americano Frank Miller teve influência no mangá Lobo Solitário
de Kozuo Koike e Goseki Kojima. Miller foi o primeiro a incentivar a leitura dos
mangás nos EUA. Essa confluência de artistas, temas e estilos nos quadrinhos não
é comum nem no cinema nem na literatura. Os quadrinhos, através da influência dos
mangás no mundo todo têm seguido mais de perto as mudanças que a globalização
vem impondo.
Os animes e mangás em geral citam muito a cultura americana, através da
música, dos costumes, dos mitos. Isso é natural, já que os próprios japoneses
convivem, simultaneamente, com sua cultura milenar e com o que absorvem dos
EUA. É o que chamam de wakon yonsai (aprendizado ocidental, estilo japonês). Até
a língua inglesa está presente em cartazes, placas e outras referências visuais. O
Inglês é, não oficialmente, a segunda língua no Japão. Por outro lado os EUA
consomem mangás e são influenciados por eles. Vários personagens americanos
importantes, ícones da cultura pop ocidental já tiveram suas versões no estilo
mangá. Batman, Homem-Aranha, Gen13, X-Men já tiveram publicações desenhadas
com a influência japonesa, tanto por artistas americanos como por artistas
japoneses convidados. A Marvel, maior editora de quadrinhos nos EUA, casa do
Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Hulk, X-Men, entre outros, criou uma
publicação só para histórias com seus personagens nos estilo mangá, o Marvel
Mangaverse. Contudo, essas publicações seguem o estereótipo dos olhos grandes e
hachuras, mas a narrativa ainda é americana.
É notória a influência dos comics na doutrinação do American Way of Life,
comecei minha pesquisa com esse pressuposto, querendo demonstrar que agora é
o Japão que tem difundido sua cultura ao mundo através dos quadrinhos e
53
animações. Porém, isso não acontece de forma mecânica, nem sempre
necessariamente proposital, é, muito vezes, incidental. É verdade que no período da
Guerra Fria houve um grande esforço dos americanos em vender uma imagem
positiva do Capitalismo usando os meios de comunicação de massa. E os
quadrinhos foram meio preferencial por seu baixo custo e fácil assimilação. À época
da Segunda grande Guerra era comum capas de comics trazerem heróis como
Captain América (Capitão América) esmurrando Hitler e em histórias que o
derrotavam sem muito esforço. Os quadrinhos são considerados pelos americanos
como uma arma valiosa para influenciar pessoas. Um exemplo disso é a compra de
milhões de exemplares do mangá Gen, pés descalços, de Keiji Nakazawa, para o
acervo obrigatório das escolas públicas. O mangá tem como contexto a 2ª Guerra
Mundial e seus personagens indiretamente culpam os japoneses pelo ataque
americano a Hiroshima e Nagazaki. Um produto japonês que contribui para diminuir
a culpa dos americanos. E os americanos como excelentes vendedores da própria
imagem dele se utiliza. Contudo, utilizar exemplos como estes para que se aumente
o preconceito contra os quadrinhos é não examinar a questão a fundo. Ariel Dorfman
e Armand Mattelart (2002) fizeram uma importante pesquisa sobre a influência dos
quadrinhos da Disney sobre o mundo. Mostram o quanto esses comics carregam de
pregação capitalista. É um trabalho fundamental mas desatualizado. Dos anos 1970
para cá muito mudou, tanto em política mundial como em acesso à informação por
parte das pessoas. Os quadrinhos Disney são hoje produzidos no mundo todo,
inclusive no Brasil21, seguindo características nacionais, o que não aconteciam na
época da pesquisa de Dorfman e Mattelart.
Além disso, diferentemente do que dizem os teóricos da Escola de Frankfurt,
os consumidores destes produtos culturais não absorvem seu conteúdo de forma
acrítica. Há interação. Toda leitura é uma interpretação, mesmo que inconsciente.
Ninguém, por mais alienado socialmente que seja assiste a um filme ou lê um livro
de forma absolutamente passiva, pois carrega consigo informações, pré-conceitos,
moralismos e valores de toda espécie.
É certo que os artistas estão vinculados ao processo da produção cultural,
que como diz Adorno (e Thompson, crítico de Adorno confirma), é regida pelo signo
21
A editora Abril mantém um grupo de artistas brasileiros que escrevem e desenham histórias com
personagens Disney que são editadas tanto no Brasil como exportadas. O mesmo acontece na Itália, na Holanda
e em vários outros lugares.
54
da indústria cultural. Contudo, dizer que os americanos produzem entretenimento e
mesmo arte com fins estritamente políticos é desconhecer esses produtos. Exemplo
disso é o próprio Tio Patinhas, da Disney. É comum ele ser retratado como avarento,
mal, um capitalista sem coração, que muito amiúde se arrepende e muda suas
decisões “capitalistas”. Em nenhum momento é glorificado por ser milionário e o
dono do capital em Patópolis. Lex Luthor o arquiinimigo do maior ícone dos
quadrinhos, o Super Homem, é o vilão capitalista. O alterego de Batman, Bruce
Wayne, é um disfarce tedioso para o herói, por ter de figurar como um playboy
bilionário. O Sr. Burns de Os Simpsons é o arrogante, insensível, criticado e odiado
capitalista.
É inquestionável que todo produto cultural é histórico, e portanto,
influenciado (e influenciador) pelo contexto em que é produzido. Mesmo que não
haja uma intenção consciente do autor em divulgar certas ideologias e valores, ele
próprio é influenciado e seu trabalho também. O que queremos, contudo é relativizar
conceitos, não cair no erro de fazer afirmações categóricas. Os dados colhidos
através das entrevistas nos permitem isso. Não há uma audiência somente passiva
e acrítica dos otakus, como poderíamos pensar através da teoria crítica, nem há, por
outro lado, uma total consciência dos otakus das mensagens que recebem através
dos mangás e animes,
sendo,
como comprovou-se
pelas entrevistas e
questionários, influenciados por ela. Como citado anteriormente os otakus de
Fortaleza têm características diferentes dos otakus japoneses, pois adaptam “estilo
otaku” ao contexto brasileiro. Contudo, é notório o fascínio, o estranhamento pela
cultura japonesa, que levam os otakus de Fortaleza a uma atitude consumista de
forma acrítica.
55
CONCLUSÃO
Ao iniciar essa pesquisa sobre a influência dos mangás nos leitores e
colecionadores de Fortaleza tinha em mente minha própria experiência como leitor e
colecionador de quadrinhos americanos. E como me é evidente a influência que os
comics tiveram em minha formação, me carregando de valores, símbolos e
ideologias americanas (aliada, obviamente, a outros produtos culturais americanos
por mim consumidos como música e cinema), parti do pressuposto de que o mesmo
estaria acontecendo com a geração consumidora de mangás, dessa vez com
influência da cultura japonesa.
Para comprovar minha hipótese, de que há uma influência direta nos
consumidores brasileiros desses produtos culturais japoneses, através de uma
gradual mudança no estilo de vida, era natural a escolha dos teóricos da Indústria
Cultural.
Os Mangás já atingem uma grande parcela dos jovens, que têm assimilado a
cultura japonesa de forma semelhante a gerações anteriores que absorveram a
cultura americana, sejam os valores morais, familiares e sociais, sejam os modos de
vestir e de falar, evidenciando-se uma possível mudança de influência cultural sobre
uma parcela dos brasileiros, antes americana, agora japonesa, sendo necessário
uns acompanhamentos por parte dos educadores e da sociedade em geral.
É evidente a influência que os mangás e animes exercem sobre os fãs
brasileiros, que os leva a incorporarem uma cosmovisão próxima da japonesa.
Contudo, através da análise dos otakus de Fortaleza percebi que não há uma total
subserviência aos valores da cultura japonesa, há, além de um certo distanciamento,
uma adaptação.
Há quem diga que os mangás e os animes sejam um prenúncio do triunfo do
estilo japonês sobre o americano, afirmação que não parece infundada, visto todos
os dados citados nesse trabalho, o que provoca a necessidade de pesquisadores se
debruçarem sobre o assunto, para antever as transformações que essa mudança
provocará, dando condições para que pais e educadores possam, sem preconceitos,
lidar com esse fato social.
56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros
mistificação das massas. In: Dialética do esclarecimento; fragmentos filosóficos.
Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
ALMEIDA, J.C. Kaboom!: o universo das HQs. São Paulo: Eclipse, [2005?].
ALMEIDA, Lúcia Fabrini. Espelhos míticos da cultura de massa: cinema, TV e
quadrinhos na Índia. São Paulo: Annablume, 1999.
ANSELMO, Zilda Algusta. Histórias em quadrinhos. Petrópolis: Vozes, 1975.
APPADURAI, Arjun. Modernity at large: cultural dimensions of globalization.
Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995.
BARBERO, Jesús Martin. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e
hegemonia. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.
BARNABÉ, Marc. Japonês em quadrinhos. São Paulo: Conrad, 2005.
BARRAL, Étienne. Otaku, os filhos do virtual. São Paulo: SENAC, 2000.
BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1997.
BENJAMIM, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In:
CIVITA, Victor (editor). Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Os
Pensadores).
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.
BRAZ, Odair (editor). Mestres do animê. São Paulo: Conrad, [2003?].
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 9. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento,
2004.
______. O poder do mito. 25. ed. São Paulo: Palas Atena, 2003.
CIRNE, Moacy. História e crítica dos quadrinhos brasileiros. Rio de Janeiro:
Funarte/Edição Europa, 1990.
______. Quadrinhos, sedução e paixão. Petrópolis: Vozes, 2000.
CIVITA, Victor (editor). Adorno. São Paulo: Abril Cultural, 1999. (Os Pensadores).
DORFMAN, Ariel & MATTELART, Armand. Para ler o Pato Donald; comunicação
de massa e colonialismo. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
57
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1995.
FEIJÓ, Mário. Quadrinhos em ação; um século de história. São Paulo: Moderna,
1997.
FONSECA, Junior (editor). Japão, a terra do sol nascente. São Paulo: Escala,
2003.
______. (editor). A história dos animes no Brasil. São Paulo: Opera Graphica:
2003.
GROSSI, Gabriel Pillar (editor). Super-heróis. São Paulo: Abril, [2005?]. (100
respostas, 6).
GUSMAN, Sidney. Batman. São Paulo: Abril, 2005. (100 respostas, 11).
HOLMES, Keiko & NEWELL, Anthony P. Japonês, guia de conversação para
viagens. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2002.
IKEDA, Daisaku. Os clássicos da literatura japonesa. Rio de Janeiro, Record,
1979.
IRWIN, William (Cord.). Super-heróis e a filosofia. Verdade, justiça e o caminho
socrático. São Paulo: Madras, 2006.
JUNIOR, Gonçalo. A guerra dos gibis; a formação do mercado editorial brasileiro e
a censura aos quadrinhos, 1933-64. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
KURUMADA, Masami. Enciclopédia Cavaleiros do Zodíaco. São Paulo: Conrad,
2004.
LEONARD, Jonathan Norton. Japão antigo. Rio de Janeiro, José Olympio, 1979.
LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura de massa. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra,
1990. 340 p.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. O que é história em quadrinhos. São Paulo: Brasiliense,
1985. (Primeiros passos, 144).
______. Mangá, o poder dos quadrinhos japoneses. 2. ed. São Paulo: Hedra,
2000.
______. Panorama do mangá e do anime. In: Guia da cultura japonesa; São
Paulo. São Paulo: JBC, 2004.
MACLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem.
11. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.
58
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar:
1979.
McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. Ed. histórica - 10 anos. São
Paulo: M. Books, 2005.
MOLINÉ, Alfons. O grande livro dos mangás. São Paulo: JBC, 2004.
MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos. 2. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1993.
______. Vapt Vupt. São Paulo: Clemente & Gramani editora, 2003.
OI, Célia Abe. (org.) Guia da cultura japonesa; São Paulo. São Paulo: JBC, 2004.
QUESADA, Joe (editor). Enciclopédia Marvel. São Paulo: Panini, 2005.
RODRIGUES, Thaise (editora). A história dos samurais. São Paulo: Arte Antiga,
[2004?]. (Conhecer fantástico, 6).
ROSA, Franco de (org.). Hentai – a sedução do mangá. São Paulo: Opera
Graphica, 2005.
ROWLEY, Michael. Kanji pictográfico; dicionário ilustrado mnemônico japonêsportuguês. São Paulo: Conrad, 2003.
SILVA, Nadilson Manoel da. Fantasias e cotidiano nas histórias em quadrinhos.
São Paulo: Annablume, 2002.
STRICKLAND, Carol. Arte comentada – da Pré-História ao Pós-Moderno. 3. ed. Rio
de Janeiro: 1999.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna. Teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. 4. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000.
______. A mídia e a modernidade. Uma teoria social da mídia. 3. ed. PetrópolisRJ: Vozes, 2001.
TORYAMA, Akira & SAKUMA, Akira. Mangaka. São Paulo: Conrad, [2003?].
WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN,
Gabriel (org.). Max Weber. São Paulo: Ática, 1979. (Grandes cientistas sociais).
YAMASHIRO, José. Japão, passado e presente. São Paulo: Hucitec, 1978.
ZIERER, Otto (org.). Japão. São Paulo: Círculo do Livro, 1988. (Pequena história de
grandes nações).
POR DENTRO do Japão: cultura e costumes. Japão: Japan Travel Bureau, 1992.
59
Revistas e Jornais
AGUIAR, José. Ilha da fantasia. Folha de São Paulo, São Paulo, 08 jun. 2003.
Ilustrada, p. 06.
ASSIS, Diego. Entre o bem e o mal. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 jun. 2003.
Ilustrada, p. 10.
BREGANTINI, Daysi (editora). De olhos abertos para o Japão. Cult, São Paulo, n.
80, p. 43-62, mai. 2004.
CHRISTENSEN, William & SEIFERT, Mark. Anos terríveis. Wizard, São Paulo, n.
07, p. 38-43, fev. 1997.
FONSECA, Junior. 100% animação. Neo Tokyo. São Paulo, n. 2, p. 10-21, fev.
2006.
GARCIA, Clarissa Passos. Pega pra capar nipônico. Superinteressante, São Paulo,
n. 202, p. 104-105, jul. 2004.
GOTO, Marcel R. A vitória do japão. Herói, São Paulo, v. 8, n. 39, p. 22-27, out.
2002.
GOTO, Marcel R. A história do mangá no Brasil. Herói, São Paulo, n. 41, encarte,
dez. 2002.
GUSMAN, Sidney. Tá tudo dominado, né?. Mundo estranho, São Paulo, n. 33, p.
30-35, nov. 2004.
JOKURA, Tiago. A vida em Tóquio. Mundo Estranho, São Paulo, n. 31, p. 19, set.
2004.
KEIZI, Minami. Cultura nippon. Neo Tokyo. São Paulo, n. 2, p. 97, fev. 2006.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. O tripé japonês. Bravo!, São Paulo, n. 86. p. 51-53, nov.
2004.
MCLOUD, Scott. Desvendando o manga. Wizard, São Paulo, n. 07, p.46-50, fev.
1997.
MIYAZAWA, André. Mangamania. Herói, São Paulo, n. 21, p. 36-39, abr. 2001.
O'CONNELL. Michael. Manga! Manga!. Wizard, São Paulo, n. 14, p. 38-41, set.
1997.
SARMATZ. Leandro. Um herói (quase) como a gente. Superinteressante, São
Paulo, n. 177, p. 36-42, jun. 2002.
PARENTE, Juliana. O efeito mangá. Bravo!, São Paulo, n. 86. p. 47-49, nov. 2004.
60
PORTELA, Miguel. Jovens incorporam animação japonesa ao dia-a-dia. Diário do
Nordeste, Fortaleza, 12 jul. 2004. Cidade, p.12.
SECCO, Alexandre. Custo de vida em Tókio. Veja, São Paulo, n. 31, p. 38, ago.
2003.
TÁVORA, Lina. No mundo dos animes. Diário do Nordeste, Fortaleza, 08 out. 2004.
Zoeira, p. 04.
Internet
DUTRA, Jonatan Preis. História e histórias em quadrinhos. Set. 2001. Disponível na
Internet: <http://www.omelete.com.br>
MEDAUAR, Cassius; GUSMAN, Sidney. A inesquecível experiência de editar
Dragon Ball Z, o mangá mais vendido do planeta. Out. 2003. Disponível na Internet:
<www.universohq.com\quadrinhos\2003\dragonball_dragonballz.cfm>
NAGADO, Alexandre. O bê-a-bá do mangá. Abr. 2002. Disponível na Internet:
<http://www.omelete.com.br>
RAMONE, Marcus. Milionário excêntrico fará cosplay no espaço. Out. 2005.
disponível na Internet: <http://universohq.com/quadrinhos/2005/n14102005_01.cfm>
Acesso em: 18 out. 2005.
VERGUEIRO, Waldomiro. Os quadrinhos infantis brasileiros no início do século 21.
Fev. 2001. Disponível na Internet: < http://www.omelete.com.br>
VERGUEIRO, Waldomiro. As histórias em quadrinhos e seus gêneros. Mai. 2001.
Disponível na Internet: < http://www.omelete.com.br>
DVDs
STAN LEE: mutants, monsters & marvels. Produção de Eric Mittleman. EUA:
Columbia Tristar, 2002. 1 DVD (95 min).
OS SUPER-HERÓIS dos quadrinhos (Top Tem Comic Book Heroes). Dirigido por
Richard Belfield. EUA: Discovery Channel, 2002, 1 DVD (50 min).

Documentos relacionados

Int.

Int. advento da internet e da TV por assinatura4, muitas outras séries surgiram, aumentando e reforçando ainda mais o interesse pelo assunto. Por conta disso, editoras brasileiras interessaram-se em lan...

Leia mais

Manga e Anime - Fundação Japão São Paulo

Manga e Anime - Fundação Japão São Paulo SONIA M. BIBE LUYTEN é Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo, com tese sobre mangá. Foi professora do Departamento de Jornalismo e Comunicações...

Leia mais