acórdão nº 4554 - Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal
Transcrição
acórdão nº 4554 - Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 25 de 11 de 2011, fls. 02/03 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL ACÓRDÃO Nº 4554 Classe Num. Processo Autor Réu Advogado Relator : : : : : : 4 – Ação Penal 3366-97 Ministério Público Eleitoral Edmilson Marçal Passos Dr. Erich Endrillo Santos Simas – OAB/DF nº 15.853 Desembargador Eleitoral Josaphá Francisco dos Santos EMENTA AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA – CRIMES DE BOCA DE URNA E DESOBEDIÊNCIA SUPOSTAMENTE PRATICADOS POR PROMOTOR DE JUSTIÇA DO MPDFT – COMPETÊNCIA DO TRE/DF – PRESENÇA DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE – DENÚNCIA RECEBIDA. 1. Compete ao TRE/DF processar e julgar crime eleitoral praticado por Promotor de Justiça do MPDFT. 2. Deve ser recebida a denúncia, pois presentes os indícios de materialidade e de autoria dos delitos imputados (boca de urna e desobediência), sendo que foram satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP. 3. Denúncia recebida. Acordam os desembargadores eleitorais do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL, JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS - relator, NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO, JOÃO BATISTA TEIXEIRA, MARIO MACHADO, MARCOS LUÍS BORGES DE RESENDE e HILTON QUEIROZ - vogais, em receber a denúncia, nos termos do voto do relator. Decisão UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e as notas taquigráficas. Brasília (DF), em 23 de novembro de 2011. Desembargador Eleitoral JOÃO MARIOSI Presidente Desembargador Eleitoral JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS Relator RENATO BRILL DE GOES Procurador Regional Eleitoral Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) RELATÓRIO O Ministério Público Eleitoral apresentou proposta de transação penal em face de Edmilson Marçal Passos, Promotor de Justiça do MPDFT, que, no dia 05/10/2008, data em que ocorreu o 1º turno da eleição municipal de 2008, teria praticado os crimes previstos no art. 39, § 5º, II, in fine, e III da Lei 9.504/97 (boca de urna) e no art. 347 do Código Eleitoral (desobediência), na Escola Estadual de Novo Gama – Goiás, requerendo que fosse recebida a denúncia caso se frustrasse a aplicação do benefício despenalizador. Eis o teor da peça acusatória: “No dia 05 de outubro de 2008, dia do primeiro turno das eleições municipais, por volta das 08:30 horas, em frente à Escola Estadual do Novo Gama, onde se situa o Colégio Estadual do Novo Gama, segundo local de maior votação com 14 seções eleitorais e 5.164 eleitores, na cidade do Novo Gama-GO, o requerido EDMILSON MARÇAL PASSOS, de posse do veículo Mercedez Benz Classe A 160, placa JGA 4623- Brasília-DF, de propriedade de seu irmão ENIO MARÇAL PASSOS (fls. 128), candidato à (sic) vereador no referido município no aludido pleito (Reg. nº 25.515), estacionou referido veículo que estava totalmente plotado e adesivado com propaganda eleitoral ostensiva de seu irmão e do candidato a Prefeito Municipal José Santos Ramos nº 25, deixando-o por longo período em frente ao referido local de votação, visando a divulgação dos referidos candidatos perante os eleitores daquelas seções eleitorais ali existentes. Com efeito, o Promotor de Justiça EDMILSON MARÇAL PASSOS agiu com a vontade livre e consciente de praticar propaganda de boca-de-urna, mediante a veiculação, em via pública, por meio de elemento móvel (automóvel M. Benz Classe A 160), mas utilizado de forma fixa, estacionado, por longo período, em frente à Escola Estadual do Novo Gama, de propriedade de seu irmão ENIO MARÇAL PASSOS, candidato a vereador, e do candidato a prefeito municipal JOSÉ SANTOS RAMOS, já que o referido automóvel estava todo adesivado e plotado, conforme se depreende das fotografias acostadas às fls. 43/44 e 129 dos autos do processo administrativo em anexo. De fato, referida propaganda eleitoral criminosa praticada pelo requerido fora constatada in loco tanto pela Promotora Eleitoral do Novo Gama, Dra. Vanessa Goulart Barbosa, quanto pela MM. Juíza Eleitoral Polliana Passos Carvalho, haja vista que estas estavam promovendo visita de fiscalização nos locais de votação, quando constataram que vários veículos com propagadas ostensivas foram estrategicamente estacionados próximos à referida Escola Estadual, dentre eles o de posse do requerido, oportunidade em que a MM. Juíza Eleitoral determinou aos policiais militares 3ºSGT.PM Jailson Paiva Ferreira e SD. PM Marciel que removessem todos aqueles veículos, sendo que em seguida ingressou juntamente com a Promotora Eleitoral para dentro do colégio eleitoral. Assim, passaram os aludidos policiais militares a cumprirem a ordem judicial de remoção dos veículos em questão, oportunidade em que, com o auxílio de um guincho requisitado, apreenderam um ônibus e um opala diplomata, conforme fotos de fls. 129 e TCO de fls. 05/09. Após estes automóveis, os policiais passaram a remover o veículo Classe A de posse do requerido, que estava estacionado exatamente 2 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) em frente à Escola Estadual do Novo Gama, oportunidade em que aquele apareceu indagando sobre a apreensão, apresentando-se como Promotor de Justiça do MPDFT, e opondo-se à apreensão do veículo. Nesse momento, avisado pelos policiais da situação, compareceram novamente ao local, a MM. Juíza Eleitoral e a Dra. Promotora de Justiça, quando explicaram ao requerido que o veículo estava sendo apreendido ante a prática do delito previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei nº 9.504/97, o que foi contra-argumentado pelo requerido, tendo inclusive, dito que referido veículo não poderia ser guinchado pois ele era Promotor de Justiça no Distrito Federal. Após tal diálogo e respectivas explicações, a MM. Juíza Eleitoral reiterou a ordem de remoção do veículo do requerido, estando este ciente expressa, direta e pessoalmente, da referida ordem judicial, oportunidade em que a autoridade judicial ingressou novamente, juntamente com a promotora eleitoral, para o interior da Escola Estadual visando dar continuidade à inspeção nas seções eleitorais. Quando estava no interior da escola, chegou a notícia, por meio de um dos policiais militares, de que o requerido EDMILSON MARÇAL PASSOS entrou no veículo e, mesmo após ordenado para que saísse, tentou evadir-se dando marcha-à-ré, porém seu automóvel já estava preso com o cabo de aço do guincho. Assim, a MM. Juíza Eleitoral reiterou a determinação de apreensão do veículo e que se houvesse resistência por parte do requerido fosse ele conduzido à delegacia para os procedimentos cabíveis. Depreende-se o dolo na conduta do requerido, haja vista que mesmo diante da ordem direta e expressa da autoridade judicial de apreensão do veiculo em seu poder, a ela o requerido EDMILSON se opôs, embaraçando a sua execução por parte dos policiais militares, seja adentrando ao carro, conforme narrado, resistindo ao cumprimento da ordem, seja, após retirado com uso de força física pelos policiais da guarnição do GPT, subindo em cima do carro iniciando um ‘discurso dizendo que a Polícia Militar e a Juíza Eleitoral estavam do lado da Prefeita, ‘comiam na mão da Prefeita’, e disse ‘isso aqui tem que mudar, e é a partir de hoje’, incitando a população a votar no candidato a Prefeito Municipal José Santos Ramos, que é oposição à Prefeita’ (fls. 39), oportunidade em que, face o tumulto causado, comprometendo e prejudicando os trabalhos eleitorais, a MM. Juíza Eleitoral determinou, por telefone, já que se encontrava em outro local de votação, sua condução à delegacia de polícia. Assim agindo, o requerido incorreu nas sanções do art. 39, § 5º, incisos II, in fine, e III, da Lei nº 9.504/97, e art. 347 do Código Eleitoral c.c. art. 69 do Código Penal.” Foram realizados todos os esforços no sentido de intimar pessoalmente, em todos os endereços constantes dos autos, para que pudesse ser oportunizada a transação penal, nos moldes ofertados pela d. Procuradoria Regional Eleitoral. Procedeu-se, inclusive, intimação por hora certa, mas o autor do fato não compareceu à audiência designada (fl. 246). Em seguida, em observância ao rito previsto na Lei 8.038/90, tentou-se realizar a notificação pessoal, mas o Sr. Edmilson Marçal Passos se esquivou. Embora tenha sido notificado por hora certa, não apresentou resposta e nem constituiu advogado (fl. 292). 3 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) Em razão disso, nomeei o Dr. Erich Endrillo Santos Simas – OAB/DF 15853 como defensor dativo (fl. 300), que apresentou resposta, alegando que: 1) “o réu procurou justificar a sua conduta às autoridades, aduzindo que estacionar um veículo adesivado em frente à seção eleitoral não seria, per si, uma boca de urna, haja vista que o artigo 70 da Resolução nº 22.718/TSE, permite o uso de adesivos em veículos particulares, no dia das eleições; 2) o réu não estaria utilizando o veículo como instrumento de propaganda eleitoral e nem tentando captar votos, mas apenas estaria exercendo seu direito de votar, pois sua seção eleitoral se encontrava no local do fato. Trouxe o feito para deliberação quanto ao recebimento da denúncia, sendo esse o procedimento previsto no art. 6º da Lei 8.038/90 quando se tratar, como de fato se trata, de ação penal originária. É o relatório. VOTOS O Senhor Desembargador Eleitoral JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS - relator: Inicialmente, deve ser ressaltada a competência deste Tribunal para processar e julgar os crimes eleitorais praticados por Promotor de Justiça do MPDFT. Dispõe o art. 108, I, “a”, da CF1, que compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar nos crimes comuns e nos de responsabilidade os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. No caso, o denunciado é membro do MPDFT, que integra, segundo o art. 128, I, “d” da CF, o Ministério Público da União. Sobre a competência das Cortes Regionais Eleitorais para processar ação penal originária instaurada contra membro de Ministério Público vinculado à respectiva jurisdição, anoto o seguinte precedente do TRE-GO: “INQUÉRITO POLICIAL. AGENTE SEM PRERROGATIVA DE FORO. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA. I - Compete aos juízes eleitorais processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais. II - Não tendo o delito sido cometido por Juiz Eleitoral, Promotor Eleitoral, Deputado Estadual, Secretário de Estado ou Prefeito Municipal, sujeitos a jurisdição desta Corte, há de se declinar da 1 Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; 4 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) competência em favor do juízo de primeiro grau nos termos do artigo 35, inciso II, do Código Eleitoral. III - Remessa dos autos ao juízo eleitoral de primeira instância. (INQUÉRITOS POLICIAIS nº 32, Acórdão nº 32 de 06/02/2003, Relator(a) MARIA THEREZA PACHECO ALENCASTRO VEIGA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Tomo 13965, Data 13/02/2003, Página 0072 – destacou-se) Estabelecida a competência deste Tribunal, tenho que a denúncia deve ser recebida. Nesta fase, ressalte-se, trata-se de mero juízo de admissibilidade no qual deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, de modo que se deve perquirir apenas se há ou não indícios suficientes do fato e de sua autoria, e não analisar o mérito da persecução criminal. No caso, ao denunciado imputa-se a prática dos crimes de boca-de-urna e de desobediência. Quanto aos fatos, eis o que a MM. Juíza Polliana Passos Carvalho informou nos autos: “No dia 05 de outubro de 2008, por volta das 9h, ao dar início às visitas, nos locais de votação, a fim de fiscalizar o andamento dos trabalhos, bem como vistoriar de modo geral a eventual infringência às normas do pleito eleitoral, mormente no que tange à realização de propaganda eleitoral ilegal, desloquei-me primeiramente para a Escola Estadual do Novo Gama. A escolha recaiu primeiramente sobre a Escola acima mencionada por duas causas. A uma, por se tratar do maior local de votação do município. Com efeito, na referida Escola estavam agrupadas 18 (dezoito) seções eleitorais, cujo número de eleitores perfazia um total de 6.932. Impende ressaltar, que exatamente ao lado da Escola situa-se o Colégio Estadual de Novo Gama, segundo maior local de votação com 14 (quatorze) seções e 5.164 eleitores. Vale dizer, mais que um quarto do eleitorado dessa cidade vota na região que compreende os dois locais de votação. […] A duas, porque antes de deslocar-me para o referido local já havia chegado ao conhecimento dessa magistrada que vários candidatos estavam, estrategicamente, estacionando veículos com propagandas ostensivas, próximo ao setores de votação, de modo a burlar a legislação, que proíbe qualquer propaganda eleitoral. Diante desse contexto, ao chegar no setor em frente à Escola e Colégio Estadual dessa cidade, verifiquei in loco a veracidade das denúncias. Desse modo, foi divulgado ali que todos aqueles que estavam estacionados nas redondezas dos locais de votação deveriam retirar seus veículos, sob pena de remoção deles. Nesse momento, os policiais militares foram orientados a guinchar os veículos estacionados, cujos donos não os retirassem dali ou nas situações em que os responsáveis não fossem encontrados. Assim, alguns dos condutores que estavam estacionados indevidamente obedeceram à ordem judicial, retirando os seus veículos. Não obstante isso, outros permaneceram no local, ocasião em que foi por mim requisitado o auxílio de um guincho que se encontrava ali para que fossem realizadas as apreensões dos veículos. 5 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) Primeiramente ordenei a apreensão de um ônibus que estava nas proximidades da Escola, pois era o que continha propagandas eleitorais de forma mais incisiva devido ao tamanho das fotografias dos candidatos. Após a apreensão do ônibus e de um segundo veículo (Diplomata) por um único guincho, os policiais começaram a remover o veículo Classe A, placa JGA 4623-DF, cujo proprietário não fora encontrado, e que estava estacionado exatamente em frente à Escola Estadual. Nesse momento, esta magistrada já estava dentro da Escola percorrendo as seções eleitorais quando chegou a notícia que um promotor de Justiça de Brasília estava se opondo à apreensão do veículo. Desloquei-me para o lado externo do Colégio quando avistei a referida pessoa, que posteriormente foi identificada por Edmilson Marçal Passos, conversando com um dos policiais militares e solicitando a liberação do automóvel de forma autoritária dizendo que era Promotor de Justiça e que estaria de plantão naquele dia. Diante da situação, determinei aos policiais que dessem continuidade ao cumprimento da ordem e apreendessem o veículo, removendo-o para o pátio do 19º Batalhão de Polícia Militar, local para onde os veículos apreendidos estavam sendo levados. Ato contínuo, o Sr. Edmilson veio até mim e questionou sobre o motivo do veículo ‘dele’ estar sendo apreendido, argumentando que era Promotor de Justiça do DF e que estava de plantão naquele dia. Diante da argüição, foi esclarecido por mim e pela Promotora de Justiça Eleitoral, Dra. Vanessa Goulart Barbosa, que o fato do veículo todo plotado com propagandas eleitorais estar estacionado, de maneira estratégica, próximo ao maior local de votação da cidade e por um longo período de tempo, representava afronta à norma do art. 39, § 5º, inciso III, da Lei 9.504/97. Nessa ocasião foi inclusive lido pela Promotora de Justiça o referido dispositivo. Após a explicação acima, determinei aos policiais militares que dessem continuidade à remoção do veículo e ingressei novamente para o interior da Escola Estadual para dar continuidade à inspeção nas seções eleitorais, atividade que foi interrompida pelo incidente ocorrido, sendo que nesse momento não foi ordenado que o Sr. Edmilson fosse conduzido à Delegacia local. Quando estava no interior da Escola, novamente chegou a notícia, por meio de um dos Policiais Militares, que o Sr. Edmilson entrou no veículo, tentou sair do local e foi contido pelos policiais. Os policiais queriam orientações sobre como deveriam proceder e determinei que o carro deveria ser apreendido e se houvesse resistência que o Sr. Edmilson deveria ser conduzido à Delegacia de Polícia para os procedimentos cabíveis. Antes da remoção do veículo e da condução do Sr. Edmilson à Delegacia, recebi a ligação de um dos policiais informando que aquele subiu no carro e iniciou um discurso dizendo que ‘todas as autoridades locais seriam coniventes com a atual administração’ e que ‘isso aqui tem que mudar e é a partir de hoje’. Mais uma vez orientei os policiais que procedessem à condução do Sr. Edmilson à Delegacia, tendo em vista que, apesar da impossibilidade de ordenar a sua prisão, não havia como mantê-lo no local até a chegada do Procurador Geral de Justiça do MPDFT ou de qualquer outro representante da referida instituição, pois o tumulto 6 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) por ele causado foi de grande monta, causando uma aglomeração de pessoas. Nesse contexto, a ordem para conduzir o Sr. Edmilson à Delegacia deu-se em virtude da desobediência eleitoral, consistente em opor embaraços ao cumprimento da determinação de apreensão do veículo Mercedez Benz Classe A e pelo fato de ter promovido desordem que prejudicou os trabalhos eleitorais, incidindo nas penas, respectivamente, dos arts. 347 e 296 do Código Eleitoral. […] Como já dito, o referido veículo ostentava propaganda eleitoral em toa a lataria, referente ao candidato a Prefeito Municipal José Santos Ramos, nº 25 e do candidato a Vereador Enio Marçal Passos, nº 25.515, irmão do Sr. Edmilson Marçal Passos. […] Posteriormente aos fatos, chegou ao meu conhecimento que o referido veículo é de propriedade de ENIO MARÇAL PASSOS, candidato a vereador e irmão de Edmilson Marçal Passos, o que reforça ainda mais os argumentos de que, à semelhança dos outros veículos, o Mercedez Classe A estava estacionado naquele local com a finalidade de fazer propaganda eleitoral, conforme denúncia de populares. Segue pedido de liberação do veículo comprovando que o carro pertencia a Enio e não a Edmilson. (fls. 37/41) Ressalta-se que a Promotora de Justiça Vanessa Goulart Barbosa (fls. 43/49) confirmou a mesma dinâmica dos fatos narrados pela magistrada. O veículo, estacionado em frente ao maior local de votação do município, pertencia ao então candidato a vereador Enio Marçal Passos, com adesivos em toda a lataria com menção à sua candidatura e à do candidato a prefeito da mesma agremiação partidária, consoante comprovam as fotografias de fls. 49 e 50. Ademais, o automóvel pertencia ao candidato Enio Marçal Passos, irmão do denunciado, conforme cópia do CRLV de fl. 71. A defesa sustentou que “o réu procurou justificar a sua conduta às autoridades, aduzindo que estacionar um veículo adesivado em frente à seção eleitoral não seria, per si, uma boca de urna, haja vista que o artigo 70 da Resolução nº 22.718/TSE2, permite o uso de adesivos em veículos particulares, no dia das eleições”. Em que pese o alegado pela defesa, tenho que a presença de propaganda ostensiva em local próximo às seções de votação, em tese, ultrapassa o permissivo encontrado no art. 70 da Res. 22.718/08-TSE. Nesse sentido já decidiu o TRE/RJ: 2 Art. 70. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada no uso de camisas, bonés, broches ou dísticos e pela utilização de adesivos em veículos particulares. § 1º É vedada, durante todo o dia da votação e em qualquer local público ou aberto ao público, a aglomeração de pessoas portando os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos. § 2º No recinto das seções eleitorais e juntas apuradoras, é proibido aos servidores da Justiça Eleitoral, aos mesários e aos escrutinadores o uso de vestuário ou objeto que contenha qualquer propaganda de partido político, de coligação ou de candidato. § 3º Aos fiscais partidários, nos trabalhos de votação, só é permitido que, em suas vestes ou crachás, constem o nome e a sigla do partido político ou coligação a que sirvam. 7 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) Recurso Criminal. Art. 39, § 5°, inc. III, da Lei n ° 9.504/97. Sentença condenatória. O posicionamento prevalente nos Tribunais Eleitorais e nesta corte considera burla à Lei n° 9.504/97 e à R esolução TSE n° 22.718/08, o estacionamento de veículos repletos de propaganda nas proximidades de locais de votação. A manifestação silenciosa referida no art. 70, da Resolução TSE n° 22.718/08, caracteriza-se pelo uso de um adesivo apenas. Caminhonete, do tipo S-10, cheia de cartazes e com o capô totalmente revestido com a publicidade de candidata. Manifestações de testemunhas afirmando que veículo estava estacionado em frente a um local de votação. A liberdade de manifestação silenciosa não alcança um conjunto de adesivos e propagandas diversas. Manutenção da sentença nos termos em que prolatada. (RECURSO CRIMINAL nº 177, Acórdão nº 52.398 de 18/10/2010, Relator(a) LUIZ UMPIERRE DE MELLO SERRA, Relator(a) designado(a) LUIZ MÁRCIO VICTOR ALVES PEREIRA, Publicação: DOERJ - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Tomo 195, Data 26/10/2010, Página 01/02 ) Ademais, talvez esteja a revelar o dolo do crime de boca-deurna o discurso realizado pelo denunciado quando os policiais iniciaram o procedimento de apreensão do veículo, segundo narrou a Promotora de Justiça local: “Após ser retirado do veículo com o uso de força física, aproveitou-se da situação, subiu no veículo e iniciou um discurso dizendo que a Polícia Militar e a Juíza Eleitoral estavam do lado da Prefeita, ‘comiam na mão da Prefeita’, e disse ‘isso aqui tem que mudar, e é a partir de hoje’, incitando a população a votar no candidato a Prefeito Municipal José Santos Ramos, que é oposição à Prefeita.” (fl. 45) Desse modo, considero que estão presentes os indícios da autoria e da materialidade do crime de boca-de-urna previsto no art. 39, § 5º, II e III, da Lei 9.504/97: Art. 39. […] § 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário. Também entendo que estão presentes os indícios da autoria e materialidade do crime de desobediência previsto no art. 347 do Código Eleitoral: Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução: Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multa. Inicialmente, a autoridade local facultou a retirada dos veículos com propagandas eleitorais pelos proprietários e determinou que fossem apreendidos os veículos que permanecessem no local. Ao saber que o veículo de 8 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) seu irmão estava sendo guinchado, o réu teria se apresentado como Promotor de Justiça aos policiais, opondo-se à ordem judicial. Na presença da juíza, o réu teria resistido à apreensão, tentando justificar que o estacionamento do veículo no local estava permitido pelas normas do TSE. Em seguida, ao se retirar a autoridade judiciária, o acusado teria subido no automóvel e incitado os eleitores presentes a votar no candidato da oposição. Portanto, presentes os indícios de materialidade e de autoria dos delitos imputados, estando preenchidos os requisitos do art. 41 do CPP, pois a denúncia descreve os fatos com todas as circunstâncias, contendo a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol das testemunhas. Pelo exposto, recebo a denúncia de acordo com o art. 7º da Lei 8.038/903. Caso seja recebida a denúncia por este Tribunal, ao réu deve ser oportunizada, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal4, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/90), tendo em vista que a soma das penas mínimas de privação de liberdade cominadas aos delitos imputados é menor que 1 ano. Posteriormente, caso frustrada a suspensão, é cabível o processamento do feito com designação de dia para interrogatório como prevê a parte final do art. 7º da lei de regência. É como voto. A Senhora Desembargadora Eleitoral NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - vogal: Acompanho o relator. O Senhor Desembargador Eleitoral JOÃO BATISTA TEIXEIRA - vogal: Acompanho o relator. O Senhor Desembargador Eleitoral MARIO MACHADO – vogal: Acompanho o relator. O Senhor BORGES DE RESENDE - vogal: Desembargador Eleitoral MARCOS LUÍS Acompanho o relator. 3 Art. 7º - Recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório, mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o caso. 4 Pet 3898, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-02 PP-00140. 9 Acórdão nº 4554 (Ação Penal nº 3366-97) O Senhor Desembargador Eleitoral HILTON QUEIROZ vogal: Acompanho o relator. DECISÃO Receber a denúncia, nos termos do voto do relator. Unânime. Em 23 de novembro de 2011. 10