Politica_agricola_diferenciada
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Politica_agricola_diferenciada
25/01/12 politica Publicado no livro Reforma da Política Agrícola e Abertura Econ mica, editado por Erly Cardoso Teixeira e Wilson C. Vieira, Viçosa, MG: IFV-FAPEMIG, 1996, pp. 31-47 POL TICA AGR COLA DIFERENCIADA José Eli da Veiga USP-FEA-Dep.Economia [email protected] VIII SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE POL TICA AGR COLA Painel 1: Globalização da Economia e Reforma da Política Agrícola , Dep. Economia Rural/UFV, Viçosa, MG, 16-17 Outubro 1996 zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 1/18 25/01/12 politica POL TICA AGR COLA DIFERENCIADA José Eli da Veiga, USP/Economia [email protected] Advertência introdutória Antes de tudo, é preciso notar que o título deste VIII Seminário Internacional de Política Agrícola opõe agricultura comercial e familiar . Trata-se de um equívoco, zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 2/18 25/01/12 politica pois o contrário de comercial é a subsistência, ou a autarcia, estados que nem de longe podem caracterizar a agricultura familiar contemporânea. Estabelecer essa dicotomia é contradizer todas as experiências de desenvolvimento do século 20 e, mesmo, as evidências disponíveis sobre o subdesenvolvimento brasileiro. Se viesse a se basear nesse tipo de dualismo, a diferenciação da política agrícola seria desastrosa. Por isso, este texto está dividido em três tópicos. Primeiro chama-se a atenção para alguns fatos da experiência histórica dos países desenvolvidos. Em seguida, destaca-se alguns dados estatísticos disponíveis sobre a estrutura da agropecuária brasileira. Depois discute-se a recentíssima introdução da agricultura familiar na agenda política nacional. 1. A opção pela agricultura familiar nos pa ses desenvolvidos A predominância da agricultura familiar durante o século 20 pode ser constatada em todos os países considerados desenvolvidos. No leste asiático essa afirmação só se consolidou com as radicais reformas agrárias do pós-guerra. Mas em todos os outros países do primeiro mundo , as elites dirigentes não demoraram tanto para perceber as desvantagens econômicas e sociais da agricultura baseada no trabalho assalariado[1]. Desde o início do século 20, adotaram políticas que favoreceram a progressiva afirmação da agricultura familiar. Nos Estados Unidos, essa opção pela agricultura familiar foi até anterior. Durante a primeira metade do século 19 havia prevalecido a opinião conservadora, segundo a qual as terras públicas deveriam ser vendidas em grandes glebas, a preços altos e pagas a vista. Imensos domínios foram comprados em leilões por muitos especuladores. Mas, aos poucos, o sistema de atribuição das terras foi sendo liberalizado, num processo doloroso e cheio de idas e vindas. E durante a Guerra Civil, quando a rebelião do sul deu maioria parlamentar ao jovem partido Republicano, surgiu a famosa Homestead Law, que visava a distribuição de lotes de 160 acres à famílias de colonos. Na década de 1870 houve um verdadeiro boom colonizador na linha Minnesota-Dakota-Nebraska-Kansas. Nos anos 1890, os assentamentos pioneiros já cobriam grande parte do oeste de Nebraska e do leste do Colorado, assim como o oeste do Kansas. Na luta contra a grilagem dos barões de gado, pipocaram conflitos entre cowboys e sod-busters, mundialmente popularizados pelos westerns . Mas nada poderia segurar aquela multidão de sem-terra europeus que cruzou o Atlântico. Estabeleceram-se no noroeste, em algumas áreas do oeste texano e até na Califórnia, onde ficaram com os piores solos, pois os melhores já haviam sido apropriadas nos anos 1850. E, entre 1866 e 1900, a produção de trigo foi quase quadruplicada, a de milho aumentou 3,5 vezes, a de cevada 6,5 vezes e a de algodão 5 vezes. Nesses 34 anos o rebanho bovino dobrou e o suíno aumentou 50%. zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 3/18 25/01/12 politica O caráter essencialmente familiar da agricultura americana não parou de se afirmar. Contrariamente ao que muitos pensam, as corporações continuam a ser exceção. O último Censo Agropecuário indica que sua participação nas vendas do setor é declinante, representando apenas 6% em 1992 (US$9,8 bilhões). As vendas das sociedades de tipo familiar aumentaram, chegando a 21% (US$34,4 bilhões). A tradicional agricultura familiar foi responsável por 54% da produção comercializada (US$87,9 bilhões). E os restantes 19% (US$30,5 bilhões) referem-se a outras formas societárias que não podem ser rigorosamente classificadas como familiares ou patronais. (Hoppe,1996) Ou seja, mesmo a tremenda evolução organizacional da agricultura americana neste século não chegou a alterar significativamente seu caráter essencialmente familiar. 2. A op ão inversa no Brasil O Brasil é um dos exemplos mais chocantes da opção inversa, isto é, de desprezo e intolerância em relação à agricultura familiar. Com a exceção do fluxo colonizador que partiu do extremo sul e permitiu sua afirmação até o sudoeste do Paraná, o padrão agrário das demais regiões teve características semelhantes às que predominaram no Leste europeu. Ao contrário da aristocracia britânica, que acabou se livrando de seus domínios durante a primeira guerra mundial, os senhores do Leste preferiram impedir que suas populações rurais tivessem acesso à propriedade da terra. A rigor, o sistema agrícola brasileiro começou a surgir com o complexo cafeeiro, no final do ciclo britânico. Antes, as atividades agropecuárias não haviam chegado a formar qualquer nexo sistêmico. E a maneira como as elites dirigentes aboliram a escravidão e importaram colonos para as lavouras de café teve o mesmo sentido histórico da segunda servidão do Leste europeu. Houve um amplo pacto para impedir que os negros e os imigrantes europeus e japoneses tivessem acesso à terra. Foi preciso esperar a crise de 29, e a longa depressão que se seguiu, para que uma parte do colonato pudesse comprar os lotes colocados a venda por fazendeiros falidos. Paralelamente havia se formado um imenso excedente populacional que logo passou a exercer forte pressão para ter acesso à terra. E, no início da década de 60, as ligas camponesas nordestinas, junto com os movimentos de sem-terra sulistas, quase levaram o governo de João Goulart a optar pela agricultura familiar. Durante os 20 anos de ditadura militar a saída encontrada pela população rural excedentária foi o movimento migratório, principalmente para as regiões de fronteira, onde procuravam se fixar como posseiros. No entanto, a política de ocupação do oeste, por meio de incentivos fiscais, reduziu o alcance dessa válvula de escape. E a escolha da cana-de-açúcar como única cultura do Proálcool ajudou os grandes fazendeiros a avançarem ainda mais sobre as terras da jovem agricultura familiar do sudeste. Assim, em meados dos anos 80, quando se iniciou a redemocratização, o zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 4/18 25/01/12 politica sistema agropecuário brasileiro tinha uma estrutura em flagrante contraste com a experiência dos países que conseguiram se desenvolver durante o século 20. O último instantâneo da agricultura brasileira, tirado em 1985, indicou, entretanto, que a agricultura familiar resistiu, apesar da opção contrária das elites dirigentes. Pode-se dizer que, naquele ano, metade dos estabelecimentos agrícolas brasileiros eram familiares (ver tabela 1) É preciso enfatizar que esses quase 3 milhões de estabelecimentos familiares não tinham nada a ver com a idéia muito difundida sobre a agricultura “de subsist ncia” (e que está embutida no dualismo temático deste seminário, ao opor familiar a comercial ). Isto fica bem claro quando se procura estimar a Renda Monetária Bruta dos estabelecimentos não-patronais[2]. Calculando-se as RMB média e mediana para cada unidade geográfica - das Micro às Grandes Regiões pode-se obter um estrato inferior formado pelos 50% mais pobres; um estrato superior formado pelos estabelecimentos com RMB superior à média; e um estrato intermediário situado entre a mediana e a média. Esses três estratos podem ser batizados de "A", "B" e "C", segundo as indicações abaixo: Estrato Nível de RMB A Acima da média da unidade geográfica B Entre a média e a mediana da unidade geográfica C Abaixo da mediana da unidade geográfica A tabela 2 indica que - em termos agregados para todo o Brasil - os estratos A e B, os mais representativos da agricultura familiar, tinham níveis médios de RMB que estavam longe de permitir qualquer tipo de assimilação com uma agrigultura “não-comercial”, como sugere o título deste seminário. Mas é fundamental examinar, também, os enormes contrastes regionais. Principalmente porque, no Nordeste, apenas um quarto dos estabelecimentos não-patronais alcançava níveis razoáveis de RMB e, mesmo assim, bem abaixo das outras regiões. Mas também, porque no Norte e no Centro-Oeste, apesar dos bons níveis de RMB, a agricultura familiar ainda tinha a incipiência natural da dinâmica da fronteira (ver tabela 3). Ou seja, para enfatizar o caráter comercial da agricultura familiar, é importante focalizar as regiões Sul e Sudeste (tabelas 4 e 5). zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 5/18 25/01/12 politica Para o Estado de São Paulo há dados bem mais recentes no trabalho de Abramovay et.al.(1995). Em 1991, foi bem alta a participação relativa dos imóveis rurais não-patronais no valor da produção de atividades inequivocamente comerciais. Mais da metade do algodão (52%), quase metade da soja (43%) e 38% do café foram produzidos por esses não-patronais , muito embora tivessem apenas 34% da área total e participassem de apenas 33% do valor total da produção agropecuária paulista. (tabela 6) 3. A recente valoriza ão da agricultura familiar no Brasil Não só a política agrícola, mas também outras políticas governamentais que afetam a agropecuária, têm passado por mudanças profundas nos últimos meses. Talvez seja precipitado dizer que elas estão configurando um novo modelo de desenvolvimento. Mas pode-se afirmar, sem correr muito risco, que estão sendo superadas muitas das indefinições e desorientações que foram se acumulando nos últimos dez ou quinze anos. A extinção do ICMS sobre as exportações, por exemplo, pode ter um impacto imediato e muito efetivo sobre a agricultura familiar. O aumento das exportações certamente favorecerá a manutenção de postos de trabalho, principalmente em seus segmentos mais consolidados. Além disto, o fim do imposto também elevará alguns preços pagos ao produtor, já que as indústrias terão que gastar mais para evitar que algumas de suas matérias-primas sejam comercializadas no mercado externo.[3] Basta dizer que exportações de milho passam a ser competitivas, situação anteriormente impensável. Durante os meses de colheita, entre fevereiro e maio, os preços do milho já não cairão tão acentuadamente. As esmagadoras pagarão mais pela soja e a cafeicultura reconquistará mercados perdidos nos últimos sete anos. Também foram finalmente estabelecidas as prioridades de investimento público do governo federal. Em 42 projetos considerados prioritários deverão ser aplicados R$ 10,2 bilhões de recursos fiscais no biênio 1997/98. Pretende-se também captar mais R$ 3,7 bilhões junto às principais fontes de financiamento internacional. De 18 subconjuntos obtidos pela agregação dos valores globais de projetos similares, a “reforma agrária” surge em segundo lugar ( com R$ 7,2 bilhões) e o PRONAF em nono (com R$ 3,1 bilhões).[4] Será bem difícil cumprir tais metas de investimento. O Orçamento de 1996 previu uma dotação de R$ 6,3 bilhões para investimentos. Desse total, R$ 3,4 bilhões deveriam ter sido destinados a esses 42 projetos que passaram a ser considerados prioritários a partir da definição do Plano de Metas aprovado em 9 de Agosto de 1996. Até junho deste ano, porém, estes programas haviam recebido apenas R$ 231,8 milhões, o que representa 6% do total previsto no Orçamento. Mesmo o valor empenhado (que inclui recursos que ainda deverão ser liberados), R$ 933 milhões, representa apenas 27% da dotação orçamentária total. (Vaz,1996) zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 6/18 25/01/12 politica Além disso, os recursos necessários para o cumprimento do Plano de Metas no biênio 97/98 não estão previstos no Orçamento de 1997. Dos anunciados R$ 10,28 bilhões, o Orçamento destina apenas 3,8 bilhões para os 42 projetos. Para a Reforma Agrária , o Orçamento de 97 destina R$ 1,14 bilhão (contra a meta de R$ 3,86 bilhões para 97/98). Para irrigação, ele destina R$ 124 milhões (contra a meta de R$ 371,5 milhões para 97/98). (Vaz,1996) Isto significa que a execução do Plano dependeria de uma alocação de R$ 6,4 bilhões em 1998, ou de uma negociação com o Congresso de uma elevação da dotação orçamentária de 1997. E essas duas possibilidades são difíceis, pois o orçamento de 1997 prevê um total de R$ 7,7 bilhões para investimentos. (Vaz,1996) Essas contradições entre o Plano e os Orçamentos de 1996 e 1997 são muito sérias e permitem duvidar de que ele seja, de fato, exequível. Também permitem supor que os conflitos entre os grupos de interesse ligados a esses 42 projetos serão bem acirrados. Mas, atenção: nada disso anula a importância sinalizadora das metas de investimento estabelecidas pelo poder executivo (leia-se Ministério do Planejamento) para o próximo biênio. 3.1 Reforma Agrária As aspas são propositais. Na verdade, o que as circuntâncias políticas permitem, e o que está de fato na agenda política brasileira, não é reforma agrária, mas sim um programa de assentamentos, cuja meta é atingir 280 mil famílias no quadriênio 95/98 (70 mil/ano em média). Reformas agrárias sempre resultaram do isolamento político de oligarquias fundiárias, no âmbito de convulsões sociais, como a guerra civil americana, as duas guerras mundiais, várias revoluções e muitos golpes de Estado. Os programas preventivos e pacíficos de redistribuição de terras, além de raras exceções, foram, muito menos abrangentes e significativos. Basta comparar, por exemplo, o impacto sócioeconômico da reforma da Coréia do Sul e da reforma da Venezuela. A reforma que está em pauta no Brasil é de tipo venezuelano. A meta de assentar 70 mil famílias por ano é irrisória, se comparada ao estoque de terras subaproveitadas e à dimensão da pobreza rural. Mas é muito ambiciosa, se comparada às realizações de governos anteriores (tabela 7). O pior é que essa meta é simplesmente inatingível, devido aos entraves políticos, legais e intitucionais. zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 7/18 25/01/12 politica Qualquer assentamento começa pela obtenção de uma gleba, o que nunca foi fácil. Mas ficou quase impossível com a Constituição de 1988 e a legislação agrária complementar. No Brasil de hoje, a idéia de que o direito de propriedade é condicionado pela função social virou piada de mau gosto. Só é desapropriado quem quer e pode aguardar com calma a sentença judicial que lhe atribuirá uma indenização de valor escandaloso. Em certos casos, o assentamento de algumas famílias pode ficar mais caro que a construção de um hospital. Por isso, são raríssimos os assentamentos em que a terra não foi antes ocupada ou invadida . Só assim é que os sem-terra conseguem alguma coisa. O governo está sempre a reboque. O que não seria tão grave se ele chegasse com as necessárias ações de fomento, educação e assistência técnica. Mas nem isso o governo federal consegue fazer, porque o INCRA é um dos mais trágicos resultados da megalomania da ditadura militar. O pior é que seus funcionários são produto dessa cultura centralizadora e dificultam qualquer tentativa de delegar poderes a estados e municípios. Há, portanto, dois pré-requisitos para a execução desse programa de assentamentos que está sendo chamado de reforma . Primeiro, amparo constitucional para as desapropriações por interesse social. Segundo, transferência das atuais atribuições do INCRA aos Institutos de Terra estaduais. É com eles que os sindicatos de trabalhadores agrícolas, as prefeituras e outras entidades locais podem aumentar e consolidar os assentamentos. Só esse tipo de mutirão melhora o desempenho dos assentados. Como não existem as condições objetivas para que o governo realize essas reformas constitucional e administrativa, o mais provável é que continue contabilizando como assentamento qualquer título entregue a posseiro. Mas é ingênuo pensar que mesmo esse arremedo de reforma não sai por falta de vontade política, como diz muita gente da oposição. Ao contrário, mesmo que o governo FHC conseguisse apenas assentar um pouco mais que o governo Sarney, isto já seria um grande trunfo eleitoral para os partidos da aliança governamental. 3.2 P onaf e Plano de Saf a 1996/97 Uma política agrícola diferenciada para a agricultura familiar começou a emergir com o Decreto 1.946, de 28 de Junho de 1996, que criou o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Não é mais uma simples diferenciação nas normas de crédito rural para pequenos produtores . Além de uma nova concepção do financiamento da produção dos agricultores familiares e de suas organizações, trata-se de uma estratégia de parceria entre eles, os Governos Municipais, Estaduais e Federal e a iniciativa privada na aplicação de recursos destinados também à melhoria da qualidade de vida, ao aprimoramento profissional, à adoção de tecnologia, à adequação e implantação de infra-estrutura, etc. Em 1996, foram alocados para o programa R$ 1 bilhão, dos quais R$ 200 milhões para custeio e R$ 800 milhões para zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 8/18 25/01/12 politica investimentos. O decreto estipulou básicamente que o PRONAF será constituído por organismos co-particpantes, cujas ações confluirão para Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural - CMDR, e Conselhos Estaduais e Nacional do PRONAF. Paralelamente, as medidas creditícias do Plano de Safra 1996/97 (Votos CMN 125 e 126/96 - Resoluções BACEN 2296/96) mantiveram a equivalência-produto apenas para os recursos aplicados no PRONAF, estabeleceram encargos financeiros de 9% ao ano para custeio de até R$ 5.000,00 por beneficiário e TJLP mais 6% ao ano (50% de rebate no pagamento) para investimento individual de até R$ 15.000,00 e coletivo de até R$ 75.000,00. As resistências estruturais da rede bancária logo se manifestaram. A CONTAG denunciou que o BB estaria restringindo financiamentos do Pronaf às culturas da cesta básica, impondo limites mínimos de área, cobrando taxas indevidas e financiando apenas clientes. Outra denúncias referiam-se a gerentes que estavam exigindo garantias reais, apesar do crédito do Pronaf ser o único que manteve o respaldo governamental por meio da equivalência produto (subentende-se que com direito a EGF/COV). Para o BB, os custos operacionais do Pronaf seriam muito elevados: R$ 50 a serem pagos pelo Tesouro a cada contrato assinado. Por tudo isso, o governo anunciou no dia 5 de setembro de 1996 a descentralização operacional e financeira do Pronaf para estados e municípios, o que significará a participação dos bancos estaduais e cooperativas na liberação de suas linha de crédito. Dois dias depois o presidente do BB, Paulo César Ximenes, informou a intenção de diminuir peso da agricultura em sua carteira, sem reduzir o montante destinado à atividade [5]. É muito cedo para ter uma avaliação do PRONAF, uma vez que sua complexa implantação mal começou. Mas algumas observações já podem ser feitas a respeito de sua linha de crédito: (a) supondo que o valor médio dos contratos de custeio fique entre R$ 2.000,00 e R$ 3.000, o programa atingiria, em 1996, uns 80 mil agricultores. (b) supondo que todos os recursos para créditos de investimento fossem individuais é que o valor médio dos contratos girasse em torno de R$ 10.000,00, o programa atingiria, também, uns 80 mil agricultores. É um bom começo. Mas não se pode esquecer que existem uns 3 milhões de agricultores familiares no Brasil (tabela 1). 3.3 Diretri es para efetivar o Pronaf [6] É preciso abrir novas oportunidades de expansão e/ou reconversão produtiva para o maior número possível de estabelecimentos que se encontrem na categoria transitória. No âmbito das políticas agrícola e agrária, o desenvolvimento da agricultura familiar exigirá novos programas em três grandes domínios prioritários: fundiário, creditício e educacional. zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 9/18 25/01/12 politica 3.3.1 no dom nio educacional Contrariamente ao padrão tecnológico da "Revolução Verde", que orientou a chamada "modernização conservadora", o que vem emergindo em reação à forte pressão ambiental não poderá ser resumido ao um mero "pacote" acompanhado de receitas simples sobre o uso de insumos básicos. O novo padrão tende a reforçar o caráter versátil da atividade agrícola, tendo como principal insumo o conhecimento. Não será possível acompanhar essa mudança com o atual ambiente educacional à disposição dos agricultores. E por ambiente educacional entende-se, aqui: (a) o ensino regular básico oferecido nas escolas rurais; (b) a quase inexistente formação profissional; (c) as redes de extensão e/ou assistência técnica, e suas relações com o sistema de pesquisa agropecuária. a) Ensino básico: Constata-se a necessidade de uma profunda reforma da escola rural e aponta-se algumas experiências que poderão ser de extrema valia no planejamento dessa reforma. Em tais experiências procura-se uma total imbricação de duas dimensões que costumam estar bem separadas no ambiente urbano: ensino básico e formação profissional. Além disso, essas experiências acabam por forjar, também, esquemas eficientes para uma melhor relação entre os agricultores e os profissionais que prestam assistência técnica, sejam eles das redes oficiais ou das cooperativas. Daí a importância de não separar artificialmente propostas sobre o ensino básico de propostas relativas à formação profissional e à assistência técnica/extensão rural. b) Formação profissional: Quem oferecerá formação aos milhões de brasileiros que vivem e trabalham em estabelecimentos de caráter familiar? Falta uma solução de massa para atender às necessidades simples de uma grande quantidade de agricultores. Quem poderá resolver este problema ? Deve-se pensar em um modelo que possa aliar as lições das experiências pedagógicas de alternância, às vantagens da organização institucional tipo SENAI. A principal recomendação é, portanto, que o Ministério da Agricultura constitua uma comissão de alto nível, com participação sindical e cooperativa, encarregada de estudar essas experiências e propor uma completa reforma do sistema educacional rural. c) Assistência técnica/extensão rural e pesquisa: É difícil imaginar que as redes de assistência técnica estatais possam ser remontadas e desenvolvidas para que venham a ajudar uma boa parte dos agricultores familiares. Por isso, é necessário procurar um novo caminho, que evite os problemas anteriores. Os sistemas de assistência técnica montados pela administração pública já deram o que tinham que dar. É hora de superá-los. Grupos organizados de agricultores podem contratar seus próprios técnicos e levá-los a atuar de maneira mais eficaz do que os técnicos empregados por órgãos públicos. Em algumas regiões do Brasil os agricultores familiares se organizam em grupos para realizar empreendimentos bem mais complexos. Isto permite pensar que, com algum incentivo, poderiam iniciar um movimento semelhante que, em futuro próximo, lhes garantisse uma forma autônoma de assistência técnica e de gestão. As agências financiadoras certamente estarão mais dispostas a conceder uma boa ajuda para a decolagem de grupos de agricultores com essa finalidade, do que zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 10/18 25/01/12 politica apoiarem projeto de reforma e expansão das redes de assistência técnica estatais, mesmo que municipalizadas. Diz-se que a EMBRAPA possui estrutura organizacional e recursos humanos capazes de levar adiante o processo de geração de tecnologias para a sustentabilidade da agricultura. O que se constata, entretanto, é que a mudança de orientação científica embutida na valorização da sustentabilidade será um lento processo que mal começou. Os mandatos, estrutura organizativa, métodos, procedimentos e mentalidades do setor p blico agropecuário, do qual faz parte o sistema de pesquisa, surgiram em contexto no qual imperava reduzida valorização dos recursos naturais. Há um rápido crescimento de organizações da sociedade civil que associam produtores agrícolas e técnicos preocupados com a sustentabilidade. Elas estão tendo cada vez mais influência no processo de mudança de orientação, sendo bem provável que venham a se tornar componentes importantes do novo sistema institucional. 3.3.2 no dom nio fundiário: Favorecer a aquisição dos recursos fundiários disponíveis no mercado fundiário rural por jovens agricultores familiares com boas perspectivas profissionais, permitindo, simultaneamente, diversas formas de planejamento e gestão sócio-ambiental do espaço agrário. É muito comum que terras ofertadas no mercado fundiário rural por agricultores que estão se transferindo para outra região, ou que estão saindo do ramo (caso típico dos que se aposentam sem ter sucessores), sejam adquiridas por agentes não-agrícolas ( como comerciantes, imobiliárias, profissionais liberais etc.) ou grandes fazendeiros, sem que seja oferecida qualquer oportunidade de compra pelos mais necessitam desses ativos: os agricultores vizinhos. No entanto, a sociedade ganharia mais se houvesse alguma forma de aumentar as chances de que essas terras fossem transferidas a agricultores da categoria transitória, principalmente aos jovens. Para que um programa de ordenamento agrário tenha eficácia, os governos federal e estaduais devem ter um papel estritamente normativo, deixando a competência operacional para iniciativas intermunicipais que favoreçam a participação ativa das organizações da sociedade civil na esfera local. Ou seja, o controle efetivo da evolução agrária de uma microrregião deve ser exercido pela sociedade, por meio de suas organizações locais, governamentais e não-governamentais. Para isso é imprescindível, entretanto, que tais iniciativas tenham, não só legitimidade, mas, também, efetiva capacidade de intervenção no mercado de terras rurais. 3.3.3 no dom nio credit cio: Uma forma decisiva de apoio seria a montagem de uma linha especial de cr dito de investimento zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 11/18 25/01/12 politica especificamente voltada ao jovem agricultor familiar. Isto é, um programa mais abrangente de apoio ao desenvolvimento global integrado de estabelecimentos familiares dirigidos por jovens agricultores de reconhecida capacitação profissional. Por desenvolvimento global integrado entende-se, aqui, a execução de planos de expansão, reorientação ou reconversão do sistema de produção praticado em determinado estabelecimento. Ou seja, aponta-se para a necessidade de um esquema mais abrangente de financiamento, que estimule o enfoque sistêmico no planejamento e gestão dos estabelecimentos familiares, particularmente no que se refere à integração vertical agricultura-pecuária. TABELAS Tabela 1 - Proposta de sinopse indicativa da estrutura da agropecu ria brasileira, 1985 Estabelecimentos Nº % (milhares) Patronais 580 10 - consolidados 1 160 20 - de transição 1 740 30 Franja perif rica 2 320 40 Total 5 800 100 Familiares: Fonte: Veiga (1995b) zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 12/18 25/01/12 politica Tabela 2 - Renda Monetária Bruta (RMB) média e per capita, em salários mínimos por ano (sm/a), segundo o estrato, Brasil, 1985 (agregaç es) Estrato RMB média RMB per capita (sm/a) (sm/a) (*) A 52,7 13,8 B 11,5 3,5 C 0,9 0,3 Total 17,2 5,4 (*) do pessoal ocupado nos estabelecimentos Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1985 Tabela 3 - Renda Monetária Bruta Média (RMBm), em salários mínimos por ano (sm/a), dos estratos de Estabelecimentos Não-Patronais segundo as Grandes Regiões, Brasil, 1985 REGI ES RMBm A B C Todos Norte 55 17 4 22 Nordeste 25 5 0 8 Sudeste 119 17 -3 30 Sul 91 22 2 31 Centro Oeste 68 13 -6 19 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1985 zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 13/18 25/01/12 politica Tabela 4 - Renda Monetária Bruta (RMB), em salários mínimos por ano (sm/a) e rea Média (em ha) dos estratos de Estabelecimentos Não-Patronais segundo as Unidades da Federação, Região Sudeste, 1985 Estados RMB média (sm/a) rea média (ha) A B C A B C Minas Gerais 56 11 -1 37 20 18 Espírito Santo 129 31 3 30 21 16 Rio de Janeiro 76 14 -1 17 9 5 São Paulo 225 30 -8 38 18 18 Região Sudeste 119 17 -3 34 20 17 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1985 Tabela 5 -Renda Monetária Bruta (RMB), em salários mínimos por ano (sm/a) e rea Média (em ha) dos estratos de Estabelecimentos Não-Patronais segundo as Unidades da Federação, Região Sul, 1985 Estados RMB média (sm/a) rea média (ha) A B C A B C Parana 114 20 2 27 24 11 Sta. Catarina 99 28 6 29 18 14 R.G. do Sul 76 21 2 31 18 14 Região Sul 91 22 2 29 16 13 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1985 Tabela 6 - Participação Relativa dos Imóveis Rurais Não-Patronais no Valor da Produção das Principais Atividades Agrícolas, Estado de São Paulo, 1991 zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 14/18 25/01/12 politica Produtos Aves e Ovos Algodão Milho Soja Carnes (bov+sui) Feijão Café Arroz Leite Laranja Amendoim Cana TOTAL % 53,7 51,8 44,2 43,1 39,8 39,5 37,6 32,2 30,6 26,5 23,1 18,2 32,8 Fonte: Abramovay et.al.(1995) Tabela 7 - EVOLUÇÃO DA << Reforma Agrária >> FEDERAL 1964/84 - Colonização-Ditad. 1985/89 PNRA-Sarney 1990/92 1993/94 [1995/98] Collor Pl.Emerg.-Itamar (METAS do Go . FHC) Número de Famílias 115 mil 90 mil Média Anual 12,6 mil (280 mil) 6.300 (70.000) 5.500 18.000 Referências bibliográficas ABRAMOVAY, Ricardo (1990) "Agricultura familiar e capitalismo no campo", in: João Pedro Stédile (coord) A quest o agrária hoje, P. Alegre: Ed da Universidade: 1994, pp.94-104 ___________________ (1992) Paradigmas do capitalismo agrário em quest o, São Paulo: Hucitec/Anpocs/Unicamp zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 15/18 25/01/12 politica ABRAMOVAY, Ricardo, Maria Carlota Vicente, Celma Baptistella e Vera Lucia F.S. Francisco (1995) "Novos dados sobre a estrutura social do desenvolvimento agrícola no Estado de São Paulo", Versão Preliminar, (xerox). ASSESOAR, DESER & IAPAR (1994) Caracterização e diagn stico dos sistemas de produção do Sudoeste do Paraná, Curitiba: 1994 (mimeo) EDMONDSON, William (1996) How Rural Economies Gain from Ag Exports , Agricultural Outlook, (Economic Research Service/USDA), n.230, Junho 1996, pp. 26-28 HOPPE, Robert A. (1996) A Close-Up of Changes in Farm Organization, (Economic Research Service/USDA), n.227, Março 1996, pp.2-4 Agricultural Outlook, VAZ, Lucio (1996) Plano de Metas pode ter menos verbas , Folha de São Paulo, 07/09/96. VEIGA, José Eli (1996a) Economia Pol tica da Emergente Transição Agroambiental; O Caso dos EUA. Relatório de Pesquisa para a FAPESP , (2 vol.s), (xerox) ______________(1996b) The Political Economy of the Emergent Agri-environmental Transition in the U.S. , (texto-síntese de relatório de pesquisa) 20 p. ______________ (1996c) Há convergência entre evolucionismo e regulacionismo? (texto preparado para o Workshop Teórico sobre Economia Política da Agricultura, IE/UNICAMP, Campinas, 9 de dezembro de 1996), 20 p. ______________ (1996d) A Opção pela Agricultura Familiar (texto a ser publicado pela revista Humanidades, da UNB) ______________ (1996e) A Transição Agroambiental: Segunda Aproximação (texto para o livro Tecnologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, em preparação pela Editora da Universidade (UFRGS) zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 16/18 25/01/12 politica ______________(1995a) "Sustainable agriculture: critical transition issues," texto apresentado na conferência The Politics of Sustainable Agriculture, University of Oregon, Eugene, 7-8 de outubro de 1995. ______________ (1995b) “La Situation de L Agriculture Familiale” Cahiers du Bresil Contemporain, Paris: Dezembro, 1995, pp: 139-150 ___________ (1995c) “Delimitando a Agricultura Familiar.” Anais do XXIIIo. Encontro Nacional de Economia (ANPEC), Salvador,Ba. 12-25 Dez. 1995, Vol. 2: pp. 41-59 ___________ (1995d) “Agribusiness , in: Os Ecossistemas Brasileiros e os Principais Macrovetores de Desenvolvimento: Subsídios ao Planejamento de Gestão Ambiental, Programa Nacional do Meio Ambiente, Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Naturais e da Amazônia Legal, Brasília: 1995, (capítulo 4), pp.15-20. ______________ (1994a) "Problemas da transição à agricultura sustentável", número especial do ano de 1994, pp.9-29 Estudos Econ micos, _______________(1994b) Metamorfoses da Política Agrícola dos Estados Unidos, São Paulo: ANNABLUME/FAPESP ______________(1993a) Metamorfoses da Política Agrícola dos Estados Unidos, Tese de Livre Docência, Universidade de São Paulo, FEA, 2 volumes. ______________ (1993b) "O futuro da política agrícola dos Estados Unidos", Anais do Encontro Nacional de Economia, (ANPEC), Belo Horizonte, dezembro de 1993 ______________ (1993c) "O berço do agribusiness está ficando verde", Reforma Agrária, volume 23, número 01, janeiro-abril de 1993, pp: 3-13 ______________ (1991) O Desenvolvimento Agrícola Uma Visão Histórica, São Paulo: EDUSP e HUCITEC. zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 17/18 25/01/12 politica [1] Durante a segunda metade do século 19 houve a ilusão de que a agricultura acabaria por adotar o modelo fabril de organização produtiva, como vinha acontecendo com a indústria britânica desde os finais do século 18. Mas foi um fenômeno passageiro. Ver a respeito Veiga (1991 e 1996d). [2] A RMB foi obtida por meio da simples diferença entre Receitas e Despesas, mas com o cuidado de excluir toda e qualquer receita ou despesa que não fosse proveniente de atividades agropecuárias. Isto porque, em certas situações geográficas, estabelecimentos agrícolas podem ter atividades de mineração que distorçam os resultados econômicos que se pretende aquilatar. Ver Veiga (1995b e 1995c). [3] Em 1984, cada aumento de U$ 1 bilhão das exportações agrícolas americanas gerava uns 30.000 novos empregos, sendo quase a metade no setor agrícola propriamente dito (Edmondson,1996:28). Podese supor que essa relação ainda seja mais favorável no Brasil de 1996. Segundo cálculos de Fernando Homen de Mello, a agricultura brasileira verá sua renda aumentar em até R$ 2,5 bilhões ao ano, até o final da década (Exame, 618, 11/09/96, p.19) [4] Em R$ bilhões: 1.Telecomunicações 33,1; 2. Reforma Agrária 7,2 (assentamento de 150 mil famílias); 3. Emprego 5,3; 4.Habitação 5,2; 5. Saúde 3,8; 6. Saneamento 3,7; 7. Rodovias 3,7; 8.Gás/Gasoduto 3,1; 9. PRONAF 3,1 (para atingir 1.125 municípios); 10. Portos 2,7; 11. Irrigação 2,5; 12. Microempresa 2,2; 13. Ferrovias 1,6; 14.Eletricidade 1,5; 15.Educação 1,4; 16. Turismo 0.8; 17. Hidrovias 0,4; 18. Crédito Popular 0,2. (Folha de S o Paulo, 10/08/96, p.1-5; Gazeta Mercantil, 12/08/96, p.A-4. [5] cf. Folha de São Paulo, 07/09/96, p. 2-6 [6] Uma versão ampliada deste tópico está em Veiga (1996d) zeeli.pro.br/old_site/Textos/ /%5b11%5dpolitica_agricola.htm 18/18