Estudo Comparativo de Estratégias de Tradução e sua
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Estudo Comparativo de Estratégias de Tradução e sua
CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO TRADUTOR E INTÉRPRETE CAMILA ALVES TEXEIRA NAIELLY STORCH LEITE LOURENÇO ESTUDO COMPARATIVO DE ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO E SUA APLICAÇÃO NO PROCESSO TRADUTÓRIO ENGENHEIRO COELHO 2012 CAMILA ALVES TEXEIRA NAIELLY STORCH LEITE LOURENÇO ESTUDO COMPARATIVO DE ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO E SUA APLICAÇÃO NO PROCESSO TRADUTÓRIO Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo do curso de Tradutor e Intérprete, sob orientação do Prof. Ms. Neumar de Lima. ENGENHEIRO COELHO 2012 Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo, do curso de Tradutor e Intérprete apresentado e aprovado em (dia) de (mês) de (ano). _________________________________________________ Orientador: Profº Ms. Neumar de Lima _________________________________________________ Segunda Leitora: Profª Drª Ana Maria de Moura Schäffer Dedicamos esta monografia aos nossos pais sempre presentes, cujo apoio foi constante e amor incondicional. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Deus, pois sem Ele seria impossível concluir esta pesquisa; Aos nossos pais (Gomes e Raquel, Wesley e Mara) pela paciência, pelos conselhos e longas horas de conversa pelo telefone; Ao orientador Neumar de Lima, pela disposição em ajudar a transformar o projeto em realidade; À professora Ana Schäffer, que com paciência, carinho e bons puxões de orelha, nos ajudou durante toda a caminhada. RESUMO As estratégias de tradução, muitas vezes desconhecidas ou simplesmente ignoradas por muitos tradutores, constituem um dos procedimentos que merecem destaque por parte dos profissionais da tradução para se evitar o que se costuma chamar de tradutorês, ou seja, tradução que tem cheiro de tradução. Neste trabalho procuramos analisar o uso de estratégias tradutórias empregadas pelos tradutores, e mostrar diferentes estratégias usadas pelos profissionais da área com base em três teóricos (BARBOSA, 2004; SAID, 2011; e LIMA, 2011) que esquematizaram uma série de procedimentos e estratégias de tradução. Nossa pesquisa elencou as diferentes estratégias apresentadas por esses autores, e fizemos uma análise da tradução de dois tradutores e quais estratégias usaram, e até que ponto suas escolhas foram eficientes no processo tradutório. A análise revelou que os tradutores fizeram escolhas diferentes resultando em duas traduções distintas: a primeira mais presa à literalidade da língua, enquanto a segunda tradução apresentou resultados mais livres e interpretativos, afastando-se da literalidade. Com a análise, reconhecemos a importância não somente de boas estratégias de tradução, mas também de um bom conhecimento das diferenças entre as duas línguas para que a tradução flua naturalmente, dando a sensação de ter sido escrita no português, ou qualquer que seja a língua de chegada. Palavras-Chave: Estratégias de Tradução; Tradutorês;.Escolhas Tradutórias. ABSTRACT Translation strategies, many times unknown or simply ignored by many translators, are one of the procedures that deserve to be pointed out by professionals of translation, to avoid what is usually called “translatorese”; in other words, translations that smells like translation. In this paperwe tried to analyze the use of translation strategies used by translators, and also show the different strategies used by professional of the area, based on three theoretical authors (Barbosa, 2004; Said, 2011; and Lima, 2011) that organized some translation procedures and strategies. Our research listed the different strategies presented by these authors, and we did analyses of the translation of two translators, and what strategies they used, and how far their choices were efficient to the translation process. The analyses revealed that the translators did different choices resulting in distinct translations. The first one more attached to the literality of languagewhile the second one showed freer and more interpretive renditions. With the analysis we recognized the importance not only of good translation strategies, but also of a good knowledge of the differences between the two languages so that the process of translation flows naturally, giving the feeling that it has been written in Portuguese or whatever the target language may be. Key-Words: Translation Strategies; Translatorese; Translation Choices. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 08 2 METODOLOGIA .................................................................................................... 11 3 O PROCESSO DA TRADUÇÃO ........................................................................... 12 3.1 Aspectos teóricos da tradução ....................................................................... 12 3.2 Estratégias de tradução .................................................................................... 14 3.2.1 Estratégias de tradução segundo Barbosa .................................................. 14 3.2.2 Estratégias de tradução segundo Said ........................................................ 19 3.2.3 Estratégias de tradução segundo Lima........................................................ 25 3.2.3.1. O princípio cognitivo da tradução e os princípios contrastivos ............ 28 4 INVESTIGAÇÃO DE ESTRATÉGIAS TRADUTÓRIAS ......................................... 33 4.1 Análise de excertos de A Mensageira do Senhor .......................................... 33 4.2 Análise de excertos de O Princípio Cognitivo da Teologia Cristã ............ .. .38 4.3 Reflexões Comparativas entre os Tradutores ............................................... 44 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 48 6 REFERENCIAS ...................................................................................................... 50 ANEXOS ................................................................................................................... 51 8 1 INTRODUÇÃO O escopo da pesquisa abordará estratégias de tradução empregadas por tradutores previamente selecionados para, a partir da análise e discussão dos modos de traduzir de cada um, estabelecer uma comparação entre eles. Para os propósitos deste trabalho, adotamos o o termo estratégia para se referir a todo e qualquer procedimento ou técnica empregada por um tradutor durante o seu processo de tradução, mesmo que a palavra não tenha sido empregada por todos os três teóricos selecionados. Muitos autores têm tentado formalizar, de certa forma, os modos como o tradutor traduz o seu texto. Como exemplo, temos Heloísa Barbosa, que em seu livro “Procedimentos técnicos da tradução” (2004) busca recategorizar os modelos de procedimentos técnicos identificados por Vinay e Darbelnet (1975). Esses autores, pioneiros nesse tipo de pesquisa, começaram a nomear os procedimentos que coocorriam nas traduções no contexto francófono do Canadá. Dois outros autores foram selecionados para a pesquisa: Fabio M. Said, que em seu livro ““Fidus Interpres: A prática da tradução profissional” (2011), além de falar sobre a profissão e os desafios que o tradutor encontrará no decorrer do trabalho, apresenta seu estudo sobre as técnicas de tradução. E o segundo autor foi Neumar de Lima com sua Dissertação de Pós-Graduação “O princípio cognitivo da tradução literária: um relato linguístico-teológico do processo de tradução do livro The Cognitive Principle of Christian Theology: A hermeneutical study of the Revelation and Inspiration of the Bible, de Fernando Canale” (2011). Nesse trabalho, Lima se baseia na Teoria Interpretativa de Danica Seleskovitch (1980, 1984, 1995) e Marianne Lederer (1984, 1994); o autor apresenta conceitos que ressaltam a importância de o tradutor se libertar das amarras estruturais e estilísticas da língua de partida. Para isso, ao fazermos uma leitura mais aprofundada das obras desses autores, buscaremos comparar as estratégias e procedimentos discutidos por eles, e identificar, num corpus previamente selecionado de traduções, a frequência ou não de ocorrência de determinadas estratégias. Ao entrarmos em contato com obras traduzidas, constatamos que muitas traduções são mais literais, mecânicas, seguindo a língua de partida muito de perto. O resultado é que o texto traduzido parece mutilar a língua portuguesa, deixando de 9 levar em conta seus aspectos estilísticos e morfossintáticos. Nesse contexto, o trabalho procurará responder à seguinte pergunta de pesquisa: como as estratégias de tradução podem contribuir para ajudar o tradutor a resgatar o sentido do texto original e transferi-lo naturalmente para a língua portuguesa, sem se preocupar com a literalidade no processo tradutório, deixando a tradução como se fosse escrita na língua de chegada? A partir da pergunta de pesquisa, formulamos a hipótese de que o conhecimento do uso de estratégias de tradução previamente identificadas podem contribuir para o processo tradutório e redundar em traduções mais naturais, ou seja, traduções que dão ao leitor a sensação de que o texto foi escrito na língua em que está lendo, e não, traduzido. Seguindo o estudo dessa pesquisa e das estratégias tradutórias, é provável que o tradutor se torne mais apto a alcançar esse objetivo. O objetivo geral deste trabalho é analisar o uso de estratégias tradutórias empregadas pelos tradutores. Para alcançar esse propósito, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: 1. Investigar as estratégias de tradução utilizadas por tradutores identificados previamente; 2. Identificar se os profissionais selecionados para a pesquisa empregam os mesmos tipos de estratégias nas suas traduções, se diferem e em que extensão isto acontece; 3. Comparar os resultados apresentados pelos tradutores ao usar as diferentes estratégias e os possíveis efeitos sobre a qualidade do texto traduzido. Este trabalho tem relevância pessoal para nós, pois, como futuras profissionais da tradução, cremos ser importante refletir sobre o fazer tradutório e suas implicações para o resultado final de tradução. Por isso, pesquisar e analisar estratégias de tradução empregadas por tradutores já no exercício de sua profissão nos ajuda a identificar os caminhos, facilidades e dificuldades que enfrentaremos no dia a dia. Além disso, do ponto de vista social, cremos que este trabalho também tem relevância, pois a pesquisa em tradução no geral tem dado muita ênfase às teorias, esquecendo-se da prática. A nossa proposta busca evidenciar a prática tradutória e 10 os caminhos que possam auxiliar outros tradutores a lapidarem o seu processo tradutório e se tornarem cada vez mais proficientes nessa atividade. Nosso alvo é que esta pesquisa desperte o interesse de alunos para se aprofundarem mais nos estudos dos processos tradutórios, para uma prática mais consciente e eficiente. 11 2 METODOLOGIA A pesquisa foi realizada no UNASP – campus Engenheiro Coelho e envolveu, inicialmente, a pesquisa bibliográfica, para em seguida empregarmos a pesquisa analítico-comparativa. Nosso objetivo foifazer uma comparação entre estratégias de tradução empregadas por tradutores selecionados, que foram identificados como Tradutor A nos grupos de análise dos fragmentos da obra Mensageira do Senhor, e Tradutor B nos grupos de análise dos fragmentos da obra O princípio Cognitivo da Teologia Cristã. Para procedermos à análise dessas obras selecionadas, seguimos alguns procedimentos: em primeiro lugar, fizemos para embasamento teórico sobre as estratégias de tradução com base nos teóricos mencionados; em seguida, fizemos a seleção de fragmentos de textos de um mesmo gênero traduzidos por dois tradutores diferentes, que compuseram o nosso corpus de análise. As análises comparativas seguiram os procedimentos abaixo: 1. Fizemos tabelas comparativas, seguidas das estratégias empregadas por cada um dos tradutores, com as devidas justificativas. 2. Apresentamos possíveis princípios que possam ter levado o tradutor a empregar determinada estratégia. 3. Por fim, tecemos considerações gerais sobre o perfil de cada tradutor, fornecendo, se necessário, sugestões que poderiam melhorar seu processo tradutório. 12 3 O PROCESSO DA TRADUÇÃO Neste capítulo, discorreremos sobre aspectos teóricos e práticos do processo de tradução. Iniciaremos tecendo reflexões sobre os aspectos teóricos da tradução. Em seguida, apresentaremos as estratégias de tradução com base nos autores selecionados. 3.1 Aspectos teóricos da tradução Quando se fala em tradução, dois conceitos fundamentais nos vêm à mente: comunicação e fidelidade. A esse respeito, Lima afirma que o tradutor pode exercer um papel comunicativo significativo, rompendo barreiras linguísticas e culturais, sem deixar de manter fidelidade à língua de origem, à língua de chegada e ao público a que a mensagem se destina (LIMA, 2011, p. 46). No entanto, durante o processo de estudo da tradução, observamos que nem sempre se mantém fidelidade à língua de chegada. E temos que reconhecer que infidelidade pode comprometer a eficiência do propósito comunicativo da tradução. Percebe-se, muitas vezes, a tendência por parte de alguns tradutores de adotar um método mais mecânico ao traduzir, tornando o texto mais literal e preso à estrutura e ao sistema da língua de partida. Isso implica traduções com cheiro de tradução, o conhecido tradutorês. Trata-se de traduções que mutilam a língua portuguesa e comprometem suas características estilísticas e morfossintáticas próprias. É do conhecimento de todo tradutor, que a tradução deve soar como se tivesse sido escrita na língua de chegada, como se não fosse de fato uma tradução. Para isso, vale compreender os princípios da Teoria Interpretativa, a Théorie du Sens, conforme o original francês, de Danica Seleskovitch (1980, 1984). A pesquisadora explica que uma boa tradução não acontece pelo simples fato de a pessoa conhecer a língua em questão. A tradução vai muito além da mera correspondência estrutural entre uma língua e outra, de forma mecânica e automática. O texto a ser traduzido não deve ser visto simplesmente como um conjunto de estruturas gramaticais a serem dissecadas, mas um discurso que exige processamento cognitivo por parte do tradutor. O conceito de Seleskovitch ressalta a 13 importância de “o tradutor se libertar das amarras estruturais e estilísticas da língua de partida se concentrando no tríplice processo do ato tradutório”, apresentado como percepção-desverbalização-reverbalização, “processo este que exige do tradutor profundo envolvimento discursivo e cognitivo” (LIMA, 2012b, p.1). Baseado nesse princípio, Lima (2012b, p. 2) apresenta três aspectos que considera essenciais para a tradução: Um: a tradução constitui atividade cognitiva que se concretiza mediante o processamento de informações no momento em que a mente do tradutor se relaciona com o texto original. Dois: o tradutor se torna, nesse processo, agente cognitivo ativo e atuante e se compromete, às vezes até de forma obstinada, com o ideal de ser criador fiel de pontes de integração, sem barreiras, entre povos, comunidades e culturas diferentes. Três, e o mais importante: o tradutor é um comunicador – comunicador de sentidos – e não meramente um decodificador de estruturas linguísticas. A missão do tradutor não consiste simplesmente em estabelecer de forma mecânica e automática correspondências estruturais ou lexicais entre língua de partida e língua de chegada. Lima (2012b, p. 3), com base em Pagura (2004), observa que: O objetivo do processo tradutório não é meramente traduzir a significação linguística das palavras, mas, acima de tudo, a intenção comunicativa – ou, como se diz em francês, o vouloir-dire [quererdizer] – do autor do texto original. Pensando dessa maneira, é compreensível que a tradução passe a ocorrer em nível de discurso e não no nível de palavras. É nesse contexto que as estratégias de tradução podem exercer importante papel no sentido de ajudar o tradutor a compreender o processo tradutório e produzir um texto que seja fluente na língua para a qual está sendo traduzido. Daremos mais ênfase a essas estratégias nas seções a seguir. O propósito da organização dessas técnicas, procedimentos ou estratégias parece ser o de fazer o tradutor, ou futuro tradutor, compreender que o fato de as línguas serem tão singulares em suas características faz com que seja necessário estar atento para que o texto na língua de chegada esteja tão acessível quanto o é na língua de partida. 14 Vale ressaltar, no entanto, que o mero conhecimento de procedimentos técnicos de tradução, ou de estratégias, conforme generalizamos neste trabalho, não garante que o texto final corresponderá às expectativas teóricas discutidas acima. Certamente são de grande utilidade, mas é de extrema importância que os tradutores se conscientizem de que o mero conhecimento da língua em que o original está escrito, e mesmo de estratégias para transpô-lo a outra língua, não é suficiente. O fato é que o tradutor precisa se desprender da estrutura, gramática e características específicas pertencentes à língua do original para que a tradução soe agradável ao leitor da língua de chegada. Tendo essa consciência, técnicas e estratégias de tradução serão de muito maior utilidade durante o processo tradutório. 3.2 Estratégias de Tradução A seguir, são apresentadas as estratégias de tradução conforme os três teóricos selecionados. Iniciaremos com as estratégias segundo Barbosa (2004), seguidas das estratégias de Said (2011) e por fim de Lima (2011). 3.2.1 Estratégias de tradução segundo Barbosa (2004) Em seu livro, Procedimentos Técnicos da Tradução, Barbosa estabelece e explica os seguintes procedimentos de tradução. 1) TRADUÇÃO PALAVRA-POR-PALAVRA Como o próprio nome do procedimento mostra, é uma tradução totalmente vinculada à literalidade de cada palavra. Trata-se de uma tradução feita de determinado seguimento da LO (Língua Original) para a LT (Língua de tradução) mantendo a mesma categoria ou ordem sintática. Inevitavelmente é a visão que muitos têm quando se fala em tradução. Exemplo: He ↓ Ele wrote a ↓ ↓ escreveu uma letter to ↓ ↓ carta para the ↓ o mayor ↓ prefeito 15 2) TRADUÇÃO LITERAL Esse procedimento é facilmente confundido, ou interpretado como se fosse uma tradução palavra-por-palavra. Porém, “a tradução literal corresponde à ideia mais difundida a respeito da tradução, aquela em que se mantém uma fidelidade semântica escrita” (p. 65), diferenciando-se da estratégia anterior por se adequar às regras gerais da LT. Há situações em que este procedimento é considerado “necessário, ou até obrigatório”, dependendo do texto a ser traduzido. Exemplo: It is a known fact - é ø fato conhecido Observe-se no exemplo acima que a tradução pareceu ser palavra-porpalavra, mas adequou-se ao estilo do português, que aceita verbo sem sujeito explicito (it is = – é), e dispensa o uso excessivo do artigo indefinido (a – ø). No demais, segue-se a ordem do original. 3) TRANSPOSIÇÃO Barbosa afirma que “a transposição consiste na mudança de categoria gramatical de elementos que constituem o segmento a traduzir” (p. 66). Por exemplo: She said apologetically ADVÉRBIO (ela) disse desculpando-se VERBO REFLEXIVO (ela) disse como justificativa ADJUNTO ADVERBIAL O fato de existir mais de uma opção disponível para a tradução mostra que a transposição não é um procedimento obrigatório. Esse procedimento será obrigatório unicamente quando for essencial para que “a tradução se atenha às normas da LT” (p. 67); no caso da tradução do inglês para o português, esse procedimento serve para evitar o sufixo mente. O fato de Barbosa ressaltar a não obrigatoriedade desse procedimento parece indicar que a autora não incentiva uma liberdade excessiva por meio da transposição. 16 4) MODULAÇÃO Esse procedimento consiste em reproduzir a mensagem no TLT (Texto na Língua de Tradução) “no modo como as línguas interpretam a experiência real” (p. 67). Por exemplo: like the back of my hand como a palma da minha mão keyhole buraco da fechadura 5) EQUIVALÊNCIA Esse procedimento costuma ser aplicado com mais frequência na tradução de clichês, expressões idiomáticas, provérbios, ditos populares, e outras expressões relacionadas à cultura da LO (Língua Original), pois “consiste em substituir um segmento de texto da LO para um outro segmento da LT que não o traduz literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente” (p. 67). Por exemplo: It’s a piece of cake. É sopa. Truly yours Atenciosamente Sincerely yours Atenciosamente Tanto a estratégia anterior, modulação quanto essa última valorizam os aspectos estilísticos e idiomáticos da LT. 6) OMISSÃO VS. EXPLICITAÇÃO Segundo Barbosa, “a omissão consiste em omitir elementos do TLO [(Texto na Língua Original)] que, do ponto de vista da LT, são desnecessários ou excessivamente repetitivos” (p. 68). O exemplo mais corriqueiro de uma tradução do inglês para o português, por exemplo, é o uso constante que a primeira faz de pronomes pessoais, enquanto para a estrutura da segunda, esse mesmo uso contínuo de pronomes pessoais é considerado excessivo, sendo desnecessário o uso abusivo deles. No entanto, a explicitação é exatamente o procedimento inverso da omissão. Usando o exemplo dado acima, se a tradução fosse do português para o inglês, seria obrigatório identificar o pronome pessoal, que provavelmente está omitido no português, levando em consideração que sua presença é obrigatória na língua inglesa. 17 7) COMPENSAÇÃO A compensação tem uma função bem parecida com a equivalência, citada acima. Barbosa explica que “consiste em deslocar um recurso estilístico, ou seja, quando não é possível reproduzir no mesmo ponto da LT um recurso estilístico usado na LO, o tradutor pode usar outro efeito equivalente, em outro ponto do texto” (p. 69). Um bom exemplo para o uso desse procedimento são os trocadilhos. 8) RECONSTRUÇÃO DE PERÍODOS De acordo com Barbosa, esse procedimento “consiste em redividir ou reagrupar os períodos e orações do original e passá-los para a LT” (p. 70). Nas traduções do inglês para o português, transformamos as orações curtas, características da primeira língua, em períodos maiores, como é comum na estrutura da língua portuguesa. Assim, o texto poderá apresentar aspectos estilísticos do português. Nas traduções do português para o inglês o procedimento será inverso. 9) MELHORIAS Esse procedimento apresentado por Barbosa consiste no ato de eliminar os erros no TLT que foram apresentados no TLO. Barbosa declara que “consiste em não repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos de erro cometidos na TLO” (p. 70). Certamente, o autor do original agradeceria ao tradutor seu esforço para não perpetuar os erros cometidos inadvertidamente no original. 10) TRANSFERÊNCIA A transferência é o ato de “introduzir material textual da LO na LT” (p. 71). Há quatro categorias de transferência, que descreveremos a seguir: (i) Estrangeirismo 18 Barbosa relata que “o estrangeirismo consiste em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocábulos ou expressões da LO que se refiram a um conceito, técnica ou objeto mencionado no TLO que seja desconhecido para os falantes da LT” (p. 71). Ou seja, é a utilização direta na tradução da mesma expressão ou conceito que o original apresenta, desde que não exista um equivalente para ser traduzido. Convém ressaltar que essa técnica não deveria ser usada como desculpa ou “preguiça intelectual” do tradutor, no sentido de se esforçar em encontrar termos equivalentes em português como se vê muitas vezes em traduções “tradutorescas”. (ii) Estrangeirismo transliterado ou transliteração Na tradução entre o inglês e o português, esse procedimento dificilmente será usado, porque, de acordo com Barbosa, a transliteração “consiste em substituir uma convenção gráfica por outra. Ocorre em casos de extrema divergência entre duas línguas que sequer têm o mesmo alfabeto comum” (p. 73). (iii) Estrangeirismo aclimatado ou Aclimatação Barbosa declara que a aclimatação refere-se ao “processo através do qual os empréstimos são adaptados à língua que os toma” (p.73). É por meio desse procedimento que um estrangeirismo se adapta à estrutura morfológica da língua que o importa. (iv) Transferência com Explicação Neste procedimento, Barbosa explica que para que a transferência ocorra é necessário que o leitor aprenda o significado através do contexto. Trata-se de fazer uma breve explicação na língua de chegada do termo ou do assunto ao qual o original se refere, caso não exista uma equivalência. Exemplo: Night School Supletivo americano... Wall Street O mercado financeiro de Nova Iorque... 19 11) EXPLICAÇÃO Barbosa esclarece que a explicação consiste em “eliminar do TLT os estrangeirismos para facilitar a compreensão” (p.75), trocando os estrangeirismos por explicações. 12) DECALQUE Barbosa descreve o decalque como: “traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais da LO no TLT; muitos autores interpretam o decalque como sendo uma aclimatação do empréstimo linguístico” (p.76). Trata-se de um tipo de aclimatação, pois ocorrem adaptações à TLT (ver aclimatação). Exemplo: a) decalque de tipos frasais: task force grupo tarefa case study estudo de caso Drug addict drogadito b) decalque de tipos frasais ligados a nomes de instituições INPS – National Institute for Social Welfare The Peoples’s Republic of China – A República Popular da China. 13) ADAPTAÇÃO Barbosa sugere que esse procedimento “é o limite extremo da tradução” (p. 76), que se dá quando os “elementos referentes à LO não existem na realidade extralinguística dos falantes da LT”. Emprega-se então a adaptação, podendo ser recriada a realidade extralinguística da LT. 3.2.2 Estratégias de tradução segundo Said (2011) Como segunda fonte de pesquisa, utilizamos o livro “Fidus Interpres: A prática da tradução profissional” de Fabio M. Said, que no capítulo seis também fala sobre técnicas de tradução. Elas serão descritas a seguir: 20 1) TRADUÇÃO LITERAL Consiste em uma tradução onde vertemos “as expressões, orações, períodos ou frases palavra por palavra” (p.113). Cada segmento traduzido possui equivalência 1:1, ou seja, uma correspondência literal entre as palavras do original e da tradução. Exemplo: “The agreement includes Central and South America as well as the Caribbean with a special focus on Brazil and Chile.” Tradução: “O contrato abrange a América Central e América do Sul, assim como o Caribe, com foco especial no Brasil e no Chile”. Said parece unir nessa estratégia as estratégias 1 e 2 de Barbosa (tradução palavra-por-palavra e tradução literal). Parece que no modelo de Said, ele já pressupõe que o tradutor deva fazer as devidas adaptações à LT. 2) TRADUÇÃO SEMÂNTICA OU EQUIVALÊNCIA É a técnica de levar em conta o sentido como o mais importante a ser passado, e não a correspondência das palavras. Isso também ocorre devido ao fato de nem sempre termos uma palavra correspondente na língua de chegada. Exemplo: “The grass is always greener on the other side of the fence”. Tradução: “A galinha do vizinho sempre é mais gorda”. Barbosa menciona também esse procedimento. A diferença entre os dois teóricos parece residir na ênfase que Said dá ao aspecto semântico da língua. Nesse sentido, Said nos parece mais preocupado com a intenção comunicativa da LO. Não queremos dizer que Barbosa não tem essa preocupação, mas o seu modelo não a deixa explicita. 3) TRADUÇÃO FORMAL Said explica que essas traduções estão mais ligadas à correspondência formal, às expressões, e orações, como no caso de uma poesia. Na tradução formal, a preocupação é produzir um efeito estético semelhante, mas sem a preocupação de correspondência de palavras, pois as mensagens possuem marcas culturais que precisam ser entendidas na língua de chegada. Exemplo: “Immanuel doesn’t pun, he Kant”. 21 Tradução: “Homem sério, esse Emanuel. Nem adianta pedir que ele cante.” 4) AMPLIFICAÇÃO OU TRADUÇÃO EXPLICATIVA Said aponta que essa é outra opção de tradução no caso de não haver “correspondência palavra por palavra” (p. 115). Nesse tipo de tradução, portanto, faz-se uma explicação do texto de partida, algo que facilite a compreensão da mensagem na tentativa de derrubar barreiras culturais. Exemplo: “For this purpose, the hypothetical interpretation does seem to suffice”. Tradução: “Para esse propósito, a interpretação do contrato social como hipotético parece ser suficiente”. 5) ORIGINAL ENTRE PARÊNTESES/COLCHETES Essa técnica é uma variante da amplificação. Consiste em usar o original entre parênteses, especialmente quando um termo ainda não tem tradução consagrada. Exemplo: “BHG”. Tradução: “Supremo Tribunal Federal Alemão [Bundesgerichtshof]”. 6) REDUÇÃO/SUPRESSÃO Segundo Said, nessa técnica há eliminação de elementos da frase ou de expressões feitas no original que não são necessários na língua de chegada e, ao fazer isso, muitas vezes preservamos a elegância e o estilo do texto de chegada. Exemplo: E-Mail-Adresse (Alemão) Tradução: e-mail (suprimindo-se o “endereço”) 7) TRADUÇÃO POR APROXIMAÇÃO O autor explica que essa técnica é utilizada quando lidamos com termos que são culturalmente marcados e a precisão terminológica não é tão importante quanto à mensagem que o texto quer passar. Nesse caso optamos por essa técnica 22 buscando uma tradução aproximada na língua de chegada. Temos ainda duas vertentes relacionadas a esse tipo de tradução: a generalização e a particularização. Exemplo: DarkHorse Tradução: Zebra 8) GENERALIZAÇÃO E PARTICULARIZAÇÃO Variantes da tradução por aproximação, ambas consistem em tornar um termo mais ou menos específico, dependendo de qual termo e em que situação o tradutor está inserido. Sendo assim, optamos por um ou por outro. Exemplo: “The formation of new enterprises may be stimulated through the ‘spin-off’ of managerial staff setting up their own businesses on the basis of experience and skills gained in employment with the foreign firm”. Tradução: “A formação de novas empresas pode ser encorajada com a saída de profissionais com cargo gerencial que resolveram fundar seus próprios negócios com base na experiência e habilidades adquiridas quando eram empregados da companhia estrangeira”. Percebe-se que o termo “spin-off”, que geralmente seria “cisão”, “desmembramento”, “divisão” acaba sendo, em português, uma simples saída e perde elementos de especificidade do original. 9) DECALQUE Said descreve que “a técnica do decalque consiste em traduzir literalmente sintagmas ou palavras compostas, transferindo-se, por assim dizer, elementos da língua de partida no texto traduzido na língua de chegada” (p.117). Exemplo: Avoir Lieu (Francês) Tradução: Em vez de usar a tradução “acontecer”, às vezes opta-se pelo decalque “ter lugar”. 10) EMPRÉSTIMO De acordo com Said, essa técnica diz respeito à técnica de incorporar um termo do texto de partida no texto de chegada. 23 Exemplo: Termos como “bullying” e “corporate governance”. 11) NOMINALIZAÇÃO DE VERBOS/ADJETIVOS Said aponta que “a técnica da nominalização de verbos é um tipo de transposição de uma categoria gramatical para outra, mas sem alteração do sentido original” (p.118). No caso, trata-se da transposição de verbos em substantivos ou expressões nominais. Isso se dá devido ao fato de que o inglês é uma língua verbal e o português é uma língua nominal. Exemplo: “installing the software”. Tradução: “instalação do software”. 12) VERBALIZAÇÃO/ADJETIVAÇÃO DE SUBSTANTIVOS Essa técnica trata-se do oposto da técnica anterior. Ou seja, transformação dos substantivos do texto de partida em verbos ou adjetivos no texto de chegada. Tende a acontecer mais em traduções do português para o inglês. 13) TRANSPOSIÇÃO DE ADVÉRBIOS O autor argumenta que a técnica da transposição de advérbios muitas vezes é ignorada nas traduções. Em geral, os advérbios terminados em ly são automaticamente traduzidos como mente. Aplicando a técnica em questão, os advérbios poderiam ser transformados em expressões adverbiais, adjetivos, substantivos, ou expressões nominais. Exemplo: “She paused solemnly and went quietly on, greatly enjoying each moment”. Tradução: “Ela fez uma pausa solene e depois continuou calmamente, saboreando cada momento com grande prazer”. 14) MODULAÇÃO Segundo Said, “a técnica da modulação consiste em modificar a perspectiva ou o ponto de vista de elementos do texto de partida, mas preserva-se a ideia 24 original” (p.119). Uma das formas é a transformação da voz passiva em voz ativa. Notamos que Barbosa (2004) apresenta essa mesma estratégia usando a mesma nomenclatura dada por Said. Ambos autores classificam como uma estratégia em que o texto do original é modulado para que seja mais bem compreendido pela cultura da língua de chegada. Em outras palavras, conforme esclarece Barbosa, essa técnica ressalta que as línguas interpretam a experiência real de modos diferentes 15) COGNATOS, FALSOS COGNATOS OU FALSOS AMIGOS Segundo Said, cognatos são palavras que possuem a mesma raiz etimológica em idiomas diferentes, mas, por seguirem direções distintas, possuem traduções distintas. Segundo Said, falsos cognatos são palavras que dão a falsa impressão de terem a mesma origem; enquanto os falsos amigos tem a mesma origem, mas evoluíram em direções diferentes. Por isso, os tradutores devem estar sempre atentos e com um dicionário em mãos para fazer consulta. Exemplo de Cognato: Português “clima” Alemão “klima” Exemplo de Falso Cognato: Português “engenhoso” Inglês “ingenious” Exemplo de Falso Amigo: Português “eventualmente” Inglês “eventually” 16) ADAPTAÇÃO DE SINAIS DE PONTUAÇÃO Said define que cada língua tem sua forma de escrita e de pontuação. Portanto, o tradutor deve estar apto a fazer as alterações e adaptações necessárias pra que o texto de chegada fique devidamente legível. 25 17) REORGANIZAÇÃO SINTÁTICA Said julga que “para que as traduções soem naturais na língua de chegada muitas vezes o tradutor tem de fazer uma reorganização sintática” (p. 120). 18) NOTAS DO TRADUTOR O autor esclarece que as notas devem ser evitadas. Contudo, há situações em que elas são imprescindíveis para a compreensão. Nesse caso, o tradutor deve refletir sobre a melhor forma de colocá-las. 19) LÍNGUA DE APOIO Said conclui explicando que o tradutor pode utilizar outra língua que o ajude a obter melhor percepção do significado de determinado termo ou palavra. Entretanto, isso deve ser feito com muito cuidado, muita pesquisa e comparação para não se cometerem erros. 3.2.3 Estratégias de tradução segundo Lima (2011) Como terceira e última fonte, mencionaremos as estratégias de Lima (2011) ou suas macroestratégias, conforme ele denominou. O autor estruturou essas estratégias com base no que ele chamou de o princípio cognitivo da tradução (Lima, 2012b), fundamentado na Teoria Interpretativa de Danica Seleskovich (1980, 1984, 1995) e Marianne Lederer (1984, 1994), e também no que ele chamou de Princípios Contrastivos. Esses pontos serão discutidos no decorrer desta seção. Lima (2011, p.18), ao discutir sobre o princípio cognitivo da tradução, descreve que “o tradutor é acima de tudo um comunicador – um comunicador de sentidos, e não meramente um decodificador de estruturas linguísticas.” Lima parece se alinhar à preocupação de Said sobre os aspectos semânticos do ato tradutório – um aspecto aparentemente pouco enfatizado por Barbosa. De fato, as macroestratégias de Lima não parecem se preocupar em apresentar aspectos 26 meramente técnicos da tradução, mas conceitos gerais de caráter mais cognitivointerpretativo. Essas macroestratégias têm como foco relatar, investigar e avaliar o papel cognitivo exercido pelo tradutor. O autor esclarece que “o ato tradutório não consiste numa ação mecânica sem que haja da parte do tradutor um profundo envolvimento cognitivo e hermenêutico com o objetivo de extrair do texto, com o máximo de precisão possível, a intenção comunicativa do autor original” (Lima, 2011). Seguem abaixo um quadro com as macroestratégias, estruturadas em sete categorias: MACROESTRATÉGIA DEFINIÇÃO REDUÇÃO Refere-se a estratégias que deixam o texto traduzido mais sintético e conciso por meio de omissões, supressões ou simplificação discursiva, semântica, lexical, estrutural e morfossintática. EXPANSÃO Refere-se a estratégias que ampliam o texto traduzido por meio de acréscimos de natureza discursiva, semântica, lexical, estrutural e morfossintática. DESLOCAMENTO (TRANSFERÊNCIA/ SUBSTITUIÇÃO) Refere-se a estratégias que permitem a transmissão da intenção comunicativa do original por meio de elementos morfológicos, sintáticos e estruturais diferentes dos usados no texto de partida. Em outras palavras, desloca-se o significado expresso por determinado elemento morfológico, ou determinada estrutura da língua de partida, para elementos e estruturas distintas na língua de chegada. IDIOMATIZAÇÃO Refere-se a estratégias que deixam o texto traduzido mais idiomático, ou seja, mais de acordo com as características estilísticas, estruturais e morfossintáticas da língua de chegada. CULTURALIZAÇÃO Refere-se a estratégias que visam romper barreiras culturais por meio de adaptações variadas. ESTILIZAÇÃO (EDITORAÇÃO) Refere-se a estratégias intervencionistas por meio das quais o tradutor realiza modificações intencionais no texto traduzido, quer seja para garantir ou reforçar a intenção comunicativa do autor original, ou 27 aprimorar o texto traduzido. Por meio dessa estratégia, o tradutor se faz presente como sujeito discursivo e revela seu estilo tradutório, sem deixar de lado seu compromisso com a fidelidade ao texto original. EXTRAPOLAÇÃO Refere-se à capacidade do tradutor de ir além do dito e penetrar no não dito a fim de recuperar o vouloirdire do autor e evitar incoerências no texto traduzido. A eficácia da aplicação dessa estratégia dependerá da habilidade do tradutor de perceber a real intenção comunicativa do autor por meio de seu profundo conhecimento da língua de partida, do bom uso que fizer dos complementos cognitivos (contextos verbal, situacional e cognitivo), e do seu conhecimento enciclopédico. Essa estratégia se destaca pelo alto nível de envolvimento cognitivo exigido; revela também a competência do tradutor em perceber o que outros poderiam deixar passar batido, e explica por que certa palavra ou expressão foi usada em lugar de outra ou em lugar de uma tradução mais literal. Fonte: Lima, 2011, p. 36, 37 Percebemos que o modelo de Lima parece estabelecer um quadro conceitual cognitivo mais amplo sob o qual se podem inserir muitas das estratégias de Barbosa e Said – estratégias não explicitadas no modelo de Lima. O modelo pode complementar os anteriores no sentido de dar ao tradutor um papel cognitivo mais atuante. Os dois modelos anteriores se mostram mais técnicos, ao passo que o de Lima revela uma preocupação maior com os aspectos semânticos, cognitivos e extralinguísticos do texto a ser traduzido. Sem essa consciência cognitiva da parte do tradutor, cremos que se corre o risco de utilizar as técnicas de Barbosa (2004) e Said (2011) de forma mais mecânica, estruturalista. O modelo de Lima, porém, parece oferecer recursos que podem tornar o ato tradutório mais natural, desde que o tradutor tenha consciência dos princípios envolvidos no ato tradutório. Lima esclarece esses pontos ao afirmar que o tradutor precisa se desprender das “amarras” a que ele, inconscientemente, se prende no ato da tradução. O autor ressalta que o tradutor precisa ter consciência de que uma tradução não é meramente um trabalho mecânico, de decodificação linguística. O ato tradutório não consiste numa ação mecânica, mas se distingue pelo profundo envolvimento cognitivo e hermenêutico do tradutor, de 28 forma que o produto final – o texto traduzido – represente, da maneira mais precisa possível, a intenção comunicativa do autor original (LIMA, 2011, p. 25). Conforme já ressaltamos em 3.1, o mero conhecimento dos procedimentos técnicos de tradução, como os apresentados por Barbosa e Said – por mais relevantes e úteis que sejam – não são suficientes para “imunizar” o tradutor contra o tradutorês 3.2.3.1 O princípio cognitivo da tradução e os princípios contrastivos Conforme mencionado, Lima (2011, p 36) salienta que suas macroestratégias têm como fundamento “o Principio Cognitivo da Tradução”, já comentado anteriormente, e também o que ele chama de “Princípios Contrastivos”. Esses princípios estabelecem diferenças entre o inglês e o português. Lima esclarece que esses princípios são o resultado da [sua] prática tradutória e das discussões realizadas na disciplina Análise Contrastiva, ministrada no curso de Letras e Tradutor e Intérprete do Unasp – EC [...] [Trata-se de] uma serie de Princípios Contrastivos estilísticos e morfossintáticos entre o inglês e o português (Lima, 2011, p.35). Segundo Lima (2011, p.35), suas estratégias tradutórias “vis[am] à aplicação [desses princípios] ...[que] não representam polarizações, mas tendências observadas nas duas línguas”. Lima (2012a), com base em Quénelle e Hourquin (1987), afirma que essas tendências podem ser compreendidas quando passamos a “compreender o povo [...] e a cultura em que [cada língua] se desenvolveu”. No caso da língua inglesa, “os falantes de língua inglesa são fruto da cultura anglo-saxônica”, cujo “pragmatismo” é uma de suas características (LIMA, 2012a, p. 1), em oposição à cultura greco-latina da língua portuguesa, de viés mais conceitual, ideológico e filosófico. Lima, ainda com base em Quénelle e Hourquin (1987), ilustra as considerações acima afirmando que: A gramática inglesa pode ser comparada a um jardim inglês: espontâneo e natural. A gramática portuguesa é mais semelhante a um jardim francês: harmonioso e simétrico. Como exemplo de espontaneidade, podemos citar o Hyde Park de Londres. Ali você encontrará caminhos que serpenteiam entre bosques e árvores 29 plantadas “ao acaso”. Como exemplo de simetria e harmonia, temos Os Jardins das Tulherias [Jardin de Tuileries] em Paris. Nesse parque os caminhos se alinham simetricamente, revelando uma perspectiva bem arquitetada e uma natureza “domesticada”. Os dois jardins exigiram esforços equivalentes. Contudo, o primeiro reflete o viés pragmático anglo-saxônico, mais preocupado com os fatos e sua utilidade prática. Assim é a língua inglesa. Já o segundo, reflete o desejo dos franceses de permanecer no nível das ideias, apresentando ao público o resultado de um projeto intelectual arquitetônico bem estruturado. O português, língua irmã (ou prima) do francês reflete essa característica (Lima, 2012a, p.1). Em suas pesquisas, Lima (2011), já relacionou 52 princípios contrastivos, (Lima, 2011, p.129). Os princípios então organizados segundo cinco categorias: (1) Princípios estilísticos, (2) Princípios estruturais, (3) Princípios lexicais, (4) Princípios morfossintáticos e (5) Princípios prosódicos ou suprassegmentais. Para os propósitos desta pesquisa, mencionaremos apenas alguns princípios para nos ajudar em nossa análise de estratégias utilizadas. Esses princípios encontram-se no quadro abaixo com as devidas explicações e categoria a que pertencem. O número de cada princípio corresponde à sequência numérica utilizada pelo autor ao descrever seus princípios contrastivos. Quadro 1 – Seleção de Princípios Contrastivos de Lima (2011). A. Princípios Estilísticos Língua Inglesa Língua Portuguesa Comentários 1. Coloquialismo estilístico Erudição estilística 2. Expressividade verbal Expressividade nominal A língua inglesa possui um estilo mais coloquial na sua forma de expressão, ao passo que o português, devido a sua origem latina, possui um estilo mais erudito. A língua inglesa prefere verbos a substantivos – os conceitos em inglês são expressos preferencialmente por meio de verbos, ao passo que em português, substantivos. 3. Sintetismo Prolixidade Conceitos expressos em inglês de forma mais sintética precisam muitas vezes ser traduzidos de forma mais expandida ou explicativa em português para que possam ser veiculados de forma mais eficiente. A prolixidade em português aparentemente ocorre devido às estruturas da língua 30 portuguesa de origem latina, que são mais sofisticadas e complexas. 5. Objetividade expressiva Subjetividade expressiva Conceitos e palavras designativas (substantivos) são expressos de forma mais objetiva e concreta em língua inglesa, ao passo que no português, de forma mais subjetiva e abstrata. Ex.: os componentes materiais de um computador são designados de hardware em inglês, dada a natureza “dura” desses materiais; já os programas, de natureza “imaterial”, são designados de software. A ideia de imaterialidade foi transmitida em inglês pelo adjetivo soft = mole, em oposição a hard. 7.Expressividade pictórica ou imagética Expressividade conceitual A língua inglesa prefere fazer uso de descrições precisas por meio de imagens ou quadros mentais, enquanto o português prefere conceituar. 8. Condensação semântica Expansão semântica Conceitos expressos em inglês de forma mais sintética precisam muitas vezes ser traduzidos de forma mais expandida ou explicativa em português para que possam ser veiculados de forma mais eficiente. 9. Economia referencial ou anafórica Variedade referencial ou anafórica Em português, as referências anafóricas parecem ser muito mais frequentes, ou seja, a língua portuguesa parece exigir mais elos coesivos e retomadas referenciais. 12. Conceitualização implícita Conceitualização explícita O escritor em língua inglesa parece deixar muitas vezes conceitos implícitos, confiando na bagagem cognitiva do leitor, ao passo que o leitor em língua portuguesa parece exigir uma explicitação maior dos conceitos. 13. Pontuação minimizada Pontuação maximizada A língua inglesa faz uso reduzido de pontuação, especialmente vírgulas, ao passo que em português há um uso mais extensivo da pontuação, especialmente virgulas. Ver princípio 15, 47 e 49 para possíveis razões. 14.Pessoalidade Impessoalidade Na forma escrita, a língua inglesa faz mais uso dos pronomes pessoais da primeira e segunda pessoas do discurso (I, we, you), ao discutir temas, ou ao se dirigir ao leitor, transmitindo um tom mais conversacional ao discurso. A língua portuguesa, por outro lado, especialmente em textos mais acadêmicos e formais, prefere formas impessoais. 31 B. Princípios Estruturais 15. Estruturação modular de ideias Estruturação coesiva de ideias A língua inglesa parece se estruturar com base em blocos de ideias aparentemente soltas, ao passo que a língua portuguesa exige que as ideias sejam mais amarradas sintática e logicamente. Em outras palavras, o português exige uma coesão ou costuramento sintático mais preciso. 16. Condensação/ Explicitação/expan são estrutural concisão estrutural 21. Simplicidade oracional Estruturas que em inglês são estruturalmente concisas exigem uma expansão estrutural maior em português. Complexidade oracional A língua inglesa prefere períodos simples aos compostos. Variabilidade morfológica e estrutural Na língua inglesa é muito comum a repetição de uma mesma estrutura gramatical ou morfológica, ao passo que na língua portuguesa essas repetições são evitadas. Ex.: Em português evitase o uso do pronome relativo “que” (queísmo). A língua inglesa usa com abundância numa mesma oração adjetivos indefinidos (any), advérbios (just), pronomes relativos (that), conjunções (and), etc. 26. Repeticionismo morfológico e estrutural D. Princípios Morfossintáticos 36.Prodigalidade/ generosidade pronominal Economia pronominal 46. Rigidez no aspecto Flexibilidade/ verbal maleabilidade no aspecto verbal A língua inglesa faz uso abundante de pronomes pessoais e possessivos, ao contrário do português que os evita sempre que possível. Em português, por exemplo, evita-se o uso do pronome pessoal reto na forma escrita, pelo fato de a pessoa estar indicada na desinência númeropessoal; pronomes possessivos são evitados também: He washed his hair (ele lavou o cabelo). Na língua inglesa, o aspecto verbal, ou seja, o processo verbal nas fases de seu desenvolvimento na linha do tempo, se mostra bem mais rígido que na língua portuguesa, especificamente no que diz respeito à anterioridade e à progressividade da ação verbal. Exemplos: I’ve read three books so far = li três livros até agora (a noção de repetição da ação verbal fica evidenciada no uso do present perfect tense, o que não ocorre em 32 português); I’ve known her since I was a child = eu a conheço desde criança (a noção da continuidade da ação a partir de um tempo no passado é expressa pelo uso do present perfect tense, noção esta não transmitida pelo presente do indicativo da língua portuguesa. 48. Sintaxe modular rítmica- Sintaxe fluida-melódica Percebe-se na língua portuguesa uma fluidez estrutural com redução de quebras que possam impedir uma leitura mais “corrida” e não tão rítmica e “quebrada” como a leitura em língua inglesa. Ex.: Evita-se o “que”. A impressão que se tem é que a linha de pensamento em português flui num ritmo mais constante, numa cadência mais melódica, como se quisesse chegar a um descanso final. E. Princípios Prosódicos ou Suprassegmentais 51. Entonação e Entonação e acentuação fluida acentuação e melódica rítmica e marcada Na língua inglesa, a pronúncia dos vocábulos bem como dos sintagmas verbais e nominais é bem mais rítmica e marcada do que na língua portuguesa, cuja pronúncia é de natureza mais fluida e melódica. Esse aspecto parece ter consequências na estruturação sintática da língua portuguesa; observa-se uma maior fluidez sintática. Fonte: Lima, 2011 Encerramos aqui a fundamentação teórica de nosso trabalho. Procederemos agora à análise do corpus da pesquisa. 33 4 INVESTIGAÇÃO DE ESTRATÉGIAS TRADUTÓRIAS Este capítulo tem como propósito aplicar as estratégias apresentadas no capítulo anterior. Escolhemos trechos de capítulos previamente selecionados de dois livros: Mensageira do Senhor (Messenger of the Lord) e O Princípio Cognitivo da Teologia Cristã: Um estudo Hermenêutico sobre Revelação e Inspiração (The Cognitive Principle of Christian Theology: A Hermeneutical Study of the Revelation and Inspiration of the Bible). Ele é divido em três partes: na primeira e segunda partes, fazemos a análise dos fragmentos dos dois livros selecionados; e a terceira parte trata-se de uma reflexão comparativa entre os tradutores A e B. Os trechos serão apresentados em tabelas paralelas para uma melhor visualização, contendo o original em inglês e respectiva tradução. Após cada tabela comparativa, descreveremos e comentaremos as estratégias propostas pelos três autores apresentados anteriormente, mostrando quais foram os procedimentos utilizados segundo cada um deles. Contudo, há situações em que um ou dois autores não possuem estratégia relacionada ao seguimento. Nesses casos, eles não serão mencionados. Vale ressaltar que os autores, por vezes, utilizam nomenclaturas semelhantes para estratégias distintas. O primeiro grupo de análises refere-se a excertos do livro A Mensageira do Senhor, traduzido pelo Tradutor A; o segundo grupo de análise refere-se a excertos do livro O Princípio Cognitivo da Teologia Cristã, traduzido pelo Tradutor B. 4.1 Análise de excertos de A Mensageira do Senhor a) Análise 1 Tabela 1 ORIGINAL TRADUÇÃO “Looking forward to Ellen White’s visit to Australia in 1891, G. C. Tenney, first president of the Australian Conference, wrote in the church paper: ‘I need hardly say that this event is anticipated by us all with great interest. I believe it is most opportune. The position that Sister White and her work occupy in connection with our cause renders it imperative that our people should become personally acquainted with her, so far as “Enquanto aguardava ansiosamente pela visita de Ellen White à Austrália em 1891, G. C. Tenney, primeiro presidente da Associação Australiana, escreveu na revista da igreja: ‘Quase não preciso dizer que este acontecimento é aguardado com grande interesse por todos nós. Creio que é bastante oportuno. A posição que a irmã White e sua obra ocupam em relação a nossa causa torna imperativo que nosso povo a conheça pessoalmente, tanto quanto 34 possible”(p. 44). possível’” (p. 44). Quadro de Pares Contrastivos 1 Nº PAR CONTRASTIVO 1 Looking forward Enquanto aguardava ansiosamente 2 Wrote in the church paper: Escreveu na revista da igreja 3 I believe it is most opportune Creio que é bastante oportuno. 4 The position that Sister White and her A posição que a irmã White e sua obra work occupy in connection with our ocupam em relação a nossa causa cause Observamos que o Tradutor A teve que fazer adaptações para que o termo “looking forward” fosse mais bem compreendido, já que o termo não parece possuir uma conotação tão clara e imagética no português, como explica o Príncípio Contrastivo nº 7 “Expressividade Pictórica ou Imagética versus Expressividade Conceitual”. Em outras palavras, enquanto em inglês a ideia de aguardar com ansiedade é expressa em termos imagéticos ou visuais, ou seja, “olhar adiante”, em português a ideia é expressa de forma conceitual e subjetiva. Essa constatação reflete as considerações de Lima (2012), com base em Quénelle e Hourquin (1987), de que a língua inglesa se prende mais aos “fatos”, em oposição à língua portuguesa, que prefere permanecer mais no nível das ideias. É possível notar também que foi utilizada a estratégia de Adaptação, segundo Barbosa (2004), pois o tradutor, consciente de que para a expressão não existe correspondência na realidade da LT, adaptou-a segundo a realidade cultural da língua portuguesa. Cremos que podemos incluir aqui a estratégia Amplificação segundo Said. Isso se dá porque é impossível traduzir “looking forward” palavra por palavra. Fez-se necessário, portanto, que o tradutor fizesse um tipo de explicação conceitual para veicular o sentido implícito na expressão imagética da LO. Alguns princípios contrastivos de Lima nos ajudam nessa análise. O de no 8 (Condensação Semântica versus Expansão Semântica) e o de n o 30, por exemplo, mostram que o inglês possui a natureza de expressar conceitos de forma mais sintética, diferente do português, que precisou de uma expansão semântica para 35 que o conceito fosse mais bem compreendido. Nesse contexto, encaixa-se a estratégia Expansão, segundo Lima, pois um simples phrasal verb precisou ser expandido para uma expressão mais complexa e conceitual em português. Em um contexto geral, o Tradutor A mostrou ter escolhido manter-se leal às palavras do autor, no sentido de ter escolhido mais o caminho da literalidade no decorrer da tradução, conforme evidenciam os pares contrastivos 2, 3 e 4. Esses e outros exemplos que mostraremos adiante parecem indicar que o Tradutor A seguiu mais de perto a estratégia TRADUÇÃO PALAVRA-POR-PALAVRA e TRADUÇÃO LITERAL de Barbosa, ou a estratégia TRADUÇÃO LITERAL de Said, mostrando-se bastante ligado àquela correspondência 1:1, conforme explicada por Said. Essa análise se justifica pelo fato de o Tradutor A procurar, sempre que possível, uma correspondência literal entre as palavras do original e da tradução, evidentemente procurando se adequar às regras gerais da LT. b) Análise 2 Tabela 2 ORIGINAL TRADUÇÃO Portland had a ‘progressive school system’ for students between 4 and 21 years of age. Following primary school, a student could enter grammar school after a public examination. However, free education for girls ended with grammar school, while boys could go on to the English high school, after passing another public examination (p. 45). Portland tinha ‘um sistema escolar progressista’ para estudantes entre os quatro e os 21 anos de idade. Depois da escola primária básica [4 anos de estudo], o estudante podia entrar para a escola primária superior [4 anos de estudo], chamada grammar school, após um exame público. A educação gratuita para as meninas, contudo, acabava na escola primária superior, enquanto os meninos podiam prosseguir na escola secundária [4 anos de estudo], que se especializava no ensino avançado do inglês, depois de passar noutro exame público (p. 45). Quadro de Pares Contrastivos 2 Nº PAR CONTRASTIVO 1 Primary school Escola primária básica [4 anos de estudo] 2 Grammar school Escola primária superior [4 anos de estudo] 3 English high school Escola secundária [4 anos de estudo], que se 36 especializava no ensino avançado do inglês Nesse parágrafo, o Tradutor A nos deu um excelente exemplo de contextualização cultural. Ele forneceu uma explicação do que é Primay School e Grammar School. Para aqueles que não têm conhecimento cultural da língua de partida, sem essa explicação, possivelmente não saberiam como funciona o sistema escolar relacionado com a LO. Barbosa (2004) explica essa situação com a estratégia Transferência com explicação, fazendo com que o leitor aprenda o significado através do contexto. Da mesma forma, como vimos no exemplo anterior, o Tradutor A também utilizou a estratégia de Said (2011), Amplificação (Tradução Explicativa), pois a tradução sem a explicação poderia não ser suficiente para a compreensão do leitor. Notamos que os pares contrastivos 1 e 2 dizem respeito à cultura da LO, daí o uso da estratégia de Lima (2011), denominada Culturalização, que também se encaixa aqui, pois a explicação estabelecida pelo Tradutor A rompe uma possível barreira cultural. Com referência ao grupo nominal grammar school, o tradutor parece ter usado a estratégia TRADUÇÃO POR APROXIMAÇÃO de Said. Nesse caso, o mais importante não era a precisão terminológica, mas apresentar uma tradução que transmitisse a ideia do original. Já no caso do par contrastivo 3, o Tradutor A usou a estratégia AMPLIFICAÇÃO OU TRADUÇÃO EXPLICATIVA de Said, ou a estratégia de Lima EXPANSÃO. Percebe-se que houve uma ampliação do texto traduzido pela falta de uma equivalência na realidade cultural da LT. c) Análise 3 Tabela 3 ORIGINAL TRADUÇÃO Others, believing that the 1,000-year Sabbath had now begun, and to show their faith in what they believed, would do no more secular work (p. 50). Outros, crendo que o sábado milenar havia começado naquela época, e para mostrar sua fé nessa crença, não faziam mais nenhuma espécie de trabalho secular (p. 50). 37 He was not only a strategist, He fought like a warrior in the field. He started the church’s publishing work with nothing, fostered church organization, and developed an educational system when others saw only a dream (p. 53). Era não apenas um estrategista, mas lutava como um guerreiro no campo de batalha. Ele iniciou a obra de publicações da igreja a partir do zero, fomentou a organização da igreja e desenvolveu o sistema educacional quando outros viam nisso apenas um sonho (p. 53). Quadro de Pares Contrastivos 3 Nº PAR CONTRASTIVO 1 In what they believed Sua fé nessa crença 2 Would do no more secular work Não faziam mais nenhuma espécie de trabalho secular 3 With nothing A partir do zero, 4 When others saw only a dream Quando outros viam nisso apenas um sonho O par constrastivo 1 mostra que o Tradutor A fez uso da estratégia TRANSPOSIÇÃO de Barbosa, que corresponde à macroestratégia DESLOCAMENTO de Lima. Por meio dessa estratégia, houve uma transposição de categoria gramatical. O sentido do verbo believed foi passado para o português por meio do uso do substantivo crença. Nesse caso, podemos dizer também que houve o uso da estratégia NOMINALIZAÇÃO DE VERBOS de Said.. O princípio contrastivo no 2 de Lima (Expressividade verbal x Expressividade nominal) nos ajuda a entender por que o tradutor optou pela forma nominal. Como explicado por Lima na fundamentação teórica, os conceitos em inglês são expressos preferencialmente por meio de verbos, ao passo que em português, substantivos. O par contrastivo 2 revela o uso da macroestratégia de Lima EXPANSÃO, pois o tradutor expandiu a tradução, possivelmente com o objetivo de dar um reforço discursivo ao enunciado mais objetivo da LO. Nesse contexto, vale mencionar dois princípios contrastivos de Lima que nos ajudam a entender o uso dessa estratégia. Em primeiro lugar, percebe-se, com base no princípio de no 3, o sintetismo da língua inglesa, ou seja, o conceito é expresso de forma mais sintética, ao passo que em português ele foi traduzido de forma mais expandida ou explicativa. Esse princípio relaciona-se com o 38 princípio de no 8 segundo o qual o sentido é expresso de forma mais condensada em língua inglesa. No par contrastivo 3, utilizou-se a estratégia IDIOMATIZAÇÃO de Lima, visto que a tradução em português soou bem mais idiomática, o que não ocorreria se a tradução tivesse sido literal. Já no par contrastivo 4, o Tradutor A fez uso da estratégia EXPANSÃO de Lima. O acréscimo de “nisso” na tradução revela o desejo do tradutor de fazer um acréscimo de natureza discursiva para facilitar a compreensão da mensagem. O princípio de no 9 de Lima (Economia referencial ou anafórica x Variedade referencial ou anafórica) nos ajuda a entender o uso dessa estratégia. Esse princípio esclarece que a língua portuguesa exige mais elos coesivos e retomadas referenciais. “Nisso” é uma retomada referencial não presente no original. Possivelmente a razão por que a língua inglesa “economiza” nas retomadas referenciais reside no princípio contrastivo de no 12 de Lima. Esse princípio enfatiza que é comum o escritor em língua inglesa deixar muitas vezes conceitos implícitos, confiando na bagagem cognitiva do leitor, ao passo que o leitor em língua portuguesa parece exigir uma explicitação maior dos conceitos. 4.2 Análise de excertos de O Princípio Cognitivo da Teologia Cristã a) Análise 4 Tabela 4 ORIGINAL TRADUÇÃO We, however, are following a different understanding of how knowledge and understanding take place: the hermeneutical view as presented in Chapter 5 (p. 87). Neste livro, no entanto, tomamos como modelo uma visão diferente de como ocorrem o conhecimento e a compreensão: a visão hermenêutica, conforme apresentada no capítulo 5 (p. 85). Quadro de Pares Contrastivos 4 Nº PAR CONTRASTIVO 1 2 We Neste livro [...] are following a different Tomamos como modelo uma visão diferente 39 understanding 3 The hermeneutical view as presented in A visão hermenêutica, conforme apresentada Chapter 5 no capítulo 5 O par contrastivo 1 revela que o Tradutor B usou a estratégia EXPANSÃO de Lima, pois fez uma ampliação de natureza discursiva. O tradutor ao usar “neste livro” fez uma retomada referencial ou contextual que o original não usou. Esse acréscimo possivelmente se deu por causa do princípio contrastivo de n o 9, conforme já explicado na Análise 3. No par constrastivo 2, queremos chamar a atenção em primeiro lugar para a omissão do pronome pessoal “we” na tradução. O Tradutor B usou aqui a estratégia OMISSÃO de Barbosa. O princípio contrastivo de no 36 de Lima (Prodigalidade/Generosidade Pronominal versus Economia Pronominal) esclarece a razão de tal omissão, pois o uso constante que o inglês faz de pronomes pessoais é considerado excessivo para a estrutura da língua portuguesa. Em segundo lugar, percebe-se que o Tradutor B usou no par contrastivo 2 a estratégia DESLOCAMENTO e IDIOMATIZAÇÃO de Lima. O tradutor fez uso de estruturas morfossintáticas diferentes (deslocamento), aparentemente com o objetivo de deixar o texto traduzido mais de acordo com as carcterísticas estilísticas da língua portuguesa (idiomatização). Pode-se dizer também que o Tradutor B usou a estratégia TRADUÇÃO SEMÂNTICA OU EQUIVALÊNCIA de Said, pois se vê claramente que o tradutor deu mais importância ao sentido a ser passado do que a uma correspondência exata das palavras. Dois princípios contrastivos de Lima parecem justificar a escolha tradutória do Tradutor B: o princípio de no 5 (Objetividade expressiva x Subjetividade expressiva) e o de no 7 (Expressividade pictórica ou imagética x Expressividade conceitual). O verbo “follow” (seguir) no original transmite uma ideia mais objetiva, concreta e mesmo imagética. No momento em que o Tradutor B optou por expressar a ideia do original por meio da expressão “tomar como modelo”, fica claro o caráter mais conceitual e subjetivo da tradução em português. O par contrastivo 3 é um exemplo de TRADUÇÃO LITERAL (Barbosa e Said) com algumas adequações às regras gerais da LT. Nota-se também o uso da 40 estratégia ADAPTAÇÃO DE SINAIS DE PONTUAÇÃO, como pode ser visto na inserção da vírgula antes de “conforme.” Vale ressaltar, em harmonia com o princípio contrastivo de no13 (Pontuação minimizada x Pontuação maximizada), que a língua inglesa faz uso reduzido de pontuação, especialmente vírgulas, ao passo que em português há um uso mais extensivo desse tipo de pontuação. b) Análise 5 Tabela 5 ORIGINAL TRADUÇÃO As Paul and Peter clarified, two agents were Como Paulo e Pedro nos esclareceram, dois continuously and simultaneously operating in agentes operaram de forma contínua e the generation of Scripture (p. 87). simultânea na produção das Escrituras (p. 85). Quadro de Pares Contrastivos 5 Nº PAR CONTRASTIVO 1 Two agents were [...] operating Dois agentes operaram 2 Continuously and simultaneously De forma continua e simultânea 3 In the generation of Scripture Na produção das Escrituras No par contrastivo 1, percebe-se que o Tradutor B fez uso da estratégia REDUÇÃO de Lima, ao ele deixar a locução verbal “were operating” mais simplificada no texto em português. Em outras palavras, o tradutor preferiu usar o pretérito perfeito do indicativo em vez da locução verbal com o verbo principal no gerúndio (present continuous tense). É verdade que o Tradutor B poderia, sem comprometer a fidelidade da tradução, ter traduzido literalmente o tempo verbal em inglês (estavam operando). Tudo indica que o tradutor julgou a forma “estavam operando” pesada em português, optando por uma forma verbal mais simples. Mais uma vez, dois princípios contrastivos de Lima parecem nos ajudar a compreender essa escolha tradutória: o princípio de no 2 (Expressividade verbal x Expressividade nominal) e o de no 46 (Rigidez no aspecto verbal x Flexibilidade/ 41 maleabilidade no aspecto verbal). O princípio de no 2 ressalta o valor que a língua anglo-saxônica dá ao uso de verbos para se expressar; e esse princípio é complementado pelo de no 46. Visto que a língua inglesa gosta de usar verbos, estes são usados com precisão, conforme ressalta o princípio 46. Esse princípio faz referência ao aspecto verbal, ou ao processo verbal nas fases de seu desenvolvimento na linha do tempo. No texto original, o autor quis dar ênfase ao processo contínuo de operação dos dois agentes fazendo uso do past continuous tense. Já o tradutor se contentou em mencionar o fato em si da operação, expressando a continuidade simplesmente pela locução adverbial “forma contínua”. No par contrastivo 2, o Tradutor B fez uso da estratégia TRANSPOSIÇÃO DE ADVÉRBIOS de Said. Em outras palavras, em vez de usar de modo repetitivo a forma adverbial com “mente”, o tradutor transformou o advérbio de modo (continuously and simultaneously) numa expressão adverbial contendo um substantivo mais dois substantivos (de forma contínua e simultânea). Essa estratégia é corroborada pelo princípio contrastivo de n o 26 de Lima (“Repeticionismo Morfológico e Estrutural x Variabilidade Morfológica e Estrutural). De acordo com esse princípio, o texto em inglês costuma estar repleto de repetições de uma mesma estrutura gramatical, como por exemplo, o sufixo –mente. Temos aqui, portanto, a explicação por que o Tradutor B fez a alteração no texto traduzido. Ele procurou evitar que o texto se tornasse repetitivo na língua de chegada. O par contrastivo 3 representa uma TRADUÇÃO LITERAL. No entanto, podese ver também o uso de duas outras estratégias: a IDIOMATIZAÇÃO de Lima, aliada à estratégia COGNATOS, FALSOS COGNATOS OU FALSOS AMIGOS, de Said. O tradutor B se deparou com a palavra “generation” e optou por traduzi-la por “produção.” O tradutor preferiu um termo mais idiomático em língua portuguesa para traduzir o cognato “generation.” É verdade que quando alguém “produz” algo, essa pessoa “gera” algo. No entanto, a língua portuguesa reserva o termo “geração” para outros contextos que não o da produção escrita. 42 c) Análise 6 Tabela 6 ORIGINAL TRADUÇÃO How we view the relationship between God and humanity, then, is the main hermeneutical presupposition conditioning any understanding of how the Bible came to be (p. 88). Em outras palavras, o modo como entendemos a relação entre Deus e a humanidade constitui a pressuposição principal que condiciona qualquer proposta de como a Bíblia se originou (p. 85). Quadro de Pares Contrastivos 6 Nº PAR CONTRASTIVO 1 Then Em outras palavras 2 hermeneutical presupposition Pressuposição principal 3 Conditioning Que condiciona 4 Any understanding Qualquer proposta Notamos no par contrastivo 1 a estratégia apresentada por Said (2011) REORGANIZAÇÃO SINTÁTICA, pois o tradutor mexeu na estrutura sintática do original, como também utilizou o Deslocamento, segundo Lima, pois ao usar “em outras palavras” em vez de “então”, o Tradutor B procurou transmitir a intenção comunicativa do original por meio de elementos morfológicos diferentes do usado pelo autor original.. No segundo par contrastivo, percebemos a presença da estratégia OMISSÃO VS. EXPLICITAÇÃO de Barbosa. Vemos que o tradutor omite um elemento que talvez julgou desnecessário na língua de chegada. Essa estratégia pode ser comparada com a estratégia REDUÇÃO/SUPRESSÃO de Said, pois o Tradutor B eliminou um elemento da frase original, bem como com a estratégia REDUÇÃO de Lima, deixando o texto traduzido mais sintético. No par contrastivo 3, o Tradutor B fez uso da estratégia EXPANSÃO de Lima, pois expandiu a forma verbal “conditioning” (no present participle) para uma oração adjetiva. Nesse caso, ele fez uso também da estratégia IDIOMATIZAÇÃO de Lima, pois a língua portuguesa evita o uso de orações adjetivas restritivas reduzidas de gerúndio, preferindo a forma expandida. 43 No par contrastivo 4, pode-se perceber que o Tradutor B fez uso da estratégia EXTRAPOLAÇÃO de Lima. O tradutor aparentemente foi além do dito e interpretou “understanding” não somente como “compreensão”, mas como uma “proposta.” Evidentemente o tradutor deve ter se baseado no contexto geral da obra que traduziu para deduzir esse sentido e não fazer uma tradução literal. Nesse contexto, pode-se afirmar que ele usou também a estratégia TRADUÇÃO SEMÂNTICA OU EQUIVALÊNCIA de Said, pois parece ter considerado o sentido como o mais importante a ser passado e não simplesmente a correspondência exata da palavra. d) Análise 7 Tabela 7 ORIGINAL TRADUÇÃO Then, we will discuss the hermeneutical consequences of interpreting revelationinspiration by following either the classical or biblical views on nature and supernature (p. 89). Discutiremos quais são, por um lado, as consequências hermenêuticas se interpretarmos a revelação-inspiração de acordo com a visão clássica sobre o natural e o sobrenatural, e, por outro, as consequência se interpretarmos o assunto sob a óptica bíblica do mundo natural e sobrenatural (p. 87). Escolhemos esse excerto como o último a ser analisado por dois motivos; primeiro, porque ele revela várias estratégias usadas pelo Tradutor B; segundo, porque o excerto nos ajuda a estabelecer um contraste não somente em relação às estratégias usadas pelos dois tradutores, mas também em relação ao estilo tradutório de ambos. Discutiremos primeiramente sobre as estratégias usadas, e em seguida teceremos, na seção seguinte, algumas reflexões comparativas entre os dois tradutores. Devido à grande liberdade interpretativa e expressiva do Tradutor B nesse excerto, preferimos não discriminar pares contrastivos. O leitor, porém, pode observar que no parágrafo em questão, encontramos, mais uma vez, estratégias já mencionadas e explicadas. São elas: RECONSTRUÇÃO DE PERÍODOS, segundo Barbosa, REORGANIZAÇÃO SINTÁTICA e ADAPTAÇÃO DE SINAIS DE PONTUAÇÃO, segundo Said, e DESLOCAMENTO E IDIOMATIZAÇÃO, segundo Lima 44 Duas outras estratégias são utilizadas pelo Tradutor B neste parágrafo: a EXPANSÃO e a EXTRAPOLAÇÃO, segundo Lima. Se o leitor observar com cuidado o original e a tradução, perceberá como o tradutor não somente expande as ideias do autor, mas também recorre à EXTRAPOLAÇÃO. Devido ao uso marcante dessas duas estratégias, fica até difícil encontrar as palavras do original de onde a tradução foi “tirada.” Percebe-se que o Tradutor B trabalhou aqui de forma consistentemente prolixa, produzindo um texto muito refinado, com marcas de erudição e sofisticação linguística. Tem-se a impressão também de que o tradutor fez bom uso do tríplice processo de percepção-desverbalização-reverbalização da Teoria Interpretativa de Danica Seleskovitch e Marianne Lederer. Estilo literário à parte, parece-nos que houve aqui pelo menos dois princípios contrastivos de Lima que levaram o Tradutor B a expandir o texto da forma como o fez: o princípio contrastivo de no 3 (Sintetismo x Prolixidade) e o de no 16 (Condensação/concisão estrutural x Explicitação/expansão estrutural). Se a tradução fosse literal, o leitor de língua portuguesa teria dificuldade de acompanhar o pensamento do original. Esse excerto parece confirmar que conceitos expressos em inglês de forma mais sintética precisam muitas vezes ser traduzidos de forma mais expandida ou explicativa em português para que possam ser veiculados de forma mais eficiente. Além disso, esses conceitos sintéticos parecem ficar condensados estruturalmente, e exigem uma expansão estrutural maior em português. 4.3 Reflexões comparativas entre os tradutores Conforme já mencionamos na seção anterior, o objetivo desta seção é tecer reflexões comparativas relacionadas com o estilo tradutório do Tradutor A e do Tradutor B e com o uso que fizeram das estratégias de tradução. Convém ressaltar que não é o propósito investigar com profundidade as diferenças entre os dois tradutores, mas, tomando-os como modelo, delinear de modo geral as implicações que o uso de estratégias tem sobre a qualidade do texto traduzido. Caso o leitor tenha interesse em verificar com mais precisão nossa percepção sobre os dois autores, recomendamos a leitura do Anexo A e B. O Anexo A contém excertos do livro A Mensageira do Senhor com suas respectivas traduções feitas pelo Tradutor 45 A; o Anexo B contém excertos do livro The Cognitive Principle of Christian Theology, com respectivas traduções feitas pelo Tradutor B. Conforme já mencionamos, uma das marcas mais fortes do diferencial entre as traduções é que a primeira analisada (Mensageira do Senhor – Tradutor A) apresentou traços mais literais do que a segunda (O Princípio Cognitivo da Teologia Cristã – Tradutor B), que se mostrou em muitos aspectos mais interpretativa e cognitiva, conforme se pôde observar em algumas análises. Essa diferença, no entanto, merece destaque, pois altera, de forma significativa, a fluidez do texto na língua de chegada. Como já mencionado, o português tem como característica estilística natural a prolixidade, entendida aqui não como vício de linguagem. O termo prolixo usado algumas vezes nos princípios contrastivos de Lima refere-se ao fato de o português possuir estruturas de origem latina, por natureza mais sofisticadas e complexas (ver princípio contrastivo de no 3 Sintetismo x Prolixidade). O inglês, por outro lado, dada a sua origem anglosaxônica, possui, por natureza, um estilo mais coloquial que o português (ver princípio contrastivo de no 1 - Coloquialismo Estilístico versus Erudição Estilística). Sendo assim, se o tradutor escolhe manter o estilo natural da língua inglesa, o texto ficará mais sintético e fortemente marcado por características da língua de partida, em detrimento das características estilísticas da língua de chegada, em nosso caso o português. A partir desse pano de fundo, podemos afirmar que os dois tradutores fizeram alterações necessárias no texto traduzido. Essas mudanças tiveram que ver, por exemplo, com pontuação, mais utilizada em português, especialmente vírgulas, conforme esclarece o princípio contrastivo de no 13 – Pontuação Minimizada x Pontuação Maximizada). Além disso, tiveram que ver também com a construção de orações. O português prefere os períodos compostos, ao passo que o inglês tende a construir o texto com preeminência de períodos simples (ver princípio contrastivo de no 21 – Simplicidade Oracional x Complexidade Oracional). O Tradutor A, no entanto, parece ter se preocupado menos com esses detalhes que o Tradutor B. Os poucos excertos que apresentamos revelaram, em certa medida, que o Tradutor B procurou usar mais elos coesivos e fazer mais retomadas referenciais, conforme o princípio contrastivo de no9 – Economia Referencial ou Anafórica x Variedade referencial ou Anafórica. Notamos também, 46 que o Tradutor B preferiu omitir o exacerbado uso de pronomes pessoais presente na língua inglesa (ver princípio contrastivo de no36 – Prodigalidade/generosidade pronominal x Economia pronominal) evitando que o texto ficasse cheio de repetições desnecessárias, evitadas em língua portuguesa (ver princípio contrastivo de n o26 – Repeticionismo morfológico e estrutural x Variabilidade morfológica e estrutural). Outra comparação que podemos estabelecer entre o Tradutor A e o Tradutor B tem que ver com o uso da estratégia EXPANSÃO, segundo Lima. Essa estratégia se faz necessária ao se traduzir do inglês para o português. Conforme Lima, ao explicar o princípio contrastivo de no 3 - Sintetismo x Prolixidade –, muitos dos conceitos expressos em inglês de forma mais sintética precisam, muitas vezes, ser traduzidos de forma mais expandida ou explicativa em português, para que possam ser veiculados de forma mais eficiente. Há momentos em que o Tradutor A utiliza a estratégia da EXPANSÃO; porém, não com a mesma frequência que o Tradutor B, cujas escolhas tradutórias mostraram se preocupar mais com esse aspecto expansivo da língua portuguesa. Pelo fato de o Tradutor A aparentemente não ter levado em conta essas diferenças estilísticas entre as duas línguas, seu texto ficou mais preso à literalidade das palavras e das estruturas mais sintéticas da língua de partida. Essas considerações nos levam ao princípio da Teoria Interpretativa de Seleskovich (1980, 1984), ou ao Princípio Cognitivo da Tradução de Lima (2012), que preconizam uma tradução mais interpretativa e menos mecânica, com foco no significado e não nas palavras ou estruturas contidas no texto. Dentro dessa perspectiva, o Tradutor B nos pareceu seguir mais de perto os postulados da teoria de Seleskovitch, Os trechos analisados neste trabalho, bem como a extensa leitura que fizemos de outros trechos não presentes no produto final desta pesquisa, apontam que o Tradutor B demonstrou uma percepção além das palavras. O uso que ele fez do processo de “percepção-desverbalizaçãoreverbalização” parece ter tornado sua tradução mais “fluida e melódica”, conforme exige a estruturação discursiva da língua portuguesa (ver princípio contrastivo de no48 – Sintaxe Rítmica Modular x Sintaxe Fluida-melódica”). O Tradutor A, por sua vez, ao seguir mais de perto a estruturação rítmicamodular da língua inglesa, muitas vezes deixou o texto mais fragmentado do ponto 47 de vista discursivo. Na verdade, quando lemos A Mensageira do Senhor, temos dificuldade muitas vezes de fazer uma leitura mais “corrida” e não tão rítmica, como esperaríamos de um texto em língua portuguesa, que flui num ritmo mais constante, numa cadência mais melódica, com se quisesse chegar a um descanso final. Em suma, podemos dizer que ambos os tradutores foram, pelo menos até onde os analisamos, fiéis à mensagem do texto original. A diferença mais marcante entre eles é que o Tradutor A optou por seguir mais a literalidade do texto de partida, e escolheu um caminho mais ligado à realidade da língua original. O Tradutor B, por sua vez, ao mesmo tempo em que se preocupou com a fidelidade à mensagem veiculada pela língua de partida, esforçou-se também em ser fiel aos meios de expressão da língua portuguesa. 48 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa teve como objetivo analisar e avaliar o uso de estratégias tradutórias empregadas por dois tradutores de duas obras distintas e o impacto dessas estratégias sobre o produto final: as traduções propriamente ditas. Vimos que as estratégias utilizadas pelos tradutores constituem caminhos que o tradutor deve escolher no processo tradutório. Para definirmos esses caminhos estratégicos, buscamos fundamentação teórica nos seguintesautores: Barbosa (2004), Said (2011) e Lima (2011, 2012). Demos atenção especial ao modelo de estratégias de Lima por duas razões. Em primeiro lugar, devido a sua ênfase cognitivo-interpretativa, fundamentada na Teoria Interpretativa de Seleskovitch (1980, 1984) e Lederer (1990, 1994), “rebatizada” por Lima (2012) como o Princípio Cognitivo da Tradução. Em segundo lugar, pelo fato de Lima (2011) nos oferecer o referencial teórico dos Princípios Contrastivos, que nos foi muito útil no processo de análise do nosso corpus. O trabalho de investigação de estratégias que empreendemos revelou que o tradutor possui um amplo leque de escolhas estratégicas no momento do ato tradutório – escolhas que resultarão, por assim dizer, em diferentes tipos de tradução, cada uma com sua marca própria. As análises individuais de cada tradutor, aliadas à analise comparativa no final do trabalho, tornaram evidente como as escolhas tradutórias de cada um dos dois tradutores investigados influenciaram de modo distinto o produto final. Tais evidências corroboram a hipótese levantada para a pesquisa de que, de fato, o emprego coerente de estratégias leva a uma tradução tão natural e fluida que dá a sensação de ter sido escrita em português, ou em qualquer que seja a língua de chegada. O pressuposto básico desta pesquisa foi o de que o conhecimento das características intrínsecas de cada língua torna o tradutor mais bem preparado para a função complexa que possui. No exercício dessa função, é importante ater-se a pequenos detalhes. Infelizmente, contudo, vimos que o tradutor, por vezes, está muito preso ao sistema linguístico da língua de partida, e acaba produzindo uma tradução que compromete a integridade da língua de chegada e se mostra com cara de tradução. Em contrapartida, quando a preocupação maior gira em torno do 49 conteúdo, da ideia, do assunto, do tema, ou seja, quando a preocupação maior é passar o sentido, mesmo que numa sequência de palavras diferente da do original, o resultado tende a ser um texto que se parece mais com a língua de chegada. Esse é, para nós, um dos propósitos fundamentais da tradução. Em suma, nossa investigação permitiu-nos adquirir conhecimentos e percepções que certamente contribuirão para a formação e especialização do profissional da tradução. Além disso, esperamos que sirva de estímulo e motivação para futuras pesquisas com foco no uso de estratégias que levem em conta as marcas específicas e idiomáticas da língua inglesa e portuguesa visando a uma prática tradutória mais consciente e eficiente. 50 REFERÊNCIAS BARBOSA, Heloisa. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Ed 2. Campinas, SP. Pontes, 2004. LEDERER, M. 1990. The role of cognitive complements in interpreting. In: D. BOWEN e M. BOWEN. Interpreting-yesterday, today and tomorrow. American Translators Association Scholarly Monograph Series, vol. 4, Binghamton, N.Y.: SUNY, 1990. LIMA, N. Material didático de sala de aula: Aspectos contrastivos entre o inglês e o português. Unasp – EC, 2012. LIMA, Neumar de. O princípio cognitivo da tradução literária: um relato linguístico-teológico do processo de tradução do livro The Cognitive Principle of Christian Theology: A hermeneutical study of the Revelation and Inspiration of the Bible, de Fernando Canale. São Paulo, 2011. 62 f. Dissertação (Pós-Graduação em Estudos Teológicos). Pós-Gradução em Teologia, UNASP – campus Engenheiro Coelho. LIMA, Neumar de. O princípio cognitivo da tradução. Anais eletrônicos: 2º CIELLI – Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários, 5º CELLi - de Estudos Linguísticos e Literários. 2012. Em breve disponível em: http://www.cielli.com.br/ PAGURA, R. A Tradutologia. Material de classe do Curso de Tradutor e Intérprete da Alumni de São Paulo, 2004. QUÉNELLE, G; HOURQUIN, D. Formes et emplois du verbe anglais. Collection Bescherelle. Lausanne, Suíça: Editions Foma,1987. SAID, Fabio M. Fidus Interpres: A prática da tradução profissional. Edição do autor, 2011. SELESKOVITCH, D. e M. LEDERER. A systematic approach to teaching of interpretation. Tradução de Pédagogie raisonnée de l’interprétation. n/c: The Registry of Interpreters for the Deaf, 1995 SELESKOVITCH, D. e M. LEDERER. Interpréter pour traduire. Paris: Didier Édurition, 1984. SELESKOVITCH, D. Pour une théorie de la traduction inspirée de sa pratique. In: Meta, v. 25, n. 4. p. 401-408. Montreal: Presse de l’Université de Montréal, 1980. 51 ANEXOS Anexo A – Amostras de Tradução: Tradutor A Original Tradução The evidences, from a Bible standpoint, of the authenticity of the work of the Spirit of Prophecy in connection with the last church are all-sufficient, but a closer acquaintance with the work of Sister White seems to be demanded, in order, to satisfy the honest inquirer that it fills the requirements of God’s Word. (p.44) As evidências, do ponto de vista bíblico, da autenticidade da obra do Espírito de Profecia em relação à ultima igreja são todo-suficientes, mas parece ser necessário um conhecimento mais meticuloso da obra da irmã White a fim de satisfazer o indagador sincero de que essa obra preenche os requisitos da Palavra de Deus. (p.44) Increasing waves of immigrants changed the texture of cities, from a “tiny trickle of 150,000 immigrants in the 1820s... to a powerful stream of two and one-half million in the 1850s.” Though they brought “vigor and variety”, they also aroused “fear, suspicion, and hostility.” Roman Catholics from Ireland, Italy, and other European countries were especially resented because their sheer numbers flooded the market with cheap labor; in addition, their religious homogeneity threatened the previous uniformity of a Protestant American (p.46). Ondas crescentes de imigrantes alteraram a estrutura das cidades, de um minúsculo filete de água de 150.000 imigrantes na década de 1820... para uma cautelosa corrente de dois milhões e meio na década de 1850. Embora eles trouxessem “vigor e variedade”, traziam também “temor, suspeitas e hostilidade”. Os católicos romanos, vindos da Irlanda, Itália e outros países europeus despertaram ressentimento não só porque a sua totalidade inundou o mercado com mão-de-obra barata, mas também porque sua homogeneidade religiosa era uma ameça à uniformidade anteior de uma América Protestante (p.46). As most maturing spouses learn sooner or later, stress times do come. In 18776, James, 55, was carrying extremely heavy responsibilities as president of the General Conference as well as being the firm counselor to the publishing work. Often his greatest concern was that few of his colleagues were as intense and as courageous regarding challenges as he was. Being a man of action, James tended to become dictatorial and demanding. At times he felt unappreciated. In experiencing the effects of several strokes and advancing Como a maioria das esposas maduras descobrem mais cedo ou mais tarde, no casamento há também momentos de tensão. Em 1876, Tiago, 55 anos de idade, assumia responsabilidades extremamente pesadas como presidente da Associação Geral e constante conselheiro da obra de publicações. Uma de suas maiores preocupações era a de que poucos colegas eram tão veementes e corajosos ante os desafios como ele. Sendo um homem de ação, Tiago tinha a tendência de tornar-se ditatorial e exigente. Às vezes ele se 52 age, thoughts of discouragement and sentia pouco apreciado. Ao experimentar resentment assailed him. Bleak thoughts os efeitos de diversos derrames e o seeped into his letters to his wife (p.54). avanço da idade, pensamentos de desânimo e ressentimentos o assaltavam. Pensamentos desanimadores transpareciam nas cartas que enviava a sua esposa (p.54). A few days after a funeral, Ellen White wrote to close friends: “The light of my home had gone and henceforth I should love it [their home] for his [James’s] sake who thought so much of it. It just met his taste.... But now can I ever regard it as I could if he had lived?” Alguns dias depois do funeral, Ellen White escreveu a amigos íntimos: “A luz do meu lar se apagou e daqui por diante devo amá-lo [o lar deles] em consideração a ele [Tiago] que lhe dava tanta importância. ... Ele satisfazia seu gosto. Mas como posso considerá-lo Anyone reviewing the record of their como faria se estivesse vivo?” marriage must conclude that this was an Quem quer que examine o relato de sua extraordinary relationship of two vida de casados há de concluir que este exceptional people. Each had a public era um relacionamento extraordinário de life, yet their affection flower through their duas pessoas extraordinárias. Cada um messages and actions one toward the tinha uma vida pública , apesar de sua other. Though living though the afeição fluir um para o outro. Embora “Victorian Period”, Ellen’s warm and vivendo no “Período Vitoriano”, a persevering devotion to James was far dedicação cálida e perseverante de Ellen more than platonic. His appreciation for ao marido estava muito distante de ser her was well known, the depth of which platônica. O apreço que ele tinha por ela any wife would be glad to experience era notório, apreço cuja profundidade (p.57). qualquer mulher ficaria contente de experimentar (p.57). 53 Anexo – Amostras de Tradução: Tradutor B Original Tradução Again, our study requires an unusual detour. On the surface, the concept of nature and supernature seems closer to the doctrine of God than to that of revelation-inspiration because it applies directly. A presupposition of nature and supernature affects the doctrine of revelation-inspiration only indirectly. Nonetheless, that indirect bearing is precisely why we should consider this issue carefully (p.88) Precisamos novamente fazer um desvio de percurso. Numa análise superficial, o conceito do natural e do sobrenatural parece estar mais ligado à doutrina de Deus do que à da revelação-inspiração. Aplicada a Deus, a distinção entre o natural e o sobrenatural é obvia. No caso da revelação-inspiração, porém, a pressuposição da existência desses dois domínios afeta apenas indiretamente a doutrina da revelação-inspiração. Não obstante, é justamente essa relação indireta que nos obriga a investigar o assunto detidamente (p.86). In Plato’s mind, reality must be eternal. In other words, we cannot conceive of ultimate reality as coming to be or passing away. Plato probably borrowed this idea of reality from Parmenides, who argue that being was timeless and eternal. The problem with Parmenide’s speculative notion about a timeless reality is that ir does not tell us much (p.91). Na percepção de Platão, a realidade tem de ser eterna. Em outras palavras, segundo ele, não se concebe a ideia de uma realidade última como passando a existir ou deixando de existir. Platão provavelmente se apropriou desse conceito da realidade a partir das ideias de Parmênides, que argumentava que o se era atemporal e eterno. Essa noção especulativa de Parmênides a respeito de uma realidade atemporal é problemática e peca por não ter sentido prático (p.89).