Direito eleitoral e democracia

Transcrição

Direito eleitoral e democracia
M arcus Vinícius F u rta d o Coelho
W alber de M o u ra A g ra
(Coordenadores)
Prefácio: O phir Cavalcante Junior
DIREITO ELEITORAL E
DEMOCRACIA
Desafios e Perspectivas
Editora
CONSELHO FEDERAL
J
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B r a s i l - C o n s e l h o F ed eral
Gestão 2010/2013
D ir e t o r i a
O p h i r C a v a lc a n te J unio r
P r e s id e n te
A l b e r t o d e Pa u la M a c h a d o
V ic e - P r c s id c n t e
M arcus V in ic iu s Fu rtado C o ê lh o
S e c r e lá r io - G e r a l
M ár c ia M el a r é
S e c r e tá r ia - G e r a l A d j u n t o
M iguel  n gelo Cançado
D ir e to r - T e s o u r e i r o
C o n s e l h e i r o s Fe de r a is
AC: C e s a r A u g u s to B a p tis ta d e C a r v a lh o , R e n a to C a s te lo d e O liv e ira e T ito C o s ta d e O liv e ira ;
AL: F e lip e S a r m e n to C o r d e ir o , M a r c e lo H e n r i q u e B ra b o M a g a lh ã e s e P a u lo H e n r i q u e F a lc ã o
U rêda; A P: A d a m o r d e S o u z a O liv e ira , S a n d r a d o S o c o r r o d o C a r m o O liv e ira e V e ra d e
Jesu s P in h e ir o ; A M : Jean C le u te r S im õ e s M e n d o n ç a , José A lb e r to R ib e iro S im o n e tti C a b r a l
c M iq u c i a s M a tia s F e r n a n d e s ; BA: D u r v a l J u lio R a m o s N e to , L u iz V ia n a Q u e i r o z e M a r c e lo
C i n t r a Z a r i f ; C E: H é r c u l e s S a r a i v a d o A m a r a l , J o s é D a n i l o C o r r e i a M o t a e P a u l o N a p o l e à o
G o n ç a l v e s Q u e z a d o ; D F : D a n i e l a R o d r i g u e s T e i x e i r a , D é l i o F o r t e s l . i n s e S ilv a c M e i r e
L ú c i a G o m e s M o n t e i r o M o t a C o e l h o ; ES: D j a l m a F r a s s o n , L u i z C l á u d i o S ilv a A l l e m a n d
e S e te m b rin o Id w a ld o N e tto
P elissari; G O : F e lic ís s im o S en a, lo ã o
B ez e rra C a v a lc a n te
e M ig u e l  n g e lo C a n ç a d o ; M A : José G u ilh e r m e C a r v a l h o Z a g a llo , R a i m u n d o F e rr e ir a
M a r q u e s e U lis se s C é s a r M a r tin s d e S o u s a ; M T: F r a n c is c o A n is F a la d , F r a n c is c o E d u a r d o
T o r r e s H s g a ib e j o s é A n t o n i o T a d e u G u i l h e n ; M S : A f e i f e M o h a m a d H a jj, C a r m e l i n o d e
A r r u d a R e z e n d e e José S e b a s tiã o E s p ín d o la ; M G : José M u rilo P r o c ó p io d e C a r v a lh o , P a u lo
R o b e r t o d e G o u v e a M e d i n a e R a i m u n d o C â n d i d o J u n i o r ; P A: A n g e l a S e r r a S a le s , F r e d e r i c o
C o e l h o d e S o u z a e R o b e r t o L a u ria ; P B : G e n i v a l V e l o s o d e F r a n ç a F i l h o , V i t a l B e z e r r a L o p e s
e W a l t e r A g r a J ú n i o r ; PR : A l b e r t o d e P a u l a M a c h a d o , R e n é A r i e l D o t t i e R o m e u F e lip e
B a c e l l a r F i l h o ; PE : J a y m e J e m i l A s f o r a F i l h o , L e o n a r d o A c c i o l y d a S il v a e P e d r o H e n r i q u e
B r a g a R e y n a l d o A lv e s ; PI : J o s é N o r b e r t o L o p e s C a m p e i o , M a r c u s V i n i c i u s F u r t a d o C o ê l h o e
W i l l i a n G u i m a r ã e s S a n t o s d e C a r v a l h o ; RJ: C a r l o s R o b e r t o S i q u e i r a C a s t r o , C l á u d i o P e r e i r a
d e S o u z a N e to e M a r c u s V in ic iu s C o r d e ir o ; RN: L u c io T e ix e ira d o s S an to s, S érg io E d u a rd o
d a C o s t a F r e i r e e W a g n e r S o a r e s R i b e i r o d e A m o r i m ; RS : C l e a C a r p i d a R o c h a , L u i z C a r l o s
L e v e n z o n e R e n a t o d a C o s t a F i g u e i r a ; RO : C e l s o C e c c a t t o , G i l b e r t o P i s e l o d o N a s c i m e n t o
e O r e s t e s M u n i z F ilh o ; RR: E d n a ld o G o m e s V id a l, F r a n c is c o d e A ss is G u i m a r ã e s A lm e id a
e M a r y v a l d o B a s s a l d e F r e i r e ; SC: P a u l o M a r c o n d e s B r i n c a s . R a f a e l d e A s s is H o r n e W a l t e r
C a r l o s S e y t f e r t h ; SP: A r n o l d o W a l d F i l h o , G u i l h e r m e O c t á v i o B a t o c h i o e M á r c i a M e l a r é ;
SE: H e n r i C la y S a n t o s A n d r a d e . V a l m i r M a c e d o d e A r a u j o e M i g u e l L d u a r d o H r i t t o A r a g ã o ;
TO : A n to n i o P im e n te l N e to , M a n o e l B o n fim F u r t a d o C o r r e i a e M a u r o José R ib a s.
E x - P r e si d e n te s
I. L e v i C a r n e i r o ( 1 9 3 3 / 1 9 3 8 ) 2. F e r n a n d o d e M e l o V i a n a ( 1 9 3 8 / 1 9 4 4 ) 3. R a u l F e r n a n d e s
( 1 9 4 4 / 1 9 4 8 ) 4. A u g u s t o P i n t o L i m a ( 1 9 4 8 ) 5. O d i l o n d e A n d r a d e ( 1 9 4 8 / 1 9 5 0 ) 6. H a r o l d o
Valladão
(1950/1952)
7.
A ttílio
V iváqua
(1952/1954)
8.
M iguel
Seabra
Fagundes
( 1 9 5 4 / 1 9 5 6 ) 9 . N e h e m i a s G u e i r o s ( 1 9 5 6 / 1 9 5 8 ) 10. A l c i n o d e P a u l a S a l a z a r ( 1 9 5 8 / 1 9 6 0 )
I I . J o s é E d u a r d o d o P. K e l l y ( 1 9 6 0 / 1 9 6 2 ) 12 C a r l o s P o v i n a C a v a l c a n t i ( 1 9 6 2 / 1 9 6 5 ) 13.
T h e m í s t o c l e s M . F e r r e i r a ( 1 9 6 5 ) 14. A l b e r t o B a r r e t o d e M e l o ( 1 9 6 5 / 1 9 6 7 ) 15. S a m u e l V i t a l
D u a r t e ( 1 9 6 7 / 1 9 6 9 ) 16. L a u d o d e A l m e i d a C a m a r g o ( 1 9 6 9 / 1 9 7 1 ) 17. *J os é C a v a l c a n t i N e v e s
( 1 9 7 1 / 1 9 7 3 ) 18- J o s é R i b e i r o d e C a s t r o F i l h o ( 1 9 7 3 / 1 9 7 5 ) 19. C a i o M á r i o d a S i l v a P e r e i r a
( 1 9 7 5 / 1 9 7 7 ) 20. R a y m u n d o F a o r o ( 1 9 7 7 / 1 9 7 9 ) 21, ^ E d u a r d o S e a b r a F a g u n d e s ( 1 9 7 9 / 1 9 8 1 )
22. *J. B e r n a r d o C a b r a l ( 1 9 8 1 / 1 9 8 3 ) 2 3 . ' M á r i o S é r g i o D u a r t e G a r c i a ( 1 9 8 3 / 1 9 8 5 ) 24.
■ " H e r m a n n A s s i s B a e t a ( 1 9 8 5 / 1 9 8 7 ) 2 5 . ' M á r c i o T h o m a z B a s t o s ( 1 9 8 7 / 1 9 8 9 ) 26. " O p h i r
F i l g u e i r a s C a v a l c a n t e ( 1 9 8 9 / 1 9 9 1 ) 2 7 . ‘ M a r c e l l o L a v e n è r e M a c h a d o ( 1 9 9 1 / 1 9 9 3 ) 2 8 . *J os é
R o b e r t o B a t o c h i o ( 1 9 9 3 / 1 9 9 5 ) 2 9 . ‘ E r n a n d o U c h o a L i m a ( 1 9 9 5 / 1 9 9 8 ) 30. * R e g Í n a I d o
O s c a r d e C a s t r o ( 1 9 9 8 / 2 0 0 1 ) 31. ’ R u b e n s A p p r o b a t e M a c h a d o ( 2 0 0 1 / 2 0 0 4 ) 32. ' R o b e r t o
A n t o n i o B u s a t o ( 2 0 0 4 / 2 0 0 7 ) 33. * C e r a r B r i t t o ( 2 0 0 7 / 2 0 1 0 )
M e m b r o s H o n o r á r i o s V italício s
Ordem dos Advogados do Brasil
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FIC H A CA TA LOG RÁ FICA
Direito eleitoral e dem ocracia: desafios e perspectivas / Marcus
Vinícius Furtado Coêlho, Walber de M oura A gra (coordenadores).
- Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010.
326p.
ISBN 978-85-7966-004-7
O A B -C F/G R E /B IB L IO TE C A
Sumário
P R E F Á C I O ..................................................................................................................................... 7
A IN E L E G IB IL ID A D E
C O M O C O N S E Q Ü Ê N C IA D A R E JE IÇ Ã O DAS
CONTAS
A d r i a n o S a n tA n a P e d r a / A n d e r s o n S a n t A n a P e d r a .................................................. 9
A A R E N A I N C L U S IV A C O M O M O D E L O D E D E M O C R A C I A
A n d r é R a m o s T a v a r e s .............................................................................................................41
O P IN IÃ O LEGA L
C a rlo s M á r io d a Silva V e l l o s o ............................................................................................69
A R E P Ú B L IC A E O S F IC H A S SUJA S
D ja l m a P i n t o ...............................................................................................................................75
I N C L U S Ã O E L E IT O R A L D A S P E S S O A S C O M D E F I C I Ê N C I A
F áb ia L im a d e B rito D a m i a / L u iz A lb e r to D a v id A r a u j o ...................................... 95
BREVES A N O T A Ç Õ E S SOBRE O EXCESSO D E D O A Ç Õ E S DE REC UR SO S
P A R A C A M P A N H A S E L E IT O R A I S
F e r n a n d o N ev e s d a S i l v a .....................................................................................................121
A O R I G E M D O S IS T E M A E L E IT O R A L P R O P O R C I O N A L N O B R A SIL
G ilb e r t o B e r c o v i d .................................................................................................................. 127
P O L ÍT IC A , S O N E G A Ç Ã O E F IN A N C IA M E N T O D E C A M P A N H A S
H é lio Silvio O u r é m C a m p o s / G u s ta v o P o n t e s ........................................................ 139
P A R L A M E N T A R IS M O E P R E S ID E N C IA L IS M O
Ives G a n d r a d a Silva M a r t i n s ............................................................................................ 149
L EI C O M P L E M E N T A R N . 135. E SUA A D E Q U A Ç Ã O A O P R I N C Í P I O
C O N S T IT U C IO N A L P R E S U N Ç Ã O DE IN O C Ê N C IA
Jan ine A c c io ly ............................................................................................................................ 159
R E F L E X Õ E S D O U T R I N Á R I A S E J U R I S P R U D E N C I A I S S O B R E O ART.
4 1 - A D A L EI N . 9 .5 0 4 /9 7
José A u g u s to D e l g a d o ..........................................................................................................171
S U S PE N SÃ O E PE R D A D O S D IR E IT O S P O L ÍT IC O S
Luiz V ia n a Q u e i r o z ................................................................................................................189
o PROBLEM A
D A ( S U B )R E P R E S E N T A Ç Ã O P O L Í T I C A D A M U L H E R :
U M T E M A C E N T R A L N A A G E N D A P O L ÍT IC A N A C IO N A L
M a r ia C la u d ia B u c c h ia n e ri P in h e i r o ........................................................................... 209
O S L IM IT E S D A P R O P A G A N D A E L E IT O R A L E SU A F U N Ç Ã O N A
D E M O C R A C IA
M a r c u s V in ic iu s F u r ta d o C o ê l h o ................................................................................... 221
F I N A N C I A M E N T O D O S P A R T ID O S P O L Í T I C O S E D A S C A M P A N H A S
E L E IT O R A IS
P a lh a re s M o r e ir a R e is........................................................................................................... 227
F I D E L I D A D E P A R T ID Á R IA
R ic a rd o L e w a n d o w s k i.......................................................................................................... 263
IN V E S T IG A Ç Ã O
JU D IC IA L
E L E IT O R A L
POR
ABUSO
DE
PODER
E C O N Ô M IC O O U A B U SO D E P O D E R P O L ÍT IC O
Silvio R o m e r o B e l t r ã o .......................................................................................................... 269
E L E IÇ Õ E S 2 0 1 0 - “F I C H A SUJA” & Q U E S T Õ E S C O N S T I T U C I O N A I S
T h ales T ác ito P o n te s L u z d e P á d u a C e r q u e i r a .......................................................... 287
C A P T A Ç Ã O I L ÍC IT A D E A R R E C A D A Ç Ã O E G A S T O S . A N Á L IS E D O
ART. 3 0 - A D A L EI E L E IT O R A L
W a lb e r d e M o u r a A g r a ........................................................................................................2 97
IN F E D E L ID A D E
P A R T ID Á R IA :
A T IV IS M O
JU D IC IA L
E FE IT O S
E
C O N S E Q Ü Ê N C IA S PA R A OS SU PL E N T E S
W a lte r d e A g r a J ú n i o r ......................................................................................................... 311
PREFÁCIO
São inúm eras as contribuições a que se presta a presente obra no
contexto dos intensos debates acerca das mais recentes transformações
políticas e sociais de nosso País. C om referências doutrinárias dos mais
renom ados formuladores do Direito Eleitoral contem porâneo, este
será, sem dúvida, um im portante instrum ento para quem lida diaria­
m ente com dem andas nessa área, além de constituir fonte perm anente
de pesquisa junto à com unidade jurídica, o que só enaltece a iniciativa
de publicação do Conselho Federal da OAB, com o apoio da Escola
Judiciária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Deve-se ressaltar que a escolha do tem a em ano eleitoral de
um a das maiores democracias do planeta, levando às urnas cerca de
150 milhões de brasileiros, é particularm ente oportuna, adotandose, na formulação do conjunto da obra, um a zetética abrangente, di­
versificada, sob o prism a crítico de advogados de intensa militância,
alguns dos quais com passagem na atividade julgadora do TSE, além
daqueles cujo trabalho é marco referencial entre os operadores de
Direito. Questões teoréticas de profunda im portância para com pre­
ensão da legislação eleitoral aqui são analisadas com peculiar sabe­
doria p o r mestres com o A ndré Ramos Tavares, ao tratar da dem o­
cracia; Ives G andra M artins, num a análise dos sistemas parlam enta­
rista e presidencialista; Gilberto Bercovici, sobre a origem do siste­
m a proporcional de votos; e, da lavra do Secretário-Geral de nossa
entidade, M arcus Vinicius Furtado Coêlho, os Hmites da propaganda
eleitoral e sua função para o postulado da igualdade dem ocrática. Não
podem os deixar de mencionar, ainda, as preciosas reflexões do exm inistro Carlos M ário Velloso acerca da possibilidade de reeleição de
quem ocupa cargo de governador seis meses antes da eleição; a inves­
tigação judicial eleitoral, de Silvio Romero; além do excesso de doação
nas cam panhas, do tam bém ex-m inistro Fernando Neves. Nesse rol de
contribuições inclui-se o atual presidente do TSE, m inistro Ricardo
Lewandoswski.
Desse modo, o trabalho se insere inevitavelmente no grande de­
bate dem ocrático cujo envolvimento da sociedade organizada, num
7
m ovim ento de baixo para cima, tem sido fundam ental para dar mais
transparência e legitimidade às eleições. São exemplos notáveis a legis­
lação que refreia o abuso do poder econômico, a com pra de votos, os
excessos da propaganda eleitoral, e, mais recente, a que desmascara os
malfeitores disfarçados de políticos, apropriadam ente batizada de Lei
da Ficha Limpa.
Todas essas medidas resultaram de proposições de iniciativa p o p u ­
lar encabeçadas p o r entidades representativas da sociedade civil, dentre as
quais, com sobeja honra, a O rdem dos Advogados do Brasil.
Com segurança, pode-se afirm ar que raras publicações reúnem,
com o esta, um a cátedra tão diversificada de mestres do Direito com en­
tando matérias consideradas essenciais ao pleno exercício da cidadania,
ao desenvolvimento de nossa dem ocracia e ao aprim oram ento do ar­
cabouço jurídico eleitoral. Se após sua leitura novos entendim entos se
firmarem, respeitando-se as opiniões divergentes, como é peculiar (e
necessário) nos embates intelectuais democráticos, então o objetivo da
obra terá sido alcançado.
O PH IR CAVALCANTE JUNIOR
Presidente do Conselho Federal da OAB
A IN EL EG IB ILID A D E C O M O CO NSEQ Ü ÊN CIA DA REJEIÇÃO
DAS CONTAS
A d r i a n o S a n t ’A n a P e d r a '
A n d e r s o n S a n t ’A n a P e d ra -
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A elegibilidade com o direito político e a
m oralidade administrativa; 3 Conceito e natureza da inelegibilidade;
4 Inelegibilidade decorrente da rejeição das contas; 5. Requisitos
configuradores da inelegibilidade prevista no art. 1°, I, g, da LC 64; 5.1
Rejeição das contas; 5.2 Decisão proferida p o r órgão competente; 5.3
Irrecorribilidade da decisão; 5.4 Irregularidade insanável; 5.5 Prazo
qüinqüenal; 5.6 Inexistência de ação judicial questionando a rejeição
das contas; 6 Considerações Anais; 7 Referências bibliográficas.
PALAVRA-CHAVE: direitos fundam entais; inelegibilidade; rejeição
de contas.
1. IN TR O D U Ç Ã O
Aproximando-se as eleições, os Tribunais e Conselhos de Contas
de todo o país têm um a incum bência de extrem a relevância determ ina­
da pelo art. 11, § 5°, da Lei n" 9.504, de 30.09.1997, de tornar disponível
à Justiça Eleitoral, até o dia 05 de julho do ano em que se realizam as
eleições, a relação daqueles que tiveram suas contas relativas ao exer­
cício de cargos ou funções públicas rejeitadas p o r irregularidade insa­
nável e por decisão irrecorrível do órgão com petente, ressalvados os
casos em que a questão estiver sendo subm etida à apreciação do Poder
Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.
1
2
D o u tu r e m D ireito d o E stado (P U C -S F). M estre em D ireitos e G a ra n tia s C o n stitu c io n a is E u n d a m e n tais (FDV-ES). M estre e m Física (UFES). Pro fesso r d e D ire ito C o n stitu c io n a l d a F a cu ld ad e d e D ireito
d e V itória (g radu ação , especialização e m e stra d o ). Professor d a Escola d a M ag istra tu ra d o Espírito
Santo (EMES). P r o c u r a d o r Federal. E-mail: a d ria n o p e d ra @ ig .c o m .b r;
D o u to ra n d o e m D ireito d o E sta d o (P U C -S P). M estre em D ireito (FD C -R J). Especialista e m D ireito
P ú b lico pela C o n s u ltim e /C á n d id o M endes/ES. Pro fesso r e m p ó s -g ra d u a ç ã o d e D ireito C o n stitu cio n al
e A dm in istrativ o. C o o r d e n a d o r A c ad ê m ic o d a Escola S u p e rio r d a PGEES. Ex -C hefe d a C o n su lto ria
Jurídica d o TCEES. P r o c u r a d o r d o E sta d o d o E sp írito Santo. A dvogado.
E-mail: a sp ed ra@ ig .co m ,br
9
o cum prim ento deste com ando visa a inform ar à Justiça Eleitoral
os cidadãos que estão com sua elegibilidade com prom etida p o r força
do art. 1®, L ^ d a Lei C om plem entar n" 64, de 18.05.1990 (LC 64). C o n ­
tudo, p o r mais que possa parecer claro este com ando, vários requisitos
deverão ser analisados para sua execução até que a Justiça Eleitoral con­
signe com o inelegível determ inado candidato.
Dessa forma, sem a pretensão de esgotar o assunto, buscar-se-á
fazer um a abordagem do tem a de acordo com a visão doutrinária e
jurisprudencial, analisando os requisitos configuradores da inelegibilidade prevista no art. 1°, I, g, da LC 64.
De partida, deve-se esclarecer que não se está aqui a visitar o art. 37,
§ 4° da Constituição brasileira de 1988 (CRFB), que prevê a suspensão dos
direitos políticos caso ocorra a prática de atos de improbidade administra­
tiva, um a vez que este dispositivo trata de condenações em processos judi­
ciais cuja decisão deixe claro a sanção aplicada (art. 12 da Lei n° 8.429/92).
Afirma-se isto pois, para alguns, p o r força dos arts. 15, V e 37, §
4°, da CRFB, um a conduta proba já é requisito essencial para a elegi­
bilidade, não se podendo considerar elegível um cidadão que teve suas
contas rejeitadas pelo Órgão Legislativo^ e/ou pelo Tribunal de Contas,
simplesmente porque ajuizou ação ordinária de anulação (ou desconstituição) de prestação de contas."
2.
A
ELEGIBILIDADE
COMO
D IR E IT O
P O L ÍT IC O
E A
M ORALIDADE A DM INISTRATIVA
Os direitos políticos constituem o p od er que os cidadãos ativos
têm de participar direta ou indiretam ente das decisões do seu Estado.
Os direitos políticos são direitos públicos subjetivos que investem o in ­
divíduo no status activae dvitatis, constituídos de instrum entos que vi­
sam disciplinar as formas de atuação da soberania popular, perm itindo o
exercício da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado.
N a lição de Pim enta Bueno, direitos políticos são
3
4
N este tra b a lh o será utilizada a ex p ressão “Ó rg ã o Legislativo” p a ra re p re s e n ta r as C â m a r a s M unicipais,
as A ssem blcias Legislativas o u o C o n g re ss o N acional, e sp e c ia lm e n te c o m o p ro p ó s ito d e n ã o d a r azo à
d iscu ssão d e q u e os Tribunais d e C o n ta s in te g ra m (o u n ã o ) o P o d e r l egislativo - d iscu ssão estéril para
0 q u e p re te n d e esse trabalho.
FIN T O , D jalm a. Direito eleitoral: a n o ta çõ e s e tem as polêm icos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
94-96.
10
prerrogativas, atributos, faculdades, ou p o d er de
intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país,
intervenção direta ou indireta, m ais ou m enos ampla,
segundo a intensidade do gozo desses direitos. São o
Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder
Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na
form ação ou exercício da autoridade nacional, a exercer
o direito de vontade o u eleitor, o direito de d eputado ou
senador, a o cu p a r cargos politicos e a m anifestar suas
opiniões sobre o governo do E sta d o \
Conform e preceitua a Constituição brasileira de 1988, em seu art.
14, caput, a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e
pelo voto direto esecreto, com valor igual para todos e, nos term os da
lei, m ediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. Nos term os da
Constituição brasileira, é possível elencar com o direitos políticos o di­
reito de sufrágio, o direito de votar em eleições, plebiscitos e referendos,
a iniciativa popular, a ação popular, a organização e participação de
partidos políticos, bem com o a elegibilidade.
A elegibilidade é o direito subjetivo público que detém o cida­
dão para subm eter o seu nom e à apreciação dos seus iguais, postulando
a designação para um m andato político no Legislativo ou no Executivo,
m ediante a sufragação popular.
Na lição de Luiz Pinto Ferreira,
a elegibilidade é a capacidade de ser eleito, a qualidade
de u m a pessoa que é elegível nas condições perm itidas
pela legislação. A elegibilidade é, n a restrita precisão
legal, o direito do cidadão de ser escolhido m ediante
votação direta ou indireta p ara representante do povo ou
d a com unidade, segundo as condições estabelecidas pela
Constituição e pela legislação eleitoral^
A verificação da elegibilidade de um cidadão é conditio sine qua
non para a efetivação de u m a candidatura, sendo necessária ainda a
conveniência pessoal do cidadão e do partido político ao qual se ache
filiado, que deverá subm etê-lo à convenção partidária para a escolha
dos seus candidatos.
Todavia, com o não existem direitos absolutos, a elegibilidade
5
6
BUF.NO, P im en ta . Direito público brasiieiro e análise da constituição do império. Rio d e laneiro: N ova
Edição. 1958, p. 459.
FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios gerais do direito constitucional m oderno. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
1983,v. l , p . 364.
11
tam bém não o será. A própria Constituição brasileira de 1988 prescre­
ve a possibilidade de serem estabelecidos casos de inelegibilidade a fim
de proteger a probidade adm inistrativa e a m oralidade para o exercício
do m andato (art. 14, § 9“).
Deve-se esclarecer que a hipótese de inelegibilidade pela rejeição
das contas não tem por efeito a suspensão dos direitos políticos^. São
institutos com conseqüências totalm ente diferentes. A suspensão dos
direitos políticos é a privação tem porária do direito de votar e de ser vo­
tado, enquanto que a inelegibilidade é a sanção que im pede a obtenção
da elegibilidade (direito de ser votado).
Assim, não há superfície para se falar em suspensão dos direitos
políticos quando se tratar de rejeição das contas nos term os do art. 1®,
I, g da LC 64, sob pena de lhe atribuir efeito jurídico que ela é despida.^
Essa distinção é importante, pois a rejeição das contas em razão de
irregularidades insanáveis não autoriza a perda do cargo ou mandato, mas
apenas a suspensão da participação nas eleições nos cinco anos seguintes.
3. C O N C E ITO E NATUREZA DA INELEGIBILIDADE
Nas palavras de Luiz Pinto Ferreira, “a inelegibilidade é o con­
trário da elegibilidade”^ A inelegibilidade"^ se configura pela inaptidão
jurídica para receber voto, obstando, dessa forma, a existência da can­
didatura. Segundo a lição de Carlos M ário da Silva Velloso e W alber de
M oura Agra, “inelegibilidade é a impossibilidade de o cidadão ser eleito
para cargo público, em razão de não p od er ser votado, im pedindo-o de
exercer seus direitos políticos de form a passiva"", não obstante p erm a­
necer intacto sua cidadania ativa, ou seja, o direito de votar nas eleições.
7
8
9
10
11
N a tu ra lm e n te q u e o a to q u e e n sejo u a rejeição das c o n ta s p o d e rá e n se ja r a a ção p rev ista n o art. 17
d a Lei n° 8.429/92, c o m a finalidade d e d e clarar a im p ro b id a d e a d m in istra tiv a d o agente público. O
o rd e n a m e n to ju ríd ic o b rasileiro a trib u i d iversos efeitos à im p ro b id a d e a d m in istra tiv a , d e n tre os quais
se p o d e c ita r o d a s u sp e n sã o d e d ire ito s políticos pelo p ra z o prev isto n a sen te n ç a judicial.
Cf. nesse sentido: C OSTA, A d ria n o Soares. Instituições de direito eleitoral. 3. ed. Belo H orizonte: Del
Rey, 2000, p. 161, q u e registra a in d a n a m e s m a págiiia: "Afirmar, c o n so a n te fez o a r e s t o d o STlque
essa n o r m a d a LC 64/90 im p u ta a p e rd a d o s d ire ito s políticos, é e m p o lg á -la in d e v id a m e n te, a trib u in ­
d o -lh e efeito q u e ela n ã o tem.”
FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios gerais do direito íonstifuciona! m o derno , p. 364.
N ã o se deve c o n fu n d ir inelegibilidade c o m in c o m p atib ilidad e. A p rim e ir a im p e d e a lg u é m de scr c a n ­
d id ato , a seg u n d a p e rm ite a c a n d id a tu ra , m a s im p õ e a e sco lh a e n tre o m a n d a to eletivo e a atividade
tid a p o r incom patível.
VELLOSO, C arlo s M ário d a Silva; A G RA , W alber d e M o u ra . Elem entos d e direito eleitoral. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 36.
12
Pode-se afirmar que a inelegibilidade é a ausência de capacidade
eleitoral passiva, ou seja, a inexistência do direito de ser votado, consti­
tuindo assim um a restrição ao status de cidadania ativa.
As hipóteses de inelegibilidade estão elencadas diretam ente na
Constituição ou rem etidas p o r ela a um elenco a ser trazido em lei com ­
plem entar - Lei C om plem entar n “ 64, de 18.05.1990 (LC 64). Merece
ser destacado que “as inelegibilidades devem ser expressas. As inelegibilidades, que são vedações ou proibições constitucionais ao direito de
ser eleito ou à capacidade eleitoral passiva, devem ser expressas"'^.
As norm as constitucionais concernentes à inelegibilidade são de
eficácia plena, o que perm ite a sua im ediata aplicação. C ontudo a C ons­
tituição brasileira de 1988, no seu art. 14, § 9°, autorizou que lei com ­
plem entar prescrevesse outras causas de inelegibilidade.
Nesse passo, merece que sejam lançadas luzes sobre a LC 64, que
traz hipóteses infraconstitucionais de inelegibilidade. Antes, contudo,
é imprescindível a verificação das situações de inelegibilidade previstas
constitucionalmente.
Calha frisar que a norm ativa infraconstitucional somente p o d e­
rá criar novas hipóteses de inelegibilidade se estas m ostrarem -se como
desdobram entos daqueles originariam ente previstos na CRFB. Tais
restrições não podem implicar norm as violadoras do princípio d em o­
crático, mas, pelo contrário, devem servir de aprim oram ento da d em o­
cracia, sob pena de inconstitucionalidade a ser expurgada do o rdena­
m ento jurídico.
Para o que interessa para análise, é trazido o seguinte trecho do
texto constitucional:
Art. 14. A soberania p o p u lar será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, co m valor igual
para todos, e, nos term os da lei, mediante:
[...]
§ 9" Lei complementar estabelecerá outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger
a probidade administrativa, a moralidade para exercício
de m andato considerada vida pregressa do candidato, e a
normalidade e legitimidade das eleições contra a influência
do poder econômico ou o abuso do exercício de função,
cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
12
13
FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios gerais do direito constitucional m odern o, p. 371.
R ed a ç ã o d a d a pela E m en d a C o n stitu cio n al d e R ev isão n" 4, de 0 7 d c ju n h o de 1994.
13
Com o se pode perceber, o legislador constituinte atribuiu à lei
com plem entar a possibilidade de estabelecer outros casos de inelegibilidade a fim de proteger a probidade adm inistrativa, a m oralidade para
exercício de m andato considerada a vida pregressa do candidato.
Com supedâneo no texto do art. 14, § 9° da CRFB, alguns juristas
vêm extraindo um entendim ento de que basta um a rejeição das contas,
sem a necessidade de verificar se foi p o r órgão com petente ou não, ou
que haja um a ação civil pública p o r im probidade adm inistrativa, m es­
m o sem que haja condenação com o trânsito em julgado, para se ter
configurada a inelegibilidade do cidadão, tendo em vista que a CRFB
repudia a elegibilidade de pessoas ímprobas em hom enagem ao princí­
pio da m oralidade administrativa.
Não se nega que a Constituição brasileira realmente repudie a
elegibilidade de pessoas ímprobas. Contudo, ao assim dispor, o legis­
lador constituinte fez nítida opção em atribuir à lei com plem entar o
condão de estabelecer os casos de inelegibilidade.
Alguns juristas'^ ainda entendem que, em razão do art. 14, § 9° da
CRFB prescrever que para a elegibilidade deve ser “considerada a vida
pregressa do candidato”, existiria razão de per si para que a Justiça Elei­
toral considerasse inelegível aquele candidato que estiver envolvido (ou
que seja suspeito) em qualquer ato de improbidade, pouco im portando
se há ou não condenação com trânsito em julgado.
Com todo o respeito àqueles que advogam tese em contrário,
deve-se considerar que, do mesm o m odo que a CRFB homenageia o
princípio da m oralidade adm inistrativa, tam bém festeja os princípios
da legalidade, da presunção de inocência e do devido processo.
Dessa forma, não se pode fazer um a leitura fracionada da C ons­
tituição, perscrutando apenas dispositivos constitucionais isolados (art.
14, $ 9^*; art. 15, V; art. 37, § 4°), para se “buscar” um a conclusão de que
o texto constitucional abom ina um com portam ento ímprobo, e pronto.
É certo que a Constituição brasileira repudia u m com portam ento
ímprobo. Contudo, essa m esm a Constituição tam bém estabelece que
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido p ro ­
cesso legal” (art. 5°, LIV), que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
14
PIN T O , D jaim a. Direito eleitoral', an o ta çõ e s e te m a s polêm icos, p. 109-111,
14
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5°, II), e que “n in ­
guém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória” (art. 5°, LVII).
Por tudo isso, é necessário que sejam ponderados os interesses
trazidos pela Constituição brasileira de 1988, e é isso que será feito no
tópico que se segue.
4. INELEGIBILIDADE DECORRENTE DA REJEIÇÃO DAS CONTAS
As hipóteses de inelegibilidade elencadas pela LC 64 decorrem
de situação jurídica personalizada que devem ser verificadas com zelo
de m odo a não com prom eterem n enhum valor sobranceiro do Texto
Constitucional. Neste trabalho a hipótese de inelegibilidade a ser anali­
sada é a do art. 1°, I, g da LC 64.
Q ualquer pessoa que tenha exercido cargo, emprego ou função
pública e que tenha tido suas contas rejeitadas pode se subsum ir ao
enunciado norm ativo prescrito no art. P , I, g, da LC 64, senão vejamos:
Art. 1" São inelegíveis:
I - p ara qualquer cargo;
1...1
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de
cargos ou funções públicas rejeitadas p o r irregularidade
insanável e p o r decisão irrecorrível do órgão competente,
salvo se a questão houver sido o u estiver sendo subm etida
à apreciação do Poder ludiciário, para as eleições que
se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a
partir d a data da decisão;
De partida, pode-se afirm ar que a inelegibilidade prevista no dis­
positivo trasladado é efeito anexado à decisão irrecorrível de natureza
não judicial, cujo conteúdo rejeita contas prestadas por quem exerceu fun­
ção pública, contaminadas que estavam por irregularidade insanável.*'
Vê-se tam bém que se trata, na verdade, de um manancial n or­
mativo, já que do enunciado retro extrai-se inúm eras norm as que m e­
recem ser analisadas dentro de um sistema norm ativo sistematizado,
já que a norma pode ser expressa p or meio de diferentes enunciados
15
CO STA , A d ria n o Soares. Instituições de direito eleitoral, p. 158.
15
normativos'^y e de um enunciado norm ativo podem ser extraídas diver­
sas norm as/^ A norma é na verdade o significado de um ou de vários
enunciados normativos.
Nesse passo, cuidar-se-á agora das norm as que podem ser extra­
ídas do art. 1 ,1, g da LC 64, que serão abordadas aqui com o requisitos
que devem ser verificados para se ter configurada a inelegibilidade p re­
vista no m encionado dispositivo.
5. REQ U ISITOS CO N FIG U R A D O R ES DA INELEGIBILIDADE
PREVISTA N O ART. 1«, I , ^ d a LC 64
Para se ter configurada a hipótese de inelegibilidade não basta
simplesmente que as contas tenham sido rejeitadas, mas se m ostra for­
çoso verificar os requisitos cumulativos a seguir analisados.
5.1. REJEIÇÃO DAS CONTAS
O prim eiro ponto que merece destaque é a delimitação do que
vem a ser “contas rejeitadas”.
Analisando o Texto Constitucional, nota-se que aos Tribunais de
C ontas'^ incubem , dentre outras, as seguintes competências:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso
Nacional, será exercido com o auxílio do T ribunal de
Contas d a União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualm ente pelo
Presidente d a República, m ed ian te parecer prévio que
deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu
recebimento;
16
É n ã o é in c o m u m q u e a n o r m a seja e n c o n tra d a a p a r tir d e e n u n c ia d o s n o rm a tiv o s c o n stantes d e d i ­
p lo m a s legislativos diferen tes (CRFB, Leis C o m p le m e n tares , Leis O rd in á ria s e d e m a is in s tru m e n to s
n o rm a tiv o s) - é o q u e se intitula d e interpretação sistemática. N esse s e n tid o cf.i PE D RA , A n d e rso n
Sant’A na. O controle da proporcionalidade dos atos legislativos: a h e rm e n ê u tic a co n stitu cio n al c o m o
in s tru m e n to . Belo H orizo nte: D el Rey, 2006, p. 144-148, p a ra q u e m ; “A in te rp re ta ç ã o d o d ire ito é a
in te rp reta ç ã o d o direito e m seu to d o . n ã o d e textos isolados - n ã o se in te rp re ta o d ire ito e m tiras, aos
pedaços; s e n d o u m d o s p o stu la d o s d a m e to d o lo g ia ju ríd ic a o d a existência f u n d a m e n ta l d a u n id a d e
d o D ireito
(p. 145).
17 Cf. nesse sentido: LARHNZ, Karl. Metodologia d a ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa;
C alo u ste G u lb e n k ia n , 1997, p. 270; ALEXY, R o b e r t Teoria de los derechos fu n d a m e n ta le s. Trad. E rn e s ­
to G a rz ó n Valdés. M ad rid ; C e n tro d e E stú d io s Politicos y C o n stitu cio n ale s, 2002, p. 50.
18 Registre-se q u e o STF te m c o n sid e ra d o c o m o n o rm a s d e o b s e rv â n c ia ob rig ató ria (p rin cip io d a s im e ­
tria c o n stitu cio n al) as n o rm a s referentes a o T rib u na l d e C o n ta s d a U n iã o (arts. 71 a 73) (v. A D I 1.140/
RR e A D I 9 I6 /M T ) . N este passo n ã o h á q u e se fazer d is tin ç ão e n tre T rib u n a l d e C o n ta s d a U nião,
T rib u n a is d e C o n ta s d o s Estados e T rib u n a is (o u C o n se lh o s ) d e C o n ta s d o s M u n icip io s, o n d e houver.
16
II - julgar as contas dos adm inistradores e demais
responsáveis p o r dinheiros, bens e valores públicos da
adm inistração direta e indireta, incluídas as fundações
e sociedades instituídas e m antidas pelo Poder Público
federal, e as contas daqueles que derem causa a perda,
extravio ou o utra irregularidade d e que resulte prejuízo
ao erário público;
Tem-se ainda a seguinte com petência do Congresso Nacional'^:
Art. 49. É d a com petência exclusiva do Congresso
Nacional:
[ -]
IX - julgar anualm ente as contas prestadas pelo
Presidente d a República e apreciar os relatórios sobre a
execução dos planos de governo;
Assim, para um aprofundam ento naquilo que se pretende neste
trabalho, é indispensável analisar os incisos I e II do art. 71 da CRFB,
já que se tratam de com petências díspares: "apreciar as contas” e “ju l­
gar as contas”^®. Além disso, essas com petências repercutem , de forma
bem peculiar, no Tribunal de Contas, no Órgão Legislativo e na Justiça
Eleitoral.
Com o bem salienta Antônio Carlos Mendes^', há de se ter p re­
sente que o art. 7 1 ,1, da CRFB outorga aos Tribunais de Contas a co m ­
petência para deliberar sobre as contas do Chefe do Poder Executivo,
e, assim, a decisão adm inistrativa apresenta-se com o parecer prévio ao
Órgão Legislativo, a quem incum be a faculdade de acolher ou não a
prestação de contas. Com o o parecer prévio do Tribunal de Contas não
tem conteúdo decisório, mas opinativo, sugerindo ao Órgão Legislati­
vo a decisão a ser tom ada, não poderia, p o r si só, obter a anexação da
ilegitimidade com inada. Apenas à decisão do Órgão Legislativo, sobre
a rejeição das contas do Chefe do Poder Executivo, é que se anexam os
efeitos da inelegibilidade.
19
20
21
Pelo principio da sim etria constitucional as C o n stitu iç õ es dos H stad o s-M em b ro s e as Leis O rgâ n ic as
M u nicip ais estão c o m p e lid o s a re p e tire m os p a ra d ig m a s tra ç a d o s p e la CRFB, salvo q u a n d o esta d is ­
p u s e r em c o n trário . M u ito e m b o ra n ã o esteja expresso n o tex to co n stitu cio n al, este p rin c íp io p o d e ser
d e d u z id o a p a rtir d a exegese d o s arts. 25 e 29 d a CRFB, b e m c o m o d o art. 11 d o A to das D isposições
C o n stitu cio n ais Transitórias.
N ã o foi p o r c ap ric h o q u e o legislador c o n stitu in te utilizou v e rbos diferentes; “a p reciar” e “ju lg a r”. Cf.
e m id ê n tic o sentido: G O M E S JÜ N IO R , Luiz M anoel. Tribunais d e contas-, a sp e c tos c o n tro v e rtid o s. Rio
d e Janeiro: Forense, 2003, p. 28.
A p u d CO STA , A d ria n o Soares. Instituições d e direito eleitoral, p. 159.
17
Registre-se que nos M unicípios a situação é sui generis, u m a vez
que, por força do art. 31, § 2° da CRFB^^, o parecer prévio em itido pelo
Tribunal de Contas só deixará de prevalecer por decisão de dois terços
dos m em bros da Câm ara Municipal.
Voltando à visitação do art. 71 da CRFB, observa-se que seu inci­
so II conferiu aos Tribunais de Contas o p od er de julgar as contas dos
agentes responsáveis por direitos ou bens públicos, devendo, inclusive,
esse julgam ento recair sobre os Chefes do P oder Executivo, quando es­
tes atuarem com o “ordenadores de despesas”
Inexistindo outro órgão juridicamente qualificado para exercer
essa competência constitucional, a deliberação da Corte de Contas é ver­
dadeira decisão, sujeitando o ordenador das despesas à inelegibilidade.^^
Mas não foi esse o entendim ento do STF no Recurso Extraordi­
nário n® 132.747-DF^\ que proclam ou a com petência da C âm ara M u­
nicipal, e não do Tribunal de Contas, para rejeitar as contas do Prefeito^^. Contudo, essa decisão, e tantas outras manifestações doutrinárias e
jurisprudenciais que daí partiram , m erecem ser revisitadas em face do
equivocado entendim ento acerca do conteúdo norm ativo do art. 7 1 ,1 e
II da CRFB p o r parte do STF.
Tal balizam ento é im portante, já que a p artir dessa manifestação
do STF, os Tribunais Regionais Eleitorais, em todos os Estados, aderi­
ram ao entendim ento ali consagrado, segundo o qual a inelegibilidade
somente se configura com a rejeição das contas pela Câm ara M unici­
pal^. Contudo, esposam tal entendim ento sem a necessária verificação
da temática, pois se pode ter tanto um a decisão polítko-adm inistrativa
com o um a decisão político-legislativa que ensejará a inelegibilidade.
Merece destaque que a decisão deve ser motivada, bem como
deve ser assegurada a ampla defesa. Nos julgamentos pelos Tribunais de
22
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25
26
Art. 31, § 2" da C R tB : "O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve
anualmente prestar, só deixará d e prevalecer p o r decisão d e dois terços dos m em bros da C âm ara Municipal.”
M EN D ES, A n tô n io C arlos, a p u d COSTA, A d ria n o Soares. Instituições de direito eleitoral, p. 159.
■■[,..!. IN ELEG IBILID A D E ■ PR EFEIT O - REJEIÇÀO D E C O N T A S - C O M P E T Ê N C IA . Ao P o d e r Le­
gislativo c o m p e te o ju lg a m e nto das contas d o C hefe d o Executivo, c on sid e ra d o s os três níveis - federal,
estadual e m unicipal. O Tribunal d e C o n ta s exsurge c o m o sim ples órgão auxiliar, a tu a n d o n a esfera opinativa - inteligência d o s artigos i I d o Ato das Disposições C onstitucionais Transitórias, 2 5 , 3 1,4 9 , inciso
IX, 71 e 75, to d o s d o c o rp o p e rm a n e n te d a C arta d e 1988. A utos conclusos pa ra confecção d o acó rd ão em
9 de n o v e m b ro d e 1995. (DJ 07.12.1995)”. C a p tu ra d o em http ://w w w .stf.ju s.b rem 13 d e ju n h o d e 2009.
N esse ju lg a m e n to e n te n d e u -se q u e so m e n te à C â m a r a M u n icip al c o m p e te o ju lg a m e n to d o Prefeito.
O s de m a is agentes públicos, q u e n ã o Prefeitos, é q u e p o d e ria m ser ju lg a do s p e lo T rib u n a l d e C ontas.
P IN T O , D jalm a. Direito eleitoral: a n o ta çõ e s e te m a s p o lê m ic o s, p, 87.
18
Contas, há m uito que se tem com o imprescindível no processo adm i­
nistrativo a obediência das garantias constitucionais do devido proces­
so legal, da ampla defesa, do contraditório, da motivação das decisões e
da publicidade dos atos.
Contudo, esses mesmos princípios também devem ser verificados nos
julgamentos realizados pelo Órgão Legislativo. Como se trata de julgamento
(competência prevista no art. 49, IX, CRFB) e “decisão” (art. 31, § 2“, CRFB),
não há como se afastar de tal procedimento. No julgamento das contas, é
indispensável a aplicação das garantias constitucionais previstas no art. 5°,
LV, combinado com o art. 93, IX e X, todos da CRFB, ensejando assim a obe­
diência aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da
motivação (fundamentação) das decisões e da publicidade dos atos.^’
José Nilo de Castro risca com pena forte no sentido de que, m es­
m o sendo o órgão julgador o Legislativo, não pode este Órgão deixar de
m otivar seu julgam ento no juízo político de controle externo de fiscali­
zação, quer seja pela aplicação por sim etria (e aplicação analógica) das
disposições do art. 93, IX e X da CRFB, quer seja em razão da garantia
de ampla defesa insculpida no art. 5^, LV da CRFB.^^
5.2. DECISÃO PRO FERID A P O R Ó RGÃ O CO M PETEN TE
É indispensável, para que ocorra a hipótese de inelegibilidade,
que a decisão da rejeição das contas tenha sido proferida pelo órgão
com petente para apreciar as contas.
Nesse passo, a prim eira questão que se deve buscar responder
neste tópico é: quem é o órgão com petente para o julgam ento das co n ­
tas: 0 Tribunal de Contas ou o Órgão Legislativo?
A resposta é: depende.
Pela simples leitura do Texto Constitucional (art. 7 1 ,1 e II), e tam27
Cf. RE 261.885-SP:
P R E F E IT O M U N IC IPA L . C O N T A S REJEITADAS PELA C Â M A R A DE V E ­
R EA D O RE S, A L E G A D A O FE N S A A O P R IN C IP IO D O D IR E IT O D E DEFESA (IN C . LV D O A R T
5" DA CF). S e n d o o ju lg a m e n to das co n tas d o reco rren te, c o m o ex-C hefe d o E xecutivo M unicipal,
realizado pela C â m a ra d e V ereadores m e d ia n te pa re ce r prév io d o T rib u n a l d e C o n ta s, q u e p o d e rá
d eix ar d e prevalecer p o r d ecisão d e d o is terços d o s m e m b ro s d a C a s a Legislativa (arts. 31, ^
e 71 c/c
0 75 d a CF), é fora d e d ú v id a que, n o p re sen te caso, e m q u e o p a re c e r foi pela rejeição das contas, não
p o d e ria ele, em face d a n o r m a co n stitu cio n al so b referência, te r sido ap ro v ad o , sem q u e se houvesse
p ro p ic ia d o a o in teressad o a o p o r tu n i d a d e d e o p o r-se ao referid o p ro n u n c ia m e n to técnico, d e m a n e ira
am p la, p e ra n te o ó rg ã o legislativo, c o m vista a sua a lm e ja d a reversão. R ec u rso c o n h e c id o e provido.
28
CA STR O , José N ilo de. ju lg a m e n to das contas municipais. 3. ed. Belo H o rizo n te: Del Rey, 2003, p. 33.
[-].
19
1
í
!
i
bém do a r t 49, IX, vê-se que os Tribunais de Contas ora têm a com petên­
cia para em itir parecer prévio nas contas do Chefe do Poder Executivo
(inc. I), ora para julgar as contas dos ordenadores de despesas^^ (inc. II).
Carlos Ayres de Britto, em voto na A DI-M C 3715-TO, consignou
que se trata de função fiscalizatória única, contudo exercida p o r dois
órgãos distintos e independentes, cada qual com suas competências,
com seu rol de inconfundíveis com petências constitucionais.
Q uando os Tribunais de Contas exercem a com petência elencada
no inc. I do art. 71 da CRFB - em itir parecer nas contas prestadas pelo
Chefe do Poder Executivo^" - fica ao Ó rgão Legislativo a com petência
para julgar as contas a partir do parecer em itido pelo respectivo Tribu­
nal de Contas (art. 71,1 c/c art. 49, IX (e art. 31, § 2°)). A com petência
delimitada neste parágrafo cham ar-se-á de “julgam ento da prestação de
contas” - decisão político-legislativa.
Ao apreciar as contas na form a do art. 7 1 ,1, da CRFB, os Tribu­
nais de Contas analisam o balanço orçam entário, o balanço financeiro,
o balanço patrim onial, os limites legais e constitucionais (aplicação em
saúde e educação), o m ontante das despesas com pessoal, a averiguação
se os projetos, as metas, as prioridades e os investimentos estabelecidos
na lei orçam entária foram atingidos etc. Não entra nesta análise aquilo
que se cham a de “atos de gestão”, que com preende o objeto das audito­
rias in locu dos técnicos dos Tribunais de Contas, que analisam: a folha
de pagamento, os procedim entos licitatórios, os convênios, os contratos
administrativos, a disponibilização de agentes públicos etc.
Contudo, os Tribunais de Contas tam bém exercem a com petência
elencada n o inc. II do art. 71 da CRFB e julgam as contas dos ordenado­
res de despesas. Neste caso, o órgão com petente para julgar as contas é
o próprio Tribunal de Contas, que não fica a mercê de qualquer atuação
do Órgão Legislativo, atuando com o autêntica instância julgadora. É
29
30
U sar-se-á a qu i a ex p ressão “o rd e n a d o re s d e d esp esas” p a r a d e sig n a r “os a d m in is tra d o re s e d em ais
responsáveis p o r d in h e iro s, b e n s e valores p ú b lic o s d a a d m in is tra ç ã o d ire ta e in d ireta, inclu íd as as
fu n d a ç õ es e so cied ad es instituídas e m a n tid a s pelo P o d e r Público federal [e ta m b é m d a s o u tra s esferas
federativas], e as c o n ta s d a q u eles q u e d e re m cau sa a p e rd a , extrav io o u o u tr a irreg u larid ad e d e que
resulte preju ízo a o e rá rio público”, m e n c io n a d o s n o a r t 71. II d a CRFB.
O STF já d e cid iu q u e n ã o é possível as C on stitu iç õ es e stad u ais a la rg a re m a c o m p e tê n c ia p a ra ju lg a ­
m e n to d a s prestações d e c o n ta s p o r pa rte d o P o d e r Legislativo. Cf. nesse s e n tid o a A D I-M C n ” 1964ES, e m q u e o STF ju lg o u in c o n stitu c io n al dispositivo d a C o n stitu iç ão d o E sta d o d o Espírito Santo
q u e incluiu c o m o c o m p e tê n c ia d o P o d e r Legislativo, e n ã o d o T rib u n a l d e C o n ta s, o ju lg a m e n to da
p re staç ã o d e c o n ta s d a M esa D ire to ra d a A ssem bléia Legislativa e d a s M esas D ire to ra s d a s C âm aras
M unicipais. N o m e s m o s e n tid o a A D I 849-M T.
20
no exercício desta com petência (art. 71, II, CRFB) que os Tribunais de
Contas julgam os ordenadores de despesa acerca dos “atos de gestão”. A
com petência delim itada neste parágrafo cham a-se de “julgam ento dos
atos de gestão” - decisão poHtico-administrativa^K
Não obstante as afirmações retro, o STF, quando da apreciação do Re­
curso Extraordinário n° 132.747-DF, marchou em sentido contrário para
afirmar que “só com relação às contas dos Chefes do Executivo é que o pro­
nunciamento do Tribunal de Contas constitui mero parecer prévio, sujeito à
apreciação da Câmara Municipal, antes do qual não há inelegibilidade”
O TSE, infelizmente, indo no m esm o sentido apontado pelo STF
no RE 132.747-DF, tam bém já abordou essa distinção de com petência
para julgam ento no Ac. TSE 13.174, de 30.09.1996, consignando que
só com relação às contas do Chefe do Poder Executivo é que o pro n u n ­
ciamento do Tribunal de Contas constitui m ero parecer prévio, sujeito
à apreciação final da C âm ara Municipal, antes do qual não há inele­
gibilidade. As contas de todos os dem ais responsáveis p o r dinheiro e
bens públicos são julgados pelo Tribunal de Contas, e suas decisões a
respeito geram inelegibilidade (art. 7 1 ,1 da CRFB).
Contudo, um a situação m uito interessante e corriqueira que
ocorre nos m unicípios brasileiros, e que foi deixada de lado pelo STF
quando da apreciação do RE n® 132.747-DF^^ é que o Prefeito M unici­
pal, além de agente político (Chefe do Poder Executivo), tam bém pode
atuar com o ordenador de despesa (responsável p o r bens, dinheiro e
valores públicos)^^. Assim sendo, é subm etido a u m duplo julgamento
31
32
33
E n te n d e m o s q u e as decisões d o s Trib u nais d e C o n ta s p o s su e m n a tu re z a po lítico -ad m in istrativ a, u m a
v ez que, n o Rrasil, n ã o existe u m c o n te n c io s o a d m in is u a ü v o q u e o u to rg u e o caráter d e definitividade
às decisões d a lavra d a A d m in is tra ç ã o Pública, pois, p o r força d o art. 5", X X X V d a CRFB, n e n h u m a
lesão o u a m e aç a a direito p o d e rá ficar excluída d e apreciação d o P o d e r Judiciário. A ssim , q u a lq u e r
decisão d o s Trib u nais d e C o n ta s p o d e ser s u b m e tid a ao re ex am e d o P o d e r Judiciário se o interessado
c o n sid e ra r q u e seu d ire ito so freu lesão o u e n c o n tra -se am e aç a d o . As decisões d o s Trib u n ais d e C o n ta s
n ã o d e tê m a característica d a d e fin itiv id ad e o u im u ta b ilid ad e d o s efeitos in e re n te s aos atos jurisd icio nais, m u ito e m b o ra p o ssu a e sta tu ra c o n stitu cio n al. N este tem a, p o r to d o s, face a p e squ isa im p le m e n ­
tada, re c o m e n d a -se a leitu ra de: G O M E S JÚ N IO R , Luiz M an o el. Tribunais de contas
p. 23-37; e,
B R ITT O , C arlos Ayres. 0 R egim e co n stitu cio n al d o s trib u n a is d e contas. In: O novo tribunal de contas:
ó rg ã o p ro te to r dos d ire itos fu n d a m e n ta is. 3. ed. Belo H o riz o n te : F ó r u m , 2005, p. 59-75.
Registre-se que n o julgam ento d o RE 132.747-DF, o Min. Carlos Velloso, voto vencido, lançou luzes d o que
viria a ser “prestação d e contas anuais” e a possibilidade d o prefeito atu ar c o m o “o rd e n a d or de despesas”.
N a m a io ria d o s m u n ic íp io s brasileiros é c o m u m ver o Prefeito M u n icip al e x erce n d o ta m b é m a f u n ­
ç ão d e “o rd e n a d o r d e d esp esa”, a ss in a n d o c o n tra to s, cheq u es, d e t e r m in a n d o o p a g a m e n to d e folha de
pessoal, h o m o lo g a n d o e a d ju d ic a n d o p ro c e d im e n to s licitatórios etc., c o m p o rta m e n to s estes q u e não
re c ae m so b re o P resid e n te cia R epública o u sobre os G o v e rn a d o re s d e Estado. N a U n iã o e nos Estados
F ed erad o s a fu n ç ã o d e “o rd e n a d o re s d e d esp esa”, e m geral, recai sobre o s escalões d a e s tr u tu ra a d m i­
nistrativa, e n ã o so b re o C hefe d o P o d e r Executivo.
21
das contas^*’: um pelo Tribunal de Contas (art. 71, II, CFRB) e outro
pela C âm ara M unicipal (art. 7 1 ,1 c/c a r t 31, § 2°, CFRB).
O que se está aqui a defender, em entendim ento oposto ao aci­
m a delineado, é que o Prefeito M unicipal será julgado pelo Tribunal
de Contas quando agir com o ordenador de despesas. Nesta hipótese,
o Tribunal de Contas aprecia atos pessoais do Prefeito que atuou como
ordenador de despesas, vale dizer, julgará a legitimidade dos contratos
administrativos, dos convênios, das licitações e dos pagam entos que o
Prefeito M unicipal atue pessoalm ente em um a das fases dos procedi­
m entos administrativos. É aqui que o Tribunal de Contas verificará se
o Prefeito/ordenador praticou ato lesivo ao erário e julgará suas contas.
Contudo, se o Prefeito não atuar com o ordenador de despesas^^ ao Tri­
bunal de Contas com petirá, tão-som ente, apreciar as contas e em itir
parecer prévio-'^, ficando a cargo da C âm ara M unicipal o julgamento
das suas contas.
Não se pode conceder ao art. 7 1 ,1 e II da CRFB um a interpreta­
ção liberalizante com o fez o STF no RE 132.747-DF, sob pena de se estar
enfraquecendo um dispositivo que veio a lum e pelo poder constituinte
objetivando a proteção do dinheiro, dos bens e dos valores públicos,
sob pena de ver o reflexo da advertência de Augustin Gordillo: “de nada
vale que Ias personas digan que son dem ocráticas y están al servicio de
Ia Constitución, si sus acciones no respaldan tales afirmaciones.”’"
Em sentido contrário ao decidido no RE 132.747-DF, e na mes34
35
36
37
Q u e fique claro q u e n ã o sc tra ta d e d o is ju lg a m e n to s so b re o m e s m o co nteú d o .
R n te n d em o s q u e o M u n icíp io p o s su i a u to n o m ia p o lítico -ad m ín istrativ a (art. lé , caput. c/c art. 29,
a m b o s d a C RFB) p a ra estabelecer a q u e m c o m p e te o r d e n a r despesas, p o d e n d o tal a irib u iç ã o restar
especificada e m Lei O rg â n ic a o u e m o u tra legislação m u n ic ipa l. P o d e e n tã o c ad a M u n icíp io especificar
a q u c n i c o m p e te o m ister d e o rd e n a r d esp esa - se ao Prefeito M u n icip al o u a o u tro agente público.
C o n tu d o , c aso haja p revisão n o o rd e n a m e n to ju rid ico m u n ic ip a l q u e c o m p e te a o Prefeito o rd e n a r
dcspesa.s, e este, p o r ato n o rm a tiv o s e c u n d á rio (p o rtaria , d e creto etc.), delegar esta c o m p e tê n c ia a
o u tre m , p e rm a n e c e rá ele r e s p o n d e n d o c o m o o rd e n a d o r d e d esp esas - resp o n sab ilid ad e solidária
c o m p e tin d o a in d a a o Tribunal d e C o n ta s o ju lg a m e n to d e su as contas.
Cf- nesse m e sm o sentid o ; G O M E S fÚ N IO R , Luiz M anoel. Tribunais de co n ta s .... p. 32; “A tu a n d o c o m o
o rd e n a d o r de d esp esas (c e leb ran d o convênio, p.ex.) é de to d o claro q u e a a tuação d o T rib u n a l d e C o n ­
tas se d a rá c o m f u n d a m e n to n o inciso II d o art. 71 d a C F-88, n ã o h a v e n d o a m an ifestação d o P o d e r
Legislativo e te n d o c aráter definitivo n o â m b ito a d m in is tra tiv o ” Em id ê n tic o sentido; G O M E S, José
Jairo. Direito eleitoral. 2. ed. Belo H o rizo n te: D el Rey, 2008, p. 155: “O u tr o a sp ecto a ser c o n sid e ra d o
reside n o fato d e q u e o Prefeito, m o r m e n te n o s p e q u e n o s e m é d io s M u n icíp io s, a c u m u la as fu nçõ es de
executor do orçam ento e ordenador de despesas. Isso n ã o o c o rre nas esferas estad ual e federal, e m que
os chefes d o executivo n ã o o rd e n a m despesas, z elan d o ap en a s pela e x ecu ção geral d o o rçam en to . D e s­
tarte, o p refeito p o d e ser ju lg a d o d ire ta m e n te p e lo T rib un a l d e C o n ta s c o m o o rd e n a d o r d e d esp esas e,
ainda, pela C â m a ra M unicipal, c o m o e x ec u tor d o orçam ento.”
G O R D IL L O , A u gu stin A. La adm inistración paralela: el p a ra lis tem a ju ríd ico -ad m in istra tiv o . M ad rid;
Civitas, 1982, p. 65.
22
m a linha crítica de Augustin Gordillo, o Ministro Carlos Velloso, no RE
132.747-DF (voto vencido), registrou que interpretar o art. 71, I e II da
CRFB da forma pretendida pela maioria do Plenário do STF - de que o
Prefeito Municipal só pode ser submetido a julgamento perante a Câmara
Municipal - é anular muito o que se pretendia fazer contra a corrupção que
lavra, infelizmente, milhares de administrações públicas municipais deste
país, pois a influência política de um Prefeito Municipal sobre os Vereado­
res pode comprometer a lisura do julgamento das contas municipais.
Pode-se assim afirmar, em síntese, o seguinte;
a) caso se esteja falando do julgam ento da prestação de
contas do Prefeito M unicipal, o órgão com petente
para julgam ento é a C âm ara M unicipal, não sendo
suficiente o parecer em itido pelo Tribunal de Contas
do Estado (ou do Município, onde houver)"'^;
b) caso se esteja falando do julgam ento da prestação
de contas do G overnador de Estado, o órgão com ­
petente para julgam ento é a Assembléia Legislativa,
não sendo suficiente o parecer em itido pelo Tribu­
nal de C ontas do Estado;
c) caso se esteja falando do julgam ento da prestação de
contas do Presidente da República, o órgão com pe­
tente para julgam ento é o Congresso Nacional, não
sendo suficiente o parecer em itido pelo Tribunal de
Contas da União;
d) caso se esteja falando do julgam ento dos atos de
gestão do Prefeito M unicipal, do G overnador de
Estado, do Presidente da República^'^, ou de qualquer
outro agente público que atue com o ordenador de
despesa, o órgão com petente para julgam ento é o
Tribunal de Contas^^;
38
Krise-se n o v a m e n te que, p o r força d o art. 31, § 2'’ d a CRFB. o p a re c e r d o T rib u n a l d e C o n ta s acerca d a
p re staç ã o d e c o n ta s d o Prefeito M u n icipal p o ssu i aqui u m “p eso ” maior, te n d o e m vista que o pa re ce r
prév io d o T rib un a l d e C o n ta s só d e ix ará d e prevalecer p o r q u o r u m qualificado (2 /3 ) da C â m a ra M u n i­
cipal.
39 C o n s o a n te a firm ad o a n te rio rm e n te , o P residen te d a R epública n ã o a lu a c o m o o rd e n a d o r de despesa,
e se crc q u e a m a io ria dos G o v e rn a d o re s ta m b é m não.
41) C aso SC tra te d e re c u rso s federais, a c o m p e tên c ia será d o T ribu n a l d e C o n ta s d a U nião. Se os recursos
forem e stadu ais o u m u n ic ip a is, a c o m p e tên c ia será d o T rib u n a l d e C o n ta s d o Estado, salvante a exis­
tê n cia de Tribu n ais (o u C o n se lh o s ) d e C o n ta s d o M u n icíp io e o re c u rs o seja m unicip al.
23
C orroborando o entendim ento aqui esposado, o próprio TSE,
quando cuida de convênios firmados entre M unicípio e ente da federa­
ção, parece cambiar o raciocínio ao entender que o órgão com petente
para julgar as contas prestadas pelo Prefeito é o Tribunal de C o n ta s/'
5.3. IRRECO RRIBILID A DE DA DECISÃO
A princípio^^ a decisão, para acarretar a inelegibilidade, deve ser
irrecorrível, isto é, não deve mais caber recurso perante a instância p ró ­
pria, nem deve haver recurso pendente de julgamento.
A “decisão irrecorrível” a que se refere é a do órgão adm inistrati­
vo que, no caso, são os Tribunais de Contas, na form a da iei que regula
esses órgãos e sua atividade fiscalizadora, frisando que o julgamento
tem natureza político-administrativa. Mas assim tam bém deve ser con­
siderada a do Órgão Legislativo, cuja apreciação é política, não cabendo
aqui falar em “decisão irrecorrível”‘^^
Calha ainda registrar que, segundo o TSE, os recursos adm inis­
trativos que podem ser interpostos, ou que estão pendentes de julga­
mento, devem possuir o efeito suspensivo, ou então, se não possuem
automaticam ente, deve ser reconhecido este tipo de efeito p or parte do
órgão administrativo, sob pena que a inelegibilidade já se estabeleça/^
Não obstante, um problem a que se verifica, p o r vezes, na expe­
riência brasileira é a protelação do julgam ento pelo Órgão Legislativo.
Com o regra tem -se que, enquanto não julgadas pelo Órgão Le­
gislativo as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo as quais
41
42
43
44
Ac. TSE n° 24.848 d e 07.12.2004. P or incrível q u e p areça, verifica-se neste A c ó rd ã o a seg u in te em enta;
“ [...) 3. A c o m p e tê n c ia d a s C o rte s de C o n ta s n a a p reciação d a s co ntas d e co n v ên io é d e ju lg am en to ,
e n ã o opinativa, o q u e significa d ir e r q u e o ag en te p ú b lico n ã o é ju lg a d o p e lo T rib un a l d e C o n ta s na
q u a lid a d e d e chefe d o P o d e r Executivo, m a s tã o -s o m e n te n a c o n d iç ã o d e gestor público, u m a v ez que
os re c u rso s n ã o p e rte n c e m a sua ó rbita federativa.
Cf. e m id ên tico s e n tid o o Ac. TSE n° 23.345 de
24.09.2004, q u e assinala: “(...| 1. A te o r d a s e d im e n ta d a ju ris p ru d ê n c ia d o Tribunal S u p e rio r EJeitoral,
o ó rg ã o c o m p e ten te, o rig in ariam cn te , p a ra ju lga r a re g u la rid a d e d a ap licação d e v erbas pro v en ien tes
d e c o n v ênio s c eleb rad o s e n tre o m u n ic ip io e o e sta d o é o T rib un a l d e C o n ta s d o E sta d o (Ac. n “ 13.935,
d e ]°.10.96, R Espe n" 13.935, rei. M in istro N ilson Naves; Ac. n ” 13.299, d e 30.9.96, R Espe n ” 13.299,
rei. M in istro E d u a rd o Ribeiro; Ac. n “ 20.437, d e 25.9.2002, R Espe n “ 20.437, rei. M in istro Sepulveda
P ertence). [...]”
D eve-se d e sta c a r q u e c o n so a n te será a d ia n te a firm ad o , e n te n d e o TSE q u e alg u n s re c u rso s existentes
jías Leis O rg â n ic as o u n o s R eg im en to s In te r n o s d o s T rib u n a is d e C o n ta s q u e n ã o p o s su e m efeito s u s ­
pensivo, e q u e e m m u ito se asse m elh am a u m a a ção rescisória, n ã o té m o c o n d ã o d e a fa sta r/su sp en d e r
a decisão q u e rejeitou as contas.
M ais a d ia n te v o lta re m o s nesse a ss u n to d e sta c a n d o a po ssibilid ade d e Lei O rg â n ic a M u n icip al fr a n q u e ­
a r re c u rs o e m face d a sua a p reciação politica.
Cf. Ac. TSE 12.132 d e 06.08.1994 e Ac, TSE 12.192 d e 10.08.1994.
24
obtiveram o parecer prévio do Tribunal de Contas pela rejeição, p erm a­
nece elegível este agente político.
Contudo, caso o Órgão Legislativo protele de form a exacerbada
sua apreciação, prevalecerá a conclusão do Tribunal de Contas até que
ocorra o julgam ento pelo Órgão Legislativo."^
Interessante solução a fim de afastar a situação colocada no p a ­
rágrafo anterior é apresentada em algumas Leis Orgânicas, que estabe­
lecem prazo perem ptório para que a C âm ara M unicipal aprecie a pres­
tação de contas do Chefe do Poder Executivo, sob pen a de prevalecer a
conclusão do parecer em itido pelo Tribunal de Contas.
José Nilo de Castro não com unga de tal solução, um a vez que,
para seu magistério, não há julgam ento ficto de contas, como não há
aprovação ficta."*^
Com a devida vênia, tal raciocínio do professor m ineiro parece
não restar om breado com a idéia de que o Tribunal de Contas se apre­
senta no ordenam ento jurídico brasileiro vigente com o um órgão de
envergadura constitucional e garantidor dos valores político-constitucionais de um Estado D em ocrático de Direito, já que exerce funções
indispensáveis para a observância dos princípios republicano e dem o­
crático. O TSE, no Ac. N° 23.921, de 09.11.2004, entendeu que prevale­
cerá a decisão da Corte de Contas se o parecer p o r ela em itido não for
apreciado e julgado pela C âm ara M unicipal no prazo estipulado na Lei
O rgânica do Município.
Pelo m esm o motivo, tam bém não seria compatível com as dis­
posições da Constituição brasileira de 1988 enunciados norm ativos de
leis orgânicas municipais que prescrevessem que, caso a C âm ara M u­
nicipal não aprecie em determ inado prazo o parecer prévio em itido
pelo Tribunal de Contas, as contas seriam consideradas aprovadas, não
im portando a conclusão do parecer prévio em itido - se pela aprovação
ou pela rejeição.
Já no que tange ao sistema de aprovação ficta em caso de omissão
dos Tribunais de Contas, não em itindo o parecer prévio dentro do p ra ­
zo legal, entendeu o STF, na ADI 215-PB, que essa hipótese não seria
compatível com as disposições da CRFB.
45
46
Ac. TSE n M 7 .4 0 9 d e 28.09.2000.
CA STR O , José N ilo de. J u lg am en to das co n tas m u n ic ip a is, p. 47.
25
Mas se deve considerar, ainda, a possibilidade de retratação do
julgamento.
Não é incom um no Brasil, país de dim ensão continental, verificar
Câmaras Municipais julgarem (ir)regulares as contas do Prefeito e, p o s­
teriorm ente, m udarem o próprio entendim ento. Na m esm a legislatura,
ou em outra, optam p o r exercer um juízo de retratação e procedem a
novo julgamento, favorecendo ou prejudicando o Prefeito Municipal.
O julgam ento pelo Órgão Legislativo é um julgam ento político,
em instância única, em regra irrecorrível^\ Contudo, em hom enagem
ao princípio da autotutela^^, pod e ocorrer que este julgam ento seja re ­
visto p o r meio de um a retratação.'^''
Assim, caso a Câm ara M unicipal aprove as contas que anterior­
m ente tinham sido rejeitadas, em um juízo de retratação, essa decisão
últim a deve ser acatada para fins de registro de candidatura. E, como
não com pete à Justiça Eleitoral exam inar a motivação da decisão da
C âm ara M unicipal que rejeita contas, tam bém não é possível exam inar
os motivos que levaram à retratação.
E quanto à possibilidade do com portam ento inverso? O u seja, o
que dizer em relação a contas aprovadas que, em um juízo de retratação
do Órgão Legislativo, restem rejeitas? Entendem os que esse com porta­
m ento seria lesivo a um dos princípios mais caros num Estado D em o­
crático de Direito: o princípio da segurança jurídica.
Contudo, na possibilidade da prim eira hipótese, deve-se sempre
observar, no mínim o, os princípios constitucionais da motivação (fun­
dam entação) das decisões, da ampla defesa, do contraditório e da p u ­
blicidade.
5.4. IRREGULARIDADE INSANÁVEL
Deve-se destacar que, para que ocorra a inelegibilidade, não basta
que as contas tenham sido rejeitadas. H á a necessidade de um plus, ou
47
48
49
50
N a d a o b sta q u e u m a Lei O rg â n ic a v e n h a possibilitar a im p e tra ç ã o d e inii recurso.
Cf. Sú m u la n" 473 d o STF; “A a d m in is tra ç ã o p o d e a n u la r seus p ró p r io s atos, q u a n d o eivados dc vícios
q u e os to r n a m ilegais, p o rq u e deles n ã o se o rig in a m direitos; o u revogá-los, p o r m o tiv o d e c o n v e n iê n ­
cia o u o p o rtu n id a d e , resp eitad o s os direitos a d q u irid o s , e ressalvada, e m to d o s os casos, a apreciação
judicial.” Para ou tro s, so m e n te c o m p revisão n a Lei O rg â n ic a seria possivel a retratação. Cf. nesse
sentido; C ASTRO, José N ilo de. Julgam ento das contas niunicipais, p. 49.
Ac. TSH 18.847 de 24.10.2000.
Ac. TSE n" 18.847 d e 24.10.2000.
26
seja, devem ainda as irregularidades que com inaram tal resultado se­
rem consideradas insanáveis pelo órgão julgador (Tribunal de Contas
ou Órgão Legislativo).
A prim eira grande dificuldade que se tem é definir o conceito
norm ativo da expressão “irregularidade insanável”.
Para Gomes Júnior, irregularidade insanável é aquela que vai
além de um a falha m eram ente formal, devendo existir um prejuízo
para a Administração, em regra dolosa e que não p ode ser corrigida."'
José Jairo Gomes assevera que irregularidade insanável é aquela
grave, decorrente de conduta perpetrada com dolo ou má-fé, contrárias
ao interesse público; pode causar dano ao erário, enriquecim ento ilícito
ou ferir princípios constitucionais reitores da A dm inistração Pública.^"
Adriano Soares da Costa registra que, p o r irregularidade insa­
nável, devem ser com preendidas “tam bém aquelas irregularidades que
não tragam prejuízo ao erário, mas que atentem contra a m oralidade
adm inistrativa, a econom icidade, a razoabilidade, a publicidade, ou
qualquer outro valor tutelado pelo ordenam ento jurídico.
Para Pedro Niess, a expressão “irregularidade insanável” deve ser
utilizada apenas para os atos que causem “prejuízo irreparável, quer ao
erário, quer ao adm inistrado, não mais adm itindo correção”.^*
Talvez pelo fato de o legislador não ter preenchido o conteúdo
semântico"^ do que vem a ser “irregularidade insanável”, alguns doutrinadores pegam em prestado noções relativas aos atos tidos como ímprobo pela Lei Federal n° 8.429 para servir com o caracterizador de um a
insanabilidade.
O STF já se m anifestou no sentido de que a rejeição das contas
públicas a ensejar a inelegibilidade do art. 1 ,1, ^ da LC 64 é aquela que
vier tam bém com “notas de im probidade” administrativa.^®
Cobra relevo sublinhar que esse entendim ento vem sendo repe­
tido sem maiores reflexões pela d ou trin a e pelos Tribunais Eleitorais^^
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G O M E S IC N ÍÜ R , Luiz M anoel. Tribunais de cotitas
p. 133.
G O M E S, José lairo. D ireito eleitoral, p. 153.
C O STA , A d ria n o Soares. J«5tifuiçôes de direilo eleitoral, p. 158.
NIESS, P e dro H e n riq u e Távora. Direitos políticos: co n d iç õ es d e elegibilidade e inelegibilidade. São P a u ­
lo: Saraiva, 1994, p. 76.
N ã o se está a q u i a d e fe n d e r q u e seja p a p el d o legislador e la b o ra r co n ceito s Jurídicos.
RE 129.392, Rei. M in. SE PÜ l.V E D A PE R T E N C E , julg.: 17.06.1992.
A c . T S E n ” 11.145 d e 15.08.1990 e Ac. TSE n° 11.238 d e 27.08.1990.
27
olvidando, inclusive, que o m esm o fora construído sem considerar^* a
Lei n" 8.429, de 02.06.1992 (Lei de Im probidade Administrativa).
Entendem os que tal posicionam ento deve ser analisado com cui­
dado, pois não se deve fazer confusão entre a inelegibilidade pela rejei­
ção das contas e a existência ou não de improbidade administrativa^ já
que se está diante de institutos jurídicos distintos, bem com o de campo
material de aplicação diverso.
O que se pode afirm ar é que a verificação de insanabilidade das
irregularidades deve levar em conta tam bém a gravidade da conduta e
suas conseqüências, analisando-a sob o prism a da probidade, ou seja,
se há constatação de que o agente agiu com improbidade. Mas isso não
quer dizer que dependa de ação p o r im probidade administrativa.^^
F irm ando posicionamento, deve-se entender que a conduta ir­
regular do agente público, para tipificar ato de im probidade adm inis­
trativa, deve ter os seguintes traços com uns ou característicos de todas
as m odalidades de im probidade administrativa: desonestidade, má-fé e
falta de probidade no trato da coisa pública. Afinal, irregularidade não
é sinônim o de improbidade e a ocorrência daquela, p o r si só, não confi­
gura ato de improbidade, até porque o vocábulo latino improbitate tem
o significado de “desonestidade”.^®
Mas não serão apenas as condutas ím probas e/ou dolosas que e n ­
sejarão a inelegibilidade. N em m esm o pode-se afirm ar que, em virtude
do legislador não ter delim itado a expressão “irregularidade insanável”,
poderia a jurisprudência adotá-lo naquele sentido.^*
Não se pode coadunar com este raciocínio, um a vez que a respublica deve ficar protegida daqueles que, m esm o po r culpa (negligência,
im prudência ou imperícia), lesem o erário, ou dele não cuidem.
Assim, deve-se ter cuidado ao ler os entendim entos daqueles que
advogam a tese de que as meras irregularidades formais, ou de que os
atos que com portem convalidação, não ensejariam a insanabilidade e,
p o r conseguinte, a inelegibilidade.
Em suma: é difícil apontar de form a definitiva qualquer parâm e58
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Pode ser verificado pelos ju lg a d o s citados q u e os p rim e iro s ju lg a m e n to s neste s e n tid o d a ta m d e m o ­
m e n to anterior, o u logo ap ó s, a edição d a Lei de Im p ro b id a d e A d m in istrativ a.
Ac. T S E n M 9 .0 2 7 d e 20.10.2000.
PE D RA , A n d e rso n SantA na. A d e lei im p ro b id a d e a d m in is tra tiv a e o p rin c ip io d a p rop o rcio n a lid a d e .
R evista interesse público. P o rto Alegre; N o ta Dez. A n o 7, n. 34, nov./dez. 2005, p, 86-87.
COSTA. A d ria n o Soares. Instituições de direito eleitoral, p. 158.
28
tro que se configure a priori com o ensejador de inelegibilidade p o r con­
tas rejeitadas em virtude de irregularidade insanável
Apesar da dificuldade, pode-se entender com o irregularidade
insanável aquela irremediável, que não pode mais ser corrigida, convalidada, sanada, mas que tam bém seja oriunda de desonestidade, de
intenção em lesar o erário. Inadmissível atribuir tal adjetivação a equí­
vocos m eram ente formais, sem considerar a gravidade da conduta e
suas conseqüências, até porque, a contrario sensu, quase toda irregulari­
dade já seria insanável caso restasse ultrapassado o exercício financeiro,
e não foi isso o que foi objetivado e escrito na LC 64.^ Mas tam bém
se configura com o irregularidade insanável aquela oriunda de atecnias
formais, que m esm o praticadas sem dolo, sem a intenção de lesar o
erário, dem onstrem que o ordenador de despesa não foi zeloso e que
colocou 0 erário, mesm o que indiretamente^^ em risco.
Explica-se. Imagine a situação em que um agente público m un i­
cipal não tenha atingido o percentual m ínim o com despesas em ed u ­
cação (25%) em determ inado exercício, e o percentual real só tenha
sido verificado n u m exercício posterior. Esse ato não é mais possível de
convalidação. O gasto verificado foi de 24,97% e a diferença percentual
foi verificada tendo em vista entendim entos divergentes entre a equi­
pe técnica da adm inistração m unicipal e a do Tribunal de Contas, que
em itiu parecer sugerindo a rejeição das contas e que foi aprovado pela
Câm ara M unicipal. Acresce-se ainda o fato de que o investimento com
a educação tenha suprido todas as necessidades locais. Restaria intato o
princípio da proporcionalidade^"*, ao entender com o “insanáveis” essas
contas, e ficar o responsável inelegível? Entendem os que, com o ocorre
nesta situação, e em tantas outras, não são todas as irregularidades in ­
sanáveis que conduzem à inelegibilidade.^^
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Tem -se a in d a q u e o g ig a n tis m o e a excessiva b u ro c ra c ia d a A d m in is tra ç ã o P ú b lica é o am b ie n te p ro p í­
cio pa ra o c o m e tim e n to d e toleráveis, m a s n ã o aceitáveis, p e q u e n o s e q u ív o co s formais.
E n te n d e m o s q u e o e rá rio fica e m risco de fo rm a in d ir e ta q u a n d o a p a r tir d e irreg u larid ad e s form ais
reste p re ju d ic a d o o co n tro le d a A d m in is tra ç ã o P ú b lica c o m o n o s ex em p lo s q u e serão a p re se n ta d os
logo em seguida.
Está-se a q u i falan d o d o p rin c íp io d a p ro p o rc io n a lid a d e e m sua fu n ç ã o negativa, c o m o ved ação à "p ro i­
b iç ã o d e excesso d e p o d e r ”. Cf. PE D RA , A n d e rso n Sant’A na. O controle da proporcionalidade dos atos
legislativos, p. 196: “P o d e-se d iz e r q u e o principio da proporcionalidade ta m b é m te m u m a fu n ç ã o n e g a ­
tiva p a rtic u la rm e n te relevante, p rin c ip a lm e n te a fim d e o b stac u liz a r o excesso de p o d e r ’”. Cf. ta m b é m :
C A N O T IL H O , 5osé )o a q u im G o m e s. D ireilo constitMcional e teoria da constituição. 4. ed. C o im bra:
A lm e d in a , 1998, p. 1128-129.
E n te n d im e n to diferente será e n c o n tra d o em: NIESS, Pedro H e n riq u e Távora. Direitos políticos, p. 76, que
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Outra situação seria se as contas de um agente público fossem re­
jeitas pelo Tribunal de Contas em razão de ausência de publicidade em
diversos atos administrativos, ou porque diversas despesas foram efetiva­
das sem o necessário empenho. Mas, em ambas as circunstâncias, nenhum
prejuízo ou “nota de improbidade” foi verificada. Então, seria possível que
este agente fosse atingido pela inelegibilidade, mesmo sendo os atos elencados passíveis de saneamento?^ Entendemos que sim, pois não se pode
perm itir que a administração da res publica fique nas mãos de uma pessoa
que tratou com menoscabo o controle da Administração Pública.^^
Imagina-se ainda a situação em que um ordenador de despesas
municipal, após manifestação favorável da assessoria jurídica, realize
o pagam ento de despesas relacionadas a hospedagem e transporte de
um M inistro do STF que esteve na inauguração do Centro de Estudos
Jurídicos M unicipal m inistrando aula m agna que teve como tem a “A
evolução do controle de constitucionalidade no STF” No julgamento
das contas, o Tribunal de Contas entendeu que tais despesas estariam
divorciadas do interesse público municipal, já que, apenas excepcio­
nalmente, ações envolvendo o m unicípio chegariam ao STF, principal­
m ente após a instituição da necessidade de dem onstração da “repercus­
são geral” para o conhecim ento do apelo extraordinário.^®
Este m esm o Tribunal de Contas, agora julgando as contas de um
outro ordenador de despesas, verificou que o m esm o realizou o paga­
m ento de um a obra que apresentava u m sobrepreço, m esm o após a ex-
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en tc n d e q u e u m a v e i u ltrapassado o a n o n ã o há c o m o c o rrig ir a irregularidade. O STF, n o R £ 160.432SH possui a seguinte em enta: “A rejeição d e co ntas públicas, c o m fu n d a m e n to n a ausência d o percentual
co m p u lsó rio m ín im o d e te rm in a d o pelo texto constitucional e m favor d o e n sin o fu n d a m e n to , n ã o c o n ­
d uz, p o r si só, ao re c o nh ec im e n to d e u m a situação caracterizadora d e im p ro b idad e administrativa."
E sta n d o o agente p ú b lico n o m e s m o exercício, b a sta ria ele pu b lic a r os atos e e m itir as n o ta s d e e m p e ­
n h o q ue, sob o p ris m a form al, n ã o h a v eria m ais irregularidade.
A n ã o p u b licação d e atos ad m in is tra tiv o s im possibilita o co n tro le d a A d m in is tra ç ão Pública, ta n to
p elos ó rgãos d e co n tro le (T rib u n ais de C o n ta s, A u d ito rias (con tro le in te rn o ) e M in istério Público)
q u a n to pelos cidadãos. Já a n ã o em issão d e n o ta d e e m p e n h o p re v ia m e n te à d espesa, p ossibilita a
a ssu n ção d e resp o n sa b ilid a d e q u e n ã o p o d e rá ser s u p o rta d a pela A d m in istração .
Está m a is d o q u e e v id e n te q ue, nessa situação, o T rib u n a l d e C o n ta s a d e n tro u n o m é rito d o ato p ara
a n alisar o interesse público. K ã o cabe a q u i a d e n t r a r n e ssa (im )p o ssibilid ad e d e atuação. Pa ra o e x e m ­
p lo exposto, p a rte -se d o ra c io c ín io q u e isso o c o rre u in d e p e n d e n te m e n te d a (im )po.ssibilidade d e tal
glosa. Im p o r ta n te reg istrar q u e o co n tro le d o m é rito d o ato a d m in is tra tiv o pelos Trib u n ais d e C o n ta s
se a p re se n ta aos b o rb o tõ e s na atualid ade, p o r força, inclusive, d a utilização e q u iv o c ad a d o fe n ô m e ­
n o d e n o m in a d o d e c o n stitu cio n alização d o direito a d m in is tra tiv o e pela novel te o ria q u e d e te n d c o
c o n tro le d o m é rito d o ato a d m inistra tiv o . Cf.; PE D RA , A n d e rso n Sant’Ana. A c o n stitu cio n alização
d o direito e o co n tro le d o m é rito d o a to a d m in is tra tiv o p e lo judiciário. In: A G RA , W alber d e M oura;
C A STR O , C elso Luiz Braga de; TAVARES, A n d ré R am o s (C o o rd .). C onstiíucionalism o: o s d esatio s no
terceiro m ilênio. Belo H o rizo n te: F ó ru m . 2008, p. 41-82.
30
plícita observação do setor de engenharia do m unicípio acerca desta
irregularidade.
Em am bos os processos o Tribunal de Contas entendeu, p or de­
cisão irrecorrível, p o r rejeitar as contas p o r irregularidade insanável*^^
Indaga-se: se esses agentes públicos ressarcirem aos respectivos m un i­
cípios as despesas que foram pagas indevidam ente, as irregularidades
tornar-se-iam saneadas? Entendem os que, na prim eira hipótese, sim,
um a vez que naquela situação o pagam ento ocorreu sem qualquer eiva
de desonestidade ou com a intenção de lesar o erário; todavia, na se­
gunda hipótese, não se pode aíirm ar o mesmo.
Acrescente-se que, na segunda hipótese, perfeitam ente aplicável
0 entendim ento de que, “verificada a ocorrência de irregularidade in­
sanável, esta não se afasta pelo recolhim ento ao erário dos valores in ­
devidam ente utilizados”’^, até porque, com o bem adverte Joel Cândido,
“eventual ressarcim ento de parte do investigado aos cofres públicos não
im pedirá sua inelegibilidade. O ressarcim ento tem natureza retributiva;
a inelegibilidade tem natureza m oral”’'.
Antes de continuar analisando a questão da insanabilidade é de
bom tom que se traga à tona, para reflexão, os ensinam entos de fosé
Nilo de Castro:
N ão há garantia individual de cidadão tão forte que se
co ntrapo n ha à suprem acia do interesse público e da
probidade adm inistrativa. Não há, em contrapartida,
tam b ém defesa do erário tão poderosa que se afaste do
exercício de garantia d o cidadão."-
Pode-se, então, dizer que deve ser analisado cada caso concreto
para se definir se a “irregularidade insanável” será configuradora da
inelegibilidade, sendo necessário que a Justiça Eleitoral verifique se essa
irregularidade colocou em risco, de form a dolosa ou irresponsável, o
patrim ônio público, direta ou indiretam ente, sob pena de se retirar do
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Registre-se que não existe n e n h u m a n o rm a constitucional c]iie obrigue os Tribunais de Contas, em seus
julgamentos, a qualificar as irregularidades c om o (in)sanaveis, A previsão n o art. 11, § 5“ d a I ei n"9.504/97
n ã o é legítima para canto, u m a vez que não se p o d e ter u m a lei federal estatuindo atribuições para todos os
'tribunais de C ontas, sob p e n a de o tend er o a au to n o m ia indissociável d o pacto federati\’o, C o n lu d o. im p o r­
ta registrar que seria d e b o m alvitre - e assim afastar u m a parte das discussões - que os Tribunais de Contas
e/ou os Órgãos Legislativos aquilatassem a irregularidade verificada de fo rm a expressa em suas decisões.
A c .T S F .n " 19.140 d e 07.12.20ÜÜ.
C Â N D ID O , foel ]. Direito c k ito ra l brasileiro. 11. ed. 2. tir. B auru: Edipro, 2004. p. 131.
(JASTRO. losé N ilo de. lulgaincnto das contas iiniiiicipais, p.97.
31
cidadão um direito fundam ental tão caro, e ainda de form a ofensiva ao
princípio da proporcionalidade.
Assim, sendo as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas ou pelo
Órgão Legislativo, pelo com etim ento de “irregularidades insanáveis”,
ficará o agente público responsável inelegível nos term os do art. 1°, I, g
da LC 64, até que esta decisão seja revisitada pela Justiça Com um , nos
term os da parte final do dispositivo m encionado, ou então que a Justiça
Eleitoral não considere a declaração de insanabilidade com o motivo
suficiente a ensejar a inelegibilidade.
A declaração da inelegibilidade compete à Justiça Eleitoral, não po ­
dendo utilizar as decisões dos Tribunais de Contas^^ ou do Órgão Legislati­
vo de forma absoluta e automática a fim de considerar o cidadão inelegível.
Não se pode perder de vista que o art. 2° da LC 64 prescreve que “compete
à justiça eleitoral conhecer e decidir as arguições de inelegibilidade”.
A título de exemplo, cum pre trazer à colação o entendim ento do
Tribunal de Contas da União no sentido de que “a inclusão de nom es de
responsáveis em listas a serem enviadas ao M inistério Público Eleitoral
é ato m eram ente declaratório deste Tribunal, cabendo à Justiça Eleito­
ral a com petência exclusiva de declarar a inelegibilidade, nos moldes da
m encionada Lei C om plem entar”.^**
Nesse sentido já se pronunciou o TSE ao decidir que h á “necessi­
dade de a Justiça Eleitoral avaliar se as irregularidades motivadoras da
rejeição de contas, por decisão irrecorrível do Tribunal de Contas com ­
petente, denotam insanabilidade. Não com provado esse fato, não há
que se falar em inelegibilidade.”^^ O m esm o TSE, na Consulta n° 940DF, de 18.11.2003, assinalou que: “B) A rejeição de contas pelo TCU
p ode ser causa de inelegibilidade (Lei C om plem entar n° 64/90, art. 1°,
I, g); no entanto, a inclusão do nom e do adm inistrador público na lista
rem etida à Justiça Eleitoral não gera inelegibilidade, pois se trata de
procedim ento m eram ente informativo”.
O STF tam bém já se posicionou n o MS 22.087-DF ao afirmar
que ‘a justiça eleitoral com pete form ular juízo de valor a respeito das
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Aliás, e n te n d e u o TSE, n o s Ac. 13.847 d e 19.11.1996 e Ac. 12.009 d e 04.08.1994, q u e m e s m o o T ribunal
d e C o n ta s te n d o a p ro v a d o as c o n ta s c o m ressalva, é p e r m iti d o a Justiça Eleitoral a n alisa r as irre g u la ri­
d a d e s verificadas e, se e n te n d e r q u e as m e s m a s são insanáveis, co n clu ir pela inelegibilidade.
T C 299.035:90-2, A c órd ã o 5;1997.
Ac. TSE n° 22.296 d e 22.09.2004.
32
irregularidades apontadas pelo tribunal de contas, vale dizer, se as irre­
gularidades configuram ou não inelegibilidade”.
Pode-se assim dizer que a decisão pela irregularidade é apenas
um dos pressupostos da inelegibilidade, já que, quando for decidir so­
bre o registro da candidatura, é que a Justiça Eleitoral analisará se a irre­
gularidade é insanável ou não, considerando para tanto toda a decisão
do Tribunal de Contas ou do Órgão Legislativo.
Por fim, deve-se registrar que, caso o órgão julgador (Tribunal
de Contas ou Órgão Legislativo) que rejeitou as contas não tenha adje­
tivado com o insanável(is) a(s) irregularidade(s) encontrada(s), deverá
então a Justiça Eleitoral verificar se os vícios que conduziram à rejeição
das contas são sanáveis ou não'^, sendo imprescindível para essa análise
o inteiro teor da decisão que rejeitou as contas'^, a fim de perm itir tal
apreciação pela Justiça Eleitoral.
5.5. PR A Z O Q ÜINQÜENAL
O prazo de cinco anos de inelegibilidade previsto no art. 1°, I,g d a
LC 64 inicia-se a p artir da publicação do Acórdão irrecorrível do Tribu­
nal de Contas, ou da publicação do Decreto Legislativo, e fica suspenso
enquanto estiver tram itando a ação judicial anulatória/desconstítutiva,
caso esta seja proposta.
O prazo se reinicia quando a ação judicial transitar em julgado,
ou seja, o prazo, quando suspenso pela propositura de ação judicial que
visa a anular/desconstituir o ato que rejeitou as contas, recom eça a cor­
rer pelo tem po que falta, após o trânsito em julgado da sentença que
não acolher o pedido.^'^
5.6. IN EXISTÊNCIA DE AÇÃO JUD ICIAL Q U ESTIO N A N D O A
REJEIÇÃO DAS CONTAS
O art. 1°, I,
in fine, da LC 64 traz a ressalva de que, se o ato que
considerou as contas rejeitadas estiver subm etido à apreciação do Po­
der Judiciário, a inelegibilidade ficará suspensa.
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a , Ac. T S E n ” 661 d e 14,09.2000.
Cf, Ac. T S E n ° 659 d e 20.09.2002,
A c ,T S E n " 4 7 4 d e lO ,1 0 . 2 0 0 0 .
33
É sedutora, em um a análise perfunctória, a tese"^ de que a LC 64,
em seu art. 1®, J,g, seria inconstitucional no que concerne a ressalva de
exclusão da inelegibilidade pela simples interposição de ação judicial.
Tal tese tem como fundam ento o fato de que a lei complementar, neste
particular, conferiu a ato particular e unilateral o efeito, por si só, de
sustar a eficácia de ato do Órgão Legislativo ou do Tribunal de Contas,
usurpando a com petência do Judiciário.
Muito em bora a com petência dos órgãos independentes (Po­
der Judiciário, Poder Legislativo, Poder Executivo, Tribunal de Contas
e M inistério Público)^” tenham previsão constitucional, a eficácia e a
abrangência das suas decisões possuem outro berço - a legislação infraconstitucional.
Trilhar a tese apresentada seria a m esm a coisa que concluir que
um a apelação no juízo cível não poderia ter autom aticam ente efeito
suspensivo (art. 520, caput, do CPC), já que um ato particular e unila­
teral sustaria a eficácia de um a decisão do Poder Judiciário - o que não
se admite!
A pura e simples interpretação literal da parte final do art. 1°, I,
g, da LC 64, gerava situações esdrúxulas, com o salienta Djalma Pin­
to, no sentido de que era possível que um candidato com im probida­
de caracterizada, docum entalm ente comprovada, cujas contas haviam
sido rejeitadas pelo Tribunal de Contas e/ou pelo Órgão Legislativo,
tornava-se elegível simplesmente porque ingressou com ação judicial
em que especificava, inclusive, seu propósito puro e simples de apenas
afastar a inelegibilidade. Eleito, diplom ado e empossado, poderia voltar
a praticar os mesm os saques ao erário que, no passado, m otivaram a
rejeição de suas contas.^'
D urante um bom tempo, restou irrelevante, para fins de inelegi­
bilidade, se a ação foi ajuizada até m esm o na véspera da im pugnação ou
se foi proposta logo após a decisão que rejeitou as contas.
Esta questão foi objeto de análise do Tribunal Superior Eleitoral,
que editou a Súmula
1:
Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou
79
80
81
jA R D JM , 'lorquato. D i m t o deU oralpositivo. 2. ed. Brasília; Brasilia Jurídica, 1998, p. 77.
MtilRELLHS, H ely Lopes. D ireito adm in istrativo brasileiro. 26. ed, São Paulo: .Vlalheiros, 2001, p. 63.
PIN T O , D jalm a. D ireito eleitoral, an o ta çõ e s e tem as polêm icos, p, 87.
34
as contas, anteriorm ente à im pugnação, fica suspensa a
inelegibilidade (Lei C om plem en tar no 64/90, art. 1°, I,
&)'
O que se exigia era tão-som ente a objetiva comprovação da m era
propositura da ação desconstitutiva. Dessa forma, proliferavam-se
ações anulatórias abusivas “suspendendo a inelegibilidade e devolven­
do ao gestor público, com um a simples petição que sequer tinha seus
pressupostos de admissibilidade analisados (muito m enos o mérito), a
condição de ser livremente votado"^-.
Assim, era com um o ajuizamento da ação anulatória na undécim a hora com o propósito de buscar o m anto do enunciado da Súmula
n« 1 do TSE.
Até pouco tem po atrás, prevalecia a interpretação literal desta sú­
mula, ou seja, exigia-se apenas a objetiva com provação de m era propo­
situra de ação desconstitutiva.
Todavia, o próprio TSE superou antiga interpretação que dava à
Súmula n° 1, que vigorava há mais de 14 anos, para privilegiar o inte­
resse coletivo de preservar a m oralidade e a probidade administrativa,
como bem determ ina a Constituição brasileira de 1988 (art. 14, § 9°).
A este respeito, lecionam Carlos M ário da Silva Velloso e Walber
de M oura Agra:
O Tribunal Superior Eleitoral, que an terio rm en te aceitava
que a m e ra p ro positura de açáo anulatória da decisão
de rejeição de contas suspenderia a inelegibilidade,
m odificou seu p osicionam ento p ara adotar que a simples
propositura da ação anulatória, sem a obtenção de
provim ento lim inar ou tutela antecipada, não suspende
a inelegibilidade. Dessa forma, n ão basta a intenção de
co n tin uar a discussão judicial p ara im pedir essa causa
de inelegibilidade, é preciso que haja o deferim ento
dc lim inar ou cautelar, o que assegura que o pedido
pleiteado po d e apresentar razoabilidade jurídica, ü
posicionam ento anterior praticam ente inutilizava esse
tipo de decisão dos Tribunais de Contas porq ue bastava
a simples interposição de m e d id a judicial para postergar
os efeitos da rejeição de contas. Posteriormente,
protelava-se o an d am en to processual que perm itia ao
82
M O R A IS. G eorge \ c n t u r a . Inelegibilidade d e c o rre n te d a rejeição d e c o n ta s d e gestores p úblicos e a
n o v a im e rp re ta ç â n d a S ú m u la n" 1 d o TSH; a m o ra lid a d e a d m in is tra tiv a c o m o desafio d o Terceiro M i­
lênio, In: AGRA, W alb er d e M o u ra ; CAS'i'RO. C elso Luiz Braga de; TAVARES, A n d ré R am o s (coord.).
CoiistitucioiHilisino: os desafios n o te rceiro m ilênio. Belo H o rizo n te: f'ó ru m , 2008, p. 201-21)2.
35
im p etran te te rm in a r seu m a n dato sem ser alcançado por
essa ineiegibilidade®’.
Nesse sentido, a m era propositura d a ação anulatória, sem a o b ­
tenção de provim ento lim inar ou tutela antecipada, não suspende a inelegibilidade®'^.
Afinal, ao em prestar eficácia suspensiva autom aticam ente às
ações interpostas antes da im pugnação do registro da candidatura, era
esvaziado p o r com pleto o princípio da moralidade, em detrim ento do
controle das contas públicas e desprezando a ponderação entre os p rin ­
cípios constitucionais.
Agora isto m udou. Se ficar caracterizado que a propositura da
ação dem onstra a existência de m anobra com intenção de burlar a lei,
esta não deve ser aceita para afastar a inelegibilidade.^^
Além disso, a ação a ser proposta pelo candidato deve objetivar a
desconstituição da decisão que rejeitou as suas contas. Isto é, deve ser
direcionada contra esta decisão, não sendo suficiente, v.g., a alegação de
que 0 candidato encontra-se respondendo a um a ação penal ou a um a
ação civil pública (im probidade adm inistrativa) pelas mesmas irregula­
ridades que ensejaram a rejeição das contas.
Assim, a ação a que se refere a alínea g do art. 14 da LC 64 é aquela
proposta pelo candidato para anular a decisão que rejeitou suas contas,
cabendo à Justiça Eleitoral aferir se ela é apta para tanto.*^ E tal ação
anulatória que busca desconstituir a decisão que rejeitou as contas deve
ser proposta antes da im pugnação do registro da candidatura, a fim de
evitar oportunísticas e casuísticas ações judiciais.
C om efeito, a Justiça Eleitoral não deve interferir no juízo que há
de ser form ulado nem antecipar qualquer julgam ento sobre o p ro n u n ­
ciam ento da Justiça Com um . Em outras palavras, se a decisão do órgão
com petente para julgar as contas for subm etida em um a ação à Justiça
Com um , deve a Justiça Eleitoral abster-se de qualquer pronunciam ento
sobre aquele fato tido com o irregular.
83
84
85
86
VELLOSO, C arlos M ário d a Silva; A G RA , VValberde M o u ra . E lem entos d e direito eldioral. p. 72-73.
Ac.-TSE, d e 24.8.2006. n o R O n “ 912; d e 13.9.2006, n o RO n" 963; d e 29.9.2006, n o R O n" 965 e n o
R E spc n ” 26.942; e d e 16.11.2006, n o AgRgRO n" 1.067, d e n tre outros.
C ER Q U E IR A , 71)aJes Tácito Pontes l uz d e Pádua. D ireito eleitoral brasileiro. 2. ed. Belo H o riz o n te ; Del
R ey,20ü4, p. 775.
TSE, A c ó rd ã o n« 19.981, de 29.08.2002 e A c ó rd ã o 619. dc 12.09.2002 - Rcl. M in . F E R N A N D O NEVES.
Cf. ainda: C E R Q U E IR A , Thales Tácito P ontes Luz d e Pádua. D ireito eleitoral brasileiro, p. 775.
36
Por fim, merece ser destacado que, a fim de utilizar a ação anulatória e ver suspensa a sua inelegibilidade, além de considerar os aspec­
tos abordados anteriormente, não se pode esquecer que todos os fiandam entos da decisão administrativa ou político-legislativa que ensejaram
a rejeição das contas deverão ser combatidos, e não apenas algum(ns)
ponto(s).^' Não obstante, obviamente é possível ter suspensa a inelegibi­
lidade caso a ação judicial questione, v.g., unicamente a impossibilidade
do exercício da ampla defesa e do contraditório, e que esta situação tenha
com prometido todo o julgamento acerca dos aspectos meritórios.
6.
CO NSID ERA ÇÕES FINAIS
A inelegibilidade decorrente da rejeição das contas é um tem a
sempre em pauta n a prática eleitoral brasileira, m orm ente na proxim i­
dade do período eleitoral. Muitos candidatos, principalm ente aqueles
que buscam a reeleição para cargos de chefe do Poder Executivo, têm
julgadas irregulares as contas sob sua responsabilidade, podendo, em
razão disto, terem im pugnadas as suas candidaturas em razão da inele­
gibilidade prevista no art. 1°, I, g, da LC 64.
Este trabalho buscou lançar luzes aos aspectos polêmicos envol­
vendo a inelegibilidade decorrente da rejeição das contas. Nesse senti­
do, foram feitas considerações acerca da rejeição das contas bem como
sobre a inelegibilidade dela decorrente.
D entro de um a ponderação entre o direito fundam ental à ele­
gibilidade e a necessidade de zelo com a res publica, foram analisados
aspectos controvertidos envolvendo os requisitos configuradores da
inelegibilidade prevista no art. 1°, I, g, da LC 64, quais sejam, rejeição
das contas, decisão proferida po r órgão competente, irrecorribilidade
da decisão, irregularidade insanável, prazo qüinqüenal, e inexistência
de ação judicial questionando a rejeição das contas.
O que se almejou neste estudo foi provocar um debate para a d e­
finição de novas balizas quanto à análise das (ir)regularidades p o r parte
dos órgãos com com petência de controle das contas da Administração
Pública - Tribunais de Contas e Órgão Legislativo - e o reflexo das de­
cisões deste órgãos junto à Justiça Eleitoral acerca da (in)elegibilidade.
87
Ac. I sr. i r l.\2 2 3 , d e 30.09.1996.
37
Isto se faz necessário para que, de um lado, seja respeitado o d i­
reito fundam ental à elegibilidade, e, de outro, seja vedado que pessoas
ím probas tenham a possibilidade de concorrerem a u m cargo público e
novam ente usurparem o erário.
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PINTO, Djalma. Direito eleitoral: anotações e temas polêmicos. 3. ed.
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39
40
A ARENA INCLUSIVA COMO MODELO DE DEMOCRACIA
A n d r é R a m o s Tavares'"^
I. APONTAMENTOS INICIAIS
O presente estudo procura apresentar a cham ada democracia
deliberativa, tam bém conhecida com o dialógica, consensual, inclusiva
ou discursíva^^, que se realiza p o r meio de um a arena que chamarei
“inclusiva”
Q ualquer das opções terminológicas, contudo, pode ocasionar
confusões conceituais decorrentes de arm adilhas da linguagem. A de­
m ocracia assim concebida não se circunscreve ao m om ento de decisão,
como seria razoável de se com preender o term o “deliberação” na língua
portuguesa (nesse sentido: Souza Neto, 2006: 87); não busca apenas a
inclusão de todos exclusivamente no m om ento d a escolha de repre­
sentantes ou na votação (concepção mais participativa); não pretende,
necessariamente, o consenso universal e pleno; nem se satisfaz com a
m era abertura ao diálogo (dialógica) ou com algum canal (espaço) co­
m unicativo (discursiva).
Nas línguas latinas o term o “deliberativo” se prende fortem ente à
idéia de decisão. Deliberativa, contudo, deve ser com preendida - neste
contexto de deliberação dem ocrática - com o a dem ocracia que se pre­
ocupa com a discussão (não toda e qualquer form a de discussão, mas
um específico m odelo de cunho com unicativo - inclusi vo, conform e se
analisará a seguir).
Assim, dem ocracia deliberativa não pode ser confundida com
88
89
Professor d o s P ro g ra m a s de D o u to r a d o e M e s tra d o e m D ireito d a PU C /S P ; Visiling Research Scholar
n a C a n io zü School o f L a w - N ew York; Pro fesso r C o n v id a d o d a U niversidade de Santiago de C om poste­
la-. D ire lo r d o In s ü tu to B rasileiro d e E stu d o s C o n stitu cion ais; Parecerista; e-m ail: artsp ro f@ g m ail.co m .
O p ta r-sc -á , aqui, e x clu sivam en te pe la p rim e ir a te rm in o lo g ia. A d e m o c ra c ia d eliberativa, con tu d o , não
d escarta, c o m p le ta m e n te , a d e m o c ra c ia p articip ativa e a d e m o c ra c ia representativa. C a n o t i l h ü , c o n ­
tudo, p re te n d e di.stltiguir a d e m o c ra c ia d iscu rsiva d a d eliberativa, p r o m o v e n d o u m a vinculat^ão e n tre
esta e a Escola d o re p u b lic a n ism o liberal e e n tre a d e m o c ra c ia discu rsiv a e a te o ria d e H a b e r m a s ,
a p re se n ta n d o esta c o m p ro p o s ta m ais “relevante” (su b sta n c ia lm e n te engajada). O a u to r acrescenta,
a in d a , u m terceiro e diverso m o d e lo : a d e m o c ra c ia c o rp o ra tís ta ( p o d e ría m o s c h a m a r d e negociai) de
S c H M l T T F . R (cf. C a N O T I L H O , 2 0 0 ) : I 4 1 6 - 7 ) .
41
dem ocracia na deliberação (decisão), ainda que essa deliberação se
estabeleça por votação na qual participe a totalidade dos interessados
(um a dem ocracia direta).
A d e m o c r a c i a é d e lib e r a tiv a , a s s i n a l a m A m m y G u t m a n n e D e n ­
n i s T h o m p s o n , p o r q u e “o s t e r m o s d e p a r t i c i p a ç ã o r e c o m e n d a d o s s ã o
co n c e b id o s c o m o ra z õ e s q u e os c id a d ã o s o u seus re p re se n ta n te s o fere­
c e m n u m p r o c e s s o e m c u r s o d e m ú t u a j u s tif ic a ç ã o [e r e s p e i t o ] ” ( G u t ­
m a n n , T h o m p s o n , 2004:126).
A ênfase recai, antes, no m odo de formação e encam inham ento
da discussão e conclusão, do que na decisão ou seu conteúdo.
II. P O R QUE UMA NOVA PROPO STA DEM OCRÁTICA?
Assim como a proposta de u m a dem ocracia participativa, a de­
mocracia deliberativa assume com o insuficiente os modelos calcados
exclusivamente na (ainda que ampla) votação em representantes que
decidem (cf. S o u z a N e t o , 2006: 10), a cham ada democracia represen­
tativa.
A idéia de um modelo dialógico, essencial à dem ocracia delibe­
rativa, prende-se ao pressuposto teórico de que a dem ocracia haveria
de incorporar um m om ento de amplas discussões, que fosse capaz de
prom over um embate e conhecim ento profundo de idéias e pontos de
vista, am pliando os horizontes da agenda política, das convicções e co­
nhecim entos pessoais e da harm onia entre todos que se dispusessem a
incorporar um debate franco e racional.
Essa proposta de um governo dem ocrático assentado em discus­
sões públicas pode retroagir, num a arqueologia das idéias, a A r i s t ó t e ­
l e s . Mas tam bém é possível considerar com o bem recente um desen­
volvimento mais preciso dessa proposta, com J o h n D e w e y e seu prag­
m atism o político (cf. P o g r e b i n s c h i , 2004). O autor assegurava que,
mesm o nas instituições dem ocráticas “mais rudim entares” já haveria
indícios da necessidade de se prom over a consulta e discussão.
Uma das obras contem porâneas que mais influenciou o debate
sobre o assunto, considerada com o referencial obrigatório, é a de A m y
G u t m a n n e D e n n i s T h o m p s o n , Democracy and Disagreement (1 9 9 6 ),
em bora muitos reputem que as posições apresentadas são extrem a­
42
m ente vagas, parciais e desvinculadas do m u n do real. Ademais, como
se sabe, J ü r g e n H a b e r m a s tam bém contribuiu decisivamente para a
difusão dessa discussão, na vertente dita procedimental.
Para as grandes questões e divergências sociais cada concepção
de dem ocracia oferece seus modelos próprios, de tom ada das decisões
que fatalmente irão vincular as pessoas em geral. As resoluções alcan­
çadas sem a oitiva dos diversos pontos de vista envolvidos - concepção
agregativa de dem ocracia ( G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 13) - é con­
siderada - pela concepção deliberativa de dem ocracia - com o injusti­
ficável num contexto tão complexo com o o das sociedades atuais (cf.
G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004; 12). Assim, tendo em vista a existência
de diversas posições sobre os mais variados assuntos, e considerando
que as pessoas discordam entre si sobre as m elhores soluções e, ainda,
considerando que boa parte desse desacordo é razoável, certas prefe­
rências estão na base das leis e do governo^", sendo a mais adequada
form a de decidir seria a dialógica^'.
Isso eqüivale a dizer que o conteúdo das leis em geral (m om ento
decisório do Parlamento) deveria ser realizado em term os deliberati­
vos. Os cidadãos deveriam discutir - em term os deliberativos - acerca
do mais adequado conteúdo das leis ou decisões^^ que os irão vincu­
lar. Nessa m edida é considerada com o incompatível com essa visão a
proposta de soluções definitivas individualm ente pré-concebidas ou a
aceitação/imposição de soluções externas concebidas sem o debate. Por
quê? Como coloca B o h m a n , a abertura de um espaço deliberativo na
formação das leis ou decisões que vincularão os participantes já oferece
um a (convincente) razão para que estes sujeitos se sintam obrigados
a seguir essas leis ( B o h m a n , 1996: 4; nesse m esm o sentido, tratando
das políticas públicas, parece posicionar-se B o b b i o , 2004: 26). Nem
m esm o a instituição de referendos públicos (m om ento áureo de uma
dem ocracia participativa) seria mais im portante do que a abertura das
instituições ao diálogo ( B o h m a n , 1996: 189; cf. D e w e y , 1927: 206).
Considera-se, ainda, que as concepções agregativas vão apenas
90
91
92
O b se rv a S u s r t i N (1993: 164) q u e esta idéia d e q u e o (io v e rn o te m d e re a li/a r preferências é relativa­
m e n te nova, ap esar de e x tra o rd in a ria m e n te influente.
A d v erte nesse s e n tid o B o h m a n q u e a p e n a s p r m ta fncic o p lu ra lis m o e c o m p le x id a d e das sociedades
p o d e m p a re c e r o b stác u lo s à d e m o c ra c ia d eliberativa ( B o h m a n , 1996: 2. 152 e ss.).
A in d a q u e p o s te r io rm e n te te n h a m d e ser c ria do s m e c a n is m o s o u u m a específica c u ltu ra p a ra in c o rp o ­
ra r essas deliberações.
43
reforçar a distribuição de poderes já existente na sociedade (cf. G u t MANN> T h o m p s o n , 2004: 16), em bora haja acusações (por parte dos
críticos) de que a dem ocracia deliberativa tam bém gere esse mesm o
inconveniente, p or supostam ente realizar a eliminação das proposições
inicialmente aceitáveis na discussão pública.
Umas das vantagens apontadas pelos teóricos da dem ocracia
deliberativa estaria num a espécie de capacidade pacificadora deste m o ­
delo, na m edida em que as escolhas mais difíceis seriam mais aceitáveis
por todos se as afirmações e reivindicações de cada um tivessem sido
avaliadas adequadam ente para se chegar àquela solução (cf G u t m a n n ,
T h o m p s o n , 2004:10). Essa m esm a capacidade pode ser encontrada na
postura teórica que propugna um a constante “rediscussão e revisão”
das grandes questões e decisões ( B o h m a n , 1996: 192).
A dem ocracia deliberativa exige, essencialmente, que os partici­
pantes dialoguem entre si e estejam abertos aos argum entos contrários
aos seus pontos de vista, recebendo-os p ara aceitá-los ou refutá-los de
m aneira racional e convincente. Isso exige que se leve a sério os argu­
m entos dos adversários ( G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 11) e que haja
um certo “policiamento” quanto aos argum entos próprios que serão
apresentados. “A dem ocracia deliberativa representa, desse modo, um a
aplicação da ética do discurso no cam po da política” ( S o u z a N e t o ,
2006: 145).
No modelo deliberativo dem ocrático os atores envolvidos não
promovem qualquer arranjo de interesses, no sentido negociai com um
da expressão. Os modelos dialógicos comunicativos concebidos teori­
camente (e praticados em alguns setores públicos e sociais) insistem na
necessidade de que os diversos atores envolvidos cheguem a um ponto
com um, a um a posição aceita por todos, por meio do convencimento
racional, ainda que isso não signifique um consenso. Esse modelo, p o r­
tanto, trabalha com o pressuposto de que, num a discussão adequada, o
diálogo poderá ser capaz de transform ar posições inicialmente adotadas
pelos participantes desse processo, am pliando o conhecimento daqueles
que deliberam, p o r meio do que se poderia cham ar diálogo responsável.
Em franca contradição com um a form a dem ocrático-deliberativa
de com preender o Estado, encontra-se a posição de burocratas^\ tecno93
Aliás, te rm o que, d e técnico, pa sso u a c o n sid e ra r-se a lta m e n te pejorativo.
44
cratas e ideólogos “que se consideram dispensados de buscar a decisão
a ser tom ada no seio da sociedade civil” (para um a crítica: B a s t o s , T a ­
v a r e s , 2000: 418), porque se crêem suficientemente preparados para
decidir p o r ela. Em rota de colisão encontram -se tam bém as concep­
ções calcadas no critério majoritário ou m esm o no utilitarismo, pela
oposição que representam ao livre m ercado de idéias.
Com o se percebe, um modelo deliberativo de dem ocracia te n ­
derá a resgatar o com prom isso m útuo ínsito à idéia de contrato social
(cf. B o b b i o , 2000: 36), supostam ente cristalizado, adaptado e reinven­
tado pelo constitucionalism o na m odelagem genérica de um a C onsti­
tuição^^. A tensão, contudo, entre dem ocracia deliberativa e constitu­
cionalismo, irá aparecer justam ente pela constante e ampla abertura^^
que um modelo deliberativo propugna. Proposições (constitucionais)
deveriam ser constantem ente avaliadas e subm etidas ao teste público
do diálogo aberto e responsável, perm itindo-se que novas soluções fos­
sem apresentadas e adotadas po r todos. Essa postura conflita com a
própria origem (contra-revolucionária) do constitucionalism o (norteam ericano), que pretendeu sufocar as vozes das grandes massas e as
m udanças, form ada p o r “contra-revolucionários que tom aram um a
revolução dem ocrática radical e transform aram -na em um a sociedade
dom inada pelos ricos e poderosos” ( M e e , 1993: abertura).
O enaltecim ento de um a postura dialógico-inclusiva-racional
tam bém irá chocar-se com os modelos dem ocráticos que, seguindo o
norte-am ericano, reconheçam amplos poderes ao Judiciário'^^.
A própria teoria de G u t m a n n e T h o m p s o n se contrapõe às preo­
cupações e marcos liberais do constitucionalism o clássico, que se ocupa
do Poder Judiciário e da preservação de certos “valores” suprem os e
intangíveis, seja em relação ao legislador, seja em relação às diversas v o ­
zes sociais. Não deixa de ser, neste ponto, um a p ostura crítica ao m ovi­
m ento do constitucionalism o liberal (e pseudo-dem ocrático) que teria
vingado nos EUA e em diversos outros países.
Há, contudo, diferenças, p or vezes profundas, entre os teóricos
94
95
96
E m sua o rig e m , d e n ítid o m a tiz a n lim ajo ritário .
E m b o ra a a n u n c ia d a a b e r tu r a total seja. e m parte, c o n te sta d a p o r críticos d o m o delo , c o m o se verifi­
cará a seguir.
A p e sa r disso, h á u m a p e rsp ec tiva d e c o o rd e n a ç ã o possível e n tre in te rv e n ç ã o Judicial e d e m o c ra cia
deliberativa, in d ic a d a adiante.
45
defensores da dem ocracia deliberativa, podendo-se falar em “várias
versões” de tal dem ocracia (cf. M a c e d o , 1999: 4 ). Algumas das posi­
ções de certos autores não são adotadas p or inúm eros outros que têm
se alinhado ao modelo deliberativo de democracia. Disso decorre certa
dificuldade em pretender realizar u m estudo descritivo desse modelo
que não prom ova constantes referências a autores e perspectivas “sin­
gulares” da dem ocracia deliberativa como proposta teórica e prática.
S o u z a N e t o propõe um a síntese inicial dos modelos de dem o­
cracia deliberativa teoricam ente sustentáveis, quais sejam, a substanti­
va, a procedim ental e a cooperativa, cuja fundam entalidade é reconhe­
cida, respectivamente, com
“a) os direitos que correspondam aos princípios ou aos valores
políticos fundam entais de nossa sociedade; b) os que consistam
em condições procedim entais da democracia; c) ou os que capa­
citem os cidadãos para cooperar n a deliberação pública tendo em
vista a realização do bem comum.” ( S o u z a N e t o , 2006: 12-3)
Nas concepções procedimentalistas, um a vez respeitado o proce­
dim ento, qualquer que seja o resultado estaria ele justificado. E ly , um
dos grandes representantes desta concepção, argum enta que a C onsti­
tuição (estadunidense) se tornou distinta da demais por ter se caracte­
rizado como um processo de governo, e não um a ideologia governante
(axiologicamente vinculante). Citando o justice L i n d e , tem-se que a
Constituição deve prescrever processos legítimos e não resultados legí­
tim os (cf. E ly , 1980: 101). Contudo, a crítica que se apresenta é a de
que essa concepção tam bém com unga de certas posições substantivas
iniciais (pressupostas), com o a liberdade e igualdade (cf. G u t m a n n ,
T h o m p s o n , 2004: 25).
As posições essencialmente substanciahstas, p o r seu turno, pare­
cem retirar do próprio espaço dem ocrático a discussão acerca de quais
seriam as pautas m ínim as a serem observadas, o que de certa m anei­
ra poderia ser considerado com o inconsistente com certos postulados
apresentados p o r alguns teóricos para a dem ocracia deliberativa.
Ademais, nas teorias procedim entalistas costum a ser vislum bra­
da um a estratégia de “desjuridificação”, “com o form a de favorecer o racionalismo e o pluralismo jurídico, ampliando, para seus defensores, o
46
e s p a ç o d a c id a d a n i a ” (B e r c o v i c i , 2 003 : 16), j á q u e n ã o h á v in c u l a ç ã o
in ic ia l a v a lo r e s p r é - c o n c e b i d o s .
IH .E L E M E N T O SD O M O D E L O D E M O C R Á T IC O DELIBERATIVO
A propalada falta de unanim idade dos modelos de dem ocracia
deliberativa aparece com m aior ênfase nas “condições” consideradas
necessárias para assegurar a realização do próprio modelo.
G u t m a n e T h o m p s o n adotam , p o r exemplo, um a postura radi­
cal ao propugnarem que os próprios princípios da dem ocracia delibera­
tiva seriam m oral e politicam ente provisórios ( G u t m a n n , T h o m p s o n ,
2004: 97)^, não reconhecendo que algum m étodo possa ser, de ante­
mão, suficiente para justificar qualquer decisão que nele seja produzida
( G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 18,26'^^). B o b b i o (2004: 55), nessa m es­
m a linha, indica que nen h um a técnica dehberativa pode ser boa para
todos os casos.
Alguns autores parecem pretender u m a aplicação totalitária do
modelo deliberativo, enquanto outros aparentem ente visam apenas às
questões mais problemáticas, em bora esta identificação seja, ela pró ­
pria, difícil. Há, ainda, autores que excluem do m odelo deliberativo a
idéia de representantes eleitos com o aptos a prom overem esse modelo,
enquanto outros a adm item.
Estudiosos com o B o h m a n consideram que algumas das condi­
ções necessárias para a dem ocracia deliberativa não podem ser garan­
tidas po r regras institucionais, desenhos ou procedim entos. Lembra o
autor que a dem ocracia deliberativa deve prover periódicas reestrutu­
rações das instituições quando a razão pública comece a falhar (cf. B o ­
h m a n , 1996-. 198). Isso significa que a dinâm ica do m odelo deve não
apenas se preocupar com a m udança das atitudes e crenças individuais
(o que é indicado como o “coração” da dem ocracia deliberativa), mas
tam bém com a m udança da própria m oldura do m odelo quando isso se
faça necessário (cf. B o h m a n , 1996: 198; G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004:
97).
97
98
E m b o ra os criticos n ã o c o n sid e re m q u e referid a te oria seja e te tiv a m en te tã o a b erta c o m o essa assertiva
nos le varia a con clu ir
O s a u to res rejeitam as posições m inim alista s, calcadas e x clu siv am en te n o p ro c e d im e n to e c o m p r e e n ­
d e n d o - o c o m o justificativa d e q u a lq u e r so lu ção ao final a d otad a.
47
Ademais, as estruturas, contexto e requisitos norm alm ente
apontados pelos teóricos costum am apresentar escasso apelo prático,
sendo m uito raro encontrar estudiosos com o L u i g i B o b b io ^ ^ e J a m e s
B o h m a n que se dediquem a verificar com o o modelo pode desenvolver-se em “condições sociais reais” ( B o h m a n , 1996: ix)‘“ .
Isso bem dem onstra que um a m aior discussão e reflexão acerca
da teoria e prática da dem ocracia deliberativa é ainda necessária (essa é
a linha adotada em: M a c e d o , 1999).
A seguir são apresentadas algumas dessas “condicionantes”, des­
ses elementos gerais, levantados p o r diversos autores, p o r vezes inte­
grantes de teorias próprias e isoladas'^'.
III.1. Publicidade das discussões
Exige-se, na dem ocracia deliberativa, a publicidade das discus­
sões, que h á de se realizar em um fórum público (nesse sentido: B o h ­
m a n , 1996; 5; G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 4; S o u z a N e t o , 2006: 93).
Ademais, todo indivíduo deve ter igual oportunidade de “colocação” no
espaço público de discussão (cf. B o h m a n , 1996:151).
Mas as próprias razões utilizadas devem refletir condições da
publicidade, ou seja, devem ser convincentes para todos (cf. B o h m a n ,
1996: 6, 25). Esta tese está na base da idéia de u m standard m ínim o de
concordância entre cidadãos livres e iguais ( B o h m a n , 1996: 25).
Com um ente tam bém se fala em publicidade da deliberação, no
sentido de sua universalidade ou inclusão máxima, considerada públi­
ca ao invés de coletiva ou com o atividade de um específico grupo (B o­
h m a n , 1996: 8 ) '“ .
99
B o b b io (2000; 2004) p re o c u p a -se e sp e c ia lm e n te e m a n alisar as características fu n d a m e n ta is d o f u n ­
c io n a m e n to d a a re n a deliberativa, u m a vez in d iv id u a liz a d o s os possíveis in terlocu to res, e q u e seriam
b a sic a m e n te três: e s tr u tu ra ç ã o {evitando a e te rn id a d e das discussões), in fo rm a lid a d e e tran sparência.
O c u p a seus e stu d o s c o m as técnicas p a ra q u e a de lib e ra çã o seja p ro d u c e n te , c o m o o brainslormirig
(2004; 74).
100 N a o b ra recen te m e n te o rg a n iz a d a p o r J o h n G a s t i l e P c t e r L eviN £ (2005) é possível e n c o n tra r u m a
série d e estud o s c o m a m p lo s u p o rte e m ex em p lo s con creto s d e p ráticas deliberativas.
101 N ã ü h á n e n h u m a p re o c u paç ã o , a seguir, e m f o r m a r os e le m en to s d e u m a ú n ic a e “m e lh o r” (c o n s iste n ­
te) teoria, m a s ap en a s levan tar d iversos e le m en to s c o m u m e n te in d ic a d o s o u iso la d am e n te sub lin h a d o s
pelos teóricos, Tsse tip o cie a b o rd a g em p e rm ite v is lu m b ra r a lg u m a s d ificu ld ad es (teó ricas e práticas),
ao invés b u s c a r a fo rm ataç ã o im e d ia ta d efinitiva d o m o d elo . A p o s tu ra d e a p ro x im a ç ã o c o m o te m a
a d u la d a n e ste e s tu d o está b a se a d a em c erto d e sc o n h e c im e n to , n o Brasil, acerca das p o stu laçò es da
d e m o c ra c ia deliberativa.
102 Esse e n fo q u e será an alisa d o abaixo, c o m o p rin c íp io d a inclusão o u universalidade.
48
A publicidade deve alcançar o desenvolvimento do próprio proces­
so deliberativo de apresentação e interação de razões ( B o b b i o , 2000: 31).
Por íim, é preciso acentuar, com B o h m a n (1996:192), que o em ­
prego da razão pública não pode restar isolado na esfera pública infor­
mal. A publicidade das discussões deve ser arrastada para as próprias
instituições dem ocráticas tradicionais ou para seu entorno (abrindo
canais de recepção ao diálogo deliberativo realizado nesse entorno).
111.2. Princípio da justificação das decisões e a idéia de razão pública
Parece que u m dos pontos de contato entre as diversas “corren­
tes” da dem ocracia deliberativa encontra-se justam ente na necessida­
de de que as decisões sejam precedidas de razões que as justifiquem,
a exigência de um a “reason-giving” (cf G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004:
3 ), 0 que, de resto, é recorrente em diversos teóricos (com o em R a w l s ,
preocupado em enfrentar o pluralismo da complexa sociedade atual e a
proteção de suas liberdades básicas).
Isso é compreensível na m edida em que se trata de um m ode­
lo comunicativo, que incorpora a livre apresentação e troca de razões
com o parte essencial do processo.
Mas essas razões devem ter um a qualidade especial: devem ser
razões admissíveis, aceitáveis, que não possam ser rejeitadas de p ro n ­
to (cf. B o h m a n , 1996: 5, 25; G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 3; R a w l s ,
2003: 128), acessíveis a todos cidadãos (cf. G u t m a n n , T h o m p s o n ,
2004: 4). Também se exige que sejam razões não apenas toleradas, mas
que produzam um respeito m útuo (cf G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 4,
22, 65 e 79-90), que possam ser com unicadas de um a form a que todos
possam entendê-las, aceitá-las e livremente respondê-las. Essas exigên­
cias deliberativas são consideradas com o justificadoras das decisões a
serem adotadas.
As razões devem ser elaboradas voltadas para o problem a (forma
de pensam ento aparentem ente tópico-dialética). Em outras palavras,
com o assinala B o b b i o (2000: 23), é preferível que os participantes se­
jam confrontados com o problem a e não com um a oficial solução, para
a qual sejam convocados apenas para se sentirem (artificialmente) in ­
corporados.
49
Fazendo u m a aplicação específica deste princípio na tom ada de
decisões pela A dm inistração Pública (voltada, portanto, para a esfera
de execução de decisões de eficácia geral), B o b b i o lem bra que num
processo deliberativo é preciso estar disposto a se surpreender. Assim,
a Administração Pública, quando fizer a opção pela participação deli­
berativa de todos, dede estar preocupada não em legitimar a decisão
(com um a convocação artificial para justificar conclusões prévias), mas
em eventualm ente corrigi-la ( B o b b i o , 2004: 38).
Tendo em vista a ênfase que a teoria deliberativa coloca nos ar­
gum entos e razões que levam a um a decisão ou conclusão, torna-se ne­
cessário saber com a m aior objetividade possível quais seriam razões
ou argum entos aceitáveis no espaço deliberativo, para fins de justificar
um a postura “final” Isso envolve um a ampla teoria acerca da linguagem^*^\ do discurso, do discurso prático geral, do discurso jurídico'^'*,
bem como dos m étodos aceitáveis de exposição, articulação e contes­
tação das razões. Certas condições substantivas'^^ são consideradas im ­
prescindíveis, para os teóricos que as adotam , em virtude da necessida­
de de só assim poder haver u m controle efetivo, pelos próprios partici­
pantes, das razões apresentadas na arena inclusiva, na qual se promove
a discussão e se realiza a dem ocracia deliberativa. ‘A m edida de tais
opiniões está no veredicto dos cidadãos livres” ( B o h m a n , 1996: 8).
Há, na base de certas teorias deliberativas, um a razão prática para
a apresentação dessas razões: elas produzem decisões mais convincen­
tes. B o h m a n , contudo, adverte que não é só esse o aspecto positivo,
pois as decisões assim alcançadas seriam tam bém epistemologicamente
superiores ( B o h m a n , 1996: 25-6).
Indica-se, aqui, ainda, um a base m oral para essa exigência, que é
justam ente a consideração da dignidade da pessoa hum ana, n o sentido
de que “as pessoas devem ser tratadas não apenas com o objetos da le­
gislação” ( G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 3).
103 B o b b io (2000) defende, d e n tr o d a idéia d e in fo r m a lid a d e d a are n a d eliberativa, o uso d e lin g u ag em
n ã o técnica.
104 Pa ra u m d e se n v olv im e n to d o tem a; A le x y , 1978. Envolve ta m b é m u m a c o rd o sobre o s p rin c íp io s d a
a rg u m e n ta ç ã o (R a w l s , 2003) e a c o m p re e n sã o d o papel d o s críticos n a d iscu ssão pública ( c f Bo h ­
m a n , 1996; 203-8).
105 D escritas abaixo.
50
111.2.1. Comunicação e outros processos sociológicos: o outreach
B o b b i o é enfático ao ressaltar o que se poderia considerar como
um a espécie de princípio implícito à idéia de publicidade, m as que aca­
ba p o r reforçar o uso público e genérico que se quer das razões em er­
gentes para o tema. Trata-se do princípio com unicação (divulgação). É
preciso comunicar aos diversos agentes interessados a formação de um a
arena inclusiva e dialógica.
Uma com unicação prévia deve, nos term os trabalhados p o r B o b ­
b i o , produzir o necessário interesse e alarme. Aqui deve haver um estu­
do mais acurado do processo em que se deve desenvolver essa “com u­
nicação”, de m aneira a analisar quais seus mecanism os, pressupostos e
objetivos (por exemplo, ser neutra ou crítica, utilizar-se da mídia ou de
processos seletivos previamente concebidos).
Por meio dessa com unicação-divulgação procura-se incorporar
(incluir) na arena deliberativa todos sujeitos potencialm ente interessa­
dos no sentido de incluir todos pontos de vista razoáveis que merecem
estar presentes na discussão.
Mas se esta é a íinalidade, com o bem aponta B o b b i o (2 0 0 0 : 26),
outros mecanism os com plem entares deverão ser utilizados, como
questionários e entrevistas. Isso porque muitas vezes os indivíduos
mais interessados simplesmente não aparecerão para apresentar suas
dem andas e pontos de vista e, m esm o assim, é imprescindível que as
instituições oficiais, que prom ovam um a arena deliberativa (quando
for esse o caso), cerquem-se de todas as razões para deliberar. É o que
se cham a de outreach, ou seja, ao invés de aguardar que as demandas,
declarações e pontos de vista simplesmente se apresentem à A dm inis­
tração ou Poder Público responsável pela deliberação, estes devem procurá-las “fora” de suas estruturas.
111.2.2. Princípio da economia do desacordo moral
Q uanto às razões a serem apresentadas, A m y G u t m a n n e D e n ­
n i s T h o m p s o n falam do princípio da econom ia do desacordo moral,
que pressupõe, em realidade, a aceitação de um postulado de certa m a­
neira oposto à dem ocracia deliberativa, pois parece pressupor que o d e­
sacordo m oral deve ter limites ou sofrer limitações, m esm o no suposta­
51
m ente amplo e ilimitado contexto deliberativo. Contudo, argum entam
os autores que isso não significa que se devam com prom eter as razões
a serem apresentadas na arena pública, no sentido de um com prom eti­
m ento engajado com o objetivo de se obter um acordo ao final.
Sinteticamente, significa que se deve praticar um a contenção dos
argum entos que levam ao desacordo, tentando encontrar justificativas
ou desvios que m inim izem as diferenças e a possibilidade de rejeição
da posição que se apresenta (cf. G u t m a n n , T h o m p s o n , 2 0 0 4 : 7 e 8 5),
ou seja, deve-se proceder à busca de pontos de convergência entre o
argum ento apresentado e aquelas outras posições que se vão rejeitar
( G u t m a n n , T h o m p s o n , 2 0 0 4 : 86).
Esse tipo de postura pode ser viabilizada, em parte, quando as
pessoas se conscientizam de que não agem como pessoas privadas, mas
sim com o “parte de um a esfera pública que é constituída por outros
cidadãos” ( B o h m a n , 1996: 2 0 7 ).
III.3. Princípio da inclusão ou universalidade; o stakeholder
Fala-se em princípio da inclusão, no sentido de que não pode
haver nenhum a conseqüência para aqueles cujos argum entos não es­
tiveram presentes (“representados”) na discussão. É a regra de ouro da
dem ocracia deliberativa: n en hu m im pacto sem representação (cf. B o b B io , 2000: 25 e 2004: 22). B o b b i o (2000: 24) pressupõe, nessas circuns­
tâncias, que a abertura do processo decisório exige, via de regra, que
alternativas ainda estejam disponíveis. Daí um a definição expansiva
acerca de quem deve ser incluído no processo deliberativo (cf. G u t ­
m a n n , T h o m p s o n , 2004: 9) ou um a universalidade propriam ente dita
(cf B o h m a n , 1996: 8).
Há, b a s i c a m e n t e , tr ê s f o r m a s d e p r o m o v e r e s s a “ in te g r a ç ã o ” d ia ló g ic a ( c f B o b b i o ) : (i) p e l a a b e r t u r a a m p l a e p e r m a n e n t e d o “p o r t ã o
d e e n t r a d a ”; (ii) p e la i n c lu s ã o “r e p r e s e n t a t i v a ” d a s d iv e r s a s o p i n i õ e s e
p o n t o s d e v ista ; (iii) p e la c r ia ç ã o d e u m e s p a ç o p a r a o c i d a d ã o c o m u m
a l e a t o r i a m e n t e s e le c i o n a d o i n t e g r a r a s discussões*®^.
A abertura total do portão de entrada enfrenta o problema (his­
tórico) de que 0 espaço da decisão pública é norm alm ente fechado, in106
Esta v ariante, co n tu d o , irá sofre r as restrições d o s a rg u m e n to s razoáveis.
52
compatível com um espaço público, aberto e inclusivo. Na concepção
deliberativa, espaço de decisão pública e espaço público passam a ser
representados com o um m esm o e com um espaço, não com o espaços
próprios e separados'^’. O Direito assim produzido terá sido, dessa
forma, legítimo ( S o u z a N e t o , 2006: 155). Essa abertura signiHca que
qualquer um que detenha um argum ento razoável deve poder apre­
sentá-lo ao espaço de deliberação ou, pelo m enos, ver seu argum ento
sendo ali apresentado (v. G u t m a n n , T h o m p s o n , 1996).
Ainda que os sujeitos não se integrem ao processo deliberativo,
é m elhor que se tenha o portão aberto e que sejam eles a optarem pela
exclusão (cf. B o b b i o , 2 0 0 4 : 48),
É essencial explicitar este princípio da inclusão justam ente p or­
que ele tem sido descurado pelas dem ocracias na atualidade (YOUNG:
1999, 155).
Pretende-se incluir no processo deliberativo todos (indivíduos,
associações, grupos e instituições, além do próprio Poder Público) que
tenham alguma razão aceitável, algum ponto de vista relevante. Para
tanto, tem-se feito m enção à íigura do stakeholder, ou seja, todo aquele
que tem (hold) u m interesse específico sobre o que foi colocado em jogo
(stake) ( B o b b i o , 2 0 0 4 : 4 1 ).
A abertura para todos os pontos de vista possíveis coloca a ques­
tão acerca das limitações (próprias do constitucionalismo) e suas compatibilidades com essa proposta (cf. M a c e d o , 1999; 4 ). Assim, em que
m edida poderia o Poder Judiciário intervir para assegurar o nível de­
sejável de razoabilidade dos pontos de vista? Seria possível im por lim i­
tes prévios a esses argumentos, como, p o r exemplo, os direitos funda­
mentais assegurados constitucionalm ente (cf. M a c e d o , 1999: 4)? Para
ficar com os exemplos anteriorm ente referidos: um debate no qual se
apresente o argum ento da necessidade de estabelecer a ampla prisão por
dívidas civis ou a discriminação de base exclusivamente racial poderia
(ou deveria m esm o) ser descartado de pronto (e qual o fundam ento d e­
liberativo para tanto?), descarte a ser prom ovido p o r força de um a inter­
venção preventiva de um a declaração formal de direitos? O u isto cons­
tituiria um a restrição vexatória ao modelo de dem ocracia deliberativa?
107
Isso de co rria , e m parte, d a dissociação e n tre E stado e so cie d a d e r\o m u n d o o c id e n ta l c o n te m p o râ n e o ,
0 q u e é inv o cad o p o r a lg u m a s p o s tu ra s céticas q u a n to à d e m o c ra c ia p ra tic a d a n a atualidade.
53
Mais ainda: qual o limite dessa inclusão e em que m edida algu­
mas pessoas, representantes de certas idéias, devem ser im pedidas de
participar? A resposta remete à discussão acerca dos argum entos não
aceitáveis no fórum deliberativo e às críticas dirigidas à dem ocracia de­
liberativa.
111.4. Princípio da aplicação seletiva
Cham o de princípio da aplicação seletiva as posturas deliberativo-democráticas que adm item, em um prim eiro mom ento, que nem
todas as questões devem ser submetidas à arena deliberativa (a arena é
semi-inclusiva), que nem toda a atividade política deva se curvar a esse
modelo (nesse sentido: G u t m a n n , T h o m p s o n , 2 004 : 3, 41 , 43 e 5 6 ), e
que p o r vezes a justiça ou a privacidade deva prevalecer sobre o m odelo
deliberativo-dem ocrático (cf. G u t m a n n , T h o m p s o n , 2 00 4: 3 4 -5 e 41).
Além disso, admite-se que nem todas as decisões poderão ser o b ­
tidas em pregando-se exclusivamente o m étodo deliberativo, sendo n e­
cessária, em alguns casos, um a “com plem entação” por outros processos
decisórios (cf. G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 18-9; B o h m a n , 1996; 28),
com o a votação e a representação^"^*.
N a teoria apresentada p o r B o b b i o (2 0 0 0 : 2 1 ), indicam -se duas
condições nas quais deve haver o alargamento da arena decisória pelo
modelo deliberativo: i) quando a intervenção produzir reflexos exter­
nos relevantes (externalidade relevante) e, ii) quando a incerteza não
puder ser simplesmente elim inada com base em análises técnicas. O u
seja, quando houver bons motivos p ara entender que se pode resolver
o problem a adequadamente, sem im por a arena deliberativa, então será
m elhor optar pelas m odalidades tradicionais (cf. B o b b i o , 2 0 0 4 : 15).
O autor chega a sustentar que o processo inclusivo deve ser a exceção
( B o b b i o , 2 0 0 4 ).
Ressalte-se, ainda, que o m odelo deliberativo não pretende ex­
pandir-se para as relações privadas.
111.5. Princípio da reciprocidade
108
Fala-se, aqui, n u m a a p ro p ria ç ã o d a te rm in o lo g ia de A c k e r m a n ( 1 9 9 1 e 1 9 9 8 ) . cm in stituições d e m o ­
c ráticas dualistas (cf. B o h m a n , 1996: 154, 197 e ss.).
54
Deve-se exigir, ademais, consoante alguns pensadores da de­
m ocracia deliberativa, a justificação (em term os morais) das ações
(e decisões) adotadas, com o m edida de reciprocidade (nesse sentido:
G u t m a n n , T h o m p s o n , 1996; 129). S e não é possível retornar à idéia
de um m andato imperativo, o elemento dialógico vai im por um a “pres­
tação de contas” [accountability), que seja capaz de convencer a todos
sobre a legitimidade da decisão adotada pelos representantes eleitos.
Assim, em bora a decisão possa não ser desejada p o r certos grupos, es­
tes devem se sentir incluídos naquela decisão e p o r ela convencidos
(nesse sentido: S o u z a N e t o , 2 0 0 6 : 8 9 ), de m aneira a dim inuir o “custo
dem ocrático da divergência” praticando um a econom ia na extensão do
desacordo m oral (cf. G u t m a n n e T h o m p s o n , 2 0 0 4 : 7).
G u t m a n n e T h o m p s o n (1996: 52 e ss.) falam em reciprocida­
de, baseada na justificação para os demais participantes, substituindo a
idéia de consenso pela de justificações m utuam ente razoáveis e aceitá­
veis ( G u t m a n n , T h o m p s o n , 1996: 55). Isso porque os participantes, ao
apresentarem suas posições, terão (no sentido impositivo) levado em
conta os argum entos contrários, incorporando-os no discurso e, assim,
d em onstrando o porquê de não terem sido aceitos.
C om isso, a dem ocracia dialógica não tem de chegar, necessaria­
mente, a um consenso definitivo, o que acentua seu caráter dinâm ico
e a possibilidade (politicamente relevante) de retom ar os argum entos
utilizados anteriorm ente (v. G u t m a n n , T h o m p s o n : 6-7).
III.6. Cláusula de reabertura das discussões
Algumas teorias deliberativas, em especial a de G u t m a n n e
T h o m p s o n , parecem propor um a espécie de “eternidade nas discus­
sões”, m esm o quando a decisão já tenha sido tomada.
Um dos exemplos utilizados pelos autores é o d a guerra no Iraque
e a continuidade das discussões m esm o após a invasão ( G u t m a n n e
T h o m p s o n , 2004: 2 )'"l
É im portante anotar que os autores não pretendem desabilitar o
m om ento de decisão, nem negar que os argum entos invocados pelos
109
U m dos m o tiv u s p a ra tal o c o rrê n c ia te m ba se n a existência de razõ es q u e fo ra m oferecidas p a ra a
invasão, o q u e p e rm itiria tal p e rm a n ê n c ia discursiva.
55
diversos participantes de um a arena deliberativa objetivem justam ente
influenciar essa decisão. Apenas almejam anunciar que essa arena deli­
berativa deve perm anecer, mesm o após a decisão ter sido tom ada pelas
autoridades. Desde que a decisão tenha sido justificada, as razões apre­
sentadas perm item essa linha de continuidade dialógica (cf. G u t m a n n ,
T h o m p s o n , 2004; 6).
Invoca-se u m a razão prática para essa postura dialógica contí­
nua; os cidadãos que discordassem da decisão seriam mais receptivos a
estarem vinculados p o r essa decisão se soubessem da possibilidade de
revertê-la (cf. G u t m a n n , T h o m p s o n , 2004: 7), o que exige a abertura
à discussão constante.
Já na teoria proposta p o r B o b b i o (2000) aparece com o funda­
m ental a preocupação em evitar “que a discussão possa protrair-se ao
infinito e degenerar em um a frustração geral”. Para tanto, B o b b i o in ­
dica, como pressuposto, que os participantes deliberem previamente
acerca das regras do jogo, que estas sejam razoáveis e que contem plem
am pla possibilidade de participação e acesso. Presentes esses elem en­
tos, a discussão deve encerrar-se em algum mom ento.
III.7. Condições substantivas de validação
Em certas concepções de dem ocracia deliberativa, o Estado de
Direito e alguns direitos fundam entais (aqueles considerados como de
im pacto im ediato no processo deliberativo) serão tratados com o condi­
ções de possibilidade democrática^ e não limites à democracia.
Nesse sentido, para estas vertentes, Estado de Direito e direitos
fundam entais com o pautas m ínim as tam bém não serão com preendi­
dos com o contrários à soberania, m as a ela conform es (cf. S o u z a N e t o ,
2006: 58), atuando n a sua própria preservação contra eventuais desvios
que a degenerem ou eliminem. N ão só haveria u m a auto-restrição justa
(em m aior ou m enor grau, mas sempre m inim alista) com o tam bém
necessária à sobrevivência (preservação contra a vontade calcada em si
m esm a mas arbitrária e destrutiva).
Não se pretende fazer, aqui, um inventário dos diversos autores
e suas respectivas filiações teóricas, nem tam pouco estabelecer um ca­
tálogo dos diversos direitos ou pautas considerados essenciais pelas te­
56
orias substancialistas'"’. Apenas se quer prom over um a aproximação
inicial com o tem a e registro do sentido dessa concepção.
Q uanto aos valores substantivos que haveriam de ser incorpo­
rados pela dem ocracia deliberativa, encontra-se com um ente a igualda­
de.
A rgum enta-se que a igualdade deve ser incorporada como um
im portante ingrediente do m odelo deliberativo de democracia, porque
a pobreza social e política bloqueiam a realização da democracia.
Nesse sentido, a exclusão social operada por séculos de discri­
m inação racial exercerá u m elemento desagregador e desfigurador da
dem ocracia dialógica, devendo ser tratada com o um a das condições
prelim inares da dem ocracia a igualdade e as ações afirmativas nos con­
textos sociais de discrim inações históricas.
Assim, a igualdade, com o afirma H a b e r m a s , será um a das con­
dições para que possa ocorrer um diálogo efetivo. Mas não é só. O autor,
em sua concepção mais procedim entalista de dem ocracia deliberativa
aponta tam bém para a liberdade. Do contrário, ter-se-á apenas a m a­
nipulação dos processos de discussão e formação da opinião pública.
D a m esm a form a B o h m a n sustenta a necessidade tanto da igualdade
como da liberdade dos cidadãos ( B o h m a n , 1996).
A m y G u t m a n n e D e n n i s T h o m p s o n , em sua concepção não
apenas procedimentalista, invocam a liberdade e a oportunidade como
elementos substantivos necessárias para assegurar a dem ocracia delibe­
rativa.
IV. ALGUMAS PAUTAS EM CO N EX Ã O CO M O M OD ELO
DELIBERATIVO
As preferências ou soluções alcançadas no espaço deliberativo
são sustentadas “a p artir de dentro” do processo de discussão. Isso sig­
nifica que não há im posição de valores alheios ao próprio processo dialógico‘“ .
Dessa forma, qualquer resultado poderá surgir de u m processo
dem ocrático assim concebido.
110 Sobre o tem a: B e r c o v i c i , 2003.
111 Ver, sobre este p o n to , o ite m acerca das críticas à d e m o c ra c ia deliberativa.
57
A dem ocracia deliberativa aceita e preserva o pluralism o que
se im põe na complexidade inafastável da sociedade contem porânea. A
profunda discordância existente na sociedade acerca dos valores a se­
rem adotados faz com que não se possa escolher, previamente, n enh u m
deles. H á um a necessidade de respeitar, aqui, a decisão dem ocratica­
m ente adotada, desde que as condições de existência dem ocrática te­
n ham sido preservadas.
Parece que nem mesm o na dem ocracia deliberativa é possível
im pedir que haja algum sufocamento, ainda que parcial ou reduzido,
de certas minorias. O pluralismo inicial da teoria pode ser, ao final e
na prática, eliminado. Apenas os valores “eleitos” com o precondições
deliberativas é que podem servir com o im pedim entos (não totais) a
essas ocorrências, além da suposta falta de qualquer razoabilidade em
certos argumentos. Um observador “externo” poderá considerar certos
resultados alcançados seguindo o m odelo dialógico, com o prejudiciais
às próprias minorias. Evidentemente que a igualdade e a liberdade, com
todos seus consectários, podem servir com o redutores im portantes do
risco. Aliás, as próprias m inorias estão no centro das discussões delibe­
rativas (cf. S o u z a N e t o , 2 0 0 6 : 6 9 ).
Uma interessante constatação é a de que as teses que seguem a
concepção kelseniana ( K e l s e n , 1928: 56-7) de justificação de um a Jus­
tiça Constitucional tiveram com o horizonte o m odelo de dem ocracia
não-deliberativa, de dem ocracia m ajoritária (representativa).
Em bora voltado para um m odelo específico de democracia,
S o u z a N e t o (2006: 161) bem observa ser fundam ental que cada in d i­
víduo se com preenda, nas sociedades plurais, como parte do todo, que
seja assim reconhecido e tratado pela sociedade.
Trata-se de um a dim ensão da dignidade, no sentido de ser asse­
gurado a cada um interagir no espaço público, ser respeitado, quanto
às suas opiniões e pontos de vista, pelos demais, assim com o tam bém
respeitar outras opiniões e pontos de vista. Exige-se, na dem ocracia de­
liberativa, o tratam ento do outro como sujeito, e não com o objeto, e
um a certa responsabilidade dialógica.
58
V. DIFICULDADES NÃO ASSIMILADAS PELO N OVEL M ODELO:
POSTURAS CRÍTICA S À PROPO STA DELIBERATIVA
O q u a n t o é d e s e já v e l e n e c e s s á r io , a l é m d e o p o r t u n o , p r o m o ­
v e r u m d e b a t e a m p l o e “p o p u l a r ” s o b r e q u e s t õ e s m o r a i s d e lic a d a s , e m
d e t r i m e n t o d e u m a a p r o x i m a ç ã o té c n i c a (cf. B o b b i o , 2000: 20), d a e x ­
p e r i ê n c i a a c u m u l a d a e a té d a e s t a b i l i d a d e p o lític a , sã o , d e n t r e o u t r o s ,
a s p e c t o s q u e s t i o n á v e i s d o m o d e l o d e d e m o c r a c i a d e lib e r a tiv a .
Sendo o modelo de dem ocracia deliberativa aplicável não a toda e
qualquer situação, em qualquer mom ento, mas especialmente às ques­
tões m oralm ente controvertidas e, ao m esm o tempo, sobre as quais seja
viável o estabelecimento de um espaço dialógico, muitos críticos vis­
lum bram nessa “restrição” um problem a do modelo.
Limitar e exigir a aplicação do modelo deliberativo ás grandes
questões morais e para elas estabelecer, prim a fa d e , a possibilidade de
um espaço com um de diálogo significa, nessa linha, excluir opiniões
extrem am ente divergentes e utilizar, para tanto, um critério “circular”,
só aceitando as questões que já se saiba, previamente, acerca de sua
plausibilidade em gerar algum “consenso” discursivo ou im por às ques­
tões mais delicadas um específico senso-com um (admissível no espaço
deliberativo). Temas com o discrim inação racial e intolerância religiosa
podem m inar a liberdade propugnada por alguns modelos (cf. F i s h ,
1999; 89).
Um grande problem a aparece, assim, consoante os críticos, na
teoria de A m m y G u t m a n n e D e n n i s T h o m p s o n quando estes autores
distinguem entre opiniões divergentes que merecem respeito daquelas
outras opiniões divergentes, que devem ser “descartadas” do processo
dialógico como posições que ninguém razoavelmente aceitaria ou que
ninguém deveria apresentar. M esmo B o b b i o parece aceitar um a idéia
de pontos de vista relevantes com o os que devem fazer parte do contex­
to deliberativo ( B o b b i o , 2004: 41); o autor adverte que além de saber
quem representa é preciso saber se “pode contribuir?” ( B o b b i o , 2004:
41). O u seja, adm item -se opiniões e argum entos não relevantes.
Daí a crítica contundente de S t a n l e y F i s h : quem determ ina o
que é e o que não é um a premissa plausível? ( F i s h , 1999: 95). Este é
um dos pontos centrais da crítica à dem ocracia deliberativa, pois atinge
59
diretam ente as bases sobre as quais se constrói esse modelo, ou seja, a
possibilidade do diálogo aberto.
O mesm o autor pretende revelar que o pano de fundo no qual
se desenvolvem propostas com o a deliberativa é o da “arbitrariedade”
n a aceitação inicial do razoável, anotando que essa reserva de prem is­
sas discutíveis aponta, em verdade, para um “ato de p o d er” que execu­
ta um a exclusão perem ptória das posturas que não interessam (não só
porque diferem radicalm ente das posturas dos defensores da dem ocra­
cia deliberativa, mas tam bém porque estes não querem assumir o risco
- real - de vê-las vencedoras no espaço dialógico). Ora, se se tratasse
de posições realmente insustentáveis elas, po r essa única e exclusiva
razão, seriam descartadas pelos participantes de um a deliberação. Mas
autores com o G u t m a n n e T h o m p s o n insistem em descartá-las teori­
camente, criando um a espécie de espaço válido de discussão.
Com o bem lem bra F i s h , o s seguidores do m odelo deliberativo
não toleram certas idéias (razões) e, p o r esse motivo, passam a excluílas ao argum ento de um a inequívoca falta de razoabiiidade das mesmas,
procurando, contudo, m anter a aparência (retórica) de ampla abertura,
m útuo respeito, tolerância, etc.. O u seja, com essa postura conseguem
excluir deliberadamente da agenda política certos assuntos ou posições.
Se não o fizessem, o m odelo deliberativo (aberto p o r definição a todos
argum entos, sem qualquer discrim inação ou reprovação inicial) p o ­
deria conduzir àqueles resultados não desejados. E essa possibilidade
seria um risco^'% não apenas as convicções pessoais de certos autores,
mas igualmente à própria subsistência da teoria deliberativa.
A ampla abertura propugnada pelo m odelo deliberativo fica, p o r­
tanto, estremecida, quando se utilizam argum entos favoráveis a algu­
mas exclusões preliminares e perem ptórias.
Retom ando a afirmação de que o “valor” da razão pública do p ro ­
cesso deliberativo não é apenas outra opção m orai (dentre a enorm e
variedade delas existente), mas um a espécie de “base m oral de excelên­
cia” na qual os cidadãos que discordem m oral e religiosamente podem
agir coletivamente ( G u t m a n n , T h o m p s o n , 1996: 67), pode-se aqui
112
É feita a q u i u m a a p ro x im a ç ão c o m o p e n s a m e n to d o re a lism o ju ríd ico n o rte -a m e ric a n o , especifica­
m e n te c o m H o l m e s , c o m a id éia d e u m c erto fatalism o q u a n d o às decisões a s erem a d o ta d a s {H o l m l s
falava de u m a “sovereign prero g ative o f choice”).
60
i d e n tif ic a r a c o n s t r u ç ã o d e u m a b a r r e i r a d e c o n t e n ç ã o p a r a o p ç õ e s m o ­
ra is i n d e s e ja d a s , a o a r g u m e n t o d e q u e n ã o a t e n d e m à r a z ã o p ú b l ic a d o
“o l h a r d e lib e r a tiv o ” q u e é, n e s s e s e n tid o , a m o r a l i d a d e e n ã o q u a l q u e r
m o r a l i d a d e ( n e s s e s e n tid o : F i s h , 1999: 6 9 ).
Parece que esses teóricos da dem ocracia deliberativa não perce­
bem a existência dessa dificuldade, e não fornecem soluções para com ­
preender ou resolver m elhor o problema.
Um dos exemplos apresentados para ilustrar o que se disse é o
de políticas públicas que prom ovam a discrim inação racial, no sentido
de que todos concordariam que tais políticas não merecem nenhum
espaço na agenda política (e no espaço deliberativo-dem ocrático). Não
seriam opções políticas que o Parlamento ou os cidadãos pudessem
seriam ente considerar e, se o fizessem, os tribunais deveriam interce­
der, conform e sustentam os autores pró-deliberativos. F i s h identifica,
aqui, um argum ento prático de ordem histórica, que fundam enta essa
restrição. E, assim como foi estabelecido ao longo de anos, bem po d e­
ria, em sua análise, ser tam bém abandonado. Para o autor, G u t m a n n
e T h o m p s o n pretendem excluir essa opção à base de um argum ento
forte, que não perm ita um a exclusão m eram ente circunstancial (his­
tórica) posterior, e que im ponha um abandono definitivo dessa posi­
ção indesejada. A pergunta, portanto, dirige-se a saber quem fornece e
com o são construídas essas razões mais fortes (não-históricas). Eis aqui
o ponto falho vislum brado nessa teoria, que descortina um a verdade:
0 desejo de rem over esse e outros tipos de políticas públicas não é u n i­
versal, pois se fosse elas seriam excluídas sem necessidade de recorrer a
esses argum entos [artificiais] mais fortes (F i s h , 1999: 9 8 -9 ).
Logo, se algumas pessoas devem ser deixadas de fora da conver­
sação é “porque elas não acreditam no que G u t m a n n e T h o m p s o n
acreditam” ( F i s h , 1 9 9 9 :1 0 0 ) .
VI. ALGUMAS IMPLICAÇÕES CONCEITUAIS DO MODELO
DELIBERATIVO DE DEMOCRACIA
VI. 1. Ações afirmativas e democracia deliberativa
A concepção deliberativa da dem ocracia estaria a perm itir que,
p or meio de um discurso que incorpore a oposição, não a sufocando,
61
m as afastando suas pretensões de m aneira racional, possam ser im ple­
mentadas políticas extrem am ente polêmicas, com o as ações afirmativas
(cf. Souza Neto, 2006: 90-1 e 257). Em certo sentido, no início prom ovia-se, quanto ao espaço de decisão, apenas um certo “encorajam ento”
em considerar as (adm itir os argum entos da) ações afirmativas (G o ­
m e s , 2001: 39).
N um a democracia, é essencial que não se declarem apenas for­
m alm ente os direitos, mas que se perm ita m aterialm ente a todos alcan­
çarem o efetivo exercício desses direitos.
As política de ações afirmativas têm em com um com a dem ocra­
cia dialógica a tese da inclusão e do m ulticulturalism o (para as ações
afirmativas: G o m e s , 2001: 47-8; para a dem ocracia, sublinhando a im ­
portância de sua expressa referência: Yo u n g , 1999: 155). Na primeira,
a inclusão é o objetivo. Na segunda, a inclusão é um a condição inicial.
Contudo, para que possa haver a efetiva inclusão de que necessita a d e­
m ocracia dialógica, alguns processos inclusivos prévios, que habilitem
os atores do discurso que se seguirá, seriam imprescindíveis. Dentre
eles estão as ações afirmativas.
As ações afirmativas, ademais, têm a qualidade de potencializar
as diferenças, prom ovendo a inevitável inclusão argum entativa do “di­
ferente”, no contexto democrático-decisório. Antes, porém , há um re­
conhecim ento das diferenças (pela presença de ações afirmativas). O
reconhecim ento de diferenças, de m aneira que possam nortear o dis­
curso de um a m aioria que não se com preende como representada nes­
sas diferenças é um a hipótese de trabalho que tem m uito mais sentido
no contexto da dem ocracia dialógica. O u seja, as ações afirmativas en ­
contram lastro num a deliberação de m odelo dialógico, em bora possam
tam bém ser alcançadas - já aqui com um cunho mais assistencial (e,
p o r vezes, populista) - nas dem ocracias representativas ou majoritárias,
assim com o naquelas estruturas estatais que reconheçam aqui um es­
paço de livre conformação do legislador (a depender, portanto, da “boa
vontade” do legislador).
Aqueles que adotam um a concepção material de dem ocracia d e­
liberativa (não-procedim entalista) adm item , num a vertente aparente­
m ente finalista, que este modelo tam bém deve “prom over a inclusão
sob um prism a cultural” (S o u z a N e t o , 2006: 174), de m aneira que
62
todos sejam “tratados com o dignos de igual respeito” (S o u z a N e t o ,
2006: 236). Contudo, a idéia de igualdade de condições iniciais para
u m a discussão é sempre cara à dem ocracia dialógica, porque p o r meio
dela é que se poderá observar o surgim ento dos diversos pontos de vista
necessários a um a verdadeiram ente ampla discussão. É reverberado o
papel essencial da cultura e da educação. Portanto, trata-se de pré-requisitos da deliberação dialógica, e não apenas de seus possíveis resul­
tados (lei form alm ente aprovada após um a eventual discussão aberta e
racional).
Por fim, ressalte-se que as políticas afirmativas procuram , dife­
rentem ente da dem ocracia deliberativa, alcançar o espaço privado,
com o 0 de grandes corporações e empresas.
VI.2. Democracia deliberativa e constitucíonalismo
Séria crítica dirigida à dem ocracia deliberativa é encontrada
nas formulações clássicas do constitucionalismo. Isso porque um a das
alavancas do constitucionalism o e que forma, atualmente, o cerne de
sua teoria, está na proteção “fechada” dos direitos fundam entais, con­
siderada imprescindível e definitivamente incorporada ao patrim ônio
constitucional.
Essas posições definitivas são incompatíveis com a arena delibe­
rativa aberta. E, em bora certas teorias adm itam que os direitos fu n ­
dam entais devam estar mais protegidos que as leis comuns, nem por
isso afasta esses direitos da discussão ampla e contínua (cf. G u t m a n n ,
T h o m p s o n , 2004: 53-4).
Com o observou B o h m a n , o modelo deliberativo pode parecer
mais apropriado para os m om entos constituintes, não para a política
ou legislatura ordinárias.
As posturas precedimentalistas da dem ocracia deliberativa não
reivindicam determ inados conteúdos para as leis, ao contrário das pos­
turas substancialistas, que envolvem determ inados com andos n o rm a­
tivos como necessários e revelando u m a im posição teórica a u m a atu­
ação norm ativa de conteúdo livre. Aqui certam ente pode ser invocado
um sério atrito com o constitucionalismo, que privilegia as decisões
tom adas pelos representantes populares, especialmente baseado na
63
idéia perm anente de um a soberania popular. Este atrito da visão substancialista estará presente - e com m aior intensidade - no m om ento
constituinte (inicial, fundante, incondicionado e ilimitado).
De qualquer maneira, as visões substancialistas rem ontam aos
direitos fundam entais, ou a parte deles, considerados como essenciais
para um a bem -sucedida deliberação, com o liberdade comunicação, de
expressão, de inform ação (cf. B e r c o v i c i , 1999: 17-25; B o h m a n , 1996:
23).
VI.3. Democracia deliberativa e intervenção judicial
A opção do Judiciário para resolver conflitos é reconhecida como
um dos cam inhos clássicos, rejeitada pelo modelo de dem ocracia de­
liberativa, p o r não ter com o preocupação o oferecimento de um a res­
posta pertinente às razões do conflito, já que muitas vezes a apresenta­
ção destas é m eram ente formal e pessoal (cf. B obbio , 2004: 100“ '). O
processo judicial não tem como preocupação a verificação das distintas
razões admissíveis e um a aproximação das mesmas.
Tom ando outro paradigm a, S o u z a N e t o (2006: 281) procura es­
tabelecer a idéia de que, no contexto de um a dem ocracia deliberativa,
ao Judiciário restaria a possibilidade de aplicar, im ediatam ente, apenas
“as norm as que configuram condições para um bom funcionam ento da
vida democrática”
Uma das conseqüências relevantes dessa postura está em reco­
nhecer, num a clara aplicação da dem ocracia deliberativa à teoria da
Constituição, que o Judiciário pode e deve concretizar norm as classifi­
cadas tradicionalm ente como de eficácia limitada, além de outras, des­
de que sua realização seja considerada com o condição imprescindível
para a democracia, operando com o ator im portante no espaço da d e­
mocracia deliberativa.
Vl.3.1. Controle judicial de constitucionalidade dos pressupostos
democráticos
Um im portante papel p ode ser destinado à Justiça Constitucio113
0 a u to r refere-se à p a rtic u la rid a d e d a Justiça ad m in istra tiv a italiana.
64
nal no m odelo deliberativo de dem ocracia"^ já que as leis e o com por­
tam ento estatal são m onitorados a fim de garantir a não-supressão dos
pressupostos necessários para a democracia.
Esses pressupostos haveriam de estar previstos, contudo, na
Constituição do país, o que rem ete à constatação de que apenas um
m om ento constituinte"^ consciente do m odelo deliberativo de dem o­
cracia poderia se aproveitar dos benefícios de u m guardião constitucio­
nal vocacionado a tutelar seus pressupostos (constitucionais). Eviden­
tem ente que a atuação de um a Justiça Constitucional assim concebida
seria mais circunscrita e menos interventiva"^. O espaço de decisão
seria claramente transposto para as arenas deliberativas, salvo aqueles
pressupostos m ínim os, sobre os quais a própria deliberação não é bem
vinda.
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116 N ã o é, ev id e n tem en te , a ú n ic a c o n c e p ç ã o q u e c o n d u z a essa re d u ç ão d o o b jeto d e co n tro le ju dicial da
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67
68
PRESIDENTE
DA
CÂM ARA
DISTRITAL
QUE
EXERCE,
TEM PO RA RIA M EN TE, EM SUBSTITUIÇÃO, O CA RGO DE
G O V ERN A D O R, EM RAZÃO DE D U PLA VACÂNCIA D O S
CARGOS DE G O V ERN A D O R E DE V ICE G OV ERN A D O R,
P O D E D ISPU TA R A REELEIÇÃO - M ANDATO DE D EPU TA D O
- PARA A CÂM ARA, AIND A QUE A SUBSTITUIÇÃ O TENHA
O C O R R ID O N O S SEIS MESES A NTERIORES AO PLEITO.
O P IN L lO LEGAL
C a rlo s M á r io da Silva V e llo so
I. A CONSULTA
1. Indaga o ilustre advogado Reginaldo Oscar de Castro sobre a possibi­
lidade de 0 Presidente da Câm ara Distrital, que exerce, em substituição
tem porária, o cargo de Governador, em razão de dupla vacância dos
cargos de G overnador e de Vice-Governador, disputar a reeleição para
a C âm ara - m andato de deputado distrital - ainda que essa substituição
ocorra nos seis meses anteriores à eleição.
II. A M A TÉR L\ POSTA: A IN TERPRETAÇÃ O D O § 6 ° D O ART, 14
DA C O N STIT U IÇ Ã O FEDERAL.
2. A questão diz respeito à interpretação do disposto no § 6° do
14 da Constituição Federal:
art.
‘Art. 14.
$ 6" Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da
República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal
117
M in istro a p o se nta d o , ex -p re sid en te d o S u p rem o T rib un a l 1'ederal e d o T rib u n a l S u p e rio r Eleitoral.
Professor e m é rito d a U n iv ersidad e d e Brasília, C nB, e d a Pontifícia U n iv ersid ad e C atólica d e M in as
G erais. P U C /M G . e m c u ja s F a c u ld a d es d e D ire ito foi p ro fesso r titu lar d e D ire ito C o n stitu c io n a l e
Teoria G eral d o D ireito Público. N a UnB, nos c u rso s d e g ra d u a ç ã o e p ó s-g ra d u a çã o . Professor e m é rito
d a Escola da M ag istra tu ra Federal d a I® R egião I T R E /P Região, Brasília, DF). A dv o g ad o : OA.B/M G n°
7.725; O A B /D F n" 23.750
69
g OS Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos
até seis meses antes do pleito!'
2.1. É dizer, os chefes dos Poderes Executivos, federal, estaduais m u n i­
cipais e do Distrito Federal, que desejarem concorrer a outros cargos,
devem renunciar aos respectivos m andatos até seis meses antes do plei­
to.
2.2. Esta é a regra.
2.3. Prim eiro que tudo, é relevante verificar que a Constituição, no ci­
tado § 6®do art. 14, refere-se a detentores de m andato de Presidente
da República, G overnador de Estado e do Distrito Federal e Prefeitos.
É o que deflui da parte final do citado dispositivo constitucional - se
quiserem concorrer a outros cargos ''devem renunciar aos respectivos
mandatos...” - Ora, quem nào tem m andato de governador, porque
simplesmente está exercendo citado cargo em substituição tem porá­
ria, não há que renunciar ao que não tem. E, na verdade, quem apenas
substitui, tem porariam ente, e o faz porque, sendo titular de m andato
de deputado, é presidente da C âm ara e, em tal situação é posto, pela
Constituição e pela lei, como substituto tem porário do Governador, até
que se realize a eleição indireta, não tem m andato de Governador.
2.4. M atéria semelhante a esta, em que a ‘"ratio legis” é igual, foi apre­
ciada pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal.
2.5. C om efeito.
2.6. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que, ''havendo o vice - reeleito
ou não - sucedido o titular, poderá se candidatar à reeleição, como titular,
por um único m andato subsequente^ (Resolução TSE/21.026). O acór­
dão po rta a seguinte ementa:
“RE G ISTRO D E C A N D ID ATU R A.V IC E -G O V E RN A D O R
E LEITO POR DUAS VEZES CONSECUTIVAS, QUE
SUCEDE 0 T IT U L A R N O SEG UNDO M AN D ATO .
POSSIBILIDADE DE REELEGER-SE A O CARG O DE
G O V E R N A D O R POR SER O A TU A L M A N D A T O
O PRIM EIRO CO M O T IT U L A R D O E XEC U TIVO
E ST A D U A L PRECEDENTES: RES./TSE n° 20.889 e
2.7. Foi interposto contra esse acórdão o recurso extraordinário, que foi
adm itido, dado que se trata de m atéria constitucional: RE 366.488/SP.
70
2.8. O Supremo Tribunal Federal, julgando o citado RE 366.488/SP, caso Geraldo Alckniin - decidiu:
‘Y..J
I. Vice-governador eleito duas vezes para o cargo de vicegovernador. No segundo m andato de vice, sucedeu o
titular, certo que, no seu primeiro m andato de vice, teria
substituído 0 governador. Possibilidade de reeleger-se ao
cargo de governador, porque o exercício da titularidade
do cargo dá-se mediante eleição ou p o r sucessão. Somente
quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu
primeiro m andato como titular do corço.'"
U
' ’
2.9. Decidiu o Supremo Tribunal Federal, confirm ando acórdão do Tri­
bunal Superior Eleitoral: (i) o vice-governador, eleito duas vezes para o
cargo de vice-governador, no prim eiro m andato substituiu o titular; (ii)
no segundo mandato, sucedeu ao titular, dado que este faleceu (G o­
vernador Covas); (iii) som ente no segundo m andato de vice é que veio
a exercer o cargo de governador, na plenitude deste, em sucessão ao
titular. Poderia, então, pleitear a reeleição para um segundo m andato
de governador. Esclareceu o relator, no seu voto:
'Y.J
Realmente, o constituinte não fo i feliz no redigir o § 5° do
art. 14 da Constituição Federal, na utilização da expressão
de "quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos
mandatos."
Isto fo i bem ressaltado no voto da eminente M inistra Ellen
Gracie, Relatora do acórdão recorrido:
% ■■)
No mérito, esta Corte apreciou a matéria em duas
oportunidades: p o r ocasião do julgam ento das Consultas
n"' 689 e 710, relator de am bas o em inente Ministro
Fernando Neves. As consultas deram origem às Res./TSE
20.889. (íe 9.f0.200f, e
,026, (fe 72.3.2002.
Ficou assentado, então, que 'havendo o vice - reeleito ou
não - sucedido o titular, poderá se candidatar à reeleição,
como titular, por um único m andato subseqüente’ (Res./
TS/in" 27.026;.
Conforme ressaltado pelo em inente Ministro Sepúlveda
Pertence na Consulta n° 689, o preceito insculpido no
art. 14, § 5°, da Constituição Federal é de redação infeliz
118
RH 366.488/SP, R elator M in. C arlos Velloso, “D l ” d e 28.10.2005; vvww.stt.ius.br
71
quando trata de quem ‘houver sucedido ou substituído, no
curso do mandato' o titular do Executivo.
Naquela oportunidade, ficou estabelecido que o instituto
da reeleição não pode ser negado a quem só precariamente
tenha substituído o titular no curso do mandato, pois o
vice não exerce o governo em sua plenitude. A reeleição
deve ser interpretada strictu sensu, significando eleição
para o m esm o cargo. O exercício da titularidade do cargo,
por sua vez, somente se dá mediante eleição ou, ainda, por
sucessão, como no caso dos autos. O importante é que este
seja o seu primeiro m andato como titular, como de fa to o
é, no caso do Sr Geraldo Alckmin. Conforme destacado
pelo M inistro Fernando Neves, b fa to de estar em seu
segundo m andato de vice é irrelevante, pois sua reeleição
se deu como tal, isto é, ao cargo de vice’ (Cta 689).
r...)
Acentua, no ponto, com propriedade, o ilustre
Subprocurador-Geral da República, Dr. Roberto Gurgel
Santos, no parecer de fis. 757-761:
X..)
7. O texto constitucional não proíbe a candidatura daquele
que tenha substituído precariamente o titular do cargo,
um a vez que o exercício pleno do m andato somente se dá
p o r m eio da eleição e, no presente caso, o quadriênio 20032006 é o primeiro m andato do recorrido como governador
do estado, não se revelando terceiro m andato consecutivo e
não havendo, portanto, im pedimento para o seu exercício.
8. Neste sentido a jurisprudência desse Egrégio Supremo
Tribunal Federal:
Elegibilidade: possibilidade de o Vice-Prefeito, que
substitui 0 titular, concorrer à reeleição ao cargo de
Prefeito M unicipal (CF, art. 14, § 5°)- 1- £ certo que,
na Constituição - como se afere particularmente do
art. 79 - substituição do chefe do Executivo, nos seus
impedimentos', pelo respectivo Vice, é expressão que se
reserva ao exercício temporário das funções do titular,
isto é, sem vacância, hipótese na qual se dá ‘sucessão’.
2. O caso, assim - exercício das funções de Prefeito pelo
Vice, « vista do afastamento do titular por decisão judicial
liminar e, pois, sujeita à decisão definitiva da ação -, o que
se teve fo i substituição e não, sucessão, sendo irrelevante
a indagação, a que se prendeu o acórdão recorrido, sobre
0 ânim o definitivo com que o Vice-Prefeito assumiu o
cargo, dada a improbabilidade da volta da Prefeita ainda
no curso do mandato. 3. A discussão, entretanto, é ociosa
para a questionada aplicação á espécie do art. 14, § 5°,
no qual, para o fi m de permitir-se a reeleição, à situação
dos titulares do Executivo são equiparadas não apenas a
72
de quem bs houver sucedido’, m as tam bém a de quem os
houver (...) substituído no curso do m andato’. 4. Certo, no
contexto do dispositivo, o vocábulo reeleição é impróprio
no tocante ao substituto, que jam ais se fez titularão cargo,
m as tam bém o é com relação ao sucessor, que, embora
tenha ascendido á titularidade dele, para ele tião fora
anteriorm ente eleito. 5. RE conhecido, m as desprovido.
fJÍE n° 318.494/SE, R ei: M in. Sepulveda Pertence, D)
3/9/2004 - sem grifos no original)
9. Não se verifica a alegada violação à Constituição
Federal, um a vez que o vice-governador apenas substituiu
0 governador no prim eiro mandato, sucedendo-lhe
no m andato seguinte, em razão de seu falecimento. A
sucessão não retira a elegibilidade do recorrido para o
cargo de governador no pleito de 2002, pois sua eleição
não ocasionaria o exercício do cargo de titular do
executivo estadual pela terceira vez consecutiva, sendo
perm itido que o vice - reeleito ou não - que tenha sucedido
0 titular, se candidate à reeleição, como titular, por um
único m andato subseqüente.
(Fis. 759-761)
(..r
III. A LÓ G IC A D O EN TE N D IM E N T O O U A “fíA T/O LEGIS^\
3. A lógica dos acórdãos do Supremo Tribunal e do Tribunal Superior
Eleitoral, ou a ''ratio decidendi \ forte na “ra tw ' da Constituição, é isto;
somente quem se investe na plenitude do cargo de governador, por
eleição ou p o r sucessão, é que é titular do m andato de governador. A
m era substituição não significa investir-se na plenitude do cargo. Por
isso, 0 Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal deci­
diram, conform e vimos de ver, (i) que o vice-governador, eleito duas
vezes para o cargo de vice, exerceu, no prim eiro mandato, o cargo de
governador, em substituição; (ii) no segundo m andato, sucedeu ao go­
vernador; (iii) poderia, então, candidatar-se à reeleição. É que o fato de
apenas substituir o governador, no prim eiro mandato, não o fez titu ­
lar do m andato de governador. Isto somente ocorreu no seu segundo
mandato, quando se investiu no cargo de governador, p o r sucessão, em
razão do falecimento deste.
3.1.
A mesm a lógica há de ser aplicada - porque a “ratio legis' é
a m esm a - no caso do deputado, presidente da C âm ara que, em razão
73
de dupla vacância, investe-se, em substituição, tem porariam ente, no
cargo de governador. E a m esm a lógica aplicar-se-á, na hipótese, com
m aior razão, dado que o § 6° do art. 14, não m enciona ou não contém
a palavra substituição, tal com o faz o §
num a redação infeliz. O §
6^ do art. 14, de que aqui cuidamos, dispõe que “Ptzra concorrerem a
outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do
Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos
até seis meses antes do p leito ” Dúvida não há que a Constituição, no
ponto, está se referindo aos respectivos titulares dos cargos indicados,
ou aos titulares dos “respectivos m andatos”. Ora, quem está no exercí­
cio tem porário d o cargo de governador, com o substituto, não é titular
do m andato desse cargo. É, vale repetir, m ero substituto no exercício
tem porário do cargo, até que ocorra a sucessão m ediante eleição que,
n o caso, é indireta.
3.2.
Então, ao deputado que está exercendo o cargo de governa­
dor, em caráter de substituição tem porária, em razão da dupla vacância,
não seria aplicável a regra do $ 6° do art. 14 da Constituição Federal.
É dizer, poderá ele disputar a reeleição para a Câm ara, ainda que essa
substituição tem porária tenha ocorrido nos seis meses anteriores à elei­
ção.
IV. CONCLUSÃO.
4. Concluo dando resposta à indagação form ulada, resposta que cons­
titui ratificação do que exposto no item 3.2, acima: ao deputado que
está exercendo o cargo de governador, em caráter de substituição tem ­
porária, em razão da vacância dos cargos de governador e de vice-governador, não seria aplicável a regra do § 6° do art. 14 da Constituição
Federal. Assim, poderá ele disputar a reeleição para a Câmara, ainda
que a substituição tem porária tenha ocorrido nos seis meses anteriores
ao pleito.
É o m eu entendim ento, s.m.j.
Brasília, DF, 30 de m arço de 2010.
Carlos M ário da Silva Velloso
74
A REPÚBLICA E OS FICHAS SUJAS
Djalma Pinto'"'
“Todo poder em ana do povo, que o exerce p o r meio de repre­
sentantes eleitos ou diretamente, nos term os da Constituição”. Poucos
dispositivos são tão exaltados como esse contido no parágrafo único do
art. 1° do Texto constitucional. Tem ele origem na Assembléia N acio­
nal em que foi transform ada a velha assembléia feudal dos monarcas
franceses denom inada Estados Gerais, convocada pelo rei Luís XVI na
tentativa de conter a crescente determ inação de seus súditos de m enor
projeção social, integrantes do Terceiro Estado, de retirá-lo do poder.
A extinção do absolutismo, lem bra M irabeua, se deu quando um de­
sacreditado e brilhante ex-nobre disse ao rei: “Majestade, vós sois um
estranho nesta Assembléia e não tendes o direito se pronunciar aqui”
(A Revolução Francesa, EJ.Hobsbaw m , Paz e Terra, 2010, p.22). Aquela
Assembléia, com predom inância dos Com uns, equiparou “povo” à n a ­
ção, produzindo, em 1789, a Declaração dos Direitos do H om em e do
Cidadão, cujo art. 3° afirm ou de form a enfática: “O princípio de toda a
soberania reside essencialmente na Nação. N enhum a corporação, ne­
n h u m indivíduo pode exercer autoridade que daquela não em ane ex­
pressamente”.
Após destacar ser o povo a fonte de toda a soberania, a C onsti­
tuição de 1988 assegurou-lhe o próprio exercício do poder através de
plebiscito, referendo e iniciativa popular (art. 14). Nossa democracia,
portanto, não é apenas representativa, mas sem idireta ou participativa.
O povo manteve preservado o seu direito de afirm ar o que deseja na
condição de soberano
No exercício dessa prerrogativa, apresentaram os cidadãos, na
Câm ara dos Deputados, o Projeto de Lei C om plem entar n® 518, exi119
F x -P ro fe sso r d e D ireito T r ib u tá rio d a U n iv e rsid ad e d e F ortaleza, ex- l^ ro cu rad or G e ra l d o R slado d o
C e a rá e professo r d e D ire ito Eleitoral d a F u n d a ç ã o ts c o l a S u p e rio r d e A d v o cacia d o E stado d o C ea rá
- FESAC. Autor, e n tre ou tro s, d o s seguintes livros; Meditai^ões so b re a V iolência, A C id a d e dos M en i­
nos, D ireito Eleitoral: Tem as Polêm icos, D isto rçõ es d o Poder, M ark etin g Política e Sociedade, D ireito
Eleitoral A n o ta çõ e s e le m a s Polêm icos, D ire ito Eleitoral I m p r o b id a d e A d m in is tra tiv a e R esp o nsab ili­
d a d e Fiscal.
75
gíndo que fosse impossibilitado de exercer a representação popular, em
seu nome, quem tivesse condenação penal transitada em julgado, esti­
vesse condenado em prim eira instância ou tivesse denúncia contra si
recebida p o r órgão judicial colegiado.
N um a situação de flagrante tensão entre dem ocracia represen­
tativa e participativa, referido projeto, a despeito de exprim ir o anseio
de milhões e milhões de cidadãos, não apenas sofreu surpreendente
protelação, com o foi m utilado no seu ponto essencial de im pedir a in ­
vestidura no m andato de indivíduo inquestionavelmente inapto para
o exercício do p od er político. Afinal, crim inoso não pode atuar em
nom e do povo. Essa um a premissa básica que prevalece em qualquer
sociedade em que se com preenda a finalidade do mandato. Vale dizer,
é literalmente incompatível com a função de legislador, aplicador de re­
cursos públicos ou de fiscalizador da atuação do Executivo a condição
de criminoso, com o tal considerado aquele que com ete crime, estando
a autoria e a materialidade do delito devidam ente comprovada. O subs­
titutivo aprovado. Projeto de Lei C om plem entar n® 168/03, no art. 1°, I,
letra “e”, considerou inelegíveis “os que forem condenados, em decisão
transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde
a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cum pri­
m ento da pena pelos crimes
Nos term os do Projeto aprovado na C âm ara dos D eputados e no
Senado, encam inhado para a sanção do Presidente, o chefe de um a m i­
lícia cujos crimes foram filmados, m esm o que condenado em prim eira
instância, poderá se candidatar, ser diplomado, tom ar posse e exercer
o m andato, atuando em nom e do povo, enquanto não houver ratifica­
ção dessa condenação pelo respectivo órgão judicial colegiado. O u seja,
mesm o com sua ilicitude filmada, fotografada, exaustivamente d o cu­
m entada o autor de crim e de tráfico de entorpecentes e drogas afins,
contra a vida, a dignidade sexual, racismo, tortura, terrorism o, p rati­
cado por organização crim inosa, quadrilha ou bando etc poderá ser
candidato e investido na representação popular enquanto não transitar
em julgado a decisão condenatória ou não for condenado por órgão
judicial colegiado.
Sob outro enfoque, não se pode falar em “alteração do processo
eleitoral” (art. 16, CF), para adiar a vigência da lei que, tim idam en­
te, busca dar efetividade á exigência constitucional que m anda aferir a
76
vida pregressa de quem pretende ser investido na representação p op u ­
lar. Não se trata de alteração do processo, mas de aprim oram ento dos
requisitos exigidos para m aior qualificação dos que postulam mandato.
A bem da verdade, as futuras gerações jam ais conseguirão com ­
preender com o é possível u m a sociedade, que consagra expressamente
a norm atividade dos princípios (art. 5°, $ 2*, CF), que exalta o prin cí­
pio da m oralidade (art. 37, CF), que determ ina seja considerada a vida
pregressa de todo e qualquer candidato a fim de proteger a probidade
adm inistrativa durante o exercício do m andato (§ 9°, art. 14, CF), em
pleno século XXI, acolha crim inosos no exercício da representação p o ­
pular sob o fundam ento de não terem sido condenados “por órgão ju ­
dicial colegiado”. Com o se a com provação p ura e simples de um crime,
através de filmagem inquestionável, não fosse suficiente para a desqualificação do infrator para o exercício de tão relevante função.
Sob todos os ângulos, há excesso de tolerância da sociedade b ra­
sileira para com os delinqüentes de m aior projeção. Mais grave e de­
plorável é o excesso de ousadia daqueles que, m esm o sabendo que seus
crimes se acham filmados, buscam p o r todos os meios conquistar o
mandato. Obviamente, um delinqüente participando da disputa pelo
p o d er político levará para o processo eleitoral todo o potencial de sua
criminalidade. C om pra de voto, utilização acintosa da m áquina públi­
ca, coação a eleitores tudo isso é previsível n u m certam e em que se b u s­
ca a vitória a qualquer custo para satisfação apenas das conveniências
do postulante, cuja vida é m arcada pela prática de ações delituosas sem
qualquer preocupação em servir á coletividade. Com o conciliar a exi­
gência de m oralidade no exercício da função pública com o fato de um
cidadão ter prisão decretada, ordem de detenção em diversos países e,
no Brasil, agir, falar e atuar em nom e do povo, com o se a crim inalidade
comprovada, em país tido como desenvolvido, nada estivesse a signifi­
car em outro Estado cujo Texto constitucional exalta a probidade.
A verdade é que um a pessoa condenada pela prática de crime
pelo juiz mais respeitado do Poder Judiciário, com seu ilícito filmado
está “apto” a transform ar-se em “representante” do povo. Para eleger-se
utilizará todo o seu potencial de astúcia e delinqüência.
Por que o denom inado “Ficha Suja” tem a audácia de falar e agir
em nom e do povo, enfim, de gastar na condição de gestor o dinheiro
arrecadado dos tributos?
77
A resposta p o derá até encher páginas de tratados nas academias
de Sociologia e Ciência Política. Mas p ode assim ser resumida. Poucos
no Brasil com preendem as três finalidades básicas do Estado: 1) p ro ­
duzir as leis, 2) dirim ir os conflitos e 3) realizar o bem comum. A vasta
m aioria buscar capturá-lo para dele se utilizar em proveito próprio. O
poder é almejado não para servir de instrum ento para que o cidadão
possa atuar para m elhorar a vida dos demais integrantes da sociedade,
mas para ser usado a fim de aum entar o patrim ônio, garantir emprego
para parentes do titular, facilitar a vida de correligionários etc.
Raim undo Faoro, que muito contribuiu para im ortalizar o con­
ceito da OAB perante o povo brasileiro, retratou o perfil daqueles que
buscavam integrar o parlam ento no tem po do Império. Naquela época,
crim inoso jamais poderia cogitar de falar em nom e do povo. A notou
aquele portentoso jurista:
“Os jovens retóricos, hábeis no latim, bem -falantes,
argutos para o sofisma, atentos às novidades das livrarias
de Paris e Londres, com frase de Pitt, G ladstone e Disraeli
bem decorada, fascinados pelos argum entos de Guizot
e Thiers, em dia com os financistas europeus, tímidos
na im aginação criadora e vergados ao peso das lições
sem crítica, fazem, educados, polidos, bem -vestidos,
a matéria prima do parlamento. O lhados à distância
terão o ar ridículo dos velhos retratos, com os versos
Anos dedicados a m usas e dam as mal-alafabetizadas.
Falta-lhe a voz áspera, o to m rude, a energia nativa
dos colonos norte-am ericanos e dos políticos platinos,
m enos obedientes ao estilo europeu, mais hom ens,
m enos artistas e mais dotados de encanto poético”.
(G randes N om es do Pensam ento Brasileiro - Os D onos
do P o der -, vol. I, Publifolha, São Paulo, 2000, p.439).
Se aos jovens políticos do im pério faltava voz áspera e tom rude,
a um a parte expressiva dos políticos da República do início do século
XXI, sobra aspereza, há excesso de rudeza na voz e nos gestos para de­
fender os próprios interesses. Falta com postura e inform ação para com ­
preender que 0 exercício do poder não é instrum ento para conquista de
riquezas e benesses. Tem por finalidade única servir à sociedade e não
servir-se dele o agente público para aum entar seu patrim ônio ou favo­
recer parentes e amigos.
Q uem é afinal o “Ficha suja” na sociedade contem porânea? Ape­
78
nas o condenado por órgão colegiado judicial? Ficha suja, para cons­
tatação da inaptidão para o exercício do poder, em qualquer nível, é
quem o utiliza em proveito próprio. É quem envolveu-se com a prática
de ilícito, faltando-lhe, assim, decência, decoro, dignidade para o exer­
cício de função pública. Q uem investe contra o patrim ônio público,
estando sua ilegalidade comprovada, é indigno para agir em nom e do
povo em qualquer república civilizada.
Muitos integrantes da sociedade não se deram conta do mal que
os “Fichas sujas” lhes fazem ao serem investidos no m andato eletivo.
Não exigem, p o r isso, reação à altura de sua nocividade. Não param se­
quer para avaliar a m onstruosidade de um a “ordem jurídica” produzida
por criminosos. A situação assemelha-se àquela vivenciada no passado
quando não se tinha noção sobre os malefícios do cigarro. Paulo Freire,
com a sua autoridade de educador, explica m elhor esse fenômeno:
“Q u an d o assum o o m al o u os m ales que o cigarro me
p o d e causar, m ovo-m e no sentido de evitar os males.
Decido, rom po, opto. Mas, é n a prática de não fum ar que
a assunção do risco que corro p o r fu m ar se concretiza
m aterialm ente.
M e parece que há ainda u m elem ento fundam ental
na assunção de que falo: o em ocional. A lém do
conhecim ento que tenh o do m al que o fum o m e faz,
te n h o agora n a assunção que dele faço, legítim a raiva do
fumo. E te n h o tam b ém alegria de ter tid o a raiva que, no
fundo, ajudou que eu continuasse n o m u n d o por mais
tempo. Está errad a a educação que não reconhece na justa
raiva, n a raiva que protesta co n tra as injustiças, co n tra a
deslealdade, co ntra o desamor, co ntra a exploração e a
violência um papel altam ente form ador. O que a raiva
não pode, é p erdend o os limites que a confirm am ,
perder-se em raivosidade que corre sem pre o risco de
se alongar em odiosidade”. (Pedagogia da A utonom ia.
Saberes Necessários à Prática Educativa, E ditora Paz e
Terra, 2009, p.40-1).
O Ficha Suja, que com provadam ente desvia verba da m erenda
escolar, adquire rem édio com validade vencida, que se apropria do
dinheiro destinado à construção da estrada, do hospital é tão nocivo
a cada pessoa residente no território do Estado onde exerce o poder,
com o o fumo. O cigarro aniquila o indivíduo, o Ficha suja investido no
p o d er causa dano à sociedade a partir do m au exemplo a estim ular a
propagação da própria criminaUdade.
79
Argumenta-se, com freqüência, que todos os que ocupam cargos
eletivos são indicados pelos cidadãos. É verdade, Mas a lei deve ser pro­
duzida e aplicada, tom ando como base a realidade do m undo no qual terá
ela vigência. Nesse passo, como u m eleitor humilde resistirá ao assédio de
“candidatos” envolvidos com facções ou no comando da criminalidade, em
sua comunidade, diante da ostensiva exibição de armas potentes, exigindolhe o voto como condição para permanência naquela localidade?
Com o com petirá u m cidadão de bons propósitos com alguém
que, acintosam ente, desvia verba publica, distribuindo, bem próximo
do pleito, um a parcela desta a eleitores carentes, estando a prática de
seu crim e docum entado em processo ainda não julgado?
É preciso u m a com preensão elem entar para a duração de qual­
quer democracia: o poder só deve ser exercido p o r pessoas decentes,
insuspeitas, probas, virtuosas. Jamais p o r delinqüentes em débito com
a Justiça. Uma premissa é básica em toda sociedade que almeja paz e
prosperidade; lugar de quem praticou crim e contra o particular ou con­
tra a A dm inistração Pública é na penitenciária, ou em qualquer outro
lugar, m enos no exercício do p o d er político.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF n°
144 consagrou o entendim ento segundo o qual som ente após o trânsito
em julgado da decisão penal condenatória alguém, que com eteu grave
crime, é considerado inelegível no Brasil. A exigência de vida pregressa, em bora expressamente reclamada no art. 14, § 9®, CF, foi afastada,
prevalecendo a presunção de inocência que assegura a participação, no
processo eleitoral, de qualquer infrator cuja condenação penal não se
tornou definitiva.
Cum pre destacar que nenhum a das Declarações de Direito faz
qualquer alusão á exigência de coisa julgada para que alguém perca sua
condição de inocente. Aliás, a Convenção A m ericana de Direitos H u­
m anos (Pacto de San Jose da Costa Rica) prevê expressamente a exi­
gência de sentença nào mais sujeita a recurso apenas para o caso de
aplicação da pena de morte. Nesse sentido, dispõe o seu art. 4°. 2:
“Nos países que não houverem abolido a pena de morte,
esta só p oderá ser im posta pelos delitos mais graves, em
cum prim ento de sentença fin a l de tribuna] com petente e
em conform idade com a lei que estabeleça tal pena, pro­
m ulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco
se estenderá a delitos aos quais nào se aplique atualm ente”.
80
Já o art. 8*2 daquela Convenção, que consagra a presunção de
inocência, não faz referência alguma à exigência de decisão transitada
em julgado para supressão dessa presunção, exigindo apenas a com pro­
vação legal da culpa:
“Toda pessoa acusada de u m delito tem direito a que
se presum a sua inocência, enquanto m o fo r legalmente
comprovada sua culpa.
A Convenção A m ericana inspirou o STF a suprim ir do direito
brasileiro a prisão do depositário iníiel, expressamente prevista no Tex­
to constitucional vigente (art. 5°, LXVII). Poderia tam bém ser ela in ­
vocada para mitigar a exigência de condenação transitada em julgado
quando confrontada com a necessidade do exame da vida pregressa
para aferição da elegibilidade. Isso evitaria a aberração bem visualizada
no fato de um criminoso, com delito filmando e já condenado no juízo
singular, ser investido na representação popular, estim ulando a propa­
gação de sua delinqüência em todos os segmentos sociais.
Na verdade, a comprovação legal da culpa para fins de inelegibilidade não pode ficar condicionada à irrecorribilidade da decisão penal
condenatória. Significa essa exigência, em últim a análise, desconfiança
nos próprios julgadores que prolatam sentenças penais, nas instâncias
inferiores, reconhecendo a culpabilidade do réu, enquanto não se tor­
narem estas “coisa julgada”.
Depois, não há direito fundam ental absoluto. A Constituição
no art. 5°, XLVII, prevê a pena de m orte no caso de guerra. A p ró ­
pria prisão do ex-governador José A rruda sem sentença condenatória
comprova a im possibilidade da prevalência sempre do princípio da não
culpabilidade. Aliás, nesse particular, há um a contradição insuperável
a exigir reflexão dos juristas contem porâneos: é possível u m governa­
d o r eleito, no exercício do mandato, ser preso sem condenação alguma,
mas não é possível reconhecer sua inelegibiiidade pela prática do crime
comprovado, que m otivou a supressão de sua liberdade.
A Declaração Universal dos Direitos Hum anos, adotada e p ro ­
clamada pela O N U através da Resolução n° 217/1948, tam bém não
consagra a exigência de coisa julgada para extinção da presunção de
inocência. Lê-se no seu art. XI. I:
81
“Toda pessoa acusada de u m ato delituoso tem o direito
de ser p resu m id a inocente até que a sua culpabilidade
tenha sido provada d e acordo com a lei, em julgam ento
público no qual lhe ten h am sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa”.
A Declaração dos Direitos do H om em e do Cidadão, de 1789,
dispõe no se art. 9°:
“Todo acusado é considerado inocente até ser declarado
culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, to d o o
rigor desnecessário à g uarda d a sua pessoa deverá ser
severam ente rep rim id o pela lei”.
As Constituições brasileiras de 1824,1891, 1934, 1946, não cogi­
taram da presunção de inocência na dilatação atualm ente consagrada.
A Constituição de 1824, no art. 179, XIV, exigia, expressamente, “ta ­
lentos e virtudes” para investidura nos cargos públicos civis, políticos
e militares
Hegel, po r sua vez, enfatizou a im portância da virtude como re­
quisito para o exercício do poder:
"O p rincípio que M ontesquieu in dico u para a dem ocracia
é a virtude; efetivamente, u m a constituição dem ocrática
tem de fundar-se n a disposição das subjectividades,
única form a de substancial em que a vontade que para si
e em si existe, ainda se manifesta.
(...)
D o m esm o m odo. E um a vez que na República D em o­
crática a disposição para a virtude constitui a form a subs­
tancial, é preciso p o r de parte o contra-senso de que tal
disposição seria facultativa, ou nem sequer existiria, na
m onarquia, com o se entre a virtude e u m p o d er político
definido n u m a organização subdividida houvesse oposi­
ção e incompatibilidade”. (Princípios da Filosofia do Di­
reito, G uim arães Editores, Lisboa, 1986, p. 231).
M ontesquieu relacionou sem pre a virtude com o requisito essen­
cial para a fruição da democracia. Escreveu ele:
“Os políticos gregos, que viviam no governo popular,
não conheciam ou tra força que pudesse sustentá-los
além d a virtude. O s d e hoje só nos falam d e m anufaturas,
de com ércio, de finanças, de riquezas e até de luxo.
Q u an d o cessa esta virtude, a am bição entra nos corações
que estão p rontos para recebê-la, e a avareza en tra em
82
todos. Os desejos m u d a m d e objeto; o que se am ava não
se am a mais; era-se livre com as leis, quer-se ser livre
con tra elas; cada cidadão é com o u m escravo fugido da
casa de seu senhor; o que era m á xim a é cham ado rigor; o
que era regra cha m a m -n o incôm odo; o que era cuidado
ch am am -no temor. (...) A república é u m despojo; e sua
força n ão consiste em nada além do p od er de alguns
cidadãos e n a licenciosidade de todos”. (O Espírito das
Leis, M artins Fontes, São Paulo, 1996, p.33).
Qual a qualificação de um a república, em que todo e qualquer
crim inoso pode ser investido no governo, sob o fundam ento de que seu
crime docum entado ainda não recebeu sanção em caráter definitivo ou
julgam ento em segundo grau?
Por isso mesmo, Thomas M. Cooley considera u m a loucura co ­
locar um a pessoa no governo (traficante, peculatário, receptador etc)
que represente perigo ao Estado. O M inistro Ayres de Brito resum iu
seu ponto de vista que, em bora vencido, num futuro não distante, por
certo, prevalecerá:
"Meus colegas en tend eram q u eo po líticom ultiprocessado
p o d e se candidatar. Eu não. Q u an d o u m político
exibe processos que evidenciam um n am oro com a
delituosidade, ele n ão p o d e representar a coletividade”.
(Revista Veja, 16 de ju lho de 2008, p. 17).
N orberto Bobbio invoca esta lição de John Locke, extraída do seu
livro clássico O Segundo Tratado sobre o G overno Civil, para destacar
a necessidade de pessoas com provadam ente idôneas para com andar o
p o d er político ou integrar a própria oposição ao partido dom inante em
determ inado mom ento:
“O fim do governo é o bem dos hom ens: e o que é
m elhor para a hum an id ade: que o povo se encontre
sem pre exposto à vontade ilim itada d a tirania ou que os
governantes se encontrem às vezes expostos à oposição,
q u an d o se excedem no uso do p o d e r e o utilizam para
a destruição e não para a conservação das propriedades
do povo” (D ireito e Estado n o P ensam ento de Em anuel
Kant, E ditora M andarim , São Paulo, 2000, p.64).
Com o é possível ser alcançado “o bem dos hom ens”, a satisfação
do interesse coletivo, entregando-se o com ando do governo a crim ino­
sos, cujos delitos encontram -se filmados ou gravados, com autorização
83
da Justiça, sob o argum ento de inexistência de trânsito em julgado da
decisão penal que os condenou? M esmo quem não consiga definir vida
pregressa, sabe que um cidadão com esse perfil não a possui, deixando
assim de satisfazer esse requisito para o exercício do m andato em qual­
quer lugar em que haja respeito pelo patrim ônio do povo.
A inda que a Constituição não m andasse considerar a vida pre­
gressa de quem pretende ser investido no poder político, a simples fi­
nalidade deste, de realização do bem com um, dem onstra, p o r si só, a
impossibilidade de sua ocupação p o r marginais. Aristóteles já constata­
ra isso ao enfatizar: “Não existe Estado feliz p o r si m esm o senão o que
se constitui sobre as bases da honestidade. (...) Aqueles, pelo contrário,
que se propõem d ar aos Estados u m a boa constituição prestam atenção
especialmente nas virtudes e nos vícios que interessam à sociedade civil,
e não há nenhum a dúvida de que a verdadeira Cidade (a que não o é
somente nome) deve estim ar acima de tudo a virtude \ (A Política, Edi­
tora M artins Fontes, São Paulo, p. 53-46).
Não há sequer necessidade de lei para definir o que seja vida p re­
gressa, como é desnecessária a definição de amarelo para a com preen­
são de tal cor. Todo m undo capta o alcance dessa expressão e o seu real
significado. Na Constituição, p or exemplo, não existe definição de re­
putação ilibada, um dos requisitos, ao lado do saber jurídico, para que
possa alguém, com mais de 35 anos, ser nom eado M inistro do STF. Um
advogado, processado por levar celular para o interior de u m presídio,
haverá de ter reputação ilibada exigida para investidura naquele cargo
apenas p o r não haver transitado em julgado a sua condenação ou ter
sido condenado p o r um juiz singular?
A certeza do conhecim ento de todos sobre o sentido da expres­
são “vida pregressa” é a m esm a que levou o legislador a tam bém não
definir reputação ilibada exigida nos arts. 101, 104, parágrafo único,
da Constituição, para nomeação, no cargo de M inistro, no âmbito do
P oder Judiciário. Tem-se aqui a cham ada “zona de certeza negativa”, na
feliz expressão de Afonso Rodrigues Q ueiró para resum ir a situação em
que, em bora alguém não saiba precisar o que seja algo, tem certeza ab­
soluta do que não seja. Uma pessoa condenada p or furto e formação de
quadrilha, mesm o sem o trânsito em julgado da decisão, não poderá ser
integrante do Judiciário. Com o atribuir-lhe a missão de elaborar as leis?
84
Algum chefe de família, pai de duas filhas adolescentes, contra­
tará, na condição de síndico, para a função de vigia do prédio, no qual
residem elas, um jovem indiciado pela prática de três estupros? O ar­
gumento, invocado pelo interessado no emprego, com um exemplar da
Constituição n a mão, de que os condôm inos podem ficar tranqüilos,
p or ser apenas indiciado, não tendo ainda sequer ocorrido denúncia
do M inistério Público contra sua pessoa, merece ser considerado? Sua
veemência, na invocação do Texto constitucional, para ter a sua inocên­
cia reconhecida, po r não existir contra si sentença penal condenatória
transitada em julgado ou decisão de órgão judicial colegiado, deve ser
levada em consideração pelo pai que busca a preservação de suas filhas?
Só se ele estiver com pletam ente fora de si, hipnotizado - brada
o cidadão espantado e com os olhos arregalados diante da ousadia do
infrator em pretender aquele tipo de trabalho, onde acabaria p o r en­
contrar cam po livre para praticar novos delitos.
A recusa do emprego ao indiciado pela prática de estupro decor­
re, na verdade, de simples análise da sua vida pregressa. Todo m undo
sabe o que é “vida pregressa”, m esm o que não consiga defini-la. O m es­
m o absurdo, visualizado na colocação de um estuprador para ser vigia
de u m prédio onde residem garotas adolescentes, pode, com mesmo
grau de estarrecimento, ser detectado na perm issão para que um a pes­
soa, com provadam ente envolvida em desvio de dinheiro público, fique
com a guarda de valores pertencentes à população, com ande licitações e
prom ova a realização de concurso público. Enfim, seja investida no p o ­
der para atuar, em nom e do Estado, cuja finalidade é realizar o m elhor
para a sociedade, e não para os interesses do eventual delinqüente, que
tem a petulância de se tornar autoridade m ediante ameaça a eleitores,
com pra de voto e outros ilícitos compatíveis com os seus antecedentes
conhecidos por todos.
A vida pregressa com o requisito de elegibilidade
A finalidade básica do p o der político, com o reiteradam ente e n ­
fatizado, é a realização do bem com um. Esse objetivo é impossível de
ser alcançado através de pessoas, no seu com ando, já envolvidas com a
prática de delitos. Aristóteles advertia: “Q uem quiser ouvir com provei-
85
to as exposições sobre o que é nobre e justo, e em geral sobre a ciência
política, é preciso ter sido educado nos bons hábitos'\ (Ética a Nicômaco, M artin Claret, 2001, p. 20).
A exaltação da virtude por M ontesquieu, como requisito essencial
para aqueles que se propõem a exercer o p od er político, na democracia,
está, com o se pode observar, em absoluta sintonia com a exigência do
exame da vida pregressa a que se reporta a norm a do § 9°, do art. 14, da
Constituição brasileira. No caso de recusa em assegurar-se efetividade
às exigências desse com ando normativo, constatar-se-á a possibilida­
de de im plantação do próprio “governo dos marginais”. Governo sob o
com ando daqueles que, com provadamente, já atuaram à revelia da lei,
do qual a cleptocracia é a form a mais nociva. A falta de coisa julgada
da decisão condenatória dos governantes, ou de condenação p or órgão
judicial colegiado, não lhes subtrai a condição de infratores, estando
os seus ilícitos com provadam ente dem onstrados, passivos de consta­
tação, inclusive, por pessoa m enos letrada. Os fatos delituosos podem
ser aferidos, seguramente, no processo de im pugnação do registro da
candidatura, no âmbito da Justiça Eleitoral, em que assegurada a mais
ampla defesa, podendo o im pugnado arrolar testem unhas, ju n tar d o ­
cum entos e recorrer a todas as instâncias, no caso de decisão contrária
aos seus interesses.
Na verdade, a inusitada presença de crim inosos com delitos com ­
provados, no exercício da representação popular no Brasil do início
do século XXI, decorre da tansform ação em regra jurídica do p rin ­
cípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da decisão
penal condenatória. A natureza de m ero princípio impede, porém , a
sua prevalência absoluta. Por ser apenas um princípio seus efeitos, em
relação a determ inadas situações, devem ser sustados, prevalecendo o
princípio da exigência de vida pregressa compatível com a m agnitude
da representação popular consagrado no art. 14, § 9®, CF. Não se pode
visualizar “ira cidadã”, nessa simples exigência de “calibragem”. Não se
cuida de rebelião das massas. Apenas se busca o reconhecim ento da
força norm ativa da Constituição, que consagra o princípio da m orali­
dade, para que não continue a prevalecer a “ética da criminalidade” que
consiste em apropriar-se indevidam ente um a pessoa de dinheiro pú b li­
co, im pedir o trânsito em julgado dos processos em que literalm ente
86
com provadas tais ilicitudes, utilizar a verba desviada para aliciar elei­
tores e invocar, sem disfarçar o deboche, ausência de res judicata para
manter-se no exercício do poder político, com etendo novos crimes.
Lembra o professor Daniel Sarmento:
“Ao contrário das regras, os princípios são dotados de um a
dim ensão de peso. Tal característica se revela q uando dois
princípios diferentes incidem sobre determ inado caso
concreto, entrando em colisão. Nesta hipótese, o conflito é
solucionado levando em consideração o peso relativo as­
sum ido po r cada princípio dentro das circunstâncias co n­
cretas que presidem o caso, a fim de que se possa precisar
em que m edida cada u m cederá espaço ao outro.
Assim, é possível que u m princípio seja válido e p e rti­
nente a determ in ad o caso concreto, m as que suas c o n ­
seqüências jurídicas não sejam deflagradas naquele caso
concreto, ou não o sejam inteiram ente, em razão da
incidência de outros princípios tam b ém aplicáveis. Há
um a “calibragem” entre os princípios, e não a opção pela
aplicação de um deles, em d etrim ento de outro’’. (A P o n­
deração de Interesses na C onstituição Federal, Lúmen
Júris, Rio de Janeiro, 2003, p. 45).
Justamente essa “dim ensão de peso”, reconhecida aos princípios
não pode ser afastada, na sua aplicação, para evitar a aberração supre­
m a de um a pessoa, condenada na prim eira instância pela prática de 5
homicídioSi 15 estupros e tráíico de entorpecentes, p o d er candidatarse ao cargo de Presidente da República, Governador, Senador ou Pre­
feito sob o argum ento de que nenhum a das suas condenações transitou
em julgado ou foi apreciada p or órgão judicial colegiado, estando, as­
sim, “apta” para levar todo o seu potencial de crim inalidade para ser
dissem inado no exercício do m andato político.
A presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória é um princípio. Não é um a regra jurídica. No âm bi­
to da aplicação das regras, as divergências se solucionam recorrendo-se
aos critérios hierárquico, cronológico e de especialidade. Na aplicação
destas, não há ponderação, a subsunção prevalece da seguinte forma,
ainda quando se chegue à “loucura”, preconizada p o r Cooley, na sua
aplicação:
Premissa m aior - todo brasileiro é inocente enquanto inexistir
contra ele condenação crim inal transitada em julgado.
Premissa m enor - Paulo estuprou 5 menores, m atou dois hom ens
87
e assaltou seis senhoras, não tendo, porém , contra si, sentença penal
condenatória transitada em julgado nem julgam ento p o r órgão judicial
colegiado.
Conclusão - Pode candidatar-se a presidente do Brasil, am para­
do n o princípio da não culpabilidade consagrado na Constituição da
República.
O absurdo, entretanto, não pode receber o aval do Direito. Tem
este p o r objetivo, justam ente excluir da convivência social as pessoas
que representam ameaça à paz na sociedade. Jamais assegurar-lhe p o ­
sição de com ando nesta, diante do flagrante perigo que isso representa.
Constatou e advertiu John Dewey sobre os danos que muitos
hom ens acabam causando à sua geração ao recusarem adaptar velhos
princípios a novos casos que reclam am sua revisão: “situações em que
entram a m udança e o inesperado são um desafio para a inteligência
criar novos princípios (...) A história hum ana é longa. H á um longo
registro de experim entação passada, e existem verificações cumulativas
que dão a muitos princípios um prestígio bem merecido. O cúm ulo
da loucura é desconsiderá-los de form a leviana. Mas as situações so­
ciais se alteram; e tam bém é um a tolice não observar a maneira como
velhos princípios operam de fa to sob novas condições, e não modificá-los
de modo que sejam instrumentos mais eficientes para julgar novos casos.
M uitos hom ens são agora conscientes do dano feito em questões legais
ao se supor a existência antecedente de princípios fixos aos quais todo
caso novo pode ser submetido. Eles reconhecem que essa suposição
apenas estimula de form a artificial idéias desenvolvidas sob condições
passadas, e que sua perpetuação no presente gera injustiça. No entanto,
a escolha não é entre jogar fora regras anteriorm ente desenvolvidas e
aferrar-se a elas de m aneira obstinada. A alternativa inteligente é rever,
adaptar, expandir e alterar essas regras. O problem a é u m problem a de
readaptação contínua e vital”. (Os G randes Filósofos do Direito, M ar­
tins Fontes, São Paulo, 2002, p. 510),
Com o se percebe, na aplicação do direito, não pode o julgador
deixar de considerar a realidade dos fatos n a qual tem ele vigência. É
fato público e notório, em muitos municípios, que gestores desviam
verba acintosam ente da m erenda escolar, m altratando crianças já des­
nutridas pela carência absoluta de bens. Apropriam-se de dinheiro da
saúde, de estradas, da escola etc, estando seus ilícitos com provados nas
instâncias adm inistrativas e judiciais. C onquistam , ainda assim, m a n ­
dato eletivo sob o espantoso argum ento de que nen hu m a condenação
pela prática de seus crimes transitou em julgado. C om o dinheiro des­
viado, que historicam ente não devolvem aos cofres públicos, passam
a aliciar eleitores carentes que, pela excessiva dependência de tudo, se
transform am em presas fáceis, trocando voto p o r bens materiais, a sa­
ber: tijolo, telha, cesta básica, dinheiro em espécie etc.
Nesse contexto, o argum ento de que cabe ao eleitor fazer a tria­
gem, entre os candidatos, é desautorizado pela situação de carência,
falta de escolaridade e agressividade dos “candidatos delinqüentes”.
Na aplicação do Direito, não pode o julgador desconhecer essa
particularidade dolorosa, mas cruel, real. A ousadia de crim inosos
candidatos sepulta a própria norm alidade que se exige da disputa elei­
toral. Com um a agravante: ninguém tem coragem de denunciá-los. A
sua inocência presum ida prevalece sobre a realidade contundente dos
fatos, em que a frieza dos seus crimes, com etidos à luz do dia, sem
disfarce, com o nítido propósito de intimidação, acaba servindo ainda
de estímulo ao surgim ento de novos infratores que, após um a série de
delitos sem condenação definitiva, tam bém se sentem credenciados à
postulaçâo de um m andato eletivo.
É preciso ter em m ente que o Direito C onstitucional não é ciência
da realidade, com o são a sociologia e a ciência política. Ele é dotado de
juridicidade. É ciência normativa, com o adverte K onrad Hesse, na sua
obra clássica A Força N orm ativa da Constituição, que se caracteriza
pelo dever-ser, que im põe com pulsoriam ente conduta, e não simples­
m ente pelo ser, que se restringe à observação da realidade, ao m undo
da natureza, aos fatos regidos pela causalidade e não pela im putabilida­
de, com o ensinava Kelsen.
O Direito Constitucional não pode tornar-se estéril a pretexto de
proteger o princípio da presunção de inocência, com o se apenas este
existisse no Texto constitucional. Deve im por-se sobre os fatos aberrantes, pautando a realidade com base nos demais princípios vigentes na
ordem jurídica a partir da ponderação dos valores neles consagrados.
Pertinente a advertência de Konrad Hesse: “Se a Ciência d a C onstitui­
ção adota essa tese e passa a adm itir a C onstituição real com o decisiva.
89
tem-se a sua descaracterizaçâo como ciência normativa, operando-se
a sua conversão num a simples ciência do ser. Não haveria mais como
diferençá-la da Sociologia ou da Ciência Política” (A Força Normativa
da Constituição, Sérgio Fabris Editor, p. 11).
Entre o interesse de um indivíduo candidatar-se e o interesse da
sociedade de não ter o seu patrim ônio gerido p o r pessoa sem com pro­
vada probidade, este últim o deve prevalecer, com o já sustentava Aris­
tóteles: “O bem hum ano tem de ser a finalidade da ciência política, pois
ainda que seja o caso de o bem ser idêntico para o indivíduo e para o
Estado, o bem do Estado é visivelmente u m bem m aior e mais perfeito,
tanto para ser alcançado e preservado. Assegurar o bem de u m indi­
víduo é apenas m elhor do que nada; porém , assegurar o bem de um a
nação ou de um Estado é um a realização mais nobre e divina” (Ética a
Nicômaco, Edipro, São Paulo, 2007, 2^ edição, p. 38-9).
A propósito, a desapropriação de bens do patrim ônio do p articu­
lar por interesse público, mesm o com pagam ento de justa indenização,
nada mais é do que o efetivo reconhecim ento da legitimidade da preva­
lência do princípio do interesse coletivo sobre o privado.
Por outro lado, o exercício do poder político p o r pessoas comprovadam ente sem idoneidade, com repugnância à prática da virtude
reclamada por M ontesquieu, não pode ser apenas objeto de constata­
ção pelos aplicadores do Direito Constitucional, sob pena de ser este
transform ado em sociologia. A investidura no m andato de criminosos,
cuja periculosidade é detectada, em alguns casos na própria eternização dos processos em que figuram com o réus, atesta a supressão da
própria norm atividade do Direito Constitucional, a despeito da ênfase
de suas norm as exigindo observância da moralidade, da probidade e do
exame vida pregressa.
O fato é que criminosos, com ilícitos docum entados, exercem o
poder político no Brasil. Chefes de milícias arm adas buscam fortalecer
suas ações delituosas, através da investidura no m andato outorgado por
cidadãos, coagidos pelos fuzis que lhes são apontados.
Diante desse quadro dantesco, reitere-se, o Direito C onstitucio­
nal não pode ser convertido em sociologia, observando passivamente
tais aberrações se propagarem na sociedade na qual tem vigência. Essa
imobilização, em conseqüência da subtração da efetividade da norm a
90
do art. 14, § 9^, CF, o transform a em m era ciência contemplativa da
realidade.
A rgum enta-se, sob outro enfoque, com m uita ênfase, ser p eri­
goso exigir-se análise da vida pregressa, afinal, no passado recente da
ditadura, bastava um a simples denúncia do M inistério Público para
tornar-se o cidadão inelegível, com base na Lei C om plem entar n° 5,
então vigente.
Na verdade, no período obscuro de 1964, realmente ocorreu in ­
justiça de toda ordem. Direitos políticos foram duram ente sacrificados.
O País encontrava-se subm etido ao AI n° 5, que suprim iu, inclusive, as
garantias da magistratura.
Entretanto, a realidade vivenciada no presente é outra completa­
mente diferente. A Constituição de 1988 consagrou o prim ado da ga­
rantia da ampla defesa, hoje vivenciado em processo de toda natureza.
Até para desligamento de filiado de clube, sem expressão e de qualquer
lugar, a falta de observância do contraditório e da ampla defesa provoca
a nulidade da ação da diretoria, ensejando o restabelecimento do direi­
to do sócio prejudicado.
Assim, aquele acusado pela prática de crime, que tem seu p ed i­
do de registro im pugnado perante o Juiz Eleitoral, pode, no curso do
processo de impugnação, exercitar a am pla defesa, dem onstrando a
inconsistência da acusação, a insignificância do fato que lhe é im puta­
do, enfim, não ser pessoa de alta periculosidade descredenciada para o
exercício da representação popular.
O que parece inadmissível - e as gerações futuras serão im pla­
cáveis na crítica am parada pela isenção que a H istória propicia - é a
prevalência de um a interpretação que consagra a situação absurda,
sob todas as óticas, segundo a qual, m esm o que todos sejam sabedores
dos inúm eros atos delituosos, com provadam ente praticados p or deter­
m inado cidadão, pode este ainda assim ser registrado candidato, sob
0 argum ento de que a condenação que lhe foi im posta não se tornou
res )udicata ou não foi imposta por órgão judicial colegiado. Pare­
ce inacreditável, mas a interposição de simples recurso de Embargos
de Declaração, da decisão condenatória no STF, em pleno século XXI
afastava a inelegibilidade, desacreditando toda a comprovação do cri­
me atestada nas próprias instâncias judiciais.
91
o poder político, na República, não pode ser transform ado em
abrigo de peculatários, receptadores, homicidas, estelionatários e o u ­
tros infratores com crimes devidam ente comprovados. Um condenado
p o r peculato, registrado e eleito prefeito municipal, não deixará de co­
m eter novos ilícitos porque não transitou em julgado sua condenação.
Terá pressa em cometê-los e buscará ocultá-los através de novos m eca­
nismos, afinal, não freqüentou n en h u m reform atório que lhe estim u­
lasse a respeitar a coisa pública. Pelo contrário, a certeza de retorno ao
m andato pela dem ora do julgam ento em órgão judicial colegiado ou
do trânsito em julgado de sua condenação, o estim ulará à prática de
novos delitos, e, o que é mais grave, disseminará exemplos de êxito no
desvio de verbas públicas que acabarão se disseminando intensamente na
sociedade.
O resultado da negativa de vigência do princípio constitucional
da exigência de vida pregressa compatível com a m agnitude da repre­
sentação popular é a propagação da delinqüência em todas as camadas
sociais. O contribuinte deve se preparar para custear a edificação de
mais penitenciárias para abrigar o crescente núm ero de jovens infrato­
res, inspirados em líderes políticos que, a despeito do rosário de crimes
cometidos, acabaram agraciados com a investidura no poder político,
n u m portentoso exemplo de estímulo a mais devastadora crim inalida­
de.
Impõe-se, assim, a necessidade de garantir-se efetividade à exi­
gência de vida pregressa com o requisito de elegibilidade para inves­
tidura na representação popular, tal com o exigido pela Constituição
vigente no seu art. 14, § 9®.
Os cidadãos que exercem função pública e aqueles que buscam
p o r meios escusos aum entar seu patrim ônio devem m editar sobre esta
observação de Aristóteles;
'b h o m em feliz, en q u an to h om em , necessita tam b ém
de bens exteriores, pois nossa natureza não basta a si
m esm a, p ara ser saudável, de ser alim entado e cuidado.
E ntretanto, não se deve p en sar que o h om em , para ser
fehz, necessite de m uitas o u de grandes coisas, só porque
não p o d e ser sum am ente feliz sem bens exteriores.
D e fato, a auto-suficiência e a ação não im plicam
excesso, e p o d em o s praticar ações nobres sem p ara isso
necessitarm os ser donos d a terra e do mar. M esm o com
92
recursos m oderados, po d e-se proceder virtuosam ente
(aliás, isso é evidente, pois se pen sa que u m cidadão p od e
praticar atos não m enos dignos que os dos que detêm o
po der; e m uitas vezes até mais), basta que tenh am o s o
necessário p ara isso, pois a vida das pessoas que agem
em co nform idade com a virtude será feliz”. (Ética a
N icôm aco, E ditora M artin Claret, p. 233).
Todo hom em tem o livre arbítrio para agir conform e lhe con­
vém. Se optar p o r praticar ação tipificadora de delito, deve saber de
antem ão que se to rn a inapto para o exercício do mandato. A investi­
dura de delinqüente na representação popular é incompatível com a
ordem constitucional vigente que, de form a enfática, m anda que seja
considerada a vida pregressa de quem pretende ser candidato com o
fim específico de “proteger a probidade adm inistrativa” e a m oralidade
durante o exercício do m andato (art. 14, § 9°, CF). É preciso apenas
com preender que um infrator da lei ou espertalhão não pode exercer
o poder. N ão pode atuar em nom e do povo, sob pena da crim inalidade
ser mais prestigiada do que a virtude, cujo cultivo é essencial para que a
República Federativa do Brasil não seja reduzida a m era República dos
Fichas sujas.
93
94
INCLUSÃO ELEITORAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
F á b ia L im a d e B r ito D a m ia '-"
L u iz A l b e r to D a v id A r a u jo '- '
SUMÁRIO: L Considerações sobre a dignidade da pessoa hum ana; 2.
Da dignidade à igualdade de direitos; 2.L O que significa acessibilidade?
3. O acesso das pessoas com deficiência ao processo eleitoral; 3.1 A
norm ativa eleitoral existente e as barreiras de acesso; 3.2 A questão
dos intérpretes de LIBRAS e dos debates televisivos; 4. Conclusões; 5.
Bibliografia.
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA
O ponto de partida para o estudo de qualquer direito deve ser o
de que a pessoa hum ana é o bem mais valioso para a hum anidade e,
portanto, está sempre acima de qualquer valor'^\
Para que possa existir e desenvolver-se de form a plena, deve-se
assegurar à pessoa hu m ana um m ínim o de condições necessárias para
a sua participação ativa na sociedade ou para que possa usufruir dos
benefícios de se viver em sociedade. Essas condições m ínim as são os
direitos fundam entais da pessoa hum ana, imprescindíveis para a sua
existência digna. Sim, pois, o direito fundam ental à vida deve ser enten­
dido como direito à vida digna e esta não prescinde da coexistência de
outros direitos igualmente fundam entais, com o a alimentação, a saúde,
a m oradia, a educação, a participação na vida política etc.
A dignidade da pessoa hum ana é, portanto, intrínseca ao ser h u ­
mano.
120 A ssessora Jurídica n o M in ístériu P ú b lico Federal, Especialista e m D ireito Processual Civil, Especialista
em D ireitos H u m a n o s pela Faculdade d e D ireito d a U n iversid ade d e São Paulo.
121 Professor T itular d e D ireito C o n stitu c io n a l d a F a culd ad e d e D ireito d a PL’C-SP, Pro fesso r e C o o r d e n a ­
d o r d o C u rs o d c P ó s -G ra d u a çã o (M e strad o e D o u to ra d o ) d a In stitu ição T oledo d e B au ru -IT E , Mestre,
D o u to r e L iv re -D oce n te e m D ireito C on stitu cio n al.
122 DALLARI, D a lm o d e Abreu, Direitos h u m a n o s c cidadiinia. 2^ cd, reform , São Paulo: M o d e rn a , 2004
(C oleção Polêmica), p, 9,
95
A localização topográfica da dignidade da pessoa hum ana, no
texto constitucional, com o um dos fundam entos da República (art. 1°,
inciso ÍII), ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, bem denota a sua
excepcional im portância em nosso ordenam ento jurídico.
De acordo com José Afonso da Silva, “a dignidade da pessoa h u ­
m ana é um valor suprem o que atrai o conteúdo de todos os direitos
fundam entais do hom em , desde o direito à vida"^^\ Nesse ponto, dis­
cordando de parte da doutrina, afirma que a dignidade da pessoa h u ­
m ana não constitui um princípio constitucional fundam ental, pois “a
Constituição lhe dá mais do que isso, quando a põe com o fundam ento
da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático
de Direito”.
De outra parte, m esm o quando tom ada, pela doutrina, como
princípio constitucional, a dignidade da pessoa h u m ana é entendida
como vetor que norteia a própria unidade da Constituição. Nesse sen­
tido, Paulo Bonavides, no prefácio da obra de Ingo Wolfgang Sarlet,
Dignidade da pessoa hum ana e direitos fundam entais na Constituição
Federal de 1988, afirmou que:
[...] n en h u m princípio é mais valioso para co m pen diar
a unidade m aterial da C onstituição que o princípio da
dignidade da pessoa hum ana.
Q u an d o hoje, a p ar dos progressos herm enêuticos do
direito e de sua ciência argum entativa, estam os a falar, em
sede de positividade acerca d a u nidade da Constituição,
o princípio que urge referir n a ord em espiritual e
material dos valores é o principio da dignidade da pessoa
humana'-*.
123 SILVA, José A fonso da. A d ig n id a d e d a p e sso a h u m a n a c o m o v alor s u p re m o d a d e m o c ra cia , fiev/i-fa de
Direito Adm inistrativo. Rio d e laneiro, v. 212, pp. 89-94, abr./jun . 1998, pp. 91-92, grifo d o autor.
124 A in d a p re fa c ia n d o a m e n c io n a d a o b ra , P a u lo B onavides aduziu: “A u n id a d e d a C o n stitu iç ão , na m e ­
lh o r d o u trin a d o c o n stitu cio n alism o c o n te m p o râ n e o , só se tr a d u z c o m p re e n siv e lm e n te q u a n d o t o ­
m a d a em sua im prescritível b id im e n sio n a lid a d e, q u e ab ran g e o fo rm al e o axiológico, a saber, form a
e m atéria, ra z ão e valor. A m b o s os te rm o s c o n ju g a d o s assin alam , c o m a rev o lu ção h e rm e n ê u tic a , o
m o m e n to definitivo d a s u p re m ac ia p rin c ip io ló g ica d o s c o n te iíd o s co n stitu cio n ais sobre os c o n te ú d o s
legislativos o rd in á rio s d a velha d o g m á tic a e a o m e s m o te m p o e x p rim e m a a scen são d a leg itim idad e
m aterial q u e p õ e e m g ra u d e m e n o r im p o rtâ n c ia , p o r carência d e p ré s tim o s u p e r io r nas soluções
in te rpreta tiv a s da C on stitu ição, o fo rm a lism o positivista e legalista d o p assad o , p e cu liar à d o g m á tic a
ju ríd ica d o sécu lo XIX. F o rm a lism o q u e in te rp reta v a regras, e n ã o princíp io s. P o r isso m e sm o , mais
a ten to a o texto d a s leis q u e ao D ireito p ro p r ia m e n te dito” (S A R L tT , ín g o Wolfgang. D ignidade da
pessoa h u m a n o e direitos fu n d a m e n ta is na Constituição Federai de 1988. 4 “ ed. P o rto Alegre; Livraria
d o A dvogado, 2006, Prefácio).
96
Seja entendida com o princípio fundam ental, seja como fu n da­
mento do Estado, não pairam dúvidas acerca da im portância da digni­
dade da pessoa hum ana, a qual deve sempre nortear a interpretação de
qualquer norm a existente no arcabouço jurídico pátrio. Em havendo
colisão entre direitos fundam entais e, na im possibilidade de coexisti­
rem, o princípio que deve prevalecer é aquele que mais se aproximar
da dignidade da pessoa humana'-% na m edida em que o hom em deve
ser sempre visto e tratado com um fim em si mesmo, nunca com o um
meio.'-'’
O marco histórico m oderno desse entendim ento é de 1948,
quando a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Decla­
ração Universal dos Direitos do H om em e proclamou os direitos fun ­
damentais. A im portância do term o “proclam ar”, segundo D alm o de
Abreu Dallari'-% reside na evidência de que “não há concessão ou re­
conhecim ento de direitos, m as proclam ação deles, significando que sua
existência independe de qualquer vontade ou form alidade”. Assim, por
serem direitos fundam entais inerentes à natureza hum ana, “nenhum
indivíduo ou entidade, nem os governos, os Estados ou a própria O r­
ganização das Nações Unidas, tem legitimidade para retirá-los de qual­
quer indivíduo”.
2. DA D IG N ID A D E À IGUALDADE DE D IREITO S
Firm ado o entendim ento de que a dignidade é condição inerente
a toda pessoa hum ana, decorre a assertiva de que todas as pessoas são
iguais. Uma pessoa não vale mais ou m enos do que outra.
Essa igualdade de que se cuida não significa que cada pessoa não
125 COMPARA'1'O, Fábio Kondcr. A ajirninção histórica dos direitos h u m anos, p. 61 ef
126 N esse s e n tid o são as p o n d e ra ç õ e s d e D aniel S a rm e n to : " O ser h u m a n o p re c ed e o D ire ito e o Estado,
q u e ap en a s se justificam e m r a / ã o dele. N esse sentido, a p essoa h u m a n a deve ser c o n ceb id a e tra ta d a
c o m o valo r-to n te d o o rd e n a m e n to ju rídico , c o m o assevera M iguel Reaie, s e n d o a defesa e p ro m o ç ã o
d a d ig n id a d e , em to d a s as suas d im e n sõ es, a tarefa p rim o rd ia l d o E stado D e m o c rá tic o d e D ireito, f...]
N esta linha, o p rin c ip io d a d ig n id a d e d a pessoa h u m a n a re p re s en ta o ep ic en tro axiológico d a o rd e m
co n stitucio n al, irr a d ia n d o efeitos so b re to d o o o rd e n a m e n to ju ríd ico c b a liz a n d o n ã o a p e n a s os atos
estatais, m a s ta m b é m to d a a m iria d e d e relações p riv a d a s q u e se d e senv o lv em n o seio d a socied ad e
civil e d o m e rc a d o [...] A ssim, é ap en a s o resp eito à d ig n id a d e d a p e sso a h u m a n a q u e legitim a a o rd e m
estatal c c o m u n itá ria , c o n stitu in d o , a u m só te m p o , p re s su p o s to e objetivo d a d e m o c ra cia . (S A R M E N ­
TO, Daniel. .4 ponderação de interesses na C onstituição Federal. Rio dc Janeiro: L ú m en Juris, 2000, pp.
59 - 60 ).
127 DALLARl. D a lm o de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 14'' ed. São Paulo: Saraiva. 1989, p. 178.
97
tenh a a sua própria individualidade e personalidade. Também os varia­
dos grupos sociais, distinguem -se p o r sua própria cultura, costum es e
relações sociais. Em tal sentido, as pessoas, assim como os grupos so­
ciais são diferentes, “mas continuam todas iguais com o seres hum anos,
tendo as m esm as necessidades e faculdades essenciais. Disso decorre a
existência de direitos fundam entais, que são iguais para todos’V^®
Em que pese a dicotom ia existente entre o universalismo e o
relativismo dos Direitos Humanos^^^, há que se ter em m ente que há
direitos m ínim os que são com uns a todos os seres hum anos, porque
derivam justam ente dessa condição hum ana, da qual a dignidade e o
respeito não se dissociam, independentem ente de sua origem étnica,
sexo, idade, credo, nacionalidade, convicção política, ter ou não defici­
ência e demais diferenças.
Nesse sentido, vale lem brar que o Supremo Tribunal Federal, em
julgam ento histórico no qual lançou m ão da interpretação teleológica e
sistemática da Constituição, dialogando com circunstâncias históricas,
políticas, sociológicas e antropológicas, firm ou o entendim ento de que
128 D AI.l.A RI, D a lm o d c A breu. Direitos h unuinos e ciiladania. pp. 13-14.
129 Critica-.se a un iv ersa lid ad e d o s d ireitos h u m a n o s, a o a r g u m e n to d e q u e esta seria u m a fo rm a de
c o lo n ia lism o e a p ro te ç ã o d o s d ire ito s h u m a n o s , u m a fo rm a de in gerên cia estran g eira o c id e n tal nos
a ss u n to s d o m é stico s dos paises orientais, c o m a im p o s iç ão d e valores c c o n se q ü e n te sacrifício d a d i ­
versid ade cultural- C ritica-se, ain d a , a le g itim id ad e d a D eclaração U niversal d o s D ireitos d o H o m e m ,
em ra z ão das oito a b stençõ es q u e teve, b e m c o m o p elo fato d e q u e m u ito s países d c hoje e ra m colônias
eu ro p e ia s à é p o ca d e sua form u lação . E n tretan to , o b serv a A n d ré <Je C a rv a lh o R am o s q u e "a origem
eu ro p é ia e a n tro p o c e n tric a das p rim e ira s c artas d e direitos h u m a n o s n ã o p o d e ser c o n sid e ra d a p ara
além d e m e ro d a d o histórico. [...) A p ro te ç ã o d o s direitos h u m a n o s , q u e r nas p rim e ira s revoluções
liberais, q u e r n o s dias atuais, c o n tin u a se n d o u m a co n q u ista, n ã o p e rte n c e n d o a d e te rm in a d a tra d iç ã o
cultural, m a s sim o b jeto d e p e rm a n e n te d is p u ta política, d u ra n te a qual tradiçõ es c u ltu ra is e religiosas
p o d e m se a lterar e n ov as leituras dessas m e sm a s tra d iç õ e s p o d e m aflorar. [...| N ã o se tra ta d e buscar,
assim, u m a d e n o m in a ç ã o c o m u m m ín im a d o s d iversos valores culturais, q u e aceita diversas c o n d u ta s
h u m a n a s ap en a s p o r serem in teg rantes d c tra d iç õ e s culturais, e m sacrifício d a d ig n id a d e d a pessoa
h u m a n a , m a s d e se a firm a r q u e a p lu ra lid a d e d e c u ltu ra s e orie u fa ç õ e s religiosas !o u d e c osm ovisões)
de v em ser resp eitad as c o m o re c o n h e c im e n to d a lib erd ad e e p a rtic ip a ç ão c o m d ireito s iguais p ara
to d o s” C o m isso, p o n tu a R am os, "o a r g u m e n to c u ltu ra l d e relativízação à u n iv e rsalid ad e d o s direitos
h u m a n o s so m e n te p o d e ser aceito c o m o cláusula de s alv ag u ard a àqueles q u e assim d e sejarem exercer
seus direitos de escolha, m a s n u n c a p a ra coag ir o u tro s a se s u b m e te re m a d e te rm in a d o s c o m p o r ta ­
m e n to s ap en a s p o r se tra ta r d e p rá tic a tradicional'", (R A M O S, A n d ré d e C arv alh o . Teoria gera! dos
direitos hu m a n o s na ordem internacional. Rio d e Janeiro: R enovar, 2005. pp. 182 e 192-194). Dc to d o
m o d o , a D eclaração de V iena, q u e c o n to u c o m m ais d e cen to e o ite n ta países, p revê q u e a na tu re z a
universal d o s d ireito s h u m a n o s n ã o a d m iíe d ú v id a s (art. 1), b e m c o m o q u e "iod o s os direitos h u m a n o s
são universais, indivisíveis in te rd e p e n d e n te s e in te r-relacionados. A c o m u n id a d e in te rn a c io n a l deve
tra ta r os direitos h u m a n o s de fo rm a global, ju s ta e eqiiitativa, em p é d e ig u a ld a d e e c o m a m e sm a ê n ­
fase. E m b o ra p a rtic u la rid a d e s n acio n ais e regionais d e v am ser levadas e m co nsideração, assim c o m o
diversos con tex to s h istóricos, c u ltu ra is e religiosos, é d e v er d o s E stad o s p ro m o v e r e p ro te g e r to d o s os
d ireito s h u m a n o s e liberdades fu n d a m e n ta is, sejam quais fo rem seus sistem as políticos, e co n ô m ic o s e
culturais.” (art. 5)
98
inexiste subdivisão n a raça hum ana, pois “não há diferenças biológicas
entre os seres hum anos. Na essência são todos iguais” '^^
A Constituição Federal brasileira estabelece no caput do art. 5®
que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza
(igualdade formal). Entretanto, “não só perante a n o rm a posta se nive­
lam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de
dispensar tratam ento equânim e às pessoas” (igualdade m aterial).'”
Por outro lado, outra coisa não faz a lei a não ser desigualar situ­
ações: o jovem do idoso, o nacional do estrangeiro, a criança do adulto,
a pessoa com deficiência da pessoa sem deficiência etc. Todavia, outro
não é o seu objetivo a não ser igualá-las nos seus direitos, já que to ­
dos os seres hum anos são iguais. As variadas características externas de
cada pessoa, contingenciais (sexo, idade, profissão, nacionalidade etc.),
não podem e não devem ser capazes de diferenciá-las naquilo que, es­
sencialmente, tem em com um ; a sua condição hu m ana e a dignidade
que dela decorre.
Do princípio da igualdade, tom ado na sua acepção isonômica, e
dos objetivos fundam entais da República previstos no art. 3°, incisos I,
III e IV (a construção de um a sociedade livre, justa e solidária; a erra­
dicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades
sociais e regionais; assim com o a prom oção do bem de todos, sem p re­
conceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discrim inação), afere-se o dever de todos, e do próprio Estado, no
sentido de prom over as ações necessárias (ações afirmativas) à garantia
da não exclusão de pessoas ou grupos marginalizados. Isto porque, a
construção de um a sociedade livre, justa e solidária; a redução das desi­
gualdades sociais e a promoção do bem de todos sem preconceitos (CF,
art. 3°) implicam um fazer, um a atuação positiva do Estado em direção
à inclusão social.
Portanto, a efetividade do princípio da igualdade, nos dias atuais,
leva ao entendim ento de que, não basta u m a atuação negativa do Esta­
do no sentido de im pedir violações às liberdades individuais; a tran s­
formação pela qual passou a sociedade, que resultou no surgim ento dos
130 S1'F, T ribunal Pleno, H C - Q O 82424/R S, Rei. M in. M o re ira Alves, Rei. p / A c ó rd ã o M in. M au rício C o r ­
rêa, j. 17/9/2003, v.m., D \ 19/3/2004, p. 17). T a m b é m disponível n a p u b lic a çã o Racism o e anli-sem itistno: u m julgam ento histórico do ST F (H abeas Corpus n" 82.424/RS). Brasília; Brasilia Jurídica. 2004.
131 M ELLO, C elso A n to n io B an d eira de. C.ontei'uh jurídico do p rincipio d a igualdade, p. 9.
99
direitos sociais, reclama u m a atuação positiva, um a prestação positiva
do Estado, que objetiva nada m enos do que a igualaçâo de direitos^’^.
É nesse contexto que se insere a proteção jurídica das pessoas
com deficiência, a qual, fundada nos princípios da dignidade da pes­
soa hum ana, da igualdade e da isonomia, busca a plena inclusão social
dessas pessoas, bem com o a garantia do pleno acesso a todos os seus
direitos.
Não há mais espaço, nos dias atuais, para que a exclusão das pes­
soas com deficiência da vida social seja vista com naturalidade'^^. Nesse
sentido é expressa a afirmação contida na Convenção Interam ericana
para a Eliminação de Todas as Formas de Discrim inação contra as Pes­
soas Portadoras de Deficiência (Convenção de Guatemala), da qual o
Brasil é s i g n a t á r i o , e segundo a qual as pessoas com deficiência “têm
os m esm os direitos hum anos e liberdades fundam entais que outras
pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas
a discrim inação com base na deficiência, em anam da dignidade e da
igualdade que são inerentes a todo ser hum ano”.
A m elhor e mais recente definição do que seja deficiência, ali­
ás, é dada pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência'^^, da ONU, em seu preâm bulo, alínea “e”: “Deficiência
é um conceito em evolução. A deficiência resulta da interação entre
pessoas com deficiência e as barreiras atitudinais e ambientais que im ­
pedem sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas”.
132 A esse respeito p ro n u n c io u -s e o S u p e rio r T rib u n a l d e Justiça, c m a có rd ão re la ta d o p e lo M in istro Luiz
Fux: “C o m o d e sabença, as açõ e s afirm ativas, fu n d a d a s e m p rin c íp io s le g itim a d o re s d o s interesses h u ­
m a n o s re a b re m o d iálog o pó s-p o sitiv ista e n tre o d ire ito e a ética, t o r n a n d o efetivos os p rin c íp io s c o n s ­
titucionais d a is o n o m ia e d a p ro te ç ã o d a d ig n id a d e d a p e sso a h u m a n a , c ân o n e s q u e re m o n ta m às mais
antigas d e ciaraç õ e s U niversais d o s D ire ito s d o H o m e m . Eiífim. é a p ro te ç ã o d a p r ó p r ia h u m a n id a d e ,
c e n tro q u e h oje ilu m in a o u n iv e rs o ju ríd ico , ap ó s a tã o d e c a n ta d a e a p la u d id a m u d a n ç a d e p a ra d ig m a s
d o sistem a juríd ico , q u e a b a n d o n a n d o a igualizaçáo d o s d ire ito s o p to u, axiolo g icam ente, pela b u sca da
ju stiça e p e l a p essoalização das situ açõ es co n sa g ra d a s n a o r d e m ju ríd ic a ”. (ST), P rim e ira T u rm a . RESP
5 67873-M G , Processo 200301510401, Rei. M in. Luiz Fux, j. 10-2-2004, v,u„ Dl 25-2-2004, p. 120).
133 E xem plos dessa visão p re té rita são c ita d o s p o r Flávia Piovesan, B eatriz Pereira d a Silva e H eloísa B or­
ges P e d ro sa C am po li: n a E s p a rta d o s s écu lo s IX a V II a .C - u m a deficiência física im p licav a a c o n d e ­
n a ç ã o d e u m a cria n ç a à m o rte. T a m b é m n o Brasil d o sécu lo XVI, q ua se to d o s os hospitais d e m is e ri­
có rd ia m a n tin h a m as c h a m a d a s R o d as d o s Expostos, o n d e re c é m -n a sc id o s c o m d e fo rm id a d e s p o d ia m
ser c o lo c ad o s p a ra , à m a rg e m d a socied ad e, serem c riado s e m o rfan a to s o u c o n v en to s (PIO V ESA N ,
Flávia, Temas de direitos h u m a n o s, 2 \ ed., São Paulo: M ax L im o n ad , 2003, p. 305).
134 D e creto p residen cial 3.956/2001.
135 Esta C o n ven ç ã o, a p ro v a d a e m m arço /2 00 7 , e m N ov a York, e n tr o u em v ig o r n o Brasil, p e lo D ecreto
Legislativo n. i 86 d e 9 d e ju lh o d e 2008. H ouve, p o s te rio rm e n te , o D ecreto 6.949/2009.
100
Além disso, ser pessoa com deficiência não deveria gerar reflexos
negativos. Nas palavras de Eugênia Augusta Gonzaga Fávero:
[...] deficiência não é o contrário de eficiência. O
con trário de eficiência é ineficiência. Especialmente
qu an d o se refere a seres h u m an os, a deficiência não deve
ser tradu zid a com o “im perfeição ou defeito”, já que não
existe perfeição ou ausência total de defeitos em qualquer
ser h um ano, ou se)a, n ão se p o d e dizer que pessoas sem
deficiência são pessoas... perfeitas.
A deficiência, neste caso, indica falta, limitação. Indica
que alguém não tem certos atributos físicos, sensoriais
ou m entais com u m en te en co ntrado s nas dem ais pessoas,
o que é absolutam ente natural. Por isso, n ão é preciso
receio no uso da palavra deficiência e a substituição dela
p o r outros term os. A lém de não con tribu ir em nada
para o reco nhecim ento do direito à cidadania, acaba p or
prejudicar a comunicação.'-’^’
Sem embargo do em penho e da participação de cada um , a atua­
ção positiva do Estado é de grande im portância, pois “som ente a partir
da participação efetiva do Estado, é que o direito poderá se concretizar.
Não se trata, portanto, de exigir um a abstenção do Estado, para que o
direito não sofra interferência, tal com o a prim itiva idéia de liberdade,
mas exatamente o contrário, estamos diante de um a típica necessidade
de intervenção do Estado para a composição da igualdade"'^\
2.1 O QUE SIG N IFICA ACESSIBILIDADE?
A perspectiva d a inclusão social, que decorre da aplicação efetiva
do princípio da igualdade, traz ínsita a idéia da acessibilidade, a qual
não se restringe à m era eliminação de barreiras arquitetônicas nas edi­
ficações e logradouros públicos.
Acessibilidade é conceito mais amplo, pois significa ter acesso aos
mais variados direitos, ainda que para isso seja necessária a tom ada de
algum a m edida afirmativa p o r parte d a sociedade ou do Poder Públi­
co. Isto porque, não basta a declaração constitucional de igualdade de
136 FÁVERO. Eug ên ia A u gu sta G onzaga. Direitos das pessoas com deficiência: gara ntia de igualdade na
diversidade. R io d e janeiro: W V A , 2004. pp. 23-24.
137 A RAU fO, Luiz A lb e rto D avid, A proteção constitucional das pessoas p o rtad ora s de deficiência. Brasília:
C O R D E , 1994, p. 64,
101
direitos de todos perante a lei, se esses direitos não puderem ser efeti­
vamente exercidos.
A idéia da acessibilidade, portanto, está ligada à idéia da igual­
dade material e à atuação positiva do Estado, p o r m eio das chamadas
“discriminações positivas”, que buscam com pensar as discriminações
de fato ou a inacessibilidade a determ inado direito, na situação que se
fizer necessária. Sim, pois, o uso de tais medidas só se justifica nas h i­
póteses em que a pessoa com deficiência estiver im pedida de exercer
determ inado direito.
É de se ponderar, todavia, que tais m edidas afirmativas, que bus­
cam perm itir o exercício de determ inado direito só se justificam q u an­
do a pessoa com deficiência não conseguir superar as barreiras de ex­
clusão, em razão de sua deficiência, pois há determ inadas situações em
que a pessoa com deficiência não precisa desse apoio do Estado'^^.
Apesar das diversas norm as que decorrem do dever constitucio­
nal de incluir a pessoa com deficiência, ainda encontram os determ i­
nadas áreas em que a proteção deve ser im plem entada, sob pena de
não com pletude do processo de inclusão social. A proteção se justifica,
portanto, já que o sistema normativo, por si só, atualm ente existente,
não perm ite a efetividade do processo inclusivo.
3. O ACESSO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO PROCESSO
ELEITORAL
Considerando-se que todo p od er em ana do povo, que o exercício
desse poder pode ser direto ou p o r meio de representantes, que a dig­
nidade da pessoa hum ana é um dos fundam entos de nossa República
Federativa, que busca construir um a sociedade livre, justa e solidária,
desprovida de quaisquer formas de preconceito ou discriminação, te n ­
do em vista que todos são iguais em direitos e obrigações, alcança-se a
assertiva de que o exercício da soberania popular, que é viabilizado pelo
processo eleitoral, deve ser acessível a todos os cidadãos, em igualdade
de condições, ainda que se enquadrem no conceito de m inoria, como
as pessoas com deficiência.
138
ARAU JO , Luiz A lb erto D avid. B u sc a n d o significados a p a r tir d e critério s d e in te rp re ta ç ã o c o n stitu ­
cional e, m u ita s vezes, e n c o n tra n d o u m d e sc o n c e rta n te precon ceito. Defesa dos direitos dos pessoas
portadoras de deficiência, São Paulo; Revista d o s T rib u n ais, 2006, p. 215.
102
o conceito de m inoria, nesse passo, não se refere a um critério
necessariamente quantitativo. Entende-se m inoria p o r u m grupo com
interesses específicos e multifacetados, que podem não se alinhar com
os interesses da m aioria'’*^. É o caso do grupo das pessoas com deficiên­
cia, contigente populacional expressivo, que representa o percentual de
14,5% da população brasileira'^". Talvez pudéssemos adotar a expressão
de grupo vulnerável, que m elhor se encaixaria na questão.
Cuida-se de grupo com interesses multifacetados e não unifor­
mes, já que cada tipo de deficiência (física, auditiva, visual, mental)
reclama um tratam ento próprio. Assim, as necessidades específicas de
um a pessoa com deficiência visual, por exemplo, são diversas das ne­
cessidades de um a pessoa com deficiência auditiva, que p or sua vez,
são diferentes das necessidades de um a pessoa com deficiência de loco­
moção. Seja como for, “todos necessitam de um a proteção especial do
Estado, tal fato é inegável. Mas a especificação de tal proteção leva para
cam inhos específicos e nem sempre uniformes.”''”
N o cenário eleitoral, a inclusão das pessoas com deficiência, co m ­
preende a idéia de que não são apenas os seus esforços pessoais que
devem ser envidados para o exercício de u m direito - de soberania p o ­
lítica, de sufrágio, de cidadania - que lhe pertence e que é igual ao de
todo cidadão. Sob a perspectiva da inclusão eleitoral, que difere do
conceito de integração'''^ tam bém a sociedade e o Estado têm o dever
de disponibilizar os meios necessários para acolher essas pessoas, na
m edida de suas desigualdades, isto é, na conform idade de cada tipo de
139 AKAL’10, Luiz A lb e rto David. A q u e stã o das m in o r ia s n o sistem a con stitu cio n al brasileiro: an álise de
u m casu. Democracia, hoje. Um tnadelo politico paru o Brasil. M aria (ia rc ia (C o o rd .). São Paulo: Celso
Bastos / in s titu to B rasileiro d c D ire ito C o n stitu cio nal, 1997, p. 198.
140 D e a c o rd o c o m os d a d o s d o C en s o D e m o g rá lic o d e 200(1, o b tid o s n o e n d ereç o e letrônico d o IB GE In stitu to Brasileiro d c tie o g ra fia e Estatística (hüp:
ihge.gov,br), d o s 170 m ilh õ e s de brasileiros,
24,6 m ilh õ e s são pessoas c o m deficiência (14,5% d a p o p u la ç ã o to tal), da.s q u a is 19,8 m ilh õ e s estão nas
zonas u rb a n a s e 4,8 m ilh õ e s nas z o n as rurais.
141 ARAL'JO, Luiz A lb e rto David. A q u e stã o das m in o rias n o sistem a con stitu cio n al brasileiro: análise de
u m caso. Deritücracia, hoje. Um nnnielo politico para o Brasil. M aria G arcia (C o o rd .). São Paulo: Celso
B astos I In s titu to B rasileiro d c D ire ito C o n stitu cio n al, 1997, p. 200
142 A expressão “in clu são social” c o nstitu i evolução d a ex p ressão “ in teg ração social", as quais são co m um e n te m e n c io n a d a s e m cen á rio s d e de sig u a ld a d e social. A ex p ressão “ in clu são social", representa
persp ectiva n ova na luta c o n tra a exclusão social, ao passo q u e " in tegração social" explica I.auro Luiz
G o m e s Ribeiro (As n o rm a s co n stitu cio n ais d e tutela d a s pessoas p o r ta d o ra s d e deticiència. Revista de
D ireito C onstitucional c Internacional, v. 47. pp. 164-165, abr./iun. 2004), re lacion a-se a u m esforço
u n ilateral e exclusivo d a pessoa excluída (p o r exem plo, d a p e sso a c o m deficiência); se ela co n seg u ir
a d ap tar-se p o r si o u p o r seus fam iliares, a so cie d a d e a “aceita". N a “ in c lu são social", o p ro c e ss o é b ila te ­
ral, a so cie d a d e e a p e sso a excluída, c o n ju n ta m e n te, b u s c a m m eio s d c interação, de inclusão.
103
deficiência, para que o seu acesso ao processo eleitoral seja efetivo. Não
é outra, com efeito, a postura que se espera de u m regime democrático.
Se não for assim, “pessoas com deficiência terão dificuldade em
acom panhar a propaganda eleitoral, pois podem ser cegas ou surdas. A
inscrição como eleitor poderá ser dificultada, se se tratar de pessoa com
algum grau de deficiência mental. Os que tiverem dificuldade de loco­
moção precisarão dem onstrar um civismo quase exagerado, enfrentan­
do escadarias para “tirar o título”, para dirigir-se ao local das votações e
para alcançar sua seção eleitoral. E m esm o para um surdo capaz de ler
lábios, os lábios dos políticos serão m uito velozes..
Assim, a acessibilidade ao processo eleitoral não se restringe ao
acesso físico às zonas eleitorais no dia da votação. O processo eleitoral é
mais amplo e o acesso a ele deve alcançar toda essa amplitude, de forma
a abranger, além da acessibilidade física aos locais de votação, tam bém
o acesso á com unicação eleitoral, isto é, às propagandas institucionais,
partidárias e eleitorais. Com preende, ainda, o atendim ento prioritário
e diferenciado"^^, bem com o o acesso às discussões e debates entre os
candidatos durante a cam panha eleitoral e, até mesmo, o acesso aos
partidos políticos (filiação partidária).
3.1 A NORMATIVA ELEITORAL EXISTENTE E AS BARREIRAS
DE ACESSO
No âmbito infraconstitucional eleitoral, algumas norm as ofe­
recem um início de proteção aos direitos das pessoas com deficiência.
A prim eira delas é o Código Eleitoral (Lei 4.737/65). Dos 383 artigos
que o com põem , dois são os dispositivos que se referem às pessoas com
deficiência: o art. 150 e o § 6'^ A, do art. 135, § 6^-A.
O art. 150, estabelece que o eleitor cego poderá: assinar a folha indi­
vidual de votação em letras do alfabeto com um ou do sistema Braille (inci­
so I); assinalar a cédula oficial, utilizando também qualquer sistema (inciso
II); usar qualquer elemento mecânico que trouxer consigo, ou lhe for for­
necido pela mesa, e que lhe possibilite exercer o direito de voto (inciso III).
143 D A M IA , Fábia Lima d e Brito; G O N ÇA L V E S, Luiz C arlo s d o s Santos. A inclusão eleitoral das pessoas
com deficiência. D isponível em ; < http;//www.prcsp.mpr.gov.br>, D o u trin a , Acesso e m 02-07-2008.
144 A Lei 10.048/2000 d isp õ e sobre o a te n d im e n to p rio ritá rio q u e deve ser d is p e n s a d o às pessoas co m
deficiência.
104
O corre que, deficiência visual, de acordo com os Decretos fede­
rais 3.298/99, art. 4", III e 5.296/2004, art. 5", § V\ “c” abrange a cegueira
e a baixa visão. C om isso, medidas afirmativas em prol de pessoas com
baixa visão podem deixar de ser tomadas, porque não existem neste ce­
nário de proteção e, portanto, são desconhecidas as suas necessidades e
peculiaridades. Esse conceito fixado pelo Decreto regulamentar, enten ­
demos, é apenas útil quando inclui. Não para excluir. Expliquemo-nos.
O Decreto regulamentar, na verdade, cria direitos e obrigações, matéria
reservada, pela Constituição Federal, à lei, norm ativa de ordem p rim á­
ria, distinta da do decreto regulamentar, de caráter secundário. Além
disso, com o advento da Convenção Internacional já mencionada, o
conceito de pessoa com deficiência passou a ser mais amplo, deixando
o decreto regulam entar sem sua base prim ária (que, aliás, nunca exis­
tiu). Portanto, deve prevalecer o conceito genérico, am plo e inclusivo
da Convenção, com o já visto acima. Se a hipótese concreta se enqua­
d rar no decreto, ele deve ser aplicado, porque facilita a Adm inistração
no seu quotidiano. No entanto, se o Decreto não contem plar o caso
concreto, ele não poderá ser aplicado para barrar, para excluir. Nesse
caso, 0 conceito deve ser retirado da própria Convenção, desprezandose, p o r restritivo, o decreto, que ferirá o conceito amplo d a Convenção,
que tem estatura equivalente de em enda constitucional.
Vale m encionar que, em bora nenhum a norm a de proteção elei­
toral trate do tema, a pessoa com deficiência visual - cega ou com
baixa visão - tem o direito de ingressar e perm anecer com o seu cãoguia nas seções e zonas eleitorais (Lei federal 11.126/2005 e Decreto
5.904/2006)'^\ Portanto, tal direito deve ser inserido tam bém no âm bi­
to da proteção eleitoral das pessoas com deficiência. O fato de inexistir
tratam ento específico para o tem a eleitoral não im pede a aplicação da
regra geral para o caso das pessoas cegas ou com baixa visão.
Já 0 art. 135, § 6“-A do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), inserido
145
O art. 1" d a Lei 11.126/2006 Icin o seguinte teor: "Art. 1" Ê a ss e g u ra d o à p e sso a p o r ta d o ra de defici­
ência visual u s u á ria d e c ão -g u ia o d ire ito d e in gressar e p e rm a n e c e r corn o a n im a l n o s veículos e nos
e sta b e le cim ento s p úblicos e p riv a d o s de usu coletivo, d e sd e tjue o b s erv ad a s as c o n d iç õ es im p o sta s p o r
esta Lei. § V' A deficiência visual referida n o c a p u t deste a rtig o re strin ge -se à cegueira e à baixa visão.
§■ 2" O d isp o sto n o c ap u t deste a rtig o aplica-se a to d a s as m o d a lid a d e s d e tra n s p o rte in te re stad u a l e
in te rn a c io n a l c o m o rig e m n o te rritó rio brasileiro".
o art, 3 " d a referid a lei p re c o n iz a que: “Art. 3"
C o n stitu i ato d e d is crim in a ç ão , a ser a p e n a d o co m in te rd iç ã o e m ulta , q u a lq u e r te n ta tiv a v o ltad a a
im p e d ir o u dificultar o g ozo d o direito prev isto n o art. 1- desta Lei”.
]á
105
pela Lei 10.226/2001, diz respeito à acessibilidade física aos locais de
votação. Diz o dispositivo:
Ari. 135 [...] § 6 ° - A Os Tribunais Regionais Eleitorais d e­
verão, a cada eleição, expedir instruções aos juizes eleito­
rais, para orientá-los n a escolha dos locais de votação de
mais fácil acesso para o eleitor deficiente físico.
Tal dispositivo está em consonância com o teor do parágrafo ú n i­
co, do art. 21, do Decreto federal 5.296/2004^“^^, o qual determ ina que as
urnas das seções eleitorais devem ser adequadas ao uso com autonom ia
pelas pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, além esta­
rem instaladas em local de votação plenam ente acessível e com estacio­
nam ento próximo.
Portanto, em bora se reíira apenas ao eleitor deficiente físico, a lei­
tu ra atualizada do § 6'^-A do art. 135, do Código Eleitoral, deve contem ­
plar os demais tipos de deficiência, quando for necessário, bem assim
as pessoas com dificuldades de locomoção, com o idosos, gestantes e
recém-operados. Essa interpretação é recolhida dos dizeres da C onsti­
tuição Federal e da Convenção.
A Resolução TSE 21.008/2002 dispõe sobre o voto dos eleitores
com deficiência e estabelece que os juizes eleitorais, sob a coordenação
dos tribunais regionais eleitorais, deverão criar seções eleitorais espe­
ciais destinadas a eleitores com deficiência (art. 1°, caput). Nos m unicí­
pios onde não for possível, um a das seções existentes poderá ser desig­
nada para funcionar, tam bém , com o seção especial para esses eleitores
(art. 1°, § 1°). Essas seções especiais deverão ser instaladas em local de
fácil acesso, com estacionam ento próxim o e instalações, inclusive sani­
tárias, que atendam às norm as técnicas de acessibilidade (art. 1°, § 2*).
Além de fixar o prazo para que os eleitores com deficiência solici­
tem transferência para as seções especiais (até 151 dias antes do pleito)
e com uniquem as suas restrições e necessidades (até 90 dias antes da
eleição), conform e arts. 2° e 3°, referida Resolução determ ina que as
urnas eletrônicas instaladas nas seções especiais para eleitores com de­
ficiência visual, conterão dispositivo que lhes perm ita conferir o voto
assinalado, sem prejuízo do sigilo do sufrágio (art. 3®, parágrafo único).
146
O D e creto 5.296/2004 re g u la m e n ta a Lei 10.048/2000, q u e d isp õ e sobre o a te n d im e n to p rio ritá rio das
p esso as c o m deficiência, b e m c o m o a Lei 10.098/2000, q u e estabelece n o rm a s gerais e critério s básicos
p a ra a p ro m o ç ã o d a acessibilidade das p esso as c o m deficiência o u c o m m o b ilid ad e reduzida.
106
Esse dispositivo que perm ite a conferência do voto consiste na
função áudio das urnas eletrônicas instaladas nas seções especiais, onde
é possível acoplar fone de ouvido. De acordo com inform ações do TRE/
SP, a única diferença entre a u rna eletrônica instalada nas seções elei­
torais com uns e nas seções especiais é que, nestas, a função áudio está
ativada.
Por íim, preceitua que seja dada am pla divulgação das regras que
estabelece, pelos tribunais regionais eleitorais (art. 4^).
A criação das seções eleitorais especiais destinadas aos eleitores
com deficiência, todavia, foi repudiada, pelo Conselho Nacional dos
Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), o qual, em
16/12/2002, solicitou a alteração dos term os da Resolução 21.008/2002,
ao argum ento de que tal procedim ento “cristaliza a exclusão da pessoa
portadora de deficiência que tem o direito de utilizar sua sessão [sic]
eleitoral desde que acessível na form a dos princípios constitucionais e
da Lei 10.098/00?'"
O Tribunal Superior Eleitoral, p or m eio da Resolução 21.342,
da relatoria do M inistro Fernando Neves, indeferiu o pedido veiculado
pelo CONADE, sob o fundam ento de que a transferência para as se­
ções especiais não é obrigatória, bem com o que a solução adotada pela
Resolução 21.008 era a viável para aquele mom ento, pois a Justiça Elei­
toral não tinha condições de adaptar todas as seções eleitorais do País
às necessidades dos eleitores com deficiência. Por fim, asseverou que
“nunca houve intenção de excluir as pessoas deficientes, com o afirma
o Conade, mas, ao contrário, possibilitar a elas que exerçam seu direito
da m aneira mais côm oda e facir'^^ Trata-se de solução provisória, que
deverá sofrer transform ação com o decorrer do processo inclusivo. Não
deve haver, em tese, seções eleitorais especiais. No estágio em que esta­
mos, elas são aceitáveis, mas não definitivas. Q ualquer seção deve ser
acessível, nos term os da legislação de acessibilidade. Portanto, a criação
147 TSH, Processo A d m in is tra tiv o 18,764, Classe 19’, D istrito Federal (Brasília), Rei. M m . F e rn a n d o N e ­
ves.
148 A d ecisão p ro ferid a pelo T rib u na l S u p e rio r Eleitoral está assim e m e n ta d a : “R e s ./I SE ii'^ 21,008. Solici­
tação. C o n se lh o N acional d a Pessoa P o r ta d o r a d e Deficiência - C O N A D E , Seções eleitorais especiais
d e stin ad a s a eleitores p o rta d o re s d e deficiência. Extinção, Im p o ssib ilid ad e. I, A tra n sfe rê n cia d e elei­
tores p o rta d o re s d e deficiência p a ra as seções eleitorais n ã o é o b rigató ria. 2. Inviab ilid ad e d e a Justiça
Eleitoral a daptar, n o p re s e n te m o m e n to , to d a s as seções eleitorais d o país às ne ce ssid a d e s especiais
d o s eleitores nela in scritos" (P ro cesso A d m in is tra tiv o 18.764, Classe 19“, D istrito Federal/B rasília, Rei.
Min. F e rn a n d o Neves. R esolução 'l'SE 21,342, d e 13/2/2003, v,u., D | 2 8 /3 /2 0 0 3 . p. 158).
107
de urnas acessíveis é algo transitório e que, com o tem po, deve ser su­
prim ido, pois todas devem ser acessíveis.
Por ocasião das eleições m unicipais de 2004, o Tribunal Superior
Eleitoral proferiu a Resolução 21.633^^^, a qual dispõe sobre algumas
regras em prol das pessoas com deficiência, N o art. 52, § 2° asseguroulhes a preferência para votar, nas zonas eleitorais em que estejam inseritas^^". Nos arts. 57 a 59 estabeleceu que:
Art. 57. Os eleitores com necessidades especiais que
votarem em seções eleitorais apropriadas poderão
utilizar os m eios e recursos postos à sua disposição pela
Justiça Eleitoral para facilitar o ex ercid o do voto.
Parágrafo único. Os eleitores com necessidades
especiais poderão contar com ajuda de pessoa de sua
confiança para o exercício do voto’^'.
Art. 58. As urnas eletrônicas, instaladas em seções
especiais para eleitores com deficiência visual, conterão
dispositivo que lhes p erm ita conferir o voto assinalado,
sem prejuízo do sigilo do sufrágio.
Art. 5 9 .0 eleitor cego p o d erá (C ódigo Eleitoral, art. 150,
I a III};
I - assinar o caderno de votação, utilizando-se de letras
do alfabeto co m u m ou do sistem a Braille;
II - usar qualquer instru m en to m ecânico que trouxer
consigo, ou lhe for fornecido pela mesa, e que lhe
possibilite exercer o direito de voto;
III - utilizar-se do sistem a de áudio, q u an d o disponível;
149 A R esolução TSE 21.633, de 19/2/2004, foi p u b lic a d a n o D iá rio d a Justiça d e 9 /3 /20 0 4 , p. 118. Re­
ferida n o r m a foi an te ce d id a pela R eso lu çã o T S E 2 1 .3 9 5 /2 0 0 3 a q u a l d e te r m in o u q u e as sugestões
a p re se n ta d a s p e lo C o rre g e d o r R egional Eleitoral d e M in as G erais, n o s e n tid o d e facultar às pessoas
c o m deficiência física serem a c o m p a n h a d a s p o r p e sso a de s u a confiança, n a cabine d e votação, p a ra
auxiliá-las n o a to d e votar, b e m c o m o n o d e re g u la m e n ta r a pre sen ç a d e in térp retes e a inscrição de
legendas n o s p ro g r a m a s eleitorais televisivos, d e v eria m ser o bjeto d e análise p o r ocasião d e e labo ração
das in stru ç õ e s p a ra as eleições d e 2004. A lé m das sugestões m e n c io n a d a s , o T R E /M G sugeriu; (a) que
se d e te rm in a ss e q u e os serv en tu á rio s d o s c artó rio s se o rg a n iz e m d e m o d o que. se necessário, se d e slo ­
q u e m até as p o rta s das serventias p a ra a te n d im e n to às pessoas c o m deficiência física e (b) q u e se d e sti­
n e v e rb a o rç a m e n tá r ia p a ra q u e os p ré d io s d e p ro p r ie d a d e d a U nião, q u e ab rig a m c artó rio s eleitorais,
sejam a d ap tad o s a fim d e p e rm itir o acesso d o s c id a d ão s c o m deficiência fisica aos serviços eleitorais
(TSE, Processo A d m in istra tiv o 18.764, Classe i 9 “, D istrito Federal, Brasília. Rei. M in . f c r n a n à o Neves,
R esolução 21-395, d e 8/5/2003, v.u., DJ 23/5/20 0 3 , p. 125).
150 O § 2" d o art. 52, d a R esolução TSE 21.63^/2004, te m o seg u in te teor; "O b se rv a d a a p rio rid a d e a sse ­
g u ra d a aos can d id ato s, tê m preferên cia p ara votar, n a s z o n as eleitorais e m q u e estão inscritos, o juiz
eleitoral d a zona, os juizes d o s trib u n ais eleitorais, seus auxiJiares d e serviço, os p ro m o to re s p úblicos
q u a n d o a serviço d a justiça Eleitoral, os policiais m ilitares e m efetivo exercício de p o lic ia m e n to, os
fiscais e d e le g ad o s d e p a r tid o p o litico o u d e coligação m u n id o s d a re spec tiv a c re d en c ia l e. ain d a , os
eleitores de m a is d e 65 an os d e idade, os e n fe rm o s, os p o rta d o re s d e necessid ad es especiais e as m u lh e ­
res g rá v ida s e Jactantes (C ó d ig o Eleitoral, art. 143, § 2")"
151 G rifo nosso.
108
IV - utilizar-se d o princípio d a m arca d e idenüftcaçào da
tecla n ú m ero 5;
V - assinalar as cédulas, utilizando o alfabeto co m u m ou
o sistem a Braille, no caso de votação p o r cédulas.
Em virtude do confronto aparente entre o preceito contido no
supra transcrito parágrafo único, do art. 57 d a Resolução TSE 21.633,
que autoriza as pessoas com deficiência a contar com o auxílio de pes­
soa de sua confiança no exercício do voto e o art. 14 da Constituição
Federal que preconiza o sigilo do voto, o qual, se violado, atrai a nulidade da votaçào'^^ e, ainda, considerando a necessidade de se viabilizar o
efetivo exercício da cidadania por parte das pessoas com deficiência, a
Corregedoria-G eral Eleitoral questionou o Tribunal Superior Eleitoral
acerca do alcance do m encionado parágrafo único do art. 57, da Reso­
lução em referência.
Assim, sobreveio a R esolução TSE 21.819/2004‘^-\ da relatoria
do M inistro Fernando Neves, em cujo voto assevera que a garantia do
sigilo não pode ser elevada a extremos que im peçam o exercício do
voto, já que am bos são princípios constitucionais e o sigilo não pode
existir sem o direito ao voto. Deste m odo, na com provada im possibili­
dade de se observar ambos os princípios, o direito ao voto é que deve
prevalecer, p or ser expressão m aior da cidadania. C om essas conside­
rações, propôs os critérios adiante transcritos, que foram aprovados, à
unanim idade, pelos M inistros do Tribunal Superior Eleitoral:
•
o eleitor com necessidades especiais poderá, para
votar, contar com o auxílio necessário, ainda que
não o tenha requerido antecipadam ente ao juiz
eleitoral e/ou ainda que não esteja inscrito em seção
eleitoral especial;
•
o presidente de m esa de seção eleitoral, verificando
ser imprescindível que eleitor com necessidades
especiais conte com o auxílio de pessoa de sua
confiança para exercer o direito de voto, estará
autorizado a perm itir o ingresso dessa segunda
152 D e a c o rd o c o m o in ciso IV, d o art. 220, d o C ó d ig o Eleitoral, é n u la a v o ta ç ão “q u a n d o p re te rid a fo r m a ­
lid a d e essencial d o sigilo d o s sufrágios”.
153 A R esolução TSE 21.819, d e 13/6/2004, foi p u b lic a d a n o D iá rio d a iustiça d e 28/6/2 0 0 4 , p. 100. V.,
adiante, A n e x o B.
109
pessoa, junto com o eleitor, na cabine eleitoral,
sendo que ela poderá, inclusive, digitar os núm eros
na u rn a eletrônica;
•
a pessoa que ajudará o eleitor com necessidades
especiais não poderá estar a serviço da Justiça
Eleitoral, de partido político ou de candidato.
Por outro lado, ao dispor sobre o alistam ento eleitoral e o voto
dos cidadãos com deficiência, cuja natureza e situação impossibilitem
ou tornem extrem am ente oneroso o exercício de suas obrigações elei­
torais, a Resolução TSE 21.920, de 19/9/2004, em bora ressalte que “o
alistam ento eleitoral e o voto são obrigatórios para todas as pessoas
portadoras de deficiência” (art. 1°, caput), estabelece que não estará su­
jeita á sanção'^^ a pessoa cuja deficiência torne impossível ou excessi­
vam ente oneroso o cum prim ento das obrigações eleitorais, relativas ao
alistamento e ao exercício do voto (art. 1“, parágrafo único).
Deste modo, m ediante requerim ento do cidadão, ou de seu p ro ­
curador, e comprovadas as condições acima descritas, consideradas,
ademais, a situação sócio-econômica do interessado e as condições de
acesso ao local da votação ou de alistam ento desde a sua residência, es­
tará o juiz eleitoral autorizado a expedir certidão de quitação eleitoral,
com prazo de validade indeterm inado (art. 2^, caput e § 1°).
Entretanto, dispõe ainda a aludida Resolução que seus dispositi­
vos não têm o condão de alterar a aptidão da inscrição eleitoral para o
exercício do voto (art. 2°, $ 5°). Além disso, a expedição da certidão de
quitação eleitoral não impede, a qualquer tem po, o alistam ento eleitoral
de seu beneficiário, que não se sujeitará à sanção do art. 8® do Código
Eleitoral.
Todavia, ao argum ento de que o voto, mais do que um direito, é
um a obrigação e, p o r entender que o Tribunal Superior Eleitoral estava
tornando facultativo o voto das pessoas com deficiência grave, o que
levaria a considerá-las cidadãs de segunda categoria, a Associação dos
Policiais Militares Deficientes Físicos do Estado de São Paulo im petrou
154
D e aco rd o c o m o art. 7". caput, d o C ó d ig o Eleitoral, “o eleitor q u e d eix ar d c v o ta r c n ã o se justificar
p e ra n te a luiz Eleitoral até trin ta d ia s a p ó s a realização d a eleição in c o rre rá n a m u lta d e três a d e z p o r
c e n to s o b re o salá rio noínim o
P o r sua vez, o caput d o art. 8". d o referido C ó d ig o e statu i q u e “o
brasileiro n a to q u e n ã o se alistar até os d e ze n o v e an o s o u o n a tu ra liz a d o q u e n ã o se alistar até u m a n o
d e p o is d e a d q u irid a a n a c io n alid ad e b rasileira in c o rre rá n a m u lta d e três a de z p o r cen to so b re o valor
d o salário m ín im o
li O
M andado de Segurança C oletivo'” perante aquela Corte, a fim de afas­
ta r 0 assim entendido cerceam ento do direito de votar das pessoas com
deficiência. Na linha desse entendim ento, em seu parecer, o M inistério
Público opinou no sentido de que a perspectiva em que é colocada a
questão deve ser reconsiderada pois, em bora a norm a pareça um a libe­
ralidade, pode estar exim indo a obrigação do Poder Público de cum prir
o seu papel, no que concerne à acessibilidade dos locais de votação.
Em seu voto, o Relator, M inistro H um berto Gomes de Barros, denegou a segurança, observando que tal norm a “não im pede o exercício
da obrigação, apenas faculta ao requerente a possibilidade de requerer,
m otivadam ente, que não seja compelido à sua prática” e, a título de
esclarecimento, acrescentou “que o Estado deve propiciar ao máxim o o
exercício do voto, mas há situações que estão além do limite”. Na colo­
cação feita pelo M inistro G ilm ar Mendes:
Im aginar que a questão d a acessibilidade pudesse ser
resolvida com um ‘A bre-te, Sésamo’ é acreditar tam bém
n a ‘V elhinha de Taubate. Há grandes dificuldades
neste processo. A Justiça Eleitoral está aberta a isso,
m as são questões que aparentem ente só guardam
conexão espiritual. A resolução trata daquele que de
fato está praticam ente im possibilitado e tinha u m ônus
desm esurado ou para ir votar, ou im p u n h a à família esse
ônus.
O M inistro M arco Aurélio, po r sua vez, ao tem po em que p o n ­
derou que a norm a em com ento apenas cogita o reconhecim ento da
justa causa ao não com parecim ento para votar, sustentou a possibilida­
de de se repensar a redação da referida norm a, até para inserir algo que
estimule a adaptação dos locais de votação
Dessa forma, com base nos argum entos expostos, o Tribunal Supe­
rior Eleitoral, à unanimidade, denegou a segurança pleiteada pela Asso­
ciação dos Policiais Militares Deficientes Físicos do Estado de São Paulo.
155 O in teiro te o r d o a c ó rd ã o p ro ferid o pelo T ribunal S u p e rio r Eleitoral p o d e ser o b tid o n o e n d ereç o ele­
trônico-. \ \ ww.ise.gov.br. A e m e n ta d o re fe rid o ju lg a d o é a seguinte: “M A N D A D O DH S E G U R A N Ç A
C 0 1 , E T I \ '0 PR EV E N TIV O - A to d o TSE. P o r ta d o r de deficiência física. D ire ito de votar. C e r c e a m e n ­
to. N à o -o c o rré n c ia. S eg u ran ça deneg ad a. A Resoiução-TSE n “ 2 1 .920/2004 n ã o im p e d e o p o r ta d o r de
deficiência d e e xercer o d ireito d e votar, antes, faculta-lhe o de requerer, m o tiv a d a m e n te , a d isp en sa
d a obrigação, da d as as p e cu liarid a d es d e sua situação" (TSE. M S C O I, - M a n d a d o d e S eg u ran ça C o ­
letivo n° 3,203, (Hasse 35 ', São Paulo, SP, Re!- M in. H u m b e rto G o m e s de B arros, j. 3/11/2005, v.u,, DJ
9 /12/2005, p. 142),
156 N ã o h á no tícia, até os d ia s atuais, d e q u e a re d a ç ã o d a R eso lu ção 21,920 te n h a s id o a lte ra d a n e ste s e n ­
tido.
111
N a linha desse entendim ento, ainda, a R esolução TSE
21.991/2005^-'^', que dispõe sobre o cancelamento de inscrições e a re­
gularização da situação dos eleitores que deixaram de votar nas três
últimas eleições consecutivas, estabelece, em seu art. 1°, § 2°, que “não
estarão sujeitas ao cancelamento as inscrições atribuídas a pessoas p o r­
tadoras de deficiência que torne impossível ou extrem am ente oneroso
0 cum prim ento das obrigações eleitorais
Convém mencionar, tam bém nessa esteira, a decisão m onocrática proferida pelo M inistro Francisco César Asfor Rocha, em 4/4/2006,
a qual, endossando o posicionam ento firm ado pelo Tribunal Superior
Eleitoral, concluiu que:
{...] para o alistam ento eleitora] do cidadão p o rtad o r
de deficiência, privado dos m em bro s superiores, o
cartório eleitoral deverá providenciar, nos espaços
próprios d o form ulário RAE, d o título eleitoral e do
seu protocolo de entrega, a consignação da expressão
“im possibilitado de assinar”, devendo o m esário exigirlhe, no m o m en to do com parecim ento para o exercício
do voto, a apresentação de d o cu m en to oficial com foto
que com prove sua identidade, sen do facultado ao eleitor
fazer-se acom p an har de pessoa de sua confiança, nos
term os das instruções p ertinentes desta C orte Superior.
O presidente d a m esa providenciará, ainda, o registro
da expressão “im possibilitado de assinar” no local
apropriado da folha de votação e da ocorrência n a ata
da eleição. C om un iqu e-se às corregedorias regionais
eleitorais.
3.2 A QUESTÃO D O S INTÉRPRETES DE LIBRAS E D O S DEBATES
TELEVISIVOS
Destacam-se, ademais, as norm as que dispõem sobre os intérpre­
tes da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), nas propagandas eleitorais
televisivas. A Resolução TSE 14.550/1994’^^, decorrente de Represen­
tação oferecida pelo M inistério Público Eleitoral de Sào Paulo'^'^, auto-
157 A R esolução TSE 21.991, d e 15/2/2005. foi p u b lic a d a n o D iá rio d a Justiça d e 2 5 /2 /2 0 0 5 , p. 103.
158 TSE, Processo A d m in istra tiv o 19538, Belcm-PA, Rcl. M in . Francisco C ésa r Asfor R ocha, d ecisão m o n o c rá tic a,). 4/4/2006, D l 10/4/2006, p. 8 6 .
159 A R esolução TSE 14.550. d e 01/9/1 9 94 , foi p u b lic a d a n o D iá rio d a justiça d e 11/10/1994, p. 279.
160 O ofe re c im e n to d a referida R ep rese n ta çã o p e lo M in istério P ú blico Eleitoral d e c o r re u d e solicitação
feita pela c o m u n id a d e d e deficientes auditivos.
112
rizou os partidos políticos a utilizarem intérpretes de sinais, no horário
da propaganda eleitoral gratuita veiculada pela televisão, com a ressalva
de que a função do intérprete, necessariamente técnico especializado,
deve ser discreta, vedado o seu exercício p or outro candidato ou pessoa
famosa, que p o r si só, implique prom oção do partido ou candidaturas.
Em março/2006, a R esolução TSE 22.158'^\ dispôs sobre a p ro ­
paganda eleitoral e as condutas vedadas aos agentes públicos em cam ­
p an h a eleitoral nas eleições de 2006 e, no seu art. 60, previu que: “A
propaganda eleitoral gratuita na televisão deverá utilizar Linguagem
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e os recursos de legenda”. Todavia, a Re­
solução TSE 22.261/2006^ , revogou a m encionada Resolução 22.158
e dispôs, em seu art. 58 que: “A propaganda eleitoral gratuita na tele­
visão deverá utilizar a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) ou os
recursos de legenda” Desde então, as Resoluções do Tribunal Superior
Eleitoral que lhe sucederam - R esolução TSE 22,718/2008 (art. 25, § P
- eleições2008) e R e s o lu ç ã o 23.191/2009 (art. 33, § 1 * - eleições2010)
- repetem o m esm o teor, ao regulam entar as eleições de que cuidam.
De acordo com tal normativa, portanto, na propaganda eleito­
ral gratuita veiculada pela televisão, não é mais obrigatória a utilização
concom itante da Língua Brasileira de Sinais e da legenda, pois perm itese a opção entre um ou outro recurso. Essa possibilidade de alternância,
contudo, não abrange a plenitude das pessoas com deficiência.
Isto porque, há surdos (em regra, de nascença, não oralizados)
que não podem ser destinatários do recurso da legenda oculta, já que,
p o r não conhecerem a Língua Portuguesa, não conseguem com preen­
der textos escritos e, assim, necessitam da janela de LIBRAS para com ­
preenderem 0 conteúdo da propaganda.
A determ inação para que o uso da janela de LIBRAS e da le­
genda seja alternativo, e não concom itante, dem onstra o absoluto des­
conhecim ento das peculiaridades inerentes às pessoas com deficiência
auditiva, afastando parcela desse grupo do acesso à propaganda eleito­
ral. Aliás, a sigla LIBRAS significa Língua e não Linguagem Brasileira
de Sinais.
16] A R esolução TSE 22.158, d e 2/3/2ÜÜ6, foi p u b lic a d a n o D iário d a Justiça d e 14/3/2006. p. 106.
162 A R esolução TSE 22.261, d e 29/6/2 0 0 6 , q u e revo g o u a R esolução 22.158, foi p u b lic a d a n o D iário da
]ustiça d e 17/7/2006, p. 124.
113
Pode-se apontar, como justificativa para essa norm ativa atual
do Tribunal Superior Eleitoral, “questões com o a dificuldade e o custo
na obtenção de intérpretes, a interferência da interpretação no campo
visual da propaganda etc. Razões com o essas, contudo, se invocadas
fossem, ainda assim não nos pareceriam válidas para dim inuir a pos­
sibilidade de que os surdos tivessem plena participação no processo
eleitoral.”^^^
Mesmo nas hipóteses em que a Justiça Eleitoral faz uso de ambos
os recursos, ainda assim, há que se atentar para a qualidade da legenda
e da janela para intérprete de LIBRAS, isto porque, têm chegado ao
conhecim ento do M inistério Público Eleitoral reclamações como: (i)
legendas com letras pequenas, de cor fraca e que não contrastam com
o fundo, dificultam a leitura; (ii) legendas que \o r r e m ” m uito rapida­
m ente no vídeo, tam bém dificultam a leitura; (iii) janela para intérprete
de LIBRAS m uito pequena, com pouca nitidez e sobreposta à imagem
da propaganda, dificulta sua visualização e compreensão.
A inclusão eleitoral das pessoas com deficiência auditiva reclama,
ainda, o uso dos recursos de legenda e janela de LIBRAS tam bém nos
debates televisivos entre os candidatos aos cargos majoritários. Nesse
sentido, a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo vem atuando
desde 2006, p o r meio da expedição de recom endações às emissoras de
televisão do Estado, a fim de que ‘a transmissão pela televisão de debates
entre candidatos dos mais diversos níveis, seja acompanhada de legendagem, ainda que no sistema do closed caption e de tradução simultânea
para a Língua Brasileira de Sinais’\ Em 2006 não obteve êxito; em 2008,
o êxito foi parcial, pois as emissoras com prom eteram -se a fazer uso da
legenda.
Nesse ponto, é im portante ressaltar que a inclusão eleitoral das
pessoas com deficiência, que vem acontecendo, tem com o grande alia­
do o M inistério Público Eleitoral. No Estado de São Paulo, p o r exem ­
plo, o marco dessa atuação foi a audiência pública de julho/2006, que
convidou a com unidade em geral e as pessoas com deficiência a indi­
car os problemas, dificuldades, necessidades e sugestões. O utra atua­
ção im portante foi a Representação apresentada ao Tribunal Regional
163
D A M IA , Fábia Lim a d e Brito; G O N ÇA L V E S. Luiz C arlos d o s Santos. A inclusão eleitoral da$ pessoas
com deficiência. D isponível em: < iittp://w/ww.prcsp.mpf.gciv.br>. D o u trin a , A cesso e m 02-07-2008.
114
Eleitoral de São Paulo (TRE/SP), em fevereiro/2009, com pedido para
que a acessibilidade das pessoas com deficiência e com dificuldades de
locomoção fosse m apeado e tom adas as providências cabíveis.
Um dos argum entos utilizados foi o de que as eleições acontecem
a cada dois anos e, portanto, nada justifica a não tom ada das medidas
necessárias.
A boa notícia é que tal atuação, que tam bém contou com o em ­
penho do Tribunal, já para as eleições 2010, trouxe dados de relevo. O
objetivo é o de que haja pelo m enos um a seção especial, com acessibi­
lidade universal, em cada local de votação. De acordo com dados do
TRE/SP, em m arço de 2009, na Capital, havia 473 seções especiais; em
fevereiro/2010, esse núm ero passou para 1.674 seções especiais, o que
representa u m aum ento de 254%. No interior, das 1.905 seções espe­
ciais que existiam em março/2009, num aum ento de 185%, alcançou-se
o núm ero de 5.749 seções especiais instaladas. Em breve, com a tarefa
da acessibilidade cum prida (os prazos do decreto regulam entar já estão
esgotados, em sua m aioria), não haverá mais seções especiais, m as ape­
nas seções (todas acessíveis, é claro). Para tanto, o M inistério Público
deve ficar atento para exigir o cum prim ento da regra d a acessibilidade
em TODOS os imóveis públicos e, certamente, naqueles destinados ao
processo eleitoral.
A perspectiva é otimista; o cam inho é longo...
4. CONCLUSÕES
A inclusão eleitoral das pessoas com deficiência, a par do aces­
so efetivo ao processo eleitoral, reclama tam bém p o r legitimidade na
feitura das norm as que a regulamenta. Dadas as peculiaridades que as
qualificam, é im portante que as pessoas com deficiência participem,
prévia e dem ocraticam ente, da elaboração das norm as que buscam tu ­
telar seus direitos.
Destarte, e n a esteira do lem a “N ada sobre nós, sem nós"'^\ as
pessoas com deficiência devem ser consultadas acerca de suas necessi­
dades, para que o acesso aos seus direitos seja efetivo. Isto porque, sem
164
O lem a “N a d a so b re nó s, sem n ó s ”, foi a d o ta d o p a ra o d ia 3 d e d e z e m b ro d e 2004, institu íd o pela O N U
- O rg a n iz aç ã o das N a çõ e s U n id a s (O N U ), o D ia In te rn a c io n a l das Pessoas c o m Deficiência.
115
conhecer as suas reais dificuldades e interesses, com que legitimidade
serão fixadas norm as que as regularão, a pretexto de protegê-las? Para
que essa “ilegitimidade” não ocorra, a participação das pessoas com d e­
ficiência no processo de inclusão social é fundam ental, o que implica
conferir-lhes o papel de agentes no desenvolvimento dos sistemas de
apoio e serviços de que necessitam, bem com o o reconhecim ento do
direito de exercerem pressão em prol dos seus próprios interesses'^\
Em consonância com esse entendim ento, M aria de Lourdes Canziani assinala que;
O novo parad ig m a [com que se pensa a deficiência
nos dias de hoje] d á ênfase aos apoios, aos am bientes
naturais e considera o nível de funcionam ento d a pessoa
em seu am biente - tendo em conta sua opinião, escolhas,
decisões, participação, e conseguindo, assim, reduzir os
indicadores das desigualdades sociais.
[...] a nova form a de pensar a deficiência afasta-a d a ótica
d a patologia, d a etiologia, intro du zind o a dim ensão da
abordagem de que a incapacidade causada por uma
deficiência é agravada ou m inimizada conforme
sua relação com a sociedade. Esta, p o r sua vez, deve
oferecer os apoios facilitadores para que o indivíduo
com deficiência possa ter as m esm as o p ortu nidades que
qualquer o u tra pessoa, para satisfazer suas necessidades
gerais e específicas'*’^.
Uma sugestão de m edida inclusiva seria a realização de audiência
pública pelo Tribunal Superior Eleitoral, com a participação de pes­
soas e entidades representantes de cada tipo de deficiência, antes da
expedição de Resoluções que se destinem ao am paro de seus direitos,
a exemplo do que estabelece o art. 105 da Lei 9.504/97, segundo o qual
até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal, antes da expedição
das instruções necessárias à realização do pleito, ouvirá os delegados
dos partidos políticos participantes. O utro exemplo nesse sentido é o
da audiência pública prom ovida pelo Tribunal Superior Eleitoral, desti­
nada a discutir diretrizes para os Tribunais Regionais Eleitorais assegu­
rarem o exercício do direito de voto pelos presos provisórios e adoles­
centes em m edida sócio-educativa de internação, apresentando m inuta
165 C A N Z IA N I, M aria d e Lourdes. D ireitos h u m a n o s e os no v os p a ra d ig m a s das p esso as c o m deficiência.
Defesa dos direitos das pessoas p ortadoras de deficiência. Luiz A lb e rto D av id A ra u jo (C oo rd.). São P a u ­
lo; Revista d o s Tribunais, 2006, pp. 258-259.
166 Ibidem , pp. 259-260, grifo nosso.
116
da Resolução, que veio a ser posteriorm ente expedida (Resolução TSE
23.219/2010).
C am panhas informativas são providências igualmente essenciais
que, necessariamente devem ser tomadas, ou reforçadas, para a ampla
divulgação desses direitos, pois não são poucos os casos de reclamações
que chegam ao M inistério Público, decorrentes da falta de informação.
Vale destacar, ainda, que as medidas em prol da acessibilidade
para as pessoas com deficiência, no que concerne ao processo eleito­
ral, não deveriam ser tom adas apenas às vésperas das eleições, pois a
proxim idade do pleito e as m edidas necessárias para o seu bom an ­
dam ento são, muitas vezes, impeditivas de soluções eficazes. Ademais,
considerando-se que as eleições acontecem a cada dois anos, medidas
de inclusão eleitoral não deveriam ser tom adas de form a tão episódica
e casuística. H á que se assumir, portanto, o com prom isso de viabilizar o
acesso das pessoas com deficiência, não apenas ao dia da votação, mas
ao processo eleitoral como um todo.
Seja como for, “nenhum a situação que afete, em m aior ou m e­
n o r grau, quase 15% da população brasileira pode ser desconsiderada,
m uito m enos quando do exercício de função basilar do Estado D em o­
crático de Direito, que é a de plena participação eleitoral, em todas as
suas posições. A igualdade construída pela sociedade é condição para o
respeito à dignidade da pessoa hum ana. Nisso consiste o 'ser cidadão
sob pena de se configurar m odalidade indesejável de cidadania restrita,
a qual acarretará lam entoso retrocesso na História”^^^
Na projeção para o futuro, im portante citar o caráter vinculativo
para o Estado Brasileiro, do artigo 29 da Convenção sobre o Direito das
Pessoas com Deficiência, aprovada com estatura equivalente à em enda
constitucional (Decreto Legislativo n. 186 de 09 de julho de 2008):
“A rtig o 29
Participação na vida política e pública
Os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos polí­
ticos e oportunidade de exercê-los em condições de igualdade com as
demais pessoas, e deverão:
167
D A M IA, Fábia Lim a d e Brito; G O N ÇA L V E S, Luiz C arlo s d o s Santos. A inclusão eleitoral das pessoas
com deficiência. D isponível em; < h t t p ; / / w w w . p r e s p . m p f . g o v . b r > , D o u trin a , A cesso e m 02-07-
200&
117
a) Assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e
plenam ente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas, diretam ente ou p o r meio de representantes li­
vrem ente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem
e serem votadas, mediante, entre outros:
I) G arantia de que os procedim entos, instalações e materiais e equipa­
m entos para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil com pre­
ensão e uso;
II) Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em
eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a candidatar-se nas eleições,
efetivamente ocupar cargos eletivos e desem penhar quaisquer funções
públicas em todos os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, quando apropriado;
III) G arantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiên­
cia como eleitores e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido,
perm issão para que elas sejam auxiliadas na votação p o r um a pessoa de
sua escolha;
b)Prom over ativamente um am biente em que as pessoas com deficiên­
cia possam participar efetiva e plenam ente na condução das questões
públicas, sem discrim inação e em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas, e encorajar sua participação nas questões públicas, m e­
diante:
I) Participação em organizações não-governam entais relacionadas com
a vida pública e política do país, bem com o em atividades e adm inistra­
ção de partidos políticos;
II) Formação de organizações para representar pessoas com deficiência
em níveis internacional, regional, nacional e local, bem com o a filiação
de pessoas com deficiência a tais organizações”
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120
BREVES ANOTAÇÕES SOBRE O EXCESSO DE DOAÇÕES DE
RECURSOS PARA CAMPANHAS ELEITORAIS
1'Vriiaiido N e \ e s cia S ilv a '"'
Ponto nevrálgico das cam panhas eleitorais, seu financiamento
sempre foi -- e certam ente sempre será -- objeto de debates; seja para
definir novas formas, seja para aperfeiçoar os mecanism os de controle
dos recursos para ela arrecadados e nela utilizados.
Comissão instituída no final do ano de 2004, pelo então Presi­
dente do Tribunal Superior Eleitoral, o notável M inistro Carlos Mário
Velloso, se deteve sobre o assunto e apresentou diversas sugestões.
Uma das idéias então debatidas foi adotada pela Secretaria de Re­
ceita Federal, que introduziu nos formulários de inform ações àquele
órgão, um cam po específico para os contribuintes indicarem valores
doados a partidos políticos e a seus candidatos. Buscou-se, com isso,
fornecer meios à própria Receita para aferir se os limites estabelecidos
nos artigos 23, § 1"^, e 81, § 1“, da Lei 9.504, de 1997, estavam efetiva­
m ente sendo respeitados.
Em paralelo, o Tribunal Superior Eleitoral firm ou com a Secre­
taria da Receita Federal um convênio para o controle desses mesmos
limites. Em razão do acordado, após consolidar todas as doações decla­
radas à Justiça Eleitoral, os totais, p o r contribuinte, são com unicados à
Receita, que, em seguida, efetua as conferências devidas, relacionando
quais os doadores que possam ter extrapolado os limites legais, o que é
feito com base nas inform ações relativas aos exercícios fiscais anterio­
res ao do ano da eleição.
Recebendo a relação dos contribuintes que, nas eleições de 2006,
teriam doado acima dos limites previstos, deu-se que o M inistério P ú­
blico Eleitoral, ao invés de requerer judicialm ente acesso aos núm eros
pertinentes aos rendim entos brutos das pessoas físicas que destinaram
recursos para cam panhas eleitorais ou, no caso de pessoas jurídicas, ao
168
A dvogado, P resid en te d o In stitu to B rasileiro d e D ire ito Eleitoral, M in istro d o T rib u n a l S u p e rio r Elei­
to ral de 1997 a 2004.
121
faturam ento bruto das mesmas, optou po r requisitar tais informações
diretam ente à Receita Federal e, com base nelas, iniciar procedim entos
contra os referidos doadores, buscando im por-lhes elevadas multas e,
em alguns casos, a proibição de participar de licitações públicas e de
celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos,
sanção de questionável constitucionalidade, na m edida em que parece
não ser razoável, nem respeitar o princípio da proporcionalidade.
Evidentemente tais pessoas, logo que citadas, argüiram a ilicitude
da prova, na m edida em que o M inistério Público Eleitoral utilizou-se
de informações protegidas pelo sigilo fiscal sem a necessária autoriza­
ção judicial.
Após inúm eros julgados de Tribunais Regionais reconhecendo a
ilicitude do procedim ento do M inistério Público, a questão chegou ao
Tribunal Superior Eleitoral, merecendo, de imediato, decisões m onocráticas (entre outras, cabe destacar a do em inente M inistro Ricardo
Lewandowski, atual Presidente da Corte, n o Recurso Especial Eleitoral
n^ 28.362, publicada no Diário da Justiça eletrônico em 5.8.2009), rea­
firm ando a inviabilidade de o parquet Eleitoral obter, direta e indepen­
dentem ente de autorização judicial, inform ações protegidas pelo sigilo
fiscal e, com base nelas, iniciar ações buscando a imposição de elevadas
e graves sanções.
Depois de intensos debates, o Tribunal, ao julgar o Recurso Espe­
cial Eleitoral n° 28.756, de Goiás, reconheceu que o M inistério Público
Eleitoral não pode requisitar diretam ente à Secretaria da Receita Fede­
ral inform ação sobre o valor do faturam ento de empresa para dem ons­
trar que ela não respeitou o limite previsto na Lei das Eleições.
Conform e im ediatam ente divulgado pela assessoria de im prensa
do TSE, para a douta maioria form ada p o r ocasião do julgam ento e na
linha da proposta apresentada pela em inente M inistra C árm en Lúcia,
o M inistério Público Eleitoral pode apenas indagar à Receita Federal
se determ inada pessoa física ou empresa, em razão das doações que
fez, ultrapassou o limite fixado na legislação eleitoral, E, se a resposta
for positiva, deve pedir autorização judicial para obter junto à mesm a
Receita, informações sobre rendim entos ou faturam ento bruto.
Entretanto, considerando o convênio firmado entre o Tribunal
Superior Eleitoral, essa etapa preparatória pode ser desnecessária, na
122
m edida em que tal informação, ou seja, a de que determ inado contri­
buinte não respeitou o limite estabelecido pela legislação em vigor, é
fornecida autom aticam ente pela Secretaria da Receita Federal ao Tri­
bunal Superior Eleitoral, que a com partilha com o M inistério Público
especializado.
De qualquer forma, o que vale destacar é que se o M inistério P ú ­
blico resolver tom ar a iniciativa de pleitear, em juízo, a imposição de
sanções por excesso de doação, deve ter o cuidado de p edir autorização
judicial para afastar o sigilo que protege as inform ações encam inhadas
à Receita Federal pelos contribuintes.
Com o m uito bem registrado na decisão m onocrática referida li­
nhas acima “em bora o sigilo fiscal e bancário não sejam direito abso­
luto, exige-se, m esm o em defesa do interesse público, a requisição ao
juízo com petente”.
Essa garantia assume m aior vulto e im portância quando diz res­
peito a doador pessoa física, que não pode ter sua intim idade invadida
e violada pelo simples fato de haver resolvido contribuir para o finan­
ciamento de um a cam panha eleitoral.
Com o devido respeito a quem pensa diferente, entendo não ser
correta a afirmação de que quem resolve doar para u m candidato adm i­
te, tam bém , abrir mão de seu sigilo.
A m eu ver são coisas diferentes, que m erecem tratam entos dife­
rentes. Participar, com o financiador, de cam panhas eleitorais, é direito
de todo 0 cidadão e tam bém das empresas, observadas as condições e
os limites legais. O utra coisa é a garantia à m anutenção do sigilo de d a­
dos fiscais protegidos, que, ainda que relativa, só pode ser afastada por
autorização judicial.
Além disso, a prevalência de tal posição poderia acabar p o r de­
sestim ular doações para as cam panhas eleitorais, atitude que, desde que
adotada de acordo com a lei e com com pleta transparência, contribui
sobrem aneira para o aperfeiçoam ento do processo dem ocrático e para
a divisão das responsabilidades, pela desconcentração da origem dos
recursos.
Consequentem ente, por mais nobres que possam ser as intenções
dos ilustres m em bros do M inistério Público, eles não têm o direito
de requisitar diretam ente à A dm inistração Pública inform ações prote-
123
gidas, cujo conhecim ento p o r terceiros é condicionado à obtenção de
autorização judicial. Ter Poder, não é tudo poder.
Constatada a ilicitude da prova que deu início ao procedim en­
to judicial intentado pelo parquet, aquele se encontra ferido de morte,
pouco im portando que o acusado tenha, no exercício de seu sagrado
direito de defesa, trazido aos autos inform ações sobre seus rendim entos
ou faturamento.
Isso porque há de se aplicar, sem dúvida, a teoria dos frutos da
árvore envenenada, segundo a qual a ilicitude da prova original conta­
m ina as demais, produzidas em seqüência e p o r conseqüência daquela
primeira.
Desse modo, irrelevante que algum acusado, em sua defesa, tenha
aceitado ou reconhecido os núm eros indicados pelo M inistério Públi­
co, pois é direito seu apresentar a defesa mais am pla possível, exploran­
do todas as vertentes admissíveis.
Sobre a aferição dos limites de doações de pessoas jurídicas, in ­
teressante abordagem do tem a foi realizada pelo Eg. Tribunal Regional
Eleitoral do Amazonas, p o r ocasião do julgam ento da Representação
57 de 2009 (Acórdão 137/2010). Para o Juiz Federal Márcio Luiz C oe­
lho de Souza, cujo voto prevaleceu, faturam ento bruto não se confunde
com receita bruta, que é o resultado com um ente solicitado e fornecido
pela Receita.
Assim, o ilustre M agistrado teve p or insuficiente, naquele caso, as
informações relativas aos rendim entos da representada, tendo em vista
a posição firm ada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julga­
m ento dos recursos extraordinários 357.950/RS, 358.273/RS, 390.840/
M G e 346.084/PR, no sentido da inconstitucionalidade da ampliação
d a base de cálculo das contribuições destinadas ao PIS e à COFINS,
um a vez que faturam ento é receita que decorre apenas da venda de
m ercadorias e serviços, não incluídas as receitas de natureza diversa.
Portanto, caso venha a prevalecer a distinção proposta, não será
suficiente apenas apontar o resultado final dos balanços, mas se terá
que adentrar no exame dos núm eros e das rubricas, a fim de apurar,
com exatidão, o resultado das vendas e dos serviços, ou de ambos, de
m odo a identificar o faturamento.
Entretanto, sem deixar de reconhecer a excelência da distinção
124
sob a ótica do direito tributário, considero que para fins de aferição de
limites de doações p o r pessoa jurídica, toda e qualquer receita deve ser
considerada, pois sem dúvida essa é a interpretação que m elhor atende
a finalidade da lei eleitoral.
O utra im portante decisão do Eg. Tribunal Superior Eleitoral re­
lacionada com a questão da apuração e punição de excesso de doações
para cam panha eleitoral foi tom ada p or ocasião do julgam ento do Re­
curso Especial Eleitoral n° 36.552, de São Paulo, quando foi definido o
prazo para ajuizamento da representação do M inistério Público.
Ante a constatação de que a legislação de regência não estipulava
prazo certo para tal ação, a Corte, a exemplo d o que definiu tam bém em
relação a situações assemelhadas e realçando a necessidade de se dar
eficácia aos princípios da segurança jurídica e da razoabilidade, acatou
a proposta do em inente e atento M inistro Marcelo Ribeiro e decidiu
privilegiar, p or analogia, o term o final para os candidatos e os partidos
conservarem a docum entação concernente a suas contas: cento e oi­
tenta dias após a diplomação*^^.
Com isso, deu-se tratam ento isonômico para doador e benefici­
ário, pois desde que o beneficiário da doação só está obrigado a con­
servar a docum entação pertinente a suas contas de cam panha até cento
e oitenta dias após a diplomação, o m esm o prazo foi considerado para
eventual questionam ento da doação, inclusive quando se suspeita ou se
alega que ela possa ter sido feita em quantia superior ao limite estabele­
cido pela Lei das Eleições.
E não se im agine que a fixação desse prazo pode prejudicar o
controle da observância dos limites das doações, nem im pedir a co­
brança de m ultas ou imposição de sanções, se justas e pertinentes.
Observe-se, de início, que o prazo de cento e oitenta dias a par­
tir da diplomação (que é o ato que encerra o cham ado m icro período
eleitoral), na verdade é bastante dilatado quando se tem em conta que
a questão diz respeito a procedim ento pertinente ao Direito Eleitoral,
seara em que os prazos norm alm ente são fixados em três dias e a ação
rescisória tem que ser ajuizada no prazo máxim o de cento e vinte dias.
Além disso, é de se ter presente que a Justiça Eleitoral recebe,
antes da diplomação, todas as inform ações dos candidatos acerca das
169
A rtig o 32 da Lei 9.504, d e 1997
125
doações por eles recebidas e tem plenas condições de automaticam ente
agrupar as doações pelo núm ero do CPF e ou do CNPJ do doador.
Obtidos esses totais, eles ficam disponíveis para os interessados,
inclusive para o M inistério Público Eleitoral, que poderá, então, aguar­
dar a conferência a ser feita pela Receita Federal em razão do convênio
já mencionado, pedir informações sobre eventual extrapolação do lim i­
te legal à própria Receita, ou, desde logo, requerer, ao Poder Judiciário,
autorização para ter acesso aos dados protegidos, pertinentes a rendi­
m entos ou faturam ento no ano anterior ao da eleição.
A informatização dos sistemas utilizados pela Justiça Eleitoral
bem como dos sistemas utilizados pela Receita Federal perm ite, sem
dificuldade, que todas essas etapas sejam vencidas em curto espaço de
tempo.
Portanto, plenam ente satisfatório o prazo estabelecido, que assu­
m e relevante significado ante a necessidade de se concluir o processo
eleitoral e assegurar que os m andatos obtidos sejam exercidos de forma
definitiva e segura, o que só ocorre quando restam firm emente consoli­
dadas as relações jurídicas que envolvem os diversos atores, principais
ou secundários, do evento eleitoral.
A segurança jurídica, assim com o a total transparência das cir­
cunstâncias e etapas percorridas para a obtenção do m andato popular,
constitui elemento fundam ental de qualquer Nação que pretenda ser
respeitada com o legítima, desenvolvida e democrática.
126
A ORIGEM DO SISTEMA ELEITORAL PROPORCIONAL NO
BRASIL
G i l b e r t o B e r c o v ic i'’"
INTRODUÇÃO
Os sistemas de representação proporcional são reconhecidos
como os mais representativos, reproduzindo m elhor a vontade do elei­
torado ao perm itir a representação das m inorias’^'. Apesar disso, a su­
perioridade dos sistemas m ajoritários é apregoada no tocante à estabili­
dade política. De acordo com várias análises, os sistemas proporcionais
conduzem ao m ultipartidarism o, o m ultipartidarism o à fracionalização
eleitoral e partidária e estas à instabilidade p olítica''^ Os sistemas p ro­
porcionais são “fórmulas de traduzir votos em cadeiras parlam entares
de m odo tal que, ultrapassado certo limite m ínim o de peso eleitoral,
todas as nuances de preferência do eleitorado se convertam em poder
parlam entar na proporção aproxim ada de suas respectivas densida­
des eleitorais, Intuitivamente, supõe-se que quanto m aior o eleitorado,
m aior a dispersão das preferências e quanto m enos exigentes os requi­
sitos legais para a constituição jurídica de partidos, m aior a tendência a
que a dispersão das preferências se traduza em rótulos partidários”
Um sistema proporcional perfeito é aquele em que os partidos obtêm
um percentual em cadeiras igual ao percentual de votos. Na prática, é
impossível um sistema proporcional perfeito. Os sistemas de represen­
tação existentes têm se afastado, em m aior ou m enor grau, desse ide-
170 Professor A ssociado d a F a cu ld ad e de D ireito d a U n ive rsid ad e de São Paulo. D o u to r em D ireito do
listad o e l.iv re-D o cen te e m D ireito H conôm ico pela USP.
171 CA CiG lA N O , M o n ica H e r m a n n Salem, Sistemas Eleitorais X Representação. Brasília, C e n tro G rafico
d o S enad o Federal, 1987, pp. 200-202.
172 SA N TO S, W an d e rley G u ilh e rm e dos, C m t ’ e Castigo - Partidos e Generais na Política Brasileira, São
Pau lo /R io d e Janeiro, Vértice/Ed. R171UFHRI, 1987, p. 55. Para u m a análise a p ro fu n d a d a sobre o te m a,
vide RAE, D ouglas W., l h e Political C.oiisequences o f Electoral Laws, N ew H a v e n /l.o n d o n , Yale U n iv e r­
sity Press, 1971, pp. 148-176.
173 SA N TO S, W an d e rley G u ilh e rm e d os, O i s e t’ Castigo cit., p. 62.
127
al, gerando as desproporcionaiidades^^**. A representação proporcional
possui o grave problema de muitas vezes gerar a distorção do próprio
princípio representativo. A representação proporcional, na realidade, é
proporcional até certo ponto; daí em diante é um a distribuição políti-
ca'^\
No Brasil, a tradição política no tocante à representação gira em
torno de três idéias fundam entais. A prim eira é a do m andato livre e
independente, isto é, de que os representantes, ao serem eleitos, não
têm nenhum a obrigação, necessariamente, para com as reivindicações
e os interesses de seus eleitores. O representante deve exercer seu papel
com base no exercício autônom o de sua atividade, na m edida em que
é ele quem possui a capacidade de discernim ento para deliberar sobre
os verdadeiros interesses dos seus constituintes. A segunda idéia é a
de que os representantes devem exprim ir interesses gerais, e não inte­
resses locais ou regionais. Os interesses nacionais seriam os únicos e
legítimos a serem representados. Em terceiro, o princípio de que o sis­
tem a dem ocrático representativo deve se basear no governo da maioria.
Praticam ente todas as leis eleitorais que vigoraram no Brasil buscaram
a formação de maiorias compactas que pudessem governar. Por causa
dessas duas grandes idéias, abandonou-se no Brasil a tradição do sis­
tem a majoritário (que vinha desde o Império) para a instituição, em
1932, do sistema proporcional'"^.
ASSIS BRASIL E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932
C um prindo um a das promessas da Revolução de 1930, o Gover­
no Provisório de Getúlio Vargas prom ulgou o Código Eleitoral (Decre­
to
21.076, de 24 de fevereiro de 1932, alterado pela Lei n*^ 48, de 4
de m aio de 1 9 3 5 ) Garantia-se o voto secreto, além de se introduzir
o voto fem inino e o dos maiores de 18 anos. O alistam ento eleitoral em
174 N IC O LA U , Jairo C é s a r M arciini. “O Sistem a Eleitoral Brasileiro: A Q u e s tã o d a P n ip n rc io n a lid a d e da
R ep resen tação Política e seus D e te rm in a n te s ” in LIM A Jr., O lavo Brasil d e (org.), Siííem ü Eleitoral
Brasileiro: Teoria e Prática, Rio d e laneiro. R ia F u n d o /IU P E R J, 1991. p. 99.
175 FR A N C O , A fo n so A rin o s d e Níeki (org.), M odelos Alternativos de Representação Política no Brasil (Se­
m in á rio realizado n a U nB e m s e te m b ro d e 1980), Brasília, EdU nB, 1981, pp. 18-19.
176 F R A N C O , A fonso A rin o s d e M elo (org.). M odelos A lternativos de Representação Política no Brasil cit.,
pp. 85-86 e K IN Z O , M aria D'Alva Gil, Representação Política e Sistem a Eleitoral no B rasii São Paulo,
Sím bolo, 1980, pp. 112-117.
177 Pa ra a c rítica d o C ó d ig o Eleitoral d e 1932 pela p e rsp ec tiva d o te n e n tism o , vide SA N TA ROSA, Virgínio, O Sentido do Tenentismo. 3" ed, São Paulo, A lfa-O m ega, 1976 (e d ição o rigin al d e 1932), pp. 83-90.
128
todas as instâncias, a apuração dos votos, o reconhecim ento e a procla­
mação dos eleitos passariam a ser de com petência exclusiva da recémcriada Justiça Eleitoral. Foi introduzido, no lugar do voto distrital (que
vigorou durante o Im pério e a República Velha), o voto proporcional,
através dos quocientes eleitoral e partidário. C om essas novas regras
seriam realizadas as eleições para a Assembléia Constituinte, m arca­
das, desde maio de 1932, para 15 de maio do ano seguinte’'^ Além da
representação eleita pelas novas regras eleitorais, haveria tam bém a re­
presentação classista, regulada pelos Decretos
22.653, de 20 de abril
de 1933, e n® 22.696, de 11 de maio de 1933.
O Código Eleitoral foi inspirado n a obra Democracia Representa­
tiva: Do Voto e do Modo de Votar, do político gaúcho Joaquim Francisco
de Assis Brasil, chefe do Partido Libertador. O seu livro teve 4 edições,
as três prim eiras no final do século passado e a últim a em 1931, após
a Revolução, pela Im prensa Nacional. A diferença entre as prim eiras
edições e a últim a se dá no tocante ao voto secreto. Assis Brasil conde­
nava o voto secreto p o r ser, então, o voto fechado, passível de fraude.
Não passava d o gesto de colocar o voto na u rn a dentro de u m envelope
opaco. Já em 1931, passou a defender a instituição do voto secreto, que
na sua opinião não era “propriamente dado em segredo, mas em recafo”. Assis Brasil defendia o sufrágio universal, mas com restrições. Para
ele, a universalidade era do direito, não do exercício: “O que distingue
as limitações do sujfragio universal das do restrictivo é o caracter de
privilegio que encerram as d ’e ste ultimo. A questão não é de extensão;
é de intensidade. Isto tudo não quer dizer que as limitações do suffragio
universal não possam também ser injustas. Serão apenas mais ou menos
justificáveis, segundo a situação do povo a que disserem respeito” (grifos
do a u t o r ) E s s a s restrições não atingiam mais as mulheres, devendolhes ser perm itido votar. Entretanto, os militares da ativa não deveriam
178 M es m o c o m as eleições p a ra a C o n stitu in te m arcad as, a olig a rq u ia d e São Paulo, sob o p re te x to d e ex i­
g ir a im e d ia ta reconstitucionali7.ação d o pais, se le v a n tou e m a r m a s n a a u to - d e n o m in a d a “Revolu<;ão
Constitucionaiista". e m 9 d e ju lh o d e 1932. A d e rira m a o m o v im e n to a Torça Pública, a lg u n s b atalh õ es
d o Exército s ed ia d os em São Paulo e p o u c o s m ilitares s ed ia d o s e m M a to G rosso, sob o c o m a n d o d o
G e n eral B erto ld o Klinger, além d o s v o lu n tá rio s civis. O G o v e rn o P rov isó rio m o b ilizo u to d o s os ou tro s
E stad o s e c o m b a te u o s re v o lto sa s p e lo sul e pe la d iv isa m in e ira . A pós 3 m e se s d e lutas, o s rebeldes
fo ram d e rro ta d o s , re n d e n d o -s e em 1" d e o u tu b ro d e 1932. Foi a ú ltim a vez q u e u m E sta d o se levantou
em a rm a s c o n tra a U nião.
179 ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco de. D em ocracia Representativa: D o Voto e do M o do de Votar, 3“ ed,
P aris/L isboa, G uUlard, AUlaud & C\a, 189S. p. 62.
129
votar, nem ser votados e os analfabetos tam bém não deveriam votar:
“Não ha remedio; portanto, senão colher a todos os analphabetos na regra
geral de que elles são incapazes de escolher conscientemente bons repre­
sentantes. E, se algum houver que se sinta prejudicado com a exclusão, o
remedio é conhecido: aprenda a l e r e a escrever”
A eleição direta era defendida por Assis Brasil {"o voto não deve
ser 0 echo, mas a voz"), mas não para a Presidência da República. A
eleição presidencial direta era encarada com o um a espécie de plebis­
cito, que só gerava crises e comoções internas. A eleição deveria ser
feita com o na França, através das Câmaras, pois “o suffragio popular,
arrebatando-se mais por emoções do que deixando-se levar por conside­
rações de bem entendida utilidade” causava a única crise verdadeira das
democracias. O u tra inovação do Código Eleitoral que havia sido p ro ­
posta por Assis Brasil foi o do sistema proporcional, a seu ver, o único
capaz de representar as minorias^*^'.
N a últim a edição de seu livro, Assis Brasil trata da questão da
proporcionalidade de representantes p o r Estado. Para ele, existiriam
dois critérios de divisão proporcional: pela população ou pelo eleitora­
do. O critério do eleitorado seria o mais racional. Com o crescimento
da população, a proporção deveria ser de u m deputado por 150 mil
habitantes. Cada Estado, inclusive o Território do Acre, deveria ter o
m ínim o de 3 deputados. Dessa forma, para Assis Brasil, as cadeiras de­
veriam ser distribuídas, além dos 3 deputados que cada Estado teria
direito, da seguinte maneira; Alagoas, 8; Amazonas, 4; Bahia, 26; Ceará,
11; D istrito Federal, 10; Espírito Santo, 4; Goiás, 4; M aranhão, 7; Mato
Grosso, 4; M inas Gerais, 37; Pará, 9; Paraíba, 9; Paraná, 6; Pernambuco,
19; Piauí, 5; Rio de Janeiro, 13; Rio G rande do Norte, 5; Rio G rande do
Sul, 20; Santa Catarina, 6; São Paulo, 34 e Sergipe, 4. Além de fixar o
m ínim o, Assis Brasil era favorável a im por um limite m áxim o para a
representação: “Objectivando a hypothese, não seria abusar da propor­
cionalidade attribuir a São Paulo mais de 40 representantes e mais de 50
a Minas, enquanto Amazonas, Espírito Santo, Goyaz, M atto Grosso, Ser180 ASSIS BRASIL, Jo aq u im Francisco de. D emocracia Representativa cit.,
ed, pp. 68-69. Sobre a re s tri­
ção d e v o to aos a nalfa b eto s e m ilitares d a ativa, v id e op. cit., 3° ed, pp. 63-69 e 77-85; so b re a defesa
d o v o to fem in ino , vide op. cit.. 3" ed, pp. 71-76 e so b re o v o to secreto, v id e ASSIS BRASIL, Jo aq u im
Francisco de. Democracia Representativa cit., 4 “ ed, Rio d e Janeiro, Im p re n s a N acional, 1931, pp. 75-85.
181 ASSIS BRASIL, Jo aq u im Fran cisco de. D em ocracia Representativa cit., 3* ed, pp. 101-115 e 262-271
(eleições diretas) e 165-173 (sistem a p ro p o rc io n a l p a r a re p re s e n ta r as m in o rias).
130
gipe apanhassem, apenas 4 cada um, e algum, ainda, po r muito favor?"
(grifo do autor)
Essas propostas ainda causariam m uita polêmica
nos debates da Constituinte.
A obra de Assis Brasil contém , para M aria D’Alva Gil Kinzo, toda
um a visão sobre a representação política que se desenvolveu no Brasil e
deu suporte à m aneira com que foi im plantado o sistema proporcional
no país‘^-\ Assis Brasil defendia um sistema representativo mais ver­
dadeiro, sem quaisquer falseamentos, assegurando-se a representação
das minorias. Para tal, o sistema proporcional seria o mais adequado'*\
Entretanto, sua concepção sobre representatividade estava distante da
idéia de representação com o am ostra ou “espelho” da população"^^ O
m étodo proporcional era o m elhor porque garantiria alguma represen­
tação às m inorias, estabilizando, assim, o regime, pois a oposição passa­
ria a ser feita de form a legal e aberta, no Parlamento. Além disso, o Par­
lam ento deveria ter, prim ordialm ente, um a m aioria capaz de conduzir
as deliberações e dar estabilidade ao governo. O aspecto fundam ental
da representação não era trazer, proporcionalm ente, representantes de
todas as tendências, mas assegurar maiorias estáveis para o governo.
Assim, a proporcionalidade deveria ser controlada para garantir essa
maioria, não havendo necessidade do sistema eleitoral ser exatamente
proporcional'^^.
Ao defender o sistema proporcional, Assis Brasil considerava
com o um de seus elementos básicos a ampliação da circunscrição elei­
toral para o território dos Estados. Com essa m edida, segundo acredita­
va, a eleição por Estado contribuiria para que os deputados se ativessem
a temas de im portância nacional, não local. Para isso, o representante
não poderia estar atrelado a interesses específicos de seus eleitores, mas
deveria exercer livremente o seu mandato, tendo em vista os grandes
problemas nacionais'^^
182 ASSIS BRASIL, lo a q u im Fran c isco de, D em ocnjcju Representativa cil., 4 “ ed, p. 279. S o b re as dem ais
p ro p o s ta s d e Assis Brasil n o to c a n te à p ro p o rc io n a lid a d e d a representação, v id e op. cit., 4 “ ed, pp. 268
( 273-283
183 K IN Z O , M aria D A Iva Gil, Represeritiição Políuca e
Eleitoral no Brasil cit.. p. 118.
184 ASSIS BRASIL, Jo aq u im t-rancisco de, Democracia Representativa cit.. 3* ed, pp. 165-173.
185 Vide P IT K IK , H a n n a Fenichel, lh e Concept o f Representation, B erkcley/Los A n g e les/L o n d o n , U niver­
sity o f C alifornia, sd, pp. 60-62.
186 K IN Z O , M aria D ’Alva Git, Represt;ii(ação Politico e Sisit’m a E kito ral tio Brasil cii., pp. 123-126 e 131.
187 K IN ZO , M aria D ’Alva Gil, Representação Política e Sistem a Eleitoral no Braíil cit., pp. 126-130.
131
o DEBATE NA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1933-1934
O Governo Provisório controlou todo o processo jurídico de for­
mação e instalação do poder constituinte. Foi nom eada u m a subcom is­
são para elaborar um anteprojeto de Constituição, sediada n o Itamaraty. Também foi sob a orientação do governo que se estabeleceram as
inelegibilidades e se elaborou o regim ento interno da Assembléia C ons­
tituinte. A Assembléia Constituinte foi instalada em 15 de novembro
de 1933. Sua principal tarefa seria tentar harm onizar o confronto entre
centralização e descentralização. A grande m aioria dos constituintes
estava disposta a um meio-term o: os federalistas reconheciam a neces­
sidade de intervenção do Estado e os centralistas aceitavam determ ina­
dos níveis de autonom ia regional. O que estava em questão era o m o d e­
lo de Estado liberal, arrasado pela crise de 1929. O utro debate im por­
tante seria o da representação política. Neste se oporiam os defensores
da dem ocracia liberal e os tenentes, que defenderiam a representação
classista como novo modelo de organização política a ser instaurado.
O anteprojeto da C onstituição eliminava o Senado. Em seu lugar
era criado o Conselho Supremo, com atribuições político-adm inistrativas e de caráter técnico-consultivo e deliberativo. O Conselho Supre­
mo coordenaria os poderes constitucionais. Sua composição múltipla
(seriam 35 membros: 21 dos Estados, 6 nom eados pelo Presidente da
República, 3 representantes das universidades e 5 representantes dos
“interesses sociais”)'®® restringia a im portância da participação dos Es­
tados. O Poder Legislativo seria exercido pela Assembléia Nacional,
form ada p o r representantes políticos distribuídos proporcionalm ente
à população. Os porta-vozes do tenentism o defendiam o Conselho Su­
prem o para assegurar limites ao Executivo através de um órgão onde a
representatividade dos pequenos Estados (que dificilmente chegariam
à Presidência da República) fosse maior.
O substitutivo restaurou o Senado e criou o Conselho Nacional,
com posto p or 10 m em bros escolhidos pelo Presidente da República,
com 10 anos de m andato. Caberia ao Conselho Nacional elaborar pro188
A lb erto Torres ta m b é m p ro p ô s n o livro A Organização Nacional, d e 1914, u m C o n se lh o N a cio n al q u e
c o o rd e n a ria os o u tro s p o d e re s (exerceria o c h a m a d o “ P o d e r C o o rd e n a d o r " ) e m od ificav a fu n ç õ e s e a
c o m p o siç ã o d o Senado. Pa ra a n alisar a p ro x im id a d e e n tre as p ro p o s ta s de A lb erto Torres e d a S u b c o ­
m issã o d o Ita m a ra ty v id e TO RRES, A lberto, A O rganização N acional, y ed, São Paulo, N acional, 1978,
pp. 249-263,
132
jetos de lei para a boa aplicação e execução da Constituição e demais
leis. O Senado, agora denom inado C âm ara dos Estados, teria 2 m em ­
bros p o r Estado. A C âm ara dos Representantes seria com posta p o r re­
presentantes políticos distribuídos proporcionalm ente à população e
p o r representantes classistas. D urante as discussões sobre a instituição
ou não do Senado, parte da bancada gaúcha propôs a criação de um
Conselho Federal, com as atribuições do Senado e as funções coorde­
nadoras do Conselho Nacional. Os Estados seriam representados igual­
m ente e o Executivo nom earia 6 m em bros do Conselho, cujo direito
de voto seria restrito. A decisão final da Assembléia foi a de suprim ir
os Conselhos e restabelecer o Senado. Entretanto, o Senado da C onsti­
tuição de 1934 era diferente do da de 1891. Pela nova distribuição dos
poderes o Senado não se restringia ao Poder Legislativo, passando a
colaborar na coordenação dos poderes. Sua com posição era de 2 sena­
dores p o r Estado (artigos 88 e 89)'^\
A principal prom essa da Revolução de 1930 havia sido a de sa­
nar os vícios na representação política. A disputa entre as oligarquias
dissidentes e o tenentism o tam bém se deu nesse campo. Para as oli­
garquias, os problemas de alistam ento e fraudes eleitorais só seriam
resolvidos através de procedim entos que restaurassem as instituições
políticas liberais como saneadoras do sistema, com o o sufrágio univer­
sal (com a constante exceção dos analfabetos), o voto secreto e a Justiça
Eleitoral. Assim, a verdade das urnas seria efetivamente respeitada. O
tenentism o questionava o sistema liberal de representação política. A
restauração da verdade eleitoral só ocorreria através de reformas que
ultrapassassem os formalismos liberais. Através de Juarez Távora, os
tenentes defenderam o voto direto na esfera municipal e indireto nas
esferas estadual e federal, além da eleição indireta para a Presidência da
República. O tenentism o buscava um novo modelo de representação
política e, dentro desse modelo, um a das medidas propostas era a da
representação classista, como veremos adiante.
O anteprojeto instituiu a distribuição das cadeiras na C âm ara dos
D eputados (denom inada Assembléia Nacional) de form a proporcional
189
SO U Z A , M a n a d o ( ia rm o C a m p e llo de, Lshuio e Partitlos Políticos no Brasil (1930 n 1964), 3" ed, São
Paulo, A lfa-O m eg a, 1990, pp. 72-73 e G O M F S , A ngela M aria d e C a s tro (c o ord.), Regionalism o e Cent r a l i Z í i ( ã o Política: Parliilas c C,onstituiiite nos Aiios 30. Rio d e laneiro, Nova Fronteira. 1980, pp. 117,
316-318 0 397-402.
133
à população dos Estados, além de fixar a representação em no máximo
20 e no m ínim o 4 deputados p o r Estado, independentem ente do n ú m e­
ro de eleitores do Estado. A bancada gaúcha defendeu que o critério de
divisão das cadeiras na C âm ara dos D eputados fosse proporcional ao
eleitorado inscrito e não à população residente em cada Estado, confor­
me ocorria durante a República Velha. Esse critério vincularia o tam a­
nho das bancadas à população alfabetizada, ficando o Rio G rande do
Sul em m elhor posição para com petir com M inas Gerais, Bahia e Per­
nam buco. Os demais Estados, populosos ou não, seriam prejudicados
pelo elevado nível de analfabetismo de suas populações.
M inas Gerais e São Paulo se pronunciaram pela m anutenção da
proporcionalidade referente à população, sugerindo que o desequilí­
brio na representação entre os grandes Estados e os outros seria m i­
nim izado com a restauração do Senado. Os dois Estados tam bém se
opuseram ao estabelecimento de núm ero m áxim o e m ínim o de depu­
tados. Pernam buco e os demais Estados do Norte-N ordeste tam bém
defenderam o núm ero de deputados proporcional à população e não
ao eleitorado. O fato desses Estados possuírem grande parcela de anal­
fabetos os prejudicaria na distribuição de cadeiras se esta fosse propor­
cional ao eleitorado. Entretanto, as bancadas nordestinas defenderam
a instituição do núm ero m ínim o e máxim o de deputados p o r Estado.
O acordo a que se chegou criou um a nova desproporcionalidade, ao
determ inar que o núm ero de deputados p o r Estado fosse fixado por
lei, na proporção de um para 150 mil habitantes até 20 deputados; e, a
partir daí, n a proporção de um para 250 mil habitantes’'^". Foi fixado o
núm ero m ínim o de deputados p o r Estado, mas não o núm ero máximo,
atendendo, nesse ponto, às bancadas m ineira e paulista'^'.
190 O artigo 23 d a C o n stitu iç ão d e 1934 prescrevia: "A C a m ara dos D eputados com põe-se de representantes
do povo, eleitos m edian te system a proporcional e suffragio universal, igual e directo, e de representantes
eleitos pelas organizações projissionaes, n a fó r m a q u e a lei indicar §
■ O n u m e ro de D eputados será
fix a d o p o r lei; os d o povo, proporcionalm ente á população de cada Estado e do D istricto Federal, não
p o d e n d o exceder d e u m p o r 150 m il habitantes, até o m á x im o d e vinte, c, deste lim ite para cima. de um
p o r 2 5 0 m il habitantes; 05 das profissões, em total equivalente a u m q uin to da representação p o p u la r Os
Territories elegerão dois D eputados. § 2° - O Tribunal Superior de Justiça Eleitoral determ inará, com a
necessaria antecedencia, e de acórdo com os últim os com putos offtciaes da população, o nu m ero de D e p u ­
tados do povu q u e devem ser eleitos em cada u m dos Estados e no D istricto Federal."
191 SA N T O S , W an d erley G u ilh e rm e d os. O rdem Burguesa e Liberalismo Político, São Paulo, D u a s C idades.
1978, pp. 91-96 e G O M E S, Â ngela M aria d e C a s tro (c o ord.). R egionalism o e Centralizaçíio Política cit.,
pp. 1 1 0 -113,203, 2 0 7 -2 1 3 ,4 0 3 -4 0 6 e 429.
134
A REPRESENTAÇÃO CLASSISTA E A CRISE DO MODELO
REPRESENTATIVO LIBERAL
A representação classista fez parte de u m processo de estímulo
das forças sociais organizadas a se transform arem em elementos de
colaboração do G overno Provisório. Dessa forma, articulou-se com a
criação do M inistério do Trabalho, Indústria e C om ércio e a Lei de Sindicalização (Decreto n° 19.770, de 19 de março de 1931), pois para que
os representantes classistas pudessem ser escolhidos, tornou-se neces­
sário o estímulo à organização das associações e sindicatos profissio­
nais.
O Código Eleitoral de 1932, em seu artigo 142, previa a represen­
tação classista. A Subcomissão do Itamaraty rejeitou esse tipo de repre­
sentação no anteprojeto da Constituição. O próprio Superior Tribunal
Eleitoral opôs-se p o r unanim idade à representação classista. Apesar
disso, o G overno Provisório resolveu, em abril de 1933, instituí-la, in­
clusive prevendo os representantes classistas no regim ento interno da
Constituinte. Através do Decreto n “ 22.653, de 20 de abril de 1933, de­
term inou-se que seriam eleitos p o r delegados (eleitores escolhidos pe­
los sindicatos devidam ente reconhecidos pelo M inistério do Trabalho)
40 deputados classistas, distribuídos da seguinte forma: 17 em pregado­
res, 18 empregados, 3 profissionais liberais e 2 funcionários públicos.
O Decreto n° 22.696, de 11 de m aio de 1933, regulamentava a
eleição dos deputados classistas representantes dos empregados, ocor­
rida em 20 de julho daquele ano. Houve grande m ovim entação para
sindicalizar trabalhadores. Sob instrução do Governo Provisório, os
Interventores e os tenentes organizaram sindicatos e prepararam delegados-eleitores no Norte-Nordeste. O objetivo era alcançar o maior
núm ero possível de deputados classistas para a região, com o meio de
enfrentar a dom inação do Centro-Sul. Dos 18 deputados empregados,
12 estavam dispersos p o r vários Estados (3 do Distrito Federal, 1 do
Rio de Janeiro, 2 de M inas Gerais, 2 de São Paulo, 2 do Rio G rande do
Sul, 1 do Paraná e 1 de Santa Catarina) e 6 eram vinculados às regiões
ligadas ao tenentism o (2 do Espírito Santo, 1 do Pará, 1 da Paraíba, 1 de
Pernam buco e 1 da Bahia). A eleição dos em pregadores ocorreu em 25
de julho de 1933, no M inistério do Trabalho. Havia grande defasagem
135
entre os delegados de São Paulo e Rio de Janeiro e os delegados dos
outros Estados; dos 74 delegados, 47 pertenciam àqueles dois Estados.
Dos deputados empregadores escolhidos, 6 eram do Rio de Janeiro, 4
de São Paulo, 3 de Minas Gerais, 3 do Rio G rande do Sul e 1 de Per­
nambuco. A vinculação das bancadas classistas com os Interventores
pôde ser determ inada em algumas situações. Em determ inado aspec­
to, a representação classista dos em pregadores propiciava o reforço das
bancadas dos grandes Estados. Os Interventores do Norte-Nordeste
tiveram pouca participação na escolha dos representantes dos em pre­
gadores, ao contrário dos Interventores do Centro-Sul, particularm ente
A rm ando de Salles Oliveira e Olegário Maciel. Já a m aior influência na
escolha dos representantes dos empregados foi do tenentism o e não dos
grandes Estados.
As bancadas m ineira e paulista se opuseram à representação
classista, assim como, em m enor escala, os deputados gaúchos. Já os
deputados ligados ao tenentism o e as bancadas do N orte-N ordeste de­
fenderam o princípio da representação classista, vista com o contrapeso
às grandes bancadas estaduais na C âm ara dos Deputados. A represen­
tação classista só vigorou em 1933 p o r determ inação do Código Eleito­
ral. Como não constava do anteprojeto, a proposta de incluí-la ou não
no sistema político brasileiro foi das mais polêmicas das debatidas na
Constituinte. A grande oposição à representação classista acabou sendo
a da bancada paulista, pois tanto os deputados mineiros como os gaú­
chos se dispuseram a transigir nesse ponto com o Governo Provisório.
As razões que justiíicavam a existência da representação classista eram
aceitas p o r todos. A necessidade de se reform ular o m odelo de partici­
pação política, levando-se em conta os interesses de classe era consen­
sual a nível técnico, não a nível político. Houve a proposta de instituição
d a representação exclusiva das classes, através de um parlam ento cor­
porativo, logo excluída. As classes seriam representadas politicamente
através de alguma fórmula que as acrescesse ao sistema de representa­
ção já existente. Existiam duas propostas. A participação das classes se
daria através de Conselhos Econômicos ou Técnicos. Dessa forma, a re­
presentação se daria a nível consultivo, com a decisão final pertencendo
à C âm ara dos Deputados. Essa proposta foi defendida pela bancada
paulista. A outra proposta, defendida pelo Governo Provisório, era a de
um a C âm ara única de formação mista. Parte dos deputados eleita por
136
sufrágio popular e parte eleita pelas classes. A representação classista
seria deliberativa, com assento ao lado da representação política. Essa
últim a proposta foi a aprovada pela Constituinte. A C âm ara dos D e­
putados teria um quinto de suas cadeiras ocupados p o r representantes
classistas, eleitos da m esm a forma instituída pelos Decretos n° 22.653 e
n" 22.696, de acordo com o artigo 23, §s 3" a 9® da Constituição'^^
O debate e as disputas políticas se desenrolaram nos anos trinta
entre os liberais, tenentes e adeptos do autoritarismo. O ideário liberal
de defesa da autonom ia estadual e de independência dos agrupam entos
políticos de “notáveis” foi utilizado com o proteção contra a centrali­
zação e tinha origem no tem or da crescente participação popular. A
tim idez cada vez m aior do liberalismo da década de 1930 fez com que
cedesse espaço ao pensam ento autoritário. Isso ocorria em um contexto
de passagem da política de notáveis à de massas, dos partidos repre­
sentativos das oligarquias estaduais ou parcelas das classes dom inantes
para partidos fundados em interesses sócio-econômicos. O m om ento
era de perplexidade dos liberais diante da radicalização ideológica e
do ingresso das camadas populares urbanas no sistema político. Com
a inexistência de um partido nacional, com exceção da fascista Ação
Integralista Brasileira'^^ e do Partido C om unista do Brasil (na clandes­
tinidade, sendo representado pela Aliança Nacional Libertadora)'^^*, as
192 SO U Z A , M aria d o C a r m o C a m p e lio de, Estado c Partidos Políticos no Brasil cit., pp. 77-78 e G O M ES,
Ângela M aria d e C a s tro (c oord.), Regionalism o c Centralização Política d f., pp. 431, 43 3 -4 3 9 ,4 4 4 -4 4 5 ,
4448-449, 469-471, 474, 483 e 486. Sobre a rep re sen ta ç ã o classista, vide, a in d a , n e stu d o TAVARES,
A n a L ucia d e Lyra, A C onstituinte dc 1 934 c a Representação Profissional (E studo de Direito C om p a ra ­
do), Rio d e Janeiro, Forense, 1988.
193 Sobre a A ção Integralista Brasileira (AIB), vide T R IN D A D E , Hélgio, Integralismo (O Fascismo Brasi­
leiro n a D écada de 30), 2" ed, São Paulo, Ditcl, 1979; A R A Ü ÍO , R icardo B eiizaquen de. Totalitarismo
e Revolução: O Integralismo de Plíuio Salgado. Rio d e Janeiro, Jorge Z a h a r Editor, 1988; M A IO , M a r­
cos C hor, S e m Rotschild N en i Trotsky: O Pensam ento A n ti-S e m ita de G ustavo Barroso, R io d e Janeiro,
Im ago, 1992 e CAVAI.ARI, R osa M aria Eeiteiro, Integralismo: Ideologia e Integração de u m Partitio de
M assa no Brasil (1932-1937), B auru , ED U SC , 1999. Para a análise d o p e n s a m e n to ju ríd ic o v in c u la d o
à cú p u la d o m o v im e n to integralista, vide os textos de M iguel Reale, p a rtic u la rm e n te REALE, M iguel,
A B C do Integralismo (edição o rig in al d e 1935) ín Obras Políticas (Prim eira Fase - I 9 3 I /I9 3 7 ), Brasília,
E dU nB . 1983, vol. 3, pp. 151-222.
194 Sobre a a tu ação d a A liança N a cion al L ib ertad o ra e suas v iiiculações c o m o PCB, vide P IN H E IR O ,
Paulo Sérgio, Estratégias d a Ilusão: A Revolução M u n d ia l e o Brasil, I9 2 2 -I9 3 5 , 2 ' ed, São Paulo. C o m ­
p a n h ia das Letras, 1992, pp. 269-326; V IA N N A , M arly d e A lm e id a (i., “0 PCB, a ANT. e a s Insurreições
d e N o v e m b ro d c 1935" in EERREIRA, Jorge & D E L G A D O , Lucilia d e A lm e id a Neves (orgs.), O Brasil
Republicano, Rio d e laneiro. Civilização Brasileira, 2003, vol. 2 (O Tem po d o N acionaTF.statismo - Do
Início da Dccada de 1930 ao Apogeu do Estado S o v o ), pp. 6 5-103 e C A S C A R D O , Francisco Carlos
Pereira, "A A liança N acio n al L ibertadora: N ovas A b o rd ag ens" in FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel
A a rã o (orgs.),
Esquerdas no Brasil, Rio d e laneiro. Civilização Brasileira, 2007, vol. 1 (A Formação
das Tradições, 18S9-I9-I5), pp. 455-491.
137
forças revolucionárias se desestruturaram após a Assembléia C onsti­
tuinte. Os conflitos ocorridos entre 1934 e 1937 foram causados pela
tentativa de institucionalizar u m p o d er pós-revolucionário sobre a es­
tru tu ra política baseada novam ente na política dos Estados. O cerne
das discussões continuou a ser centralização versus autonom ia estadu­
al. A radicalização da luta entre os integralistas e os com unistas acabou
por facilitar a reunião dos setores dom inantes e dos setores revolucio­
nários, que se aliariam no apoio ao Estado Novo.
138
PO LÍTIC A , SONEGAÇÃO E FIN A N CIA M EN TO DE
CAMPANHAS
H é li o S ilvio O u r e m C a m p o s '" '
G u s t a v o P o n tes'-"’
RESUMO: a fragilidade das estruturas políticas brasileiras e as
conseqüências que daí resultam em im portante m edida decorrem
da deficiência na transparência da origem dos recursos destinados
ao financiam ento das cam panhas eleitorais. O interesse público pela
identidade dos doadores asseguraria u m a certa lisura no certam e
eleitoral, perm itindo um a m aior paridade. O débito de favores entre
os eleitos e a iniciativa privada exige instrum entos que dificultem o
pagam ento depois das eleições. Evitar-se a m anipulação das licitações,
dos contratos públicos, dos alvarás de construção e de licenciamentos
talvez seja u m a tarefa quase impossível. O recebimento em m oeda
estrangeira e em dinheiro vivo, as remessas ilegais para o exterior
trariam a necessidade de u m a atuação integrada do Estado (fiscalização
bancária, auditorias das receitas públicas, m inistério público, Tribunais
de Contas etc.). A questão é saber se é isto o que realmente se quer.
PALAVRAS-CHAVE: política, interesse público, financiam ento das
campanhas.
SUMMARY: the fragility of Brazils political structures and the
consequences resulting from deriving im portant m easure of disability
in the transparency o f the source of funds for the financing o f election
campaigns. The public interest in the identity of donors w ould ensure
a certain fairness in the electoral contest, allowing for greater parity in
the campaign. The flow of goods am ong the elect and the private sector
requires tools that make it difficult to pay after the elections. To avoid
m anipulation of tenders, procurem ent, building perm its and licensing
may be an alm ost impossible task. The receipt in foreign currency and in
195
D o u to r e M estre pela UFPE. |u iz Federal. Professor T itu la r e m D ireito Processual e T rib u tá rio d a U n i­
v ersidad e C atólica d e P e rn a m b u c o . E x -P ro c u ra d o r Judiciai d o M u n ic íp io d o Recife. F x - P ro c u ra d o r d o
E sta d o de P e rn a m b u c o . E x -P ro c u ra d o r Federal, wuw.oiireiti.cjb.net
1 % )ui 2 Federal n a Seção Ixidiciária d o E sta d o d e P e rn a m b u c o .
139
cash, illegal rem ittances abroad would bring the need for an integrated
action of the (banking supervision, auditing o f public revenues, public
ministry, audit etc.).. The question is w hether this is really w hat you
want.
KEYWORDS; politics, public interest, cam paign financing.
C om o líder de um G rupo de Pesquisa junto ao CN PQ - C onse­
lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, desenvolvi,
com alguns profissionais da área jurídica, um a tentativa de aproxim a­
ção entre a teoria e a prática, sobretudo na área tributária.
É sob este enfoque que surgiu “Política, sonegação e financia­
m ento de cam panhas”, produto de palestra pronunciada, em 2007, pelo
Juiz Federal Gustavo Pontes, com assento em Vara Especializada em
crim inalidade organizada.
O tem a pareceu-m e palpitante. É o que se verá em seguida, sob a
ótica do jovem magistrado.
Sobreleva ponderar, logo de início, que a ciência do Direito, di­
vorciada da exatidão de proposições algorítmicas, calca-se em vicissi­
tudes e valores dos que a ela se dedicam. Sendo assim, não se pode ter
p o r autêntica a propalada im parcialidade do jurista, razão pela qual o
trabalho desenvolvido neste Ciclo não se revela ideologicamente n eu ­
tro, m arcado que é p o r abordagens a fenôm enos sociais decorrentes do
degradado cenário político-social que nos é exibido diuturnam ente.
É dentro deste panoram a e dúplice perspectiva que se pretende,
nesta sucessão de encontros que se iniciou no longínquo mês de maio,
abordar, sob o enfoque de cada órgão estatal conclam ado a com ele co­
laborar, a realidade complexa de um país derruído em suas estruturas
políticas, frágil em suas instituições e, principalm ente, incipiente em
noções de m oralidade pública.
A análise da ordem positiva eleitoral encartada na Constituição e
na legislação esparsa, bem com o dos m ecanism os a ela inerentes, m o s­
tra concom itantem ente síntese de valores supremos e instrum ento de
direitos dominantes. C onquanto a Constituição Federal de 1988 revelese intolerante para com atos atentatórios à m oralidade e isonom ia no
processo eleitoral, dois conceitos intim am ente ligados à probidade ad ­
m inistrativa e indiscutivelmente perniciosos à legitimidade do pleito e,
conseqüentemente, ao processo dem ocrático, a legislação vigente em
140
m atéria eleitoral tem -se m ostrado hipossuíiciente na tarefa de assegu­
rar êxito ao m andam ento constitucional.
O intrincado sistema eleitoral brasileiro é com posto p or arcabou­
ço norm ativo em que, em plano piram idal, ocupa o vértice a própria
Constituição. Em escalonam ento decrescente, em bora sem hierarquia
distintiva, seguem as Leis 4.737/65, que instituiu o Código Eleitoral, e
9.504/97, que im pôs diretrizes gerais ao processo eleitoral. Destacamse, ainda, a Lei 9.096/95, que dispôs sobre os partidos políticos, e a Lei
C om plem entar n.° 64/90, que estabeleceu casos de inelegibilidade e
prazos de sua cessação. A últim a ganha especial interesse em face de tu ­
telar e coibir o abuso do p o d er econôm ico ou político, regulam entando
a form a e processam ento das representações eleitorais e apreciação das
contas públicas, em respeito à paridade na disputa eleitoral. Mais recen­
temente, ganhou enfoque a Lei 11.300/06, que versa sobre a propagan­
da, financiam ento e prestação de contas das despesas com cam panhas
eleitorais, e que alterou a Lei 9.504/97. C om plem entam esses diplomas
diversas Resoluções em anadas do Tribunal Superior Eleitoral, autori­
zado pelo art. l.°, parágrafo único, do Código Eleitoral, dentre as quais
mais nos interessa a 22.250, de 29 de ju n h o de 2006.
D entro da problem ática proposta no presente Ciclo, realça, notadam ente, a abordagem à sempre crescente necessidade de transpa­
rência da origem dos recursos destinados ao financiam ento das cam ­
panhas eleitorais e recentes mecanism os criados na tentativa de elidir
a sonegação e a fraude, dois dos mais triviais artifícios na prática do
abuso do p o d er econômico.
Perm eando essa questão, a Resolução TSE 22.250, de 29 de junho
de 2006, editada sob a égide da Lei 11.300/06, regulam entou a arre­
cadação e a aplicação de recursos nas cam panhas eleitorais, dispondo
tam bém sobre a prestação de contas.
Ao tratar da origem dos recursos, tanto a referida lei quanto a
Resolução im puseram restrições a determ inadas categorias de pessoas,
às quais é vedada a prática da doação, fixando valores m áxim os para
contribuições (art. 14 da Resolução 22.250), que serão sempre proce­
didas m ediante “recibo eleitoral”. Aquelas que ultrapassarem os limites
fixados sujeitam o infrator ao pagam ento de m ulta no valor de cinco a
dez vezes a quantia em excesso, sem prejuízo de responder o candidato
141
p o r abuso do p o der econômico, nos term os do art. 22 da Lei Com ple­
m entar 64/90.
O ineditism o da Resolução, entretanto, reside no disposto no §
4.° do art. 14, que autoriza a Justiça Eleitoral a, na a verificação dos
limites estabelecidos, após a consolidação dos valores doados, solici­
tar inform ações de todos os órgãos que, em razão de sua competência,
possam colaborar na apuração.
Esse dispositivo atende à necessidade de ser levado a conheci­
m ento público, m ediante inequívoca individualização, a identidade
dos doadores, a fim de que se perm ita fazer saber ao eleitor quem está
doando o que a quem. A exposição constante visada pelo legislador e
pelo Tribunal Superior Eleitoral é necessária para m anter a sociedade
alerta e bem inform ada, em evidente aperfeiçoam ento do processo d e­
m ocrático e em atenção ao postulado constitucional da publicidade,
sem deslembrar que o processo eleitoral, p o r ser em inentem ente estatal
e relacionar-se diretam ente à m áquina pública, não pode ser desvincu­
lado dos preceitos esculpidos no art. 37 da C arta Política.
Com o cediço é, no plano concreto, decorrência de um a série de
fatores de ordem legal e temporal, são raros os exemplos de punição
para aqueles que desdenham das norm as eleitorais, pelo que cabe ao
próprio eleitor, por ocasião do pleito, aplicá-las pela via transversa do
voto, motivo pelo qual avulta a im portância da informação.
Buscando mecanism os que perm itissem essa identificação, m es­
m o antes da edição da Resolução 22.250/06, o TSE já havia editado, em
janeiro de 2006, em conjunto com a Secretaria da Receita Federal, a
Portaria C onjunta n.® 74, que dispõe sobre o “intercâmbio de informa­
ções entre o Tribunal Superior Eleitoral e a SRF\ Ela determ ina que o
TSE encam inhe à SRF informações relativas à prestação de contas dos
candidatos e dos comitês financeiros dos partidos. Im pende gizar o seu
art. 3.°, parágrafo 2°:
“Art. 3.°...
$ 2" Nas declarações de ajuste anual do imposto de
renda da pessoa fisica e nas declarações de informações
econômico-fiscais da pessoa jurídica serão estabelecidos
campos específicos para identificar doações a candidatos,
comitês financeiros e partidos políticos, bem como gastos
142
realizados por eleitores na fo rm a áo art. 27 da Lei r f 9.504,
de 30 de setembro de 1997, sem prejuízo da instituição
pela SRE no âmbito de sua competência, de declarações
especificas dos fornecedores de mercadorias ou prestadores
de serviço para campanhas eleitorais!'
Diante do novel instrum ento, tem -se a imposição de que
os doadores se identifiquem e apontem em suas declarações o quanto
doaram , sob pena de multa. Até então, era exigido apenas do candidato
ou partido que declarasse o quanto recebeu. Não havia idêntica obriga­
toriedade ao doador.
Dessa forma, se José da Silva recebe dinheiro para deixar pintar
o m uro de casa com o nom e do candidato ou para distribuir “santinho”
pelas ruas, deverá registrar na declaração de Im posto de Renda. Além
de declarar o valor gasto, o candidato ou o partido só poderá pagar com
cheque nom inal ou transferência eletrônica. Saques em dinheiro foram
proibidos.
A m edida revela-se boa e realmente facilita o rastream ento dos
valores implicados no processo eleitoral. Mas, evidente, não se presta a
solucionar o problem a alusivo às doações dos corruptos, dos devedo­
res, e nem a evitar aquelas processadas à margem da legislação.
Estabelece a Lei 11.300/06, no art. 22, § 3.°, que ‘"será cancelado
0 registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outor­
gado'] para aqueles que se valerem de recursos que não provenham da
conta específica de que ela trata, mas ressalva que apenas se “'comprova­
do 0 abuso do poder econômico".
Não obstante louvável o propósito de assegurar a lisura do certa­
m e e a paridade de arm as no transcorrer da cam panha, peca o referido
dispositivo por exigir a comprovação do abuso do poder econômico
p ara que ocorram os dois efeitos atrás referidos. M elhor seria que o
cancelamento do registro ou a cassação do diplom a fosse condicionado
tão-som ente ao emprego de recursos não provenientes da conta espe­
cífica, independentem ente de resultar caracterizado ou não o abuso do
poder econômico.
Muito em bora o § 4.^ do referido dispositivo determ ine que, re­
jeitadas as contas, a Justiça Eleitoral rem eta cópia de todo o proces­
so ao M inistério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da
Lei C om plem entar n.® 64/90, sabe-se que as sanções ali com inadas
143
aplicam-se apenas às hipóteses de “uso indevido, desvio ou abuso do
poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de
veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou
de Partido político”. Abriu-se, assim, margem a interpretações subjeti­
vas a respeito de doações espúrias que, em bora nem sempre tonalizem
abuso de poder econômico, afetam sempre a tão almejada isonomia
entre os concorrentes. M elhor seria trilhado se a própria rejeição ou a
não apresentação de contas já fosse causa de cancelam ento de registro
de candidatura ou cassação de diploma, independentem ente da instau­
ração de processo de apuração de que trata a Lei C om plem entar 64/90.
Isso porque o descaso que se tem verificado no alusivo à prestação m e­
rece p ronta resposta, m orm ente quando, conform e am plam ente divul­
gado, até 0 dia l.°-ll-2 0 0 6 , apenas 61,09% das prestações de contas
dos 19.959 candidatos que disputaram o prim eiro turno das eleições
de 2006 haviam sido entregues aos Tribunais Regionais Eleitorais e ao
próprio TSE. O prazo final era 31 de outubro.
Questão que tam bém merece especial atenção é aquela condizen­
te aos ''recursos não identificados". È que dispõe o art. 23 da Resolução
em tela que “os recursos de origem não identificada não poderão ser uti­
lizados pelos candidatos ou comitês financeiros”. O que é vedado, p o r­
tanto, é o emprego desses valores. Em princípio, não há sanção para o
tão-só recebimento. O conceito de recurso não identificado nos é dado
pelo art. 23, § l.*^, da Resolução 22.250;
“Art. 23...
§ 1.° A falta de identificação do doador e/ou da informação de n ú ­
meros de identificação inválidos no CPF ou no CNF} caracteriza o recur­
so como de origem não identificada.”
Esses valores, consoante preceitua o § 2.° do m esm o dispositivo,
‘"comporão sobras de campanha \ cuja destinaçào é dada pelo art. 27,
parágrafo único, da Resolução, e art. 31, parágrafo único, da Lei 9.507:
serão utilizadas pelos próprios partidos, de form a integral e exclusi­
va, na criação e m anutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de
doutrinação e educação política.
O ainda insuficiente controle sobre a destinação dada às sobras
de cam panha acaba por perm itir que os partidos possam se beneficiar
daquelas doações tidas p o r ilegítimas, afrontando, novamente, a tão
144
perseguida isonomia. Bem p o r isso, parece-nos mais legítimo que os
valores que se enquadrarem nessa conceituação sejam revertidos para
finalidades públicas, não sujeitos à adm inistração partidária.
Essa posição, é verdade, é antagônica à idéia de financiamento
público das cam panhas. Em tese, a tão em voga proposta do financia­
m ento estatal evitaria que os candidatos buscassem doações na ini­
ciativa privada, principalm ente entre empresários, para quem ficam
devendo favores que serão pagos depois da eleição, através das mais
diversificadas formas, onde sobressai a fraude em licitações, visando a
beneficiar esse ou aquele empresário. Lastimavelmente, a Lei 8.666/93,
que trata do processo licitatório e dos contratos públicos, é facilmente
manipulável e incapaz de evitar as contratações irregulares, os paga­
m entos superfaturados com o form a de reembolso ao doador, o paga­
m ento de parte do valor a empresas subcontratadas, que em item notas
fiscais frias e que depositam os pagam entos em nom e de laranjas ou
fantasmas, dentre outros artifícios fraudulentos.
É em almejo à consecução desses favores que as doações acabam
p o r ser pulverizadas a diversos candidatos, com propostas e ideologias
diam etralm ente opostas. A análise das declarações perm ite transpare­
cer que grandes grupos econômicos e pequenos doadores contribuem
para todos os partidos, graduando o valor dos benefícios na percenta­
gem respectiva às possibilidades de vitória na eleição.
O financiam ento público eliminaria do cenário político - em
tese - o caixa-dois, m ontado com recursos ilegais. Também facilitaria
a fiscalização, porque todos prom overiam cam panhas de acordo com
o m ontante recebido, sem dem onstrar, portanto, sinais excessivos de
riqueza.
Essa idéia, entretanto, m ostra-se se elevada ingenuidade. Com
ou sem doação financeira, os interesses econôm icos não serão apar­
tados da política e não se vai neutralizá-los. E mesm o que as cam pa­
nhas passem a ser controladas pelo que ostentarem , a m edida não se
m ostra propícia a im pedir que seja doado dinheiro a partido algum,
Até porque, bem se sabe, verte a im prensa inform ações de que valores
recebidos p o r partidos têm sido aplicados em ações bem m enos nobres
do que a divulgação de filosofias e idéias partidárias. A revés, tem-se
visto em pregado tanto na fraude ao próprio processo quanto na com ­
145
p ra de votos parlamentares. Em síntese, Estado financiando cam panha
é m edida tendente a elevar a dívida pública e penalizar o contribuinte,
m ostrando-se inapta no combate à corrupção e na extinção das doa­
ções privadas, m orm ente ante o com balido e opróbrio sistema íiscalizatório estatal.
Ê interessante observar, tam bém , que boa parte desses recursos
escusos arrecadados com o doação de cam panha - obviamente não os
depositados na conta específica, mas sim aqueles recebidos em m oeda
estrangeira e em dinheiro vivo, prática que vem se vulgarizando, tem
sido rem etido de form a ilegal para o exterior.
Sinteticamente, a nova regulamentação do TSE na luta contra o
“Caixa 2” consiste em:
Cabos eleitorais:
Q uem recebe dinheiro para deixar o nom e do candidato estam ­
pado no m uro de casa ou para distribuir folhetos pela cidade tam bém
vai precisar declarar o valor na declaração de Im posto de Renda.
2. Saques bancários:
Ficaram proibidos os saques em dinheiro, feitos na boca do cai­
xa. Saques apenas via transferência eletrônica (internet) ou m ediante
emissão de cheques nominais. Cada comitê é obrigado ainda a m anter
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) próprio e um a conta cor­
rente exclusiva para a m ovim entação do dinheiro de cam panha.
3. Arrecadação e gastos:
Os com itês de cam panha devem de informar, de 15 em 15 dias ao
TSE, receitas e despesas. As inform ações são divulgadas na página do
tribunal na "Internet", e é im portante que se efetue constante acom pa­
nham ento dessa prestação de contas, em bora não seja da nossa tradição
efetuar esse tipo de controle. Q uem descum prir a no rm a poderá ter a
conta bloqueada.
4. Formulário na Receita:
Foi prevista a criação de novo form ulário da Receita Federal ex­
clusivo a todos fornecedores de materiais de cam panha ou prestadores
de serviço aos candidatos. Na declaração de Im posto de Renda, é n e­
146
cessários especificar datas, características do m aterial e do serviço, bem
com o valores e núm eros de notas fiscais.
5. Fisco:
Para suprir as deficiências da Justiça Eleitoral, no final da eleição
a Receita vai avaliar a prestação de contas em busca de empresas doadoras inativas, pessoas físicas cujo CPF não mais exista, doações acima
do limite etc. Detectado algum indício de irregularidade, a fiscalização
se estenderá à sede dos com itês de cam panha e das empresas que com
eles se relacionarem.
Sem dúvida, esses três instrum entos - Lei 11.300/06, Resolução
TSE 22.250 e Portaria C onjunta n.° 74 - são o prim eiro passo, m edi­
da preambular, no combate à sonegação e à fraude na política. Mas o
essencial ainda não foi focalizado. O fundam ental é que todas as ações
apresentadas durante o processo eleitoral sejam julgadas antes da diplom açáo dos eleitos. Depois dela, eventual punição torna-se hipótese
remota.
Não se pode gerar a falsa expectativa de que se está criando um a
fórm ula para im pedir a contabilidade paralela. Mais do que de leis, é
preciso eficiência adm inistrativa e gerencial da Justiça Eleitoral, em to ­
dos os níveis.
Aspecto positivo nisso tudo é que o Tribunal Superior Eleito­
ral tem se m ostrado preocupado com o processo de financiam ento de
cam panha, o que é bom , porém não suficiente.
Todo o rigor possível na legislação é bem vindo, mas tam ­
bém é preciso instrum entalizar a Justiça para que as ações sejam julga­
das em tempo.
Bibliografia: vide em www.ourem.cjb.net
147
148
PARLAMENTARISMO E PRESIDENCIALISMO
Ives G a n d r a d a S ilv a M a r t i n s ' ' "
Em 1987, objetivando colaborar com a Constituinte e tendo p arti­
cipado, a convite dos parlamentares maiores, de duas audiências públicas,
escrevi artigo, em form a de perguntas e respostas, sobre o Parlamentaris­
m o e o Presidencialismo. Como não alterei m eu pensam ento anterior,
para a coletânea sobre modelo político coordenada pelo bom amigo e
brilhante jurista Walber de M oura Agra, reedito o trabalho de 1987.
QUESTÕES: l) Q ual a diferença nuclear entre o sistema presi­
dencialista e o parlam entar de governo? 2) Quais os tipos fundam entais
de parlam entarism o e presidencialismo? 3) Q ual o tipo de sistema de
governo ideal para o Brasil?
1® Pergunta; Q ual a diferença nuclear entre o sistema presiden­
cialista e o parlam entar de Governo?
Em bora divirjam os autores na conform ação conceituai das duas
formas de governo referidas, entendendo uns que correspondem a au­
tênticos sistemas e outros a regimes jurídicos de exercício do poder,
preferimos fugir ao debate semântico utilizando-nos de um ou de outro
vocábulo, mas trazendo à reflexão aqueles aspectos que os diferenciam
e que lhes dão a tônica dom inante
O parlam entarism o é, p or excelência, o sistem a de governo repre­
sentativo, posto que toda a sua conform ação foi plasm ada a partir das
conquistas populares de co-participaçào, no excelente laboratório em
que a Inglaterra se transform ou, p o r muitos séculos, para a experiência
democrática.
O sistema parlam entar de governo propicia a plenitude de tal
exercício, visto que todas as correntes de pensam ento nacional podem
197 Professor E m é rito das U n iv e rsid ad e s M a c k e n z ie /U N IF M U /U N IF IE O /U N IP , d o C IE H /O ESTA D O
D E SÀO PAULO e d a s Escolas d o C o m a n d o e E sta d o M aio r d o E xército -E C E M E e S u p e rio r d e G u e rra-ESG , P residen te d o C o n se lh o S u p e rio r d e D ireito d a F e com ércio - SP
198 José A lfred o d e O liveira B arach o ensina; “V im os, nas ex p o sições a q u i efetuadas, q u e as discussões
sofre re g im e p a rla m e n ta rista, re g im e p residencialista, ou, c o m o alg u n s p referem , sistem a p re siden c ia ­
lista d e gov ern o , d e n o m in a ç ã o c itad a n o fa m o s o livro d e H a ro ld o Laski, q u a n d o ele analisa o sistem a
p residen cialista n o rte -a m e ric a n o , s u scitam a lg u m a s co lo caçõ es” (S im p ósio M in as G erais e a C o n s ti­
tuinte. Fase I, Ed. A ssem bléia Legislativa d o E sta d o d e M in as G erais, abril d e 1986, p. 211).
149
ser representadas nas Casas Legislativas, perm itindo, p o r outro lado,
que, nas composições que se fazem necessárias para a formação de G a­
binetes, os parlamentares, escolhidos pelo povo, exerçam sua força de
representação, na indicação, participando e controlando o Gabinete en­
carregado de governar o país
Os governos de um hom em só, assim com o aqueles originários
das absolutas e despóticas m onarquias ou ditaduras, não po d em con­
viver com o sistema parlamentar, visto que neste a representatividade
popular é essencial e não naqueles.
O presidencialismo, ao contrário, surge —nos modelos conheci­
dos, exceção feita à solução americana, que se constitui em um parla­
m entarism o presidencial — como versão atual das m onarquias absolu­
tas do passado
199 Lockc escreveu: ‘E m s e g u n d o lugar, a a u to rid a d e legislativa o u su p re m a n ã o saberá a s s u m ir p o r si
m e s m a o p o d e r d e g o v e rn a r p o r decretos arbitrários, im p ro v isad o s, a n te s deverá d is p e n s a r ju stiça e
d e cid ir os d ireito s d o s s ú d ito s m e d ia n te leis fixas e pro m u lg a d a s e juizes a u to riz a d o s e c o n hec id o s. Pois
p o r ser n ã o escrita a lei n a tu ra l, e assim im possível d e a c h a r e m p a rte a lg u m a, salvo n o s espíritos dos
h o m e n s , aqueles que, p o r p aixão o u m á fé, a c o n c e d e re m o u ap licarem , n ã o p o d e r ã o ser c o m facilidade
p e rs u a d id o s d e seu e rro a o n d e n ã o havia juiz estabelecido,- e a ssim n ã o n o s serv e d e v id a m e n te p ara
d e te r m in a r os d ire ito s e d e m a rc a r as p ro p rie d a d e s d e q u e m vive nela, e sp e c ia lm e n te q u a n d o c a d a qual
é d e la juiz, in té rp re te e executor, e isso e m caso p ró p rio ; e ele assistido p e lo direito, n ã o d is p o n d o sen ã o
d e seu p ró p r io vigor, carece d e força necessária p ara d e fe n d er-se d e in jú rias o u castigar os malfeitores.
Para evitar in co n v e n ien tes tais, q u e p e r tu r b e m as p ro p rie d a d e s d o s h o m e n s em seu e stu d o natural,
u n e m -s e estes e m so cied ad es p ara q u e p o s sa m d is p o r d e u m a força u n id a d a c o m p a n h ia in teira p ara
defesa e s eg u ran ç a d e suas p ro p ried a d e s, e te r regras Hxas p a ra d e m a rc á-las a fim d e q u e to d o s saibam
q u a is s ã o o s seu s p ertences. A este ob)eto c e d e m os h o m e n s seu p o d e r n a tu ra l ã so cie d a d e e m que
in g ressam , e a R epública co lo ca o p o d e r Legislativo e m m ã o s d e q u e m se te m p o r idôneas, c o n fia n do
nelas o g o v e rn o p o r leis declaradas, pois d e o u tr a m a n e ira a paz, tra n q ü ilid a d e e p ro p r ie d a d e d e to d o s
se e n c o n tra ria m n a m e sm a in c erteza q u e n o e sta d o n a tu ra l” (E nsaio sobre o g o v e rn o civil em O P o d e r
Legislativo, ite m 2 — "Separação d e P o d e re s” p. 79, M in istério d a Ju stiç a /F u n d a ç ão P e tró n io Portella
e F u n d a ç ã o M ilton C a m p o s, co le tân e a o rg a n iz a d a p o r N e lso n S ald an h a, Brasília, 1981).
200 N ã o sem razão Rui B arb o sa se la m e n ta v a, ap ó s te r in tr o d u z id o o p re sid en c ia lism o n o Brasil, que; “se
h á u m a coisa a e s tra n h a r n a nossa h is tó ria política, p e lo m e n o s, é esta im p res sã o cau sad a n o m eu
espírito, é q u e se h á u m p o d e r forte, u m p o d e r o n ip o te n te , c u jo p e d id o d e faculd ad e n ã o se possa
to m a r a sério, u m p o d e r q u e só carece d e ser lim itad o , c o n tra o q u al os d ireito s co n stitu cio n ais tê m
n e cessid ade d e se ro d e a r d e novas garantias, é o P o d e r Executivo” ‘n in g u é m se acautela, se defende,
se bate c o n tra as d ita d u ra s d o P o d e r Executivo. E m b o ra o P o d e r Executivo, n o re g im e presidencial,
já seja, d e s u a natureza, u m a s e m i-d ita d u ra ” ... “o n d e o go v e rn o se realiza pelo sistem a p a rla m e n ta r, o
jo g o das m u d a n ç a s m in isteriais, d o s votos d e confiança, d o s apelos à nação, m e d ia n te a dissolução das
C âm aras , c o nstitu i u m a g arantia, já c o n tra os excessos d o P o d e r E xecutivo já c o n tra as d e m a sia s das
m a io ria s p a rla m e n ta re s. Mas, neste regim e, o n d e p a ra o chefe d o E sta d o n ã o existe responsabilidade,
p o r q u e a resp o n sa b ilid a d e c ria d a s o b a fo rm a d o im p e a c h m e n t é a b so lu ta m e n te fictícia, irrealizável.
m e n tiro s a , e o n d e as m a io ria s p a rla m e n ta re s são m a n e ja d a s p o r u m sistem a d e eleição q u e as converte
n u m m e io d e p e rp e tu a r u p o d e r às oligarquias estabelecidas, o re g im e presidencial c rio u o m a is chinês,
0 m ais tu rco , o m ais russo, o m ais asiático, o m ais a fric a n o d e to d o s os reg im es” ... a o g o v e rn o pessoa!
d o im p e ra d o r, c o n tra o q ua l ta n to n o s b a te m o s, su ce d e u h o je o go v e rn o pessoal d o P resid en te da
R epública, re q u in ta d o n u m c aráter in c o m p a ra v e lm e n te m ais grave: g o v e rn o p esso al d e m a n d õ e s, de
chefes d e p a rtid o , g o v e rn o absoluto, sem resp o n sab ilid ad e, arb itrário e m t o d a a e x te n sã o d a palavra,
neg ação c o m p le ta d e to d a s as idéias q u e p re g a m o s, os q u e v im o s en v o lv id os n a o rg an ização desse re­
g im e e q u e tra b a lh a m o s co m ta n ta s in ce rid ad e p a r a org an izá-lo ” (e m D o P a rla m e n ta rism o , n a Fatura
C o n stitu iç ão , d e A lirR a fa c h esk i, C u ritib a, J985, ps. J6/17).
150
o Presidente, um a vez eleito, é titular absoluto e irresponsável
po r seu m andato, nom eando m inistros e auxiliares, sem qualquer n e ­
cessidade de controle e à revelia da vontade popular, eis que o eleitor
que o escolhe tem os seus direitos políticos restritos ao voto periódico
e nada mais.
C om pertinência, Raul Pula entendia ser o presidencialism o sis­
tem a de governo de “irresponsabilidade a prazo certo” Uma vez eleito o
Presidente da República, o povo deveria suportá-lo, bom o u mau, até o
fim do mandato. Se m uito ruim , apenas a ru ptura institucional poderia
viabilizar sua substituição, posto que a figura do im peachm ent é aplicá­
vel som ente à inidoneidade adm inistrativa e não à incompetência.
Contrariam ente, o parlam entarism o é o sistema de governo da
“responsabilidade a prazo incerto”. O governo apenas se m antém e n ­
quanto m erecer a confiança do eleitor. Se não, será substituído, com a
crise política encontrando rem édio institucional para sua solução
D urante a guerra das Malvinas, a prim eira-m inistra da Inglater­
ra era obrigada a com parecer diariam ente ao Parlam ento para prestar
contas de sua ação. Se perdesse a guerra, seria derrubada e substituída
p o r u m outro ministro, visto que a responsabilidade é a nota principal
do parlam entarism o, O presidente da Argentina, p o r seu lado, ofertava
as inform ações que desejava ao povo, sem a responsabilidade de dizer
a verdade, visto que se sentia livre para “fabricá-la”. A derrota argentina
provocou seu afastamento, através de ru ptura institucional, à falta de
m ecanism os capazes de equacionarem tais crises no sistema presiden­
cial
201 V icto r Faccioni explica; “F c o n sa b id o qu e os p a rla m e n ta re s, p o r m ais o u m e n o s ativos q u e sejam , s e m ­
pre p r o c u ra m a m a lg a m a r os interesses coletivos e d a r o rie n ta rã o às aspiraçõ es p o p u la re s, visto que,
de q u a tro em q u a tro anos, te rã o q u e se s u b m e te r às u rn a s livres c dem oc rá tic as. É p e ra n te este P arla­
m e n to q u e o go v e rn o te m q u e re s p o n d e r n o â m b ito d o p a rla m e n ta ris m o . A re c íp ro c a ta m b é m existe,
p o rq u e o P residen te
R epública p o d e dissolver a C â m a ra , a fim d e qu e o p o v o se m a n ife ste so b re o
fato efetiv am ente fu n d a m e n ta l d e q u a l d o s d o is está v e rd a d e ira m e n te re p re s e n ta n d o os Interesses da
c oletividade’ ( “P a rla m e n ta ris m o e P residen cialism o ”, lo rn a l Z e ro H ora, 31 .8.86, p. 4).
202 Luís A lexand re C a rta W in te r relem bra: "Ê necessário h a v er u m a p re staç ã o d e c o n ta s d o m in isté rio
aos p a rla m e n ta re s, q u e são, afmal d e c on tas, os repre sen ta n te s d o p o v o c, é através deles q u e o povo
deve governar. N ã o se p o d e im p u n e m e n te fa lh a r e c o n tin u a r go v e rn a n d o . C o m o d i / Pilla: "o p o v o nã o
é, c o m o n o s istem a p a rla m e n ta r, o s o b e ra n o d e u m dia — o d ia d a eleição — ' m as, v e rd a d eira m en te
0 s e n h o r d o s seus d estino s, p o rq u e , p o r in te rm é d io d o s re p re sen ta n te s, a sua in flu ên c ia se está c o n ­
tin u a m e n te e x erce n d o n o governo. E, c o m o os re p re sen ta n te s se p o d e m transviar, e os m a n d a tário s
p o d e m tra ir o m a n d a to , o in stitu to d a dissolução d o P a rla m e n to restabelece as relações n o rm a is entre
0 pov o e os seus representantes. N ã o há, n e m até h o je foi s e q u e r con ceb id o, m ais perfeito m e c an ism o
p o litico qu e o d o siste m a p a rla m e n ta r. É re a lm e n te a o b ra -p r im a d a arte p o litic á ’ (O P a rla m e n ta ris m o
e a E x p eriên cia Brasileira”, 1983, p. 32).
151
o sistema parlam entar é, p o r outro lado, sistem a conquistado
pelo povo. Nasce de suas aspirações e reivindicações. Assim foi na In ­
glaterra e em todos os países em que se instalou
O presidencialismo, pelos seus resquícios m onárquicos, posto
que o Presidente da República é um m onarca não vitalício, constitui-se
em sistema outorgado pelas elites dom inantes, que sobre escolherem
entre elas aqueles nom es que serão ofertados à disputa eleitoral, neces­
sitam do eleitor apenas para sua indicação.
Em outras palavras, no sistema parlam entar o eleitor controla o
Parlamento e este controla o governo, durante o m andato legislativo.
No sistema presidencial, sobre não ter o eleitor o p od er de escolha de
um a gama variada de candidatos, m as som ente entre os poucos elencados pela elite, sua participação política resume-se, exclusivamente, no
depósito de um voto na u rn a e nada mais
À evidência, o sistema parlamentar, para permitir esta corrente de
mútuos controles, deve se alicerçar no voto distrital, de um lado, e no di­
reito de dissolução do Congresso por parte do Poder Moderador, de outro.
N a prim eira estaca do sistema, o voto distrital perm ite que o elei­
tor conheça, conviva e controle o seu representante, que, p or seu lado,
depende para reeleição, no distrito em que vive e por que concorre, de
representar condignam ente aqueles que nele depositaram o voto e a
coníiança
Graças ao voto distrital, o Parlam ento se transform a, efetiva­
mente, na Casa de representação de todos os segmentos e correntes
do pensam ento político, econôm ico e social de um a nação. A própria
escolha, pelo parlamentar, do G abinete que deve governar o país será
sempre exercitada com a preocupação de intuir a vontade de seu eleitor.
Sua participação na escolha do governo e no seu controle, em verdade,
transform a-o em “longa m anus” da vontade popular.
203 M o n te s q u ie u escreveu sua clássica o b ra D o Espírito d a s Leis, a p a r tir d a s lições d e Locke e d a e x p e r i­
ê n cia p a rla m e n ta r inglesa, q u e ta n to o in fluenciou. A in flu ên cia p a rla m e n ta r inglesa foi d e tal o rd e m
q u e até ho je o p re sid en c ia lism o a m e ric a n o tem , n o P a rla m e n to órg ã o m ais fo rte q u e o Executivo.
204 M ax W eber, e m seu D u a s V ocações; Política e C ientifica (Ed. U nB ), a o c o m p a ra r o s istem a p olítico
a m e ric a n o co m o alem ão, m o s tra c o m o a d e m o c ra c ia n o pre sid en c ia lism o inexiste. n a m e d id a e m que
a escolha d o c an d id a to oficial d o p a rtid o passa, necessariam en te, p o r u m a seleção eleitoral "in te rn a
c o rp o ris”, p re v a le ce n d o a fo rça da d ire ç ã o sobre a a m p la lib e rd a d e de escolha d o povo, co n d ic io n ad o ,
m e s m o n a s eleições p rim árias, a d e c id ir p o r n o m e s p re v ia m e n te in dicado s, sem sua p articipação.
205 Em m e u liv ro A Separação d e P o d eres (Ed. P r N D e lASP) às ps. 4 5/51, disco rri m ais lo n g a m e n te sobre
o s do is m e c a n is m o s viabilizadores d o s istem a parla m e nta r.
152
Por outro lado, o direito do Chefe de Estado de dissolver o C o n­
gresso, se este derru bar Gabinetes constituídos, com m uita freqüência,
traz elemento de estabilização às relações entre Parlam ento e Gabinete,
posto que se “irresponsável” o Parlamento, poderá o Chefe de Estado
consultar novam ente o eleitor para saber se aquele Parlam ento conti­
nua a m erecer confiança de seu eleitorado.
E a própria separação da figura de Chefe de Estado da do Chefe
de G overno não perm ite que o Chefe de Estado seja envolvido nas cri­
ses políticas, fator de equilíbrio que o presidencialism o não pode ofer­
tar pela confusão n a m esm a pessoa das duas representações
Não é sem razão que nas 21 únicas democracias estáveis que o m u n ­
do conheceu, sem solução de continuidade, de 1945 até 1984, 20 eram
parlamentares e naquela única presidencial (a americana), o Parlamento
é de tal form a vigoroso que derruba presidentes, ao contrário dos demais
países presidencialistas em que os presidentes fecham os Congressos
Por outro lado, a experiência latino-am ericana, com o m odelo
presidencialista, é penosa, na m edida em que a falta de mecanism os
para solução de crises políticas tem levado todos os países, que o ad o ­
taram , a regimes pendulares, os quais vão da ditadura à dem ocracia
precária e desta à ditadura.
O presidencialismo é, portanto, um sistema tendente à democracia,
mas inibido pela sua origem e pela pouca confiabilidade do hom em no
poder, razão pela qual não poucas vezes trabalha contra a democracia
206 A lir R atachebki ensina: "A apatia, a in d iferen ç a p elo q u e o g ov e rn o faz, o u vai fazer, n o re g im e p resi­
dencialista, im p rim e n a alm a n a cio n al sensação d e in d iferen ç a e o rfan d a d e .A m a io ria das criatu ras
n ã o sen te a pre senç a d o Estado, a n ã o ser n o m o m e n to de p a g ar trib u to s. M as essa pre senç a faz-se
m a d ra sta. Aos p o u c o s o c id a d ã o vai m a lq u e re n d o o veread or, o prefeito, o d e p u ta d o e, assim , até o M i­
n istro d o Planejam en to. Político, p a ra a m a io ria das pessoas, n o re g im e presidencialista, é o e m b u s ­
teiro, 0 en g an ado r, o falso profeta. O u tr o asp ecto qu e fa / do p re s id en c ia lism o u m re g im e ra n ç o so é sua
in c a p ac id a d e de ajustar-se e s u p e r a r as crises. B asta u m ep isó d io “Juru n a" p a ra q u e o p â n ic o se instale
n a alm a nacio nal, co m re p e rc u ssã o até nas bo lsas de valores. Ao c o ntrá rio , o p a rla m e n ta ris m o , p o r sua
e x tre m a flexibilidade, ab sorv e as m ais im p rev ista s situações. Se o go v e rn o n ã o estiver c m con d iç õ es
de e n fren tá-las, p o d e ele ser fácil e su av e m e n te su bstituído. Para c a d a n o v a c o n ju n tu ra , a in d a c o m o
afirm a o s a u d o s o e stadista R aul Pilla, ‘terá a Nação, o g o v e rn o a d e q u a d o : isto p o r ser o Parla m e n to
c o m o u m se n s ó rio da n a c io n alid ad e e nele se refletirem to d o s os s e n tim en to s, to d a s as necessid ades e
to d o s os desejos dela” (D o P a rla m e n ta ris m o , n a F u tu ra C o nstitu ição , C uritib a, 1985, p. 28).
207 I.ijphart, e m seu livro “D e m o crac ie s” {Hd. Yale U niversity Press, 1984), d e m o n s tr a que. c o m regim es
m istos o u p u ro s, são p a rla m e n ta ris tas C a n a d á . A ustrália, Itália, França, Israel, A le m a n h a , Suécia, Su­
íça, N o ru e g a , lap ào, H o la n d a, Bélgica, F in lân dia, Á ustria, L ux em bu rg o, D in a m a rc a , N o v a Zelândia,
R eino U n id o e Islândia e p resid encialista os E stad os U nidos.
208 N o rb e rto B obbio, e m Teoria das F o rm as d e G o v e rn o (Ed. U nB), re le m b ra q u e M o ntesq uie u , p o r não
a cre d ita r n a n a tu re z a h u m a n a , fo rm u lo u a te o ria trip a r tid a p a ra q u e o p o d e r p u d e ss e "co ntro lar o
poder". Seu d e se n c an to c o m a ex p eriê n cia h u m a n a n o go v e rn o levo u-o a in tu ir a refe rida divisão.
153
o parlam entarism o, pela sua própria formulação de conquista
popular, é sistema plenam ente dem ocrático, m otivo por que, nas m u i­
tas crises por que passa, encontra sempre formas renovadas de preser­
vação da dem ocracia e da vontade popular.
2* Pergunta: Quais os tipos fundam entais de parlam entarism o e
presidencialismo?
O presidencialismo clássico não é o americano. Este foi apenas o
prim eiro sistema criado. À tradição inglesa de Parlam ento forte fez da
experiência am ericana um a experiência ímpar, visto que o Parlamento
nunca perdeu sua dignidade, desde a preparação da C arta M agna da­
quele país, com mais de 200 anos.
O presidencialismo clássico foi aquele desenvolvido por todos os
países que procuraram copiar a solução am ericana, sem a m esm a tra ­
dição parlamentar.
Hegel, que contestou M ontesquieu, de quem foi adm irador inconteste, pretendia criar um p o der ideal, ao contrário do Mestre, que
não se iludia sobre a natureza hum ana.
O presidencialismo clássico, em que na figura de um hom em só
se concentra a essência do poder, torna-o mais vulnerável às tentações
próprias de quem detém a força e, com o tempo, com ele se identifica,
transform ando aqueles que governa, não em seus superiores a quem
deveria servir, mas em seus inferiores que lhe devem obedecer
O parlam entarism o clássico é o inglês ou o belga, posto que neles
0 chefe de governo é realmente aquele que governa
Não é 0 francês, nem o português.
É bem verdade que o parlam entarism o clássico pressupõe o bipartidarism o ou o pluripartidarism o. Nos países em que o bipartidarism o dom ina, com o na Inglaterra, tal parlam entarism o reveste a forma
de governo majoritário, ou seja, o partido que ganha as eleições gover­
na sem necessidade de apoio e participação do partido derrotado. Nos
países em que o pluripartidarism o prevalece, o m odelo é consensual. O
partido ou a coligação vencedora governa com participação de muitos
209 H a rt, e m “ l h e C o n c e p t o f Law” (Ed. C la re n d o n . O xford ), m o s tro u q u e se o s reg im es n ã o são p le n a ­
m e n te d em o crático s, as leis feitas p a ra sere m c u m p rid a s p o r g o vern antes e g o v e rn a d o s te rm in a m
in c id in d o p rin c ip a lm e n te so b re os gov ernad os.
210 Lijphart, in “D em ocracies” (Ed. Yale U n iversity Press, 1984), divid e as d e m o c ra c ia s e m m a jo ritárias ou
co nsen su ais, tais co m o a inglesa o u a belga. Em am b as, te n h a m m a io r o u m e n o r d u ra ç ã o o s G abinetes,
a rep re sen ta tiv id ad e d e m o c rá tic a faz-se p o r inteiro.
154
partidos, inclusive de partidos m inoritários. O governo decorre, pois,
de um consenso político, reflete-o e se orienta em tal linha.
Entre o parlam entarism o puro e o presidencialism o puro colocam-se os sistemas mistos, com o o francês ou o am ericano
M ister se faz, todavia, rápida observação. Nos sistemas parlam en­
tares puros, os partidos políticos se fortalecem e passam a representar
as aspirações populares.
No presidencialism o puro, as estruturas partidárias são fracas,
m eros instrum entos institucionais para que as personalidades, nem
sempre com elas identificadas, possam alçar-se ao poder.
Os partidos políticos são, portanto, instrum ento do povo no p ar­
lam entarism o e das elites políticas dom inantes no presidencialismo
Os sistemas mistos parlam entaristas de que falávamos são aque­
les em que se procura solução interm ediária, ofertando m enos p arti­
cipação governam ental ao Chefe de Governo, que o dirige ao lado do
Chefe de Estado.
Assim é que o Presidente da República na França e em Portugal,
indica determ inados m inistros que divergem e discutem com o chefe
de governo a política que deva ser adotada p ara o país
A solução não m e parece ideal, na m edida em que, p o r ser o Pre­
sidente da República não demissível e sê-lo o prim eiro-m inistro, nos
impasses criados, se pertencentes a coligações partidárias ou partidos
diversos, nem sempre encontram m ecanism os de solução fácil, no ar­
senal jurídico-institucional.
A França, em 1987, enfrentou problem as de convivência sérios,
m orm ente porque o presidente socialista divergia da linha econôm ica
do prim eiro-m inistro liberal, gerando choques que desestabilizaram,
m uitas vezes, os projetos nacionais, sobre perm itirem que os grupos de
pressão se formassem para tirar vantagens das divergências e choques
entre um prim eiro-m inistro mais fraco do que deveria ser, em regime
211 A n a lisa m o s a m até ria , e m m a io r p ro fu tidid a de, n o livro R o teiro p a ra u m a C o n stitu in te (Ed. Forense,
1987).
212 José C arlo s G raça W agner, e m seu livro O s P a rtid o s Políticos (Ed, P r N D e lASR 1986), retra ta tal
realidade.
213 A C o m issã o A fonso A rin o s p re te n d e u a d o ta r sistem a m isto c o m o pais s e n d o d irigido, n o estilo es­
p a rta n o , p o r dois chefes e c om dois co n selho s, o u seja, o (ia b in e te d o s M in istro s Parla m e n ta re s e o
C o n se lh o dc E stado d o P resid ente d a República. A so lu ção p a re c e u -m e perig o sa p e la possível desresp o n sabilização d o go vern o, a p a r tir d e cho qu es, q u a n d o div erg entes as políticas su geridas p o r u m e
outro.
155
parlamentar, e um presidente mais fraco do que deveria ser, em regime
presidencial
Pode-se, entretanto, resum ir a questão form ulada na colocação
de existência de três tipos clássicos, a saber: o parlam entar, o presiden­
cial e 0 misto.
Em m inha opinião, o m elhor dos três é inequivocam ente o parla­
m entar puro, na m edida em que fortalece as estruturas políticas, gera a
responsabilidade do eleitor e do eleito e obriga o perm anente exercício
democrático, com a depuração natural de elementos aproveitadores e
oportunistas, que se encontram em núm ero consideravelmente m enor
que nos sistemas presidenciais conhecidos
3®Pergunta; Qual o tipo de sistema de governo ideal para o Brasil?
O período político mais estável que o Brasil conheceu foi à época
do 2° império, em que o país possuía o sistema parlam entar de governo.
Por aproxim adam ente 50 anos, m esm o enfrentando um a guerra
externa, a que o país foi levado sem preparação, os Gabinetes se suce­
deram , mas a estabilidade perm aneceu
Rui Barbosa, introdutor do presidencialismo no país, declarava,
desconsolado 10 anos após, que preferiria a instabilidade do parlam en­
tarismo à irresponsabilidade do presidencialismo, em “desabafo” que de­
veria fazer pensar todos os constituintes brasileiros de todas as épocas
214 E m m e u livro O P o d e r (Ed. Saraiva, capítulo ' 0 p o d e r rep resen tativo ” 1984), m ais la rg a m e n te defendi
0 s istem a p a rla m e n ta r puro.
215 D e c erta fo rm a, n o painel so b re p a rla m e n ta ris m o e p re sid en c ia lism o d a A ssem bléia Legislativa de
M in as G erais, foi esta a te n d ê n c ia alb erg ada pe la m a io ria d o s p a rtic ip a n te s d e m in h a conferência
( “Sim p ósio M in a s G erais e a C o n stitu in te ”, Fase 1, A ssem bléia Legislativa d o E sta d o d e M in as G erais,
ab ril/86, ps. 179/221).
216 A iir R atacheski em D o P a rla m e n ta rism o , n a F u tu ra C o n stitu iç ã o (Ed. C u ritib a , 1985, p. 20), ensina:
“A os pou c o s, pela p rá tic a d o regim e, as im p erfeições foram s e n d o ex p u n g id a s e, q u a n d o adveio o p r e ­
sidencialism o, em 189], n o sso re g im e p o lític o e r a u m d o s m a is invejáveis d o c o n tin e n te a m ericano, ü
P o d e r Executivo era e xercido p o r u m M inistério.
Em 1847, foi c riad a a pre sid ên c ia d o C o n se lh o de M inistros. H graças à llcxibilidade d o regim e, q u e se
a d ap ta a to d a s as tra n sfo rm a ç õ e s, sem golpes d e E sta d o ou revoluções, foi possível, sob seus auspícios,
c o n su m a re m -se re fo rm as p ro fu n d a s n a vida nacio nal. N ão se p o d e ignorar, ta m b é m , ter sido essa fase
d o exercício d o p a rla m e n ta ris m o n o país, q u e p re p a ro u os m a io re s e stad istas d e to d a n o ssa história,
p ro je ta n d o -o c o m o u m a das g ra n d e s na çõ e s da época. Foi u m a escola d e estadistas qu e o p re s id en c ia ­
lism o fechou, c o m a im p la n ta ç ã o d a C a rta d e 1891. M e s m o aqueles q u e lo g ra ra m destaq ue, n o início
d a R epública, tiv e ra m sua fo rm a ç ã o po lítica c o n so lid ad a sob o influxo daq uele p e río d o histórico."
217 É a in d a Rui B arb osa q u e m leciona: “discu te-se h oje c o m m u ito calor, n a tr ib u n a e n a im p ren sa , a
q u estão de saber se, n o to c a n te a essas in stitu içõ es fu n e stas q u e to rn a m irresponsáveis os governos,
e e stab elecem o p re d o m ín io d a incap acidad e, o re m é d io n ã o seria s u b stitu ir a rep úb lica presidencial
p e la re p ú b h c a parla m e n ta r. Q u a n to a m im , a p es a r de tu do . hesito ainda. M as c o m e ç o a s en tir q u e não
h a v erá talvez n e n h u m o u tro m eio de chegar, e n tre nós a u m go v e rn o re a lm e n te d e m o c rá tic o fu n d a n d o
a resp o n sa b ilid a d e n o p o d e r p e ra n te o povo. e c h a m a n d o o m é rito e a cap a c id a d e ã p a rtilh a d o poder,
à gestão d a s finanças, à a d m in is tra ç ã o do s u eg ócios estran g e iro s e à e la b o ra çã o da lei. N ão se p o d e rã o
156
o presidencialismo no Brasil, por outro lado, apenas trouxe inse­
gurança política e sistema gangorra! entre períodos de ditadura real e ou­
tros de débil democracia, De 1889, quando um a quartelada derrubou a
m onarquia do Brasil, ao ponto de Marechal D eodoro pensar ter derruba­
do o Gabinete e não a monarquia, b Brasil conheceu revoluções periódi­
cas (1918, 1924,1930,1937,1954,1957), sucumbiu à ditadura de 1930/45
e ao regime de exceção (1964 a 1984), precisando de seis constituições
para conformá-lo (1891,1934, 1937,1946,1967 e 1988)
Em term os históricos, portanto, a experiência presidencialista
não foi positiva e a parlam entar foi consideravelm ente m enos negativa.
Em term os de desenvolvimento atual, em que o país se transfor­
m ou no 10° m ercado do m undo e que, não obstante os desacertos da
política econôm ica governam ental, graças a em presários e empregados,
ganha novos patam ares de confiabilidade externa, não h á por que não
se adotar o sistema parlam entar que, sobre ser o mais estável no concer­
to das nações, representa tam bém form a mais dem ocrática e civilizada
de governo.
Nem se diga que, p or ser um Estado Federativo, o Brasil, em face
do bicameralismo, dificultaria o exercício dessa form a mais civilizada,
posto que a Alem anha, Canadá, Austrália tam bém o são e o parlam en­
tarism o tem perm itido a segurança das instituições, mesm o nas crises
políticas, sociais e econômicas mais graves que viveram
a d ia r p o r m u ito te m p o re fo rm as tã o essenciais sob p e n a de la n ç a r o pais n a d e so rd e m , e c o m p ro m e te r
os interesses m ais caros d e seu c ré d ito e da existência m e sm a ” (e m D o P a rla m e n ta rism o , n a futura
C onstituii;ão, A lir R atacheski, C u ritib a , 1985, p. 18).
218 R a y m u n d o Farias d e O liveira escreve: “N o Brasil, o p re s id en c ia lism o foi g e ra d o n o v entre d o golpe
m o rta l d e sferid o c o n tra a n io n a rq u ia . P o rtan to , n a sc e u d e c im a p a r a baixo, foi im p o s to à con sciência
cívica d a N ação a rb itra ria m e n te pelos a rtic u la d o re s d o golpe. N ã o se p o d e n e g a r a b em d a verd ad e
h istórica, que a R epública sim, esta v in h a s e n d o p re c o n iz ad a pelos re pu blic a n os já org a n iz a d o s em
P a rtido, C lubes e lornais. O ra , a R cpública n ã o precisava ser n e ce ssa ria m e n te p residencialista pa ra
sobreviver.
h m verdade, a eu fo ria e u d elírio d o s inim igo s da m o n a rq u ia d ia n te d o êxito d o g olpe lid e ra d o pelo
M arechal M anu el D e o d o ro d a Fonseca c o n tra o Im pério , não se d e sp re z a n d o os efeitos d in a m ita d o res dos artig os e d iscu rso s d e Ru B arbosa, a ca b a ra m p o r d e s p e rta r v e rd a d eira s in d ro m e d e im itação
c o nstitucion al à g ra n d e R epública d o N o rte , o n d e , c o m o já se viu, as razões histó ricas e políticas foram
b em o u tra s a in flu en c ia re m o invejável d o c u m e n to c o nstitu cio nal.A ssim , u m d o s m ales co ng ênitos
d e n o sso p re s id en c ia lism o é o d e n ã o te r p a ssa d o p e lo "processo" vivido pelos a m e ric a n o s d o norte.
A n o ite c em o s "p a rla m e n ta ristas"— situação q u e v in h a desd e 1847 ~ e a m a n h e c e m o s “pre sid enc ia lis­
tas” co m a in s ta u ra çã o d a R epública” (‘M ales C o n g ê n ito s d o N o sso Presidencialismo", jo rn a l O Estado
de S. Paulo. 11.1.87, p. 44).
219 Em m e u artig o O D ireito em Fran galh o s" ( H R, S u p le m e n to T rib u tá rio n’ 69/86), an aliso os m ales que
o plano de estabilização tro u x e ã nação, o q u e só foi possível g raças ao presidencialism o . Tal insensatez
seria m ipossível n o regim e p a rla m e n ta r, o n d e em n o m e de 130 m ilh õ e s de brasileiros. 10 cid a d ão s não
p o d e ria m d e c id ir o seu de stino, sem te r que p re star contas.
Entendo que o m om ento é de am adurecim ento das instituições e
o Brasil necessita, de um a vez p o r todas, abandonar aquelas que trazem
resquícios das m onarquias absolutas, visto que, no presidencialismo, o
Poder Executivo é hipertrofia- do e os Poderes Legislativo e Judiciário
enfraquecidos.
Só terem os plenitude dem ocrática e u m a carta suprem a mais
estável se abandonarm os, definitivamente, o sistema presidencial de
governo, principal causa de todas as crises políticas que vivemos no
século XX
A2009-031 PARLA X PRES
220
V icto r Faccioni, em discu rso n a C â m a r a d o s D e p u ta d o s , sug ere p ara e n fre n ta r-s e a crise po litics b r a ­
sileira a a do çã o d o p a rla m e n ta ris m o , a o dizer; “E m n o s so país, n o m o m e n to e m q u e foi feita a o p ção
p e la d em o c ra cia , to rn a -s e necessário ta m b é m fazer a o p ç ã o p elo p a rla m e n ta ris m o , p o rq u e so m en te
n este s istem a represen tativ o p o d e m su rg ir p a rtid o s p olíticos c o m clareza ideológica, d a n d o o p o r t u ­
n id a d e , d e sta form a, ao s u rg im e n to d a v e rd a d eira O p osição . N o te m p o e m q u e os E stad os U n id os
a d o ta ra m o presid en cialism o , d e m o d o fu n d a m e n ta l n ã o existiam p a rtid o s ideológicos, n ã o h aven d o
o po sição nesse sentido, n in g u é m q u e se o p u n h a ao governo, via d e c o n seq üên cia, se o p u n h a ao E sta ­
do. N o m o m e n to e m que surge a O p o siçã o , c o m o s u rg im e n to d o s p a rtid o s ideológicos, aqueles que
se o p õ e m ao g o v e rn o são ao m e sm o te m p o c o n tra o C hefe d e Estado, o p õ e m -s c à Nação, são c o n tra
as Forças A rm a d a s, c o n tra os valores n a cionais, to rn a n d o a d e m o c ra c ia im praticável e im possivcl de
a p erfeiçoam ento.E n o c o nte xto d o p a rla m e n ta ris m o q u e se p o d e r á a firm a r u m a o p osição estável e
c o nstru tiva, c o m ch an ces de viabilizar-se p o liticam ente, e m q u e o go v e rn o te m u m a espécie d e p re ­
p o n d e râ n c ia lim itad a no acesso aos m eio s d e coerção, isto é o n d e o g ru p o n o p o d e r te m fortes chan ces
cJe insucesso ao te n ta r r e p rim ir a ação d e seu s o p o sito re s — q u e n ã o se o p õ e m à N ação — m a s ao
C hefe d o G o vern o, ao p rim e iro -m in is tro , exp ressão de u m a ideologia, de u m a facção. D e fin itiv a m e n ­
te, 0 g ru p o n o p o d e r p e rm itirá e m e sm o e n co rajará o d e se n v o lv im e n to d e in stituições d e m o c rá tic a s ”
(D iá rio d o C o n g re sso N acional. 1 1.9.86).
158
LEI COMPLEMENTAR N. 135. E SUA ADEQUAÇÃO AO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL PRESUNÇÃO DE INOCÊNCU
Janine Accioly^^'
O crescente núm ero de escândalos políticos que evidenciam a
prática de diversas ilicitudes no exercício de m andatos eletivos sejam
elas de natureza cível, criminal, eleitoral, adm inistrativa ou ética, fez
aum entar o clam or público pela adoção de m edidas mais enérgicas no
sentido de im pedir que pessoas com vida pregressa incompatível com o
exercício de cargo eletivo possam pleiteá-lo.
O clam or da sociedade foi suAciente para desencadear, às véspe­
ras do pleito M unicipal de 2008, discussão acerca da possibilidade de,
à luz do direito atual e com respaldo no art. 14, § 9®, da Constituição
Federal, considerar inelegível o candidato que tivesse vida pregressa in­
compatível com o exercício de m andato eletivo, considerando, assim,
autoaplicável o dispositivo constitucional supra.
À época, a Associação Brasileira de M agistrados ajuizou Ação de
D escum prim ento de Preceito Fundam ental perante o Supremo Tribu­
nal Federal (ADPF 144)^^^ requerendo o reconhecim ento da autoaplicabilidade do $9° do art. 14 da Constituição Federal, bem com o que fos­
sem revogadas as condições estabelecidas em dispositivos da LC 64/90
no tocante à ressalva “fl questão houver sido ou estiver sendo submetida à
apreciação do Poder Judiciário”, prevista na alínea “g” do art. 1“, inciso I,
além da revogação da exigência de trânsito e julgado das decisões que:
julgarem procedente representação eleitoral em processo de
apuração de abuso do poder econôm ico ou político (art.l®, I, d ) ^ ;
221 A dvogada; Especialista em D ireito Eleitoral; C o n se lh e ira d a OAB Seccional C eará; Secretária d a C o ­
m issã o N acion al d e Exa m e d e O rd e m
222 A D PF 144, R e l a t o r : M i n i s t r o C e l s o d e M e l l o , p u b l i c a d a n o D ) E n " 15 3 , d i v u l g a d o
em 15/08/2008
223 Art- 1“ São inelegíveis:
I - p a ra q u a lq u e r cargo:
(...)
d ) o s q u e te n h a m c o n tr a su a pe sso a re p re s en ta ç ã o ju lg a d a pro c e d en te pe la )ustiça Eleitoral, tra n sita d a
em julgado, e m proc e sso d e a p u ra ç ã o de ab u so d o p o d e r e c o n ô m ic o ou político, p a ra a eleição n a qual
c o n c o rre m o u te n h a m sid o dip lo m a d o s , b e m c o m o p a ra as q u e se realizarem 3 (três) a n o s seguintes;
159
- condenarem , crim inalm ente, o autor de crim e contra a econo­
m ia popular, a fé pública, a adm inistração pública, o patrim ônio p ú ­
blico, 0 m ercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes
eleitorais (a rt.l“, I, e)^^^
- julgarem procedente ação contra os detentores de cargo na adm i­
nistração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si
ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político (art.l° I, h ) ^ ;
- declarar a inelegibilidade do candidato (art.l5)^^\
Após um a acalorada discussão jurídica, a nossa Corte Suprema,
po r maioria, vencidos os M inistros Carlos Britto e Joaquim Barbosa,
m anifestou-se pela im procedência da dem anda, p o r considerar que o
§ 9° do art. 14 da CF, com redação dada pela Em enda de Revisão 4/94,
não é autoaplicável, exigindo-se, portanto, a edição de Lei C om plem en­
tar definindo novos casos previstos nas alíneas “d”, V ’ e “h” do inciso I
do art. 1° da LC 64/90 não transgride, tam pouco descum pre os precei­
tos fundam entais concernentes à probidade adm inistrativa e à m orali­
dade para o exercício do m andato eletivo.
No caso, a im procedência da referida ADPF sustentou-se, princi­
palmente, na ausência de Lei C om plem entar disciplinando especifica­
mente novos casos de inelegibilidade, manifestando-se, ainda, de form a
expressa, que sentença penal condenatória, não transitada em julgada,
além de, p o r si só, não acarretar a inelegibilidade, não im pede o registro
de candidatura.-^’
224 A rt.l":
(...)
I(...)
e) os q u e forem c o n d e n a d o s crim in a lm e n te , co m sen te n ç a tra n s ita d a em julgado, pela p rá tic a d e crim c
c o n tra a e c o n o m ia p opular, a fé pública, a a d m in is tra ç ã o pública, o p a trim ô n io p ública, o m e rc a d o
financeiro, pe lo tráfico d e e n to rp e c e n te s e p o r c rim e s eleitorais, p e lo p ra z o d e 3 (três) a n os, apó s o
c u m p rim e n to d a pena;
225 A rt.l":
(...)
1(...)
h) os d e te n to re s d e cargo n a a d m in is tra ç ã o p úb lic a d ireta, ind ireta o u fun da c io na l, q u e beneficiarem
a si o u a terceiros, pe lo a b u so d o p o d e r e c o n ô m ic o o u p olítico a p u ra d o e m processo, c o m sentença
tra n s ita d a em julgado, p a ra as eleições q u e se realizarem n o s 3 (três) a n u s seg uintes ao té rm in o d o seu
m a n d a to o u d o p e río d o de su a p e rm a n ê n c ia n o cargo;
226 A rt. 15. T ran sita d a e m ju lg a d o a de cisão q u e d e clarar a inelegibilidade d o can d id ato , ser-lh e -á n e gad o
registro, o u cancelado, se já tiver s id o feito, o u d e c la ra d o n u lo o d ip lo m a , se já expedido.
227 CA STRO , E d so n de Resende. Teoria e Prática do D ireito Eleitoral. 5 ed., Belo H orizon te: D el Rey, 2010.
P, 267.
160
Apesar de ter sido julgada im procedente, o simples ajuizamento
da ADPF gerou um a valiosa discussão sobre o assunto, com o jamais se
tinha visto, fato este que acabou p o r fortalecer o m ovim ento que almeja
m udanças no sentido de im pedir que indivíduos que não possuam vida
pregressa compatível com o exercício de m andato eletivo, venham a
concorrer nos pleitos eleitorais.
D iante da decisão que selou o entendim ento da não autoaplicabilidade do § 9° do art. 14 da CF, o Supremo transferiu p ara o legislativo a
responsabilidade de aprovar Lei Com plem entar prevendo novos casos
de inelegibilidade, considerando a vida pregressa do candidato^^*.
Assim, as atenções se voltaram ao esquecido Projeto de Lei C o m ­
plem entar 168/93, que, apesar de proposto em 1993, p o r nítida falta de
interesse dos parlam entares, perm aneceu inerte p o r mais de um a déca­
da e meia sem que fosse subm etido à análise e votação.
Entretanto, em 2008, aproveitando o propício m om ento em que
as discussões sobre a m atéria foram intensificadas, inclusive perante
o Poder Judiciário, surgiu u m organizado M ovim ento de Com bate a
C orrupção Eleitoral - MCCE, que lançou um a Cam panha nacional d e­
nom inada “Ficha Limpa”. Para isso foi elaborado um Projeto de Lei de
iniciativa popular que torna mais rígidos os critérios de avaliação do
candidato, levando-se em consideração a sua vida pregressa.
Após a obtenção de mais de um m ilhão e m eio de assinaturas, o
projeto chegou ao Congresso com um apelo popular m uito forte, con­
tando, inclusive, com o apoio de vários entes, dentre eles a OAB, As­
sociações de M agistrados e do M inistério Público e CNBB, sendo tal
Projeto apresentado com o substitutivo ao PLP 168/93.
Após um a tram itação em caráter de urgência, foi aprovada pe­
las duas Casas Legislativas, com sanção do Presidente da República,
a Subem enda Substitutiva G lobal,apresentada pelo relator do projeto
perante a Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câm a­
ra dos Deputados, Dep. José Eduardo Cardozo, contendo em seu bojo
inúm eras previsões de inelegibilidade, que visam a excluir da disputa
eleitoral cidadãos que não possuem um perfil m oral e ético compatível
com o exercício de um m andato eletivo, ou que contém em seu passado
228
C O Ê L H O , M arcu s V inícius F u rtad o . D ireilo Eleitoral e Processo E leitoral R io d e Janeiro: Renovar,
2010. P.166.
161
máculas que depõem pela falta de probidade ou pela prática de condu­
tas que, em virtude de sua gravidade e relevância no seio da sociedade,
apresentam -se com o incompativeis com o exercicio de m andato eleti­
vo.
D entre os aspectos mais polêmicos desta Lei, cujos dispositivos
Já serão aplicados nas eleições de 2010 conform e manifestação recente
do egrégio Tribunal Superior E l e i t o r a l , e s t á a querela envolvendo a
possibilidade ou não de atribuir a pecha de inelegíbilidade àqueles com
decisão condenatória penal, ainda sem trânsito em julgado.
Para um a abordagem mais objetiva do tem a, inicialmente, cu m ­
pre fazer as seguintes reflexões: o postulado da não-culpabilidade ou da
presunção de inocência restringe-se ao dom ínio penal ou, ao contrário,
irradia os seus efeitos para além dos limites em que se apresenta a sen­
tença penal de natureza condenatória? E, ainda, o principio processual
penal da presunção de inocência é absoluto, independentem ente de ser
analisado dentro de um procedim ento penal ou m esm o em processos
de natureza não-crim inal e cotejado com outros princípios constitucio­
nais, como, no caso, o da probidade e moralidade?
C onform e aludido anteriorm ente, o tema, no tocante à constitucionalidade de tal iniciativa, é polêm ico e vem ensejando profundas
discussões, não apenas no meio jurídico, com o tam bém no legislativo e
no seio da sociedade civil.
De fato, o entendim ento que prevaleceu nos últim os tem pos foi o
de que tal proposição legislativa colidiria com o princípio da presunção
da inocência firm ado no art. 5°, LVII, da Constituição Federal, na m e­
dida em que este afirma que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
Entretanto, com a evolução natural do direito e a m aior valoração de novos princípios constitucionais, dentre eles o princípio da p ro ­
porcionalidade, da m oralidade e da probidade administrativa^^\ esse
entendim ento, que até pouco tem po atrás se apresentava como inultrapassável, inclusive quando analisado em m atérias de natureza não
criminal, passou a ser questionado, e a tese de sua relativizaçào ganhou
229 A G RA , W alber de M o u ra & VELLOSO, C arlos M ário d a Silva. Elem entos d o Direiio Eleitoral. 2ed., São
PauloT Saraiva, 20 J0 . P. 76.
230 Brasilia, T rib u n a l Su p e rio r Eleitoral- C ta 114709, Rei. M in. A rn a ld o Versiani. Julgado e m 17.06.2010
231 BONAVIDHS, Paulo. Curso de D ireito C onstitucional. 12 ed., São Paulo; M alh e ircs, 2002. P 356.
162
força, principalm ente quando confrontado com outros princípios cons­
titucionais.
Assim, nota-se que já não são poucas as manifestações no senti­
do de que ao m encionado princípio da presunção de inocência não se
pode dar interpretação ampliativa capaz de abranger to d a e qualquer
situação restritiva de direitos decorrente de ato jurisdicional, principal­
m ente quando tal princípio for sopesado com outros preceitos tam bém
de natureza constitucional.
Especificamente n o tocante a sua am plitude com relação ao direi­
to eleitoral, principalm ente com relação a sua interferência nas causas
de inelegibilidades, essa interpretação ampliativa da presunção de in o ­
cência encontra alguns obstáculos, um a vez que, além da confrontação
necessária com os princípios da m oralidade e da probidade, im prescin­
díveis ao exercício de m andato eletivo, a prática eleitoral tem dem ons­
trado que alguns conceitos afetos a determ inada área do direito, quan­
do transplantados para a seara eleitoral, ganham configuração própria,
face à especificidade desse ram o do direito, inclusive no tocante à temporariedade dos m andatos eletivos.
Assim, é necessário que a avaliação acerca da am plitude do p rin ­
cípio da presunção de inocência seja feita levando-se em consideração
esse contexto bem particular afeto ao direito eleitoral, ram o este, inclu­
sive, que, além de outras peculiaridades, consagra, com o regra, a apli­
cação im ediata de suas decisões, conform e previsto n o art. 257^^ do
Código Eleitoral.
Além disso, a possibilidade de se prever com o causa de inelegibilidade a existência de sentença crim inal condenatória, proferida por
colegiado, mas ainda sem trânsito em julgado, privilegia de m aneira
mais contundente outros princípios constitucionais tam bém muito
im portantes e que, p o r m uitos anos, foram relegados, com o é o caso
dos princípios da probidade e da m oralidade adm inistrativa, devendo
ser considerado que os desm andos praticados p o r u m m andatário ímprobo afetam to d a u m a coletividade, acarretando danos gravíssimos à
população que deixou de usu fru ir de m elhorias em prol de interesses
particulares do m au gestor.
232
Art. 257. Os recursos eleitorais n ã o terão efeito suspensive.
Parágrafo único. A execução de q u a lq u e r acó rd ão será feita im ediatam en te, através d e c o m u n ic aç ã o po r
o tk io , telegram a, ou, em casos especiais, a critério d o presidente d o Tribunal, através d e cópia d o acórdão.
163
É im portante ressaltar, ainda, que, nessa proposição, não se está
im putando ao acusado qualquer pena, u m a vez que a previsão de inelegibilidade não possui, neste caso, caráter sancionatório com o o pleitea­
do pela seara penaP^\
Na verdade, o que a norm a almeja é apenas utilizar o fato “conde­
nação crim inal p or orgão colegiado” com o parâm entro de aferição do
perfil necessário para que um cidadão possa pleitear um cargo eletivo.
O u seja, o legislador entendeu que a existência de u m a condenação cri­
m inal p or um dos delitos listado pela própria lei apresenta-se com o um
requisito objetivo que indica que o candidato possui um a vida pregressa incompatível com o exercicio de u m m andato eletivo.
Prova disso é que o legislador não usou como parâm entro a conde­
nação criminal p o r qualquer tipo de crime, utilizando-se, apenas, para a
aferição da vida pregressa, alguns delitos que se relacionam diretamente
com a adm inistração pública, dentre eles, os crimes contra o sistema fi­
nanceiro, eleitoral, de abuso de autoridade, contra os patrimônios públi­
co e privado, de lavagem de dinheiro ou que, em virtude de sua gravida­
de e relevância no seio da sociedade, apresentam-se como incompatíveis
com o exercicio de m andato eletivo, como é o caso do tráfico de trocas,
racismo, terrorismo, formação de quadrilha e terrorismo.
Destarte, verifica-se que o projeto em alusão, visando a dar efe­
tividade aos princípios da m oralidade e da probidade administrativa,
apontou, de form a objetiva, algumas condutas que não se coadunam
com o perfil necessário a um agente politico, adotando, ainda, um cri­
tério objetivo de aferição desse perfil, que seria, justam ente, atráves de
um a decisão judicial proferida p o r orgão colegiado.
Observa-se, assim, que a norm a não está utilizando um a conde­
nação ainda sem trânsito em julgado para penalizar o indivíduo, mas
apenas para abalizar o aplicador do direito n o m om ento da aferição da
vida pregressa do pretenso candidato.
Não há de se confundir, ainda, a previsão de inelegibilidade con­
tida no projeto em referência com a suspensão de direitos políticos p re­
vista no art. 15 da Constituição Federal, o qual dispõe, em seu inciso
III, que ocorrerá suspensão dos direitos políticos em caso de "conde­
nação crim inal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”
233
D E C O M A IN , P e d ro R o berto . Elegibilidade e Inelegibilidade. São Paulo; D ialéctica, 2004. R 53.
164
Nesse caso, a suspensão dos direitos políticos é conseqüência n a ­
tural da condenação crim inal transitada em julgado, pela prática indis­
tinta de qualquer delito.
Além disso, a elegibilidade (direito de ser votado) constitui-se
apenas das prerrogativas inerentes aos direitos políticos e com este,
portanto, não pode ser confundido.
C um pre ressaltar, ainda, que, no caso em apreço, não está sendo
atribuída a pecha de inelegibilidade de form a aleatória ou arbitrária,
pelo contrário, estão sendo estabelecidos critérios objetivos, através de
um a Lei Complementar, eleita pela Constituição com o meio adequado
para a previsão de inelegibilidade, em que se utiliza o fato “condenação
crim inal” com o fator em baçador de um a inelegibilidade, com fins de
proteger a probidade adm inistrativa e a m oralidade para o exercício do
m andato (art. 14,
CF)^^'
No caso, busca-se o equilíbrio entre os valiosos princípios da p re­
sunção de inocência e da m oralidade e da probidade adm inistrativa,
que precisam conviver de form a harm ônica. O u seja, se, p o r um lado,
tem -se que disponibilizar ao cidadão pleno direito à defesa e a um d e­
vido processo legal, que são a alma, p o r assim dizer, de um estado de­
m ocrático de direito, p or outro, tem os que garantir que a sociedade seja
com andada por pessoas probas e com perfil m oral e ético condizentes
com suas funções.
A situação é delicada, um a vez que estamos diante de princípios
que, num prim eiro m om ento, parecem chocar-se, cabendo ao operador
do direito buscar um a adequação destes à própria estrutura eleitoral,
que clama p o r providências rápidas e eficazes, não com portando, as­
sim, a m orosidade inerente ao nosso sistema judiciário, além de um a
compatibilização de acordo com o ordenam ento jurídico pátrio como
um todo.
Essa avaliação interpretativa da constitucionalidade de tais dispo­
sitivos deverá ser aferida com auxilio de alguns princípios, dentre eles o
da concordância prática o u da harm onização e o da proporcionalidade.
Para Ingo Wolfgang Sarlet, o principio da concordância prática
234
§ 9" I.ei c o m p le m e n ta r estabelecerá o u tro s casos d e inelegibilidade c os p razo s d e sua cessação, a fim
d e p roteger a p ro b id a d e a d m in is tra tiv a , a m o ra lid a d e p a ra exercício d e m a n d a to c o n sid e ra d a vida
pregressa d o can d id ato , e a n o rm a lid a d e e le g itim id ad e das eleições c o n tra a in flu ên cia d o p o d e r ec o ­
n ô m ic o o u o ab u so d o exercício de fu n ção, cargo o u e m p re g o n a a d m in is tra ç ã o d ire ta o u indireta.
165
ou d a harm onização refere-se a u m procedim ento de ponderação no
qual não se atribui valor absoluto de u m valor a outro, tentando-se a
aplicação sim ultânea e com patibilizada de norm as, ainda que haja um a
atenuação de um a delas.
Já com relação ao princípio d a proporcionalidade, José Joaquim
Gomes Canotilho m enciona que tal princípio veta restrições desneces­
sárias, inúteis ou excessivas de direitos fundam entais. Segundo o m en ­
cionado autor os direitos fundam entais apenas podem ser restringidos
quando tal se torne indispensável, e no m ínim o necessário, para sal­
vaguardar outros direitos ou interesses constitucionalm ente protegi-
dos.^^^
Destarte, a avaliação da constitucionalidade da norm a, à luz do
principio da proporcionalidade, deve ser aferida com base nas seguin­
tes premissas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito do ato legislativo.
Para Willis Santiago G uerra Filho os subprincípios da adequa­
ção e da exigibilidade ou indispensabilidade determ inam que, dentro
do faticam ente possível, o meio escolhido se preste p ara atingir o fim
estabelecido, m ostrando-se, assim, “adequado” A inda mais, esse meio
deve-se m ostrar “exigível”, o que significa não haver outro, igualmente
eficaz, e m enos danoso a direitos fundamentais.^^'
No que tange à terceira premissa, o autor afirma que o princípio da
proporcionalidade em sentido estrito’ determ ina que se estabeleça um a
correspondência entre o fim a ser alcançado p or um a disposição normativa e o meio empregado, que sejâ juridicamente a m elhor possível.” ^
N o caso, a previsão norm ativa apresenta-se adequada, um a vez
que torna inelegível aquele cidadão cuja vida pregressa não se com pati­
biliza com o exercício de um cargo eletivo.
Por outro lado, o disciplinam ento norm ativo que torna inelegí­
vel o condenado crim inalm ente p o r órgão colegiado, mas ainda sem
235 SARLET, In g o Wolfgang. Valor de A lçada e L im itação d o Acesso ao D u p lo G ra u d e lurisdição. Revista
d a Ajuris 6 6 ,1 9 9 6
236 C A N O T IL H O , 1) G om es; M O R E IR A , Vital. F u n d a m en to s d a Cotjsütuição. C o im b ra ; C o im b ra , 1991,
p, 134.
237 G U ER R A FILH O , W illis S. “O P rin cíp io d a P ro p o rc io n alid ad e e m D ireito C o n stitu c io n a l e e m D ire i­
to P riv ad o n o Brasil”, M u n d o Juridico, JO.05.2003,w w w . m u n d o j u n d i c o . a d v . b r / c g i - b i n / u p l o a d /
t e x t o 3 4 7 . r t f - acesso em-.ló.maio.ZOlO
238 G U E R R A FILH O , W illis S. op.cit
166
trânsito em julgado, foi o meio encontrado pelo legislador de evitar que
cidadãos com m áculas graves em seu passado venham a se to rn ar os
representantes do povo e os adm inistradores de recursos públicos. Em
virtude das características de nosso sistema judiciário, a espera pelo
trânsito em julgado viabiliza que pessoas, m uitas vezes com inúm eras
condenações por desvio de verbas ou até m esm o crimes graves como
o trafico de drogas, venham a exercer m andatos eletivos, sendo suas
cam panhas, inclusive, financiadas com dinheiro proveniente de tais
práticas criminosas.
Assim, a restrição à elegibilidade im posta pela n orm a apresentase necessária, com vistas a dar efetividade ao com ando constitucional
descrito no §9® do art. 14 que transfere para a Lei C om plem entar a
incum bência de estabelecer outros casos de inelegibilidade em que se
considere a vida pregressa do candidato, visando preservar a m oralida­
de e probidade no exercício do mandato.
A proposição apresenta-se proporcional a p artir do m om ento
que os fins nela pretendidos justificam a utilização, com o parâm etro de
aferição d a vida pregressa capaz de acarretar a inelegibilidade, da exis­
tência de condenação crim inal pela prática de determ inados crimes,
que, em virtude de sua natureza, são incompatíveis com o exercício do
m andato eletivo.
A fim de robustecer os argum etos favoráveis à possibilidade de
utilização da condenação crim inal com o ensejador da inelegibilidade
de um cidadão, convém registrar que o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência pacífica no sentido de
que é legítimo o levantam ento da vida pregressa de candidato a cargo
em concurso público, com o fator determ inante para a exclusão do cer­
tame. C om o exemplo, cito o Recurso Extraordinário n “ 233.303/CE^^'^,
cuja relatoria foi do M inistro Menezes Direito, em que o Tribunal, u ti­
lizando precedentes da Corte, afastou a aplicação do art. 5®, LV
da
239 Brasília, S u p rem o T rib u n a l Federal. RE 233.303, Rei. M in. M enezes D ireito, ju lg a m e n to , D /E de l°-0808.
240 A rt. 5° To do s são iguais p e ra n te a lei, .sem d istin ç ão de q u a lq u e r n a tu re z a, g a ra n tin d o -s e aos b rasilei­
ros e aos e stran geiro s residen tes n o País a inviolabilid ad e d o d ire ito à vida, à liberdade, à igualdade, à
s eg uran ç a e à p ro p ried a d e , n o s te rm o s seguintes:
(. ..)
LV - aos litigantes, e m p ro c e ss o ju d ic ia i o u a d m in istra tiv o , e aos ac u s a d o s em geral são a sse g u ra d o s o
c o n tra d itó rio e a m p la defesa, c o m o s m e io s e rec u rso s a ela in erentes;
167
Constituição Federal quando se trate de investigação sum ária sobre a
vida pregressa para efeito de inscrição em concurso público, entendose não haver necessidade, sequer, de contraditório nessa sindicância.
No mesm o sentido, o Superior Tribunal de Justiça, quando do
julgam ento do AgRg no RMS 23819 RO 2007/0061793-4, considerou,
explicitamente, que:
“É constitucional e legal a elim inação de candidato
a concurso público para ingresso n a carreira policial
pela caracterização d e m á co nd uta n a investigação
sum ária d a vida pregressa, sendo irrelevante posterior
absolvição no juízo crim inal, ten do em vista o princípio
d a incom unicabilidade das instâncias”^'^'
Assim, verifica-se que os Tribunais Superiores pátrios adm item
com o constitucionais os atos que excluem candidato em concurso p ú ­
blico, em virtude de sua vida pregressa, m esm o quando inexistente
qualquer condenação transitada em julgado, chancelando, inclusive,
investigações sum árias com o form a de investigação social.
Destarte, se a vida pregressa aferida em simples investigação su­
m ária pode ser m otivo im peditivo para o ingresso no serviço público,
não há com o se dar tratam ento interpretativo diverso quando da ava­
liação dos requisitos necessários à investidura em cargo eletivo, que,
igualmente, exige um a idoneidade m oral compatível com o exercício
dessa atividade.
Constata-se, inclusive, que, no caso das inelegibilidades, esses
critérios de aferição da vida pregressa estão sendo estabelecidos o b­
jetivam ente através de Lei Complementar, assim com o determ ina a
Constituição, garantido ao indivíduo conhecim ento prévio acerca dos
requisitos.
Não parece razoável adm itir tratam ento interpretativo diferen­
ciado para essas duas situações, sob o risco de chancelar a absurda h i­
pótese em que determ inado cidadão que responda a processos crim i­
nais é im pedido de concorrer em concurso público, podendo, contudo,
se candidatar e ser eleito a qualquer cargo eletivo, inclusive ao cargo
mais im portante de nossa estrutura política que é o de Presidente da
República.
241
Brasília, S u p e rio r T rib u n a l d e Justiça. A g R g n o RMS 2 3 8 )9 R O 2007/0061793-4, R d . M in. A rn a ld o
Esteves Lim a. DJe 15/06/2009
168
Assim, o conteúdo norm ativo proposto através da Lei Com ple­
m entar n° 135/2010, oriunda de projeto de iniciativa popular denom i­
nado “Ficha Limpa”, que se apresenta com o um instrum ento que expri­
me o clam or da sociedade para que sejam adotadas m edidas eficazes,
capazes de excluir do cenário político indivíduos não com prom etidos
com os princípios m orais e éticos, necessários ao exercício da função
pública, apresenta-se compatível com a nossa estrutura constitucional,
no tocante à conjuntura harm oniosa dos princípios da presunção de
inocência, da m oralidade e da probidade adm inistrativa.
169
I
1i
170
REFLEXÕES D O U TRIN Á RIA S E JU R IS P R U D E N C U IS SOBRE O
ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97.
J o sé A u g u s to D elg a d o ^
1. IN TR O D U Ç Ã O
A aplicação do princípio da m oralidade nos últim os anos, tem
sido alvo de intensa preocupação do Poder Judiciário, a fim de fazer
cum prir os propósitos inseridos expressamente, a seu respeito, na
Constituição Federal, torn an do efetivo os anseios da cidadania no al­
cance desse valor.
A inserção do princípio da m oralidade, de m odo explícito, na CF,
com o revelam os arts. 37, caput^^\ $ 4**^'*'',
LXXIIF'^^ 14, §
rea242 M in istro d o STJ. D o u to r H o n o ris C au s a pe la U ER N . T itu la r d a C ad e ira n. I d a A cadem ia Brasileira
d e D ire ito T rib u tá rio , se d ia d a em São Paulo. T itu la r da C a d e ira n. 19 d a A c ad e m ia Brasileira de Letras
Juridicas, sed ia d a n o Rio d e Janeiro. P rofessor d e D ireito Público (A dm inistrativ o, T r ib u tá rio e P ro ­
cessual Civil). Professor U F R N (a p o se n ta d o ). E x -p ro fesso r d a U n iv e rsid ad e C atólica d e Pern am bu co .
Professor C o n v id a d o d o C u r s o d e E specialização e m D ire ito P rocessual Civil d o CEÜB-DF. Sócio
H o n o rá rio d a A c ad e m ia Brasileira d e D ire ito T rib utário . Sócio B en e m é rito d o In s titu to N acio nal de
D ire ito Público. C o n se lh e iro C o n su ltiv o d o C o n se lh o N acio nal das In stitu içõ es d e M ed ia ç ã o e A rb i­
tra g e m . In te g ra n te d o G r u p o B rasileiro d a S o ciedad e In te rn a c io n a l d o D ire ito P e n a l M ilitar e D ireito
H u m a n itá rio . Sócio H o n o rá rio d o In s titu to B rasileiro d e E stud os Jurídicos. Sócio d a A sso ciação B ra­
sileira de D ireito Tribu tário.
243 A rt. 37. A ad m in istra ç ão pública d ire ta e ind ireta de q u a lq u e r d o s Poderes d a União, d o s Estados, do
D istrito Federal e d o s M unicípios o be d ec e rá aos prin cíp io s d e legalidade, im pessoalidade, m oralidade,
pub licid ade e eficiência e, ta m b é m , ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 1998)
244 A rt. 37. A a d m in is tra ç ã o pú blic a d ire ta e in d ire ta d e q u a lq u e r d o s Po deres d a U nião, d o s Estados, d o
D istrito Federal e do s M u nicípios o b e d ec e rá aos prin c íp io s d e legalidade, im p e sso a lid a d e , m o ra lid a d e ,
p u b lic id a d e e eficiência e, ta m b é m , ao seguinte: (R edação dada pela Em enda Constitucional n° 19, de
1998)
§ 4" - O s atos de im p r o b id a d e a d m in is tra tiv a im p o r ta r ã o a su sp e n sã o do s d ireitos políticos, a p e rd a da
fu n ç ã o pública, a in d isp o n ib ilid a d e d o s b e n s e o re ssa rc im e n to ao erário , na fo rm a e g ra d a ç ã o previstas
e m lei, sem preju ízo d a a ção pe n al cabível.
245 A rt. 5'= Todos são iguais p e ra n te a lei, sem d istin ç ão d e q u a lq u e r na tu re z a, g a ra n tin d o -s e aos b rasilei­
ros e aos e strang eiros residen tes n o País a inviolabilid ad e d o d ire ito à vid a , à lib e rd a d e , à igu ald ade, à
s e g u ran ç a e à p ro p rie d a d e , n o s te rm o s seguintes:
LXXIU - q u a lq u e r c id a d ã o é p a rte le g itim a p a ra p r o p o r a ção p o p u la r q u e vise a a n u la r ato lesivo ao
p a trim ô n io p ú b lic o o u d e e n tid a d e d e q u e o E sta d o particip e, à m o ra lid a d e a d m in istra tiv a , a o m eio
a m b ie n te e a o p a trim ô n io h istó ric o e cu ltu ra l, ficando o autor, salvo c o m p ro v a d a m á-fé, isento de
c ustas jud iciais e d o ô n u s d a sucu m b ê n c ia ;
246 A rt. 14. A so b e ra n ia p o p u la r será exercida pelo sufrágio universal e pelo v oto d ire to e secreto, c o m va ­
lo r igual p a ra to d o s , e. no s te rm o s d a lei, mediante-, § 9° Lei c o m p le m e n ta r estabelecerá o u tro s casos de
inelegjbilidade e os p razos de su a cessação, a fim de pro te g e r a p ro b id a d e ad m in istra tiv a , a m o ra lid a d e
p a ra exercício d e m a n d a to c o n s id e ra d a v id a p regressa d o c an d id ato , e a n o rm a lid a d e e legitim idade
das eleições c o n tra a in ílu é n c ia d o p o d e r e c o n ô m ic o o u o ab u so d o exercício de fun ção, cargo o u em -
171
briu os debates referentes à repercussão da ética e da m oral na prática
das relações jurídicas, com destaque para as de natureza eleitoral.
Em face desse novo panoram a principiológico, a eficácia e a efe­
tividade da m oralidade estão sendo exigidas com o m áxim o de inten­
sidade n o âm bito dos fenôm enos eleitorais^ a com eçar com a postura a
ser adotada pelos candidatos a cargos eletivos.
A busca de ser im posto respeito absoluto ao princípio da m o ra­
lidade pelos atores do processo eleitoral não tem ficado circunscrita a
simples debate de natureza filosófica, circulando p o r aspectos m etafí­
sicos. O contrário tem acontecido. H á um a m ovim entação crescente
no sentido de ser cristalizada um a conscientização de ser de grande
valia para o aperfeiçoam ento do regime dem ocrático a exigência de um
com portam ento rigorosam ente lícito p or parte dos que fazem a opção
de se subm eterem ao julgam ento dos eleitores para representá-los nas
atividades estatais executivas e legislativas.
A história do direito está a dem onstrar que a adoção da moralida­
de como regra de conduta a ser exercida pelos agentes públicos surgiu na
França, em decorrência da ampliação da teoria do desvio do poder, nos
meados do século XIX. A aceitação imediata da idéia de ser combatido o
desvio de poder pela autoridade pública, conduziu Maurice Hauriou, juris­
ta francês, no início do século XX, a defender a moralidade como princípio
fundamental a nortear qualquer tipo de relação entre o ser humano e o
Estado.A previsibilidade do princípio da moralidade, de forma expressa
e autônoma, na Constituição Federal, reforçou o entendimento de que,
qualquer atividade voltada para realizar fins estatais só alcança aperfeiçoa­
mento se for prestigiada pelo cumprimento das regras morais que lhe são
impostas e vinculação à disciplina legislativa que lhe diz respeito.
Esse panoram a im põe obrigatoriedade ao Poder Judiciário de
examinar, do m odo m ais am plo possível, a conduta do agente que se
candidate a qualquer cargo eletivo, a fim de verificar se a sua eleição
p ara integrar o Poder Executivo ou Legislativo ocorreu de conform ida­
de com os postulados dem ocráticos, especialmente, os que consagrem
o respeito à dignidade hum ana, ao valor da liberdade do voto, à legali­
dade e igualdade.
pre g o n a a d m in is tra ç ã o d ire ta o u ind ireta. (R ed ação d a d a pe la E m e n d a C o n stitu c io n a l d e R evisão n “
4, d e ] 994)
172
No círculo dessas idéias a serem seguidas pelo Poder Judiciário,
deve ser firm ado o entendim ento de que a carga valorativa a ser presti­
giada nas relações jurídicas eleitorais, p o r influência das circunstâncias
que estão presentes na situação em análise, deve ser a m oral legitimada
pelo próprio Direito, isto é, a que esteja contida na coerçâo de um a
norm a reconhecida com o existência, válida, eficaz, efetiva e harm ônica
com os desígnios da Constituição Federal.
O conceito de m oralidade adm inistrativa pregado p o r Hely Lo­
pes Meirelles, serve, sem qualquer alteração, p ara se com preender esse
im portante valor a ser seguido nos fenôm enos jurídicos eleitorais.
Hely Lopes Meirelles, sintetizando o afirm ado p o r M aurice Hauriou, considerado o principal sistem atizador da teoria da m oralidade
adm inistrativa, apregoa que
“a m oralidade adm inistrativa constitui hoje em dia,
pressuposto da validade de to d o ato d a A dm inistração
Pública (art. 37, caput, da CP). N ão se trata, diz H auriou,
o sistem atizador de tal conceito - d a m oral com um , mas
sim de um a m oral jurídica, entendida com o o conjunto
de regas de co nd uta tiradas da disciplina interior da
adm inistração’. D esenvolvendo a sua d outrina, explica
o m esm o autor que o agente adm inistrativo, com o
ser h u m a n o d o ta d o d a capacidade de atuar, deve,
necessariam ente, distinguir o Bem d o Mal, o honesto do
desonesto. E, ao atuar, não p o d erá desprezar o elem ento
ético de sua conduta. Assim, não te rá que decidir som ente
entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente
e o inconveniente, o o p o rtu n o e o in op ortu no , mas
tam bém entre o h onesto e o desonesto. Por considerações
de direito e de m oral, o ato adm inistrativo não terá que
obedecer som ente à lei jurídica, m as ta m b ém a lei ética
da pró pria instituição, po rqu e nem tu d o que é legal é
honesto, conform e já proclam avam os rom anos - non
om inae quod licet ho n estu m est. A m oral com um ,
rem o ta H auriou, é im posta ao h o m em para a sua
con du ta externa, a m oral adm inistrativa é im posta ao
agente público para a sua co n d u ta interna, segundo as
exigências da instituição a que serve, e a finalidade de
sua ação: o b em com um ”.
Conclui Hely Lopes:
“O C erto é que a m oralidade do ato adm inistrativo,
ju n tam e n te com a sua legalidade e finalidade, constituem
pressupostos de validade, sem os quais to da atividade
173
pública será ilegítima. (Direito A dm inistrativo Brasileiro,
15® ed., São Paulo, RT, 1990, p. 79/80)
Registramos, encerrando essa fase introdutória de conceituaçào
do princípio da m oralidade, as precisas observações feitas p o r Juarez
Freitas, sobre a autonom ia, em nosso ordenam ento jurídico, do prin cí­
pio da m oralidade. Assevera o autor citado:
“N o tangente ao princípio da m oralidade, p o r mais
que tentem assímíIá-Io a outras diretrizes e conquanto
exp erim entando p ro nu nciad a afinidade com todos os
dem ais princípios, certo é que o constituinte brasileiro,
com todas as im ensas e profundíssim as conseqüências
técnicas e herm enêuticas que deles advêm, pretendem
conferir autono m ia jurídica ao principio d a m oralidade,
ao qual veda condutas eticam ente inaceitáveis e
transgressoras ao senso m oral da sociedade, a p o n to de
não co m portarem condescendência.
De certo m odo, tal princípio p o d erá ser identificado com
o d a justiça d eterm in a r que se trate a outrem do m esm o
m o d o que se apreciaria ser tratado. O outro, aqui, é a
sociedade inteira, m otivo pelo qual o princípio da
m oralidade exige que, fu n d am en tad a e racionalm ente,
os atos, contratos e p rocedim en to s adm inistrativos
v en h am a ser contem plados à luz da orientação decisiva
e substancial, que prescreve o dever de a A dm inistração
Pública observar, com pro nu nciado rigor e a m aior
objetividade possível, as referências v ahrativas basilares
vigentes, cu m prin do , de m aneira precípua até, proteger e
vivificar, exem plarm ente, a lealdade, e a boa-fé para com
a sociedade, b em com o travar o com bate co ntra toda
e qualquer lesão m o ral provocada p o r ações públicas
destituídas de probidade e h o n rad ez”. (O C ontrole dos
Atos A dm inistrativos e os P rincípios Fundam entais, SR,
M alheiros, 1997, pp. 67/68).
A obediência ao princípio da m oralidade, em qualquer
tipo de relação jurídica, torna-se essencial a “concreção
e persistência do Estado de D ireito ou do Estado
Social e D em ocrático de Direito, en ten dido este com o
aprim o ram en to daquele e n ão com o categoria distinta”
(W eida Zancaner, Prof. Dir. A dm inistrativo d a PU C /
SP, Assessora Jurídica do T ribunal de C ontas do
Estado de São Paulo) em “Razoabilidade e m oralidade:
Princípios C oncretizadores do Perfil Constitucional do
Estado Social e D em ocrático de Direito”, pub. hupi/zw-ww,
d irc ito p u b iico -c o m .b r, acessado em 2 1 . 0 8 . 0 7 ) .
174
2 - ASPECTOS HISTÓRICOS DO ART. 41-A DA LEI N. 9.504, DE
1997.
A crescente conscientização da sociedade em ser obedecido o
princípio da m oralidade nas relações jurídicas de qualquer natureza,
motivou, em face do grave explícito com portam ento do voto para a
eleição de candidatos aos cargos do Executivo e do Legislativo, em m ui­
tas oportunidades, ser trocado p or dinheiro, cestas-básicas, m edica­
m entos, prestação de serviços médicos e outras vantagens, o surgim en­
to de u m a cam panha nacional para com bater esse tipo de concepção
eleitoral.
Esse m ovim ento coordenado pela OAB, AMB, HABI, CUT, C o n ­
federação dos Bispos e outras entidades associativas, após ter identi­
ficado a inexistência de legislação específica p u nind o esse atentado à
dem ocracia e à m oralidade eleitoral, form ulou um projeto de iniciativa
popular, apoiado no art. 61, § 2°,da CF, com mais de 1 m ilhão de assi­
naturas, que, ao ser apresentado no Congresso Nacional, e seguindo os
seus trâm ites legais, resultou na Lei Federal de n. 9.840, de 28.09.1999,
que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 9.504, de 30.09.1997, com a seguin­
te redação:
Art. 41-A - Ressalvado o disposto no art, 26 e sem
incisos, constitui captação de sufrágio, vedado p o r esta
lei, o candidato doar, oferecer, prom eter, ou entregar,
ao eleitor, com fim de obter-lhe voto, bem ou vantagem
pessoal d e q ualquer natureza, inclusive em prego ou
função pública, desde o registro da can did atura até
o dia da eleição, inclusive, sob p en a de m ulta de mil
a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do
diplom a, observado o pro ced im en to previsto no art. 22
da Lei C om p lem entar n. 64, de 18 de m aio de 1990.
O referido dispositivo legal passou, conseqüentem ente, a vigo­
rar, em toda a sua plenitude, sem determ inar conflito, com o art. 299
do Código Eleitoral. Este regram ento considera crim e eleitoral a ação
de doar, oferecer e prom eter vantagem de qualquer natureza ao eleitor,
para conseguir o seu voto.
Temos, portanto, o ato de doar, oferecer ou prom eter qualquer
vantagem para o fim de ser beneficiado pelo voto, com o determ inante
da possibilidade do candidato ser punido tanto na esfera eleitoral pe-
175
nal, com o na esfera eleitoral cível. Nesta, são severas as punições: m ulta
e cassação do registro da candidatura ou do diplom a concedido.
O art. 41-A, introduzido na Lei n. 9.504, de 1997, em 1999, pela
Lei n, 9.840, de 28.09.99, veio ao encontro da vontade da sociedade de
testem unhar, de m odo rígido, a punição dos candidatos autores de ilí­
citos eleitorais, especialmente, o de com pra de voto ou votos, regra que
cabe à Justiça Eleitoral zelar pelo seu integral cum prim ento.
O art. 41-A introduzido pela Lei n° 9.840, de 22.09.90, na Lei n.
9.504, de 30.09.97,encerrou um ciclo de mais de 500 anos onde se con­
viveu com precário sistema eleitoral, com características identificados
p o r M órton Jacinto Reis, Juiz de Direito, em excelente artigo intitulado
“M ercadores de Votos, cerca-igrejas e cacetistas ( http://jus 2 .uoi.c om.br/c ioutrina/texio.asp^id=5324), que, pclas boas idéias nele contido, transcrevem os de m odo
integral:
“P or m ais d e 500 anos, u m precário D ireito Eleitoral
vem teim ando em ten tar provar aos brasileiros que
dem ocracia é assunto sério dem ais para que dele possam
cuidar as pessoas do povo.
E ntre a C olônia e a P rim eira República o país conviveu
com o den o m in ad o “sistem a de veriAcação de poderes”,
p o r m eio do qual o processo eleitoral era presidido pelos
m em bros d o Parlam ento.
Os m étodos de seleção dos m andatários, até então,
com binavam leis injustas (com o a Lei do Terço, de 1875,
que fixava a antecipadam ente a proporção das vagas a
serem ocupadas pela oposição, e a Lei Rosa e Silva,
de 1904, que autorizava o ‘Voto a descoberto”) com
falsificações, abusos e violência.
São daquela época as “eleições a bico d e pena” on de
q u em de fato escolhia os novos m andatários n ão eram
os eleitores, m as os m esários que, sozinhos o u com o
concurso d e falsários profissionais, elaboravam as atas
reveladoras do “resultado” d a eleição.
Era com um o voto dos m ortos e daqueles que não mais residiam
na vila. Por séculos não votaram as mulheres, os negros, os m endigos e
os analfabetos.
Em certa época, os eleitores de oposição eram esperados à boca
das urnas por agressores mercenários, conhecidos, conform e a região,
com o “capoeiras”, “capangas” ou “cacetistas”. A violência que p ro m o ­
176
viam não raro evoluía para as punhaladas e tiros de bacamarte. Costa
Porto nos lem bra que o ano de 1840, no Rio de Janeiro, entrou para a
história como aquele em que se deram as “eleições do cacete”.
Ainda no Império, a certa altura, definiu-se que as votações pas­
sariam a ocorrer dentro dos tem plos católicos, para sensibilizar ou inti­
m idar a capangagem. No Ceará, ficaram conhecidos com o “cerca-igrejas” as hordas que, sob paga dos coronéis, invadiam os templos e faziam
uso das próprias imagens e castiçais para arrebentar a cabeça dos que
tentassem exercer o direito de voto.
Se m esm o após a utilização de alguns ou de todos esses m eca­
nism os o resultado eleitoral não fosse o esperado, restavam outras al­
ternativas: aos da situação, cuja eleição tão esperada não sobreviera,
aplicava-se o “esguicho” (ou com plem entação fraudulenta da votação
faltante); aos oposicionistas mais indesejáveis restava a “degola” (ou a
p u ra e simples retirada de seus nom es da lista dos eleitos).
Não sem m uitas baixas (o com bate à fraude eleitoral era um a das
principais bandeiras de m uitos dos m ovim entos contestatórios da dé­
cada de 20 e da própria Revolução de 30), surgiu o Código Eleitoral de
1932 e, com ele, a Justiça Eleitoral.
Desde então conseguimos, entre ditaduras e leis eleitorais casuísticas excludentes, trilhar alguns passos ru m o ao m om ento atual, em
que sobrepaira a possibilidade de um a m elhor definição dos rum os de
nossa democracia.
Bem recentem ente surgiram algumas novidades. Juntas, a nova
Lei dos Partidos Políticos (1995), a Lei das Eleições editada em 1997
(que dotou as norm as eleitorais de m aior estabilidade) e a universali­
zação d a coleta eletrônica do voto superaram , apesar de suas im perfei­
ções, as mais graves m áculas do passado do nosso Direito Eleitoral.
Descrentes da possibilidade de burlar o resultado m atem ático da
votação, os candidatos voltaram todas as suas energias à prática da mercancia eleitoral.
Os “cerca-igrejas” e “cacetistas” m odernos não mais distribuem
porretadas e punhaladas, mas dentaduras, chinelos, filtros, promessas
de empregos e funções públicas, lotes, telhas, tijolos, areia e dinheiro.
Tudo em porciúnculas cuidadosam ente definidas, de m odo que em
nada se possa alterar a sorte daqueles que, na próxim a eleição, terão
177
que novam ente bater à porta dos seus “benfeitores”. A motivação e a
violência são as mesmas, as armas, todavia, m udaram .
Um grande passo foi dado, em 1999, contra esta forma de agressão
eleitoral, por meio da aprovação do prim eiro projeto de lei de iniciativa
popular da história do Brasil: a Lei n° 9.840, de 28 de setembro de 1999.
Nos quatro primeiros anos de sua aplicação cento e vinte de candidatos a
vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal e senador viram
contra si proferidas sentenças em que se reconhecia a prática da captação
ilícita de sufrágio (denominação legal da “com pra de votos”). Desse total
aproximadamente 80% foram já foram afastados dos cargos.
Curiosam ente, às vésperas de novas Eleições Municipais, surgem
agora no Senado Federal projetos voltados a to rnar ineficaz a lei prove­
niente da mobilização de mais de um m ilhão de brasileiros.
A principal finalidade dos projetos é evitar a pronta execução das
decisões judiciais que aplicam a m edida de cassação do registro ou do
diploma.
A rgum entam os seus defensores que a eficácia im ediata das sen­
tenças e acórdãos, hoje expressamente adm itida pelo TSE, afronta os
princípios constitucionais da “segurança jurídica” e da “presunção de
inocência”. Tais afrontas, no entanto, inexistem. A lei afronta a coisa ju l­
gada, o direito adquirido ou o ato jurídico perfeito. Também não coíbe
o exercício do direito de defesa ou o m anejo de qualquer recurso. Tam­
pouco cuida de m atéria penal, a cujos específicos lindes a Constituição
voltou o prim ado da inocência presum ida.
Em lugar de buscar as lições dos grandes constitucionalistas b ra ­
sileiros que estudaram tais princípios, os apressados defensores dessa
alteração passaram a repeti-los e a levantá-los com o bandeiras de sua
batalha injusta. Esquecem da necessidade de proteção ao princípio da
igualdade e de que vivemos nu m Estado que se proclam a dem ocrático
e de Direito, o que significa, dentre tantas outras coisas, que os candi­
datos devem agir conform e as leis n a busca dos m andatos almejados.
Todos sabem os que a exigência do trânsito em julgado nas de­
cisões da Justiça Eleitoral sempre ensejou a interposição sucessiva e
protelatória de recursos, perm itindo que os m andatos se cum prissem
em sua inteireza antes da superveniência do esgotamento das vias impugnativas.
178
Os projetos que visam à m utilação da lei de iniciativa popular
bem lem bram o “esguicho” da República Velha, naquilo em que p e r­
m item o exercício do m andato p o r quem não logrou legitimam ente
alcançá-lo. Aos honestos e aos despossuídos, restará a nova Megola”,
decorrente da preponderância daqueles que, não fosse o am or ao ilícito,
jamais seriam eleitos para ocupar cargo algum”.
A evolução dos entendim entos para a aprovação do art. 41-A e,
conseqüentem ente, a sua introdução na Lei n. 9.504, de 30.09.1997, foi
detectada p o r M arlusse Pestana Daher, Prom otora de Justiça no Estado
do Espírito Santo, conform e descreve n o artigo “Lei 9.840/99 - eleições
m unicipais e corrupção eleitoral” (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1531). Destacamos, do referido artigo, o trecho seguinte;
“D epois de m uitas articulações, coligações e outras
iniciativas necessárias, foi deflagrado o processo
sucessório, p o d e ser reeleição, dos atuais detentores do
p o d er nos m unicípios d a terra d o Brasil.
Neste ano, com particu lar característica, já que, agora,
d ispo m os de u m a lei capaz de coibir os abusos e absurdos
que invariavelmente, v in ham acontecendo em tem po
de eleição, favorecidos pela falta de um m eio eficaz e
inibidor de tais desatinos.
Para que a lei valha, faz-se necessário qu e o m ilhão
de signatários do projeto que a fez surgir, continue
mobilizado, sentindo-se enriquecido pelas adesões
posteriores e pela efetiva vontade que a todos nos
possui de p o r u m basta àqueles desm andos, facilitados
pelo dinheiro, nem sem pre limpo, de qu em tem , o que
possibilita o assalto ou a chegada ao poder, p o r parte
d e pessoas desqualificadas, despreparadas e que nunca
deveriam conquistá-lo, porqu e no seu exercício, jamais
se lem bram que exercer u m m an d ato político não é
sobrepor-se aos concidadãos, m as estar a serviço deles.
N ão p ode ser ensejo de auto prom oção.
Pela C onstituição cidadã, é reconhecido aos cidadãos
brasileiros, o direito de apresentarem tanto em âm bito
nacional, com o m unicipal, projeto de iniciativa popular,
um direito político, ao lado do plebiscito e do referendo,
É exercido na form a da lei, m ediante apresentação à
C âm ara dos D ep utado s com subscrição m ínim a, de um
p o r cento d o eleitorado nacional, distribuído pelo m enos
p o r cinco Estados, com n ão m en os d e três décim os po r
cento dos eleitores de cada u m deles.
Passaram -se
quase
179
onze
anos
da
prom ulgação
constitucional para surgir a Lei 9.840 de 28 de setem bro
de 1999, com o resultado do prim eiro projeto de iniciativa
po p u lar em nosso país, apresentado ao Congresso
N acional em 10 de agosto do m esm o ano. Modifica
alguns dispositivos d a Lei 9.504, de 30 de setem bro de
1997 que disciplina sobre as eleições para os diferentes
m andatos políticos d e V ereador a d e P residente da
República e fixa o prim eiro d om ingo de o utubro do ano
respectivo para sua realização. Altera dispositivos do
Código Eleitoral, a lei 4.737 de 15 de ju lh o de 1965.
C om algum as em endas im pressas pelos congressistas, as
quais co ntudo não chegaram a desn ortear os objetivos
iniciais propostos, foi v otado em tem po recorde.
A presentar em endas é faculdade que lhes assiste.
O Estado do Espírito Santo p articipo u com 53.144
assinaturas, ficou atrás apenas de M inas Gerais, do
Paraná e d e São Paulo, o que nos autoriza a dizer que
proporcionalm ente ao n ú m e ro de eleitores, ficamos em
prim eiro lugar.
Foi a C om issão Brasileira de Justiça e Paz que
considerando que dois terços d a nossa população vive
em absoluta carência, qu an to m ais d e consciência
política; que nesta faixa, p o r tais razões a com pra de
votos é facilitada, chegando a ser decisiva n u m a eleição,
o que é nefasto e prejudicial à dem ocracia; que depois de
pesquisa a nível nacional, de audiências públicas e outras
mobilizações, sentiu ainda mais, a gravidade do fato.
Por isto em fevereiro de 1997, fez lançam ento de um
projeto: “C o m baten do a corrupção eleitoral” e de certa
form a, dava continuidade a C a m p a n h a d a Fraternidade
de 1996, cujo tem a foi “F raternidade e Política".
E co m o form a concreta d e alcançar u m m eio do qual se
valer em tal com bate, pela expressividade e pela força
de que se revestiria, p en so u no projeto de iniciativa
popular. N ão ta rd o u para que a idéia atraísse m uitas
atenções. C om preendia-se que algo de m uita im portância
estava p o r acontecer. N em é que a corrupção eleitoral
já não fosse tipificada com o crim e no seu Código. Mas
é q u e a famosa lentidão d a justiça, decorrente até das
m anhas a que está sujeita u m a tram itação processual,
facilitava a im punidade. Im p u n h a-se p o r conseguinte o
surgim ento de u m a nova lei que agisse de imediato.
Para a redação do respectivo projeto foi form ado um
G rup o de T rabalho que veio a ser presidido pelo D r
Aristides Junqueira Alvarenga, ex-P rocu rado r G eral da
República, qu e foi q u em o apresentou na Assembléia
G eral dos Bispos Brasileiros. Era form ado ainda pelo
Dr. D yrceu A guiar Dias C intra Jr., ex-juiz Eleitoral em
180
São Paulo e pelo D r. José G erim Cavalcanti, P rocurador
Regional Eleitoral do Estado do Ceará.
C om a conquista da Lei, em pen ha-se a Com issão
Brasileira de Justiça e Paz apoiada pela Conferência
N acional dos Bispos d o Brasil em fazer valer o que nela
está previsto. Neste sentido, nos dias que correm , h á um a
grand e m obilização nacional, envolvendo as Com issões
de Justiça e Paz em cada Estado, nas A rquidioceses e
Dioceses. C om o in stru m en to de divulgação, foi editado
u m livreto - publicado pelas Edições Paulinas, cujo
título é VAMOS ACABAR COM A CORRUPÇÃO
ELEITORAL, m ediante u m lema; VOTO NÃO TEM
PREÇO, TEM CONSEQÜÊNCIAS. Redigido com
clareza e precisão con tém inclusive m odelos das
iniciativas que p o d em ser tom adas p o r quem a lei faculta.
Além disto, disponibilizou m uitas outras inform ações na
sua página na in tern et (www.cbpj.org.br).
Pela nova Lei oco rreram duas inovações, a p rim eira é
n o sentido de que o candidato que de qualquer forma
ou usando de qualquer artifício estiver comprando
votos, além de receber a p en a já prevista no código,
com a tram itação do processo penal tradicional, terá
mediante um procedimento sumário, seu registro
cassado e ainda pagará uma multa. A outra, inibe o
uso da máquina administrativa em favor da própria
candid atura o que vai suceder com prefeitos candidatos
à reeleição principalm ente, pelo fato de pod erem
concorrer, sem ter que deixar o cargo.
Temos dito que m ais do que de D em ocracia, im porta
falar em Cidadãos. Se existirem estes, aquela virá com o
conseqüência.
Q ualquer
cidadão
brasileiro,
qualificando-se,
m encion an do o nú m ero do seu título de eleitor, poderá
proceder à representação da conduta do candidato ao
P rom o to r Eleitoral da respectiva zona. Ao Prom otor,
com pete representar o infrator ju n to ã Justiça Eleitoral,
mais precisam ente ao Juiz Eleitoral, cujas funções
na respectiva circunscriçâo correspondem as do
C orregedor-G eral ou Regional m en cio nado n a lei. Assim
que to m ar conhecim ento das reclam ações que lhe forem
feitas verbalm ente ou por escrito, o Juiz deve reduzi-las a
term o e determ in a r as providências que cada caso exigir.
A lém do P ro m o to r p o d em exercer a m esm a faculdade,
os p artid o s políticos, as coligações e m esm o quem for
candidato.
Caso o Juiz retarde a decisão p o d erá haver representação
direta ao Tribunal Regional Eleitoral que resolverá em 24
(vinte e quatro) horas.
181
Se quiserm os, po dem o s m u d a r o curso d a história que
vem sendo escrita n o p erío d o que antecede as eleições
no Brasil, suas conseqüências se estendem além dos
quatro anos dos m and ato s dos que os conquistam
desonestam ente.
Q u e decidam os extirpar do cenário político os que
galgam tais m andatos, valendo-se d a carência dos
m ilhares de eleitores sem condição de bem discernir, até
pela fome, m ed ian te com pra do seu voto.
Tom ara que não retardem os por mais qu atro anos os
resultados e as conquistas que o advento dessa lei nos traz,
que nin gu ém ven d a seu voto, que n in gu ém se cale a vista
do uso d a m á q u in a adm inistrativa e não só denuncie,
m as acom panhe a efetiva punição do transgressor.
E starem os e n c u rtan d o o tem po que nos separa d a aurora
de um dia com m eno s exclusão, com m enos excluídos”
3 - INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ART. 41-A DA LEI
9.504, DE 30.09.1997, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.
O Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de sua com petência
constitucional, quando provocado, vem interpretando e aplicando o
art. 41-A inserido na Lei n. 95.04, de 30.09.1997, de m odo que os seus
propósitos produzam os mais intensos efeitos de eficácia e efetividade.
C om o objetivo de ser apresentada u m a visualização mais ampla
possível do posicionam ento do TSE sobre o tema, passamos a registrar,
em form a de enunciados, dezenas de precedentes jurisprudenciais. Eilos:
E nunciado 1. Inexiste conexão entre a ação de
im pugnação de m and ato eletivo com base no art. 41-A
d a Lei n® 9.504/97 e ação penal p o r infração ao art. 299
do Código Eleitoral (corrupção eleitoral), m esm o que os
fatos sejam idênticos (AC n. 3.949, de 15.04.2003 e AC n.
21.137, de 08.04.2003).
Enunciado 2. A doação de cestas básicas com prom essa
de voto constitui captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da
Lei n. 9.504/97) A córdão no RO n. 907, de 17.08.2006).
E nunciado 3. Dar, oferecer, prom eter, solicitar ou receber,
para si ou para outrem , dinheiro, dádiva ou qualquer
182
ou tra vantagem , para si ou para outrem , par ao fim de
conseguir ou p ro m eter abstenção configura a infração
prevista no art. 41-A, p o r interpretação analógica (AgRg
M C n . 1.850, de 3.8.2006).
E nunciado 4. O oferecim ento de carteira de habilitação
em tro ca de votos configura o delito do art. 41-A da Lei
n. 9.504/97 (RO n. 777, de 6.4.2006).
E nunciado 5. Verificado u m dos núcleos do art. 41-A da
Lei n. 9.504/97, doar, oferecer, pro m eter ou entregar ao
eleitor b em ou vantagem pessoal de qualquer natureza no p erío d o com p reend id o do registro da can didatura até
o dia da eleição, inclusive, presum e-se o objetivo de obter
voto, sen do desnecessária a prova visando a d em on strar
tal resultado. P resum e-se o que no rm alm en te ocorre,
sendo excepcional a solidariedade no cam po econômico,
a filantropia. (Resp n. 25146, de 7.3.2006, rei. Min. Marco
Aurélio).
E nunciado 6. As prom essas genéricas, sem o objetivo
de satisfazer interesses individuais e provados, não são
capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei n.
9.504/97 (Prom essa de pavim entação de via pública sem
pagam ento de contribuição pelos m oradores) (AC n°
5.498, de 11.9.2005), rei. M in. G ilm ar Mendes).
E nunciado 7. Para a caracterização d a infração ao art.
41-A d a Lei das Eleições, é desnecessária que o ato de
com p ra de votos ten h a sido praticado diretam ente pelo
candidato, m o stran do-se suficiente que, evidenciado o
benefício, haja participado de q ualquer form a ou com ele
consentido. (A córdão n. 21.264, A córdão n. 21.792, de
15.9.2005, Rei. M in. C aputo Bastos) (Caso: D istribuição
de p on to s de luz).
E nunciado 8. C onfigura a captação ilícita de sufrágio
(art. 41-A da Lei n. 9.504/97) a m anutenção, período
eleitoral, de cu rsinh o pré-vestibular gratuito e outras
benesses, às vésperas d a eleição, p o r revelar o intuito do
candidato em obter votos, pois, para a caracterização
da con du ta ilícita é desnecessário o pedido explícito de
votos, b astan do a anuência do candidato e a evidência do
especial fim de agir. (Ac. N. 773, de 24.8.2004, rei. Min.
Carlos Velloso).
E nunciado 9. A configuração do ilícito inscrito no art.
41-A d a Lei n. 9.504/97, conform e a Lei n. 9.840/99, não
exige a aferição da potencialidade de o fato desequilibrar
a disputa eleitoral (AC n. 21.264, de 27.4.2004).
183
E nunciado 10. A alegação de dem issão de servidores que
não apoiassem determ in ad o candidato e nom eação de
outros que fossem sim patizantes d a candidatura, sem
prova de que o candidato p o r si ora p o r terceiro tenha
praticada essa ação com p edido de voto, não configura
a infração do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (AC n. 704, de
8.4.2003).
E nunciado 11 - “(...) II - C aptação ilícita de sufrágios
(Lei no 9.504/97, art. 41-A): não- caracterização.
N ão configura a captação ilícita de sufrágios, objeto do
art.41-A da Lei n o 9.504/97, o fato, d o cu m en tad o no
‘protocolo de intençõesquestionado no caso, firm ado
entre os representantes de diversas igrejas d e d eterm in ado
m unicípio - travestidos de m em b ro s do conselho ético
de um p artid o político - e certos candidatos a prefeito
e vice-prefeito, que form alm ente se com prom etem , se
eleitos, ao atend im en to de reivindicações im putadas à
com un id ade evangélica’ e explicitadas no instrum ento,
entre elas, a doação de u m imóvel do patrim ô nio
m unicipal, se não voltadas as prom essas a satisfazer
interesses patrim oniais privados.”
(Ac. no 19.176, de 16.10.2001, rei. M in. Sepúlveda
Pertence.)
Enunciado. 12 - N ão configura co nd uta vedada pelo
art. 41-A da Lei n o 9.504/97 prom essa de cam p an ha no
sentido de m a n ter p ro gram a m unicipal de benefícios.
Recurso conhecido e provido."
(Ac. no 2.790, de 8.5.2001, rei. M in. Fernando Neves.
E nunciado 13 - N a linha d a ju rispru dên cia desta Corte,
estando com provado que houve captação vedada
de sufrágio, não é necessário estejam identificados
no m in alm ente os eleitores que receberam a benesse em
troca de voto, bastando para a caracterização do ilícito a
solicitação do voto e a prom essa o u entrega d e b em ou
vantagem pessoal de qualquer natureza. (...)”
(Ac. de 16.2.2006 no REspe no 25.256, rei M in. Cesar
Asfor Rocha.)
E nunciado 14 - A caracterização d a captação ilícita de
sufrágio requer qu e a oferta ou prom essa de entrega de
benefício o co rra desde o registro da cand idatu ra até o
dia da eleição. (...)”
(Ac. de 29.6.2006 no AgRgREspe no 25.795, rei. Min.
Caputo Bastos.)
184
E nunciado 1 5 - 0 term o inicial do p erío d o de incidência
da regra do art. 4 1- A d a Lei no 9.504, de 1997, é a data em
que o registro da can didatura é requerido, e não a do seu
deferim ento. 2. Para a caracterização de con du ta descrita
no art. 41-A da Lei no 9.504, de 1997, é im prescindível
a d em onstração de que ela foi praticada com o fim de
obter o voto do eleitor.” NE: D oação pelo prefeito, précandidato à reeleição, de 4 tíquetes-refeição a um eleitor
e solicitação à co m p an h ia de água e esgoto para não
suspender o fornecim ento ao m esm o eleitor. Ausência
de com provação d a finalidade de obtenção de voto.
(Ac. no 19.229, de 15.2.2001, rei. M in. Fernando Neves.)
E nunciado 16 - Configura captação ilícita de votos,
glosada no art. 41-A da Lei no 9.504/97, a m anutenção
de curso gratuito com entrega de m aterial contendo
propaganda eleitoral.”
Ac. no 882, de 24.5.2005, rei. M in. Marco Aurélio.)
E nunciado 17 - Para a configuração do ilícito previsto
no referido art. 41-A, não é necessária a aferição
d a potencialidade de o fato desequilibrar a disputa
eleitoral, p orq u an to a proibição de captação de sufrágio
visa resguardar a livre vontade do eleitor e não a
n o rm alid ad e e equilíbrio do pleito, nos term os da
pacífica jurisp rud ência desta C o rte (A córdão no 3.510).”
(Ac. no 21.248, de 3.6.2003, rei. M in. Fernando Neves.)
E nunciado 18 - A decisão que julgar procedente
representação p o r captação de sufrágio ved ada por
lei, com base no art. 41-A d a Lei no 9.504/97, deve
ter cu m prim ento im ediato, cassando o registro ou o
diplom a, se já expedido, sem que haja necessidade da
interposição de recurso contra a expedição de diplom a
ou de ação de im pugnação de m an d ato eletivo.” NE: “(--)
no caso de captação de votos vedada p o r lei, não há que
se indagar sobre a potencialidade de o fato influir no
resultado da eleição (...).”
(Ac. no 19.739, de 13.8.2002 , rei. M in. Fernando Neves.)
E nunciado 19 - N o art. 41-A da Lei no 9.504/97, o bem
protegido não é o resultado d a eleição, e sim a vontade
do eleitor, n ão havendo que falar-se em potencialidade
para influir no resultado da eleição. (Ac. no 19.553, de
21.3.2002, rei. M in. Sepülveda Pertence.)
E nunciado 20 - A caracterização d a captação ilícita de
sufrágio h á de ser d em o n strad a m ed ian te prova robusta
de que o beneficiário praticou ou anu iu com prática das
185
condutas descritas n o art. 41-A da Lei no 9.504/97.
(...)” (Ac. de 31.10.2006 no AgRgAg no 7.051, rei. M in.
Caputo Bastos.)
E nunciado 2 1 - 0 art. 41-A d a Lei no 9.504/97 só tipifica
a captação ilícita de votos entre candidato e eleitor, não
a configurando a vantagem dada ou p ro m etida p o r u m
candidato a outro, visando a obter-lhe a desistência. 2.
Recurso não conhecido.”
(Ac. no 19.399, de 23.10.2001, rei. M in. Sepúlveda
Pertence.)
Enunciado. 22 - Não há falar em inconstitucionalidade
do art. 41-A d a Lei no 9.504/97, tese, inclusive, rejeitada
pelo Suprem o T ribunal Federal n o recente julgam ento
d a Adin no 3.592, relator M inistro G ilm ar Mendes.
(Ac. de 21.11.2006 no AgRgREspe no 25.258, rei. Min.
Caputo Bastos.)
E nunciado 23 - Art. 41-A d a Lei no 9.504/97.
C onstitucionalidade. (...) A cassação do registro ou do
diplom a em decorrência d a captação ilícita de sufrágio
não gera declaração de inelegibilidade.
(Ac. de
22.9.2005 no AgRgREspe no 25.241, rei. M in. H um berto
Gomes de Barros; no mesm o sentido o Ac. de 9.3.2006 no
REspe no 25.579, do m esm o relator; o Ac. de 8.11.2005
no EDclRO no 882, rei. M in. Marco Aurélio; o Ac. de
10.5.2006 no AgRgREspe no 25.787; e o Ac. de 8.8.2006 no
AgRgREspe no 25.790, rei. M in. Caputo Bastos.)
E nunciado 24 - “Representação. Captação ilegal de
sufrágio. Oferta. Pagam ento. Form aturas. Art. 41 - A d a Lei
no 9.504/97. Art. 22 d a LC n o 64/90. Prefeito candidato
ã reeleição. Vereador. Extinção sem julgam ento de
m érito. Falta de citação do vice-prefeito. Litisconsórcio
necessário. Inexistência. Decadência. N ão-ocorrência.
1. Em representação em que se im p uta a prática de ato
ilegal apenas ao prefeito, não é necessária a citação do
vice-prefeito. Inexistência de litisconsórcio necessário.
2. Por se tratar de u m a relação jurídica subordinada, o
m andato d o vice-prefeito é alcançado pela cassação do
diplom a do prefeito de sua chapa.” (Ac. no 19.782, de
27.6.2002, rei. M in. Fernando Neves.)
E nunciado 25 - A nulados m enos de 50% dos votos
válidos, im põe-se a posse do candidato segundo
colocado, e não a aplicação do co m and o posto n o art.
224 do C ódigo Eleitoral. 6. Recurso especial eleitoral
parcialm ente conhecido e não provido.”
(Ac. de 17.8.2006 no REspe no 25.937, rei. M in. José
Delgado.)
186
E nunciado 26 - “Eleição m ajoritária m unicipal.
Renovação. Art. 224 do C ódigo Eleitoral. Prefeito e viceprefeito que tiveram seus diplom as cassados p or ofensa
ao art. 41 -A da Lei no 9.504/97. Registros. Indeferimento.
Prevendo o art. 222 do Código Eleitoral a captação de
sufrágio com o fator de nulidade d a votação, aplica-se o
art. 224 do m esm o diplom a nos casos em que houver a
incidência d o art. 41 -A d a Lei n o 9.504/97, se a nulidade
atingir mais de m etade dos votos. H avendo renovação
da eleição, p o r força do art. 224 do C ódigo Eleitoral, os
candidatos não co ncorrem a u m novo m andato, mas,
sim, disputam com pletar o perío do restante de m andato
cujo pleito foi anulado (iniciado em lo.l.2 00 1, findando
em 31.12.2004). Aquele que tiver con tra si decisão com
base no art. 41-A não p o d erá participar d a renovação do
pleito, p o r haver dad o causa a sua anulação. O bservância
ao principio da razoabilidade. Recursos especiais
conhecidos pela divergência, a que se negam provim ento,
con firm and o a decisão que indeferiu os registros dos
recorrentes.” (Ac. no 19.878, de 10.9.2002, rei. M in. Luiz
Carlos Madeira.)
E nunciado 27 - Tratando-se de decisão fu n d ad a no art.
41- A da Lei no 9.504/97, a ju risp ru dência deste Tribunal
Superior é pacífica q uanto à possibilidade de execução
im ediata do julgado. Precedentes. 2. A regra do art. 257 do
C ódigo Eleitoral estabelece que os recursos eleitorais não
terão efeito suspensivo, o que, excepcionalm ente, pode
ser concedido, desde que presentes circunstâncias que
o justifiquem . Precedentes. 3. Esta C o rte Superior tem
reiteradam ente assentado a conveniência de se evitarem
sucessivas alterações no com and o d a adm inistração.
Precedentes. M edida cautelar indeferida.” (Ac. no 1.385,
de 26.8.2004, rei. M in. Caputo Bastos; no mesm o sentido
do item 1 da em enta o Ac. de 9.3.2006 no AgRgM S no
3.427, rei. M in. H um berto Gomes de Barros.)
Obs. “M edida cautelar. (...) C ondenação. Candidato.
Vereador. C aptação ilícita de sufrágio. Art. 41-A d a Lei
no 9.504/97. Cassação. Decisão. Indeferim ento. Pedido
de execução im ediata de acórdão regional. Recurso.
N ão-interposição. Preclusão. Fum us boni iuris. Ausência.
Cautelar Indeferida".
(Ac. no 1.315, de 11.3.2004, rei. M in. Fernando Neves.)
E nunciado 28 - As decisões fundadas no art. 41-A têm
aplicação im ediata, m esm o se forem proferidas após a
proclam ação dos eleitos.” (Ac. no 19.587, de 21.3.2002,
rei. M in. Fernando Neves.)
187
E nunciado 29 - “C aptação ilícita de sufrágio (Lei no
9504/97, art. 41-A). Representação julgada procedente
após a eleição. Validade da cassação im ediata do
diploma; inaplicável o art. 22, XV, da LC n o 64/90, po r
não im plicar declaração de inelegibilidade.” (Ac. no
3.042, de 19.3.2002, rei. M in. Sepulveda Pertence; no
mesm o sentido o Ac. no 25.300, de 15.12.2005, rei. Min.
Marco Aurélio; e o Ac. de 21.3.2006 no AgRgREspe no
25.596, rei. M in. Caputo Bastos.)
E nunciado 30 - “(.■•) Votos. C aptação ilícita. Verificada a
captação ilícita de votos - art. 41- A da Lei no 9.504/97,
incide a m ulta e a cassação do registro ou do diplom a
do candidato.” NE: C ontratação de pessoas para
cadastrarem eleitores, com anotação de nom e, n úm ero
do título eleitoral, zona e seção eleitoral.
(Ac. no 791, de 12.4.2005, rei M in. Marco Aurélio.)
4 - CONCLUSÃO
A natureza jurídica do artigo 41-A da Lei 9.504, de 1997, está
voltada, portanto, para garantir a liberdade do voto, afastando qualquer
ato ilícito que contam ine esse valor, em hom enagem à cidadania.
A postura da Justiça Eleitoral é de, p o r via de suas decisões, ex­
trair das mensagens axiológicas presentes no art. 41-A toda a sua p o ­
tencialidade, dando-lhe aplicação do m odo mais extensivo possível.
A dem ocracia tem na liberdade do voto a coluna m aior de sua
grandiosidade, por essa atitude cívica representar a vontade do eleitor
na escolha dos que vão dirigir os seus destinos administrativos.
188
SUSPENSÃO E PERDA DOS DIREITOS POLÍTICOS
L u iz V iana Q u e ir o z ’^’
l. Conceito e definição de direitos políticos no ordenam en­
to jurídico interno e no direito internacional dos direitos
hum anos. 2. Direitos políticos com o direitos fundam entais.
3. Distinção entre gozo e exercício dos direitos políticos. 4.
Suspensão e perda dos direitos políticos. 5. Conclusão.
I. Conceito e definição de direitos políticos no ordenamento jurídico
interno e no direito internacional dos direitos humanos.
D enom inou a Constituição da República do Brasil, de 1988^''^
seu Capítulo IV, do Título II, “Dos Direitos Políticos"; aponta 15CF^^^
hipóteses de perda ou suspensão dos direitos politicos; a regra do
II,§3®,14CF indicou dentre cinco condições de elegibilidade a exigên­
cia de: “pleno exercício dos direitos políticos'"; o III,85CF tipificou
com o crim e de responsabilidade do Presidente da República os atos
que atentem contra “o exercício dos direitos políticos, individuais e so­
ciais”; e 0 III,87CF estabeleceu com o requisito para ocupar cargo de
M inistro de Estado que o brasileiro m aior de 21 anos esteja “no exercí­
cio dos direitos políticos”.
O levantam ento das regras acima apontadas dem onstra que a
expressão “direitos políticos” é conceito jurídico de direito positivo,
segundo a Constituição Federal.
Pode-se, inclusive, afirmar que todos os direitos previstos
no Capítulo IV, do Título II, que engloba os artigos 14, 15 e 16, são
direitos políticos, no mínimo por topologia constitucional.
Fora daquele Capítulo da Constituição Federal, tam bém é possí247 Luiz V iana Q u e iro z é a d v o g ad o e p rofessor d e d ireito eleitoral d a UCSa) - U n iv ersid ad e C atólica do
Salvador.
248 D o ra v a n te será u sad o C F p ara C o n stitu iç ã o F ederal brasileira de 1988.
249 Utilizo a ab re v ia tu ra d a d esig n a ç ã o d o texto legal p re c ed id a d o n ú m e r o d o artigo, c o m o, neste caso,
15CI- q u e significa artig o 15 d a C o n stitu iç ão Federal.
189
vel encontrar outros direitos políticos, como, p o r exemplo, a ação p o ­
pular, prevista entre o rol das garantias individuais {LXXIII,5°CF), ou
a liberdade para criar partidos políticos (17CF), m esm o sem que este­
jam diretam ente ligados à expressão direitos políticos.
Na esfera norm ativa infraconstitucional, igualmente, nosso orde­
nam ento jurídico prevê direitos políticos em norm as complementares,
com o é o caso das inelegibilidades^^^ ou da ação de investigação judicial
eleitoral, previstas n a Lei C om plem entar n°64, de 1990^^% ou em leis
ordinárias, com o é o caso da propaganda eleitoral, disciplinada tanto
no Código EleitoraP^^ com o na Lei das Eleições^^\
O problem a é que nem a C onstituição Federal, nem as leis brasi­
leiras definiram os direitos políticos de m odo completo.
A Lei n*» 818, de 18 de setembro de 1949, que dispõe sobre a aqui­
sição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, e a perda dos direitos
políticoSy e ainda está em vigor na parte relativa à perda dos direitos
políticos, usa a expressão com o seguinte sentido:
“Art.38 - Sâo direitos políticos aqueles que a
Constituição e as Leis atribuem a Drasileiros,
precipuamente os de votar e ser votado”.
Exatamente na m esm a linha, o Código Eleitoral estabelece em
seu artigo 1°:
“Art.l® - Este Código contém normas destinadas
a assegurar a organização e o exercício de direitos
políticos, precipuamente os de votar e ser votado”.
As norm as legais, como se vê, utilizam o conceito direitos políti­
cos como gênero, ao qual pertencem os direitos eleitorais de votar e ser
votado, mas não facilitam a identificação de outros tipos porque se res­
tringem a fazer aquela inclusão parcial de duas espécies. Disso resulta
certa imprecisão no uso daquele conceito, como, po r exemplo, quando
se inclui entre os direitos políticos o de participar de eleições sindicais e
o de dirigir ou ser redator-chefe de jornal ou periódico^^^.
250 A d o to a classificação d e JOSF. A F O N S O DA SILVA p a ra as inelegibilidades c o m o d ire itos políticos
negativos. Curso de direita constitucional positivo. 27“ ed., Sáo Paulo; M alheiros, p. 346.
251 A Lei C o m p le m e n ta r n"64, de 18 d e m a io de 1990, será grafad a c o m o L C 64/90.
252 O C ó d ig o Eleitoral será, sim p le sm e n te , CE.
253 A Lei das Eleições é a Lei n "9.504. d e 30 d e se te m b ro d e 1997, o u , sim p le sm e n te , LE.
254 FERREIRA. W olgran Junqueira. C omentários à Constituição de 1988. São Paulo: Julex, 1989, v. I, p. 349.
190
A falha de definição, no entanto, é m eram ente aparente, porque
é possível encontrá-la na norm ativa internacional, internalizada no d i­
reito positivo brasileiro através da abertura propiciada ao direito inter­
nacional dos direitos hum anos pela regra de
Vou, aqui, apenas elencar as regras de direito internacional de di­
reitos hum anos mais importantes do sistema global e do sistema am eri­
cano, já que estudo mais aprofundado, com análise de cada um a delas,
bem assim das demais regras do sistema global e dos sistemas europeu e
africano, pode ser encontrado em m eu texto ''Direitos políticos à luz do
direito internacional dos direitos humanos” (QUEIROZ, Luiz Viana. C a­
dernos de Soluções Constitucionais, Vol. 3. Malheiros: São Paulo, 2008).
N a Declaração Universal de Direitos H um anos se pode ler no ar­
tigo XXI:
“Art.XXI
1 - Toda a pessoa tem o direito de tomar parte no
governo de seu país diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos.
2 - Toda a pessoa tem igual direito de acesso ao serviço
público do seu país.
3 - A vontade do povo será a base da autoridade
do governo; esta vontade será expressa em eleições
periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por
voto secreto ou processo equivalente que assegure a
liberdade de voto^^^”.
No Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que possui
alguma variação significativa em relação à previsão da Declaração U ni­
versal de Direitos H um anos, dispõem a regra do artigo 25:
“Artigo 25
Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem
qualquer das formas de discriminação mencionadas
no artigo 2» e sem restrições infundadas:
255 E s tu d o a p ro fu n d a d o d a s c o m p a tib ilid a d e s e in c o m p a tib ilid a d e s e n tre a n o rm a tiv a in te rn a c io n a l d e ­
c o rre n te d o art.23 d o Pacto de São José da C o sta Rica e o d ire ito in te rn o brasileiro em : Q U E IR O Z . Luiz
Viana. Direitos políticos com o direitos hum anos: im pacto da Convenção A m e rica n a de Direitos H u m anos
no direito eleitoral brasileiro. U FPE . Recife. 2002 (d issertaç ã o d e m e stra d o ).
256 M azzuoli, Valério d e Oliveira. C oletânea de direito internacional. 4 “ ed„ São Paulo: RT, 2006. pp.556-7.
191
a) de p articipar da condução dos assuntos públicos,
diretam ente o u p o r m eio de representantes livremente
escolhidos;
b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, rea­
lizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto,
que garantam a manifestação da vontade dos eleitores;
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às
funções públicas do seu país-^'”.
São, igualmente, interessantes os artigos XX e XXXII, da Declara­
ção A m ericana dos Direitos e Deveres do Homem:
“Artigo XX. Toda pessoa, legalmente capacitada, tem
o direito de tomar parte no governo do seu país, quer
diretamente, quer através de seus representantes, e de
participar das eleições, que se processarão por voto
secreto, de uma maneira genuína, periódica e livre \
“Artigo XXXIII. Toda pessoa tem o dever de votar nas
eleições populares do país de que for nacional, quando
estiver legalmente habilitada para isso"-^^
Por último, o artigo 23 da Convenção A m ericana de Direitos H u ­
m anos (Pacto de São José da Costa Rica) trata do tema:
“Artigo 23 - Direitos políticos
1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes
direitos e oportunidades:
a) de participar da condução dos assuntos públicos,
diretamente ou por meio de representantes livremente
eleitos;
b) de votar e ser eleitos em eleições periódicas,
autênticas, realizadas por sufrágio universal e
igualitário e por voto secreto, que garantam a livre
expressão da vontade dos eleitores; e
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às
funções públicas de seu país.
2. A lei pode regular o exercício dos direitos e
oportunidades, a que se refere o inciso anterior,
exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade,
residência, idioma, instrução, capacidade civil ou
mental, ou condenação, por juiz competente, em
processo penal^^".
257 M azzuoli, Valério de Oliveira. C oletânea de direito internacional. 4 ‘ ed „ São Paulo; RT, 2006, p.6I9.
258 C A N Ç A D O T R IN D A D E , A n tô n io A ugusto. A proteção internacional dos direitos hum a nos: fu n d a m e n ­
tos jurídicos e instrum ento s básicos, p.330.
259 Id., Ibid., p . m .
260 M azzuoli, Valério d e Oliveira. C oletânea de direito internacional. 4 ‘ ed., São Paulo: RT, 2006, p.743.
192
C om o se pode constatar da leitura das norm as acima descritas,
são os direitos políticos espécies de direitos hum anos, reconhecidos
pela norm ativa internacional, seja no sistema global seja nos sistemas
regionais de proteção, entre os quais o sistema americano.
Alguns aspectos da qualificação desses direitos são universais, ao
m enos no M undo Ocidental, pois todos os docum entos jurídicos, com
status de tratados internacionais ou não, reconhecem três grupos de
direitos políticos:
a) direito de participar do governo de seu país, que
envolve to m ar parte em todos os assuntos públicos e da
form ulação de políticas governam entais, diretam ente ou
po r m eio de representantes livrem ente eleitos;
b) direito de ter acesso, em condições gerais de igualdade,
às funções públicas de seu país;
c) direito de sufrágio e direito de ser votado.
Assim, penso que é possível definir os direitos políticos como
sendo direitos públicos subjetivos, que integram os cham ados direitos
fundam entais, cujo conteúdo se desdobra no direito de participação
política, no direito de votar e ser votado, e no direito de ter acesso a
cargos e funções públicas.
2. Direitos políticos como direitos fundamentais.
Direitos políticos são direitos hum anos. A norm ativa interna­
cional apontada to rn a desnecessário dem onstração mais dem orada. É
preciso, então, diferenciar ''direitos hum anos” e “direitos fundam entais”
Utilizo a proposta daqueles que usam a prim eira expressão para os d i­
reitos internacionais e a segunda para os direitos internos-^', na tentati­
va de evitar equívocos conceituais que podem com prom eter a adequa­
da interpretação e aplicação de categorias distintas, ainda mais quando
os direitos pessoais que passaram a ser protegidos pela norm ativa inter­
nacional, sobretudo depois da Declaração Universal de 1948, da ONU,
tam bém se estenderam a quase todas as Constituições nacionais, sendo
tam bém invocados no âm bito do direito interno^^l
261 N O G U E IR A , Alberto. A nco n síru ç ã o dos liireilos hum ano s da tributação, p.33; R A M O S, A n d ré de C a r ­
valho. Direitos hum a n o s em juízo: com entários aos casos contenciosos e consultivos da Corte Interamericana de Direitos H um anos, p.29; SILVA, José Afonso da. C urio de direito constitucional positivo. p.76-I78.
262 C A N Ç A D O T R IN D A D E , A n tô n io A ugusto. Tratado de direito internacional dos direitos h um ano s, vol.
I. p.I9,
193
Afirma JOSE AFONSO DA SILVA que “direitos humanos é ex­
pressão preferida nos documentos internacionais’] e sugere identificar os
“direitos fundam entais do hom em " com o aqueles que, no nível do direi­
to positivo, resum em a concepção do m undo e inform am a ideologia
política de cada ordenam ento jurídico, reservado para designar aque­
las prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de um a
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas^®'.
Estritam ente sob essa opção conceituai, pareceria inadequada a
opinião de DALLARI, segundo a qual, “direitos hum anos” é um a form a
abreviada de m encionar os “direitos fundam entais da pessoa humana']
sem os quais a pessoa h u m ana não consegue existir ou não é capaz de se
desenvolver e de participar plenam ente da vida^^^, mas, em verdade, es­
ses usos decorrem de genealogias específicas, em cada um a das línguas.
“Direitos humanos" é conceito que vem de “H um an rights” do direito
inglês e norte-am ericano, “direitos do hom em" tem origem francesa,
enquanto “direitosfundamentais"' ficaria mais circunscrita à preferência
alemã, onde h á um a Lei Fundamental.
A distinção pelo nível de sua positivação - internacional: “direi­
tos humanos'] nacional: “direitos fundam entais" -, tem a desvantagem
de não perm itir, no cam po do Direito Internacional dos Direitos H u­
manos, elaborar um outro conceito, distinto de ''direitos humanos" des­
tinado aos direitos não-derrogáveis, que CANÇADO TRINDADE de­
nom ina “direitos fundam entais inderrogáveis", núcleo com um de certos
direitos fundamentais que não adm item qualquer derrogação, porque
isso im portaria adm itir “direito humanos" que não fossem “fu nd am en ­
tais", quando, na verdade, todos o são; apenas, alguns são e outros não são
derrogáveis, em razão de expressas disposições convencionais, mas como
chega ele a falar no processo de "infiltração'' dos direitos fundamentais
(incorporados nos tratados sobre direitos humanos), sua doutrina indica
um a distinção entre uns e outros, nos term os aqui adotados^^l
O uso indiscrim inado e intercam biante das expressões “direitos
humanos" e “direitos fundam entais" gera novas conceituações que po-
263 SILVA, |o s é A fon so da. Op. cii., p. 178.
264 DALLARI, D a lm o de Abreu. Direitos h u m a n o s e cidadania, p.7.
265 C A N Ç A D O T R IN D A D E . A n tô n io Augusto, A proteção internacional dos direitos hum ano s: fu n d a m e n ­
tos juridicos e instrum entos básicos, p.42; Idem . C A N Ç A D O T R IN D A D E . A n tô n io Augusto. 0 legado
da Declaração Universal de 1948 e o fu tu r o da proteção internacional dos direitos hu m a n o s [1997], p.640.
194
dem, em lugar de iluminar, encobrir o que se quer expor. Assim, usar
expressões como ''direitos humanos fundam entais'\ com o o fazem os
ilustres professores MORAES^^^ e FERREIRA FILHO^^S para tratar dos
“direitos fundam entais'' e não dos “direitos hum anos” pode gerar certa
instabilidade conceituai, na m edida em que estão estudando e com en­
tando direitos e garantias positivadas na Constituição Brasileira e não
nos tratados internacionais.
Por outro lado, corre-se o risco de se considerar que os “direitos
fundam entais'' estariam no plano da norm atividade, enquanto os “di­
reitos humanos" no plano dos valores, vinculando-os ao direito natu ­
ral, pois seriam estes u m a categoria prévia, legitim adora e inform adora daqueles, que p o r sua vez seriam um a classe descritiva dos “direitos
humanos”^^^.
Na verdade, ambas as categorias estão no plano da norm ativida­
de. Os “direitos humanos" na norm atividade internacional, os “direitos
fundam entais" na norm atividade nacional, quase sempre nas C onsti­
tuições, com influência m útua. Q uantos mais “direitos humanos" são
declarados e protegidos, mais são incorporados nos sistemas nacionais
com o “direitos fundamentais"; quanto mais “direitos fundam entals’' vão
sendo garantidos, mais vão sendo incorporados à norm ativa interna­
cional com o “direitos hum anos\ Chega m esm o PIOVESAN a destacar
a força expansiva dos valores da dignidade hum ana e dos direitos fu n ­
dam entais com o parâm etros axiológicos que orienta a com preensão do
fenôm eno constitucionaP^^.
O problem a consiste na natureza 'fu n d a m e n ta r tanto dos ''direi­
tos fundam entais”, quanto dos “direitos hum anos”, mas creio que não é
incompatível adm itir que os ''direitos hum anos” são “fundam entais” no
sentido de que têm po r conteúdo os valores supremos do ser hum ano
e da prevalência da dignidade humana^’^, da m esm a m aneira que os
direitos fundam entais”^^'. Mas isso não justifica que se diga que uns e
266 M OR A ES, A lexan dre de. Direitos h u m a n o s fu n d a m e n ta is : com entários aos arts.1° a 5" da Constituição
da República Federativa do Brasil: do utrin a e jurisprudência.
267 FERREIRA FILH O , M ano el G onçalves. Direitos h u m a n o s fu n d a m e n ta is.
268 M OR A ES, G u ilh e rm e Pena de. Direitos fu n d a m e n ta is : conflitos & soluções, p. 16-17.
269 PIO V E SA N , Flávia. Direilos h u m a n o s e o direito constitucional internacional, p.74.
270 M A Z Z U O l.I, Valerio d e O liveira. Direitos h um a nos. C onstituição e os Tratados Internacionais: estudo
analítico da situação e aplicação do Tratado na ordem ju ríd ica brasileira, p.228.
271 C U N H A FILH O , Francisco H u m b e rto . Direitos culturais com o direitos fu n d a m e n ta is no ordenam en to
ju rídico brasileiro, p,39.
195
outros sejam sinônimos, nem que os “direitos humanos'' tenham sua
fundam entação no direito natural.
Parece mais coerente com o espírito de nossa época^'^ a doutrina
de HENKIN, para quem;
“A idéia de direitos hum anos, que tem recebido curso
e aceitação universal (se nom inal) deve m uito a esses
antecedentes, m as é distinta e diferente deles. A versão
contemporânea não se enraíza nem se justifica no direito
natural, no contrato social, ou em qualquer outra teoria
política. Em instrum entos internacionais, representantes
de Estados declaram e reconhecem direitos humanos,
definem seu conteúdo e regulam suas conseqüências em
sociedades políticas e no sistema dos Estados-nação. A
justificativa dos direitos hum anos é retórica, não filosófica.
Direitos hum anos são auto-evidentes, implicados com
outras idéias que são com um ente intuídas e aceitas.
Direitos H um anos derivam de princípios aceitos, ou são
requeridos para finalidades aceitas - finalidades sociais
como p a z e justiça; finalidades individuais como dignidade
hum ana, felicidade e plena realização"^'\
Ademais, tratar “direitos humanos” e ''direitos fundamentais"'
como expressões sinônim as esvazia a particularidade do II,4®CF, que,
antecedendo o Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, im ­
põe ao Brasil, em suas relações internacional, que se guie, entre outros,
pela prevalência dos “direitos hum anos\
Partindo-se do pressuposto de que a Constituição da Repúbli­
ca não possui conceitos inúteis e que os princípios jurídicos alcançam
mais e mais caráter norm ativo e cogente^^**, e no caso específico dos
princípios constitucionais, são pressupostos da interpretação constitucionaP^\ os ''direitos humanos” do I,4°CF, não são os mesm os “direitos
fundam entais” do Título II acima m encionado, apesar de uns e outros
serem “fundam entais”
Confirm a essa opção de uso term inológico a Em enda nM 8, de
8.12.2004, que acrescentou entre as com petências dos juizes federais,
2 72 C A N Ç A D O T R IN D A D E , A n tô n io A ugusto. Tratado de direito internacional dos direitos h um a nos, vol.
I , p . 185.
273 H E N K IN , Luuis. The age o f rights, p.2. Livre tr a d u ç ã o d o a u to r de ste texto.
2 74 PEREIRA . Jane Reis Gonçalves. SILVA, F e rn a n d a D u a rte Lo pes Lucas. A estrutura n o rm ativa das nor­
m as constitucionais: notas sobre a distinção entre princípios e regras, p .3-24.
275 D A N TA S, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional, p.79-82; Idem . Instituições de
direito constitucional brasileiro, p.367.
196
as causa relativas aos direitos hum anos a que se refere o §5° do art. 108,
da Constituição (V-A,108CF), que atribuiu ao Procurador-G eral da
República a legitimidade para requerer ao STJ incidente de desloca­
m ento de com petência para a Justiça Federal de inquérito o u processo
que envolvam grave violação de “direitos humanos'' com a finalidade de
assegurar o cum prim ento de obrigações decorrentes de tratados inter­
nacionais de direitos hum anos dos quais o Brasil seja parte.
Aquela norm a constitucional (§5°,108CF) só pode ser interpre­
tada como se destinando a assegurar a proteção de “direitos humanos”
internacionais, e não “direitos fundam entais” nacionais. Afinal, se ali
se pretender adm itir deslocam ento de com petência para Justiça Fede­
ral de todo processo que envolva violação de “direitos fundam entais”,
a regra se tornará inexeqüíveU já que quase todo crim e ou ilícito viola,
direta ou indiretam ente, um direito fundam ental.
Os '"direitos hum anos” e os “direitos fundam entais” se diferenciam
apenas pela órbita internacional ou nacional de sua gênese normativa,
sem que haja, necessariamente, diferenças de conteúdo. Mas essa ori­
gem distinta exige m odos de interpretação e aplicação igualmente dife­
rentes, m esm o quando se adm ite que o direito internacional e o direito
interno destinam -se a garantir e am pliar a proteção à pessoa hum ana.
Nas palavras de PIOVESAN, ao retratar o relacionam ento entre os sis­
temas global e regionais de proteção com os sistemas nacionais:
“A dotando o valor da prim azia da pessoa hum ana, esses
sistemas se com plem entam , interagindo com o sistema
nacional de proteção, a fi m de proporcionar a maior
efetividade possível na tutela e promoção de direitos
fundam entais-'^’’.
É essa, igualmente, a direção apontada po r CANÇADO TR IN ­
DADE, quando fala do todo harm ônico form ado pelo direito interno e
pelo direito internacional:
“A s norm as jurídicas, de origem tanto internacional
como interna, vêm socorrer os seres hum anos que têm
seus direitos violados ou ameaçados, fo rm a n d o um
ordenamento de proteção. O direito internacional e o
direito interno aqui se mostram, desse modo, em constante
interação, em benefício dos seres hum anos protegidos^''".
276 PIO V E SA N , Flavia. D ireitos h u m a n o s e o direito constitucional internacional, p.286.
277 C A N Ç A D O T R IN D A D F , A n tô n io Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos h um ano s, vol.
197
A diferenciação entre ‘'direitos fundamentais'^ e ‘"direitos hum a­
nos” a p artir da sua fonte nacional ou internacional po d e servir, tam ­
bém , para auxiliar a com preensão de sua com plem entariedade, e não de
sua igualdade (jurídicas), o que perm ite flexibilizar sua interpretação e
aplicação, à luz das garantias internacionais para os “direitos humanos']
mesm o quando não existam para a tutela dos ‘‘direitos fundam entais"
Além disso, o consenso da com unidade internacional acerca das
características dos direitos hum anos - universalidade, indivisibilidade,
interdependência e o tratam ento global dos mesmos^^^ - exige que se
afaste a tentação de continuarm os a falar em gerações de direitos, como
o faz parte da doutrina^”^ e o STF: a prim eira geração (direitos civis
e políticos) com preenderiam as liberdades clássicas, negativas ou for­
mais, os de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais)
identificar-se-iam com as liberdades positivas, e os de terceira m ate­
rializariam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente
a todas as formações sociais, consagrando o princípio da solidariedade
e constituindo um m om ento im portante no processo de desenvolvi­
mento, expansão e reconhecim ento dos direitos humanos^®**. Já aponta
BONAVIDES para direitos de quarta geração, que tratam do futuro da
cidadania e do porvir da liberdade de todos os povos^*'.
A idéia das gerações de direitos hum anos decorre da sua categorização, resultante da falta de condições históricas para que, em 1969,
quando a O NU proclam ou seus Pactos Internacionais, se fizesse apenas
u m tratado, no lugar dos dois que regulam, o prim eiro, direitos civis
e políticos, e o segundo, direitos econômicos, sociais e culturais, sob
o argum ento jurídico (que encobre a verdadeira natureza ideológica
das divergências) de que seriam distintos, possuindo os prim eiros autoaplicabilidade, e os outros não, porque seriam programáticos, exigindo
im plem entação progressiva^*^
Superada a circunstância histórica da G uerra Fria que dividiu
0 m undo em capitalista e com unista, verificou-se que já não há mais
1, p.408.
278 Op. c it.,p . 186; Op. d t., p .l5 6 .
279 Op. c)f-, p.77.
280 STF, M S n"22164/SP. voto d o R elator M in istro C elso de Mello, pu b lic a d o n o D iário da fustiça, Seção I,
à e 17/11/1995, p.39.206.
281 BO NA V ID ES, Paulo. Curso de direito constitucional, p.525.
282 C A N Ç A D O T R IN D A D E , A n tô n io A ugusto. A proteção dos direitos h u m a n o s e o Brasil, p.30.
198
sentido m anter-se aquela dicotom ia dem arcada nos dois Pactos Inter­
nacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, So­
ciais e Culturais, com o foi expressamente consignado na Conferência
de Direitos H um anos de Viena, de 1993, na qual a delegação brasileira
observou que os direitos hum anos têm im pacto, uns no exercício de
outros, e recordou a sim ultaneidade da adesão do país aos dois Pactos
Internacionais de Direitos H um anos das Nações Unidas^^^
Correta, portanto, a crítica que se tem feito àquela classificação
tradicional dos direitos hum anos a p artir de suas gerações, seja pela
não correspondência entre tais gerações e o desenvolvimento históri­
co de sua efetivação e solidificação, seja pela falsa noção de sucessão
entre as gerações, quando, em verdade, surgem e são im plem entados
concom itantem ente, seja, sobretudo, pelo enfraquecim ento que pode
produzir sobre as suas características mais marcantes: universalidade,
indivisibilidade e interdependência^'^^.
Os direitos políticos, portanto, tipos que integram os direitos hu­
manos, na norm atividade internacional, são tom ados, no direito inter­
no, como direitos fundamentais.-^^
3. Distinção entre gozo e exercício dos direitos políticos.
A distinção entre gozo e exercício dos direitos políticos é questão
relevante.
O problem a está em que, apesar de não haver dúvida sobre a n a ­
tureza de direitos fundam entais dos direitos políticos, não se lhes pode
aplicar todas as regras pertinentes àqueles, entre as quais, aquela que
nega diferença entre gozo e exercício na sua titularidade.
Classifica MORAES os direitos políticos com o direitos fu n d a­
mentais de prim eira geração^^\ afirm ando que: “a distinção entre ca­
pacidade de direito ou de gozo e capacidade de fato ou de exercício,
segundo a qual aquela seria a aptidão para ser titular de direitos e o bri­
gações, ao passo que esta seria a aptidão para o exercício desses direitos
283 Idem . Tratado de direito internacional dos direitos h u m a n o s, vol. I, 226.
2 84 M A Z Z U O I.I, V alerio d e O liveira. Direitos h um a nos, C onstituição e os Tratados Internacionais: estudo
analítico da situação e aplicação do Tratado n a ordem ju ridica brasileira, p.211.
285 A d o u trin a está a d e v e r e s tu d o q u e extraia c o nclusões teóricas e práticas d o re c o n h e c im e n to d a n a tu ­
re z a d o s direitos p oliticos c o m o d e dire ito s fu n d a m e n ta is.
286
M OR.A ES, G u ilh e rm e Pena de. D ireitos fu n d a m e n ta is : con/lilos e so lu çõ e s, p.28.
199
e obrigações, carece de relevância no cam po dos direitos fundam entais,
porquanto não seria admissível a disjunção entre titularidade e o exer­
cício dos direitos fundam entais”^*^^
O direito positivo brasileiro não acolheu esse argum ento, e dife­
renciou gozo de exercício dos direitos políticos. A Constituição, v.g., no
II,§3®,14CF, indicou entre outras quatro condições de elegibilidade: “o
pleno exercício dos direitos políticos”; no II,85CF, tipificou com o cri­
m e de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem
contra “o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”; no
Cflpuí,87CF, im põe-se com o requisito para ocupar cargo de M inistro
de Estado que o brasileiro m aior de 21 anos esteja no exercício dos
direitos políticos”.
Em todas aquelas regras constitucionais, se usa a expressão “exer­
cício dos direitos políticos”.
A Lei dos Partidos Políticos - LPP (Lei n “9.096/95), p o r seu
turno, exige que para se filiar o eleito esteja em “pleno gozo de seus
direitos políticos” (artigo 16).
Isso tem levado a algumas confusões. SOBRINHO, p o r exem ­
plo, parece confundir gozo e exercício, quando afirm a que “pleno gozo
dos direitos políticos, tem-no o cidadão eleitor com capacidade ativa de
votar e passiva de ser votado. Entretanto, pode ocorrer que o cidadão goze
da capacidade ativa de votar, mas, temporariamente, não goze da capa­
cidade passiva de ser votado. Não se trata de penalidade voltada a res­
tringir os direitos políticos, mas apenas de impedimentos circunstanciais,
devido a determinados fatores como idade, exercício de função pública,
parentesco até o segundo grau com titulares de m andato executivo, entre
outros, que o impossibilitam a candidatura a cargos eletivos. Porém, esse
tipo de inelegibilidade não retira a capacidade do uso e gozo dos direitos
políticos, que credencia o cidadão afiliar-se a partido político”^^^.
No campo normativo, igualmente, a confusão persiste. O
Tratado da Amizade, entre Brasil e Portugal, aprovado pelo Decreto
Legislativo 165, de 30.05.2001, e prom ulgado pelo Decreto 3.927, de
19.09.2001, dispõe que o “gozo” dos direitos políticos no Estado de re­
sidência im porta na suspensão do “exercício” dos m esm os direitos no
2S7
288
Id., Ibid., p .U .
S O B R IN H O , José Bispo. C om entários à Lei Orgânica das Partidos Políticos, p .53.
200
Estado da nacionalidade (art. 17, 3), tornando as expressões sinônimas.
Gozar e exercer direitos não são a m esm a coisa. Por todos, pela
profundidade e extensão do estudo, tom a-se a lição de RUY BARBOSA,
n o fam oso caso da im pugnação à candidatura de H erm es da Fonseca,
p o r inelegibilidade decorrente de falta de exercício de direito políticos,
em página que m erece ser apreciada, mas que, aqui, basta a síntese m a­
gistral do mestre:
“Eis aí extremadas com a maior lucidez as raias entre
o gozo e 0 exercício nos direitos políticos: o gozo, mera
“capacidade potencial da faculdade jurídica; o exercício,
“capacidade atua!" dessa faculdade.
N o alistável, que se pode alistar, em lhe aprazendo, o
direito politico de voto está em capacidade potencial. É o
gozo. No alistado, que se habilitou a votar atualmente, esse
direito está em capacidade atual. É o exercício!”’^'^
Sempre que a norm a exigir com o requisito o gozo dos direitos
políticos, estará m encionando alistabilidade^^°, enquanto o exercício
daqueles direitos pressupõe alistamento. O alistável goza, o alistado
exerce direitos políticos.
Ademais, é de se observar, que a doutrina de COSTA chega m es­
m o a am pliar a definição tradicional, tendo em vista que, a seu juízo,
a alistabilidade é um direito pré-eleitoral, integrante daquela catego­
ria ‘‘que são inerentes à pessoa por sua condição de integrante do Poder
Constituinte e, neste sentido, prévios a qualquer decisão constitucionar.
E, logo adiante, que “a característica de pré-constitucionalidade desse
direito é proclam ada na Declaração Universal dos Direitos H umanos”,
na qual se diz que: “Todo H om em tem o direito de tom ar parte no
governo de seu país, diretam ente ou p o r interm édio de representantes
livremente escolhidos”^^'.
É aquela um a proposição inovadora, e dem onstra que houve um a
redução conceituai da Declaração Universal da O N U em comparação
com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e os Tratados
Internacionais, com o a Convenção A m ericana de Direitos Humanos,
289 BARBOSA, Ruy. Merfiâria sobre a eleição preiideiicinL vol. X X X VIII, t. II, p.47.
290 (x>nsidera C Ü ST A a alistabilid ade direito pré-eleitoral, p o r q u e in e re n te à p e sso a p o r sua c o n d iç ão de
in le g ra iu e d o P o d e r C o n stitu in te e, n este sentido, prévios a q u a lq u e r d e cisão constitucion al. COSTA,
Elcias Ferreira da. D ireito eleitoral: legislação, doutrin a e ju risprud ência, p .53.
291 Idem .
201
tendo em vista que, naquela, afirma-se a natureza pré-eleitoral da ti­
tularidade dos direitos políticos, quando se usa a expressão “todo h o ­
mem”, e, nestes, não, um a vez que preferiram “todo cidadão” ou “todos
os cidadãos” o que já exige um a qualificação constitucional ou legal de
quem são esses “hom ens”, que adquiriram o estatuto de “cidadãos”.
A solução doutrinária apresentada p o r COSTA, no entanto, não
encontra respaldo nem no sistema global nem no sistema americano
de proteção dos direitos hum anos, já que aquela am plitude conceituai
(“todo hom em ”) foi reduzida pelo Pacto Internacional de Direitos Civis
e Políticos e pela Convenção A m ericana de Direitos Humanos.
O im portante é destacar que o direito brasileiro ora usa a expres­
são “exercício dos direitos políticos”, ora “gozo de direitos políticos”,
exigindo do intérprete que aponte a diferença e busque as diferenças
propriam ente jurídicas, como é o caso da distinção entre suspensão e
perda daqueles direitos.
4. Suspensão e perda dos direitos políticos.
Os direitos políticos estão subm etidos a regime jurídico próprio
na Constituição e nas leis infraconstitucionais.
Já foi dito acima que o Capítulo IV, do Título II, da Constituição
de 1988 denom ina-se “Dos Direitos Políticos”. Ali se encontra regula­
mentação diversa que envolve: a) soberania popular exercida através
do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para
todos, e m ediante plebiscito, referendo e iniciativa popular; b) obriga­
toriedade do alistam ento e do voto; c) condições de elegibilidade; d)
inelegibilidades; e) ação de im pugnação de m andato eletivo; f) vacatio
legis de lei que altere o processo eleitoral; e g) causa de suspensão e per­
da dos direitos político.
O 15CF tem especial relevância no estudo dos direitos políticos,
porque aquelas hipóteses são fatos suspensivos o u extintivos desses di­
reitos. Traz ele cinco hipóteses de perda ou suspensão desses direitos,
com a seguinte redação:
“Art. 15 - É vedada a cassação de direitos políticos,
cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença
transitada em julgado;
202
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado,
enquanto durarem seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou
prestação alternativa, nos termos do art.5°, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art.37,
§4“”.
A Constituição não definiu qual ou quais são os casos de perda ou de
suspensão, mas parece evidente que sào conseqüências distintas. A
perda consiste na privação definitiva, a suspensão na privação temporária'^-.
O cancelam ento da naturalização gera a perda dos direitos políticos^^ porque a nacionalidade é pressuposto para o gozo daqueles, salvo
os portugueses com residência perm anente no Brasil, aos quais, nos
term os do §1“,12CF, serão atribuídos os direitos inerentes aos brasilei­
ros, se houver reciprocidade. Aqui vale a pen a observar que, apesar do
1,15CF m encionar apenas o cancelamento da naturalização, a perda da
nacionalidade pela outra causa prevista na regra do II,12CF,- adquirir
outra nacionalidade -, tam bém produz, com o seu corolário jurídico,
a perda dos direitos políticos, que possuem com o pressuposto de seu
gozo a nacionalidade brasileira.
A incapacidade civil absoluta decorre de idade inferior a 16 anos,
enferm idade ou deficiência mental, ou causa transitória que im peça ex­
pressar a vontade, com o se vê na regras de III-II-I,3°CC. Consideram na hipótese de perda dos direitos políticos RIBEIRO e CÂNDIDO^^'*; e,
ao contrário, com o m era suspensão NIESS, D ECO M A IN e COSTA^^^
Penso que estão certos os que a tom am com o causa de suspensão
e não de perda dos direitos políticos, porque a incapacidade civil é um
status jurídico passível de mudança.
Atinge os direitos políticos a condenação crim inal transitada em
julgado, seja qual for o crime, e seja qual for a condenação - III,15CF.
292 MHNDHS, A. C. Introdução à teoria das inelegibilidades, p.80-82.
293 D E C O M A IN , P e d ro R o berto . Elegibilidade e iiieíegibilidades, p .l4 ; C Â N D I D O , ], J. Direito eleitoral
brasileiro, p. 115; C O STA . A. S. da. Instituições de direito eleitoral: teoria d a inelegibilidade, direito p r o ­
cessual eleitoral e com entários á lei eleitoral, p.73-75; NIESS, P e d ro H e n riq u e Távora. Direitos políticos:
elegibilidade, inelegibilidade e ofões eleitorais, 38; RIBKIRO, Fávila. D ireito eleitoral, p.208, M EN D ES
c o n sid e ra ap en a s o c a n c e la m e n to d a n a c io n alid ad e c o m o hip ó te se de p e rd a ; to d a s as de m a is se ria m de
su sp e nsã o d o s direitos políticos. M E N D E S , A. C. Op. cit.. p.81,
294 RIBBIRO, F. Op. cit., p.208; C Â N D I D O , ). |. Op. cit., p.92.
295 D E C O M A IN . P e d ro R ob erto . Op. cit., p. 14; COSTA, A. S. da. Op. cit., p.75; NIESS, R H. T Op. cit., p.39.
203
Entre os autores acima citados, apenas RIBEIRO aponta-a com o causa
de perda e não de suspensão, apesar do expresso texto constitucional:
“enquanto durarem seus efeitos^^®”.
A regra do V III,5 “CF garante que ninguém será privado de seus
direitos p o r motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou p o ­
lítica, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação a todos im posta
e recusar-se a cum prir prestação alternativa, fixada em lei. A ressalva
(“salvo”) autoriza, portanto, que o cidadão seja “privado de direitos”,
e p o r isso, é a razão que encontro para RIBEIRO apontar o IV,15CF
com o causa de perda e não de suspensão dos direitos políticos"^'. Apontam~na com o causa de suspensão D ECO M A IN e A. S. COSTA’^^. Não
esclarece NIESS sua posiçâo'^*^. Adverte CÂ N D ID O que dependerá de
disposição legal a fixação do efeito daquela norm a constitucionaP*^®
C onfirm am as regras infraconstitucionais a corrente de que a h i­
pótese do IV,15CF retrata suspensão e não perda dos direitos políti­
cos. A Lei n“ 8.239, de 04.10.1991, que regulam enta o a r t 143, §§ 1® e
2® da Constituição Federal, que dispõem sobre a prestação de Serviço
Alternativo ao Serviço M ilitar Obrigatório, dispõe em seu §§l®-2®, do
art.4”, que a recusa implicará o não-fornecim ento do Certificado por
dois anos, findo o qual só será em itido o certificado “após a decretação,
pela autoridade com petente, da suspensão dos direitos políticos do
inadimplente, que poderá, a qualquer tempo, regularizar sua situação
m ediante cum prim ento das obrigações devidas” (grifado aqui). É, por
conseguinte, caso de suspensão e não de perda dos direitos políticos.
No m esm o sentido, a regra do 438CPP, introduzida pela Lei n®
11.689, de 09.06.2008, prevê, expressamente, que: “a recusa ao serviço
do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política im porta­
rá no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos
direitos políticos, enquanto não prestar o serviço im posto” (grifado
aqui). Consigna, p o r conseguinte, caso de suspensão e não de perda
daqueles direitos.
O últim o inciso do 15CF, traz a im probidade administrativa,
296 RIBEIRO, H Op. cil., p.208; D E C O M A IN . P. R. Op. cit„ p .l5 ; C Â N D ID O . IJ. Op. cit., p.92; C O STA , A.
S. da. Op. cit., p.77; NIESS, P. H. T. Op. cit.. p.40.
297 RIBEÍRÜ, F .. Op. cit., p.20S.
298 D E C O M A IN , P. R. O p d t., p,18; C O STA . A. S. da. Op. cit., p,79.
299 NIESS, R H . T. Op. cit.. p. 42-43.
300 C Â N D ID O , I- J. O p cit-, p.92.
204
que, tam bém , im porta em suspensão dos direitos políticos^°', inclusive,
porque §4°,37CF a ela se refere expressamente, com a seguinte redação:
“Art. 37- . . .
§4® - Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda
da íiinção pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas
em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
A suspensão po r im probidade adm inistrativa está regulada pela
Lei n°8.429, de 2 de ju n h o de 1992, segundo a qual a perda da função
pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsi­
to em julgado da sentença condenatória (artigo 20 ).
Com o se viu acima, a dou trin a diverge de m aneira intensa sobre
a natureza das hipóteses fáticas previstas nos incisos do artigo 15 da
Constituição Federal, ora apontando-as com o perda, ora com o suspen­
são dos direitos políticos.
Proponho que para interpretar aquelas regras constitucionais
seja adotado o critério usado p o r Ruy Barbosa para diferenciar gozo ou
exercício dos direitos políticos.
No Brasil, entendido gozo com o alistabilidade, gozam dos direi­
tos políticos todos os brasileiros, maiores de 16 anos, salvo os conscritos, como se vê nas regras insertas em §§2°-l®,14CF. São, portanto,
requisitos a nacionalidade brasileira e a idade. Com o esta não se pode
perder, somente a perda daquela gera desaparecim ento da alistabilida­
de, ou seja, do gozo dos direitos políticos. Assim, a perda da nacionali­
dade implica em perda dos direitos políticos.
Daí porque a regra de I,15CF - “cancelam ento da naturalização
por sentença transitada em julgado” - deve ser lida englobando, igual­
mente, qualquer outro fato gerador da perda da nacionalidade, como
aqueles previstos em II-I, §4°,12CF - “será declarada a perda da nacio­
nalidade do brasileiro que: I - tiver cancelada sua naturalização, por
sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecim en­
to de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de im posição de
301
DH CO M A IN '. P. R. Op. c/f., p. 19; C Â N D ID O , J. I. Op. d l., p.92; C O STA , A.S. d a Op. c/f., p. 89; NIESS,
. H . T . O p . d f .,4 6 .
2 05
naturalização, pela n o rm a estrangeira, ao brasileiro residente em Esta­
do estrangeiro, com o condição p ara perm anência em seu território ou
para o exercício de direitos civis”.
Em todas as demais hipóteses previstas nos incisos II a V, de
15CF, o fato ali descrito não atinge, não elimina, não alcança requisi­
to do gozo dos direitos políticos, mas sim do seu exercício, razão pela
qual, só poderiam as regras infraconstitucionais caracterizá-las como
fatos geradores da suspensão dos direitos politicos.
É preciso dizer, ainda, e para terminar, que o procedim ento para
a efetivação da perda ou suspensão está prevista nos artigos 71 a 81,
do Código Eleitoral O artigo 71 traz cinco causas de cancelamento do
título de eleitor, entre as quais, as do inciso II - “a suspensão ou perda
dos direitos políticos” O §2°, por sua vez, dispõe que:
“§2^* - N o caso de ser algum cidadão maior de 18
(dezoito) anos privado temporária ou definitivamente
dos direitos políticos, a autoridade que impuser essa
pena providenciará para que o fato seja com unicado ao
Juiz Eleitoral ou ao Tribunal Regional da circunscrição
em que residir o réu”.
Essa regra, a m eu juízo, revogou, parcialmente, o artigo 41, da Lei
n"818, de 18 de setembro de 1949;
“Art.41 - A perda e a reaquisição dos direitos políticos
serão declaradas por decreto, referendado pelo
Ministro da Justiça e negócios Interiores”.
É que, qualquer que seja a hipótese de perda ou suspensão, o títu ­
lo de eleitor será cancelado, não havendo a possibilidade de sua revali­
dação p or decreto presidencial. Recuperando sua alistabilidade, o cida­
dão fará nova inscrição eleitoral e terá u m novo título de eleitor. Aquele
que perder a nacionalidade brasileira, se a readquirir, segundo o devido
processo legal, fará novo alistamento. Nos casos de suspensão da m es­
m a maneira. Recuperada a capacidade civil, extintos os efeitos da pena
crim inal ou da sanção p o r im probidade adm inistrativa, ou cum prida
obrigação a todos im posta, o cidadão que não perdeu alistabilidade p o ­
derá voltar a inscrever-se eleitor.
Penso que deveria haver {de legeferenda) um procedim ento elei­
toral distinto para a perda ou suspensão dos direitos políticos, já que.
206
com o disse acima, a perda alcança o gozo, enquanto a suspensão so­
m ente 0 exercício. Deveria a lei eleitoral apontar para o cancelamento
do título apenas para as hipóteses de perda dos direitos políticos, fazen­
do um a anotação e exigindo a devolução do título eleitoral ao Cartório
Eleitoral da Zona respectiva, quando fosse caso de suspensão. Mas não
foi isso que fez o legislador, no Código Eleitoral, já que subm eteu qual­
quer das hipóteses de perda ou suspensão a cancelamento do título.
No exercício de seu p od er regulamentador, o TSE baixou a Re­
solução n^ 21.538, de 14 de outubro de 2003, que '"dispõe sobre o alista­
mento e serviços eleitorais mediante processamento eletrônico de dados, a
regularização de situação de eleitor, a administração e a manutenção do
cadastro eleitoral, o sistema de alistamento eleitoral, a revisão do eleito­
rado e a fiscalização dos partidos políticos”.
Nos artigos 51 a 53, aquela Res. TSE n “21.538/03 disciplina o p ro­
cedim ento para o registro no sistema eletrônico de alistam ento eleitoral
das restrições aos direitos políticos. Impõe-se que a autoridade judici­
ária determ inará a inclusão dos dados no sistema, m ediante com ando
FASE, de fato ensejador de inelegibilidade ou de suspensão de inscri­
ção p o r motivo de suspensão de direitos políticos ou de im pedim ento
ao exercício do voto (art.51); se o interessado, através de requerim en­
to próprio, com provar a cessação do im pedim ento, será com andado o
código FASE próprio e/ou inativado, quando for o caso (art.52, §3“).
Q uando a restrição alcançar pessoa não inscrita na Justiça Eleitoral ou
com inscrição cancelada no cadastro, seu registro será feito diretam en­
te na Base de Perda e Suspensão de Direitos Políticos (art.51,§2®).
Estipula, ainda, quais os docum entos com probatórios de reaqui­
sição ou restabelecimento de direitos políticos. Nos casos de perda: a)
decreto ou portaria, e b) com unicação do M inistério da Justiça; nos ca­
sos de suspensão: a) para interditos ou condenados - sentença judicial,
certidão do juízo com petente ou outro docum ento; b) para conscritos
ou pessoas que se recusaram à prestação do serviço m ilitar obrigatório
- certificado de reservista, certificado de isenção, certificado de dispen­
sa de incorporação, certificado do cum prim ento de prestação alterna­
tiva ao serviço m ilitar obrigatório, certificado de conclusão do curso
de formação de sargentos, certificado de conclusão de curso em órgão
de formação da reserva ou similar; c) para beneficiários do Estatuto
207
da Igualdade - comunicação do M inistério da Justiça ou de repartição
consular ou missão diplomática competente, a respeito da cessação do
gozo de direitos políticos em Portugal, na form a da lei; d) nos casos de
inelegibilidade - certidão ou outro docum ento.
Desse conjunto de norm as regulamentares, infere-se que o TSE
adm ite que a suspensão ou a perda seja lançada no sistema, através
de um com ando eletrônico, que pode, posteriorm ente, ser novam ente
acionado, quando com provada a cessação do impedim ento.
Malgrado nâo poder revogar a lei, já que a resolução tem natu­
reza de regulamento, parece ter a Justiça Eleitoral encontrado forma
indireta de diferenciar efeitos para a suspensão ou a perda dos direitos
políticos, através de com andos eletrônicos que alteram as informações
constantes no sistema ou no banco de dados.
Não é demais questionar se, após as regras das Res-TSE n°
21.538/03, ainda possui eficácia a regra legal do Código Eleitoral, em
seu artigo 71, II, que m anda cancelar o título eleitoral, seja hipótese de
suspensão ou de perda dos direitos políticos.
5. Conclusão.
É possível atribuir significado jurídico à distinção entre gozo e
exercício dos direitos políticos, m esm o sendo eles direitos fundam en­
tais. Gozam os alistáveis, exercem os alistados.
A Constituição federal atribui alistabilidade aos brasileiros m aio­
res de 16 anos, salvo os conscritos. Disso resulta que apenas perderá
direitos políticos aquele que perder a nacionalidade, já que a idade n in ­
guém pode controlar contra o tempo.
Assim, entre as cinco hipóteses previstas no 15CF, apenas o inci­
so I traz causa de perda, os demais descrevem hipóteses de suspensão
dos direitos políticos.
208
o PROBLEMA DA (SUB)REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DA
MULHER:
um tema central na agenda política nacional
M a r i a C l a u d ia B u c c h i a n c r i Pinheiro*'"-
A realização, no final de abril de 2009, de audiência pública na
Comissão de Constituição e Justiça da C âm ara dos D eputados, voltada
à discussão de projeto de leí sobre a discrim inação de gênero nas rela­
ções de trabalho, revelou a im periosidade de se positivar, de form a mais
ampla, e na linha dos diversos com promissos internacionais assum i­
dos pelo Estado Brasileiro, verdadeiro Estatuto da Igualdade de Gêne­
ro, capaz de coibir, de m odo eficaz, a perpetuação de com portam entos
tendentes à subalterna inferiorização da m ulher não só no ambiente
de trabalho, mas, por igual, nas mais diversas esferas da sociedade, aí
incluída, necessariamente, a esfera d a participação política.
Isso porque, para além da histórica questão vinculada à subvalorização fem inina no am biente profissional - a im plicar dificuldades no
processo de recrutam ento e seleção, restrições às prom oções na carrei­
ra e inferioridade rem uneratória em relação aos demais empregados e
funcionários - , a experiência tem dem onstrado que a discrim inação de
gênero possui múltiplas dim ensões e está a efetivamente com prom eter
outros papéis sociais a serem desem penhados pelos indivíduos em ge­
ral, e pelas m ulheres em particular.
É bom que se diga que essa percepção das coisas, aliada a um
tratam ento jurídico-protetivo mais amplo, já são adotados há décadas
pelo Reino Unido (Sex Discrimination Act, de 1975) e foram reafirm a­
dos, pelo Conselho Europeu, na Dírectiva C om unitária 2004/113, na
qual se assentou que as discriminações em função do sexo transcendem
0 am biente de trabalho e afetam, p o r igual, outros relevantes papéis
sociais.
302
A dvogada; M estra em D ireito e E sta d o pela U n iversidade d e São Paalo; Professora d e P ó s-g ra d u a ç ão
e m D ireito HIeitorai ID P/L FG ; P resid e n te d o In stitu to d e D ireito Eleitoral d o D istrito F ederal - IDKDF; Ex-assessora-chefe da Escola lu d ic lá ria Eleitoral do TSE,
209
Em tal Directiva, veiculada n o Jornal Oficial da União Européia
de 21/12/2004, assentou-se, p o r exemplo: que “a igualdade entre ho­
mens e mulheres é um princípio fundam ental da União Européia'' e que
deve ser garantido “em todos os domínios"-, a im periosidade de se esta­
belecerem metas contra a ''discriminação em função do sexo” tam bém
“fora da esfera laboraF; e que “a discriminação em função do sexo, in­
cluindo o assédio e o assédio sexual ocorrem igualmente em áreas fora do
mercado de trahalho \ sendo certo que “esse tipo de discriminação pode
ser igualmente nocivo, agindo como obstáculo à plena e bem sucedida
integração dos homens e das mulheres na via econômica e social”.
Finalmente, referida Directiva fez consignar que “a fim de garan­
tir, na prática, a plena igualdade entre homens e mulheres, o princípio da
igualdade de tratamento não obsta a que os Estados-Membros m ante­
nham ou aprovem medidas especificas destinadas a prevenir ou compen­
sar desvantagens relacionadas com o sexo" (art. 6°).
A grave situação de discrim inação fem inina justificou, p o rta n ­
to, no contexto europeu, a expedição de determ inação vinculante, para
im ediata im plem entação pelos Estados m em bros das políticas públicas
e das m edidas com pensatórias que se fizerem necessárias para a redu­
ção d o gender gap'\ aí incluída a questão da sub-representação política
das mulheres.
Trata-se, pois, de providência revestida de inquestionável gravida­
de, pois as ''diretivas comunitárias" com o é de todos sabido, vinculam,
quanto às suas finalidades e aos seus objetivos, todos os Estados m em ­
bros, que, em não adotando as medidas necessárias à consecução das
metas acertadas, podem inclusive ser responsabilizados por sua inércia.
Nos dizeres de Olivia M aria Cardoso Gomes^*^^, "Directiva Com u­
nitária é um ato normativo que pode ser emanado tanto pelo Conselho
da União Européia quanto pela Comissão da União Européia. Consiste
em um a decisão coletiva aprovada pelos Estados-membros do órgão ex­
pedidor do documento, que obriga estes Estados a aplicarem a diretiva,
mas os deixa livres para escolher a fo rm a e os meios que serão utilizados
para se chegar ao objetivo traçado pela mesma”
303
C A R D O S O G O M E S. O livia M aria. O F rm c íp io d a ig u a ld a d e e as d is c rim in a ç õ e s d e gênero. A nálise
d a D iretiva C o m u n itá ria n° 2001/113 d o C o n se lh o E u ro p e u e d o Pro jeto d e Lei O rg â n ic a n “ 3/2006
d a A ssem bléia d a R ep ú blica Portu g u esa , )us N a vigandi, Teresina, a n o 13, n. 2128, 29 d e abril d e 2009,
acesso e m 18 de m a io d e 2010.
210
o cam inho, pois, é de avanços, e a própria discussão da tem ática
está a despertar na com unidade a consciência de que o pleno desenvol­
vim ento da sociedade depende efetivamente da quebra de parâm etros
discrim inatórios que, subalternam ente, estão a im pedir a plena integra­
ção das pessoas e o livre desenvolvimento da personalidade individual.
Vera Lúcia C arrapeto Raposo, em sua obra intitulada “O Poder
de Eva - Princípio da Igualdade no âmbito dos direitos políticos. P ro­
blemas suscitados pela discrim inação positiva^^'^”, alerta que até mesmo
o desconhecim ento sobre a real situação fem inina no contexto polí­
tico qualifica-se com o um obstáculo a mais, quando em discussão a
adoção de medidas positivas, capazes de ao m enos atenuarem o déficit
de representatividade fem inina, incompatível com o próprio princípio
m aior da democracia.
Eis 0 que afirma referida autora:
“O simples desconhecimento acerca da real situação das
mulheres na política fu n c io n a p o r si só como im pedim ento
à sua participação. A realização de estudos e a elaboração
de estatísticas sobre esta problemática é prática recente.
Como bradar com êxito por inovação, quando se ignora o
que se pretende inovar?
A divulgação de dados concretos e efectivos acerca da
real situação das mulheres em todos os sectores da vida
funcio n a como um meio de promoção do estatuto das
mulheres, na m edida em que conduz à reflexão sobre a
sua situação e à averiguação de soluções para eventuais
lacunas a colmatar M ais do que isso, impulsiona as
mulheres a abandonar a passividade que até hoje as
caracterizou e a adaptar um a atitude mais batalhadora
e inconformista.
Os próprios organismos que poderão potencialmente
im pulsionar a entrada das mulheres na actividade pública
- sindicatos, associações públicas e, particularmente,
partidos políticos, os mais decisivos nesta área - só
relativamente tarde se interessam pelo papel das mulheres
na política. Afinal, estamos a fa la r de “boys clubs". A inda
hoje m uitas destas organizações desconhecem qual a
efectiva participação fem in in a nos respectivos raios de
acção: tão-pouco sentem curiosidade em averiguar tais
dados, pois sabem de antem ão que os resultados lhe seriam
desfavoráveis".
304
C A R R A P E T O R A PO SO . Vera Lúcia. "O P o d er d e Eva - P r in cíp io da Ig u a ld a d e n o â m b ito d o s d irei­
to s p o lític o s. P ro b lem a s su sc ita d o s p e la d isc rim in a ç ã o p o sitiv a ” C o im b ra : A ln ie d in a . 2004
211
A plena identificação, pois, da real situação de representatividade
feminina no contexto dos Parlamentos e das Chefias de Executivo, sem
falar no âmbito das próprias agremiações partidárias e de seus órgãos
de direção, é medida que se impõe, até mesm o para que se tenha exata
consciência do “gender-gap”existente na seara da representação política.
2. A REALIDADE BRASILEIRA
N o que concerne à participação política das mulheres no Bra­
sil, dados da Justiça Eleitoral atinentes às últim as eleições municipais,
ocorridas em 2008, revelam que, dos 15.143 candidatos a Prefeito, ape­
nas 1.670 eram mulheres (pouco mais de 10%), e dos 330.630 candida­
tos a vereador, apenas 72.476 (pouco mais de 20%). O que revela uma
inaceitável hegem onia m ascuhna n o contexto das candidaturas políti­
cas, a se projetar, inevitavelmente, no percentual de m andatos políticos
titularizados por mulheres, em relação ao núm ero de cadeiras ocupa­
das por homens.
Tudo isso, frise-se, a despeito do com ando norm ativo inserido
n o $ 3® do art. 10® da Lei n° 9.504/97, em sua redação anterior à Lei n “
12.034/2009, que estabelecia que “Do número de vagas resultantes das
regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o
m ínim o de trinta por cento e o m áxim o de setenta por cento para candi­
daturas de cada sexo”.
Contudo, a com pleta inexistência de qualquer preceito sancionatório capaz de com pelir as agremiações partidárias à observância da
m encionada regra de proporção, associada, ainda, a um a interpretação
de m era conveniência, no sentido de que a expressão “deverá reservar"
deveria ser com preendida como u m com ando de exortação, de apelo,
de m era sugestão, desvestido, portanto, de qualquer força normativa,
geraram o completo esvaziamento da norm a, que se to rn o u letra m o r­
ta no processo eleitoral, sem qualquer repercussão, portanto, no plano
dos fatos.
A inércia partidária, portanto, na implem entação dos percentuais
legais, culm inou p o r gerar a perpetuação da situação de sub~participação fem inina no contexto das disputas político-eleitorais, a despeito do
com ando norm ativo do § 3° do art. 10 da Lei das Eleições.
212
Tal circunstância apenas evidencia a im portância que assumem
os partidos políticos, quando em discussão qualquer m edida tendente
a atenuar o inaceitável “gender-gap” que está a tim brar a representatividade política nacional.
É que os partidos possuem o m onopólio das candidaturas políti­
cas em nosso país (CF, art. 14, § 3^, inciso V), de sorte que um m aior en­
gajamento fem inino no processo político eleitoral está necessariamente
vinculado ao grau de abertura, incentivo e apoio que lhes é fornecido
pelas próprias agremiações partidárias, que devem adotar políticas vol­
tadas à questão de gênero não só em tem a de candidaturas, mas, por
igual, em tem a de ocupação de órgãos de direção partidária.
As resistências, contudo, a tais com portam entos, são inescondíveis, e levam pensadores com o Vitalino Canas a apelidar as agrem ia­
ções partidárias de “máquinas de excluir m ulheres’. Nesse sentido, as
esclarecedoras as palavras de Vera Lúcia C arrapeto Raposo:
“É da atitude partidária que, em últim a instância,
depende a intensidade da participação política das
mulheres. A inda quando exista um a norm a que preceitue
determ inadas actuações, os partidos conservam certa
margem de liberdade.
A lei belga é disso exemplo. Embora preconize um a quota
que os partidos hão de respeitar, nada diz quanto à posição
ocupada pelas mulheres em cada lista, de m odo que estes
podem colocá-las onde lher aprouver, inclusive em postos
inelegívies no fin a l da lista. De facto, esta tem sido a
posição adoptada pelos partidos belgas nas eleições para
a Câmara dos Representantes, ao passo que nas eleições
para o Senado optaram p o r situá-las em postos de mais
provável elegibilidade.
Desempenhando os partidos u m papel tão relevante no
acesso das mulheres a cargos políticos electivos (pois
são eles que m onopolizam as candidaturas), não se
poderá descurar as suas concepções e o seu m odo de
funcionam ento, procurando aperfeiçoá-lo e moldá-lo aos
oòjecttvos paritários.
A própria posição das mulheres no interior dos partidos não
pode ser negligenciada. Os estudos demonstram que a com­
posição dos principais órgãos partidários é altamente discri­
minatória. Actualmente, a percentagem de mulheres portu­
guesas detentoras de cargos directivos nos partidos é ainda
mais tênue do que a percentagem de mulheres presentes na
Assembléia da República e no Parlamento Europeu.
213
A té 0 m omento, os partidos têm revelado um a perigosa
ausência de vontade política em alterar este estado de
coisas, circunscrevendo-se as suas actuações em prol da
igualdade entre os sexos a acções esporádicas, cujos efeitos
facilm ente se esgotam. Vitalino Canas apelida-os de
‘m áquinas de excluir mulheres'”.
Mais um a vez com vistas a atenuar o déficit de representatividade fem inina e a superar o total esvaziamento do com ando normativo
inscrito no § 3® do art. 10° da Lei n° 9504/97, a Lei n^ 12.034/2009,
conhecida com o m ini-reform a eleitoral, voltou a disciplinar o tema,
tentando, agora, conferir um m ínim o de força e autoridade normativas
à regra que disciplina um percentual m ínim o de cada um dos sexos,
quando da apresentação, pelos partidos políticos, de seus pedidos de
registro de candidatura para cargos legislativos.
Eis a nova redação conferida ao § 3° do art. 10*^ da Lei n° 9.504/97 pela
Lei
12.034/2009:
§ 3° Do núm ero de vagas resultante das regras previstas
neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o
m ínim o de 30% (trinta por cento) e o m áxim o de 70%
(setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
A substituição da expressão “deverá reservar” por ‘"preencherá”
foi a m aneira encontrada pelo legislador ordinário, para expressar seu
desígnio no sentido de que a observância da norm a seja, de fato, com ­
pulsória.
Contudo, perm aneceu a n o rm a sem qualquer preceito sancionador, autorizando fundadas discussões sobre quais conseqüências recai­
riam sobre o partido ou sobre a coligação que, ao form ular seu pedido
de registro de candidatura, deixasse de observar a cláusula m ínim a de
30% de cada u m dos sexos.
E mais: a regra legal em com ento (§ 3® do art. 10 da Lei n°
9.504/97, na redação que lhe deu a Lei n “ 12.034/2009) perm aneceu
lim itada aos pedidos de registro para “p a ra a Câmara dos Deputados,
Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até
cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher] sem inci­
dência, pois, nas chefias de executivo, em cujas candidaturas verificamse as maiores disparidades (apenas relembrando, no últim o pleito m u ­
nicipal, pouco mais de 10% dos candidatos a prefeito eram mulheres).
214
o Tribunal Superior Eleitoral, recentem ente, foi provocado a se
pronunciar a respeito de qual seria a sanção derivada da não-observância da regra prevista n o § 3° do art. W da Lei n'* 9.504/97.
M agistrados e m em bros de Cortes Regionais, preocupados so­
bre qual procedim ento deveriam adotar na hipótese de receberem um
pedido de registro em que não foram observados os parâm etros de representatividade de cada um dos gêneros, subm eteram a questão ao
próprio TSE, para que este, então, em processo administrativo, pudesse
esclarecer a controvérsia.
A discussão não foi singela e abrangeu desde a possibilidade de
rejeição total da lista de candidaturas apresentadas - o que geraria a
total ausência de candidatos p o r parte desse partido ou daquela coliga­
ção - até a cogitação de que as agremiações partidárias fossem intim a­
das para substituírem seus candidatos, cum prindo, assim, a proporcio­
nalidade exigida em lei. Uma outra opção seria a redução no núm ero
de candidatos apresentado, com o corte de algumas candidaturas para
que, então, o percentual legal de gênero fosse alcançado.
Nada, contudo, ficou definitivamente solucionado, optando a C or­
te p o r aguardar que um a específica e concreta controvérsia chegasse ao
seu conhecimento, para que possa, então, assentar a solução necessária.
3.
A
AUTONOMIA
PARTIDÁRIA
E A
IMPOSIÇÃO
DE
PERCENTUAIS MÍNIMOS DE GÊNERO
Uma questão, contudo, que pode gerar um debate mais aprofun­
dado, refere-se à constitucionalidade, ou não, de norm as impositivas de
determinadas regras para candidaturas, em face da cláusula constitucio­
nal da autonomia partidária inscrita no § 1° do art. 17 da Carta Política.
Sobre a cláusula constitucional da autonom ia partidária, já as­
sentou 0 Supremo Tribunal Federal que “O princípio constitucional da
autonomia partidária - além de repelir qualquer possibilidade de controle
ideológico do Estado sobre os partidos políticos - cria, em favor desses
corpos intermediários, sempre que se tratar da definição de sua estrutura,
de sua organização ou de seu interno funcionam ento, uma área de reser­
va estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder
Público, vedando, nesse domínio jurídico, qualquer ensaio de ingerência
215
legislativa do aparelho estatal. Ofende o princípio consagrado pelo art.
17, § 1°, da Constituição a regra legal que, interferindo na esfera de auto­
nomia partidária, estabelece, mediante especifica designação, o órgão do
Partido Político competente para recusar as candidaturas parlamentares
natas” (ADI 1.063, Rei. Min. Celso de Mello).
Em sentido idêntico, a ADI 2.530, em que se reconheceu a inconstitucionalidade de norm a constante da Lei n° 9.504/97 e que previa
as cham adas ‘candidaturas natas”.
E é nesse contexto que poderia se colocar a questão de cláusula
legal impositiva de determ inado ''tipo” ou de determ inada “reserva” de
candidatura a m andato político eletivo. Seria tal cláusula inconstitucio­
nal, por ofensiva da autonom ia partidária?
Entendem os que não.
É que, muito em bora a cláusula da autonom ia seja inerente ao p ró ­
prio estatuto constitucional dos partidos políticos, conferindo-lhes uma
esfera de privacidade e intim idade dogmática e institucional/organiza­
cional que é infensa à intervenção estatal, isso não significa que tais cor­
pos intermediários sejam integralmente imunes às regras e aos princípios
fundamentais constantes da C arta Política, tal como o é o princípio da
igual dignidade de todos e o da não-discriminação entre os sexos.
Para além disso, não bastasse a expressa determ inação constitu­
cional no sentido de que a autonom ia partidária não exime tais agre­
miações do resguardo aos “direitos fundam entais da pessoa hum ana”
(art. 17, caput), o fato é que se m ostra inquestionável a oponibilidade,
tam bém aos partidos, enquanto entidades privadas que são - art. 1®da
Lei Orgânica dos Partidos Políticos - dos direitos fundam entais, o que
decorreria do natural efeito externo ou eficácia horizontal dos direitos
que são revestidos do atributo da fundam entalidade (que deixam de
ser analisados em sua dim ensão unicam ente voltada às relações trava­
das entre indivíduos e o p o d er público, para condicionarem, de igual
modo, os relacionamentos firmados entre particulares)
Não há falar, pois, em soberania partidária, mas, unicamente, em
305
Sobre aplicação h o riz o n ta l d o s dire ito s fu n d a m e n ta is: G O N E T B R A N C O , Pa u lo G ustavo, op. cit., p.
169-180; A BRA N TES; José João N un es. A vinculação das entidades p rivad a s aos direitos fu n d a m e n ta is .
Lisboa; A A FD L, 1990; BILBAO UBILLOS, fu a n M aria. La eficácia de los derechos fu n á a m e n ta ie sfr e n te
a particulares. M ad rid ; C E PC , 1997; A N D R A D E , José C arlos V iera de. op. cit., p. 141 e ss; HESSE,
K o nrad . Dcrecho constitucional y derecho privado. M ad rid ; C ivitas, 1995; SARLET, Ingo. op. cit.
216
autonom ia, que não se sobrepõe ao dever constitucional de observância
aos direitos fundam entais (art. 17, caput) e que autoriza, sim, sob tal
perspectiva, não só a atuação corretiva do Poder Judiciário, mas, por
igual, determ inadas imposições derivadas da lei, tal com o ocorre na
hipótese da paridade m ínim a entre os sexos, em tem a de candidaturas
políticas.
Nesse sentido, Ivan Lira de Carvalho, em seu trabalho “Partidos
Políticos: autonom ia, propaganda e controle judicial”^®^:
“A autonom ia dos partidos políticos, assegurada pela
CF (art. 17), não pode sobrepor-se ao princípio da
inafastabilidade, também com sede constitucional (art. 5°,
inciso X X X V), segundo o qual nem a lei poderá excluir da
apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de
direito. H á um choque de princípios (inafastabilidade versus
soberania partidária) que se resolve em prol do primeiro,
homenageando a supremacia dos interesses públicos,
políticos e sociais, na linha do que decidiu o já referido
Tribunal Superior EleitoraP^'”.
A autonom ia partidária, portanto, está condicionada ao efeti­
vo respeito, pelas agremiações, aos direitos fundam entais inscritos na
Constituição da República, de m odo que ilegítima será, autorizando to ­
das as intervenções cabíveis, qualquer conduta p artidária que se afaste
de tais parâm etros inscritos na Lei Fundamental.
4. O EXEMPLO PORTUGUÊS - SANÇÕES ADEQUADAS AO
DESCUMPRIMENTO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE CADA UM
DOS SEXOS
Antes de tudo o mais, cum pre m encionar que ainda tram itam , no
Congresso Nacional brasileiro, variadas propostas norm ativas contra o
déficit de representatividade política da mulher, aí incluídas propostas
de em enda à Constituição que prevêem a adoção da m edida mais “ra­
dicar, consistente na própria reserva de vagas femininas, a serem ado­
tadas em todas as Casas Legislativas de todas as unidades da federação.
Contudo, e ten do em vista que, m esm o após a edição da Lei n°
306 D isponível e m www.jfrn.gov.br/docs/doutrinai93.doc. acesso em 24/05/2010.
307 Rec. 12.990, Rei. Min. E d u a rd o Ribeiro, D fU de 23.09.1996.
217
12.034, que pretendeu conferir m aior densidade norm ativa ao com an­
do do § 3° do art. 10° da Lei n« 9.504/97, ainda não h á previsão legal de
determ inada sanção, a ser aplicada em caso de descum prim ento do pa­
tam ar m ínim o legal de gênero, m ister considerar, p o r sua pertinência,
a experiência de Portugal, quando do processo de criação do Estatuto
da Paridade (Lei Orgânica n. 3/2006),
Em sua prim eira redação, o projeto previa a presença m ínim a de
33% de cada sexo nas listas de candidatos apresentadas pelos partidos,
determ inando, ainda, que os nomes fossem ordenados de form a alter­
nada entre os gêneros (vale frisar, no ponto, que o sistema português
apóia-se na utilização das cham adas ‘listas bloqueadas''). O descum pri­
m ento do com ando geraria a integral rejeição da lista, com a conse­
qüente im possibilidade de que qualquer dos candidatos ali apresentado
fosse subm etido a escrutínio.
Vetado p o r ''desproporcionalidade\ dada a '"excessividade” da san­
ção im posta (rejeição de toda a lista, com a impossibilidade de apre­
sentação de nenhum a candidatura), o texto finalmente aprovado traz
interessante exemplo, a ser objeto de necessária reflexão: o percentual
de 33% de representação m ínim a de cada um dos sexos foi mantido,
assim com o a im possibilidade de que, n a com posição das listas, mais de
dois candidatos do m esm o sexo sejam posicionados consecutivamente.
A inobservância de tais parâm etros gera, de início, um a notificação do
partido, para os devidos ajustes. M antido o déficit de representatividade, a lista será afixada publicam ente e divulgada no site da Internet
m antido pela Comissão Nacional de Eleições, sempre com a indicação
de que está em desconform idade com a lei.
Trata-se, até então, de m edida exclusivamente moral, voltada à
publicização do nom e de agremiação partidária que não logrou obter o
patam ar m ínim o de cada u m dos gêneros em sua lista de candidaturas.
Para além disso, o partido que não cum prir os dispositivos de
paridade perderão, proporcionalm ente à subrepresentação de um dos
gêneros, de 25% a 50% da participação n a subvenção pública de cam pa­
nhas. O que eqüivaleria, no cenário jurídico nacional, às quotas do fu n ­
do partidário ou, até mesmo, ao tem po de rádio e televisão destinado
à propaganda partidária (direito de antena) ou m esm o às candidaturas
políticas.
218
Tem-se, agora, interessante m edida não só proporcional, mas,
p o r igual, aparentem ente eficaz.
A percepção das verbas e repasses públicos, bem assim o acesso
aos horários gratuitos de rádio e televisão ficariam condicionados ao
efetivo respeito, pelos partidos, do princípio da igualdade de gênero,
cabendo referir que a própria im portância assum ida pelo tem po de rá­
dio e de TV, no contexto das cam panhas políticas e da divulgação p ar­
tidária, já seria um bom incentivo a que as agremiações estimulassem a
formação de lideranças políticas de am bos os sexos.
Im aginar que partidos ou coligações que não alcançassem o p a ­
tam ar legal de representatividade p o r gênero pudessem perder até m e­
tade de seu tem po no rádio e na TV já revela a potencial eficácia da
m edida e já perm ite antecipar a possível mobilização de todas as agre­
miações, na formação de novos líderes e no estímulo a candidaturas de
am bos os sexos.
Seja qual for a m edida adotada, contudo, o que se deve buscar é
a criação de instrum entos efetivos, capazes de com bater a inércia fática
que vem perpetuando, no contexto das candidaturas, um a situação de
inaceitável desigualdade de gênero e de injustificável subrepresentação
fem inina no universo político.
As mulheres, m uito em bora constituam a m aioria do eleitorado
nacional, persistem p o r se qualificar com o grupo essencialmente vul­
nerável, a merecer, do Estado, tutela jurídica específica, capaz de lhes
assegurar igualdade material de condições, para o pleno exercício de
todas suas potencialidades.
Nesse contexto, é de toda pertinência que as autoridades legisla­
tivas reflitam sobre a possibilidade de condicionar a integral percepção
das quotas do fundo partidário e o total desfrute do direito de antena
ou m esm o do tem po de rádio e televisão destinado à divulgação de
candidaturas ao atendim ento, pelas agremiações partidárias, do direito
fundam ental que se posiciona no centro de todo o ordenam ento jurídico-constitucional: o da igual dignidade de todos, independentem ente
do sexo.
219
220
OS LIM ITES DA PROPAGANDA ELEITORAL E SUA FUNÇÃO
NA DEMOCRACIA^""
M a r c u s V in íc iu s F u r t a d o C o e lh o '’'*-'
A propaganda eleitoral possui limites quanto ao tempo, ao conte­
údo, ao agente e à forma, que desem penham a dem ocrática função de
garantir a norm alidade e a legitimidade das eleições. Tal limitação não
visa im pedir a constitucional liberdade de expressão, m enos ainda de
obstar o salutar confronto de idéias e de sufocar a vida política.
O dístico constitucional “norm alidade e legitimidade”^ é a razão
de ser e a m eta a ser alcançada pelo direito eleitoral. Enquanto n orm ali­
dade expressa o respeito às regras eleitorais, legitimidade significa a ga­
rantia da liberdade do voto, pressupondo a igualdade de arm as entre as
candidaturas. A criação da justiça eleitoral pela Revolução de 30, cujo
slogan era justiça e representação, constituía num a promessa de sanear
os costumes políticos do país^“ , tarefa em p erm anente construção.
É dizer, p o r sua evolução e por sua missão constitucional, o Judi­
ciário detêm o poder-dever de intervir no processo eleitoral para as­
segurar o equilíbrio entre as candidaturas, possibilitando a livre esco­
lha do eleitor. Nesse diapasão, há de ser estim ulado o debate de idéias,
ações e projetos, bem com o coibido o abuso de poder nas eleições. As
limitações à propaganda eleitoral devem ser interpretadas à luz dessa
finalidade do direito eleitoral.
Tradicional posicionam ento da jurisprudência define propagan­
da eleitoral com o o ato de levar ao conhecim ento geral, propagando-a
ou divulgando-a, um a candidatura, m encionando o pleito eleitoral ou
o cargo político pretendido, a ação política que se pretende desenvolver
308 Palestra p ro ferid a n o II C o n g re sso B rasiliensc d e D ireito Eleitoral. 5“ 7 d e m aio, p ro m o v id o pela
A B R A M P P E e pe lo IDEDH
309 A d v o g a d o m ilitante n o TSE, a u to r do livro D ire ito Eleitoral e P ro ce sso Eleitoral, 2 ^ Edição Ed. R e n o ­
var; D o u to ra n d o pela U n iv ersid ade d e S alam anca; D ire to r S e c re tá rio -G e ra l d o C o n se lh o F ederal da
OAB; m e m b ro d a C o m issã o d o S e n a d o p a ra ela b o ra çã o d o n o v o C ó d ig o Eleitoral.
310 C o n stitu iç ã o Federal, art. 14, pa rá g ra fo n o n o .
311 FAUSTO, Boris. H istória G e ra l d a Civilização Brasileira. T o m o III — O Brasil R epublicano. V olume
10. S o cied ade e Política (1930-1964). In tro d u ç ã o G eral de Sergio B uarq ue d e H o la n d a, 9 ' ed„ Rio de
laneiro: B e rtra n d Brasil, 2007, p.22,
221
ou as razões para alguém ser considerado apto ao exercício da função
pública, com ou sem pedido de voto^^^. Pode ser definida com o os di­
versos meios utilizados para efetuar a captação lícita de sufrágio.
A limitação tem poral da propaganda decorre de um a necessidade
de baratear os custos, condensar e m elhor organizar a cam panha elei­
toral, não possuindo a função de inibir a discussão política fora do pe­
ríodo de propaganda, entre 06 de julho e até a antevéspera das eleições.
É possível a propaganda intra-partidária destinada às prévias eventual­
m ente realizadas por partidos políticos e na quinzena antecedente das
eleições.
Desde 48 horas antes e até 24 horas depois do dia de votação, não é
possível propaganda em rádio, televisão, comícios e reuniões púbhcas^'^
Até as 22 horas do sábado antecedente à votação podem ser realizadas
carreatas, passeatas e manifestação em amplificadores de som. No dia da
eleição, é perm itida a manifestação individual e silenciosa de preferência
do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusi­
vamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos/^^
A denom inada m ini-reform a eleitoral ocorrida em 2009 dissipou
antiga polêmica sobre os limites da propaganda dos pré-candidatos.
Não pode ser considerada propaganda antecipada a concessão de e n ­
trevistas, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos,
desde que não haja pedido de votos^'\ Igual tratam ento é dispensado
pela no rm a à divulgação de atos parlam entares e debates legislativos,
bem assim a realização de reunião e seminário, em am biente fechado
e custeado p o r partidos políticos, para tratar da organização dos p ro ­
cessos eleitorais, plano de governo ou alianças partidárias visando às
eleições. A legislação, no ponto, evidencia que a limitação da propagan­
da não pode engessar a atividade política.A propósito, a contenção da
influência indevida do poder será bem mais facilitada com a ampliação
da liberdade de manifestação e expressão de pensam ento e a perm is­
são da prom oção pessoal. O candidato que utiliza de m étodos ilícitos
de captação de sufrágio é mais fortalecido quando o debate político
inexiste. D o m esm o modo, a renovação da política é im pedida quando
312
3 13
314
315
TSE, rei. Fclix Fischer, DJ 05/04/2010.
C ó d ig o ífleit oral, art. 240, p a rá g ra fo único.
Lei 9.504/97, art. 39-A , caput, p ositivo u reite ra d o e n te n d im e n to ju risp ru d e n c ia l.
Lei 9.504/97, art. 36 - A , incisos I a IV.
222
são vedados todos os meios de prom oção pessoal do cidadão. A idéia
do eleitor de que o político só aparece na época da eleição é reforçada
quando é proibida a atividade política fora do período eleitoral.
O posicionam ento em relação a temas político-com unitários não
pode ser considerado propaganda eleitoral. Por igual, o adesivo com
0 nom e do cidadão posto em um carro ou em u m a tabela de jogos da
copa do m undo, sem m enção a pleito, candidatura, pedido de votos ou
alusão a alguma circunstância associada à eleição^'^. O abuso deve ser
coibido, com o a utilização de outdoor divulgando a aprovação popular
de determ inado político^'^, contudo a festa da dem ocracia, expressada
pela atividade política, não pode ser posta na ilicitude.
A propaganda eleitoral tam bém é lim itada quanto ao conteúdo,
objetivando assegurar a paz social, m antendo a urbanidade e o respei­
to entre os candidatos e partidos políticos. A cam panha não pode ser
transform ada em u m ringue de agressões e ofensas. As críticas são p o s­
síveis, desde que não desbordem para a ridicularização e crimes contra
a honra, nom eadam ente a calúnia, difamação e injúria. Não é tolerada
propaganda, dentre outras, de desobediência à lei, de perturbação do
sossego público, de desrespeito dos símbolos nacionais e de incitam en­
to contra pessoas ou bens^’®. A propaganda perm itida deve se pautar
pela apresentação de idéias e propostas, de análise da situação atual e
de divulgação das qualidades dos postulantes a cargos eletivos, contri­
buindo para a m aturidade dem ocrática do país.
Pela influência que possui no processo eleitoral, faz-se necessá­
rio dissertar sobre o limite de propaganda quanto ao agente público.
A propaganda oficial ou institucional é proibida a partir de três meses
antes das eleições, salvo os produtos com concorrência no m ercado e
os casos de urgência reconhecidos previam ente pela justiça eleitoral.
Os gastos de propaganda oficial no ano da eleição não podem superar
a m édia dos últim os três anos nem o som atório do ano anterior. Mais
relevante, porém , é a proibição constitucional de prom oção pessoal de
servidor ou autoridade em cam panhas, atos, obras e program as gover­
namentais^'^, incidindo o princípio da impessoalidade. A publicidade
316
317
318
319
TSE, R espe 26703.
TSE. AI 10010,
C ó d ig o Eleitoral, art. 243 ,1 a IX, e Lei n. 5.700/71.
C o n stitu iç ão Federal, art. 37, p a rá g ra fo prim eiro..
223
oficial deve ter o caráter educativo ou de orientação social e seu desvirtuam ento configura abuso de poder.
Q uanto à forma, a limitação da propaganda eleitoral visa (a) es­
tim ular o fortalecimento dos partidos políticos, ao determ inar conste
as legendas de todos os partidos coligados na propaganda majoritária
e ao prever que filiado a partido coligado nacionalm ente possa ser uti­
lizada em propaganda regional; (b) a igualdade entre os candidatos, ao
proibir brindes - com o camisas, chaveiros, bonés e canetas showmícios e artistas, ainda que candidatos; ao proibir outdoors e ao lim itar as
pinturas em m uros a 4 m etros quadrados e determ inar que a veiculação
não seja paga; ao proibir mais de 10 inserções na im prensa escrita e ao
determ inar o tratam ento isonômico e respeitoso de televisão e rádio e
ao distribuir igualitariamente parte do horário eleitoral gratuito, sen­
do outra parte distribuída de acordo com a representatividade de cada
partido; (c) a preservação do patrim ônio público e social, vedando-se
propaganda em bens públicos e de uso com um , em árvore e jardins;
e (d) a transparência, ao exigir conste o valor da propaganda paga na
im prensa escrita e o núm ero de inscrição do CNPJ, CPF e tiragem de
propaganda impressa.
Além da propaganda eleitoral gratuita de rádio e televisão e paga
n a im prensa escrita, a novidade introduzida no cenário eleitoral b ra­
sileiro é a perm issão da propaganda na internet^^°, que certam ente irá
contribuir para realizar as funções preconizadas acima. Isso porque na
internet a propaganda deverá ser gratuita e não po derá ser veiculada
em sítios oficiais ou de pessoas jurídicas, tenha ou não fins lucrativos.
A propaganda deverá ser feita em sítios do candidato, partido ou coli­
gação, m ediante a remessa de m ensagem eletrônica para endereços ca­
dastrados gratuitamente, com sistema de descadastram ento pelo desti­
natário, e p or meio de blogs, redes sociais e similares. O uso da internet,
nas últimas eleições presidenciais americanas, revelou-se em im p o rtan ­
te instrum ento nivelador das estruturas dos competidores. Sem dúvida,
a rede m undial de com putadores é u m instrum ento m enos oneroso do
que a televisão e possui u m a relevante eficácia de transm issão de infor­
mações e de propaganda.
Os meios de com unicação possuem a constitucional liberdade,
320
Lei 9.504/97, art. 57-A a 57-H .
224
regra que prevalece em relação à internet. Contudo, eventuais abusos,
discriminações, perseguições e tratam ento privilegiado, não são p er­
mitidos. O direito à inform ação objetiva é um direito do cidadão e um
dever dos órgãos de imprensa. A lei eleitoral, ao disciplinar a conduta
dos veículos de comunicação, deve ser interpretada em conform idade
com a cláusula constitucional asseguradora do livre pensar, expressar
e comunicar. O direito a crítica há de ser preservado, desde que não
configure cam panha contrária ao candidato.
O aparato judicial deve se concentrar no combate à corrupção
eleitoral, gênero de que são espécies a captação ilícita de sufrágio, a
conduta vedada do agente público e a irregularidade na arrecadação e
gastos de cam panha, ao abuso de poder, seja político, com o uso de m á­
quinas administrativas, ou econômico, com a utilização em excesso de
recursos em cam panhas eleitorais e desvios de conduta. A fiscalização
da propaganda eleitoral deve ter em m ente que os limites a ela im pos­
tos objetivam assegurar a paridade de arm as entre os candidatos, mas
não possuem o desiderato de tolher a atividade política antes do perío­
do de cam panha eleitoral. Assegurar a prom oção pessoal e a liberdade
de expressão é um a das formas de estim ular a renovação da política, a
contenção dos atos abusivos e a consolidação da dem ocracia, atraindo
a participação cidadã da sociedade.
Atento a finalidade dem ocrática da limitação da propaganda, o
intérprete-aplicador não incorrerá no equívoco de cercear a festa de­
m ocrática do debate político, necessário renovador da atividade políti­
ca de representação dos interesses sociais, concentrando-se na tarefa de
assegurar ao m áxim o o cum prim ento dos postulados da liberdade do
voto e da legitimidade das eleições.
225
226
FIN A N CIA M EN TO D O S PARTIDOS PO L ÍT IC O S E DAS
CAMPANHAS ELEITORAIS
P a lh a r e s M o r e i r a Reis.'*'^'
S um ário - 1. A Questão do Financiam ento de Partidos e de Cam panhas
Políticas. 2. O Financiam ento Privado dos Partidos Políticos. 3. O
Financiam ento Público dos Partidos Políticos. 4. O Sistema Normativo
Brasileiro; a Isenção Tributária. 5. O Sistema Legal de Financiamento,
no B rasil 6 . Os Bônus Eleitorais de 1994. 7. O Fundo Partidário na Lei
Brasileira. 8. As Despesas Partidárias e de C am panha Permitidas na
Legislação. 9. Financiam ento do Uso do Rádio e da Televisão. 10. O
Controle Legalmente Exigido para as Finanças Partidárias. A prestação
de contas. 11. Efeitos dos Financiam entos sobre os Partidos Políticos.
1. A QUESTÃO D O FIN A N C IA M EN TO DE PARTIDO S E DE
CAMPANHAS POLÍTICA S.
Os partidos políticos, mesm o sendo entidades privadas, desem ­
penham atividades de interesse público. Com o toda entidade, um par­
tido político tem um a série de custos íixos para a sua m anutenção e,
mesmo, para a sua sobrevivência. Ao lado dessas despesas p erm an en ­
tes, ademais, terá aquelas que ocorrem de tem pos em tempos, relacio­
nadas com a participação nos pleitos eleitorais.
Para fazer face a tais despesas, é óbvio que o partido político n e­
cessita de receitas, de apoio material e financeiro. Q ue seja este apoio
oriundo de seus associados é um a conseqüência natural. E como qual­
quer outra entidade, poderá prom over mecanism os para um a arreca321
Professor E m érito d a U n iv e rsid ad e Federal de P e rn a m b u c o . P rofesso r C ated rático H o n o rá rio d a U n i­
v e rsid ad e M o d e r n a de Portugal- C o n fe re n cista h o n o rá rio d a Escola Su p e rio r de A d vocacia R uy da
C o sta A n tu n e s, d a O rd e m d o s A dvogados d o Brasil, seção dc P e rn a m b u c o . A dvogado. D o u to r em D i­
reito e Professor a p o se n ta d o d e C iência Política, e d e D ireito C o n stitu c io n a l d a U n iv ersid ade Federal
de Pern a m b u c o . C o o r d e n a d o r A c ad ê m ic o e Professor d c D ireito Eleitoral d a F O C C A - F a cu ld ade de
O lin da. D o C o n se lh o Ed ito rial d a R evista Consulex. C o n fe re n cista em co n g re sso s nacion ais e in te rn a ­
cionais. A u to r d e 30 livros, a lg u n s deles em m ais d e u m a edição, e m ais d e 300 titulos, d e n tre artigos
e m revistas especializadas, das quais é c o la b o ra d o r p e rm a n e n te , cap ítu lo s de ob ra s coletivas e folhetos,
além de artigo s em jo rn a is e p ro g ra m a s c u ltu ra is em rá d io e televisão educativas.
227
dação, eventual ou perm anente, de recursos para a cobertura das des­
pesas.
Deste modo, partidos maiores e mais ricos, dispondo de mais
recursos financeiros, poderão fazer cam panhas políticas e eleitorais
maiores, usando os veículos e material de propaganda em farta cópia, e
assim desestabilizar a igualdade entre os partidos e candidatos que, em
tese, deveria existir nas cam panhas. Os mais fracos e mais pobres não
têm condições competitivas para tais embates.
Daí surgir a grande preocupação entre juristas, políticos, m agis­
trados e cientistas sociais em relação a este tipo de desigualdade.
O tem a do financiam ento dos partidos e das cam panhas políticas
tom a ainda um a dim ensão especial quando se sabe que, ao lado dos
recursos de origem regular, podem surgir contribuições de precedên­
cia não m uito adequada. Nestes casos estão os recursos irregularmente
obtidos de órgãos ou entidades públicas; contribuições de origem es­
trangeira; ou m esm o “doações” de particulares que buscarão obter uma
contrapartida quando o partido eventualm ente chegar ao Poder. Ade­
mais, há que se proceder aos lançamentos contábeis de todas as receitas
e despesas do partido, dentro e fora do período eleitoral, a fim de que se
tenha a necessária transparência da lisura da origem e da aplicação dos
recursos. C om ou sem o controle governamental.
É prudente, pois, que o cidadão com um saiba de onde vem o di­
nheiro que financia os partidos políticos e as cam panhas eleitorais.
Sem dúvida que a contribuição oriunda dos m em bros do partido
é de fácil entendim ento e aceitação. O m esm o não se dará no caso de
enorm es contribuições de particulares, de grandes empresas, de recur­
sos públicos não previstos ou proibidos pela lei e, ademais, de financia­
m entos oriundos de fontes estrangeiras.
As despesas realizadas pelos partidos políticos são relativas, p ri­
meiro, ao custeio do seu funcionam ento perm anente e, em segundo
plano, às relacionadas com as cam panhas eleitorais. Claro que há de se
distinguir, do m esm o m odo que no exame das receitas, o das despesas,
a fim de se saber quais os dispêndios com atividades regulares ou a
aplicação de tais verbas em situações irregulares, pouco éticas ou, até
mesmo, criminosas.
Existem sistemas políticos em que o financiam ento dos partidos
228
políticos é substancialm ente feito por dinheiro público, enquanto n o u ­
tros a origem é sempre de entidades privadas, não só de indivíduos,
mas, sobretudo, de grandes corporações, nacionais e multinacionais
(com sede ou filial local). Em nenhum , porém , adm ite-se form alm en­
te o financiam ento de partidos e cam panhas com recursos financeiros
provenientes de Estados ou entidades estrangeiras.
A idéia de coibir práticas pouco recomendáveis no financiam en­
to de partidos políticos e de cam panhas eleitorais teve sua objetivação
com leis de caráter penal, buscando reprim ir a corrupção que lastreava
certos com portam entos eleitorais. O Reino U nido foi o pioneiro nesta
ação, com a Corruption Practices Prevention Act, de 1854. A ele se ju n ­
tou a França, em 1914 e bem assim os Estados Unidos da América, em
1925.
Não havia, em lugar algum, qualquer no rm a que disciplinasse a
atividade político-partidária a respeito do seu financiamento. Somente
depois do térm ino da II G uerra M undial que a República Federal da
Alem anha passou a distinguir os partidos políticos das demais asso­
ciações de pessoas, mas sem que o problem a do financiam ento tivesse
regulam entação de qualquer natureza.
“Deve-se constatar que os regulamentos a respeito do tema, na
sua m aior parte, surgiram a partir do fim dos anos sessenta: 1966, na
D inam arca e Suécia; 1967, na A lem anha Federal; 1969, na Finlândia,
na Itáha e nos Estados Unidos da América; 1975, na Áustria; 1976, em
Portugal; 1977 em Quebec; 1984, na Grécia; 1989, na Bélgica; 1985, na
Espanha; 1988 3 1990 na França. Todas foram frequentem ente m odifi­
c a d a s e c o m p l e t a d a s ” (D ou B L E T , 1990, p. 4.)
O disciplinamento dos mecanism os de financiam ento público ou
privado dos partidos políticos pode decorrer diretam ente da lei, sem
que seja exigida um a base constitucional.
“Ademais, um a legislação sobre o financiam ento dos partidos p o ­
líticos pode existir sem que estes inexistam com o pessoas jurídicas. Foi
assim na Grécia, que não reconhecia os partidos com o pessoas ju ríd i­
cas, e isto não constituiu obstáculo para a aprovação de um a regula­
mentação do seu financiam ento” ( D o u b l e t , 1990, p. 4)
A idéia que orienta o financiam ento público dos partidos é funda­
da nos princípios constitucionais de igualdade entre os participantes do
229
processo eleitoral e da garantia efetiva do exercício, não só da liberdade
de expressão, quanto da liberdade de associação, neste campo específico.
“Com efeito, n a m edida em que o legislador privilegia o finan­
ciamento público ou o financiam ento privado dos partidos ou dos can­
didatos, que se orienta no sentido de fazer o Estado assum ir um a parte
das despesas correntes das formações ou exclusivamente as despesas de
cam panhas eleitorais, que limite ou não estas últimas, que obrigue os
partidos ou candidatos a publicar os orçam entos ou as contas de cam ­
panha, que obrigue os eleitos a declarar seu p atrim ônio o u sua renda,
que subm eta as contas dos partidos e dos eleitos a um controle, a inde­
pendência dos hom ens e das forças políticas se apresentam m odifica­
d a s ” ( D o u b l e t , 1 99 0 , p . 15).
2. O FINANCIAM ENTO PRIVADO D O S PARTIDOS POLÍTICOS.
Em prim eira tese, há a posição de que o financiam ento dos p a r­
tidos políticos, seja para a sua m anutenção, seja para as cam panhas elei­
torais, deve ser de cunho privado, eis que se trata de entidades civis de
direito privado e sem fins l u c r a t i v o s . (S o s p e d r a , 1996, p. 61)
É evidente que os particulares financiadores dos partidos e, em
especial, das cam panhas eleitorais, são pessoas que têm interesse nos
resultados: todos aqueles que financiam as atividades partidárias con­
seguem que lhe fique aberta um a via para a obtenção de favores e be­
nefícios. O u com o diz com propriedade Key, “quem paga o gaiteiro diz
o que ele deve tocar, e esta é, com freqüência a história das finanças do
partido n um a democracia” ( K e y Jr .: 1962, p. 741).
No elenco de fontes financiadoras de origem privada, podem
ser agrupados, de um lado os recursos oriundos do próprio partido e
de outro os que vêm de entes privados estranhos à agremiação. No p ri­
m eiro caso estão:
a) as contribuições dos filiados;
b) as contribuições dos ocupantes de cargos públicos e dos
candidatos;
c) os recursos de origem patrim onial;
322
O te x to d o a u to r esp a n h o l m e re c e especial a te n çã o p a ra esta p a rte d o e stud o , e servirá d e base p a ra o
d e se n v o lv im e n to d o texto.
230
d) os recursos oriundos da venda de publicações e de outras atividades
capazes de produzir renda.
D entre os recursos provenientes de entes privados, situam-se:
a) doações e contribuições;
b) empréstimos;
c) atividades esporádicas de natureza empresarial,
d) receitas atípicas.
Rápida análise de tais tópicos deve ser feita em seguida.
A ) As contribuições dos filiados - Estas são a prim eira e imediata
fonte de financiam ento dos partidos. O riundas de um a prática
iniciada pelos partidos de massa, podem ser de m aior ou m enor porte,
dependendo do núm ero de filiados e da condição econôm ico-financeira
predom inante. O núm ero de filiados tem um a relevância m uito grande
para o partido, pois se de um lado evidencia a sua força que pode se
transform ar em potência eleitoral, serve igualmente para explicar a
origem de recursos financeiros para custeio das atividades regulares
perm anentes da instituição.
B) As contribuições dos ocupantes de cargos públicos e dos
candidatos - M uitos são os partidos políticos que cobram dos “candidatos
a candidato” um a contribuição financeira que pode funcionar como
um a espécie de jóia para que o partido o aceite com o postulante a cargo
eleitoral. A seu lado existe a regra estatutária em várias agremiações de
que os seus partidários, u m a vez eleitos, contribuam norm alm ente para
o caixa do partido com um percentual sobre sua rem uneração do cargo
que ocupa, seja parlam entar ou executivo, p o r eleição ou nomeação.
Não se trata mais, como dantes, de simples donativos, porém
tais recursos vêm envolvidos pela no rm a de um a contribuição
compulsória, que passa a garantir um a receita regular para a agremiação.
Tais contribuições, ademais, podem se revestir do caráter de multas
impostas p o r infração, ou pela disciplina do grupo, ou ainda pelo
descum prim ento de deveres parlamentares.
Em conseqüência, m uitos partidos políticos, quando assumem
o Governo am pliam substancialm ente o núm ero de cargos de livre
nomeação e exoneração, e os preenche com participantes do partido, a
fim de que possa, deste m odo, aum entar a arrecadação das contribuições
para o caixa d o partido.
231
C)
Os recursos de origem patrimonial. - O partido político, como
é evidente, não é um a entidade com finalidades lucrativas e, por isso, não
é de se esperar que seu patrim ônio venha a gerar receitas, com o atividade
normal. Ademais, o patrim ônio de um partido político, do ponto de
vista imobiliário, é m uito restrito, tanto assim que norm alm ente muitos
deles dispõem de espaços nos prédios do Congresso Nacional para
sediar a adm inistração n acio n al A própria legislação brasileira adm ite
que os partidos políticos devidam ente registrados no TSE possam usar,
gratuitamente, escolas públicas e Casas Legislativas para a realização de
suas reuniões ou convenções/^^
No entanto, é perfeitam ente possível que em alguns casos exis­
tam imóveis destinados a sediar os órgãos do partido e, a seu lado um
patrim ônio mobiliário, especialmente equipam ento para as atividades
regulares e para as cam panhas eleitorais, que podem ser, em determ i­
nadas circunstâncias, locados a terceiros, para a realização de reuniões
e propaganda, com o carros de som e similares. E esta será um a eventual
fonte de renda interna do partido.
D) Os recursos oriundos da venda de publicações e de outras ati­
vidades capazes de produzir renda. - M esmo não tendo finalidades lu­
crativas, nada im pede que um partido político produza material de di­
vulgação de suas idéias e de suas teses políticas, sociais e econômicas.
Material impresso, como livros, revistas e jornais, e hoje em dia, m ate­
rial adequado aos meios eletrônicos de com unicação de massa (discos,
vídeos, e similares).
A im prensa é um meio de com unicação que pode ser adequada­
m ente usado para a inform ação e o proselitismo políticos. E a venda do
material produzido para este fim é igualmente um a fonte de renda para
a entidade.
Hoje em dia, essas atividades estão com um p o d er bem m enor do
que nos m eados do Século XX, dos anos 30 aos anos 60, quando o n a ­
zismo usava o rádio para a divulgação das suas mensagens e dos discur­
sos hitleristas; quando jornais partidários, especialmente da im prensa
comunista, o mais célebre de todos n o m u n do ocidental tendo sido o
VHumanité, do Partido C om unista Francês. No Brasil, diversos foram
323
É 0 art. 51 d a Lei n .” 9.096, d e 1995, que, adem ais, respo n sab iliza o p a rtid o politico pelos d a n o s c a u s a ­
d o s co m a realização d o evento.
232
órgãos de cunho socialista e com unista que existiram, desde antes
da era varguista e até o regime militar, com o Voz Operária, Problemas,
de cunho nacional. E diversos jornais locais, com o a Folha do Povo, no
Recife, todos vendidos em bancas e rendendo para o partido custear as
despesas de publicação.
O utras atividades podem vir a produzir renda para os trabalhos
partidários perm anentes ou de cam panha eleitoral, como, p o r exemplo,
almoços com militantes e simpatizantes em to rn o de líderes e eventuais
candidatos a cargos eletivos, todos eles destinados a angariar recursos
para a cam panha, e outros tipos de reuniões festivas.
A par dessas receitas, provenientes de fontes internas dos p ar­
tidos políticos, muitas outras podem existir, de caráter privado, cujas
fontes são externas ao partido, como se verá a seguir, detalhadamente:
A ) Doações e contribuições - É norm al u m partido político buscar
junto aos seus simpatizantes, seja em época de cam panha eleitoral, seja
para atender a esporádicas necessidades de fluxo de caixa, doações, na
m aior parte das vezes, financeira.
Diz-se que podem as doações ser eventualm ente financeiras, p o r­
que existem outras doações realizadas em bens e serviços para os p ar­
tidos ou candidatos, com o o aporte de cartazes, faixas, financiamento
de horas de estúdios de gravação para produção de fitas de som ou de
vídeo para as cam panhas. Não só para as cam panhas eleitorais, mas
igualmente para as de referendo, com o já ocorreu, inclusive no Brasil.
O u mesm o para o funcionam ento regular do partido. É aquilo que a lei
brasileira sobre partidos políticos denom ina de “doações em dinheiro
ou estimáveis em dinheiro”.
É norm al que a doação feita a um partido político tenha como
um dos fundam entos a simpatia do doador pelas idéias ou program a
da entidade. No entanto, tam bém sempre foi com um , no Brasil, em áre­
as onde o antigo Partido Com unista, então na clandestinidade, recebia
financiam ento de empresários, o que se chamava de “seguro de vida
político”. Não era excepcional que os em presários financiassem, sim ul­
taneam ente, partido de governo e partido de oposição, norm alm ente os
prim eiros vinculados aos proprietários de terras, industriais e com er­
ciantes, e estes últim os de linha esquerdista.
B) Empréstimos - O recurso ao crédito po de ser usado pelos p a r­
OS
233
tidos políticos para o financiam ento das atividades regulares e para co­
bertura dos custos de cam panhas. Em préstim os bancários poderão ser
obtidos de bancos privados ou governamentais, com juros subsidiados,
diferentem ente da cessão de recursos a outras entidades ou indivíduos.
Tais empréstimos, na verdade, constituem um meio indireto de subsí­
dio à entidade para o financiam ento de suas atividades regulares ou das
cam panhas eleitorais.
C) Atividades esporádicas de natureza empresarial - Não é norm al
u m partido político se dedicar a atividades empresariais. Além de espo­
rádicas, n a sua m aior parte não têm obtido o sucesso adequado. Mas,
em alguns casos, é possível que a entidade disponha de instrum entos de
produção que possam ser usados para outras finalidades, além daquelas
de interesse direto do partido. O exemplo clássico é o da existência de
u m parque gráfico, norm alm ente usado para im prim ir jornal ou outra
literatura do partido, e ser usado em horas ociosas p ara produzir para
terceiros, m em bros ou não do partido, agindo empresarialmente.
D) Receitas atípicas - As receitas atípicas são, na m aior parte das
vezes de difícil explicação, pois resultam de atividades que possam ser
consideradas ilegais, ou se aproxim em bastante desse campo.
A prim eira delas é a de doações de origem estrangeira, as quais,
em praticam ente todos os sistemas políticos, são proibidas, porque é
um m ecanism o de ingerência n a política interna ou externa do Estado
que a recebe. Mas não é estranha ao m undo partidário essa prática, e as
grandes potências sempre encontraram u m m eio de rem eter recursos
financeiros ou materiais para os partidos políticos que possam dissemi­
n ar idéias em seu prol, para a sua m anutenção e equipam ento ou para
a realização de cam panhas eleitorais. Os antigos partidos comunistas,
no m undo inteiro, sempre tiveram ligações, não só ideológicas como
financeiras, com o Partido C om unista da União Soviética. Os p arti­
dos políticos alemães, ou fundações a eles ligadas, entidades dos Esta­
dos Unidos, nos tem pos da guerra fria, principalm ente, países árabes
na luta contra os israelenses, sempre canalizaram recursos financeiros
para os partidos políticos locais poderem realizar atividades tendentes
a influenciar a opinião pública ou as atividades governam entais ou p ar­
lamentares n um a ou noutra direção.
A seu lado, a cobrança de comissões para influenciar em decisões
234
governam entais para obtenção de contratos com o governo, neste caso
apenas se considerando a atividade de cobrança deste tipo quando o re­
sultado seja dirigido ao caixa do partido e não para os seus integrantes,
que poderão até, igualmente, usar tais recursos para o financiamento
de suas cam panhas eleitorais. A prática da licitação para a escolha dos
contratantes para fornecim ento de bens e serviços, em determ inadas
circunstâncias, dim inui ou im pede esse tipo de obtenção fraudulenta
de recursos, mas em todos dos lugares do m u n do em que se adotam
estes mecanismos, existem as válvulas de escape para a contratação
sem concorrência, quando as empresas ligadas aos partidos ou a lideres
partidários (ou m esm o de propriedade destes) são agraciadas com as
contratações.
Do mesm o m odo se inclui neste tipo, pela sua enorm e proxim i­
dade, o tráfico de inform ações privilegiadas. A atividade, considerada
crim inosa, é usada, do mesm o m odo, para o financiam ento partidário
ou de alguns de seus membros. Não se deve incluir neste entendim ento
o uso de tais mecanism os apenas para am pliar a riqueza particular dos
políticos, o que, tam bém atividade crim inosa, não se liga necessaria­
m ente às tarefas partidárias.
O utro m odo de financiam ento indireto das atividades partidárias
é a cessão de servidores públicos para trabalhar no partido, em detri­
m ento de suas atividades regulares na adm inistração, ou em empresas
públicas.
3. O FIN A N CIA M EN TO PÚBLICO D O S PARTIDOS PO L ÍTIC O S.
Em contrapartida, h á a posição de que o financiam ento dos p ar­
tidos políticos, seja para a sua m anutenção, seja para as cam panhas elei­
torais, deve ser de cunho público. Os recursos, na sua m aior parte, ou
mesm o na totalidade, devem ser oriundos dos cofres governamentais.
F undam enta esta corrente a alegação de que o aporte financei­
ro público daria possibilidade aos partidos políticos pequenos e p o ­
bres para participar da com petição política. C om as necessidades cada
vez maiores de recursos para as cam panhas eleitorais, especialmente
para atender a propaganda e as atividades de aliciamento de eleitores
para ingresso no partido, ou para que votem nos candidatos do partido
235
no dia da eleição, argum enta-se que o partido que disponha de m aior
som a de recursos terá oportunidades m aiores de vitória do que os mais
fracos economicamente.
A análise de S o s p e d r a , neste ponto, é elucidativa: “O financia­
m ento público veio obedecer, ademais, a outras três razões de im por­
tância: ao fracasso das regras destinadas a lim itar os gastos eleitorais,
ao custo crescente das cam panhas eleitorais conduzidas nos moldes da
publicidade comercial e ao crescente reconhecim ento legal do papel
público que os partidos desem penham . Finalmente, mais como critério
de legitimação que outra coisa, cabe aduzir os argum entos baseados no
estabelecimento de um certo grau de igualdade na com petição eleito­
ral” {S o s p e d r a , 1996 p. 81).
O que se pretende, igualmente, é evitar com o financiam ento p ú ­
blico, controlado pelo órgão que supervisiona a atividade eleitoral, a
corrupção e o m au uso dos recursos de origem privada.
O financiam ento estatal dos partidos políticos se amplia cada vez
mais face ao crescimento desm esurado dos seus gastos, especialmente
nas cam panhas políticas, com os novos meios de com unicação de m as­
sa. É a s s i m n a A r g e n t i n a , ( N a t a l e , 1979, p. 95) na F ran ça,^^' ( N a t a LE, 1979, 95) na S u é c i a . ( N a t a l e , 1979.p. 96.) Já na Alemanha, que
inicialmente entendia que o Estado deveria assum ir os custos eleitorais,
a C orte Constitucional entendeu que esta contribuição era inconstitu­
cional, pelo fato de poder criar dependência do partido em relação ao
governo.-'^' ( N a t a l e , 1979, p. 95)
A idéia de financiam ento público das cam panhas eleitorais e dos
partidos políticos é antiga, pois na Inglaterra e na França rem ontam à
prim eira m etade do Século XX. Torna-se mais com um nos anos sessen­
ta e se torna atividade regular nos anos setenta, sobretudo nos países
europeus (Suécia, 1966; República Federal da Alem anha, 1967; D ina­
m arca e Finlândia, 1969; Noruega, 1970; Estados Unidos, C anadá e Itá­
lia, 1974, etc.)
324 A d o ta ç ã ü é em te rm o s d e c o n trib u iç ã o m o n e tá ria p ro p o rc io n a l a o n ú m e ro d e vo to s ob tid o s nas elei­
ções. A dem ais, os p a rtid o s po lítico s tê m fra n q u ia postal, telefônica e d c tra n sp o rte .
325 N a F ran ç a o E sta d o a ssu m e n ã o só os c ustos eleitorais, c o m o ta m b é m os d a s tra n sm issõ e s d e rádio e
d e televisão, e co n trib u i p a ra os gastos do s candid atos.
326 A Suéci-i s u b sid ia o s p a rtid o s políticos.
327 NATALE, cita n d o u m a d ecisão d e 1966.
236
Os m ecanism os de financiam ento público, direto ou indireto, são
classificados p o r S o s p e d r a no seguinte elenco: SOSPEDRA, 1996 p. 82
1) Limitação dos gastos:
a) dos candidatos;
b) dos partidos;
c) de terceiros.
2) Regulamentação das doações e contribuições:
a)individuais;
b) de pessoas jurídicas, em especial de empresas e
sindicatos;
c) proibição de doações p o r estrangeiros;
3) M edidas fiscais especiais:
a) incentivos fiscais;
b) isenções;
4) Financiam ento público:
a) dos partidos;
b) de candidatos;
5) Financiam ento indireto:
a) espaço no rádio e televisão;
b) locais;
c) subsídios à im prensa e a organizações dependentes.
Em seguimento, será procedida um a rápida análise de tais
tópicos.
A limitação dos gastos - O prim eiro aspecto a ser considerado no
que concerne ao financiam ento público (e m esm o de origem privada)
dos partidos e cam panhas políticas é o do estabelecimento de um lim i­
te para as despesas realizadas nas cam panhas. O limite pode ser rela­
cionado com o partido com o um todo, com cada um dos candidatos
registrados e, finalmente, estabelecer u m parâm etro para o que podem
terceiros interessados contribuir para o financiamento.
É adequado que a lei estabeleça um a lim itação para as despesas
eleitorais, a fim de que seja im pedido o desequilíbrio entre os diversos
grupos, pois sem esta providência poderá desaparecer a igualdade de
oportunidades entre os partidos.
237
D ependendo do sistema, pode haver apenas o financiamento
público para os partidos políticos, ou apenas para os candidatos. O u ­
tros, ademais, adotam o financiam ento tanto ao partido como entidade
quanto aos candidatos individualmente.
Estes gastos podem ser controlados pelo Governo e em alguns
países as contribuições eleitorais ou partidárias podem ser deduzidas
para efeito do Im posto sobre a Renda.
Muitos são os sistemas que estabelecem regulamentação das d o ­
ações e contribuições: não só as individuais, com o as de pessoas ju rí­
dicas, em especial de empresas e sindicatos. Com o se disse antes há
sempre proibição de doações p o r estrangeiros.
O financiamento público dos partidos políticos pode ser direto
ou indireto. Na prim eira hipótese, o Estado distribui recursos entre as
agremiações registradas; na outra, assume determ inados gastos ou con­
cede isenções fiscais ou incentivos.
No caso de financiam ento indireto com a cobertura dos gastos de
cam panha, é norm al o financiam ento pela concessão gratuita para os
partidos e candidatos dos tem pos na program ação de rádio e de televi­
são, isoladamente ou em redes.
É norm al que os governos perm itam aos partidos políticos o uso
de espaços públicos para a realização de suas atividades. Em muitos
casos, esta cessão é gratuita, noutras apenas é cobrada um a taxa sim ­
bólica. Muitos partidos políticos têm sua sede principal localizadas nos
Palácios dos Congressos, com o se disse antes, ou em outros prédios
públicos, sendo este o endereço perm anente da entidade.
Também existe a cessão de prédios públicos para a realização de
convenções ou outras reuniões, sejam estas restritas a filiados ou aber­
tas ao público em geral. Pode-se estender a noção de cessão de espaços
públicos ao uso de vias públicas para a realização de manifestações, tais
com o passeatas e comícios.
No Direito brasileiro, a garantia constitucional do direito de reu­
nião está fixada no inciso XVI do art. 5® do texto de 1988, ao assegurar
que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos
ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem
outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo ape­
nas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
238
A regra de 1946 era de cunho mais amplo, quando dizia que “to­
dos podem reunir-se, sem armas, não intervindo a polícia senão para
assegurar a ordem pública. Com esse intuito, poderá a polícia designar
0 local para a reunião, contanto que, assim procedendo, não a frustre ou
impossibilite”.
Com base nessa norm a constitucional tem -se com o corolário a
lei sobre o direito de reunião, que trata da fixação anual, pela autori­
dade policial de m aior categoria, das praças destinadas a comícios, nas
cidades.
Se, porém , a fixação se fizer em lugar inadequado que importe,
de fato, em frustrar o direito de reunião, qualquer indivíduo poderá re­
clam ar à autoridade policial indicação de lugar adequado. A autoridade
terá dois dias para providenciar e, se não o fizer, ou indicar lugar inade­
quado, poderá o reclamante im petrar ao Juiz com petente m andado de
segurança que lhe garanta o direito de comício, em bora não pretenda
n o m om ento realizá-lo. Em tal caso, caberá ao Juiz indicar o lugar apro­
priado, se a polícia, modificando o seu ato, não o fizer.
A celebração do comício, em praça fixada para tal fim, independe
de licença da polícia; m as o prom otor do mesmo, pelo m enos vinte e
quatro horas antes da sua realização, deverá fazer a devida com uni­
cação à autoridade policial, a fim de que esta lhe garanta, segundo a
prioridade do aviso, o direito contra qualquer que no m esm o dia, hora
e lugar, pretenda celebrar outro comício.^-^
De acordo com a legislação brasileira, é assegurado ao partido
político com estatuto registrado no Tribunal Superior Eleitoral o direi­
to à utilização gratuita de escolas públicas ou Casas Legislativas para a
realização de suas reuniões ou convenções. A entidade se responsabi­
liza, no entanto, pelos danos porventura causados com a realização do
evento.^^"^
Podem ocorrer subsídios aos jornais e demais publicações p a r­
tidárias.
Ademais, existem as isenções tributárias concedidas a partidos
políticos e, em certas situações, às entidades que lhe são dependentes.
328 Lei n." 1.20/, d e 25/10 /1 95 0 - D O U 27/10/1950. D ispõ e so b re o D ire ito d e R eu n ião, art. 3'"329 Lei n." 9096, de 19/9/1995. art. 51.
239
4.
O SISTEMA N ORM A TIVO
BRASILEIRO: A ISENÇÃO
TRIBUTÁRIA.
A prim eira questão relativa às finanças dos partidos políticos no
Brasil é a da isenção tributária assegurada pela Constituição Federal,
desde o texto de 1946.™ Esta regra foi alterada pela EC-18, de 1965/^'
que determ inou a disciplina da questão p o r lei com plem entar (e não
mais p o r lei ordinária), voltou em 1967 com os requisitos a serem d e­
term inados em lei (ordinária, portanto);’"'^ regra repetida no texto de
1969. N a Constituição de 1988, a m atéria está no art. 150, VI.
Nesta passagem, o Texto Básico veda às três Ó rbitas de Poder a
instituição de im postos sobre o “patrim ônio, renda ou serviços dos p ar­
tidos políticos, inclusive suas fundações”, ficando claro no § 4® que essas
vedações “com preendem som ente o patrim ônio, a renda e os serviços,
relacionados com as finalidades essenciais nelas m encionadas”.
Por essa razão, quando foi vetado o dispositivo do projeto da
lei sobre Partidos Políticos, que estendia essa im unidade tributária aos
institutos dos partidos, nas razões do veto, o Vice-Presidente M a r c o
M a c i e l fundam entou sua inconform idade no fato de que o projeto
extrapolava o previsto naquele artigo, o que dem onstrava vício de inconstitucionalidade. A regra legal ultrapassava os parâm etros fixados
no texto da Constituição Federal citado.
5. O SISTEMA LEGAL D E FINA N CIAM EN TO , N O BRASIL.
N o Brasil, a Lei nova sobre Partidos Políticos trata da criação do
Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo
Partidário), adotando, com isto, u m sistema misto de financiamento,
330 C onstituição de 1946, art. 31, V. b - À U nião, aos Estados, ao D istrito Federal e aos M unicípios é vedado:
V - la n ç a r im p o s to sobre:
b) te m p lo d e q u a lq u e r culto, be n s e serviços de p a rtid o s políticos, instituições d e ed u ca ç ã o e assistência
social, desd e que as suas re n d a s seiam ap licadas in te g ra lm e n te n o país p a ra os respectivos fins.
331 E m e n d a C o n stitu cio n al n.° 18, d e 1/12/1965, art. 2°, IV, c:
A rt. 2° - E ve d ad o à U nião, aos Estados, a o D istrito F ederal e aos M unicípios:
IV - c o b ra r im p o s to s sobre:
c) o p a trim ô n io , a re nd a o u serviços d e p a rtid o s políticos e d e in stitu içõ es de ed u ca ç ã o o u de assistên­
cia social, o b s erv ad o s os requisitos fixaclos e m lei co m ple m e ntar.
332 C o n stitu iç ão de 1967, art. 20 - Ê v e d ad o à U nião, aos Estados, a o D istrito federal e aos M unicípios:
III - c ria r im p o s to sobre:
c) o p a trim ô n io , a re n d a o u os serviços d e p a rtid o s políticos e de instituições d e ed u ca ç ã o o u d e assis­
tê n c ia social, o b s erv ad o s o s requisitos fixados em lei.
240
um a vez que estarão presentes os recursos públicos do Fundo Partidá­
rio ao lado daqueles oriundos de indivíduos e entidades privadas.
Os recursos financeiros disponíveis para os partidos políticos
aliam-se à isenção tributária já garantida na Constituição desde 1946,
com o se viu.
As regras legais dispõem sobre a limitação dos gastos eleitorais e
partidários p o r indivíduos e grupos, controla as doações, prevê o finan­
ciam ento público pelo Fundo Partidário ao lado dos recursos privados
para as cam panhas, trata do uso de transm issão gratuita de programas
de rádio e de televisão, com o se verá a seguir.
A legislação, no que concerne às receitas, fixa de logo as proi­
bições ao recebimento de determ inados tipos de ajuda financeira, en ­
tendendo que a participação desses doadores no processo eleitoral e
partidário com prom etem a lisura do pleito em especial e do sistema
com o um todo.
Assim, a Lei dos Partidos, ao lado da criação do Fundo P arti­
dário, com o se verá adiante, fixou n o seu art. 31 algumas vedações ao
partido político, im pedindo-o de receber, direta ou indiretam ente, sob
qualquer form a ou pretexto, certos tipos de contribuição ou auxílio p e ­
cuniário ou estimável em dinheiro, de determ inadas procedências. A
Lei n.° 9.504, de 1997, ampliou o elenco de restrições.
Já não se fala apenas em partidos, mas igualm ente em candidatos,
aos quais se veda receber, direta ou indiretam ente, doação em dinheiro
ou estimável em dinheiro, inclusive por m eio de publicidade de qual­
quer espécie, procedente de:
I - entidade ou governo estrangeiros (regra nas duas leis);
II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações refe­
ridas no art. 38 da citada lei,” ^ que são as feitas p o r pessoas físicas ou
jurídicas diretam ente no Fundo Partidário;
333
A rt. 38. 0 F u n d o Especial d e A ssistência F in a n c e ira aos P a rtid o s Políticos (P u n d o P a rtid ário ) é c o n s ­
titu íd o por:
I - m u lta s c p e n alid ad e s p e c u n iá ria s aplicadas nos te rm o s d o C ó d ig o Eleitoral e leis conexas;
II - rec u rso s fin anceiro s qu e lhe forem d e stin a d o s p o r lei. em c a rá te r p e rm a n e n te o u eventual;
III - do a çõ e s de pessoa física ou juríd ica , efetuadas p o r in te rm é d io de de p ó sito s ba n c á rio s d ire ta m e n te
na c o n ta d o F u n d o Partidário ;
IV - d o ta ç õ es o rç a m e n tá ria s d a U nião e m valo r n u n c a inferior, cad a ano, ao n ú m e r o de eleitores in scri­
tos em 31 dc d e z e m b ro d o a n o a n te rio r ao d a p ro p o s ta o rç a m e n tá ria , m u ltip lic ad o s p o r trin ta e cinco
centavos de real, e m valores d e ago sto de 1995.
§ 1“ (V E T A D O )
§ 2 » (V E T A D O )
241
Ill
- órgão da adm inistração pública direta e indireta (autarquias,
empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades
de econom ia m ista ou fundação m antida com recursos provenientes do
Poder Público);
V - concessionário ou perm issionário de serviço público;
V - entidade de direito privado que receba, n a condição de ben e­
ficiária, contribuição com pulsória em virtude de disposição legal;
VI - entidade de utilidade pública;
VII - cooperativa, entidade de classe ou sindical;
VIII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do
exterior.
Houve ainda um a disposição que vedava ao partido político re­
ceber recursos de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e
educação política, criado ou m antido com recursos do Fundo Partidá­
rio, que depois desapareceu.
Q uando a regra fala em órgãos públicos ou de utilidade pública,
o faz no sentido o mais geral possível, englobando os de cunho federal,
estadual, m unicipal ou distrital, vinculados a qualquer dos poderes. E
a referência a entidade de classe ou sindical é, igualmente, abrangente
p o r demais, nela se incluindo as entidades patronais ou de empregados,
bem como as de profissionais liberais e de qualquer outra profissão ou
atividade. É a tentativa de evitar a participação dos grupos de pressão
diretam ente sobre o partido político ou sobre os candidatos a cargos
eletivos.
6.
OS BÔNUS ELEITORAIS DE 1994.
Em 1994, a legislação previa um sistema diferente para controle
da arrecadação de recursos. Cada partido político, recebendo as p re­
visões de arrecadação e de gastos de cada circunscrição, acrescidos do
limite que fixasse para a eleição presidencial, solicitava ao M inistério
da Fazenda a emissão de Bônus Eleitorais ao portad o r em valor corres­
pondente ao total de gastos previstos pelo partido para todas as eleições
de disciplinadas pela Lei.^^^
Cabia ao M inistério da Fazenda em itir os Bônus Eleitorais ao
334
L e in .° 8.713, d e 30/09 /1 99 3 - D O U 01/10/1993.
242
portador, os quais tinham as seguintes características; “I - indicar o va­
lor em m oeda da doação, convertido em U nidade Fiscal de Referência
(UFIR); II - ser previam ente num erados, para fins de identificação de
sua distribuição posterior aos partidos; e finalmente, III - ser emitidos
em valores variados”. Ditos bônus eram im pressos com um canhoto,
pelo qual o Partido, o candidato ou a própria Justiça Eleitoral poderiam
controlar a arrecadação.
Recebidos os bônus eleitorais, o órgão de direção nacional do
partido repassava aos órgãos regionais os Bônus correspondentes à
respectiva circunscrição, os quais eram distribuídos aos candidatos no
limite individual perm itido para seus gastos.
Deste m odo, toda doação a candidato específico deveria ser fei­
ta m ediante troca p o r bônus eleitorais, correspondente ao seu valor. E
m esm o os recursos próprios do candidato para serem utilizados em sua
cam panha, tinham de ser previa e integralmente convertidos em bônus
recebidos do Com itê Financeiro.
O sistema de bônus eleitorais era o m ecanism o pelo qual preten­
dia a Justiça Eleitoral exercer o controle da arrecadação. Se cada Partido
tin h a recebido bônus em quantidade suficiente para atender às necessi­
dades de arrecadação na sua circunscrição, posto que a docum entação
rem anescente (o canhoto) era o docum ento hábil para a escrituração
contábil. Saber-se-ia quem dava os recursos e a quem estes eram desti­
nados.
A própria lei, mesm o assim, estabeleceu as limitações à arrecada­
ção: era vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretam en­
te doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive através de
publicidade de qualquer espécie, procedente de entidade ou governo
estrangeiro; órgão da adm inistração pública direta, ressalvado o Fundo
Partidário, indireta ou fundação instituída em virtude de lei ou m a n ­
tida com recursos provenientes do Poder Público; concessionário ou
perm issionário de serviço público federal, estadual, distrital ou m u n i­
cipal; entidade de direito privado que receba, na condição de benefici­
ária, recursos provenientes de contribuição com pulsória em virtude de
disposição legal; entidade declarada de utilidade pública federal, esta­
dual, distrital ou municipal; entidade de classe ou sindical; e, finalm en­
te, pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior.
243
A desobediência a este dispositivo, com o partido recebendo
recursos de origem vedada nesta Lei ou gastar além dos limites esta­
belecidos tinham um a sanção direta: a entidade perderia o direito ao
Fundo Partidário do ano seguinte.
Mas o sistema do Bônus Eleitoral foi furado quando se soube ter
havido candidato à Presidência da República que recebia as doações e
entregue Bônus em valor duplicadam ente superior ao recebido, carac­
terizando nítida fraude eleitoral. O sistema não foi repetido na eleição
seguinte.
7. O FUNDO PARTIDÁRIO NA LEI BRASILEIRA.
No Brasil, a Lei nova sobre Partidos Políticos (n.° 9.096, de 1995)
criou 0 Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos
(Fundo Partidário), adotando, com isto, um sistema misto de finan­
ciamento para partidos e cam panhas políticas, um a vez que estarão
presentes os recursos públicos do Fundo Partidário ao lado daqueles
oriundos de indivíduos e entidades privadas.
O
Fundo Partidário é constituído de multas e penalidades p e­
cuniárias, recursos financeiros destinados p or lei, doações de pessoas
físicas e jurídicas e dotações orçamentárias.
Ao lado do Fundo Partidário, controlado pela Justiça Eleitoral,
os partidos políticos poderão constituir seus próprios fundos, com d o­
ações de pessoas físicas ou jurídicas, desde que nestas doações não se
incluam as proibidas no art. 31 da Lei.^'^
Os recursos do Fundo Partidário serão aplicados sob a fiscaliza­
ção da Justiça Eleitoral, que poderá, a qualquer tempo, exam inar a sua
utilização. Os recursos do Fundo Partidário são provenientes do Tesou­
ro Nacional, e consignados no O rçam ento Federal. Estas somas ficam à
disposição do TSE em conta especial no Banco do Brasil.^^^
A sua destinação é a m anutenção do partido político, das suas se­
des e serviços, bem como o pagam ento do seu pessoal, sua propaganda
doutrinária e política, o alistamento e a cam panha eleitoral, bem como
335 Estas do a çõ e s p o d e m ser feitas d ire ta m e n te aos ó rg ã o s d e d ire ç ã o p a rtid á ria (n acio n al, estadu al ou
m u n ic ip a l). Estes re m e te rã o aos órg ã o s su perio re s d o P a rtid o e à Justiça Eleitoral o d e m o n stra tiv o do
seu recebim ento , sua d e stin aç ã o e o b a la n ço co ntábil - art. 39, § 1".
336 A rt. 40. § 1" e 44, § 2“ d a Lei 9.096, d e 1995.
244
a criação e a m anutenção de um instituto de pesquisa e de doutrinação
e educação políticas.^^^
A Lei dos Partidos ainda determ ina que o estatuto partidário
deve estabelecer especificamente os critérios de distribuição dos recur­
sos do Fundo Partidário entre os órgãos de nível municipal, estadual e
nacional que com põem o partido.^’®
8. AS DESPESAS PARTIDÁRIAS E DE CAMPANHA PERMITIDAS
NA LEGISLAÇÃO.
D a m esm a m aneira que a legislação cuida das receitas p artidá­
rias, estabelece parâm etros para as despesas regulares de m anutenção
dos partidos e as realizadas para as cam panhas eleitorais.
É corolário da utilização de recursos públicos, bem com o de ori­
gem privada, porém dedutíveis dos tributos devidos, a necessidade de
u m a transparência em relação à origem e à utilização desses recursos.
Daí a necessidade de se estabelecer, com o decorrência do sistema
de financiam ento das atividades partidárias e das cam panhas eleitorais,
da divulgação das contas das agremiações. Em conseqüência, as p ro ­
vidências estatuídas na Lei dos Partidos Políticos, de que as entidades
apresentem suas contas à Justiça Eleitoral, esta as faça publicar e p erm i­
ta o seu exame pelas agremiações congêneres.” ^
A Lei n. 9.504, de 1997, estabeleceu mecanism os de controle da
337 A rt. 44. O s re c u rso s o r iu n d o s d o F u n d o P a rtid á rio s erão aplicados:
I - n a m a n u te n ç ã o das sedes e serv iços d o p a rtid o , p e rm itid o o p a g a m e n to d e pessoal, a q u a lq u e r
título, este ú ltim o até o lim ite m á x im o de v in te p o r cen to d o to ta l recebido;
II - n a p ro p a g a n d a d o u trin á r ia e politica;
III - n o a lis tam en to e ca m p a n h a s eleitorais;
IV - n a cria ç ão e m a n u te n ç ã o d e in s titu to o u fu n d a ç ã o d e p esq u isa e d e d o u trin a ç ã o política, s end o
esta aplicação de, n o m ín im o , vin te p o r c en to d o total recebido.
§ 1". N a p re staç ã o de co n ta s dos ó rg ã o s de dire ç ã o p a rtid á ria de q u a lq u e r nível d e v em ser d is c r im in a ­
das as despesas realizadas co m re c u rs o s do F u n d o Partidário, de m o d o a p e rm itir o co n tro le da Justiça
Eleitoral sobre o c u m p rim e n to d o s incisos I e IV deste artigo.
§ 2°. A Justiça Eleitoral p o d e , a q u a lq u e r te m p o , investigar so b re a ap licação de re c u rso s o r iu n d o s d o
F u n d o Partidário.
338
339 A rt. 32, O p a rtid o está o b rig a d o a enviar, a n u a lm e n te , á Justiça Eleitoral, o b a la n ço co n tá b il d o exercí­
cio findo, até o dia 30 d e abril d o a n o seguinte.
$ !" O b a la n ço co ntábil d o ó rg ã o n a cio n al será e n v ia d o ao T rib u n a l Su p e rio r Eleitoral, o d o s órgãos
e stadu ais aos T ribu nais R egionais Eleitorais e o do s órg ãos m u n ic ip a is aos Juizes Eleitorais.
§ 2" A Justiça Eleitoral d e te rm in a , im e d ia ta m e n te, a p ub licação d o s b a la n ço s n a im p r e n s a oficial, e,
o n d e ela n ã o exista, p ro c e d e à afixação dos m e sm o s n o C a r tó rio Eleitoral.
$ 3" N o a n o e m q u e o c o rre m eleições, o p a rtid o dev e env iar b a la n ce te s m e n sa is à [ustiça Eleitoral,
d u ra n te os q u a tro m eses a n te rio re s e d o s do is m eses p o sterio re s ao pleito.
245
arrecadação, da realização de despesas e de responsabilidades p or um
e outro evento.
Assim, p or exemplo, dá as seguintes responsabilidades aos p arti­
dos políticos e seus respectivos candidatos durante a cam panha. A re­
gra geral é a de que “as despesas da cam panha eleitoral serão realizadas
sob a responsabilidade dos partidos, ou de seus candidatos, e financia­
das na form a desta LeiT"°
Esta responsabiUdade solidária entre os partidos e candidatos,
que reponta n a citada Lei, vem do Código Eleitoral de 1965, quando no
seu art. 241 já dispunha que “toda propaganda eleitoral será realizada
sob a responsabilidade dos partidos e p o r eles paga, im putando-se-lhes
solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos”.
Juntam ente com o pedido de registro de seus candidatos, os p ar­
tidos e coligações com unicarão à Justiça Eleitoral os valores máximos
de gastos que farão p o r candidatura em cada eleição em que concorre­
rem. Cada partido, como é curial, deve estabelecer o seu orçam ento de
receitas possíveis e de despesas previstas, de m odo a não ultrapassar os
limites que ele próprio se impôs.
No entanto, na hipótese de existir coligação partidária, cada p ar­
tido que a integra fixará o valor m áxim o de gastos de que trata este arti­
go. É um a salutar alteração da regra anterior. Na no rm a de 1995, estava
escrito: “tratando-se de coligação, os valores m áximos de gastos deve­
rão ser iguais para os candidatos de cada partido que a integra”. Hoje, a
norm a de 1997 esclarece que cada partido, coligado ou não com outros,
estipula os seus gastos (e suas receitas, obviamente). Assim, “na repar­
tição do valor máxim o entre os candidatos, que não precisa ser igual,
podendo um candidato receber mais do que o outro. O que não pode é
a som a de cada um ultrapassar o m áxim o previsto pelo partido”, como
ensina Jo e l C â n d i d o . ( C â n d i d o , 1998, p. 407). Em sentido oposto,
dizem F l e u r y e M e s s i a s : “A despeito do entendim ento de muitos, em
nossa opinião, havendo coligação, os valores declarados p or cada p ar­
tido não deveriam ser diferentes, na m edida em que a coligação é tida
pela Justiça Eleitoral com o único partido, “partido tem porário”. Na p rá­
tica tem prevalecido a tese de que, sendo o partido o responsável pela
prestação de contas, m esm o havendo coligação, e cabendo ao partido
340
Lei n." 9.504. d e 1995, art. 17.
246
com unicar os gastos e não à coligação, cada partido poderá atribuir o
valor que m elhor entender a seus candidatos”. ( F l e u r y F i l h o e M e s ­
sia s,
2 0 0 0 , p. 221).
Esta tese não prospera, em nosso entender, p o r duas razões: a
prim eira, de ordem legal, pela m udança da sistemática, e hoje quem
fixa o valor m áxim o dos gastos respectivos é cada um dos partidos in ­
tegrantes da aliança eleitoral. O fato de haver coligação é irrelevante,
um a vez que esta pode ser feita entre um partido grande, com muitos
candidatos na eleição proporcional, e outro, ou outros partidos m eno­
res, com núm ero de candidatos m enos avultado. A divisão eqüitativa
não será possível, m archando-se para um a proporcionalidade. Portan­
to, sem sentido o entendim ento, que já foi norm a legal em 1995, de que
os gastos deveriam ser repartidos eqüitativamente.
Na oportunidade, acena a lei com a penalidade: quando o candi­
dato ou o dirigente partidário gastar recursos além dos valores declara­
dos nos term os do citado artigo, fica sujeito o responsável ao pagam en­
to de um a multa, no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.
Cada partido constituirá comitês financeiros, com a finalidade de
arrecadar recursos e aplicá-los nas cam panhas eleitorais. Estes comitês
devem ser constituídos para cada um a das eleições, as m ajoritárias e
as proporcionais, para as quais o partido apresente candidato próprio,
podendo haver reunião, n um único comitê, das atribuições relativas às
eleições de um a dada circunscrição. Q uando da eleição presidencial, é
obrigatória a criação de comitê nacional e facultativa a de comitês nos
Estados e no Distrito Federal, mas som ente quando o partido lançar
candidato à mais alta M agistratura da Nação.
Criados pelo partido até 10 dias úteis, contados da convenção
para a escolha dos seus candidatos, estes comitês financeiros serão re­
gistrados, até cinco dias após sua constituição, nos órgãos da Justiça
Eleitoral aos quais com pete fazer o registro dos candidatos respectivos.
No entanto, o candidato a cargo eletivo é que fará, diretamente ou
por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira
de sua campanha, o caixa ou tesoureiro da campanha. Esta adm inistra­
ção financeira usará os recursos repassados pelo comitê, inclusive os re­
lativos à cota do Fundo Partidário, os recursos próprios do candidato ou
doações de pessoas físicas ou jurídicas, na form a estabelecida nesta Lei.
247
Deste modo, ele é o único responsável pela veracidade das in ­
formações financeiras e contábeis de sua cam panha, devendo assinar a
respectiva prestação de contas sozinho ou, se for o caso, em conjunto
com a pessoa que tenha designado para essa tarefa. O adm inistrador
p oderá assinar junto com o candidato, mas não pode assinar sozinho, o
que a lei limita ao candidato.
Todos os partidos e candidatos são obrigados a abrir conta b an ­
cária, na qual será feito todo o m ovim ento financeiro da cam panha.
Apenas a lei ressalva os casos de candidaturas de Prefeitos e Vereadores
em m unicípios com menos de 20 mil eleitores, ou naqueles em que não
haja agência bancária. Por sua vez, os bancos são legalmente obrigados
a proceder à abertura das contas dos candidatos ou dos p a r t i d o s . E s ­
tas contas bancárias têm sua abertura em decorrência de exigência legal
e, portanto, não pode o banco criar restrições a essa abertura de conta,
qualquer que seja o tipo de conta, conta-corrente, de poupança, etc., ou
a fixação de valor m ínim o de depósito ou m ovimentação.
Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro - ou estimáveis em dinheiro - para as cam panhas eleitorais, mas somente a partir
do registro dos comitês financeiros dantes m encionados. Tais contri­
buições têm os seus limites máximos prefixados em lei, a qual, ademais,
deverá ter o correspondente recibo, em itido na form a fixada na lei/^^
A lei especifica as despesas que podem ser aceitas pela Justiça
341 Lei n.® 9.504, d e 1995:
A rt.22 - É ob rig a tó rio p a ra o p a rtid o e p a ra os can d id a to s a b rir co n ta ba n c á ria específica p a ra registrar
to d o o m o v im e n to fin an ceiro d a ca m p a n h a .
§ 1° O s b a n c o s são o b rig a d o s a aca ta r o p e d id o d e a b e r tu ra d e c o n ta de q u a lq u e r p a rtid o o u c a n d id a ­
to e sc o lh id o e m convenção, d e stin a d a à m o v im e n ta ç ã o finan ceira d a c a m p a n h a , sen d o -ih e s v e dad o
c o n d ic io n á -la a de p ó sito m ín im o .
§ 2" O disp o sto n este artig o n ã o se aplica aos casos d e c a n d id a tu ra p a ra Prefeito e V ereado r e m M u n i­
cípios o n d e n ã o haja ag ência ba n cá ria, b e m c o m o aos casos de c a n d id a tu ra p a ra V eread or e m M u n ic í­
pios c o m m e n o s d e v in te m il eleitores.
342 Lei n .“ 9.504, d e 1995,
A rt. 23 - A p a rtir do registro do s c o m itê s financeiros, pe sso as físicas p o d e rã o fazer do a çõ e s em d in h e i­
ro ou estim áveís e m d in h e iro p a ra ca m p a n h a s eleitorais, o b e d ec id o o dis p o sto n e sta Lei.
§ 1° As d o a çõ e s e co n trib u iç õ e s de q u e tra ta este artig o ficam lim itadas;
I - n o caso de pessoa física, a dez p o r c en to do s re n d im e n to s b ru to s auferido s n o an o an te rio r à eleição;
II - n o caso em q u e o c a n d id a to utilize re c u rso s p ró p rio s, ao valo r m á x im o de gastos estabelecido pelo
seu p a rtid o , n a fo rm a d esta Lei.
4 2° T oda d o a ç ã o a c a n d id a to específico o u a p a rtid o de v erá fazer-se m e d ia n te recibo, e m form u lário
im presso, seg u n d o m o d e lo co n sta n te d o Anexo.
$ 3 * A d o a ç ã o d e q u a n tia acim a d o s lim ites fixados neste a rtig o sujeita o in fra to r a o p a g am en to dc
m u lta n o valor d e cin c o a de z vezes a q u a n tia e m excesso.
§ 4° D o a çõ e s feitas d ire ta m e n te nas co n ta s de p a rtid o s e can d id a to s d e v erão ser e fe tu a d as p o r m e io de
c h eq u e s c ru z ad o s e nom inais.
248
Eleitoral Tais gastos eleitorais são sujeitos aos registros contábeis que
perm itam sua fiscalização, e somente p o dem ser realizados dentro dos
limites fixados na lei. A no rm a que divulga o elenco esclarece que o
m esm o não é exaustivo, ao usar a expressão ‘'dentre outros'\
São eles os seguintes;
I - confecção de material impresso de qualquer natureza e tam a­
nho;
II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer
meio de divulgação, destinada a conquistar votos;
III - aluguel de locais para a prom oção de atos de cam panha elei­
toral;
V - despesas com transporte ou deslocam ento de pessoal a servi­
ço das candidaturas;
V - correspondência e despesas postais;
VI - despesas de instalação, organização e funcionam ento de C o­
mitês e serviços necessários às eleições;
VII - rem uneração ou gratificação de qualquer espécie a pessoal
que preste serviços às candidaturas ou aos comitês eleitorais;
VIII - m ontagem e operação de carros de som, de propaganda e
assemelhados;
IX - produção ou patrocínio de espetáculos ou eventos p ro m o ­
cionais de candidatura;
X - produção de program as de rádio, televisão ou vídeo, inclusive
os destinados à propaganda gratuita;
XI - pagam ento de cachê de artistas ou anim adores de eventos
relacionados à cam panha eleitoral;
XII - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;
XIII - confecção, aquisição e distribuição de camisetas, chaveiros
e outros brindes de cam panha;
XIV - aluguel de bens particulares para veiculação, p or qualquer
meio, de propaganda eleitoral;
XV - custos com a criação e inclusão de sítios na Internet;
XVI - multas aplicadas aos partidos ou candidatos p o r infração
do disposto na legislação eleitoral.
249
9. FINANCIAMENTO DO USO DO RÁDIO E DA TELEVISÃO.
H á um a sensível diferença de tratam ento entre a propaganda p ar­
tidária e eleitoral feita pelo rádio e pela televisão e os demais veículos de
propaganda, com o jornais, cartazes e similares.
É que os jornais, os locais de fixação de grandes cartazes - outdo­
ors - e similares, são de propriedade privada, enquanto as emissoras de
rádio e de televisão operam p o r concessão do Governo. Tais atos são da
com petência do Poder Executivo, porém subm etidos à apreciação do
Congresso Nacional.^'’^
Deste modo, pode a Lei dispor sobre o uso do tem po concedido.
Esta prática existe desde m uito tempo, com a possibilidade de uso das
emissoras de rádio e de televisão para a propaganda partidária e, nas
épocas próprias, da propaganda eleitoral. Hoje em dia, tal possibilidade
se estende tam bém aos canais de televisão p o r assinatura, ao lado das
emissoras de canal aberto.
No que interessa em term os de financiam ento dos partidos, a lei
diz que as agremiações partidárias têm direito ao acesso gratuito ao
rádio e á televisão.^'^^ Q uer dizer, os partidos políticos não pagam às
emissoras pelo uso dos canais de som e de som e imagem.
Mas não quer dizer que haja prejuízo para as emissoras, um a vez
que estas são ressarcidas das despesas com tais emissões. Diz a lei, ex­
pressamente que “fls emissoras de rádio e televisão têm direito a compen­
sação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta lei”.
As norm as sobre propaganda em outdoors e em jornais têm p ro­
cedimentos de controle, os quais, se desobedecidos, geram multas para
os infratores, multas estas que serão incorporadas ao Fundo Partidário.
10.0 CONTROLE LEGALMENTE EXIGIDO PARA AS FINANÇAS
PARTIDÁRIAS. A PRESTAÇÃO DE CONTAS.
A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 17, exige que cada
um dos partidos políticos preste contas à Justiça Eleitoral dos seus re-
343 C o nstitu ição , art. 49 - É d a c o m p c tc n c ia exclusiva d o C o n g re sso N acio nal - X II apreciar os atos de
c on ce ssã o e re no va çã o d a co n cessão d e em isso ra s d e rá d io e de televisão.
344 É 0 art, 47 d a Lei n." 9.504, de 1997.
345 Lei n.° 9.096, d e 995, art, 45.
250
cursos financeiros. Por isso, a lei determ ina que a agremiação m ante­
nha escrituração contábil, em todos os níveis de decisão, de m odo a
p erm itir o conhecim ento da origem de suas receitas e a destinação das
despesas.^^^
H á dois mecanism os de prestação de contas, o do partido políti­
co, regulada nos artigos 30 e seguintes da LPP e o dos candidatos, na Lei
n ° 9504, de 1997, nos artigos 28 e seguintes.
O controle dessas contas é feito pela Justiça Eleitoral, exam inan­
do, em cada nível político, nacional, regional ou municipal, não só o
balanço anual,^**' com o as prestações de contas e as despesas das cam ­
panhas eleitorais.^^® Se necessário, poderá requisitar para o exame das
contas 0 auxílio de técnicos dos Tribunais de Contas, da União ou dos
Estados. A falta de prestação de contas, ou sua desaprovação (total ou
m esm o parcial), implica a suspensão da liberação de novas quotas do
Fundo Partidário, sujeitando os responsáveis às penas da lei, inclusive o
cancelamento do registro partidário.^^^ Pode a Justiça Eleitoral determ i­
n ar o saneam ento das irregularidades existentes nas contas partidárias
ou de candidatos. Isto quer significar que o órgão partidário responsá­
vel pelo com etim ento da irregularidade será o único penalizado com a
sanção do caput do artigo m encionado, ou seja, a suspensão da libera­
ção de novas quotas do Fundo Partidário e p unindo-se os responsáveis
com as penalidades com inadas na lei, porém , sempre com relação à
esfera p artidária responsável pelo com etim ento da irregularidade, sem
contam inar os outros órgãos que se com portaram adequadamente.^^®
Neste sentido, a lei nova disciplinou diversam ente o procedim en­
to sancionatório, com o se verá a seguir:
N um prim eiro aspecto, determ ina a lei que a suspensão do re­
passe de novas quotas do Fundo Partidário não deverá sacrificar as fi346 A rt. 30 da Lei n." 9.096, d e 1995.
347 O b a la n ço a n u al é a p re se n ta d o à lu stiça Eleitoral, a n u a lm e n te , até 30 d e abril d o a n o seguinte. Nos
a n o s d e eleições, a lé m d o b a la n ç o anual, h a v erá b a la n ce te s m ensais, n o p e río d o d e 4 m eses antes e 2
m eses d e p o is d o pleito. O art. 33 d e ta lh a o q u e o b a la n ço a n u al d e v erá conter, m in im a m e n te .
348 N o caso d e c a m p a n h a eleitoral, o b rig a a lei q u e sejam c o n stitu íd o s c o m itê s d c dirig entes p a rtid á rio s
específicos, p a ra m o v im e n ta ç ã o d o s re c u rso s financeiros d a c a m p a n h a , c arac te riz a n d o -s e a re s p o n sa ­
b ilidad e d o s dirig en tes, inclusive d o tesou reiro, os quais re s p o n d e r ã o civil e c rim in a lm e n te p o r q u a is ­
q u e r irreg ularidad e s. T e rm in a d a a c a m p a n h a eleitoral, os c o m itê s a p re se n ta rã o su as co n ta s e re c o lh e ­
rã o os saldo s financeiros e v en tu a lm e n te a p u ra d o s [sobras de cam panha), à te so u ra ria d o p a rtid o (art.
32.33 p 34).
349 A rt. 37 da Lei vigente.
350 § 2'' d o art. 37 da LPP.
251
nanças partidárias e, assim, tal suspensão deverá ser aplicada de forma
proporcional e razoável, pelo período de um a doze meses, ou p o r meio
do desconto, do valor a ser repassado, da im portância apontada como
irregular/^'
Consoante a lei nova, n o § 6® sub analise, o exame da prestação
de contas dos órgãos partidários tem caráter jurisdicional. C om este dis­
positivo legal foi encerrada um a das grandes discussões a respeito da
natureza da decisão que apreciava as contas partidárias e eleitorais e,
portanto, “dessa forma, essas decisões perfazem coisa julgada, em tonos
materiais e formais, sem possibilidade de rediscussões futuras”. ( A g r a ,
2010, p. 13).
Por outro lado, em sendo um a decisão jurisdicional a que de­
saprova total ou parcialm ente a prestação de contas dos órgãos p arti­
dários, desta caberá recurso para os Tribunais Regionais Eleitorais ou
para o Tribunal Superior Eleitoral, conform e o caso.
Tal recurso, diferentem ente de todos os demais recursos eleito­
rais, que não podem ser recebidos com efeito suspensivo na form a do
art. 257 do Código Eleitoral de 1965, o relativo à desaprovação da pres­
tação de contas será sempre recebido com efeito suspensivo, conforme
a ressalva legal. E, como resultado desse recurso, as prestações de con­
tas desaprovadas pelos Tribunais Regionais e pelo Tribunal Superior
poderão ser revistas para fins de aplicação proporcional da sanção apli­
cada, m ediante petição trazida aos autos da prestação de contas.
D enúncia fundam entada de filiado, de delegado de partido, re­
presentação do Procurador Geral ou iniciativa do Corregedor, poderá
levar os Tribunais Eleitorais a determ inar o exame da escrituração de
partido, bem como de qualquer ato que possa violar prescrições legais
ou estatutárias que disciplinem os filiados em m atéria financeira. Para
tanto, poderá até determ inar a quebra do sigilo bancário das contas dos
partidos.^^^
Um partido político pode exam inar as contas dos outros, mensais
ou anuais. N a Justiça Eleitoral, 15 dias depois de publicados os balanços
351 0 § 3- e m c o m e n to diz a in d a q u e além d a san ç ã o d a su sp e n sã o das q u o ta s d o F u n d o p a rtid á rio , não
p o d e r á ser aplicada a san ç ã o d e susp en são , caso a p re staç ã o d e c o n ta s n ã o seja julgada, pelo ju íz o o u
trib u n al c o m p e ten te, apó s 5 (cinco) ano s d e su a ap rese n ta ç ão
352 A rt. 35. Q u e b ra o sigilo b a n c á rio das co n ta s d o p a rtid o , m a s n ã o das co n ta s de seus dirigentes. H á u m
p ro je to e m c u rs o n o C o n g re sso N acio nal q u e tra ta d este assu nto, p e rm itin d o ig u a lm e n te o exam e das
c o n ta s do s dirig en te s partid á rio s.
252
financeiros, será aberto o prazo de 5 dias para impugnação. Em conse­
qüência, poderá, além de impugná-las, relatar fatos e indicar provas,
pedindo a abertura de investigação de qualquer ato que viole as prescri­
ções legais e estatutárias que sujeitem partidos e respectivos filiados^^^.
As sanções a que poderão ser subm etidos os partidos políticos
pelas violações concernentes às norm as de conteúdo de controle finan­
ceiro são relativas à suspensão da liberação das quotas do Fundo P arti­
dário: suspensão até que a Justiça Eleitoral aceite esclarecimentos sobre
recursos de origem não m encionada ou não esclarecida; suspensão por
um ano, no caso de recebimento dos recursos financeiros vedados pela
lei; suspensão p o r dois anos, no caso de recebim ento de doações cujo
valor ultrapasse o limite legal, acrescido de m ulta correspondente aos
valores que ultrapassarem tal limite.
Tais mecanism os, de controle das finanças dos partidos, refletem
o interesse cada vez crescente de controlar a origem dos recursos finan­
ceiros de que dispõem os entes partidários para seu funcionam ento e a
realização de suas cam panhas. É preocupação m undial o controle das
finanças partidárias, pois com isto se im pede a deformação do processo
eleitoral fundado no m au uso dos recursos públicos, por um lado, e
pelo abuso do poder econômico, por outro. Esta preocupação sempre
existiu, desde a Redemocratização, quando já constavam na Lei de 1950
norm as a respeito do assunto, as quais, de certa form a foram repeti­
das nas de 1965, 1971 e 1979. Por tais regras, pretendia-se controlar os
gastos eleitorais, fixando as quantias máximas que os seus candidatos
pudessem despender, pessoalmente, com a própria eleição, e os limites
das contribuições e auxílios dos seus filiados,
Igualmente, pretendeu-se dar ao partido a gratuidade na publica­
ção de todos os docum entos e notas, o que foi igualmente vetado, por
inconstitucionalidade, eis que qualquer subsidio ou isenção tributária
somente poderá ser concedido p o r lei específica, o que não é o caso.
Considera o sistema de especial im portância a atividade p erm a­
nente do partido, de um lado, e a existência de um instituto desta or­
dem. Assim, a Lei destina para a prim eira destas duas atividades um
máximo, e para a outra u m m ínim o, da quinta parte (20%) da quota do
fundo que cabe ao partido para cada um a delas.
353
Parágrafo ú n ic o d o art, 35.
253
Pretende-se, com tais providências, que não haja desculpas das
agremiações para não se m anter em funcionam ento perm anente, a si
e a um a entidade subordinada, com a finalidade de realizar um dos
objetivos básicos do partido político, que é o de doutrinar o eleitor e,
especialmente, o seu filiado.
11. EFEITOS DOS FINANCIAMENTOS SOBRE OS PARTIDOS
POLÍTICOS.
Sem a m enor dúvida que os financiadores dos partidos políticos
e das cam panhas eleitorais adm item a hipótese de haver um retorno,
seja em dividendos políticos, seja em vantagens sociais, econômicas e
financeiras, diretas e indiretas.
Há, pois, que se distinguir entre o financiam ento púbUco e o fi­
nanciam ento privado dos partidos políticos e, especialmente, das cam ­
panhas eleitorais em relação a candidatos a cargos executivos ou a ca­
deiras parlamentares, no que concerne a um a eventual contraprestaçào
das agremiações e candidatos aos seus financiadores.
No caso dos financiam entos privados, especialmente daqueles
oriundos de pessoas físicas e de entidades jurídicas com fins lucrativos,
o retorno do financiam ento - o “dividendo político”- pode se realizar
em favores a ser obtidos da parte dos órgãos públicos, a realização de
contratos sem licitação ou processo com petitivo semelhante, o apa­
drinham ento político a candidatos a cargos públicos que dispensem a
admissão p o r concurso público. É claro que, naqueles países em que
os processos competitivos são decorrentes de concursos ou certames
outros de caráter público, as possibilidades são dim inuídas. Mas, há
sempre um a via lateral, como a dispensa de licitação para certas con­
tratações, a nomeação dos afilhados políticos para cargos de confiança.
Situações que estão previstas em lei e que, em princípio, sendo rigoro­
samente legais, podem , no entanto, estar longe dos princípios éticos.
É com um que líderes do m undo dos negócios venham se tornar
líderes partidários exatamente pelas facilidades que passam a obter no
trato com a coisa pública, e o seu aporte de recursos financeiros ao p a r­
tido torna os dirigentes da agremiação deles dependentes.N orm al é que
determ inados indivíduos endinheirados se candidatem a determ inados
254
cargos eletivos, “com prem o m andato”, com o se diz em linguagem correntia, exatamente para obter facilidades para a realização dos interes­
ses pessoais e empresariais.
Neste ponto, a via é de m ão dupla, eis que ao lado do interesse
do em presário em se candidatar para, de posse do mandato, ter facili­
dades no trato com as autoridades relacionadas com o seu negócio, há
igualmente interesse partidário em que os endinheirados participem
das chapas a fim de contribuírem pessoalm ente para o trabalho eleito­
ral, em term os financeiros.’'^"
O abuso do Poder Econôm ico nos processos eleitorais já m ere­
ceu, da parte do Autor, análise especial em trabalho anterior, há mais
de 20 anos (nada m udou, portanto), quando foram estudadas situações
em que candidatos endinheirados com pareciam a cidades interioranas,
em todo o Brasil, a fim de estabelecer acordos políticos pelos quais os
chefes políticos locais se com prom etiam a carrear a votação sob seu
controle para os candidatos que se com prom etessem a cobrir as despe­
sas feitas pela m anutenção do eleitorado cativo.
Isto porque “os chefes políticos do interior suportam de m odo
p erm anente o ônus de um a clientela eleitoral, à qual assistem antes, d u ­
rante e depois do pleito eleitoral. Fazem, em m atéria assistencial, m uito
daquilo que caberia ao Poder público com petente executar através de
obras assistenciais que, ou não existem, ou funcionam mal em muitos
m unicípios”. ( C a s t r o , 1976, p. 28).
No m encionado trabalho foi analisado o abuso do Poder E conô­
mico no processo eleitoral, nas suas diversas formas, inclusive n a h ip ó ­
tese em que determ inado candidato, pelo fato de ser rico, entendia que
p oderia fazer política e cam panha eleitoral com a arm a do dinheiro, e
até que ponto esta atividade é considerada fraude à lei e sancionada.
(R eis, 1982, p. 99).
O financiam ento público, n o entanto, altera o quadro, quando
perm ite ao partido se to rn ar m enos dependente dos autores das g ran ­
des contribuições financeiras. C om o diz S o s p e d r a , a relação dinheiro/
354
Muitaii vezes, este tip o d e c a n d id a tu r a é de tal m o d o c o n s id e ra d o “normal", q u e o c an d id a to se c o m ­
p ro m e te a, se eleito, n ã o rec eb e r os s u b sid ie s pela a tividad e p a rla m e n ta r, d o a n d o -o s a u m a en tid a d e
filantrópica; p o r o u tr o lado, é c o rre n te que, n a s c a n d id a tu ra s ao S e n ado , u m do s su p len tes seja o fin a n ­
c ia d o r d a ch ap a e, d u ra n te o p e río d o , lo n g o de 8 a n os, d o m a n d a to , o titu la r se afaste p a ra o su plen te
a ss u m ir o cargo.
255
p o d er ocorre entre as grandes empresas e os partidos burgueses, de um
lado, e de outro entre os partidos socialistas e as organizações sindi­
cais. Todavia, nada im pede que as linhas de financiam ento se cruzem e
grandes empresas, norm alm ente de posição política de direita, venham
a financiar partidos de esquerda, já “sentindo o cheiro” de um a possível
virada no exercício do Poder.
A idéia básica do financiam ento público dos partidos políticos e
das cam panhas eleitorais centra-se n o fato de que, em sendo os recur­
sos oriundos do orçam ento governamental, e divididos p o r um órgão
igualmente público, - no caso brasileiro, pela Justiça Eleitoral - deverão
estar submetidos a um m ecanism o de transparência m aior do que os
oriundos do setor privado. E, em conseqüência, se saberá até que ponto
os recursos públicos estarão influindo nas condutas dos partidos e dos
candidatos a cargos eletivos.
O
que se vê, no entanto, é a previsão de despesas e a prestação de
contas, dos partidos e dos candidatos, apresentarem núm eros que, empiricamente, se nota que são pautados na irrealidade. N úm eros finan­
ceiros que, de nen h u m m odo, correspondem às necessidades básicas do
material m ínim o de um a cam panha eleitoral, são apresentados como
correspondendo à totalidade das despesas legalmente permitidas.
Em síntese bastante elucidativa, P i l a r d e l C a s t i l l o estabelece
as suas posições sobre os sistemas privado e público de financiamento
eleitoral.
Para ela, “um sistema de financiam ento que descanse am plam en­
te nos ingressos privados;
a) é, contrariam ente ao que possa parecer, mais eficaz frente à
corrupção porque torna os partidos mais vulneráveis perante o eleito­
rado e os obriga a cuidar de sua credibilidade, em grau m aior que se o
Estado lhe garantisse, em qualquer caso, os recursos;
b) induzirá os partidos a realizar um a m elhor gestão de seus o r­
çamentos;
c) constitui um a form a de participação política;
d) fomenta um a relação de confiança entre partidos e eleitores;
e) estimula o trabalho das organizações locais dos partidos e fa­
vorece a dem ocracia interna;
256
f) p or último, é o m odo de financiam ento que corresponde à n a ­
tureza jurídico-privada dos partidos tal com o tem sido interpretada
pela jurisprudência co n stitu cio n al
E, em conclusão, propõe que “a revisão das norm as sobre o finan­
ciamento dos partidos políticos deverão orientar-se para os seguintes
objetivos:
a) liberalizar as contribuições privadas aos partidos políticos, que
procedam de pessoas físicas ou jurídicas;
b) desgravar as doações privadas, estim ulando essencialmente
aos pequenos e m édios contribuintes;
c) desgravar as cotas dos filiados;
d) equilibrar a hoje m uito descom pensada relação entre financia­
m ento público e privado, com o objetivo de conseguir progressivam en­
te u m maior peso da segunda sobre a primeira;
e) lim itar o increm ento das subvenções anuais para atividades or­
dinárias dos partidos, como máximo, ao correspondente ao IPC (hoje
não há limite algum);
f) exigir a prévia auditoria dos balanços contábeis que os partidos
apresentam ao Tribunal de Contas”. ( C a s t i l l o , 1994, p. 53 )
12.
O
IN TERCÂ M B IO
DAS
IN FO RM AÇÕ ES
SOBRE
OS
RECURSOS PARTIDÁRIOS.
Em 2006, através da Portaria C onjunta N° 74, de 10 de janeiro de
2006, que Dispõe sobre o intercâmbio de informações entre o Tribunal
Superior Eleitoral e a Secretaria da Receita Federal e dá outras provi­
dências, foi estabelecido um procedim ento pelo qual se pretende obter,
para efeito de controle, inform ações relativas a prestação de contas dos
candidatos a cargos eletivos e dos comitês financeiros de partidos p o ­
líticos. Informações estas, atinentes a cada pleito eleitoral, são relativas
às fontes de arrecadação de recursos, financeiros ou não, especificando
os doadores, as quantias recebidas, os beneficiários (candidatos ou p ar­
tidos políticos) e, não sendo valores em dinheiro, o núm ero do do cu ­
257
m ento fiscal relativo à prestação de serviços e fornecim ento de m erca­
dorias na cam panha eleitoral^^^
Os dois parágrafos ao art. 1° tratam , o 1°, da extensão da no rm a à
prestação anual de contas dos partidos políticos e o 2° do processam en­
to das informações a serem enviadas ao Governo.
Já o art. 2° versa sobre a fiscalização do uso indevido dos recur­
sos financeiros, ou não, nas cam panhas eleitorais ou nas atividades dos
partidos políticos, quando perm ite a qualquer cidadão apresentar d e­
núncia à Secretaria da Receita Federal sobre o fato alegado.^^^
Logicamente, levando-se em consideração o calor de um a cam ­
panha política, ou m esm o a emulação decorrente do confronto latente
entre as agremiações partidárias, a norm a conjunta estabelece precau­
ções sobre as possibilidades de m au uso do m ecanism o que se pretende
salutar para evitar as deformações financeiras n o processo eleitoral e na
operacionalização do próprio partido político.
Por isso, ela deverá ser subm etida ao exame prelim inar na p ró ­
pria Secretaria da Receita Federal, onde será classificada, como
I
- inepta, quando não observar a exigência contida no § do art. 2°
ou for encaminhada de forma distinta da prevista no § 2° do mesmo artigo;
3 55 A rt. 1" 0 TribunaJ S u p e rio r Eleitora) (TSE) e n c a m in h a rá à S ecretaria d a R eceita F ederal (SRF), em
c o n fo rm id a d e c o m p ra z o s e p ro c e d im e n to s p o r ele fixados p a ra c ad a pleito eleitoral, in fo rm a çõ e s re ­
lativas a p re staç ã o d e co ntas d o s c an d id a to s a carg o s eletivos e d o s co m itês financeiros d e p a rtid o s
p oliticos, especificando:
I as fo ntes d c arre c ada ç ã o , c o m a in d ic a ç ã o d o n ú m e r o d e inscriç ão n o C a d a s tro d e Pessoas f ísicas
(C P F ) o u n o C a d a s tro N acion al d a Pessoa Jurídica (C N P J) d o s respectivos do ado res;
II os re c u rso s recebidos, fin anceiro s o u não, e u tilizado s n a c a m p a n h a eleitoral, c o m a in d ic a çã o de
d atas e valores;
III - o n o m e d o ca n d id a to o u co m itê fin a n c e iro ben eficiário d a doação, c o m in dicação d o n ú m e ro de
inscriç ão n o C N P J e d a c o n ta ba n c á ria utilizada;
IV - o n o m e d a p e ss o a física o u ra z ão social d a p e ss o a ju ríd ic a e resp ectiv o n ú m e r o de inscrição n o
C P F o u n o C N PJ, os v alores recebidos, a d a ta e. q u a n d o fo r o caso, o n ú m e ro d o d o c u m e n to fiscal,
relativos à p re staç ã o d e s e r \iç o s e fo rn ec im e n to d e m e rc a d o ria s n a c a m p a n h a eleitoral.
356 A rt. 2°. Q u a lq u e r cid a d ão p o d e rá ap re se n ta r d e n ú n c ia à SRF sobre us o in d e v id o d e recu rsos, fin ancei­
ros ou não, em c a m p a n h a eleitoral o u n a s ativ id ades d o s p a rtid o s políticos.
§ l o A d e n ú n c ia d e v erá ser fo rm alizada p o r escrito, con tend o:
I - identificação d o de n u n c ia n te , c o m a ind icação d o n o m e , e n dereço , n ú m e r o d o títu lo d e eleitor e de
inscrição n o CPF;
II - identificação d o d e n u n c ia d o , c o m a indicação, n o m ín im o , d o n o m e o u d o n o m e em p resarial, d o
n ú m e ro de inscriç ão n o C P F ou n o CN PJ, e do resp ectivo d o m ic ilio fiscal, o u d e elem en tos qu e p e r m i ­
ta m lev ar a essa identificação;
III - d escrição d e ta lh a d a d o s fatos a p o n ta d o s c o m o irreg u lares, c o m a in dicação d e d a ta s e valores
envolvidos, a c o m p a n h a d o s d o s d o c u m e n to s co m p ro b a tó rio s.
§ 2” A d e n ú n c ia deverá ser e n c a m in h a d a à C o o rd e n a ç ã o -G e ra l d e Fiscalização (Cofis) d a SRF. p a ra o
e n d ereç o E sp lan ada dos M in istério s - A n e x o d o M in istério d a Fazend a - 2o a n d a r - a la A, sala 201 Brasília/Dl- - C E P 70048-900, p o r in te rm é d io d a E m p re sa Brasileira d e C o rre io s e Telégrafos - ECT,
m e d ia n te Aviso d e R ec e b im e n to (AR).
258
II
- improcedente, quando os elementos analisados não indicarem
indícios de irregularidades tributárias.
Finalmente, poderão ser consideradas procedentes, na form a do
inciso III, quando os elementos analisados indicarem indícios de irre­
gularidades tributárias.
Com o efeito concreto e direto dessa classificação as denúncias
ineptas e im procedentes serão arquivadas, enquanto as procedentes se­
rão encam inhadas à unidade da SRF da jurisdição do domicílio fiscal
do denunciado, com vistas à inclusão na program ação da fiscalização.
Tudo subm etido ao m anto do sigilo, conform e determ ina o C ó­
digo Tributário Nacional, que im pede a SRF de divulgar as denúncias
recebidas.
O objetivo direto e m aior dessa verificação da Secretaria da Re­
ceita Federal é de verificar eventual com etim ento de ilícitos tributários.
Primeiro, no caso de prestações de contas dos candidatos a cargos eleti­
vos e dos comitês financeiros de partidos políticos e dos próprios p arti­
dos políticos. Em segundo lugar, sobre eventuais denúncias procedidas
p o r cidadãos sobre uso indevido de recursos, financeiros ou não, em
cam panha eleitoral ou nas atividades dos partidos políticos.
Não ficará a este respeito a Secretaria da Receita Federal restrita
às prestações de contas de candidatos e partidos políticos e das de­
núncias recebidas. Poderá usar todas as inform ações disponíveis nos
sistemas inform atizados da Receita Federal. Sobretudo as declarações
de ajuste anual do im posto de renda da pessoa física e nas declarações
de inform ações econômico-fiscais da pessoa jurídica, docum entos que
serão exam inados para identificar doações a candidatos, comitês finan­
ceiros e partidos políticos, bem como gastos realizados po r eleitores
na form a do art. 27 da Lei n^ 9.504, de 30 de setem bro de 1997, sem
prejuízo da instituição pela SRF, no âm bito de sua competência, de de­
clarações específicas dos fornecedores de m ercadorias ou prestadores
de serviço para cam panhas eleitorais.
Desses exames poderão resultar, em prim eiro lugar, eventuais
sanções dentre as previstas na legislação fiscal, no caso de omissão de
informações. Para tanto, essas declarações serão confrontadas com as
contidas nas prestações de contas de candidatos, comitês financeiros e
partidos políticos.
259
Na eventualidade de declarações omissas ou fraudulentas, susce­
tíveis de ensejar a existência de infrações tributárias, a Receita Federal
inform ará ao TSE a circunstância, e isso sem prejuízo da adoção dos
procedim entos cabíveis no âmbito de sua competência. De acordo com
a Portaria conjunta referida, e de caráter exemplificativo as irregulari­
dades, além da omissão de doações recebidas, poderão ser considera­
dos 0 fornecim ento de m ercadorias ou prestação de serviços por pessoa
jurídica, cuja situação cadastral perante o CNPJ revele a condição de
inapta, suspensa ou cancelada, ou, ainda, inexistente; tam bém , a pres­
tação de serviços p o r pessoa física com CPF inexistente ou cancelado;
uso de docum entos fiscais falsos ou fraudulentos; a simulação de ato,
inclusive po r m eio de interpostas pessoas e bem assim qualquer fato
que dê causa a suspensão de im unidade tributária de partido político,
na form a do arts. 9®^^’ e 14^^^ do Código Tributário Nacional.
357 Lei n" 5.172, cie 25 de outubro de 1966. C ó d ig o T rib u tá rio N acional.
A rt. 14. O d is p o sto n a alinea c d o inciso IV d o artigo 9° é s u b o rd in a d o à o b serv ân c ia d o s seguintes
requ isitos pelas en tid a d e s nele referidas;
I - n ã o d istrib u íre m q u a lq u e r parcela de se u p a trim ô n io o u de su as rend as, a q u a lq u e r título; (Redução
ciada pela Lei Complementar n " 104. de 10.1.2(1(11) Se b e m q u e o C ó d ig o T rib u tá rio N acio nal te n h a sido
p u b lic a d o c o m o lei o rd in á ria e sem essa d e n o m in a ç ã o , foi re c ep c io n a d o pela C o n stitu iç ão d e 1988
c o m o Lei C o m p le m e n ta r e, assim , suas alteraçõ es d e p e n d e rã o d e n o r m a d e igual qualificação. Cfr.
REIS, Palhares M oreira. A l e i C o m p lem en ta r n a C onstituição de 1988. Belo H orizonte; E ditora Fó ru m ,
2007, p, 44.
II - ap lic arem in te g ra lm e n te , n o Pais, os seus re c u rso s na m a n u te n ç ã o dos seus objetivos institucionais;
III - m a n te re m e sc ritu ra çã o d e suas receitas e de spe sas e m livros rev estido s d e fo rm alid ad e s capazes
d e ass e g u ra r sua exatidão.
§ 1“ N a falta d e c u m p rim e n to do dis p o sto neste artigo, o u no § 1“ d o a rtig o 9", a a u to rid a d e co m p e ten te
p o d e s u sp e n d e r a ap licação d o benefício.
§ 2° O s serviços a q u e se refere a alín e a c d o inciso IV d o artig o 9" são exclusivam ente, os d ire ta m e n te
rela c io n ad o s c o m os o bjetivos institu cio nais d a s e n tid a d e s de q u e tra ta este artigo, previstos n o s re s­
pectivo s estatu to s o u atos constitutivos.
358 Lei n." 9.504,de 1997. A rt. 23. A p a r tir d o registro d o s c o m itê s financeiros, p esso as fisicas p o d e rã o
fazer do a çõ e s em d in h e iro ou estim áveis e m d in h e iro p a r a ca m p a n h a s eleitorais, o b e d ec id o o disp o sto
n e sta Lei.
§ 1" As do a çõ e s e co n trib u iç õ e s d e qu e tra ta este artigo ficam lim itadas;
I - n o caso de pe sso a física, a dez p o r c e n to d o s re n d im e n to s b ru to s a u fe rid o s n o a n o a n te rio r à eleição;
I I ' n o caso e m qu e o ca n d id a to utilize re c u rso s p ró p rio s, ao valor m á x im o d e gastos estabelecido pelo
seu p a rtid o , n a fo r m a d e sta Lei.
§ 2" T oda d o a ç ã o a c an d id a to especifico o u a p a rtid o d e v erá fazer-se m e d ia n te recibo, e m fo rm u lá rio
im presso, se g u n d o m o d e lo co n sta n te d o Anexo,
§ 3° A d o a ç ã o d e q u a n tia acim a dos lim ites fixados n este a rtig o sujeita o in fr a to r ao p a g am en to de
m u lta n o v a lo r de cin c o a dez vezes a q u a n tia em excesso.
$ 4" As do a ç õ e s d e re c u rs o s finan ceiro s s o m e n te p o d e rã o ser e fetuad as n a c o n ta m e n c io n a d a n o art.
22 desta Lei p o r m e io de; (Redação d ada pela Lei m." / 1.300, de 2006)
I - ch eq u e s c ru z a d o s e n o m in a is o u tra n sfe rê n cia eletrô nica de dep ósito s; (Incluído pela Lei n.° IL 3 0 0 ,
de 2006)
II - d e p ó sito s em espécie de v id a m e n te iden tificad os até o lim ite fixado n o inciso I d o § 1" deste artigo.
(In clu íd o pela i c i n . " } 1.300, d e 2006)
i 5" Ficam v e d ad a s qu a isq u e r d o a çõ e s e m din h e iro , b e m c o m o de troféus, prê m io s, aju das d e q u a lq u e r
e spécie feitas p o r can d id ato , en tre o reg istro e a eleição, a pessoas físicas o u ju ríd icas. (Incluído pela Lei
260
A SRF inform ará tam bém qualquer infração ao disposto nos arts.
2 3 / '' 27-'"" e 81-'"* da Lei no 9.504, de 1997.
BIBLIOGRAFIA
AGRA, Walber de M oura e CAVALCANTI, Francisco Queiroz. Co­
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NATALE, Alberto Derecho Político, Buenos Aires: Depalma, 1979.
i i M l .3 0 0 . iíe 2 0 0 6 )
359 l.ei n." 9.504,d e 1997. Art. 27. Q u a lq u e r eleitor p o d e rá realizar gastos, em ap o io a c a n d id a to d e sua
preferência, até a q u a n tia equ iv a len te a u m mil UFIR, n ã o sujeitos a contabilização, d e sd e q u e não
re em bolsados.
360 Lei n.° 9.504,de 1997. A rt. 81. As d o a çõ e s c c o n trib u iç õ e s d e pessoas ju ríd ic a s p a ra c a m p a n h a s eleito­
rais p o d e rã o ser feitas a p a rtir d o registro d o s co m itês financeiros d o s p a rtid o s o u coligações.
$ 1" As do a ç õ e s e c o n trib u iç õ e s de qu e tra ta este artigo ficam lim itad as a do is p o r c en to d o fa tu ra m e n to
b r u to d o a n o a n te rio r à eleição.
S 2" A d o a ç ã o de q u a n tia acim a d o lim ite fixado n este artig o sujeita a pe sso a ju rídica ao p a g a m e n to de
m u lta n o v a lo r de cin c o a d ez vezes a q u a n tia em excesso.
4 3" Sem prejuízo d o dis p o sto no p arágrafo anterior, a pessoa ju ríd ic a q u e u ltrap a ssa r o lim ite fixado no
§ l" esta rá sujeita à p roibição d e p a rtic ip a r de licitaçõe.s p ú blicas e d c c eleb rar co n tra to s c o m o P o der
Público pelo p e río d o d e cinco an o s, p o r d e te rm in a ç ã o d a justiça Eleitoral, e m pro c e sso n o q ual .seja
asse g u ra d a a m p la defesa.
361 .lurisia brasileiro; M in istro d o Supremo Tribunal Federal e P residen te d o Tribunal Superior Eleitoral,
261
REIS, Palhares Moreira: O Abuso de Poder Econômico no Processo
Eleitoral, m Realidade Eleitoral Brasileira, Paulista (PE): Editora GTB,
1982.
REIS, Palhares Moreira. A Lei Complementar na Constituição de 1988.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007.
SOSPEDRA, Manuel Martinez: Introducción a los Partidos Políticos.
Barcelona: Ariel Derecho, 1996.
262
F ID E L ID A D E P A R T ID Á R IA
R ic a r d o L e s v a n d o w sk i" ’-
1. REFLEXÕES ACERCA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
É necessário consignar que em um a dem ocracia representativa
com o a nossa, os partidos políticos desem penham um papel funda­
mental, porquanto, no dizer de Canotilho, são ''organizações aglutinadoras dos interesses e mundividência de certas classes e grupos sociais
impulsionadores da formação da vontade popular \
C om efeito, a partir do advento do Estado Social, no final da P ri­
meira G rande G uerra, a lei deixou de ser a expressão de um a anôni­
m a vontade geral, no sentido rousseauneano da expressão, conform e
queriam os ideólogos do Estado Liberal de Direito dos séculos XVIII
e XIX, passando a representar o resultado da vontade política de um a
m aioria parlamentar, form ada a p artir de vontades fragm entárias pree­
xistentes no seio de sociedade. ^
No Brasil, como se sabe, os partidos políticos sofreram as vicis­
situdes da alternância cíclica entre regimes dem ocráticos e ditatoriais,
o que impediu, com raras exceções, que desenvolvessem um a base ide­
ológica consistente,
capaz de libertá-los do fenôm eno que M auri­
ce Duverger, trilhando a senda aberta p o r Robert Michels, identificou
com o o dom ínio oligárquico dos dirigentes partidários, cujo apanágio
é '*0 apego a velhas fisionomias e ao conservadorismo” ^
Os partidos de quadros e de massas, vinculados às camadas p o ­
pulares, com matizes ideológicos mais pronunciados, surgiram apenas
em um a fase mais recente da história do País, com o conseqüência do
362 C A N O T IL H O , José Joaq u im G om es. D ireito constitucional e teoria da Constituição,
edição. C o im ­
bra; A lm e d in a , 1998. p. 308.
363 SILVA, D a n iela R om anelli da. D em ocracia e Direitos Políticos. C am p in as: E d ito r-A utor. 2005, p. 62.
364 FLEISCHF.R, D avid. O s p a rtid o s politicos. In: AVELAR. Lucia e C IN T R A A n to n io O tá v io (orgs.).
Sistem a politico brasileiro: u m a introdução..São Paulo: UNESP, 2004, p. 249.
365 D U V E R G E R , M aurice. Os p a rtid o s politicos.Rio d e Janeiro; Z ahar, 1970, pp. 197,
366 SILVA, D a n iela R om anelli, op. cit., loc. cit.
263
processo de industrialização, que se acelerou a partir do térm ino da
Segunda G uerra Mundial.
Em que pesem, porém , as imperfeições que ainda caracterizam
0 sistema partidário brasileiro, não há dúvida de que, hoje, os partidos
políticos são indispensáveis ao processo dem ocrático, não apenas p o r­
que expressam a m ultiplicidade de interesses e aspirações dos distintos
grupos sociais, mas, sobretudo, porque concorrem para a formação da
opinião pública, o recrutam ento de líderes, a seleção de candidatos aos
cargos eletivos e a mediação entre o governo e o povo.
2. O A D V EN TO DA D EM O C RA C IA PARTICIPATIVA
É bem verdade que a participação do povo no poder, atualmente,
não ocorre mais apenas a partir do indivíduo, do cidadão isolado, ente
privilegiado, e até endeusado pelas instituições político-jurídicas do li­
beralismo, dentre as quais se destacam os partidos políticos^^l
O final do século XX e o início do século XXI certam ente en tra­
rão para a História com o épocas em que o indivíduo se eclipsa, surgin­
do em seu lugar as associações, protegidas constitucionalm ente, que
se m ultiplicam nas cham adas “organizações não governamentais” vol­
tadas para a prom oção de interesses específicos, tais com o a proteção
do m eio ambiente, a defesa do consum idor ou o desenvolvimento da
reform a agrária.
Esse fato, aliado às deficiências da representação política tradicio­
nal, deu origem a alguns institutos que dim inuem a distância entre os
cidadãos e o poder, com destaque para o plebiscito, o referendo, a ini­
ciativa legislativa, o veto popular e o recall, dos quais os três prim eiros
foram incorporados à nossa Constituição (artigo 1 4,1, II e III, da CF).
367 LÊW A N D O W SK I, E n r iq u e Ricardo. Reflexões e m to r n o d o p rin c íp io re p u b lic a n o ”. In; C arlo s M ário
d a Silva Velloso, R o b e rto R osas e A n to n io C arlo s R o d rig u e s d o A m a ra l { C oo rd s,>.Pn«í:»píos co n stitu ­
cionais fu n d a m e n ta is : estudos em h o m en a g em ao professor I w s G a nd ra M artins. São Paulo; Lex Editora,
2005. p,381.
368 M ILL, lo h n Stuart. Considerações sobre o governo representativo. São Paulo: IBRASA, 1958, p. 49, o b ­
s erv a 0 seguinte: “desde q u e é impossível a todos, em u m a co m u n id a d e que exceda a u m a única cidade
pequena, participarem pessoalm ente tão-só de a lgum as porções m u ito peq u en a s dos negócios públicos,
seguc-se q u e o tipo ideal d e g o v ern o perfeito te m de ser o representativo"
264
3. A IM P O R T Â N C IA D A F ID E L ID A D E P A R T ID Á R IA
Não há negar que a dem ocracia representativa, exercida por meio
de mandatários recrutados pelos partidos políticos, por indispensável,
^ subsiste em sua integralidade em nosso ordenam ento poUtico-jurídico, embora com plem entada pelo instrumental próprio da democracia
participativa (art. 1", parágrafo único, da CF).
Com efeito, segundo a nossa Carta Magna, a soberania popular
(art. r , I, da CF) é exercida fundamentalmente por meio do sufrágio
universal (art. 14, caput, da CF), constituindo a filiação partidária con­
ditio sine qua non para a investidura em cargo eletivo (art. 14, § 3°, IV,
da CF).
Mas para que a representação popular tenha um mínimo de au­
tenticidade, ou seja, para que reflita um ideário com um aos eleitores e
aos candidatos, de tal modo que entre eles se estabeleça um liame em
tom o de valores que transcendam os aspectos meramente contingentes
do cotidiano da política, é preciso que os que mandatários se m ante­
nham fiéis às diretrizes programáticas e ideológicas dos partidos pelos
quais foram eleitos.
“Sem fidelidade dos parlamentares aos ideários de interesse cole­
tivo'' - ensina Goffredo Telles Júnior
“definidos nos respectivos pro­
gramas registrados, os partidos se reduzem a estratagemas indignos, a
serviço de egoísmos disfarçados; e os políticos se desmoralizam”.
A fidelidade partidária, porém , conquanto represente um passo
im portante para o fortalecim ento do sistema partidário brasileiro, não
constitui, ao contrário do que im aginam alguns, um a panaceia univer­
sal, cum prindo ter presente a lúcida advertência feita pelo M inistro
Nelson Jobim, em conferência que proferiu sobre o assunto:
‘'Falar-se em fidelidade partidária, sem ter a consciência
real do que se passa no processo de escolha dos candidatos
é um equívoco. Precisamos ter noção do que se passa, para
colocar sobre a mesa a discussão de temas como distrito
eleitoral, sistema de eleições mistas etc.; debater claramente
369 "Todo p o d er e m a n a d o p o v o que o exerce p o r m eio de representantes eleitos ou diretam ente, nos term os
desta Constituição'.'
370 TELLES fÜ N lO R . Goffredo. A d e m o c ra c ia particip ativa. In: Keviífn d a Faculdade de Direito. U n iv e r­
sidade d e São Paulo, vol. 100, 2005, 117.
371 /O B IM , N elson. D ireito e p ro c e sso eleitoral n o Brasil. In; M alh eiro s, A n tô n io C arlo s e o u tro s (C o o r­
ds.). Inovações do hkiva Código C.ívii Sáo Paulo: Q u a rtie r Latin, s/d , p. 195.
265
esse tipo de situação para entendermos o que se passa em
termos político eleitorais no País".
Com o se sabe, a sanção de perda de m andato por infidelidade
partidária foi introduzida no Brasil pela Em enda Constitucional n° 1,
editada pela Junta Militar, em 17/10/1969, que alterou a redação do art.
152 da Constituição de 1967.
Mas recordem os tam bém que, em 1985, de form a consentânea
com o clima de redem ocratização que imperava no País, a Em enda
Constitucional n° 24 deu nova redação ao m encionado dispositivo
constitucional, suprim indo as hipóteses de perda de m andato p o r infi­
delidade partidária, assegurando, ademais, a mais ampla liberdade de
criação de partidos políticos, respeitados o regim e dem ocrático, o plu­
ralismo partidário e os direitos fundam entais, dentre outros valores.
A Assembleia Constituinte de 1988 não se afastou do espírito que
presidiu a elaboração da EC n® 24/85, adotada no am biente de redem o­
cratização, deixando de incluir no rol do art. 55 da C arta Magna, que
trata da perda de m andado de deputado e senador, qualquer sanção por
infidelidade partidária.
Isso levou José Afonso da Silva a concluir que a Constituição de
1988
372 "Perderá o m a n d a to no Seriado Federal, na C âm ara dos D eputados, m s A ssem bléias Legislativas e nas
C âm aras M un icip a is quer}! p o r a titu d e s o u pelo voto, se opu ser às diretrizes leg itim a m en te estabelecidas
pelos órgãos de direção p artidária ou d eixa r o p a rtid o sob cuja legenda fo i eleito. A perda do m a n da to
será decretada pela Justiça Eleitoral, m ed ia n te representação do partido, assegurado o direito de am pla
defesa."
373 “A rt. 152. É livre a criação de p artidos políticos. Sua organização e fu n c io n a m e n to resguardarão a sobera­
nia nacional, o regime democrático, o pluralism o pa rtidá rio e os direitos fu n d a m e n ta is da pessoa h u m a n a
u r.
374 "Art. 55. Perderá o m a n d a to o D e putado o u Senador: I - q u e infringir q u a lq u er das proibições estabele­
cidas no artigo anterior: 11 - cujo proced im en to f o r declarado incom patível com o decoro parlam entar;
III - q ue deixa r de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça p a rte d as sessões ordinárias da Casa a
que pertencer, salvo licença ou m issão p o r esta autorizada; I V - q u e perd er ou tiver suspensos os direitos
políticos; V - q u a n d o o decretar a Justiça Eleitoral, n os casos previsto s nesta C onstituição; V! - q u e sofrer
condenação crim inal em sentença transitada em julgado. § 1° - Ê incom patível com o decoro p a rla m en ­
tar, além dos casos definidos no regim ento interno, o abuso d as prerrogativas asseguradas a m em b ro do
Congresso N a cional o u a percepção de vantagens indevidas. § 2" - N os casos dos incisos 1 ,11 e VI, a perda
do m a n d a to será decidida pela C âm ara dos D eputados ou pelo Senado Federal, p o r voto secreto e m aioria
absoluta, m ed ia n te provocação da respectiva M esa ou de p a rtid o político representado no Congresso N a ­
cional, assegurada am p la defesa. $ 3® - Nos casos previstos rios incisos III a V, a p e rd a será declarada pela
M esa d a Casa respectiva, d e ofício ou m e d ia n te provocação de q u a lquer de seus m embros, ou de p a rtid o
político representado no Congresso Nacional, assegurada a m p la defesa. $ 4" A renúncia de p a rla m en ta r
su b m etid o a processo q ue vise ou possa le v a rá perda d o m andato, nos term os deste artigo, terá seus efeitos
suspensos até as deliberações fin a is de que tratam os §íS 2° e 3°."
375 SILVA, José A fo nso da. Curso de Direito C onsfilu cio n a l Positivo. JO ed.. São Paulo: M alheiros, J995, p.
386-387.
266
“não perm ite a perda do m andato por infidelidade
partidária. A o contrário, até o veda, quando no art.
15, declara vedada a cassação dos direitos políticos, só
adm itidas a perda e a suspensão deles nos estritos casos
indicados no mesmo artigo”.
É que o dispositivo em com ento proíbe, de form a expressa, a cas­
sação de direitos políticos, estabelecendo, taxativamente, as hipóteses
de sua perda ou suspensão, sem n en h um a referência à hipótese de infidehdade partidária.
Na m esm a hn h a de entendim ento, Clèm erson M erhn Clève afir­
m a que, no sistema constitucional brasileiro, a circunstância de o p ar­
lam entar
“não perder o m andato em virtude de filiação a
outro partido ou em decorrência do cancelamento da
filiação por ato de infidelidade é eloqüente. A inda que
doutrinariam ente o regime do m andato possa sofrer
crítica, é induvidoso que, à luz do sistema constitucional
em vigor, o m andato não pertence ao partido”.^'^
Não foi esse, contudo, o entendim ento fixado pelo Tribunal Su­
perior Eleitoral ao responder afirm ativamente à C onsulta 1.389/DF,
consubstanciada na seguinte indagação: “O5 partidos e coligações têm
0 direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional,
quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do
candidato eleito por um partido para outra legendaV\
Feitas essas considerações, observo que é inegável o esforço pelo
fortalecimento da dem ocracia no Brasil, tanto do Poder Legislativo,
com o do Poder Judiciário, e, principalm ente, dos partidos políticos,
que são atores centrais do processo eleitoral. Que a soberania popular
seja exercida de form a cada vez mais plena e consciente.
376 “7 - cancelam ento da naturalização p o r sentença transitada em julgado; I I - incapacidade civil absoluta;
III - condenação crim inal transitada em julgado, era^uanto d urarem seus efeitos; I V - recusa de cum prir
obrigação a todos im posta ou prestação alternativa, nos term os do art. 5", V I I I ”.
377 C LÈVE, C lè m erso n M erlin. Novo re g im e c o n stitu cio n al d o s p a rtid o s políticos. F idelid ade p a rtid á ria
v in c u la n d o v o tação e m proc e sso d e im p e a c h m e n t. R evisibilidade d o s ato s p a rtid á rio s pelo íudiciário.
C o m p e tê n c ia d a Justiça Eleitoral. In: C adernos de D ireito C onstitucional e Ciência Política, n. 24. São
Paulo: RT, 1998. p. 217-218.
378 C LÈVE, C lè m erso n M erlin. N o vo regim e c o n stitu cio n al d o s p a rtid o s políticos. F idelid ade p a rtid á ria
v in c u la n d o v o ta ç ão em proc e sso d e im p e a c h m e n t. R evisibilidade do s atos p a rtid á rio s pelo Íudiciário.
C o m p e tê n c ia d a Justiça Eleitoral. In: C a d e rn o s d e D ireito C o n stitu c io n a l e C iência Política, n. 24. São
Paulo: RT, 1998 , p. 217-218..
267
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TELLES JÚNIOR. Goífredo. A dem ocracia participativa. In: Revista da
Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, vol. 100, 2005.
268
IN VESTIG A ÇÃO JUD ICIAL ELEITORAL P O R ABUSO DE
PO D ER E C O N Ô M IC O O U ABUSO DE P O D E R P O L ÍT IC O
S ilv io R o m e r o Beltrão'^'-'
Sum ário: 1- Introdução; 2- Abuso de p od er econôm ico e político; 3Potencialidade lesiva; 4- Ação de investigação judicial eleitoral; 4.1Efeitos da ação de investigação judicial eleitoral; 4.2- Legitimidade ativa
e passiva; 4.3- M om ento para a propositura d a AIJE; 4.4- Competência;
5- Conclusão; 6- Bibliografia.
1. IN TR O D U Ç Ã O
Diante das Eleições de 2010 tem a dou trin a a missão de descrever
os principais aspectos legais do direito eleitoral e suas principais inter­
pretações segundo a jurisprudência dos Tribunais superiores, realizan­
do as criticas necessários ao estudo e aplicação prática das norm as ju rí­
dicas específicas. É nesta linha que o do u trinado r deve apontar as atuais
coordenadas dispostas pelo Direito Eleitoral e dem onstrar a solução
para os conflitos de interesses. Assim, o presente trabalho delim ita o
estudo da ação de investigação judicial eleitoral com o m eio processual
de combate ao abuso de poder econôm ico e político, apontando o ca­
m inho que deve o interprete utilizar para a aplicação do direito ao caso
concreto.
A ação de investigação eleitoral, prevista no art. 22 da Lei C om ­
plem entar no. 64/90, tem p o r objeto apurar o uso indevido, desvio ou
abuso do poder econôm ico ou do poder de autoridade, ou a utilização
indevida de veículos ou meios de com unicação social, em benefício de
candidato ou de partido político.
379 )uiz d e D ireito. Ex- D e se m b a rg a d o r Eleitoral d o TRE-PH, Professor de D ire ito Civil d a Faculdade de
D ire ito d o Recife-U FPE, M estre e D o u to r em D ireito Civil p e la UFPE.
380 A rt. 22. LC 64/90. Q u a lq u e r p a rtid o político, coligação, c a n d id a to o u M in isté rio P ú blico Eleitoral p o ­
d e rá re p re s e n ta r à Justiça Eleitoral, d ire ta m e n te ao C o rre g e d o r-G e ra l o u R egional, re la ta n d o fatos e
in d ic a n d o provas, in dícios e circ u n stân c ia s e p e d ir a b e r tu ra d e investigação judicial p a ra a p u ra r uso
in de vido , d esvio o u a b u so d o p o d e r e c o n ô m ic o o u d o p o d e r d e a u to rid a d e , o u u tilização in d e v id a de
veículos ou m eio s de c o m u n ic a ç ã o social, en i b enefício de ca n d id a to o u de p a rtid o político, o b e d ec id o
o segu in te rito:
269
Assim, a ação de investigação judicial eleitoral trata de fatos ju ­
rídicos que envolvem as transgressões pertinentes à origem de valores
pecuniários, o uso indevido, desvio ou abuso do poder econôm ico ou
político em detrim ento da liberdade do voto, a utilização indevida de
veículos ou meios de com unicação social e a captação ilícita de sufrágio.
As transgressões quanto à origem de valores pecuniários, segun­
do a doutrina de A driano Soares da Costa^®* dizem respeito a qualquer
fato que contrarie as norm as sobre obtenção e gastos de recursos para
fins eleitorais.
O uso indevido dos veículos e meios de com unicação social diz
respeito a fatos que envolvam a utilização de meios de com unicação publica^^^, os quais são explorados por particulares através de concessões
públicas, buscando evitar que tais veículos sejam utilizados em benefí­
cio de grupos ou agremiações partidárias. Nesse m esm o sentido, devese coibir que a propaganda institucional seja usada com a finalidade de
influir no certam e eleitoral favorecendo determ inado candidato.^^^
Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A
da Lei 9.504/97^^\ consiste na atuação vedada ao candidato que fica
im pedido de doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim
de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza,
inclusive emprego ou função pública.
Por fim, o abuso de poder econôm ico e político, segundo Marcos
Ramayana, “é toda a conduta ativa ou omissiva que tenha potencialida­
de para atingir o equilíbrio entre candidatos que almejam determinado
pleito eleitoralP^'^
381 A d ria n o Soares d a C osta, In stituições d e D ire ito Eleitoral, 6''. Ed., Belo H o rizonte: Del Rey, 2006, pág.
528.
382 A rt. 37, p a rá g ra fo 1°. d a C o n stitu iç ão Federal: “§ I" - A p u b lic id a d e d o s atos, p ro g ram a s, ob ras, s e r­
viços e c a m p a n h a s d o s ó rg ã o s pú blicos d e v erá te r c aráter educativo, in fo rm a tiv o o u d e orie n ta ç ão
social, dela n ã o p o d e n d o co n s ta r no m e s, sím bo lo s o u im a g e n s q u e ca r a c te riz e m p ro m o ç ã o pessoal de
a u to rid a d e s o u serv id ores públicos.
383 A p ó s as c o n v ençõ es d o s p a rtid o s políticos, q u a n d o se inicia o p e río d o d e p ro p a g a n d a eleitoral lícita,
deve a lustiça Eleitoral fiscalizar c o m rigo r as p eça p u blicitárias v eiculadas p e lo P o d e r Público, de
m o d o a p ro ib ir e co ib ir os excessos, ap en a s a d m itin d o aquelas p eças q u e sejam e m in e n te m e n te in fo r­
m ativas, n ecessárias p a ra alg u m a finalidad e coletiva. C o sta , op. cit. p. 534.
384 A rt. 41-A . R essalvado o d isp o sto n o art. 26 e seu s incisos, co n stitu i captaç ã o d e sufrágio, v e d a d a p o r
esta Lei, o c an d id a to doar, oferecer, p rom eter, o u entregar, ao eleitor, com o fim d e o b te r-lh e o voto,
b e m ou van ta g em pessoal d e q u a lq u e r natureza, inclusive em p re g o ou fu n ç ã o pública, desd e o registro
d a c a n d id a tu r a até o dia da eleição, inclusive, so b p e n a de m u lta de m il a c in q ü e n ta mil Ufir, e cassação
d o registro o u d o d ip lo m a , o b s e rv a d o o p ro c e d im e n to p rev isto n o art. 22 da Lei Com plem entar no 64,
de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei n“ 9.840. de 28.9.1999)
385 M arco s R am ayana, D ire ito Eleitoral, 8". Ed., N iterói; Im p e tu s, 2008, pág. 399,
270
As três prim eiras hipóteses não serão estudadas no presente tra ­
balho, o qual se restringe a ação de investigação judicial eleitoral nos
casos de abuso de poder econôm ico e político.
Assim, diante da necessidade de estudar as formas de combate
às condutas de abuso de po d er econôm ico e político dos candidatos,
diante das eleições de 2010, o presente trabalho pretende estudar o seu
conceito e natureza jurídica, bem com o os aspectos processuais da ação
de investigação judicial eleitoral.
2, ABUSO DE PO D ER E C O N Ô M IC O E PO LÍTIC O .
O abuso de p od er econôm ico e político está disposto no art. 22 da
Lei C om plem entar 64/90 e consiste, segundo o Autor José Jairo Gomes,
no uso nocivo e distorcido de meios de com unicação social; propagan­
da eleitoral irregular; fornecim ento de alimentos, m edicamentos, m ate­
riais ou equipam entos agrícolas, utensílios de uso pessoal ou doméstico,
m aterial de construção; oferta de tratam ento de saúde; contratação de
pessoal em período vedado; percepção de recursos de fonte proibida.^®^
Esta é a m esm a idéia de A driano Soares da Costa onde o partido
político pode obter recursos quer públicos, quer particulares com a fi­
nalidade de divulgar as suas idéias e plataforma política, contudo não
poderão esses recursos ser utilizados ilegalmente no sentido de co m ­
prar votos, ou adquirir a preferência do eleitorado explorando a sua
miséria, fome e falta de instrução. Se isto ocorrer, com a distribuição de
alimentos, dentaduras, sapatos, telhado, tijolo, haverá evidente abuso
de poder econômico.
O que se pretende proteger com a punição do abuso de poder
econôm ico e político é o equilíbrio entre os candidatos que participam
do pleito eleitoral.
Especificamente, o abuso de p o d er econôm ico define-se, na li­
ção de Joel C ândido “no emprego, em todo o período das campanhas
eleitorais, pelos partidos políticos, coligações ou candidatos, de recur­
sos que, mesmo oriundos de fonte lícita, pela desproporção de seus altos
valores para com os objetivos a que se destinam, venham desigualar a
386 José la iro G o m es, D ire ito Eleitoral, Belo H o rizo nte: Del Rey, 2008, pág. 350.
387 C osta, op. cit. p. 530.
271
busca pelos votos em relação aos demais partidos políticos, coligações ou
candidatos’\^^^
Assim, 0 que se combate no abuso de poder econôm ico é a vanta­
gem dada a um a coletividade de eleitores, beneficiando-os ou não, com
a finalidade de obter-lhes o voto, sendo necessária a probabilidade de
influenciar no resultado do pleito.’*^^
É evidente que o poder econômico exerce um a forte influência no
resultado do pleito eleitoral, contudo, não é esta a idéia de eleições dem o­
cráticas e igualitárias, onde deveria prevalecer a ideologias partidárias.
Investigação judicial. Imprensa escrita. Jornal.
Criação. Proximidade. Eleição. Distribuição gratuita.
Noticias. Fotos e matérias. Favorecimento. Candidato.
Uso indevido dos m eios de comunicação social.
Tiragem expressiva. Abuso do poder econômico. LC
64/90 - I) Jornal de tiragem expressiva, distribuído
gratuitamente, que em sua edições enaltece apenas
um candidato, dá-lhe oportunidade para divulgar
suas idéias e, principalmente, para exibir o apoio
político que detém de outras lideranças estaduais
e nacionais, mostra potencial para desequilibrar a
disputa eleitoral, caracterizando uso indevido dos
meios de comunicação e abuso de poder econômico,
nos termos do art. 22 da LC 64/90 (TSE - Ac. 688/
Xanxerê-SC - Rei. Ministro Fernando Neves da Silva
- j . 21.06.2004)
Deve-se destacar que em alguns casos o ato abusivo pode trazer
repercussão em um a eleição para vereador, não provocando nenhum a
repercussão em eleição m ajoritária para prefeito, e vice-versa.
Nesses casos, deve o Juiz Eleitoral p onderar no m om ento da apli­
cação da n orm a jurídica, verificando as conseqüências para a eleição e
se houve repercussão na manifestação do eleitor através do v o to .^
Por outro lado, o abuso de poder político, segundo a lição de
Adriano Soares da Costa, “é o uso indevido de cargo ou função pública,
com a finalidade de obter votos para determinado candidato. Sua gravi­
dade consiste na utilização o m únuspúblico para influenciar o eleitorado,
com desvio de finalidade”.
388
389
390
391
Joel J. C â n d id o , D ire ito Eleitoral Brasileiro, 13^ Ed., B auru; Hdipro, 2008, pág. 142
C o sta , op. cit. p. 531
idem .
Id em , p. 530
272
Segundo Adriano Soares é necessário que o abuso de poder polí­
tico tam bém expresse a hipótese de im probidade adm inistrativa assim,
a atividade adm inistrativa pode ser caracterizada com o ilícita do ponto
de vista eleitoral.^'^^
Representação.
Procedência.
Declaração
de
inelegibilidade. Recurso. Rejeitada preliminar de
intempestividade. Em face das provas acostadas
aos autos, conArmou-se a utilização de programa
habitacional, financiado com recursos da união,
para beneficiar candidatura. Comprovado o abuso
de poder político, sendo obrigatória e irretocável a
aplicação do disposto no art. 1° da lei complementar
n° 64/90. Recurso a que se negou provimento. Decisão
unânime.(TRE-PE, Des. Leopoldo de Arruda Raposo,
RE 5880, j. 05.09.2002)
Assim, segundo a lição de Joel Cândido, o abuso de poder políti­
co 'g 0 emprego, em todo o período das campanhas eleitorais, por quem
exerce atividade politica-partidária, de prática que afronte a ética, a li­
berdade de voto, a moralidade para o exercício do mandato eletivo ou os
bons costumes que devem reinar no Estado Democrático de D ireito’.^^^^
Não se im pede que o adm inistrador pleiteie votos tendo p o r base
a sua atuação diante da adm inistração pública, explorando a sua boa
gestão, assim, como os seus opositores utilizam sua m á gestão diante
da coisa pública para dem onstrar a necessidade de m udar de adm inis­
trador.
Desta forma, nada im pede que o adm inistrador dem onstre a sua
boa gestão com o motivação para a continuidade administrativa, não
podendo ser tolhido ao candidato apresentar em sua cam panha as con­
quistas de sua adm inistração, onde do mesm o m odo, deve ser garanti­
do aos partidos de oposição o direito de m ostrar tam bém a atuação, os
desmantelos e as improbidades dos atuais m andatários e seus candida-
tos.-'^‘^
392 “A buso d e p o d e r político, p o rta n to , dev e ser visto c o m o a a tiv id a d e im p ro b a d o a d m in is tra d o r, com
a finalidad e d e influ en ciar n o pleito eleitoral d e m o d o ilícito, d e se q u ilib ra n d o a disputa. Sem im p r o ­
bid ade, n ã o h á a b uso d e p o d e r politico: “a ção po pu la r. C o n d e n a ç ã o q u e n ã o d e s a b o n a o im p ug na d o.
Inexistência c o n o ta çã o de im p r o b id a d e n o ato im p u g n a d o , n ã o h á lu g a r p a ra a in c idê ncia d a alínea ‘h’,
inc. I, art. I", d a LC 64/90(R JTSE 3 /95 /3 06 e segts.) C osta, op. cit. p. 531.
393 C ân d id o , op. cit. p. 142.
394 C o sta , op. cit. p. 530.
273
3. POTENCIALIDADE LESIVA
Merece destaque a discussão que a jurisprudência travou a res­
peito da potencialidade lesiva, onde o TSE, inicialmente, entendia que
era indispensável a dem onstração do nexo de causalidade entre a con­
duta lesiva e o resultado das eleições.
Atualmente, o entendim ento jurisprudência! que se tornou d o ­
m inante a partir do Resp. 19.553, relatado pelo M inistro Sepulveda Per­
tence, dispõe que é suficiente a dem onstração da potencialidade lesiva
para a procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, não sen­
do necessária a dem onstração do nexo de causalidade.
1. Para a configuração de abuso de poder político,
não se exige nexo de causalidade, entendido esse
como a comprovação de que o candidato foi eleito
efetivamente devido ao ilícito ocorrido, mas que
fique demonstrado que as práticas irregulares teriam
capacidade ou potencial para influenciar o eleitorado,
o que torna ilegítim o o resultado do pleito.
2. Se fossem necessários cálculos matemáticos,
seria impossível que a representação fosse julgada
antes da eleição do candidato, que é, aliás, o mais
recomendável, visto que, com o disposto no inciso XIV
do art. 22 da LC n.“ M /90, somente neste caso poderá
a investigação judicial surtir os efeitos de cassação do
registro e aplicação da sanção de inelegibilidade.
3. Prova incontroversa de que o candidato utilizou o
DNOCS, arvorando-se de verdadeiro “administrador”
com o m eio para desequilibrar o pleito e angariar votos,
com a construção de passagens molhadas em vários
municípios cearenses vinculadas a sua candidatura.
4. Inelegibilidade que se decreta, a teor do art. 22, XIV
da Lei Complementar 64/90. (TRE-CE, IJE n.“ 11.025,
Ac. n.“ 11.025, de 6.12.2004, Rei. Des. José Eduardo
Machado de Almeida)
A potencialidade lesiva é, assim, a probabilidade que tem o ato
lesivo de influenciar no resultado das eleições, não sendo necessária a
efetiva dem onstração matem ática do nexo de causalidade entre o ato
lesivo e o núm ero de votos conquistados de form a irregular.
Nesse sentido, ensina José Jairo Gomes:
Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de
causalidade entre o fato imputado e o desequilíbrio
do pleito, im pondo a presença de líame objetivo
2 74
entre tais eventos. Todavia, não se faz necessário - até
porque, na prática, isso não seria possível - provar
que o abuso influenciou concretamente os eleitores,
a ponto de levá-los a votar efetivamente no candidato
beneficiado. Basta que se demonstre a provável
influência na consciência e vontade dos cidadãos.
Note-se que, do ângulo lógico, a probabilidade oferta
grau de certeza superior à mera possibilidade. O
provável é verossímil, ostenta a aparência de verdade
embora com ela não se identifique plenamente.^^^
Nesse m esm o sentido, entende Adriano Soares Costa, o qual es­
clarece que som ente haverá abuso relevante se, concretam ente, trouxer
possibilidade de modificar o resultado da eleição.^®^
Por sua vez, recentemente, o TSE, em apreciação de processo
envolvendo conduta vedada, em decisão aparentem ente contraditória
afastou a análise da potencialidade lesiva, para a verificação da conduta
vedada, esclarecendo que a potencialidade haveria de incidir apenas no
m om ento da aplicação da penalidade.
RECURSO
ESPECIAL
ELEITORAL.
ELEIÇÕES
2004. CO N D U T A VEDADA. CAPTAÇÃO ILÍCITA
DE SUFRÁGIO. REALIZAÇÃO DE N O V O PLEITO.
ELEIÇÕES INDIRETAS. PRO VIM EN TO.
L A jurisprudência do TSE considera que a
configuração da prática de conduta vedada independe
de sua potencialidade lesiva para influenciar o
resultado do pleito, bastando a mera ocorrência
dos atos proibidos para atrair as sanções da lei
Precedentes: REspe n° 2I.151/PR , Rei. M in. Fernando
Neves, DJ de 27.6.2003; REspe n° 24.739/SP, R e i Min.
P eçanha M artins, D l de 28.10.2004; REspe n° 21.536/ES,
Rei. M in. F ernando Neves, DJ de 13.8.2004; REspe n"
26.908, desta relatoria, DJ de 12.2.2007.
2. O juízo de proporcionalidade incide apenas no
momento da fixação da pena. Precedentes: AgRg no
REspe n° 25.358/CE, desta relatoria, DJ de 8.8.2006; REspe
n° 26.905/RO, Rei. Min. G erardo Grossi, DJ de 19.12.2006;
REspe n° 26.908/RO, desta relatoria, DJ de 12.2.2007.
3. Quanto à captação ilícita de sufrágio, o TSE
considera despicienda a potencialidade da conduta
395 G om es, op. cit. p. 355.
396 “D esse m o d o , o co n ce ito d e a b u so d e po d e r, e c o n ô m ic o o u político, é relacionai: ap en a s h á a bu so
ju rid ic a m e n te relevante se, c o n cretam e n te , tro u x e r p ossib ilidad e d e m o d ific a r o resu ltad o d a eleição.
A ssim , ap en a s n o c o nte x to d o caso co n c re to p o d e rá scr o b s e rv a d a a ex istên cia de abu so relevante pa ra
in c o a r a san ç ã o d e inelegibilidade.” C osta, op.cit. p. 531.
275
para influenciar no resultado do pleito. Precedentes;
REspe n° 26.118/M G, Rei. M in. G erardo Grossi, DJ
de 28.3.2007; AG n° 3.510/PB, Rei. Min. Luiz Carlos
M adeira, DJ de 23.5.2003; REspe n° 21.248/SC, Rei. Min.
F ernando Neves, DJ de 8.8.2003; REspe n° 21.264/AP,
Rei. M in. Carlos Velloso, DJ de 11.6.2004.
4. U m a vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio,
a m ulta e a cassação do registro ou d o diplom a são
penalidades que se im põ em ope legis. Precedentes:
AgRg no RO n® 791/MT, Rei. M in. M arco Aurélio, DJ
de 26.8.2005; REspe n° 21.022/CE, Rei. M in. Fernando
Neves, DJ de 7.2.2003; AgRg n o REspe n° 25.878/RO,
desta relatoria, DJ de 14.11.2006.
5. A jurisp rud ência do TSE tem com preendido que “(...)
prevendo o art. 222 do Código Eleitoral a captação de
sufrágio com o fator de nulidade d a votação, aplica-se o
art. 224 d o m esm o diplom a n o caso em que houver a
incidência do art. 41-A da Lei n" 9.504/97, se a nulidade
atingir mais d a m etade dos votos” (REspe n° 21.221/MG,
Rei. Min. Luiz Carlos M adeira, DJ de 10.10.2003).
6. É descabida a diplom ação dos candidatos de segunda
colocação, haja vista a votação obtida pelo candidato
vencedor, de 51,61% dos votos válidos.
7.
Pelo
princípio
da
sim etria
im plicitam ente
correlacionado com o art. 81, § 1", d a CF, a renovação do
pleito n o últim o biênio do m an dato ocorre em eleição
indireta, a cargo do Poder Legislativo local. Precedentes:
REspe n° 21.308/SC, Rei. M in. Barros M onteiro, DJ de
21.6.2004; AgRg no M S/PE n» 3.634/PE, Rei. M in. Ari
Pargendler, DJ de 24.9.2007; Ag n° 4.396/MS, Rei. Min.
Luiz Carlos M adeira, DJ de 6.8.2004; REspe n° 21.432/
MG, Rei. M in. Francisco P eçanha M artins, DJ de
25.6.2004; C ta n° 1.140/DF, Rei. M in. G ilm ar Mendes,
DJ de 10.10.2005.
8. Recursos especiais providos para cassar o diplom a
dos recorridos p o r infringência ao art. 41-A da Lei n°
9.504/97, aplicar a penalidade cabível pela prática de
conduta vedada (art. 73, §§ 4° e 5", da Lei n° 9.504/97) e
determ inar a realização de eleição indireta no M unicípio
de Caxingó/PI.(Respe. N 27.737/Pl, rei. Min. José Delgado.
Informativo TSE n. 1/2008, p. 7 - DJ de 1°.2.2008)
Ora, no caso acima dem onstrado, contrariando boa parte da atu­
al jurisprudência foi desprezada a análise da potencialidade, d eterm i­
nando que seria suficiente para a cassação do registro a existência do
ato lesivo.
Contudo, acredito que deva prevalecer o entendim ento pela ne­
276
cessidade de apreciação da potencialidade lesiva, em face de situações
práticas em que m esm o sendo um ato contrário ao ordenam ento ju rí­
dico não é suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral.
O objeto tutelado pelo direito eleitoral, nesses casos, é proteger
a norm alidade e legitimidade das eleições contra a influência do p o ­
der econôm ico ou político, onde diante de um fato que não dem onstre
efetivamente a im putação da força para causar o desequilíbrio, não há
como se falar em abuso de poder.
Nesse sentido, pode-se exemplificar pelo caso em concreto julga­
do pelo TSE:
Representação. Prefeito. Candidato à reeleição.
Conduta vedada. Art. 73, II e VI, b, da Lei n” 9.504/97.
Uso de papel timbrado da prefeitura. Publicidade
institucional no período vedado.
1. O uso de uma única folha de papel timbrado
administração não pode configurar a infração
art. 73, II, da Lei n* 9.504/97, dada a irrelevância
conduta, ao se tratar de fato isolado e sem prova
que outros tenham ocorrido.
da
do
da
de
2. O art. 73 da Lei n° 9.504/97 visa à preservação da
igualdade entre os candidatos, não havendo como
reconhecer que um fato de somenos importância tenha
afetado essa isonom ia ou incorrido em privilégio do
candidato à reeleição.
3. A intervenção da Justiça Eleitoral deve ter como
referência o delicado equilíbrio entre a legitimidade
da soberania popular manifestada nas urnas e a
preservação da lisura do processo eleitoral.
4. Para restar demonstrada a responsabilidade do
agente público pelo com etimento do ilícito eleitoral
instituído pelo art. 73, inciso VI, alínea b, da Lei n®
9.504/97, é indispensável a comprovação de que
o suposto autor da infração tenha autorizado a
veiculação de publicidade institucional nos três meses
que antecedem o pleito.
5. Conforme entendimento contido no Acórdão
n“ 5.565, por se tratar de fato constitutivo do ilícito
eleitoral, cabe ao autor da representação o ônus da
prova do indigitado ato de autorização.
6. Hipótese em que não ficou configurada a
potencialidade da conduta vedada para interferir no
resultado das eleições.
277
Recurso especial conhecido e provido.
Medidas cautelares prejudicadas.(Recurso especial
eleitoral n. 25.073/BA, rei. Min. Caputo Bastos.
Informativo TSE n. 6/2006, p. 8)
4. ALTERAÇÕES IN TR O D U ZID A S PELA LEI N. 12.034/2009
Recentemente a Lei 12.034/09 introduziu um a im portante altera­
ção ao art. 41-A da Lei 9.504/77, com dispositivos que visam positivar
0 posicionam ento dom inante do TSE.
O prim eiro deles, contido no parágrafo prim eiro, determ ina que
“para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido expli­
cito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de
agir.”
A verificação da existência de captação ilícita de sufrágio vai d e­
pender da interpretação do caso, em especial n a verificação da conduta
do candidato, m esm o que não exista o pedido explicito de voto.
O u seja, a interpretação deverá se prender à intenção expressa na
declaração de vontade, o com portam ento e as circunstâncias que en ­
volveram a manifestação da vontade. Desse modo, a interpretação deve
atender ao com portam ento adotado pelo candidato, diante da situação
do fato concreto, não acolhendo integralmente o sentido literal da lin­
guagem, mas atendendo ao espírito da intenção form ada na declaração
ou na conduta tomada.
“os mesmos critérios que explicam a construção da
declaração emitida ou comunicada, devem governar,
também, a interpretação que não é mais do que a sua
reconstituição. Os critérios objetivos de apreciação, que
esclarecem, tendo em vista o conjunto de circunstâncias,
o significado social da palavra usada - tanto no emprego
da linguagem falada, como os usos do comércio e
as concepções dominantes na consciência social comandam, igualmente a interpretação: porque, na
normalidade dos casos, concorrem, essencialmente,
para determinar também a concreta situação objetiva
das partesP'^^
397
E m ilio Betti, Teoria G eral d o N eg ó cio Juridico, Trad. F e rn a n d o d e M ira n d a , E d ito ra C o im b ra , C o i m ­
bra, 1969, pág. 256.
278
Por sua vez, em Com entários à Nova Lei Eleitoral, Walber Agra
e Francisco Queirós, expõe que: “para aferir se houve ou não captação
ilícita de sufrágio, é necessário que se leve em consideração todas as ca­
racterísticas que 0 fa to pretendido como ilícito encerra: o tipo de eleitores,
0 grau de desenvolvimento socioeconômico, o local em que se realizou a
conduta, as carências da população etcP^^
N outra form a de pensar, não é possível p u n ir o candidato por
promessas de cam panha, com o objetivo de melhorias públicas, as quais
naturalm ente fazem parte do discurso político de todos os candida-
tos/^^
Por outro lado, a Lei 12.034/09, tam bém introduziu no art. 41A, em seu parágrafo segundo a possibilidade de cassação do diploma
ou do registro daquele que tenha praticado atos de violência ou grave
ameaça, com o objetivo de obter votos.
“Houve também uma ampliação da conduta típica,
passando a incidir nas condutas praticadas através
de violência ou grave ameaça a pessoa. Ou seja, se a
violência ou qualquer tipo de grave ameaça, como
coação, for realizada com o propósito de captação de
voto, resta configurada a conduta enfocada (art. 41 A,
parágrafo 2°. Da Lei n. 9.5 04 /9 7)^
Por ultimo, a Lei 12.034/09 põe um ponto final na discussão
quanto ao prazo m áxim o para a interposição da AI)E, determ inando
que : “fl representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser
ajuizada até a data da diplomação."
5. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL
Nos term os do art. 22 da Lei C om plem entar n. 64/90, a ação de
investigação judicial eleitoral é o rem édio próprio que visa com bater
os abusos de poder econôm ico e político. D entre esses abuso de poder,
398 W alb er de M o u ra Agra, Fran cisco Q u e iro z C avalcanti, C o m e n tá r iu s à N ova Lei Eleitoral: E d ito ra F o ­
rense, Rio de Janeiro, 2010, pág. 80.
399 “N ão há pro ib ição n e n h u m a à c ap taç ã o do sufrágio, de m a n e ira lícita, u m a vez qu e faz pa rte da pró p ria
essência d a p r o p a g a n d a po lítica eleitoral. Todavia, o q u e deve s er r e p rim id a é a c aptaç ã o a d q u irid a
d e fo rm a ilícita, através d e a rtim a n h a s , d a c o m p ra d e v otos, p rin c ip a lm e n te p o rq u e o p o v o in c u lto
e caren te se to r n a pressa fácil p elo fascínio q u e a ca b a m d e s p e rta n d o m u ito s h o m e n s e lo qü entes, q u e
en tre ta n to , só e n x e rg a m o p o d e r pela ótica d a ex tra ç ão de ben efício pessoal.” Id em , pág. 77.
400 Idem , pág. 81 .
279
estão contidas aquela figuras consideradas vedadas pela lei 9.504/97,
em seu artigo 73 a 78.
O Art. 19 da LC 64/90 dispõe que as transgressões
pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso
de poder econôm ico ou político, em detrimento da
liberdade do voto, serão apuradas mediante investi­
gações jurisdicionais realizadas pelo corregedor-geral
e corregedores Regionais Eleitorais. Mas essas trans­
gressões devem ser apuradas mediante 'procedimento
sumaríssimo’, provocado por representação à Justiça
Eleitoral, feita por qualquer partido político, coliga­
ção, candidato ou Ministério Público, com relato de
fatos, indicação de provas, indícios e circunstâncias,
com rito estabelecido no art. 22 da LC 64/90.^*“
A ação de investigação judicial eleitoral tem natureza jurídica
constitutiva negativa, vez que determ ina a cassação do registro, e um a
natureza declaratória, quando declara a inelegibilidade p o r três anos.
Assim, a pretensão jurídica nos casos de investigação judicial
eleitoral visa à declaração de abuso de poder político ou econômico,
com a decretação da inelegibilidade do candidato p o r três anos, a partir
da eleição onde houve a condenação, bem como, a cassação do registro,
dependendo do estado em que se encontre o processo.^°^
5.1. EFEITOS DA AÇÃO
DE INVESTIGAÇÃO
JUDICIAL
ELEITORAL
Os efeitos da ação de investigação judicial eleitoral estão previstos
no art. 22, XIV da Lei C om plem entar 64/90, e podem ser:
a) a decretação a inelegibilidade do candidato e das pessoas
que contribuíram para o fato, para a eleição em questão;
b) a declaração de inelegibilidade dos representados para as
eleições a se realizarem nos 03(três) anos subseqüentes
à eleição em questão;
c) a cassação do registro do candidato diretam ente
beneficiado."’®'^
401 Soares, op. cit. p. 512.
402 A rt. 15. T ran sita d a e m ju lg a d o a d ecisão q u e d e c la ra r a inelegibilidade d o can d id ato , ser-lh e-á n e g a d o
registro, o u cancelado, se já tiver sid o feito, o u de cla ra d o n u lo o d ip lo m a , se já expedido.
403 Soares, op. cit. p. 517.
280
Contudo, tais efeitos devem ser m elhores explicitados, principal­
mente o efeito da cassação do registro, vez que o m om ento do julga­
m ento vai ser im portante na determ inação das sanções que podem ser
aplicadas pelo magistrado.
Q uanto à decretação de inelegibilidade para as eleições que se re­
alizam no m om ento da prática do abuso de poder, tal m edida constitui
u m a sanção pela prática de ato abusivo, com o fim de impossibilitar a
participação do representado no pleito.
Antes e depois das eleições, a resolução judicial há
de decretar a inelegibilidade do representado para a
eleição em que se deu o abuso do poder econômico
ou de autoridade(“essa eleição”), porque do contrário
não poderá o Ministério Público, ou o representante
(autor da ação), propor recurso contra diplomação ou
ação de impugnação de mandato eletivo, com o pres­
creve o art. 22, inc. XV. Se após as eleições transitar em
julgado a decisão sobre a inelegibilidade do represen­
tado, como atacar sua diplomação sem que a inelegi­
bilidade seja nessa eleição, mas apenas nas próximas?
0 inc. XIV do art. 22 da LC 64/90 prescreve, com o um
dos efeitos atribuídos à AIJE, a declaração (rectius;
decretação) da inelegibilidade do representado e de
quantos hajam contribuído para a prática do ato.^"^
Por sua vez, a com inação de pena de inelegibilidade p o r três anos,
im pede que o representado participe d a próxim a eleição, pois, o prazo
da pena tem início a p artir da eleição em que foi praticado o abuso.
Tal com inação está prevista no art. 1°. da LC 64/90:
Art. 1“ São inelegíveis:
1 - para qualquer cargo:
d) os que tenham contra sua pessoa representação
julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada
em julgado, em processo de apuração de abuso do
poder econôm ico ou político, para a eleição na qual
concorrem ou tenham sido diplomados, bem como
para as que se realizarem 3 (três) anos seguintes;
Por fim, a cassação do registro do candidato significa a desconstituição do seu registro para aquela eleição em que se deu o abuso de
404
Id em , p. 518.
281
p o d er político e econômico, tornando inexistente o registro de sua can-
didatura/^^
Contudo, p ara que produza realmente efeitos de cassação à ação
deve transitar em julgado até a diplomaçào do candidato eleito, pois,
caso o seu trânsito em julgado ocorra tão-som ente após a diplomação
do candidato será necessário o m anejo do recurso contra a diplomação
ou da ação de im pugnação de m andato eletivo para a produção dos
efeitos desejados/^^
Para que eles se deflagrem, é necessário que a decisão
possua carga majidaraental relevante, o que não
ocorre quando a AIJE é julgada após a diplomação
dos eleitos na eleição em que o abuso de poder se deu.
Logo, para que haja esse efeito concreto, no plano
fátíco, mister é que seja interposto o recurso contra
a diplomação, para cassar os efeitos do diploma
concedido ao candidato inelegível. Se tal remédio não
for manejado, a inelegibilidade cominada potenciada
não surtirá efeitos práticos, podendo o candidato
inelegível exercer seu mandato integralmente.'*®^
H á ainda um a diferenciação, em relação aos efeitos, em caso de
captação ilícita de sufrágio, onde o recurso contra a sentença tem efeito
m eram ente devolutivo, p odendo a determ inação judicial ser cum prida
de imediato, inclusive se o candidato já tiver sido diplom ado e estiver
exercendo o seu cargo.
“(...) C aptação ilícita de sufrágio. (...) Constitucionalidade
do art. 4 I-A d a Lei n“ 9.504/97. A usência de efeito
suspensive (art. 257 do Código Eleitoral). Execução
im ediata. (...)” (Ac. de 4.4.2006 no REspe n" 25.902. rei.
M in. Gerardo Grossi.)
“(...) A rt. 41-A d a Lei n° 9.504/97. Constitucionalidade.
(...) A cassação do registro ou do diplom a em decorrência
da captação ilícita de sufrágio não gera declaração de
405 Soares, op. d t . p. 525.
406 C A PT A Ç Ã O ILÍCITA D E R EC U RSO S O U G A ST O S IL ÍC ITO S. Possibilidade d e a n te cip a ç ã o d o ju l­
gado, co m a cassação d o dip lo m a . A lteração d a lei realizada em 10 de m a io d e 2006. A rt. 3 0 -A. Q u a l­
q u e r p a rtid o p olitico o u co ligação p o d e rá re p re s e n ta r à Justiça Eleitoral re la ta n d o fatos e in d ic a n d o
pro vas e p e d ir a ab e r tu ra d e investigação judicial p a r a a p u ra r c o n d u ta s e m d e sa c o rd o c o m as n o rm a s
d e sta Lei, relativas à arre c a d a ç ã o e gastos de recursos. (Incluido pela Lei n" 11.300, de 2006)
§ L' N a a p u ra çã o d e qu e tra ta este artigo, aplicar-se-á o p ro c e d im e n to prev isto n o art. 22 da Lei Com­
plementar n" 64, de 18 de maio de 1990, n o q u e couber. (Incluído pela Lei n° 11.300. de 2006)
§ 2" C o m p ro v a d o s captação o u gastos ilícitos de re c u rso s, p a ra fins eleitorais, será n e g a d o d ip lo m a ao
c an d id ato , o u cassado, se já ho u v e r sido o u to rg a do . ( Incluido pela Lei n° 11.300, de 2006)
407 Idem , p. 526.
282
inelegibilidade. (...)” (Ac. r f 25.241, de 22.9.2005, rei
M in. H um berto Gomes de Barros; no m esm o sentido o Ac.
n° 882, de 8.11.2005, rei. M in. Marco Aurélio.)
“(•••) I - É constitucional e tem aplicação im ediata o art.
41-A da Lei das Eleições, de acordo com en tendim ento
consagrado no TSE (REspe n" 25.215/RN, rei. Min.
C aputo Bastos, julgado em 4.8.2005, publicado no D}
de 9.9.2005). (...)” (Ac. n° 25.295, de 20.9.2005, rei. Min.
Cesar Asfor Rocha.)
Nesse sentido, é interessante a fixação dos efeitos da ação de in ­
vestigação judicial eleitoral no caso de abuso de poder econôm ico e
político, conforme o quadro exemplificativo abaixo:
a) Sentença prolatada antes da eleição:
a. Decretação da inelegibilidade nessa eleição e
po r mais três anos;
b. Cancelam ento do registro do candidato;
c. Impossibilidade do representado concorrer ao
pleito;
b) sentença prolatada após a eleição e antes da diplomação:
a. Decretação da inelegibilidade nessa eleição e
p o r mais três anos;
b. Cancelam ento do registro do candidato;
c. Impossibilidade do candidato eleito ser
diplomado.
c) sentença prolatada após a diplomação:
a. Decretação da inelegibilidade nessa eleição e
po r mais três anos;
b. Envio dos autos ao M inistério Público para
propositura de recurso contra a diplomação
ou AIME - ação de im pugnação de m andato
eletivo;
Em conclusão, de form a esclarecedora, ensina A driano Soares da
Costa:
Se a sentença sobre abuso de poder econôm ico ou
político transitar em julgado antes da diplomação
dos eleitos, terá por efeito o cancelamento do registro
de candidatura, tornando nenhuma(inexistente) a
proclamação dos resultados. Os votos do candidato
283
inelegível são reputados nulos, não sendo computados
para qualquer efeito. Se, doutra banda, o trânsito
em julgado da sentença de procedência ocorrer após
a diplomaçào, serão remetidos, para o Ministério
Público, cópias do processo, para que este interponha
recurso contra diplomaçào ou ação de impugnação de
mandato eletivo. Seja com o for, tanto em um remédio,
com o no outro, o que o Ministério Público visará é
a resolubilidade dos efeitos da diplomação e apenas
isso. A inelegibilidade foi decretada em sede de AIJE,
para essa eleição e para a que ocorrer nos próximos
três anos. O fato de tal decretação já não servir de
supedáneo para desefícacização do diploma, com
a necessidade da propositura de nova ação (art. 22,
inc. XV da LC 64/90), se deve a uma opção política
do legislador, cuja conseqüência foi tornar inócua, em
larga medida, a utilidade prática da
5.2. LEGIM IDADE ATIVA E PASSIVA.
O art. 22, caput, da Lei C om plem entar 64/90 determ ina que qual­
quer partido político, coligação, candidato ou o M inistério Público p o ­
derá p ro p o r ação de investigação judicial eleitoral p o r abuso de p oder
político ou econômico.
Por outro lado, a legitimidade passiva será do candidato bene­
ficiado pelo abuso do poder político ou econôm ico e qualquer pessoa
que tenha praticado o ato proibido p o r lei, seja candidato ou não.
Deve-se ressaltar que se o abuso de p o d er econôm ico for pratica­
do po r pessoa que não seja candidato, m as visando beneficiá-lo, ocor­
rerá a figura do litisconsorte passivo necessário, onde todos deverão ser
citados para contestar a ação.
Contudo, tendo a ação de investigação judicial eleitoral a finali­
dade de tornar o candidato inelegível, bem com o de terceiros que con­
corram para o ato, não há a hipótese de litisconsorte necessário com
o partido político ao qual o candidato é filiado, podendo, todavia, o
partido intervir no processo com o interessado, em face da dependência
da relação jurídica com o candidato. ^
408 Soares, op. cit. p. 574.
409 Id em , p. 539,
284
5.3. MOMENTO PARA A PROPOSITURA DA AIJE.
Não há especificamente a fixação de um prazo pela LC 64/90 para
o ajuizamento da ação de investigação judicial eleitoral.
A lei não fixou o seu term o iniciai.
Contudo, o entendim ento Jurisprudencial é o de que o term o ini­
cial se dá com o registro do candidato, m esm o aguardando recurso. E o
term o final ocorre até a data da diplomação, conform e a nova redação
do artigo 41-A, da Lei 9.504/97.
A fixação do prazo final pela Lei 12.034/09 está de acordo com o
entendim ento predom inante do TSE.
Ação de investigação judicial. Prazo para a
propositura. Ação proposta após a diplomaçâo do
candidato eleito. Decadência consumada. Extinção
do processo. A ação de investigação judicial do art. 22
da Lei Complementar n. 64/90 pode ser ajuizada até a
data da diplomaçâo. Proposta a ação de investigação
judicial após a diplomaçâo dos eleitos, o processo
deve ser extinto, em razão da decadência. Nesse
entendimento, o Tribunal julgou extinto o processo.
Unânime. Representação n. 305/MG, Rei. Min. Sálvio
de Figueiredo, em 27/03/2003.‘’“*
6. CONCLUSÃO
Em face das diversas decisões do TSE, pode-se verificar que não
há um a uniform idade nos julgados em term os de ação de investigação
judicial eleitoral, existindo jurisprudência de to d a ordem , o que dificul­
ta 0 estudo deste tipo de ação.
C ontudo, diante do tem a discutido no presente trabalho é pos­
sível concluir que a ação de investigação eleitoral somente pode ser
proposta após a realização do registro, todavia, os fatos relacionados à
representação podem ser anteriores ao próprio registro.
Inicialmente, a legitimidade para a propositura da ação é atribu­
ída ao M inistério Público, e concorrentem ente pode ser proposta pelos
partidos políticos, coligações e pelo próprio candidato, sendo a legiti­
m idade passiva no candidato beneficiado pelo abuso de p o d er político
410
R am ayana, op. cit. p. 418.
285
e econôm ico e de qualquer outra pessoa que tenha dado causa ao abu­
so, inclusive o partido político.
O objetivo principal da ação de investigação judicial eleitoral é
dem onstrar a potencialidade lesiva capaz de desequilibrar as eleições
em razão de conduta abusiva de p o d er econôm ico ou político.
Seus efeitos são a cassação do registro e a inelegibilidade do can­
didato se 0 julgam ento for realizado, com o trânsito em julgado, antes
das eleições. Contudo, se o julgamento for posterior as eleições, so­
m ente possibilitará a declaração de inelegibilidade, p odendo utilizar as
provas constituídas no processo com o base para fundam entar ação de
im pugnação de m andato eletivo ou recurso contra diplomação.
7. BIBLIOGRAFIA
Agra, Walber Moura; Cavalcanti, Francisco Queiroz. Comentários à
Nova Lei Eleitoral, Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
Cândido, Joel J., D ireito E leitoral Brasileiro, 13^. Ed., Bauru: Edipro,
2008.
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Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
Gomes, José Jairo, Direito Eleitoral, Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
Ramayana, Marcos, Direito Eleitoral, 8*. Ed., Niterói: Impetus, 2008.
Serejo, Lourival, Programa de Direito Eleitoral, Belo Horizonte: Del
Rey, 2006.
Stoco, Rui; Stoco, Leandro de Oliveira, Legislação Eleitoral Interpre­
tada, 2®. Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
286
ELEIÇÕES 2010
“FICHA SUJA” & QUESTÕES CONSTITUCIONAIS
T h a l e s T á c i t o P o n t e s L u z d e P á d u a C e rq i ie i ra ^ "
O projeto de iniciativa popular (PLP n° 518/2009) que altera a
Lei C om plem entar n° 64, de 18 de maio de 1990, para incluir hip ó te­
ses de inelegibilidade que visam proteger a probidade adm inistrativa
e a m oralidade no exercício do m andato, foi aprovado n a C âm ara dos
D eputados, no dia 11 de maio, com a redação proposta pelo D eputado
José Eduardo Cardozo (PT-SP), designado pela Comissão de C ons­
tituição e Justiça e de C idadania (CCJ) para em itir parecer sobre as
em endas de Plenário, e será agora apreciado pelo Senado Federal.
Para m elhor com preensão da polêm ica em to rn o dessa p ro p o s­
ta, faz-se necessário u m relato histórico dos fatos.
Por força do prim eiro precedente no Tribunal Superior Eleitoral
(RO n® 1.069/04) e da C onsulta
1.607/TSE (Procedim ento A d m i­
nistrativo n° 19.919/08), os M inistros Bros Grau, Ari Pargendler, Caputo Bastos e Marcelo Ribeiro entenderam que a matéria “vida pregressa”
somente poderia ser disciplinada p o r lei com plem entar, consoante o
art. 14, § 9°, da C onstituição de 1988, não vingando, assim, a robusta
tese do M inistro Ayres Britto de que o tem a p o deria ser apreciado sob
0 prism a da “condição de elegibihdade im plícita‘“ ^”.
Em que pese o brilhantism o da tese e da diferenciação histórica
entre “inelegibilidade” e “condição de elegibilidade”, o TSE não adotou
o voto revolucionário do M inistro Ayres Britto. Debalde a Associa­
ção de M agistrados Brasileiros ingressou com a ADPF n° 144-DF, já
que a Suprema Corte, p o r maioria, manteve o entendim ento de que
a m atéria “vida pregressa” som ente p o d e ser regulam entada p o r lei
com plem entar.
411 P ro m o to r tie Justiça e Eleitoral e m M in as G erais e V ic e-D ire to r d a Escola Jud iciária Eleitoral d o TSE,
A utor de diversas ob ra s de D ireito Eleitoral, e n tre elas Tratado d e D ireito Eleitoral, 5 to m o s e c o la b o ra ­
d o r da R ádio Justiça em m a té ria d e D ire ito Eleitoral.
412 Por este a sp ecto, s e g u n d o o M in is tro C a rlo s Ayres Britto, a v id a p re g re ssa , c o m o espé c ie d o g ê ­
n e ro “m o r a lid a d e eleitoral", s e ria d e n o m in a d a “c o n d iç ã o d e e le g ib ilid a d e im p lícita ” (TSE - R O n"
i 069/0 4, c o n h e c id o c o m o “C a s o E u ric o M ir a n d a ”), p o r q u a n to n ã o p re v is ta n o ro l ex p lic ito d o art.
14, § 3°, d a C o n s titu iç ã o d e 1988, e s im n o art. 37, p o r in te rp r e ta ç ã o s istem ática.
287
Corolário, a apresentação do projeto de iniciativa popular pelo
M ovimento de Combate à C orrupção Eleitoral (MCCE), que se consti­
tui um a rede com posta de 44 organizações da sociedade civil e que deu
início à “C am panha Ficha Limpa” que recolheu milhares de assinaturas^'^ em todo o País, visando a tão sonhada lei que im pede candidatos
“fichas sujas” de exercerem a cham ada capacidade eleitoral passiva.
A proposta original (PLP n" 518/09) previa a condenação em
prim eira instância ou, conform e o crime, a denúncia recebida p o r
órgão colegiado com o suficientes para im pedir a candidatura a cargos
eleitorais.
C om o defendem os à época, a vita anteacta, com o im peditivo
de u m a candidatura, p o r decorrer do princípio da m oralidade, deve
ter u m “critério objetivo”, jam ais “subjetivo” (sujeito ao “h u m o r” de
prom otores e juizes), em face do “garantismo eleitoral” que deve n o r­
tear as relações jurídicas eleitorais, de que é exem plo-m or o art. 16 da
Constituição.
O “critério objetivo”, a nosso sentir, deve ser, no mínimo, um a con­
denação em segundo grau de jurisdição, jamais condenação em primeira
instância^'\ pois destas cabem recurso ao STJ e STF (ou TSE, se maté­
ria eleitoral), sendo que nestes, além de inexistir efeito suspensivo, não
se rediscute matéria fática, apenas de direito.
Com isso, mais de 90% das condenações em segundo grau são
confirmadas nos Tribunais Superiores e, como tal, a segurança juridica
é consagrada.
Isto é im portante porque o princípio da inocência(artigo 5°, LVII,
C F/ 88) somente se aplica ao Direito (Eleitoral ou C om um ) Criminal e
413 B astariam u m m ilh ã o e tre z e ntas m il assinaturas.
414 N a é p o c a d a Lei C o m p le m e n ta r n* 5 (de 29.04.1970 - D ita d u r a ) , existia prev isão q u e torn ava inelegí­
veis c an d id a to s q u e tivessem d e n ú n c ia rec eb id a p o r c rim e c o n tra a lei d e segu ran ç a nacio nal, co ntra
a a d m in is tra ç ã o pú b lic a etc. (A rt. í», I - São inelegíveis, para q u a lquer cargo eletivo: n) os que ten ha m
sido condenados ou respondam a processo ju dicial, instaurado p o r d en ú n cia do M inistério Público rece­
bida pela a u to ridade ju d iciá ria com petente, p o r crim e contra a segurança nacional e a ord em política e
social, a econom ia popular, a f é pública e a a d m inistração pública, o p a trim ô n io ou pelo direito previsto
no art. 2 2 desta Lei C om plem entar, e nq u a n to não absolvidos ou p e n a lm en te reabilitados) N a é p o c a da
d ita d u ra , s u rg ira m in ú m e ro s pro cesso s eiveis e c rim in a is v is a n d o e xclusivam ente to rn a r inelegíveis
a lg u n s c and idato s, N e sta ép o ca , o TSE, p o r 4 v o to s a 3, d e cla ro u a in c o n stitu c io n alid ad e d a alínea
"n" d e sta Lei C o m p le m e n tar. O STF, c o n tu d o , d e r r u b o u o e n te n d im e n to d o TSE. Todavia, su rgiu a
Lei C o m p le m e n ta r n“ 64/90, n o in c iso I, g, tra ta n d o d a vita anteacta d a pessoa, q u e p o d e ria to rná-la
inelegível. M as c o m a Revisão C on stitu cio n al, so m e n te p o r lei co m p le m e n ta r é q u e p o d e ria h a v e r u m a
re g u la m e n ta çã o d a inelegibilidade d e c o r re n te d e vita anteacta, lei esta q u e p o d e ser a d e iniciativa
popular.
288
não ao Cível-Eleitoral(cf. STF, Recurso Extraordinário 86.297 e TSE,
RO 1069/04). O u seja: se o candidato for im pugnado num a AIRC por
faltar-lhe m oralidade (vida pregressa ou anteacta duvidosa devido à
condenação crim inal por im probidade), este continuará inocente até
prova em contrário. Mas, na linha do Direito Eleitoral Cível, não p o d e­
rá ele se candidatar a cargo eletivo pela falta de requisitos que validem
sua candidatura (alçada à categoria de inelegibilidade preexistente). Por
essa razão, o critério objetivo da m oralidade (na espécie de vita ante­
acta) deve estar previsto em lei complementar, já que garantidor dos
postulados da dignidade de pessoa hum ana e da cidadania.
C om a aprovação do Substitutivo apresentado pelo D eputado
José Eduardo Cardozo, prevaleceu a m elhor técnica jurídica, consubs­
tanciada na “condenação p o r órgão colegiado”, para íins de ser decla­
rada a inelegibilidade. Contudo, a legislação vigente prevê o cabimento
de recurso dessa decisão, o que no entender dos defensores da “Ficha
Limpa” serve tão som ente para adiar a sentença deíinitiva, dada a d e­
m ora para a análise de processos no Judiciário. A solução encontrada
pelo parlam entar foi então estabelecer prioridade para o julgamento
desses processos
A REDAÇÃO APROVADA PELO PLENÁRIO DA C Â M A RA DOS
DEPUTADOS
A principal novidade em relação ao texto elaborado pelo grupo de
trabalho que analisou o tema é a possibilidade de o candidato apresentar
recurso com efeito suspensivo na Justiça onde possui processo pendente,
0 que perm itirá a candidatura na esfera eleitoral, mas, po r outro lado,
exigirá seja conferida prioridade ao julgamento do processo pelo cole­
giado. A negativa ao pedido resultará no cancelamento do registro da
candidatura ou do diploma do eleito.
Explica o D eputado José Eduardo Cardozo que a finalidade do
efeito suspensivo é conciliar o desejo da sociedade de evitar que pessoas
sem “íicha limpa” disputem cargos eletivos com o direito ao contraditó­
rio e à ampla defesa. Assim, é de se concluir que o candidato condenado
em segunda instância p o d erá concorrer, p o r força do disposto no art.
16-A da Lei n<^ 9.504/97, com a redação dada pela Lei n° 12.034/09,
289
m as desde que requeira prioridade no julgam ento do recurso in ter­
posto contra tal decisão. Assim, o candidato processado terá duas o p ­
ções ao recorrer da sentença que o condena em segunda instância; es­
p erar a dem ora do processo e ficar inelegível enquanto seu recurso for
julgado ou p edir o efeito suspensivo para que possa disputar as elei­
ções; porém , no segundo caso, seu processo será julgado mais rapi­
dam ente. Só vai pedir o efeito suspensivo quem acreditar que poderá
ter êxito no tribunal; quem quiser apenas adiar a própria condenação
não vai concorrer. Isto im pedirá que o candidato ardiloso se beneficie
da dem ora da Justiça para concorrer no pleito eleitoral de outubro, eis
que antes havia a necessidade de trânsito em julgado para a suspensão
dos direitos políticos e tam bém para configurar-se a inelegibilidade
prevista n o art. 1°, I, e, da LC n° 64/90. A p a rtir de agora, a inelegi­
bilidade decorrerá da “vida pregressa”, leia-se, condenação p o r órgão
colegiado, p o r 8 (oito) anos, não cabendo falar em ofensa ao princípio
da inocência, que se aplica som ente na esfera penal e não na cíveleleitoral. O u seja: inelegibilidade não se confunde com crime.
O C O N C E ITO “GARANTISTA” DE V IDA PREGRESSA
Evidente que “vida pregressa” rem ete-nos ao exame da conduta
do cidadão durante o exercício do m andato (“conjunto da obra”) como
critério objetivo válido para a condenação em “segunda instância” (leiase, TJ, TJM, TRF ou TRE), quer em face da com petência originária (no
caso de agente com foro por prerrogativa de função, em matéria penal)
quer da competência recursal (na hipótese de im probidade adm inistra­
tiva ou m atéria penal de agentes sem foro privilegiado). Isto é a virtude
aristotélica do “m eio-term o”, pois dota a sociedade de um instrum ento
para im pedir que políticos desviados concorram e ao mesm o tem po
lhes perm ite um a espécie de redenção, a saber:
■
N ível 1. C andidato com condenação a p a rtir de segunda ins­
tância p o r crim e o u im probidade adm inistrativa^'^ Sanções: (i) su s­
pen sã o dos direitos políticos (art. 15, III, CF) enquanto durarem os
415
Im p r o b id a d e A d m in is tra tiv a d e v e c o m p o r o rol d a m o ra lid a d e , n a esp é c ie d e "vita anteacta", p o r ­
q u e te m reflexo p e n al. Já n o s d e m a is caso s d e açõ e s civis p ú b lic a s, e n te n d e m o s que, p o r s e r m a té n a
cível e n ã o c rim in a l o u cível c o m reflexo p e n a l, n ã o p o d e e n s e ja r im p u g n a ç õ e s d e c a n d i d a tu r a s p o r
este p rism a .
290
efeitos da condenação; e (ii) inelegibilidade prevista no art. 1^, I, e,
da lei de iniciativa popular (oito anos após o cum prim ento da p en a
por infrações ali previstas). (Tam bém nestes casos restaria preservado
o princípio da inocência [do direito penal]).
■
Nível 2. C andidato que cum priu toda a pena (ou a teve extinta
pela prescrição ou outra causa prevista em lei) e tam bém o período de
suspensão dos direitos políticos ou inelegibilidade prevista na LC 64/90
p oderá concorrer novamente, um a vez que a Constituição proíbe “pena
de caráter perpétuo” Trata-se, na verdade, de um a oportunidade para o
candidato analisar se o eleitor o perdoou (ou não) dos desvios com eti­
dos no pretérito - redenção.
REGRAS PARA A INELEGIBILIDADE
A redação aprovada pelo Plenário da Câm ara dos D eputados es­
tabelece com o causas de inelegibilidade a condenação pela prática de
crimes dolosos e aqueles de m aior potencial ofensivo, isto é, com pena
de dois anos ou mais; im probidade adm inistrativa; abuso de autorida­
de cuja punição seja a perda do cargo; crimes eleitorais puníveis com
cassação do diplom a ou do registro da candidatura; doações ilegais e o
afastamento p o r sanção disciplinar, no caso de m agistrados e integran­
tes do M inistério Público.
RETROATIVIDADE DA NOVA LEI
Entendem os que a lei não retroagirá sob pen a de violação à coi­
sa julgada (art. 5°y XXXVI, CF). Por outro lado, não há que se falar
em aplicação im ediata da lei aos processos anteriores à sua entrada em
vigor p o r configurar-se ofensa ao princípio da segurança jurídica (art.
5®, caput c/c arts. 16 e 60, § 4°, IV, todos da Constituição - c f ADI n “
3.685-DF, sobre o princípio da segurança jurídica e sua inclusão como
cláusula pétrea). Isto porque não é possível “restrição de direitos políti­
cos” nos processos em curso. Desta forma, o nosso entendim ento é que
a nova lei somente terá aplicação aos feitos que se iniciarem a partir de
sua publicação no Diário Oíicial da União.
O utro ponto controvertido reside em saber se acaso a lei for san­
cionada pelo Presidente da República “até ju n h o de 2010” valerá nas
291
eleições de outubro vindouro, em face do art. 16 da Constituição Fede­
ral (princípio eleitoral da “anualidade e um dia”).
Segundo o MCCE, se a lei for aprovada até o mês de junho, leia-se
antes das convenções partidárias, aplicar-se-á às eleições de 2010, haja
vista que a LC n° 64/90, que materializou as regras para o retorno do
voto direto no Brasil, culm inando com a eleição de Fernando Collor
de Mello, foi declarada constitucional tanto pelo TSE (Consulta n°
11.173/90), quanto pela maioria dos M inistros do STF (ADI n® 354/90),
oportunidade em que ficou assentado que o art. 14, § 9^ da Constitui­
ção não remete ao seu art. 16. Não existindo hierarquia entre norm as
constitucionais, o prim eiro dispositivo (art. 14, § 9°) seria tão somente
um a exceção ao art. 16 da C arta Republicana. A premissa, data venia,
é falsa, pois a LC 64/90 veio apenas m aterializar/regulam entar o artigo
14, §9° da CF/SS**^^, razão pela qual foi aceita a m enos de “um ano e um
dia” do pleito. Isto não significa que doravante toda m udança em inelegibilidades poderá ofender a cláusula pétrea do princípio da segurança
insculpido no artigo 16 da C F/ 88.
O julgamento da ADI
354 foi, sem dúvida, um a espécie de fu n ­
dação para a Casa da Democracia, mas não a pedra angular. Isto porque
a maioria dos M inistros da Corte entendeu o processo eleitoral de for­
m a restrita (o art. 16 da CF proibiria m udança adjetiva/processual, mas
não substantiva/material, diferenciando “direito eleitoral” [art. 22 , 1] de
“processo eleitoral” [art. 16]), enquanto os demais manifestaram um a
com preensão ampla do processo eleitoral, envolvendo alistamento de
eleitores (e habilitação dos partidos na escolha de candidatos), registro
dos candidatos à propaganda, votação e apuração, proclamação e diplomação dos eleitos, e legislação partidária.
Neste sentido, excerto da decisão em que o TSE im pediu m u d an ­
ças na legislação partidária por afronta ao art. 16 da Constituição:
(...) N u m a visão teleológica, historicam ente vinculado à
preocupação de coibir o casuísm o d a história eleitoral,
traduzido em alterações das regras do jogo, de m o d o a
416
“Rejeição pe la m a io ria - v e n cid o s o Relator e o u tro s M in istro s - d a argu iç ã o de in c o n stitu c io n a ü d a d e
d o art. 27 d a Lei C o m p le m e n ta r 64/1990 (Lei de Inelegibilidades) e m face d o art. 16 da CF: p revalência
d a tese, já vito rio sa n o T rib u n a l S u p e rio r Eleitoral, de que, c u id a n d o -se de d ip lo m a exigido pelo art. 14.
) 9", d a C a rta M agna, p a r a c o m p le m e n ta r o r e g im e c o n stitu c io n a l d e inelegibU idades, à sua vigência
im e d ia ta n ã o se p o d e o p o r o art. 16 d a m e sm a C onstituição." (RE 129.392. Rei. M in. Sepúlveda Per­
tence, ju lg a m e n to e m 17-6-1992, Picnário, D J d e 16-4-1993.)
292
adaptá-las, às vésperas de cada pleito, às conveniências
previsíveis da corrente partid ária de sustentação do
regim e autoritário. Disso, data venia, sigo convencido.
Para n ão frustrar a n o rm a constitucional - essencial à
relativa estabilidade d a disciplina jurídica de disputa do
poder, que é da essência do regim e dem ocrático (Bobbio)
- o conceito de processo eleitoral, para os efeitos de gizar
o raio de incidência do art. 16 - p o d e não cobrir toda
m atéria de Direito Eleitoral, mas, p or o utro lado, há de
ir além dele, n a m edida, pelo m enos, e m que do Direito
Eleitoral se exclua o objeto da legislação partidária.
{Proc. n" 12.388, Rei. M in. Sepulveda Pertence).
Como evolução desse pensam ento, o STF, no julgamento da ADI
n° 3.685-DF^^s proposta pela OAB, Armou entendim ento de que o art.
16 da Constituição se configura CLÁUSULA PÉTREA e, portanto, im ­
possível de ser violada p o r em enda constitucional (EC n® 52/06). Im a­
gine-se, então, p o r um a lei complementar.
As principais ADI 's sobre o artigo 16 da CF/88 são:
- A D I 4.307-REF-MC, Rei. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 1111-2009, Plenário, D}E de 5-3-2010
- A D I 4.298-MC, voto do Rei. Min. Cezar Peluso, julgamento em
7-10-2009, Plenário, DJE de 27-11-2009
- A D I 3.741, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6-92006, Plenário, DJ de 23-2-2007
- A D I 3.685, R ei Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-3-2006, Ple­
nário, D f de 10-8'2006
- A D I 3.345 e 3.365, R ei Min. Celso de Mello, julgamento em 25-82005, Plenário, Informativo 398
-A D I 718, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 5-11-1998,
Plenário, DJ de 18-12-1998). No mesmo sentido: A D I 733, Rei. Min. Se­
púlveda Pertence, julgamento em 17-6-1992, Plenário, DJ de 16-6-1995
- A D I 354, Rei. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 24-9-90, DJ
de 22-6-01
4 17
N esta A D I, e m q u e se d iscu tiu a c o n stitu c io n a lid a d e d a EC i r 52/06, q u e alte ro u a re d a çã o d o art. 17
d a C F /8 8 p a ra p ô r fim à verticalização d a s coligações, o STF c o n sa g ro u o e n te n d im e n to de qu e seq u er
e m e n d a c o n stitu cio n al p o d e violar o art. 16 d a C o nstituição , p o r se tra ta r de cláu sula p é tre a - e x ­
pressão d o p rin c íp io d a s e g u ran ç a ju ríd ic a d o art. 5“, cap ut, logo, v ed aç ã o m a te ria l explícita ao p o d e r
co n stitu in te d e riv a d o refo rm ad o r, c o n fo rm e art. 60, § 4", IV d a CK P o r força desse e n te n d im e n to , a
v erticalização d a s coligações foi m a n tid a nas eleições d e 2Ü06 e s o m e n te d e sa p a re ce rá nas eleições de
201 0 .
C o n fe rir ou tra s A D I 's sobre o artig o 16 da CF/88:
293
Im portante destacar que o M inistro Ricardo Lewandowski, na
ADI 3345 (Rei. Min. Celso de Melo), muito bem relem brou o conceito
de “processo eleitoral”(art. 16 da CF/ 88) definido pelo plenário STF:
“N aquele julgam ento, adem ais, o Suprem o Tribunal
Federal estabeleceu que só se po de cogitar de
com p ro m etim en to do princípio d a anterioridade,
q u an d o ocorrer:
1) o ro m pim ento da igualdade de participação dos
partidos políticos e dos respectivos candidatos no
processo eleitoral;
2) a criação de deform ação que afete a n orm alidade das
eleições;
3) a in trod ução de fator de p ertu rbação do pleito; ou
4) a prom o ção de alteração m otivada p o r propósito
casuístico”.
Entendemos, assim, que a disciplina da “vida pregressa” deve
respeitar o art. 16 da Constituição, até porque mudanças no processo
eleitoral às portas da eleição, ainda que com bons motivos, ainda que
diante de um forte apelo popular(o que afasta “propósito casuístico” da
nova lei mas não afasta o “rom pim ento da igualdade de participação de
partidos e candidatos no pleito eleitoral”), viola os fundam entos Repu­
blicanos pela adoção da teoria maquiavélica de que “os fins justificam
os meios”. M udar as regras do jogo no meio do campeonato, ainda que
haja motivação suficiente, não deixa de ser casuísmo com batido pelo
Constituinte de 1988 (“casuísmo do bem”) com a criação do art. 16 da
C F / 88.
Portanto, é preciso obtemperar a discussão. Não podem os nos
perverter pelo intelectualismo de superfície, colocando acima da Carta
Republicana o rigorismo aparente ou adotar a m áxim a de que os fins
justificam os meios.
Não podem os tratar os m em bros do Parlamento com o verdugos,
porque a evolução de um a sociedade não se faz às pressas ou p o r cima
de valores, mas sim cultivando nos corações hum anos a necessidade de
mudança. O tem po golpeará as tradições, o alvião do progresso m o ­
dificará a paisagem e as transformações políticas gradativas e serenas
renovarão a vida intelectual do eleitor.
Assim, não resta dúvida de que aceitar a luta é necessário, mas
294
sem olvidar que construir o diálogo da harm onia e do equilíbrio é sem ­
pre melhor. Agradar a todos é m archar p o r u m cam inho largo, onde se
esconde a m entira das convenções. Do contrário, no que nos diferen­
ciaríamos daqueles que criticamos com veemência? Com o criticar o
“casuísmo do mal” se aceitarmos o “do bem ” ? Por isto a necessidade do
respeito ao prim ado da lei e da ordem (art. 16 da CF), guiando-nos por
cam inhos objetivos e perenes.
Vale aíirmar, p o r derradeiro, de que servirá as longas discussões
públicas inçadas de discórdias e aflições ? À evidência, ao final de to ­
das elas, restaria motivos para separatividade e odiosas dissensões, em
extremo prejuízo à sociedade, já que um a im portante lei de iniciativa
popular poderia se perder em discussões odiosas.
295
296
CAPTAÇÃO ILÍCITA DE ARRECADAÇÃO E GASTOS. ANÁLISE
DO ART. 30-A DA LEI ELEITORAL
W a lb e r d e M oura Agra""
ORIGEM DO ARTIGO 30-A
O art. 30-A foi inserido na legislação eleitoral pela Lei n.“
11.300/2006. Ele surgiu diante do clamor da sociedade p o r in stru m en ­
tos jurídicos que pudessem atacar o problem a de “caixa dois de cam pa­
nha”. T inha a seguinte redação: “Q ualquer partido político ou coligação
poderá representar à justiça eleitoral, relatando fatos e indicando p ro ­
vas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em
desacordo com as norm as desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de
recursos.”
Posteriormente, a Lei 12.034/2009 alterou o art. 30-A, lim itan­
do a extensão de sua im petração para até quinze dias da diplomação:
“Q ualquer partido político ou coligação poderá representar à justiça
eleitoral, no prazo de quinze dias da diplomação, relatando fatos e in ­
dicando provas, e p edir a abertura de investigação judicial para apurar
condutas em desacordo com as norm as desta Lei, relativas à arrecada­
ção e gastos de recursos.”
O que a alteração de 2006 almejou criar foi um a representação
sem prazo determ inado para seu ajuizamento, im pedindo a diplom a­
ção ou ensejando a cassação.'*'^ Seu intento principal constituiu-se em
ser um instrum ento de punição para quando a evidenciação de afronta
418 M estre pela U FPE , D o u to r pela U F P E /U n iv e rsitá degli Studi d l Firenze; P ó s -D o u to r pela U niversité
M o n te s q u ie u B ordeaux IV; V isiting R esearch Scholar o f C a r d o z o Law School- Professor V isitante da
U niversita degli Studi d i Lecce; P ro fessor V isitante d a U niversité M o n te s q u ie u B ord e au x IV; D ire to r
d o IBEC - In stitu to B rasileiro d e E stu d o s C on stitu cion ais; M e m b r o C o rre s p o n d e n te d o C E R D R A D I
- C e n tre d 'E tud es et d e Rech erch es s u r les D ro its A fricains et su r le D é v elo p p e m e n t In s titu tio n n el des
Pays e n D é v elop pe m e nt. Professor d a U n iv e rsid ad e C ató lica d e P e rn a m b u c o . P r o c u r a d o r d o Estado
d a P e rn a m b u c o . A dvogado. C o n se lh e iro Seccional d a O A B/PE. P resid ente d a C o m is sã o d e D ireito
E leitoral d a OA B/PE.
419 A re p re sen ta ç ã o é cabível p a ra p re serv aç ã o da c o m p e tê n c ia e g a ra n tia da a u to rid a d e das decisões elei­
torais. JA R D IM , Torq u arto . D ireito Eleitoral Positivo. 2 ed., Brasília: Brasília Jurídica, 1998. P I 88.
297
as regras vigentes de arrecadação e gastos ocorresse tem po depois da
eleição, quando os prazos para as ações e recursos eleitorais já tivessem
sido exauridos. A modificação im plem entada pela Lei 12.034 impediu
que essa representação fosse intentada a qualquer mom ento, im pondo
um lapso tem poral intransponível de quinze dias.
Parte da doutrina já vinha reclamando a instituição de um ter­
m o determ inado para a im petração dessa ação específica. Agora, com
a nova redação desse dispositivo, estabeleceu-se prazo decadencial de
quinze dias, contados da diplomação - o mesm o prazo decadencial
para a ação de im pugnação de m andato eletivo (AIME). Nesse sentido,
com a inclusão no dispositivo de prazo para propositura da Represen­
tação, todas as discussões a respeito do tem a restaram sepultadas.
Tal modificação vai exigir dos participantes do pleito eleitoral uma
m aior acuidade na fiscalização das eleições, dem andando que a constata­
ção de acintes a lisura da arrecadação e gastos seja evidenciada em tempo
hábil, caso contrário, opera-se o prazo decadencial Pode-se objetar que
as evidências de utilização de “caixa dois”, por exemplo, auferidas em um
lapso mais longo, deixará os infratores sem nenhum a punição na seara
eleitoral. Isto é um a verdade. Todavia, a segurança jurídica é um dos p i­
lares do Direito, e o resultado da eleição não pode ser enodoado por sus­
peitas ad infinitum da ocorrência de condutas ilícitas de financiamento."'^®
Alguns doutrinadores vociferam contra a inclusão do citado ar­
tigo e tam bém contra sua modificação. Joel Cândido afirma que a sua
criação fora inútil, haja vista ainda ser aplicável o art. 22 da Lei da Inelegibilidades.^^* Já Alexandre Luis M endonça Rollo critica sua m odifi­
cação, asseverando que houve a m era repetição de instrum ento idên­
tico, dispondo o ordenam ento jurídico de instrum ento para coibir tais
práticas.'’^^ Pode-se, de form a hipotética, argum entar que o prazo para a
implementação dessa representação poderia ser mais elástico, contudo,
não é de bom alvitre deixar um fato jurídico passível de im pugnação
por tem po indeterm inado, m orm ente quando ele é consectário de uma
expressão da soberania popular.
420 A G RA , W alb er d e M o u ra & CA VA LCA N TI. Franci.'>co Q u e iro z . C om entários à N ova Lei Eleitoral. Rio
d e Janeiro; Forense, 2010. P. 48.
421 C Â N D ID O . José )oel. D írrífo £/fiío ra/fim si/eíro . 13 ed., B auru: Bdipro, 2008. R468.
422 lo ã ü F e r n a n d o C arv alh o . R O LLO . A lb e rto (O rg .). “D e sv io s n a A rre c a d a ç ã o e n o s G a sto s d e R e c u r­
sos nas C a m p a n h a s E leitorais - a R ep res e n ta ç ã o d o art. 3 0-A . São Paulo; A tlas, 2010. R 120.
298
QUESTÕES PROCESSUAIS
Sua taxionomia é de um a ação de conhecimento, cujo nome ju rí­
dico é representação ou reclamação. Ela não pode ser classificada como
uma prestação jurisdicional de natureza penal, haja vista não produzir
os efeitos apanágios dessa seara. Configura-se com o uma ação de natu­
reza cível, modulando-se pelos procedimentos inerentes a Lei 64/90 e
ao Código de Processo Civil.
O stenta partido político, legalm ente constituído, ou coligação,
a prerrogativa de apresentar à Justiça Eleitoral, no prazo perem ptório
de quinze dias da diplomação, com a especificação dos fatos e a in d i­
cação das provas, a abertura de investigação judicial para apurar con­
dutas em desacordo com as norm as relativas à arrecadação e gastos de
recursos eleitorais (art. 30-A, caput, da Lei 9.504/97).
C om o falou-se anteriorm ente, a legitimidade ativa para se en­
trar com a Representação pertence ao partido político ou a coligação.
Excluiu-se dessa prerrogativa os candidatos e os cidadãos, não se p o ­
dendo dar interpretação extensiva para incluí-los. Restringiu-se essa le­
gitimação porque, teoricamente, os partidos e as coligações dispõem de
maiores condições de analisar as prestações de contas dos candidatos
de form a abrangente, identificando possíveis infrações.
O M inistério Público, mesm o sem indicação legal, possui ta m ­
bém legitimidade, em razão de que se encontra em seu m ister velar
pela ordem jurídica e pelo regime dem ocrático, sendo essas atribuições
com inações constitucionais que não podem ser mitigadas p o r m an d a­
mentos infraconstitucionais.
A sua esfera de incidência abrange a arrecadação e gastos prove­
nientes da cam panha eleitoral, descartando todas as demais matérias
fáticas. M esmo assim, seu alcance se configura bastante amplo, atin­
gindo toda a arrecadação, em suas múltiplas formas, e todos os gastos,
nas mais variadas modalidades. Entrelaça-se, umbilicalmente, com o o
financiamento das cam panhas eleitorais, tem a que sucinta amplos de­
bates em todo o mundo.
Sua finalidade é im pedir a utilização de meios que possam desnivelar os candidatos em disputa, privilegiando uns em detrim ento de
outros, ou seja, o caixa dois. A arrecadação e gasto de cam panha se re­
velam no ponto fulcral do Direito Eleitoral, sendo essa Representação
299
mais um a possibilidade de velar pela lisura dos pleitos. Todavia, se o
intento se configura em acabar realmente com o caixa dois, de m elhor
alvitre é estabelecer o financiamento público com o única form a de fi­
nanciam ento eleitoral, expungindo definitivamente fontes escusas de
financiamento.
A conduta praticada em desacordo com a Lei Eleitoral deve ser
dolosa, com a firme e deliberada vontade de infringir os parâm etros
legais estabelecidos. As condutas culposas não tipificam o acinte n arra­
do, pois foge do tipo delineado norm ativam ente. Se de form a clara, não
houve intenção de realizar a conduta, em razão de escusa substancial,
não se pode aplicar a reprim enda prevista por ausência de tipificação.
Zaffaroni e Perangeli lecionam que dolo é um a vontade individu­
alizada em tipo, que obriga o reconhecim ento de sua estrutura em dois
aspectos: o reconhecim ento pressuposto ao querer e o próprio querer.""^^ Dessa forma, o dolo é a vontade consciente e direcionado a reali­
zar a conduta prevista no tipo, de form a livre e consciente. Se as provas
acarreadas aos autos não certificarem que esse dolo realmente existiu,
traduzido na vontade consciente de burlar as com inaçôes inerentes a
arrecadação e gastos de cam panha, não se pode tipificar a com inaçào
do art. 30-A do Código Eleitoral.
A captação ilícita de arrecadação e gastos eleitorais é um crime
próprio, pois apenas pode ser realizado pelo candidato ou por pessoa por
ele designada, o adm inistrador financeiro (art. 20 da Lei n. 9.504/97).
Ambos são solidariamente responsáveis pela veracidade das informações
financeiras e contábeis da cam panha (art. 21 da Lei n. 9.504/97). N enhu­
m a outra pessoa pode realizar a conduta tipificada porque carece de pre­
visão legal. Se outra pessoa se responsabilizar por tais atos, não pode ser
ela im putada em razão da ausência de previsão legal.
Todavia, mesm o a conduta podendo ser realizada pelo candida­
to ou pelo adm inistrador por ele determ inado, a sanção apenas inci­
de contra aquele que disputa o pleito eleitoral. Assim, a sanção do art.
30-A apenas com ina o candidato, podendo o adm inistrador financeiro
ser tipificado em outras condutas do Código Eleitoral ou do Código
Penal.
423
Zaffaroni e Pierangeü. M a n u a l de Direito P enal Brasileiro. Parte G eral São Paulo:
P. 481.
300
dos Tribunais,
Podem ser im petradas as Representações do art. 30-A contra can­
didatos, desde que sejam intentadas antes da diplomação, contra candi­
datos eleitos ou suplentes. Teoricamente o prazo é até quinze dias após
a diplomação, contudo, não há nen h u m im pedim ento que ela ocorra
antes da eleição.
A possibilidade de ela ser oferecida contra suplentes baseia-se
no fato de que eles podem entrar com a referida ação contra o can­
didato eleito, assum indo o posto, caso sua dem anda obtenha sucesso,
mesm o tendo com etido infrações mais graves a regulamentação de fi­
nanciam ento de cam panhas eleitorais. Se não se pudesse entrar contra
suplentes, eles poderiam utilizar de caixa dois e, posteriorm ente, tentar
im pugnar o m andato dos candidatos eleitos.
A com petência para o exame dessas representações é determ ina­
do consonante a esfera de abrangência dos órgãos eleitorais. Será c o m ­
petente o juiz eleitoral para as infrações nos pleitos municipais; os Tri­
bunais Regionais Eleitorais nas eleições estaduais; e o Tribunal Superior
Eleitoral, nas eleições nacionais.
C om provando-se a captação ou gastos ilícitos de recursos para
fins eleitorais, atestando-se sua gravidade a norm alidade do pleito
eleitoral, com inou-se a sanção de negação do pedido de diplom a ou
sua cassação, se já houver sido outorgado (art. 30-A, § 2®, da LE).
Dantes não havia a possibilidade de im posição de pena de inelegibilidade porque tanto a criação quanto a alteração do art. 30-A
tin h am sido realizados p o r leis ordinárias e a aplicação desta rep ri­
m enda apenas pode ser im putada p o r lei complementar.^'^ C om a
prom ulgação da “Lei Ficha Limpa”, Lei C om plem entar n “ 135/2010,
os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou profe­
rida p o r órgão colegiado da Justiça Eleitoral, p o r corrupção eleitoral,
po r captação ilícita de sufrágio, p o r doação, captação ou gastos ilícitos
de recursos de cam panha ou p o r conduta vedada aos agentes públicos
em cam panhas eleitorais que im pliquem cassação do registro ou do
diploma, serão inelegíveis pelos próxim os oito anos a contar da elei­
ção.
Assim, com a prom ulgação da “Lei Ficha Limpa” a sanção se
configura na perda do registro ou a cassação do diplom a, bem como
424
T O Z Z I, Leonel. Direito Eleitoral. Aspectos Práticos. 2 ed., P o rto Alegre; V erb o Jurídico, 2006. P. 15.
301
a condenação de inelegibilidade pelo prazo de oito anos a contar da
eleição em que houve constatação de captação ilícita de arrecadação e
gasto de cam panha.
Até a im plem entação da lei n° 12.034/2009, o prazo para a interposição dos recursos nas ações ajuizadas com base no art. 30-A da Lei
9.504/97 era de vinte e quatro horas, nos term os do art. 96, § 8°, des­
ta m esm a Lei/^^ Seguia o rito sólito das Representações, sem nenhum
prazo diferenciado. Agora, o interstício é aum entado para três dias.
C om essa determ inação legal, paciíicou-se o entendim ento de
que 0 processo de prestação de contas tem índole jurídica, sem que se
possa im putar que ela se caracteriza com o u m processo de natureza
administrativa. Com o a modificação norm ativa expressa que o prazo
recursal é de três dias, a contar da publicação no Diário Oficial, conclui-se que essa decisão é um ato jurídico, pois apenas de um a decisão
judicial pode-se im petrar recurso.
C om fundam ento no art. 30-A não é possível a propositura de
recurso contra expedição de diplom a porque as hipóteses de cabimento
não incluem arrecadação e gastos eleitorais, sendo a possibilidade de
im petração numerus clausus, o que im pede o elatério de suas hipóteses
p o r via doutrinária ou adm inistrativa.“^^ C ontudo, p o r meio de altera­
ção legislativa, o recurso contra expedição de diplom a pode ser im pe­
trado no caso de captação ilícita de sufrágio.
A representação do art. 30-A não pode ser confundida com a
ação de investigação judicial eleitoral. Ambas apenas apresentam com
similaridade o rito descrito na Lei C om plem entar n. 64/90. Q uanto as
diferenças elas são muitas, como, p o r exemplo, a legitimidade ativa, as
hipóteses de incidência, a sanção, a tipificação etc.
425 A gR -A l - A gravo R eg im en tal e m A gravo d e In s tru m e n to n “ 11957 - são )o ão batista/SC ; R elalor(a)
M in . A L D IR G U IM A R Ã E S PA SS A R IN H O J U N I O R ; A c ó rd ã o de 27/04/2010.
426 B A RR ETTO , Lauro. D as Representações no Direito Processual Eleitoral. São Paulo: E dipro, 2006. P. 119.
427 A rt. 262. O re c u rs o c o n tra e x pediçã o d e d ip lo m a c a b e rá s o m e n te n o s segu in tes casos: I - inelegi­
bilid ade o u in c o m p a tib ilid a d e d e c a n d id ato ; II - e rrô n e a in te rp re ta ç ã o d a lei q u a n to à aplicação d o
s istem a d e re p re sen ta ç ã o p ro p o rcio n a l; III - e rro d e d ire ito o u d e fato n a a p u ra ç ã o final, q u a n to ã
d e te rm in a ç ã o d o q uo c ie n te eleitoral o u p a rtid á rio , c o n ta g e m d e vo to s e classificação d e can d id ato , ou
a sua co n te m p la çã o so b d e te rm in a d a legenda; IV - c on ce ssã o o u de n eg a ç ã o do d ip lo m a em m an ifesta
c o n tra d iç ã o c o m a p ro v a dos autos, nas h ip óteses d o art. 222 d e sta Lei, e d o art. 41-A d a Lei n^ 9.504,
d e 30 d e se te m b ro de 1997. (Redação dada pela Lei n 9,840, de 28.9.1999)
302
PR O PO RC IO N A LID A D E E AS SANÇÕES PREVISTAS N O ART.
ART. 30-A
Q ualquer acinte as disposições contidas na Lei 9.504/1997 é su­
ficiente para aplicação da reprim enda prevista no art. 30-A? A rejeição
de contas, p o r si só, representa motivo para evidenciar conduta que m a­
cule os dispositivos norm ativos sobre arrecadação e gastos eleitorais?
Parte-se do pressuposto que não é qualquer mácula as norm atizações que regulam entam a arrecadação e gastos eleitorais ou a mera
rejeição de contas que cerceiam a representação auferida pelo voto p o ­
pular. Constitui-se em presunção jwn '5 tantum, que necessita ser depre­
endida dentro do contexto ao qual estar inserida.
Resta clarividente que na hipótese de descum prim ento das regras
acerca da arrecadação e gastos eleitorais, outras infrações podem ser
configuradas, com o captação ilícita de sufrágio, abuso de poder eco­
nôm ico e político, rejeição das contas, perda do fundo partidário, etc.
Contudo, a sanção prevista no artigo ora analisado apenas perm ite que
a imposição do im pedim ento ao recebimento do diplom a ou sua cassa­
ção, bem com o a declaração de inelegibilidade.
Portanto, dentro de um a análise sistêmica, qualquer um a das
sanções m encionadas somente pode ser aplicada se houver antes um
prévio juízo de proporcionalidade, analisando-se se a m ácula praticada
enseja, de foram racional, a imposição de um a dessas duas medidas
extremadas.
O princípio da proporcionalidade, na terminologia alemã, ou p rin ­
cípio da razoabilidade, na terminologia anglo-americana, exerce uma
im portante função no sentido de limitar os direitos fundamentais. Ele é
um instrum ento imprescindível para a aplicação dos direitos fundam en­
tais diante de casos concretos. Originariamente utilizado no Direito Ad­
ministrativo, foi trasladado para o Direito Constitucional e obteve gran­
de desenvolvimento principalmente na Alemanha, pela jurisprudência
do Tribunal Constitucional alemão. De uma forma bastante sintética po­
demos defini-lo como um princípio que tem o objetivo de evitar o excesso.
428
N este m e sm o sen tid o é o p o s ic io n a m e n to dc lo à o 1-crnando Ciarvalho. R O I.l.ü , A lb e rto (O rg .), "lUeições n o D ire ito B rasileiro ”. In: A n á lise c ju lg a m e n to d a s P resta çõ e s d e C o n ta s. Sãu Paulo: Atlas,
2010. F. 114.
303
impedindo a desproporção entre os meios e os fins a serem alcançados/^^
Para tanto, parte-se de três elementos básicos: o objetivo almejado deve
ser condizente com a ordem constitucional e moralmente defensável; os
meios escolhidos devem ser adequados para a execução do objeto, pro­
porcionando um a simetria entre ele e os meios para sua consecução; e
a situação fática deve favorecer o objetivo previsto, ou seja, a realidade e
as circunstâncias que cercam o objeto devem justificar a sua escolha e os
meios de sua execução.'*^*^
Não se pode perder o axioma que o principal ator do processo
eleitoral é o povo, e que a intervenção das decisões do Poder Judiciário
têm o fator teleológico claro e transparente de assegurar lisura aos plei­
tos, im pedindo afrontas a isonomia que deve perm ear a relação entre
os candidatos. A soberania popular se configura com o o néctar de le­
gitimidade do regime democrático, obrigando que as decisões judiciais
se atenham a esse esquadro normativo. Torná-la ancilla de decisões
judiciais, muitas vezes praeter e contra legem, significa relegar o m ar­
co norm ativo vigente, tornado as decisões populares subordinadas as
decisões judiciais.
O im pedim ento de recebimento do diplom a ou sua cassação ape­
nas pode ser aplicado se o acinte realizado, às regras de arrecadação e
gastos eleitorais, for suficiente para m acular o processo eleitoral, im pe­
dindo o livre pronunciam ento da vontade popular. Infrações de m enor
monta, que não provocaram alterações no processo eleitoral não pode
ensejar a reprim enda analisada, sob pena, do Poder Judiciário se tornar
o oráculo da vontade popular.
Para o deferimento da Representação do art. 30-A não há ne­
cessidade de ser comprovada a potencialidade l e s i v a , o u seja, pouco
im porta se o resultado da captação ilícita ou gasto influiu ou não no
resultado da eleição.^^^ Contudo, a lesão a captação ilícita de arrecada­
ção e gastos não pode ser u m a infração de bagatela, um a quantidade
429 G U E R R A FILH O , W illis Santiago. “P rincípio d a p ro p o rc io n a lid a d e e te o ria d o direito”. In: Direito
constitucional - Estudos e m hom ena gem a Paulo Bonavides. São Paulo: M alheiros, 2001. P. 111.
430 A G RA , W alb er d e M o u ra . C u rs o d e D ireito C o n stitu cio n al. 6 ed., Rio d e Janeiro; E d ito ra Forense,
2010. P. 210.
431 O ex am e d a p o te n c ialid ad e n ã o se v in c u la ao re su lta d o q u a n tita tiv o das eleições. R C E D n" 69 8 /T O , de
m in h a relatoria, Dfe d e 12.8.2009.
432 D E L G A D O , José A ugusto. A Ç À O D E IN V E S T IG A Ç Ã O JU D IC IA L EL EITO R A L RELATIVA A AR­
R E C A D A Ç Ã O D E C A M P A N H A . ART. 30 DA LEI 9.504/97. A rtig o a ser p ub lic a d o e m livro coletivo
d a OAB.
304
insuficiente de dinheiro não pode ensejar a reprim enda devida. H á n e­
cessidade de se provar que houve um acinte profundo as regras basila­
res do financiamento eleitoral, m ontando-se um a estrutura paralela de
caixa dois.
Diante da necessidade da utilização do princípio da proporciona­
lidade, utilizando-a em topois específicos, a rejeição de contas de candi­
dato ou comitê financeiro não é requisito inexorável para a aplicação da
sanção descrita no art. 30-A.
Rejeitadas as contas, urge perscrutar quais os motivos que leva­
ram a tal decisão, sem que, de form a imediata tenha que aplicar a san­
ção prevista no art. 30-A. A pena im plem entada tem que se ater ao
conteúdo do princípio da proporcionalidade, ponderando se as infra­
ções cometidas são suficientes para o cerceamento do recebimento do
diplom a ou sua cassação.
Nesse diapasão é que foram acrescentados, pela Lei n. 12.034/2009,
nos §§ 2° e 2®-A do art. 30 da Lei n. 9.504/97 o seguinte conteúdo, que,
sob o prism a do dogm atism o positivista, agasalha o que fora dito antes.
Os dois m encionados parágrafos afirm am que erros formais e m ate­
riais corrigidos não autorizam a rejeição e a com inação de sanção a
candidato ou partido; e que erros formais ou materiais irrelevantes no
conjunto da prestação de contas, que não com prom etam seu resultado,
não acarretarão a rejeição de contas.
Inexiste im pedim ento normativo para que u m a prestação de con­
tas seja rejeitada pela inobservância de determ inados aspectos formais
descritos em lei. No entanto, tais acintes, de m aneira tópica, sem a densificação de outras circunstâncias, não serve de suporte lógico para a
aplicação das sanções descritas no art. 30-A. Estes fatos serão apenas
idôneos para provocar a punição consectária se elas forem suficientes
para desequilibrar o processo eleitoral, norm alm ente ensejando o abu­
so do p o d er econôm ico ou político.
Por hipótese alguma, a perda do registro ou a cassação do diplo­
m a pode ocorrer pelo desrespeito de aspectos m eram ente formais ou
fato de somenos im portância. Uma coisa é o recebimento de recursos
de órgão ou instituição im pedida de doar, outra é o recebimento de
um a pequena quantia sem que se tenha providenciado o recibo eleito­
ral correspondente.
305
Em sentido contrário, se as contas forem aprovadas há prova
et de juris de im pedim ento a confecção da Representação do Art. 30-A?
De form a inexorável não. A aprovação de contas não serve de pressu­
posto negativo, p o r impossibilidade jurídica do pedido, para a realiza­
ção da ação. A sua conseqüência é que o autor da Representação deve
apresentar provas contundentes que não foram devidamente analisadas
na análise da prestação de contas, ou seja, o escorço probatório deve ser
obrigatoriam ente bastante plausível p ara forcejar o prosseguimento do
pedido.
Inexiste óbice para que a Representação do art. 30-A possa ser
aplicada durante o pleito, sem que as contas de cam panha tenham sido
julgadas. Não há problem a algum, contudo, o autor da Representação
terá o ônus de m elhor fundam entar seu pedido, sob pena de indefe­
rim ento da inicial, por ausência de material probatório m ínim o (art.
282, VI, do Código de Processo Civil). A vantagem de se im petrá-la
depois da prestação de contas é que o seu autor terá a disposição todo
0 trabalho técnico realizado pela Justiça Eleitoral, podendo, a partir das
informações recebidas, m elhor fundam entar a im pugnação intentada.
Se essa análise for considerada imprescindível, o prazo fatal para o seu
julgamento é de até oito dias antes da diplomação (art. Art. 30, § V da
Lei 9507/97).
PR O C ED IM EN TO D O ART. 22 DA LEI COM PLEM ENTAR 64/90
A Representação de captação ilícita de arrecadação e gastos elei­
torais segue o rito do art. 22, da Lei C om plem entar 64/90, naquilo que
couber, ou seja, adequando-se as suas íinalidades específicas. Nesse sen­
tido, a principal diferença era que antes da promulgação da Lei Ficha
Limpa não havia a imposição da sanção de inelegibilidade. Atualmente,
h á inelegibilidade de oito anos.
Permite-se a formação de litisconsórcio passivo facultativo q u an ­
do houver candidatos ou cidadãos que se encontrem nas mesm as h i­
póteses de cabimento dessa ação, em virtude de condutas conexas,
ensejando economia processual e celeridade no desenrolar da lide.
Necessita-se da formação de litisconsórcio ativo necessário em toda a
Representação em razão do art. 30-A para que o partido político ao
306
qual pertença o candidato possa se defender, tendo em vista o gravame
que o ameaça.
A Representação contra captação ilícita de arrecadação e gastos
de cam panha obriga a formação de litisconsórcio necessário passivo
entre o representante e o partido político do qual faça parte, em razão
dos gravames perpetrados a ambos. M esmo supondo que não houve
prejuízo na representação do sistema proporcional, inconteste resta a
perda de m andato de seu correligionário, o que prejudica os interesses
partidários.
Quando ela se direcionar contra conduta do Chefe do Executivo,
consonante orientação do Tribunal Superior Eleitoral, tom a-se obriga­
tório que seu vice seja cham ado a participar e a se defender de todos
os atos processuais, não se tratando mais de uma relação subordinada
entre o mandatário do Executivo e seu respectivo vice/^^ Dessa forma,
houve modificação da jurisprudência que anteriormente estava conso­
lidada no TSE que não exigia a citação do vice para participar no pro­
cesso como litisconsórcio.
N a Representação contra Chefes do Executivo, há necessidade
de citação de seu vice respectivo, sob pena de se m acular o devido
processo legal, o contraditório e a ampla defesa de forma irremediável.
M esmo que a formação da chapa seja indivisível, no exercício de suas
atribuições funcionais, o vice tem am pla autonomia para o desem pe­
nho de suas atividades, podendo responder ou não em conjunto com o
Chefe do Executivo, dependendo da conduta que lhe é imputada. Nesse
caso, a exigência de litisconsórcio passivo não decorre de lei, mas de
natureza jurídica de direito material.
Q uem ocupa as mesmas atribuições de relator é o Corregedor
Eleitoral, velando para que o processo tenha o rito adequado para seu
deslinde. Em âmbito municipal, o Juiz Eleitoral competente exerce todas
as funções atribuídas ao Corregedor, cabendo ao representante do M i­
nistério Público Eleitoral as atribuições deferidas ao Procurador-Geral
e ao Procurador Regional Eleitoral (art. 24 da LI). Na esfera estadual, tal
função é exercida pelo Corregedor Regional e, em âmbito federal, pelo
Corregedor-Geral.
O Corregedor Eleitoral ou o Juiz de Direito, ao despachar a ini­
cial, notificará o representando do conteúdo da petição, entregando-lhe
307
segunda via, para que ofereça defesa no prazo devido, com a juntada
de docum entos e rol de testemunhas. A petição inicial será indeferida
quando não houver tipificação de conduta ilícita ou quando lhe faltar
algum requisito considerado essencial pelos arts. 282 e seguintes do
Código de Processo Civil. Exige-se que ela seja subscrita p o r advogado
devidamente habilitado.
A oportunidade para requerim ento de produção probatória para
o im petrante se concentra na petição inicial; não sendo ela requeri­
da nesse m om ento processual, não pode, posteriorm ente, ser deferi­
da. Correlatamente, a oportunidade para o réu requerer sua produção
probatória se concentra na contestação à petição inicial, não podendo
ser deferido posteriorm ente. Nos dois casos, o instituto da preclusão
im pede a apresentação de provas em outra oportunidade.
Se para a comprovação dos fatos alegados na inicial houver ne­
cessidade de docum entos em poder de terceiros, há necessidade que
na petição inicial seja indicada quais são esses docum entos, seu nexo
de causalidade com os fatos narrados e com quem eles se encontram,
pedindo sua apreensão para que sejam anexados aos autos.
Permite-se a concessão de lim inar para a suspensão do ato que
deu motivo à representação quando for relevante o fundam ento, e do
ato im pugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julga­
do procedente. Convém ao magistrado eleitoral verificar atentamente
os dados circundantes do processo, para apenas conceder a liminar se se
convencer da verossimilhança das alegações, constatar o relevante fu n ­
dam ento alegado e atestar a possibilidade de dano irreparável. Exemplo
claro é o Juiz Eleitoral conceder lim inar para sustar distribuição de m a­
terial de construção por parte de candidato em época eleitoral.
Esse pedido de lim inar não se destina a antecipar o mérito, ele
apresenta natureza acauteladora, n a m edida em que se destina a im pe­
d ir a consecução de determ inadas práticas que m aculem a liberdade de
escolha do cidadão. De form a alguma se antecipam os efeitos da sen­
tença, com o o cancelamento do registro de candidatura e a decretação
da inelegibilidade.
Indeferindo o corregedor a inicial ou retardando-lhe solução, o
interessado pode renová-la perante o Tribunal, que decide no prazo
de vinte e quatro horas. Persistindo ainda a situação de irregularidade,
pode-se levar a dem anda ao conhecim ento do Tribunal Superior Elei­
308
toral para que as medidas necessárias sejam tomadas. Atente-se que
inexiste recurso se a petição inicial for indeferida, p odendo o requeren­
te im petrá-la novam ente perante a instância superior/^^
O prazo para apresentação da contestação é de cinco dias. Toda
a matéria pertinente à defesa deve ser apresentada nesse momento pro­
cessual, inclusive o rol de testemunhas, sob pena de preclusão, não
podendo ser posteriormente requerida/^^
A inquirição de testemunhas arroladas pelo representante e pelo
representado é realizada no prazo de cinco dias, até um m áximo de
seis testemunhas, que comparecerão independentemente de intimação.
Primeiro, serão ouvidas as testemunhas de acusação, e posteriormente
as de defesa.
Após a oitiva das testemunhas, no prazo de três dias, o corregedor
pode proceder a todas as diligências que determinar, ex officio ou a reque­
rim ento das partes. Dentro dessas diligências, inclui-se a possibilidade
de ouvir terceiros referidos pelas partes ou testemunhas que conheçam
os fatos e as circunstâncias que possam influir na decisão do feito. A lei
lhe possibilita, ainda, a requisição de docum entos em poder de terceiros.
Realizando-se as diligências, as partes e o M inistério Público
podem apresentar as alegações finais no prazo com um de dois dias.
Term inada essa etapa, os autos seguem conclusos para o corregedor
apresentar seu relatório sobre os dados apurados. O relatório deve ser
assentado no prazo de três dias e os autos encam inhados ao Tribunal
competente, no dia imediato, com pedido de inclusão incontinenti do
feito em pauta. Chegando ao Tribunal, o Procurador-G eral ou Regional
Eleitoral terá vista dos autos por quarenta e oito horas para se p ro n u n ­
ciar sobre as imputações e conclusões do relatório.
Se a ação de investigação judicial eleitoral for julgada proceden­
te, o órgão com petente da Justiça Eleitoral declarará a inelegibilidade
do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato,
aplicando-lhes as sanções:
a)
decretação da inelegibilidade, p o r oito anos, do requerido e d
quem tenha contribuído para a prática do ato contado da eleição;
433 A G RA , W alber de M o u ra & VHLLOSO, C arlos M ario d a Silva. Elem entos de D ireito Eleitoral. São
Paulo: Saraiva, 2009. R 268.
434 C Â N D ID O , José J. Inelegihilidades no D ireito Brasileiro. São Paulo: E dipro, 2003. P. 262.
309
b) cassação do registro do candidato diretam ente beneficiado
pela captação ilícita de arrecadação e gastos eleitorais;
c) cassação do diplom a do beneficiado de form a direta pelo ato,
se a decisão ocorrer posteriorm ente à eleição, ou im pedim ento à sua
concessão, se a decisão for proferida depois da eleição, mas antes de sua
expedição.
A inelegibilidade especificada é a cominada, advinda de um a san­
ção estipulada pela legislação eleitoral. Ela declara a inelegibilidade pre­
sente e protrai seu efeito no elastério de oito anos contados da eleição.
Esse efeito consta de todas as decisões judiciais nesse tipo de ação, seja
antes da diplomação, seja após esse pronunciam ento judicial. A decre­
tação da inelegibilidade é conseqüência direta da sentença do art. 30-A,
ocorre de forma imediata, sem a necessidade de nenhum outro processo
judicial. Esse efeito foi um dos fins almejados pela referida ação, e se não
pudesse ser um a decorrência de seus efeitos, ela perderia o sentido.
CONCLUSÃO
A Representação descrita no art. 30-A, indubitavelmente, terá
u m a grande repercussão no pleito de 2010, podendo se constituir em
um instrum ento jurídico de grande valia para a moralização dos gas­
tos eleitorais. Somente deve ser ressaltado que a soberania popular não
pode ser m aculada por um processo de judicialização, desm esurado e
teratológico, que possa até m esm o cercear a vontade livre e altaneira do
povo.
310
IN FEDELIDA D E PARTIDÁRIA:
Ativismo judicial. Efeitos e conseqüências para os suplentes.
W a l t e r d e A g r a Júiiior*"'’'’
SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais - 2. Histórico e norm atização da
fidelidade partidária - 3 . 0 ativismo judicial e a fixação de procedim ento
específico - 4. Legitimidade ativa e passiva dos suplentes - 5. Conclusão.
PALAVRAS-CHAVE: fidelidade
legitimidade de suplentes; prazo.
partidária;
perda
de
mandato;
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
“Todo poder em ana do povo, que o exerce p o r meio de represen­
tantes eleitos ou diretamente, nos term os desta Constituição.” Esta é a
premissa básica e a base da dem ocracia brasileira inserida no parágrafo
único do prim eiro artigo da Constituição Federal. Neste postulado está
sedim entado o princípio da soberania popular brasileira, de onde se
constata que o povo é fonte e titular do poder.
C om a constituição das sociedades m odernas ficou cada vez mais
difícil o povo exercer diretam ente o poder dele emanado. Por isso o
exercício do poder do povo passou a ser feito, em regra, por meio de
representantes p o r eles escolhidos dentro de um regime democrático.
Entrementes, dem ocracia não é um conceito absoluto ou tam ­
pouco um a form a de exercício de poder pré-definida com caracterís­
ticas imutáveis, que tenham que ser preenchidas para que um governo
venha a ser tido com o democrático. Os conceitos e requisitos ensejadores à definição de dem ocracia são mutáveis com o tempo, devendo
adaptar-se a sociedade, mas sempre tom ando como base a necessidade
de efetivação da soberania popular.
Sob esse aspecto, a dem ocracia não é um m ero conceito político
435
M esire pein U N IC A P - PE; Professor da U niversidade Federal d a Paraiha - UFPB; Presidente da C o m is­
são N acional de E x a m e de O rdem ; Especialista em Direito Eleitoral; E x -P rom otor de lustiça no Estado de
Pernam buco; Ex-P rocurador Geral de João Pessoa; A dvo gado Militante.
311
abstrato e estático, mas um processo de afirmação do povo e garantia
dos direitos fundam entais que o povo vai conquistando no decorrer de
sua história**^^.
Em nosso país vigora o regime de dem ocracia participativa que,
segundo o conceituado constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho^^^ é a form a mais alargada de concurso dos cidadãos para a tom a­
da das decisões muitas vezes de form a direta e não convencional.
Por outro lado, em nosso regime democrático, a relação política
não é bilateral, ou seja, existente apenas entre o eleitor (povo) e o eleito
(representante). Essa relação é tripartite, pois se insere neste contexto
um a relação entre o partido político e o eleitor, e outra entre os preten­
sos representantes e o partido político. Deste viés multi-relacional é que
surge a vinculação conceituai e concepcional de fidelidade partidária.
C om efeito, esta vinculação entre o eleito e a vontade dos eleitores
tam bém foi tem a de abordagem de Hans Kelsen^^^ que assim sinteticamente pontuou:
“A resposta à questão de saber se, de lege ferenda, o
m em b ro eleito de u m corpo legislativo deveria estar
juridicam ente obrigado a executar a vontade de seus
eleitores e, portanto, a ser responsável para com o
eleitorado d ep end e d a opinião sobre a am plitude em
que é desejável que se concretize a idéia de dem ocracia.
Se é dem ocrático a legislação a ser exercida pelo povo,
e se por m otivos técnicos, é impossível estabelecer
u m a dem ocracia direta e se torna necessário conferir
a função legislativa a u m parlam en to eleito pelo povo,
então é d em ocrático garantir, tanto quanto possível,
que a atividade de cada m em b ro do parlam ento reflita a
vontade de seus eleitores.”
Nos term os postos, o controle popular da atividade dos repre­
sentantes eleitos é feito observando o regime dem ocrático partidário
e o sistema representativo, sendo o partido político o instrum ento do
povo para exercer o seu poder e para cobrar de seus representantes o
exercício de sua vontade.
436 SILVA, José A fonso da. C u rs o de dire ito co n stitu cio n al positivo. 30 ed. rev. e atual. São Paulo; M alheiros, 2008. R 125
437 C A N O T IL H O , José lo a q u im G om es. C o n stitu iç ã o D irig e n te e V in cu lação d o Legislador. C o n trib u to
p a ra a co m p re e n sã o das n o rm a s co n stitu cio n ais pro g ram á tic a s. C o im b ra : C o im b ra Ed., 1994. R 410.
438 KELSEN, H ans. T eoria geral d o d ireito e d o estado. 3 ed. trad. Luiz C arlo s Borges. São Paulo; M artin s
Fontes. 1998. p. 417.
312
C om isso os partidos políticos surgem com o centro de manifes­
tação da vontade do povo que, juntam ente com instrum entos de par­
ticipação direta no poder político pelo povo, instituem a dem ocracia
participativa.
Em decorrência do regime dem ocrático social ou participativo,
os partidos políticos exercem u m a função de m ecanism o de expressão
da vontade popular, com o form a de prom over m aior fiscalização das
decisões políticas desses representantes, criando assim a função-dever
de fidelidade do político ao partido pelo qual concorreu à eleição.
Segundo Fávila Ribeiro'*'’^, o partido político é um grupo social
de relevante am plitude destinado à arregim entação coletiva, em torno
de idéias e de interesses, para levar seus m em bros a com patilharem do
poder decisório nas instâncias governamentais. N o m esm o norte é o
magistério do mestre Pinto Ferreira^^"^ para quem os partidos políticos
são considerados grupos sociais, regulados pelo direito positivo, con­
gregando eleitores para a conquista do poder político e para a realiza­
ção de determ inado programa.
Assim diante dos conceitos de dem ocracia participativa e de
partidos políticos, tais como postos, pode-se afirm ar que, como bem
pontificou 0 trabalho monográfico do acadêmico Victor Filgueiras de
Oliveira^"*', p o r m im orientado, que é som ente nesse regime político de
governo dem ocrático participativo, com a atuação decisiva das agre­
miações partidárias, onde se é possível defender a idéia de fidelização
do eleito ao partido político pelo qual concorreu à eleição, m ediante a
estruturação de um processo cujo fim seja decretar a perda do m andato
destes representantes p o r desfiliação partidária sem justa causa.
Só através de tal concepção é que os partidos políticos, enquanto
órgãos agregadores e expoentes da vontade popular, poderão exercer
algum tipo de controle sobre os donos de mandato político, para que
estes, ao cum prir os programas partidários, venham agir em benefício
de toda a coletividade e não de seus próprios interesses.
439 RIBEIRO, Fávila. D ireito eleitoral. 5 ed. Rio de Janeiro; Forense, 1998. p. 325.
440 C IT T A D IN O . Gisele. P o d e r fudiciário, /a tiv ism o Judiciário e D e m o crac ia , Alceu, vol. 05. n. 09. p 108.
441 SA N TO S, Leticia P im e n ta M ad e ira Santos. A re g u la m e n ta çã o d a fidelidade p a rtid á ria à luz d o ativis­
m o judiciário. Texto e x tra íd o e m 21.01.2009 d o |u s N avigandi. h ttp ://ju s2 .u o l.c o m .b r/d o u trin a /te x to .
a sp ? id = l 1156-
313
Assim, para abordar a questão da fidelidade partidária temos
que enfrentar e responder o seguinte questionamento: Q ual a natureza
dessa relação jurídica estabelecida entre governantes e governados, ou
seja, se esta relação implica num a liberdade de atuação daqueles em
face destes, ou se evidencia certo condicionam ento na atividade dos
representantes pelos representados?? A m eu sentir o condicionam ento
e vinculação passam a ser cada vez mais presente e necessário.
2.
H IST Ó R IC O
E
N ORM A TIZA ÇÃO
DA
FIDELIDADE
PARTIDÁRIA
Na história positiva do Brasil, já houve um a previsão constitucio­
nal contida da C arta M agna de 1967, segundo a qual o eleito perdia o
m andato quando não seguia as diretrizes do partido no qual tinha sido
eleito. Atente-se para o conteúdo dos arts. 35, V e art. 152, parágrafo
único com a redação dada pela EC n° 01/69, in Uteres:
Art. 35 Perderá o m andato o dep utad o ou senador:
1- ]
V - que praticar ato de infidelidade partidária, segundo
o previsto no parágrafo único do artigo 152.
Art. 152 A organização, o funcionam ento e a extinção
dos partidos políticos serão regulados em lei federal,
observados os seguintes princípios:
[...]
Parágrafo único. Perderá o m andato no Senado Federai,
na C âm ara dos D eputados, nas Assembléias Legislativas
e nas C âm aras M unicipais q uem , p o r atitude o u pelo
voto, se opuser às diretrizes legitim am ente estabelecidas
pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido
sob cuja legenda foi eleito. A p erda do m an dato será
decretada pela Justiça Eleitoral, m edian te a representação
do partido, assegurado o direito de am pla defesa.
Portanto, a história norm ativa do Brasil já previu em sede cons­
titucional a fidelidade partidária de form a completa e precisa, determ i­
nando a perda do m andato por ato de infidelidade partidária.
Ocorre que o espírito da no rm a que perm eou aquele preceito
constitucional - em bora de caráter efetivo e preciso - se baseou na te n ­
tativa de m anter o bipartidarismo, expor u m a dem ocracia aparente e o
314
dom ínio dos generais do nebuloso período ditatorial que dom inou o
Brasil.
C om os procedim entos para retom ada da dem ocracia no país,
essa norm atização da fidelidade partidária e da perda do m andato aos
infiéis foi revogada pela EC n° 25/85, não sendo tam bém prevista pela
C onstituição Federal de 1988.
Atualmente, em bora não se tenha um trabalho norm ativo cons­
titucional ou infraconstitucional para m odular a questão da fidelidade
partidária, tem -se que esta garantia está implícita na nossa form a de
dem ocracia e inserida no com ando constitucional contido no §1° do
art. 17 da Carta Magna, todavia, conferindo aos partidos políticos o
trato desta m atéria em sede interna corporis.
“Art. 17 É livre a criação, fusão, incorporação e extinção
dos partidos politicos, resguardados a soberania
nacional, o regim e dem ocrático, o pluripartidarism o, os
direitos fundam entais d a pessoa h u m an a e observados
os seguintes princípios:
[...]
§ r É assegurada aos partidos políticos autonom ia
para definir sua estru tu ra interna, organização e
funcionam ento e para adotar os critérios de escolha e o
regim e de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade
de vinculação en tre as candidaturas em âm bito nacional,
estadual, distrital ou m unicipal, devendo seus estatutos
estabelecer normas
partidária.” (grifei)
de
disciplina
e
fidelidade
Posteriormente fo i editada a Lei n° 9.096/95 (Lei dos Partidos Po­
líticos) que deixou de trazer diretrizes específicas sobre o tema, res­
tringindo-se a apontar que a questão de fidelidade partidária era um a
questão interna corporis.
A positivação da fidelidade partidária está inserida atualmente
no nosso ordenam ento jurídico p o r interm édio de decisões e posicio­
nam ento jurisprudencial Seja p o r força da Resolução 22.610 do TSE,
seja em face de resposta da Consulta 1398 form ulada p o r partido polí­
tico e respondida pelo Tribunal Superior Eleitoral.
315
3. O ATIVISM O JUD ICIAL E A FIXAÇÃO DE PR O C ED IM EN TO
ESPECÍFICO
A prim eira vista poder-se-ia pensar ser inconstitucional - por
violação à ordem democrática e as funções precípuas de cada um dos
poderes - o fato do Poder Judiciário, sob a alegação da necessidade de
suprir o legislador nacional, estar legislando sobre este tema.
Mas a crise de imagem e a inação p o r que vem passando o Poder
Legislativo, tem feito com que o Poder Judiciário - fu n d a d o na impar­
cialidade e confiabilidade dos tribunais que lhes conferem força e legitimi­
dade - tenha que intervir para disciplinar, ainda que temporariamente,
determ inadas situações im postas pela necessidade da sociedade, o que
justifica a aparente invasão a com petência reservada ao Congresso N a­
cional.
Ademais, o entendim ento externado pelo TSE sobre fidelidade
partidária, ainda que em sede de legislação excepcional, foi validada
pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgam ento dos M andados
de Segurança n° 26.602, 26.603 e 26.604. Ao assim proceder, o Tribu­
nal “Guardião da Constituição” chancelou e convalidou constitucional­
mente as norm as erigidas pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre fideli­
dade partidária.
Sobre esta possibilidade é sempre conveniente trazer o escólio de
Gisele Cittadino^^^ que assim pontificou sobre o assunto:
“Não se pod e negar que as C onstituições das dem ocracias
contem porâneas exigem u m a interpretação construtiva
de n orm as e dos princípios que as integram , e, nesse
sentido, as decisões dos tribunais - especialm ente
em face de conflito de direitos fundam entais - têm
necessariam ente o caráter de “decisões de princípio”. N o
entanto, a despeito do fato d a dim ensão inevitavelmente
“criativa” da interpretação constitucional - dim ensão
presente em qualquer processo herm enêutico, o que,
p o r isso m esm o, n ão coloca em risco, a lógica da
separação dos poderes
os tribunais constitucionais,
ain d a que reco rram a argu m en to s que ultrapassem o
direito escrito, devem proferir “decisões corretas” e não
se envolver n a tarefa de “criação do direito”, a p artir de
valores preferencialm ente aceitos.”
442
B A R B I, Celso Agrícola. C om entários ao Código de Processo Civil. 9 ’ ed. Rio d e Janeiro: Forense, 1994, p.
i 74. voL {.
316
No caso da fidelidade partidária, mister se faz a intervenção do
Poder Judiciário com o escopo de integrar princípios, norm as e garan­
tias constitucionais, proferindo verdadeira decisão de princípio. Tudo
isso sem perder de vistas a impossibilidade de reiteração de procedi­
mentos desta natureza, sob pena de instauração de um a verdadeira d i­
tadura do judiciário.
Apresenta-se bastante o portuna a conclusão sobre o assunto tra­
zida p o r Letícia Pimenta'*'*^ ao expor:
“Dessa form a, exsurge do posicionam ento doutrin ário
pátrio e estrangeiro a n ítida lição de que o ativismo
judiciário não significa de m aneira algum a u m a lesão à
separação dos poderes constitucionalm ente assegurada,
já que a decisão do Poder Judiciário seria sem pre no
sentido de conjugar a sua qualidade de destinatário
dos com andos constitucionais e, ao m esm o tem po, de
aplicador das mesm as, con fo rm and o assim as demais
n o rm as do o rd enam en to e as condutas concretas
subm etidas à análise.”
Logo, tem-se como necessária e absolutamente constitucional a in­
tervenção ativista do Poder Judiciário no caso da fidelidade partidária.
Transposta a legalidade e necessidade do ativismo judicial para re­
gulamentar os casos de fidelidade partidária, mister se fa z enfrentar uma
das grandes problemáticas ainda reinantes quanto ao tema de infideli­
dade partidária, qual seja: a legitimidade dos suplentes para pleitear a
declaração de infidelidade e o termo a quo para a dedução deste pleito.
A Resolução n° 22.610 do Tribunal Superior Eleitoral estabelece no
caput e no parágrafo segundo do art. l° o s entes legitimados para intentar
0 pedido de declaração de infidelidade partidária. Vejamos:
“Art. 1".- O p artido político interessado p o d e pedir,
perante a Justiça Eleitoral, a decretação da p erd a de
cargo eletivo em decorrência de desfiliação p artidária
sem justa causa.
(...)
§ 2*.- Q u an d o o p artid o político não form ular o pedido
d en tro de 30 (trinta) dias d a desfiliação, pod e fazê-lo, em
n o m e próprio, nos 30 (trinta) dias subseqüentes, quem
tenha interesse jurídico ou o M inistério Público.”
443
ALVIM, Ih e rc z a A rru d a . D a assistência litisconsorcial n o C ó d ig o brasileiro. R evista de Processo. São
Paulo: R I. n° 11/12. ju lh o /d e z e m b ro d e 1978, pp. 45/46.
317
Da leitura da referida norm a tem-se que são legitimados ativamen­
te para pleitear a perda do cargo eletivo: a) O partido político e, subsidiariamente, b) O Ministério Público e c) quem tiver interesse público.
Dúvidas não restam quanto a legitimidade do partido político em
pleitear a perda do cargo eletivo do antigo partidário que, elegendo-se
p o r aquele partido, deixou sem justa causa aquela agremiação partid á­
ria, para em outra figurar. Ora, se o m andato pertence ao partido, este é
e será sempre o interessado m aior em preservar o m andato, de onde se
extrai a sua legitimidade ordinária para figurar no pólo passivo.
Já o M inistério Público Eleitoral, com o fiscal da lei e da socieda­
de, poderá tam bém pleitear a decretação da perda de cargo eletivo em
decorrência de infidelidade partidária, mas, nestes casos, este pleito só
p oderá ocorrer, se e quando, decorrido o prazo legal de 30 (tinta) dias
do fato e o partido ao qual pertencia o exercente do m andato não o tiver
pleiteado. Atente-se que a legitimidade do M inistério Público Eleitoral
é subsidiária, só existindo quando o partido não tiver form ulado o pe­
dido de decretação de perda do cargo.
A Resolução 22.610 ainda estabelece com o legitimado para plei­
tear a decretação da perda do cargo eletivo do m andatário que se desfiliou aos que tenham interesse jurídico. Atente-se que a legitimação
neste caso é extraordinária - feita em decorrência de dispositivo n o r­
mativo -, mas para tanto m ister se faz a cabal dem onstração de interesse
jurídico.
Interesse jurídico não se confunde com interesse processual, p o ­
lítico ou processual. O interesse político, puro e simples, não enseja esta
legitimação. N em m uito menos o interesse processual. Nestes casos o
interesse dom inante é o interesse jurídico, ou seja, é o interesse ligado
diretam ente a pretensão a ser deduzida, de m odo que esta possa afetar
diretam ente o legitimado.
Para Celso Agrícola Barbi'^'*"' “o interesse é jurídico quando, entre
o direito em litígio e o direito que o credor quer proteger com a vitória
daquele, houver um a relação de conexão ou de dependência, de modo
que a solução do litígio pode influir, favorável ou desfavoravelmente,
sobre a posição jurídica de terceiro”
444
ALVIM , Thereza A rru d a . D ireito Processual de E star e m juízo. São Paulo: RT, 1996. p. 207.
318
No mesmo norte está sedimentado o escólio de Thereza Alvim**"^^ ^
que assim finca a sua doutrina sobre o interesse jurídico também analisan­
do os efeitos sobre terceiros:
“O interesse será jurídico se a esfera jurídica do terceiro
p u d er ser atingida de fato, isto é, pelos fundam entos de
fato e de direito d a sentença ou pela própria decisão, de
forma indireta, tenha ele en trad o ou não no processo”,
“Só será jurídico o interesse do terceiro, se a decisão
judicial da lide, ou seja, do pedido que n ão foi, nem
por ele, n em contra ele, feito, p u d er vir a afetar relação
jurídica sua com o assistido, p u d e r ser atingido por
atos executórios afetando sua esfera jurídica, ou,
ainda, p u d er ser alcançada sua esfera jurídica, atual ou
potencialmente.”
Diante deste prisma convém abordar o tema da legitimidade dos
suplentes para pleitear a decretação da perda do mandado por infideli­
dade.
4. LEG ITIM ID A D E ATIVA E PASSIVA D O S SUPLENTES
Inicialmente, não se pode perder de mente que nos cargos p ro ­
porcionais não se tem um lim itador de quantos suplentes devem ser
diplomados, cabendo ao livre arbítrio de cada ente diplom ador estabe­
lecer um parâm etro, tudo nos term os do art. 215 do Código Eleitoral
que assim estabelece:
“Art. 215. Os candidatos eleitos, assim como os suplentes,
receberão diploma assinado pelo Presidente do Tribunal
Regional ou da Junta Eleitoral, conforme o caso.
Parágrafo único. Do diploma deverá constar o nom e do
candidato, a indicação da legenda sob a qual concorreu,
0 cargo para o qual fo i eleito ou a sua classificação como
suplente, e, facultativamente, outros dados a critério do
iuiz ou do Tribunal”.
Em recente decisão lançada pelo egrégio Tribunal Superior Elei­
toral, restou assentado o entendim ento de que os suplentes devem ser
diplomados até a terceira suplência por partido ou coligação, sem qual445 AI.VIM , Ihc re z a A rru d a . D a assistência litisconsorcial n o C ó d ig o brasileiro. R evista de Processo. São
Paulo: R I, n" 11/12, ju lh o /d e z e m b ro d e 1978, pp. 45/46.
446 AI.\'1M , ih e re z a A rru d a . D ireito Processual d e E star em lu i/o . São Paulo: RT. 1996, p. 207.
319
quer im pedim ento de que, em sendo necessário, possam os suplentes
posteriores tam bém solicitar as suas respectivas diplomações. Para
m aior comprovação do entendim ento jurisprudencial sobre o assunto
atente-se para o que restou lançado n a Consulta n° 23.097 sob a relatoria do Min. Enrique Ricardo Lawandowski, cuja em enta publicada em
06.08.2009 assim aponta:
“PROCESSO
A D M IN ISTR A T IV O .
DfPLOM AÇÁO.
SUPLENTES.
CRITÉRIO.
D IPLO M AÇÀO
A TÉ
TERCEIRO
SUPLENTE.
REM ANESCENTES.
NO M EAÇ ÃO . FACULDADE.
1 - A diplotnação de suplentes deve ocorrer até a
terceira colocação, facultando-se aos demais suplentes o
direito de solicitarem, a qualquer tempo, os respectivos
diplomas.
2 - M antém -se o entendim ento de que, nas hipóteses de
infidelidade partidária, somente o 1“ suplente do partido
detém interesse jurídico, um a vez que poderá assumir o
m andato do parlam entar eventualmente condenado (CTA
1.482/DF, Rei. Min. Caputo Bastos). Precedentes.” (grifei)
Estabelecido o critério delim itador para a entrega física dos d i­
plomas aos suplentes, ao m enos até a terceira colocação, facultando-se
aos demais o direito de solicitação, a qualquer tempo, dos seus respecti­
vos diplomas, tem -se agora que enfrentar se os suplentes - devidamente
diplomados - tam bém possuem legitimidade para a interposição visan­
do a declaração de perda de m andato do mandatário.
No que pertine ao tem a relativo a migração partidária de suplen­
tes, o TSE tem entendido que se trata de matéria interna corporis do
partido político, posto que inexistindo m andato p o r eles exercido, o
tem a fugiria da com petência da Justiça Eleitoral, pois só competeria
a Justiça Eleitoral analisar controvérsia de questões internas das agre­
miações partidárias quando houver reflexo direto no processo eleitoral,
com a ressalva de que tal controle jurisdicional não interfira na sua au ­
tonom ia, garantida pelo § 1^ do art. 17 da Constituição Federal.
Por interm édio da Consulta n® 1.679/DF da relatoria do Ministro
Arnaldo Versiani, recentemente confirm ada pela Consulta n “ 1.680/DF,
assim ficou decidido:
‘'CONSULTA. SUPLENTE. SENADOR. MUDANÇA.
AGREMIAÇÃO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA.
320
}. No recente julgam ento do Agravo Regimental na
Representação n" 1.399, relator Ministro Felix Fischer, o
Tribunal decidiu que a mudança partidária de filiados
que não exercem mandato eletivo, como na hipótese de
suplentes, consubstancia matéria interna corporis, e
escapa da competência da Justiça Eleitoral.
2. Em face desse entendimento, não há como se enfrentarem
questionamentos relativos à eventual migração partidária
de suplente de senador
3. Consulta não conhecida." (grifei)
O entendim ento acima exposto, tem sido a regra no tocante a
suplentes que pretendem ver declarada a perda do m andato de outro
suplente - sem que este esteja no exercício da titularidade do cargo. Entrementes, no que pertine a declaração de perda de titular de m andato
pleiteado p o r suplente, a situação é bem outra.
Ora, um suplente pode pleitear a declaração da perda do cargo
de um detentor de cargo eletivo sim, po r u m a questão m uito simples:
ele dispõe de interesse jurídico em ver um dos exercentes de m andato
eleito pelo seu partido ou coligação perder o m andato, posto que, em
havendo a perda, ele - o suplente - será, inapelavelmente, quem ira
assum ir o mandato.
Daí a conclusão que se chega - decorrente da interpretação do § 2°
do art. 1^ da Resolução do TSE n° 22.610 - de que o suplente, p o r pos­
suir interesse jurídico, pode pleitear a declaração da perda do m an d a­
to de parlamentar. Ademais, este entendim ento já está consolidado no
Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que apenas o 1° suplente do
partido detém legitimidade ativa, decorrente da expectativa imediata
de assunção ao cargo, como restou decidido na PET n° 2.789/PE, DJe
de 1.9.2009 e na Resolução n° 23.097/RJ, DJe de 21.9.2009, ambas da
relatoria do Min. Ricardo Lewandowski.
Assim tem-se definido que, em regra, a perda de m andato de su­
plentes é matéria interna corporis. Já para a perda do m andato eletivo
de um parlamentar, a cão poderá ser manejada, apenas, pelo prim eiro
suplente p o r ser este o beneficiário direto com a declaração da perda do
mandato.
Agora merece, tam bém , especial realce os casos em que um ou
mais suplentes assume a titularidade do cargo, ainda que em caráter
321
tem porário em razão de licença de saúde ou para assumir outro cargo.
Neste caso, com o o suplente está no efetivo exercício do m andato, a sua
suplência passa a ser exercida pelo suplente subseqüente que passa a ter
0 interesse jurídico - e, por conseguinte, a legitimidade - para encetar a
ação declaratória com vista à perda do m andato p o r parte do suplente.
Com efeito, o trintídio decadencial para o partido ou para os
legitimados subsidiaria e extraordinariamente propor a ação visando
a declaração da perda do mandato, nos termos da Resolução n° 22.610
do TSE, terá início tão somente quando o suplente efetivo exercício
do mandato pelo suplente infiel. N este sentido, atente-se para a
jurisprudência do TSE:
“REPRESENTAÇÃO.
FIDELIDADE
PARTIDÁRIA.
D EPU TA D O FEDERALSUPLENTE. DESFILlAÇÃO
P ARTIDÁRIA.
JUSTA
CAUSA.
SUBSTITUIÇÃO.
LICENÇA. INTERESSE. DECAD ÊNCIA. A R T 1°, § 2<>.
RESOLUÇÃO-TSE N ° 22.610/2007.
1. A disciplina da Resolução-TSE 22.610/2007 não é
aplicável aos suplentes que se desligam do partido pelo
qual fo ram eleitos, pois estes não exercem m andato eletivo.
Tratar-se-ia, portanto, de questão interna corporis. (Cta
1.679/DE, R ei M in. Arnaldo Versiani, no mesmo sentido,
0 RO 2.275/RJ, R ei Min. Marcelo Ribeiro e a RP L399/SP,
de m inha relatoria).
2. Nos casos em que o suplente assume o exercício do
mandato em razão de licença, há o dever de fidelidade
ao partido pelo qual se disputou as eleições. Em tais
hipóteses, os suplentes ostentam a condição de mandatários,
de modo que eventual infidelidade partidária não mais se
restringe a esfera interna corporis. (Cta. 1.714, de minha
relatoria, DJe 24.9.2009).
3. A contagem do prazo de 30 (trinta) dias que a
agremiação partidária possui para ajuizar o pedido
de decretação de perda de mandato p o r infidelidade
partidária ( a r t 1°, § 2° da Res.-TSE 22.610/2007)
inicia-se com posse para substituição do mandatário.
No caso, ocorrida aposse em 12.9.2007 e ajuizada a ação
apenas em 4.2.2009, reconhece-se a decadência do direito
postulado. (TSE. R e i Min. Félix Fischer. P E T 2979. DJe
02.02.2010)" (grifei)
E mais!!! Com o restou dito anteriorm ente, com o o m andato p e r­
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tence ao partido e não ao candidato ou a coligação, apenas o suplente
do partido terá legitimidade para encetar a ação necessária visando a
declaração da perda do cargo do suplente infiel. Neste sentido merece
especial atenção recente decisão exarada pelo TSE, cuja em enta restou
assim grafada:
“A G R A V O
REGIM ENTAL.
PETIÇÃO.
PERDA.
MANDATO ELETIVO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA.
RES. TSE N° 22.610/2007. ILEGITIMIDADE ATIVA AD
CAUSAM. SUPLENTE. CO LIG AÇÃO PARTIDÃRIA.
1. Inviável o agravo que não ataca todos os fu n d a m ento s da
decisão impugnada, permanecendo íntegra sua conclusão.
(Súmula 182/STI).
2. N a linha da jurisprudência desta Corte, o mandato
pertence ao partido, e não à coligação, razão pela qual o
suplente desta não detém legitimidade ativa ad causam
para integrar a lide na qualidade de liíisconsorte.” (TSE.
REI. Min. Marcelo Ribeiro. P E T 26864. DJe 10.03.2010)
(grifei)
Assim, resta especificado os casos de legitimação, ativa e passiva,
dos suplentes para propor ou defender-se de procedim entos ou ação
tendentes a declaração da perda do m andato p o r infidelidade partid á­
ria.
5. CONCLUSÃO
Em apertada síntese, podem os extrair conclusões no sentido de
que o ativismo judicial praticado pela TSE, ao regular o tem a de infide­
lidade partidária, externou u m viés da nossa dem ocracia relacionando
a vinculação dos m andatos aos partidos, ao m esm o tem po em que exal­
tou a tríplice e m útua relação na seara eleitoral, onde se apresentam três
elementos interligados: partidos, candidatos eleitos e eleitores.
Desta vinculação nasce a fidelidade partidária com o decorrência
da interpretação do § 1° do art. 17 da C arta Magna, im pondo vincula­
ção às propostas partidárias, pelo que o m andato não mais pertence ao
exercente, mas ao partido que representa.
Para proteger esse tema, necessário se faz a regulamentação do
tema, excepcionalmente, p o r ativismo judicial que estabeleceu as p re­
missas básicas para a proteção e exercício deste direito. Exercício este
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que fica condicionado, cumulativamente, ao tem po e a legitimidade o r­
dinária ou subsidiária ou extraordinária.
Neste viés, merece destaque a possibilidade dos suplentes - que
exerçam a primeira suplência - pleitearem a declaração da perda de
m andato p o r infidelidade, bem com o destes perderem a sua condição
de suplência p o r decisão adm inistrativa dos partidos quando não es­
tiverem no exercício do mandato, ou p o r decisão da Justiça Eleitoral
quando do exercício do mandato, ainda que temporariamente.
Tudo isso sem perder de m ente que o início do prazo decadencial, no caso dos suplentes, dá-se com o início do exercício do mandato,
bem como que como o cargo pertence ao partido quem poderá plei­
tear a sua vacância será o suplente do partido do candidato infiel, não
podendo o suplente da mesm a coligação, mas de partido distinto do
político infiel, pleitear tal intento.
Estas nuances e relevos atinentes a infidelidade partidária, revela
e acentua um a faceta salutar à democracia: o fortalecimento dos p arti­
dos políticos, dentro do pluripartidarism o ensejando formas para cum ­
prim ento das metas e planos propostos quando da candidatura como
tentativa de extirpar a prostituição partidária.
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