Síndrome de Turner

Transcrição

Síndrome de Turner
Apresentando uma Síndrome - Editado por Claudette H. Gonzalez
Presenting a Syndrome
Síndrome de Turner
Turner's Syndrome
Claudette H. Gonzalez1
Resumo
A autora apresenta a Síndrome de Turner comentando o quadro clínico, o diagnóstico, o
tratamento e os aspectos genéticos.
Somente em 1959, a Síndrome que Turner descrevera - infantilismo sexual, pescoço alado e
cubito valgo, aos quais posteriormente se acrescentara a disgenesia gonadal - teve sua base
cromossômica definida. Citogeneticamente caracteriza-se pela presença de apenas um
cromossomo X funcionante: o outro X pode estar
ausente, ser anormal ou pode haver mosaicismo
A Síndrome de Turner ocorre em cerca de l para
2.500 nascimentos em meninas nativivas.
características habituais nas afetadas pela
síndrome. A baixa implantação do cabelo na nuca
ocorre em 75% dos casos e nessa mesma porcentagem é observada a presença de unhas
hipoplásicas, hiperconvexas e situadas profundamente. Há também um número excessivo de
nevus cutâneos, que tendem a surgir tardiamente na infância. Observa-se uma tendência aumentada à formação de quelóides e cicatrizes
hipertróficas. Um grande número de pacientes
tem dermatite seborréica e pele ressequida. Pode
ocorrer hirsutismo facial, ao passo que os pelos
axilares e pubianos sào muitos diminuídos.
O tórax tem forma de barril, com aumento do
diâmetro ântero-posterior; os mamilos sào muitos
separados (hipertelorismo mamario) e as mamas
sào hipoplásicas. Os genitais externos são geralmente normais na infância6.
Crescimento
Generalidades (ftgs. 1,2,3 e 4)
Na menina recém-nascida o diagnóstico da
Síndrome de Turner é sugerido freqüentemente
pelo baixo peso de nascimento (em 50% dos casos inferior ao 3Q percentil), estatura baixa, excesso de pele na nuca e linfedema periférico.
Com o crescimento o excesso de pele se transforma no pterígeo do pescoço, que existe em
50% dos casos; com a melhora da circulação linfática profunda, o edema periférico desaparece
gradualmente.
Pregas epicânticas, ptose palpebral, proeminência dos pavilhões auriculares e micrognatia sào
A estatura média de nascimento é de 48 cm nas
afetadas pela síndrome e o peso médio, de 2.800g,
cerca de 500 g inferior ao normal. Geralmente, o
crescimento das meninas é lento nos primeiros
anos de vida, permanecendo entre os percentis 3
e 10 para a altura; ao redor dos 10 anos costuma
estar no percentil 3 ou abaixo dele.
Vários estudos relatam a estatura final para adultas com Síndrome de Turner, não medicadas, na
faixa de 1,22 m a 1,52 m, estando a média entre
1,42 e 1,46 m. O peso das afetadas é aumentado
quando comparado ao normal, particularmente
após os 12 anos13. A maturação é geralmente lenta e a idade óssea costuma estar atrasada em 1,5
a 2 anos.
Instituto da Criança "Prof. Pedro de Alcantara" do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo. Unidade de Genética Clínica.
l Professora Associada do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FMUSP.
A normalidades cardiovasculares
Aproximadamente 80% dos recém-nascidos com
Síndrome de Turner nascem com linfedema, especialmente no dorso das mãos e dos pés. Acredita-se que esse linfedema seja devido à
Características clinicas
hipoplasia congênita, maturação tardia e atraso
na canalização dos canalículos linfáticos. A persistência de sacos linfáticos embrionários (depois
higromas císticos) na fase intrauterina, resulta em
grave linfedema. Ao nascimento o higroma cístico
geralmente já desapareceu, permanecendo pregas
de pele no pescoço. O edema periférico diminui
na infância, restando dedos levemente
edematosos.
A coartação da aorta ocorre em 20% das pacientes
com Síndrome de Turner e por isso em todas,
deve-se procurar hipertensão. Recomenda-se
também a realização de estudos cardiológicos nas
afetadas para descartar anomalias estruturais cardíacas e aórticas. Trinta por cento das afetadas
têm valvas aórticas, bicúspides e 25% prolapso
da valva mitral 9 . Qualquer paciente com
coartação, valva aórtica bicúspide ou hipertensão,
deve ser avaliada anualmente, pelo grande risco
de desenvolver aneurismas da aorta.
Outras má-formaçòes vasculares cómo
teleangiectasia intestinal, hemangiomas,
linfangiectasias e ectasias venosas9, têm sido relatadas na Síndrome de Turner, assim como1 raros
casos de enteropatia perdedora de proteínas, devido a linfangiomas gastrintestinais e 'de derrame
quiloso no ábdome e no tórax.
Anormalidades do trato genitourinario
Urna grande porcentagem das pacientes afetadas
com a síndrome - de 30 a 60% - apresentam
anormalidades renais estruturais ou de
posicionamento. Rins em ferradura são encontrados em 10%, sistema coletor duplo ou ausência
de um rim em 20% e marotação em 15%. Cerca
de 10% das adultas com a Síndrome de Turner
tem hidronefrose*.
Assim que o diagnóstico da síndrome tenha sido
feito, deve-se realizar uma ultra-sonografia de
abdome para observar as estruturas renais e do
sistema coletor.
Anormalidades esqueléticas
Incluem o cotovelo valgo em cerca.de 75% e o
encurtamento do IV metacarpiano em 50% dos
casos. Falanges distais curtas, angulaçào dos
ossos do carpo, fusão dos ossos do carpo e
deformidade de Madelung são as anomalias
observadas mais comumente nos membros superiores. A deformidade do cóndilo medial da
tíbia, a luxação congênita do quadril podem
também ser encontradas nas afetadas pela
Síndrome de Turner, assim como escolióse e a
ausência da lordose lombar. Mais raras são a
spina bífida, a fusão vertebral e a costela
cervica7. A osteoporose ocorre com freqüência
aumentada e numa etapa mais precoce nas
mulheres afetadas.
Outros Problemas observados nas atetadas com
a Síndrome de Turner dizem respeito às doenças
autoimunes. O hipotireoidismo autoimune é encontrado em 20 a 30% das adultas afetadas pela
síndrome e parece haver um risco aumentado
para a tireoidite de Hashimoto e a doença de
Graves". O diabetis melito ocorre em 5% das
afetadas, sendo que 25 a 60% das mesmas apresentam um teste de tolerância à glicose anormal.
Doenças inflamatorias intestinais como a enterite
regional e a colite ulcerativa ocorrem mais
freqüentemente nas afetadas.
Quanto às dificuldades de aprendizado , as pacientes afetadas pela Síndrome de Turner apresentam um risco aumentado para problemas com
a conceitualização das relações espaciais e com
as habilidades numéricas. Nos testes de inteligência, o QI total observado está na média ou é
superior à média.
As pacientes com Síndrome de Turner que são
mosaicos para o cromossomo Y (45, X/46, XY)
têm um risco superior ao da população geral
para tumores do trato reprodutivo. O risco para
gonadoblastoma pode ser de até 25%3 e estes casos devem ser submetidos à cirurgia para
estirpaçào das gônadas, para evitar virilização ou
malignização das mesmas.
Diagnóstico
No recém-nascido, o diagnóstico da Síndrome de
Turner é sugerido pelo tamanho pequeno, pelo
linfedema das mãos e pés e pela presença de
pele excessiva no pescoço. Na criança, uma baixa
estatura inexplicada associada a qualquer dos sinais físicos característicos da síndrome pode indicar o diagnóstico. Especificamente, em qualquer menina com baixa estatura, sem outro diagnóstico conhecido, deve ser considerada a
Síndrome de Turner. Em uma adolescente, a
amenorréia primária levanta a hipótese da
síndrome.
O diagnóstico não deve ser baseado apenas no
esfregaço oral (contagem da cromatina X). O diagnóstico da Síndrome de Turner é estabelecido
apenas pelo estudo cromossómico, feito geral-
mente após cultura de leucocitos do sangue periférico. Faz-se o diagnóstico quando uma porção ou todo um cromossomo X está ausente em
algumas ou todas as células do tecido estudado.
Cerca de 50% dos pacientes com Síndrome de
Turner tem apenas células 45,X. De 12 a 20%
dos mesmos têm um isocromossomo X (duplicação de um braço do cromossomo X com perda
do outro braço). Aproximadamente 40% dos pacientes apresentam mosaicismo, isto é, presença
de duas ou mais linhagens celulares
cromossQmicamente diferentes em relação à
constituição dos cromossomos sexuais2. Do grupo total destes últimos, 10 a 15% apresentam
mosaicismo 45,X/46,XX e cerca de 4% mosaicos
45X/46,XY. De um modo geral, quanto maior a
porcentagem de células com 2 cromossomos X
normais, menos características clínicas de Turner
são observadas.
Indivíduos 45,X/46,XY podem apresentar um
amplo espectro clínico, indo desde a presença
de estigmas típicos da síndrome até o fenotipo
masculino normal 1 . A presença de um
cromossomo Y é extremamente importante porque pode predispor os afetados pela Síndrome de
Turner a desenvolver gonadoblastomas nas estrías gonádicas.
Diagnóstico Prè-natal
Embriões e fetos afetados pela Síndrome de
Turner são reconhecidos no útero, especialmente
nas gestações em que a ultra-sonografia é realizada. A presença de edema fetal ou iiidropsia
sugere o diagnóstico. A identificação de uma
massa com septações na nuca reforça essa suspeita5. Deve-se realizar o estudo cromossômico
do vilo corial ou do líquido amniótico para confirmar ou excluir o diagnóstico da Síndrome de
Turner ou de outra anomalia 'cromossômica,
sempre que houver hidropsia fetal ou elevação
da alfa-fetoproteina no líquido amniótico.
Diagnóstico Diferencial
A Síndrome de Turner deve ser diferenciada da
síndrome de Noonan, que se caracteriza pela
presença de pterígeo no pescoço, encurtamento
no tronco e edema linfangiectásico das extremidades. Deve-se também diferenciá-la da síndrome
dos pterígeos múltiplos e do linfedema congênito
hereditário ou doença de Milroy.
Genética e outras Considerações
Através de dados obtidos por estudos
cromossômicos de abortos espontâneos, estimase que o cariótipo 45,X compreende 1% de todas
as concepções humanas. Calcula-se também que
98 a 99% dessas gestações abortam espontaneamente.
Do total dos abortos ocorridos no primeiro trimestre da gestação cerca de 25% têm o cariótipo
45,X".
A Síndrome de Turner ocorre em cerca de l/
2500 recém-nascidos vivos do sexo feminino e
em 50% deles há monossomia completa do
cromossomo X. Isto se deve mais habitualmente
a uma nào-disjunçào meiótica no processo da
gametogênese paterna ou materna ou, nimia, a
um erro mitótico pós-xigótico. Sessenta a 75%
dos indivíduos nascidos com Síndrome de Turner
perdem o cromossomo X derivado paternalmente. Há algumas sugestões de que as concepções
em que há 46 cromossomos com a presença de
um isocromossorno X têm menor mortalidade
que as concepções 45,X'.
O risco de ter uma criança com Síndrome de
Turner nao parece estar correlacionado corn idade materna avançada. A síndrome nao é familiar
e nào há risco aumentado para as mulheres que
já tiveram uma criança afetada de ter outra com
Síndrome de Turner, abortada ou viva, ou outra
criança cromossomicamente anormal.
Há raros casos de fertilidade em mulheres 45,Xh;
ocorrem mais em afetadas corn Síndrome de
Turner mosaico ou com deleçào do cromossomo
X. Parece haver uma incidência aumentada de
nào-disjunçào para ambos os cromossomos se-
xuais e para os autossomos nas gestações de todos os tipos de Síndrome de Turner. O diagnostico pré-natal deve ser oferecido a toda afetada
pela síndrome que engravide.
Prognóstico e Tratamento
O prognostico é bom quanto à sobrevida, sempre
que nào existirem hipertensão ou anomalias do
tipo cardiovascular.
Como conseqüência da baixa estatura e do
infantilismo sexual, podem surgir problemas psicológicos.
Ao nascimento, as gõnadas dos afetados pela
Síndrome de Turner apresentam-se corno fitas
fibróticas substituindo o tecido ovariano. De 5 a
15% das afetadas tem puberdade espontânea, o
que é menos provável nos casos de cariótipo
45,X'-. Nos casos em cjue a puberdade nào ocorre, deve ser feita a terapêutica hormonal. Feita
inicialmente com estrógeno, essa terapêutica leva
ao desenvolvimento de tecido endometrial e ao
início dos ciclos menstruais. A partir daí, combinações de estrógeno mais progesterona devem ser
indicadas mensalmente. É importante nào utilizar
dosagens altas de estrógeno pois o crescimento
linear pode ser inibido durante a indução da puberdade. Baixas doses de estrógeno no início e
aumentos progressivos permitirão às meninas com
Síndrome de Turner alcançar maior estatura12.
É recomendada a manutenção da terapêutica
estrógeno-progesterona nas mulheres afetadas até
cerca de 50 anos no sentido de prevenir a
osteoporose e a arteriosclerose na menopausa.
intervenções cirúrgicas para a correção do
pterígeo do pescoço são recomendadas ainda na
infância para minimixar problemas psicológicos.
O aconselhamento genético fornece às afetadas
e suas famílias informações de tal sorte que eles
possam conhecer suas opções e tomar decisões.
As informações a serem transmitidas devem incluir dados sobre o diagnóstico, a história natural
da doença, seu risco de recorrência, tratamento
e prevenção de complicações.
Summary
Turner's Syndrome is presented with emphasis
in clinical data, diagnosis, treatment and genetic
aspects.
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Aceito para publicação em 13 de setembro
de 1991.
Endereço para correspondência
Profo. Claudette H. Gonzalez
Instituto da Criança
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647
São Paulo-SP
CEP 05413

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