A força do e

Transcrição

A força do e
I-BIZ
Q
Ilustrações: Patricio Otniel
A força do
e-commerce
Impulsionado pelo Brasil, pelo turismo e por
grandes redes de varejo, o comércio eletrônico
segue crescendo na América Latina
AMÉRICAECONOMIA INTELLIGENCE
COLABOROU: PEDRO MARCONDES, DE SÃO PAULO
uem temeu que o incipiente
comércio eletrônico latinoamericano fosse mais uma
vítima da crise financeira que colapsou
a economia em todo o mundo, pôde respirar tranquilo ao ver os resultados de
2009. O uso da internet como canal de
vendas de produtos e serviços a consumidores (ou B2C, como é conhecido no
jargão especializado) continuou crescendo, mesmo frente a um cenário adverso.
Segundo um estudo realizado pela AméricaEconomía Intelligence, a pedido da
empresa de meios de pagamento Visa,
o B2C cresceu 39,2% em 2009, chegando
a US$ 21,77 bilhões em toda a América
Latina e o Caribe. E, se o comportamento
registrado no primeiro trimestre se repetir durante o ano, em 2010, esse comércio
poderá crescer 27%, chegando próximo
de US$ 28 bilhões em vendas.
Tal resultado, em meio a uma temporada repleta de indicadores econômicos e financeiros em baixa, tampouco
chega a ser uma surpresa. O comércio
eletrônico promove uma mudança tão
profunda na forma como as pessoas se
relacionam com as empresas que lhes
proveem serviços e produtos, que a
tendência geral foi prejudicada apenas
pelo impacto do crescimento negativo
de alguns países e pela desconfiança
dos investidores internacionais, e não
pela disposição do consumidor.
A penetração de computadores e de
banda larga na América Latina continuou subindo a taxas anuais de 20% e
15%, respectivamente. No final de 2009,
havia 150 milhões de usuários de computador na região e 40 milhões de assinantes de internet banda larga. O mesmo aconteceu com a disponibilidade e o
uso de diferentes meios de pagamento.
Junho, 2010 AméricaEconomia 71
I-BIZ
A oferta sofisticou-se, em um processo liderado pelas empresas aéreas
e pelas grandes operadoras de varejo,
seguido por um grupo cada vez maior
de pequenas e médias empresas, que
aperfeiçoaram seus modelos de negócio na rede. A demanda cresceu
em número e na disposição do consumidor em comprar, à medida que
as gerações que foram educadas com
a internet desde o colégio entraram
no mercado de trabalho e puderam
canalizar seu poder de compra via web.
“Finalmente, alcançamos uma massa
razoável de usuários na América Latina, suficiente para que muitos modelos de negócio na internet conquistem
rentabilidade mais rapidamente”, diz o
argentino Alec Oxenford, fundador da
casa de leilões online DeRemate.com
(comprada pela MercadoLivre.com) e
que hoje está à frente da OLX.com, um
serviço de classificados gratuitos com
presença global.
Entretanto, esse estudo aponta
que tal crescimento ainda não se dá de
maneira uniforme. Em alguns mercados, a crise foi uma justificativa para
adiar investimentos em tecnologia e
logística, necessários para um avanço
nos modelos de comércio online, o que
impediu um aumento maior no volume de bens e serviços adquiridos por
CLICS & MONEY
Gasto total com e-commerce na América Latina (em US$ milhões)
34.497,3
Fontes: Visa Internacional e AméricaEconomía Intelligence
30.000
27.597,9
25.000
21.774,9
20.000
15.645,0
15.000
10.572,5
10.000
5.000
0
7.542,5
4.885,0
1.866,4
2003
3.042,1
2004
2004
2006
2007
2008
2010*
2009
2011*
(*)Projeção
LATINOS AMADURECEM
B2C como % do PIB
Brasil
México
Fonte: AméricaEconomía Intelligence
0,9%
Chile
América Latina
0,84%
0,8%
0,7%
0,64%
0,6%
0,54%
0,52%
0,5%
0,42%
0,4%
0,33%
0,19%
0,2%
0,1%
0,0%
0,09% 0,11%
0,35%
0,20%
0,24%
0,30%
0,27%
0,18%
0,14%
0,13%
0,36%
0,32%
0,26%
0,3%
0,52%
0,18%
0,11%
0,13%
0,05%
0,07%
0,07%
2003
2004
2005
meio da internet. Colômbia e Peru, por
exemplo, foram países que registraram
0,10%
2006
2007
2008
2009
altas muito discretas no comércio de
produtos pela web. Somente este ano o
GRÃOS PELO PLANETA
O velho clichê de que o comércio eletrônico abre as portas de um negócio para o mundo
cabe como luva na história da costa-riquenha Café Britt. Em 2009, 95% dos US$ 5,1 milhões
que a empresa vendeu pela web tiveram como destino consumidores dos EUA e do Canadá.
“Um turista que viaja à Costa Rica degusta uma xícara de café no avião, compra chocolates
e bolsas da Café Britt no aeroporto para presentear seus entes queridos e leva um cartão de
desconto para sua compra online”, diz Pablo Vargas, presidente executivo da
CafeBritt.com
Café Britt, indicando que o marketing e a logística são parte fundamental de
sua operação. A companhia fez acordos com empresas de entrega expressa, como FedEx
e DHL, e instalou um serviço de atendimento ao cliente em San José, no qual só trabalham
pessoas bilíngues com grau universitário. “Apesar de estarmos em um país pequeno, através
da internet podemos oferecer um excelente serviço e uma experiência de compra muito positiva, com assistência online por chat, atendimento telefônico e resposta a consultas em, no
máximo, duas horas”, diz Vargas. A empresa tem crescido a taxas de 15% ao ano, mas o executivo admite que chegar a esse resultado não foi fácil. Ele conhece outros empresários que
tentaram comercializar seu produto pela web, mas não conseguiram resultados rápidos e
abandonaram a iniciativa. “É preciso encarar esse setor como primordial, focar-se e investir.”
72 AméricaEconomia Junho, 2010
A VANTAGEM DE SER O ÚLTIMO
No Brasil, a intensa guerra no campo do comércio eletrônico tem sido alimentada, nos últimos tempos, pela chegada de players globais. Em outubro de 2008, a rede norte-americana
Walmart entrou em campo. Agora chegou a vez da francesa Carrefour, que inaugurou sua
operação em março, com um objetivo ambicioso: ocupar a quinta posição entre os players
do comércio eletrônico, no Brasil, até o final de 2011. “Ser o último pode trazer benefícios”,
diz Rodrigo Lacerda, diretor de Marketing da rede. “Podemos criar um site a partir do diagnóstico de tudo o que está acontecendo, entendendo as necessidades do consumidor, conhecendo as tendências atuais e oferecendo uma solução diferenciada.”
Carrefour.com.br
Com um investimento de US$ 27 milhões, o portal levou sete meses para
ser desenvolvido, aproveitando todos os conceitos da rede 2.0. Os usuários podem obter
informações sobre produtos por meio de vídeos explicativos, resenhas escritas por outros
internautas, blogs, chats e redes sociais. A loja virtual do Carrefour no Brasil oferece garantia
estendida de produtos e atenção pós-venda. A plataforma brasileira, primeira a ser lançada
pela multinacional francesa em um país emergente, servirá de modelo em seus projetos em
outros países, como Argentina, Colômbia e China.
no país, tem um plano semelhante (veja
quadro A Vantagem de Ser o Último).
Entretanto, o maior destaque no
segmento varejista é o Pão de Açúcar,
gigante que, com a compra de seus
rivais Ponto Frio e Casas Bahia, não
apenas assumiu a liderança das vendas físicas de varejo, como alcançou
a segunda posição no comércio eletrônico brasileiro. A empresa, que, no
fechamento desta edição, passava por
um processo de revisão de sua fusão
com a Casas Bahia, passou a concentrar
as unidades de venda de bens duráveis
na internet em uma nova empresa,
chamada de Nova PontoCom. Com um
faturamento estimado em US$ 1 bilhão
para 2010, fica atrás apenas da B2WCompanhia Global do Varejo, formada
CONFIANÇA EM ALTA
Qual a sua percepção sobre a segurança nas operações feitas pela web?
Resultado referente só a respostas “alta/muito alta”, como percentual do total
Fonte: Pesquisa com leitores de AméricaEconomia, maio de cada ano
2008
2010
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
A. LATINA
VENEZUELA
URUGUAI
PERU
PARAGUAI
PANAMÁ
MÉXICO
EQUADOR
CHILE
COSTA RICA
COLÔMBIA
0%
BRASIL
Não é possível compreender a dimensão do crescimento do B2C na América
Latina sem falar do Brasil. O país não
é somente o maior da América Latina;
também é o que apresenta os indicadores mais altos em termos de uso de
comércio eletrônico na região, uma
vantagem que se acentuou durante
2009, com a entrada de 4,4 milhões de
novos usuários de internet no país, que
ajudaram a levar as cifras de B2C para
além dos US$ 13 bilhões, mais de 60%
de todo o e-commerce focado no consumidor fi nal da região. “Nosso cenário
conservador de crescimento para o B2C
é de 30% por ano até 2016”, diz Gerson
Rolim, diretor executivo da Câmara-e.
net, associação que reúne as operadoras de comércio eletrônico.
Rolim não é o único otimista em relação ao Brasil. As grandes redes vare-
BOLÍVIA
VAREJISTAS AO ATAQUE
jistas incrementaram fortemente suas
apostas tecnológicas e logísticas para
aumentar a força de seu comércio eletrônico. O Walmart, por exemplo, que
entrou no e-commerce brasileiro em
outubro de 2008, afirma que pretende
dobrar suas vendas virtuais em 2010. O
foco de sua estratégia se concentra na
variedade: a empresa quer aumentar
sua oferta online dos atuais 10 mil artigos, distribuídos em 11 categorias, para
100 mil, divididos em 21 seções, até o
final do ano. O Walmart também tem
lojas virtuais em outros países, como
no Chile, representado pela marca Líder,
e no México, com a Superama. Contudo,
ambos operam somente na venda de
alimentos. O Carrefour Brasil, que acaba de lançar seu portal de e-commerce
ARGENTINA
Grupo Éxito, principal rede varejista da
Colômbia, começará a investir no desenvolvimento de seu negócio na web
(veja quadro O Papel dos Donos).
Em outros países, a contração do
turismo – gerada pela crise e pela gripe
suína – impediu que se registrassem
taxas de expansão maiores. Esse é o
caso principalmente do México, onde
o turismo representa cerca de 70% das
operações de B2C.
Junho, 2010 AméricaEconomia 73
I-BIZ
por Submarino.com e Lojas Americanas. A B2W, entretanto, tem visto sua
distância em relação às concorrentes
se reduzir. Em 2009, pelo segundo ano
consecutivo, cresceu menos que a média dessa indústria, reduzindo sua participação de 60% para 47%. Em busca de
reverter tal tendência, o grupo anunciou que investirá US$ 100 milhões em
tecnologia neste ano.
A necessidade de reação é justificada; afinal, o mercado brasileiro
tem se sofisticado. Por exemplo, em
2009, os eletrodomésticos figuraram
pela primeira vez entre os artigos mais
comprados pela web no Brasil. As ven-
das desses itens cresceram 137% em
relação a 2008 e só ficaram atrás, entre
os produtos tangíveis, das categorias
mais tradicionais, como livros, assinaturas de jornais e revistas, além de
acessórios de cuidado pessoal (saúde,
beleza e medicamentos).
O dinamismo do B2C brasileiro, entretanto, ainda não se repete em outros
mercados da América Latina. No México,
a rede PalaciodeHierro.com é líder, mas
o segmento varejista ainda não aposta
suas melhores fichas no canal de vendas
online. Na Argentina, há modelos bemsucedidos, mas ainda falta demanda.
Na Colômbia e no Peru, o investimento
DA LOGÍSTICA ÀS REDES SOCIAIS
Se alguém pesquisar a história da rede chilena de lojas de departamento
Falabella, não encontrará nenhuma referência a seu site. Fontes da empresa dizem que tais informações estão classificadas como confidenciais, por
causa do sucesso do negócio. Ricardo Alonso, gerente geral da Falabella.
com, afirma que o nível de vendas registrado no portal supera o de qualquer loja física do país. Fontes próximas da empresa dizem que as vendas
online representam 57% do faturamento da área de varejo da Falabella,
participação que justifica os dados de tráfico online indicados por sites como Alexa.com ou GoogleTrends.com. Alonso não confirma tal dado, mas
comenta os fatores-chave do sucesso da Falabella.
com. “A experiência da compra é o fundamental”,
diz. Segundo o executivo, não basta ter um bom
catálogo de ofertas sem ter boa logística. “Isso
não implica apenas ter caminhões para entrega,
mas sistemas inteligentes para
traçar rotas e integração de
Falabella.com
sistemas que permita monitorar as entregas”, diz. Um exemplo-chave no qual
muitos falham é a logística reversa, que permite
que um comprador devolva o produto, se não
estiver satisfeito com a compra. “É um processo
complexo, mas não fazê-lo bem pode significar
o fim do e-commerce.” Por isso, Falabella tratou
de desenvolver seu próprio modelo, seguindo o
exemplo de varejistas bem-sucedidos dos EUA e
da Europa, os quais Alonso visita regularmente.
Outro fator fundamental é observar o usuário.
“Medimos tudo o que ele faz no site. Tudo”, afirma. A estratégia de observação permanente estende-se inclusive às redes sociais, realizando
promoções em canais como Facebook ou Twitter. Além do Chile, Falabella.
com opera na Argentina e se prepara para estrear na Colômbia e no Peru,
países nos quais atualmente só possui sites informativos.
74 AméricaEconomia Junho, 2010
dos operadores varejistas é recente e dominado por pequenos casos isolados. Somente o Chile, segundo país com maior
maturidade em comércio eletrônico da
região, mostra desenvolvimentos importantes, em um setor dominado pela
Falabella.com (veja quadro Da Logística
às Redes Sociais), mas no qual também
se destacam outras varejistas, como
Cencosud, Ripley, Sodimac e LaPolar.
PEQUENAS EM DESTAQUE
Ser um jogador relevante em uma área
de e-commerce requer muito investimento em tecnologia e em sistemas
logísticos. É impossível conseguir vendas de US$ 100 milhões sem que haja
compromissos substanciais e recursos
sustentáveis. Contudo, as pequenas empresas também têm conquistado bons
resultados na web. À medida que os motores da busca começam a ser a principal
ferramenta de pesquisa dos usuários
da internet na hora de tomar decisões
de compra, os pequenos começam a ter
chances similares às das grandes redes
de chegar com sua oferta ao consumidor. Isso é facilitado por sites como o MercadoLivre.com, um portal que passou de
leilões a transações com consumidores,
cujas vendas, atualmente, são 90% a preço fixo, e 80% de produtos novos, o que
mostra um amplo domínio de pequenos
negócios em sua plataforma.
Uma das vantagens do e-commerce
é que ele gera incentivos para que empresas que operam na informalidade ingressem no mundo formal com
propostas de valor diferenciadas. É o
caso do Mercado La Salada, um grande
centro têxtil de Buenos Aires, que criou
o MercadoLaSalada.com, ou das feiras
tecnológicas peruanas Las Malvinas
(Malvinasperu.com) e Computiendas
(Computiendasperu.com).
“As empresas pequenas e médias
têm tudo a ganhar com o comércio eletrônico, por seus benefícios visíveis, como o acesso a novos mercados, e pela
afinidade da natureza dinâmica do meio
com seus modelos de negócio”, diz José
María Ayuso, vice-presidente Executivo
Global de Produto da Visa. “São muitos
O PAPEL DOS DONOS
A visão dos donos e o apoio que dão ao comércio eletrônico são fundamentais
na hora de elaborar uma estratégia de sucesso. Não acredita? Então pergunte aos
executivos do Grupo Éxito, maior rede de varejo da Colômbia, comprada em 2007
pela francesa Casino. “Começamos nossa plataforma online em 1998,
Exito.com
mas era uma unidade pequena, sem ambição”, conta Eduardo René
Miranda, chefe de Comércio Eletrônico do grupo. “Desde que a Casino chegou,
porém, passamos a respirar internet.” Para essa mudança, foi importante a experiência da rede francesa com seus portais em outros países, injetando ambição
no grupo, que prepara vários investimentos para renovar seu portal. “As vendas
online do Éxito foram de US$ 15 milhões em 2009, apenas 0,8% do total; no caso
do Extra.com, no Brasil, o site representa 5% das vendas do grupo”, compara Miranda, calculando o potencial a explorar.
sa. “Isso se dará, especialmente, nos
países em que há mais bancarização e
penetração tecnológica”.
CRUZAR FRONTEIRAS
Um iPad, um celular Android ou o último PC da Sony são sonhos de consumo
que talvez ainda não estejam disponíveis no comércio de determinada
região. Mas isso não impede que se
compre diretamente dos EUA, por meio
O Brasil representa
mais de 60% de
todo o comércio
eletrônico
da região
dos sites mais populares desse país, como o Amazon ou o eBay. A modalidade
de consumo online caracterizada pela
compra de produtos que estão disponíveis em sites de comércio eletrônico
de outros países já ganhou relevância.
Na verdade, é um dos componentes do
e-commerce que mais cresce. Apesar
dos custos de logística e de aduanas,
cada vez mais os consumidores latinoamericanos estão usando a internet
para comprar produtos que não encontram em seus países. “Quando o
iPhone foi lançado, em 2007, recebemos
uma enorme quantidade de pedidos de
compra do novo aparelho provenientes
da América Latina”, diz Paul Gartland,
CEO da Skybox, empresa de logística,
com sede em Miami, dedicada ao envio
de produtos comprados nos EUA para
seus consumidores latino-americanos.
“Em 2009, fi zemos 150 mil envios de
produtos dos EUA para a América Latina, um aumento de 18% em relação a
2008, apesar da crise”, explica.
O México é, por sua integração logística com os Estados Unidos, o país
que mais compra dos EUA através da
web. Muitos mexicanos compram diretamente na Amazon e no BestBuy.com,
sem passar por um serviço intermediário. Líderes da indústria estimam que
esse comércio seja equivalente a quase
um terço de todo o e-commerce realizado pelo México. De fato, a concorrência
direta dos Estados Unidos é um dos
fatores que têm inibido as empresas
mexicanas a incrementar sua aposta
no comércio eletrônico.
A América Central e o Caribe também são grandes compradores de sites
estrangeiros, por sua proximidade geográfica com os EUA e pela pouca profundidade de seus próprios mercados.
Os países do Caribe que falam inglês
contam, ainda, com a vantagem do
idioma, o que torna a compra um processo ainda mais natural.
No entanto, se havia um país onde os cidadãos se caracterizavam por
fazer compras internacionais, esse
era a Venezuela. Até 2007, o governo
venezuelano autorizava uma cota de
compras pela internet de até US$ 1,5
mil. Entretanto, por causa da realidade
E-CONSUMO TOTAL
Países/blocos selecionados
B2C em US$ milhões
Fonte: Visa e América Economía Intelligence
2005
2006
2007
2008
2009
2.269,9
3.540,5
4.898,7
8.572,6
13.230,4
MÉXICO
VENEZUELA
ARGENTINA
CHILE
567,1
253,4
240,9
242,8
867,6
489,6
378,1
471,8
1.377,0
821,5
561,5
687,5
2.010,0
787,8
732,8
919,5
2.624,9
906,1
875,0
1.027,9
CARIBE
387,0
565,0
660,0
754,9
868,1
COLÔMBIA
150,3
175,0
201,3
301,9
435,0
PORTO RICO
BRASIL
344,0
384,3
445,0
489,8
587,8
OUTROS
131,3
164,8
203,0
260,9
306,5
AMÉRICA CENTRAL
189,2
359,9
499,0
563,9
637,2
PERU
109,1
145,5
218,2
250,9
276,0
4.885,0
7.542,5
10.572,5
15.645,0
21.774,9
AL + CARIBE
Junho, 2010 AméricaEconomia 75
I-BIZ
A COMPRA DO MÊS
A gripe A (H1N1) fez bem ao negócio da LeShop.com.ar. O portal, criado em 2000, viu sua
demanda crescer em julho do ano passado, quando a pandemia forçou a quarentena nas
principais cidades da Argentina. Foi então que o LeShop se transformou em um dos sites
prediletos de compra online, com uma taxa de crescimento de 50% em 2009. Gonzalo Tomás Benítez, diretor executivo do portal, afirma que esse resultado se deve a dois fatores:
logística própria e atenção personalizada. “Entendemos que, para ganhar
Leshop.com.ar
mercado e fidelizar clientes, esses fatores são chave, porque ajudam a
construir confiança”, diz. Esse supermercado na internet afirma ter 35% de participação
de mercado, em um segmento que faturou US$ 65 milhões em 2009. A navegação no site
da LeShop – que replica a operação da empresa suíça homônima – simula o passeio por
um supermercado, incluindo as gôndolas. Seu objetivo é facilitar a mudança de hábito
do consumidor na hora de fazer suas compras. Também oferece um assessor pessoal,
que se apresenta com nome e sobrenome e responde a qualquer dúvida ou mudança no
pedido. “Nosso cliente é exigente e valoriza a qualidade, pontualidade e exatidão em cada
pedido”, afirma Benítez.
dual do mercado de câmbio venezuelano, essa cota, que permitia a compra
de dólares na taxa oficial mais baixa,
acabava funcionando como um subsídio, incentivando o uso massivo. Isso
motivou o governo a reduzir o limite de
compras para US$ 400, elevar o câmbio
oficial, e fi xar requisitos mais restritivos ao acesso a esses dólares, reduzindo
o número de compras online.
Já no Brasil, o volume de compras
no exterior registra um crescimento
POTÊNCIA BRASIL
Participação por país no
gasto total do B2C na AL
Fontes: Visa Internacional e
AméricaEconomía Intelligence
OUTROS
1,4%
CARIBE
4%
ARGENTINA
4%
AMÉRICA CENTRAL
2,9%
VENEZUELA
4,2%
PORTO RICO
2,7%
PERU
1,3%
MÉXICO
12,1%
COLÔMBIA
2%
CHILE
4,7%
76 AméricaEconomia Junho, 2010
significativo. Apesar de algumas tarifas sobre produtos eletrônicos chegarem a 100%, os brasileiros de maior
poder aquisitivo têm aproveitado a
valorização do real para comprar pela
internet muitos dos produtos eletrônicos que ainda não estão nas lojas de seu
país. De acordo com a Camara-e.net, os
brasileiros gastaram US$ 620 milhões
dólares, em 2009, em compras internacionais pela web, um aumento de 30%
em relação a 2008.
Esse movimento de compras transfronteiriças é de mão dupla. Por isso,
também vale destacar que muitos imigrantes que vivem nos Estados Unidos
substituíram as remessas de dólares
em dinheiro que enviariam às suas
famílias em seus países de origem por
compras em sites de e-commerce
desses lugares. Isso tem levado
empresas como a mexicana
TiendasElektra.com, do Grupo Salinas, assim como
clubes de desconto, como
o PriceSmart, na América Central e no Caribe, a
BRASIL
desenvolver serviços es60,8%
peciais para os clientes
internacionais.
COMO AVIÃO
Grande parte do impulso do
comércio eletrônico na região
continua sendo protagonizado pela
indústria do turismo, especialmente
pelas companhias aéreas. E não se trata
de tentativas revolucionárias de algumas companhias de baixo custo, como
a Gol, no Brasil, a Volaris, no México, ou
a Aires, na Colômbia. O maior esforço,
nos últimos dois anos, ocorreu entre
os players estabelecidos, ou seja, companhias aéreas de bandeira que têm
investido fortemente para fomentar a
venda direta de passagens pela internet. A chilena Lan, por meio de seu site
Lan.com, tem sido uma das mais agressivas nessa luta, com promoções para
atrair os viajantes a comprar em seu
site e eliminar qualquer agência intermediária, que ganharia uma comissão
pela venda. Mas é a brasileira Gol que
continua sendo a companhia da região
com maior volume de vendas pela internet, com mais de 90% de sua receita
gerada dessa forma – embora muitas
delas não possam ser consideradas diretas, já que são feitas pelas agências
de viagens no site da empresa.
A novidade, porém, é que já existem pequenas e médias empresas do
setor que começam a utilizar o comércio eletrônico para fechar transações.
Pode ser uma empresa de transporte
turístico no costa maia mexicana, como a CancunTransfers.com, ou um
resort no Caribe, ou uma pousada em
Machu Picchu, no Peru. “Hoje, 70%
das reservas de hotéis passam por
uma atividade online”, afi rma Alvaro
Diago, diretor para América Latina do
grupo InterContinental Hotels Group,
que inclui marcas como a HolidayInn.
“Embora a fidelidade de marcas seja
relevante nessa indústria, a internet
tem permitido que empresas de menor porte se tornem conhecidas e ganhem posições.”
A indústria de viagens, ainda que
em sua grande maioria não sofra com
os problemas de logística que atingem
os varejistas on-line – já que não há um
bem físico para entregar –, tem o desafio
da confiança do consumidor, pois se trata de compras caras. Um ticket médio na
indústria do turismo é de US$ 900 para
a passagem de avião e US$ 400 para a
reserva de hotel, de acordo com dados
da Despegar.com, o que requer uma alta
dose de credibilidade para ser realizado.
OS GARGALOS
Apesar dos bons resultados revelados
neste estudo, a América Latina continua a ser uma região predominantemente offline e não bancarizada. Ainda
são muitos os fatores que devem evoluir para que a região alcance os níveis
de comércio eletrônico dos países desenvolvidos. Por exemplo, em vários
países ainda há pendências quanto aos
mecanismos de transação comercial
online, o que gera trâmites e complicadores adicionais para essas operações.
Os sistemas de logística e postal
também são citados como grandes obstáculos para a consolidação de projetos.
Com exceção do Brasil, que conta com
um sistema de correio postal de alto nível, os demais países da região têm me-
canismos ineficientes de distribuição
de bens, o que obriga muitas empresas
a criar a sua própria logística. Algo impensável, por exemplo, nos EUA, onde
empresas como a DHL, UPS e Fedex são
os melhores sócios das lojas.
Além disso, ainda faltam fortes investimentos em tecnologia para que
as empresas ofereçam serviços que
realmente gerem experiências diferenciadas para o usuário em relação às
compras tradicionais. Esse fator, somado à desconfiança que ainda persiste
em grande parte da população, cria
COMPRADORES COMPULSIVOS
Quem fez compras no último mês (só respostas positivas)
Fonte: TGI / KMR
8,0%
2007
2008
2009
7,21%
6,58%
6,14%
7,0%
6,0%
4,28%
4,01%
3,72%
5,0%
4,0%
3,0%
3,75%
3,40%
2,80% 3,10%
2,94%
3,07%
2,0%
1,75%
2,63%
2,40%
1,89%
1,81%
1,78%
2,76%
1,62%
1,96%
0,71%
0,28%
1,0%
1,77%
1,00%
0,94%
1,34%
0,0%
ARGENTINA
BRASIL
CHILE
COLÔMBIA
EQUADOR
MÉXICO
PERU
VENEZUELA
AL
EUFORIA VIRTUAL
O show do Aerosmith na Colômbia estava programado para o dia 20 de maio,
mas, no escritório de Eduardo Olea, o frenesi envolvendo esse espetáculo começou muito antes: especificamente, à zero hora do dia 13 de março, momento em que começava a venda de ingressos através do portal Tuboleta.com, da
empresa Coltickets, da qual Olea é gerente de Pesquisa e Desenvolvimento.
“Nessa hora, 85 mil pessoas disputavam um dos 10 mil ingressos. Chegamos a
ter um pico de 110 mil pessoas”, conta. O excesso de busca fez o sistema cair, o
que incentivou a empresa a investir em capacidade para processar um grande
volume de transações. Afinal, um negócio online que envolve grandes nomes
da música precisa de robustez para administrar a euforia dos fãs. “A internet é
o canal predileto para a compra de entradas para eventos como
TuBoleta.com
finais de campeonatos de futebol ou grandes shows internacionais”, diz. A empresa – com presença também no Peru e no Equador – realiza
vendas por meio de diferentes canais: dois presenciais (em 70 pontos de venda, mais bilheterias de vários teatros e estádios), além da venda por telefone e
internet. Do total de entradas que a Tuboleta vendeu em 2009, 27% foram por
via telefônica e 22%, pela web. Uma característica verificada é que as compras
feitas pela web se concentram nos ingressos de valor mais alto. Enquanto, somando todos os canais de venda, o valor médio de uma entrada é de US$ 15, a
média de preço de um ticket vendido pela internet é de US$ 30.
Junho, 2010 AméricaEconomia 77
I-BIZ
COMO QUEIMA DE ESTOQUE
Neste ano, o Despegar.com lançou uma promoção para a qual convenceu
hotéis da Argentina a reduzir em até 50% o valor das diárias e antecipar
as vendas de temporada através do portal. Tal estratégia não foi isolada.
Desde a sua criação, nos anos 1990, essa agência de viagens busca aumentar a participação de estadia e pacotes turísticos em suas vendas.
“A ideia é que, dentro de poucos anos, eles representem 50% do total”,
diz o argentino Cristian Vilate, co-fundador e vice-presidente da Hoteles
Despegar.com para a América Latina. A preocupação
Despegar.com
da empresa se justifica. Hoje, a venda de passagens de
avião, que representa 80% das transações feitas pelo site, já não oferece
a mesma rentabilidade de anos atrás, sobretudo porque as próprias companhias aéreas passaram a buscar a internet para fortalecer suas vendas
diretas, reduzindo as comissões pagas às agências. “Esse é um negócio
que só vale a pena em escala”, diz Vilate. A empresa fechou 2009 com um
volume de transações próximo dos US$ 500 milhões e espera chegar aos
US$ 900 milhões em 2010. O mercado brasileiro, no qual a empresa atua
por meio da marca Decolar.com.br, é o maior da operação, respondendo
por mais de 40% dos negócios da companhia. No país, são superados apenas pelo site SubmarinoViagens.com, filial do gigante B2W. O México é seu segundo mercado, com 20% das vendas, seguido pela Argentina, com 15%.
barreiras. Nada, entretanto, que não
possa ser superado, e cada novo avanço permitirá o aumento do volume de
bens e serviços que nossas economias
movimentam pela web.
METODOLOGIA
As estimativas da AméricaEconomía
Intelligence para a elaboração deste estudo, relativas aos anos de 2008 e 2009,
foram feitas a partir das informações
Os brasileiros de alto poder aquisito
têm aproveitado a valorização do real
para comprar pela internet produtos que
ainda não chegaram nas lojas do país
DINHEIRO ELETRÔNICO
Meio de pagamento preferido
Fonte: TGI 2009
CARTÃO DE
CRÉDITO
75%
CARTÃO DE
DÉBITO
13%
CONTRA
ENTREGA
TRANSFERÊNCIA
CHEQUE
% 0
7%
3%
1%
10
20 30
40 50
60
78 AméricaEconomia Junho, 2010
70
80
fornecidas por fontes oficiais de cada
país (câmaras ou associações de comércio eletrônico), homologadas e complementadas por análises industriais,
relatórios fi nanceiros de grandes empresas e análise de especialistas, além
de informações fornecidas por duas
pesquisas: a “TGI 2009”, da consultoria
KMR, realizada em uma amostra representativa de 24.433 entrevistados, em
oito países da região, durante 2009; e
outra feita em maio, pela AméricaEconomía Intelligence, com 2,3 mil leitores
da revista AméricaEconomia. Para os
países que não têm órgãos que forneçam dados estatísticos sobre o setor,
a AméricaEconomía Intelligence realizou estimativas próprias, tendo em
conta outras variáveis relacionadas às
vendas pela web.
Para fi ns deste estudo, defi nimos
como comércio eletrônico a consumidores (B2C) as transações comerciais que
são fechadas pela internet e derivam
em pelo menos uma ordem de compra
cujo destinatário seja uma pessoa física. Isso inclui transações realizadas
entre consumidores e empresas de varejo, de turismo e companhias aéreas; entre outros consumidores (C2C); e
transações com o governo (pagamento
de impostos online). Os valores em dólares foram obtidos utilizando a taxa
de câmbio válida para o último dia de
cada ano respectivo.
Agradecemos a colaboração das
seguintes fontes de informação: Amipci, Camara-e.net, Cace, Cavecom, CCS,
FMI, Ilce, ITU, World Internet Statistics,
Unctad, Cepal, Organização Mundial
do Turismo, Câmara Colombiana de
E-Commercio, Capece, Direção Geral
do Comércio Eletrônico do Panamá,
Camtic, Tendencias Digitales, entre
outros especialistas e líderes na área
de comércio eletrônico na região, que
nos ajudaram a obter as informações
necessárias para essa pesquisa.