Prevalência de sobrepeso e obesidade em pré

Transcrição

Prevalência de sobrepeso e obesidade em pré
Prevalência de sobrepeso e obesidade em pré-escolares de escolas
públicas e privadas em Recife, Pernambuco, Brasil
Overweight and obesity prevalence among preschoolers of public and private
schools in Recife, Pernambuco, Brazil
Ana Flávia Granville-Garcia1, Valdenice Aparecida de Menezes2, Pedro Israel
Cabral de Lira3, Leopoldina Augusta Serqueira4, Jainara Maria Soares Ferreira5,
Alessandro Leite Cavalcanti6
Resumo
O objetivo deste trabalho foi verificar a prevalência de sobrepeso e obesidade e
sua associação como o gênero e nível socioeconômico (tipo de escola) em 2.651
pré-escolares da cidade do Recife, PE, Brasil. A avaliação do estado nutricional
foi realizada através do registro do índice antropométrico peso por altura (p/a) da
criança, representado pelo escore-Z expresso pelo número de desvios padrões, a
partir do valor considerado normal, comparado à referência do National Center for
Health Statistics (NCHS) (1978). Os dados foram avaliados por meio de estatística
descritiva e inferencial (teste Qui-quadrado). A prevalência de sobrepeso e obesidade
foram 13,1% e 9%, respectivamente, havendo associação dessas patologias com o tipo
de escola, porém não houve associação estatisticamente significante com o gênero.
Conclui-se que a prevalência de sobrepeso e obesidade em pré-escolares foi elevada
e esteve associada à escola privada.
Palavras-chave
Obesidade, pré-escolares, epidemiologia
Abstract
The aim of this article was to determine the prevalence of overweight and obesity
and their association to gender and socioeconomic level (type of school) in 2651
preschoolers in Recife city, Pernambuco, Brazil. The assessment of nutritional status
was carried out by recording the anthropometric index weight for height (p/a) of the
child, represented by the Z-score expressed by the number of standard deviations
from the value considered normal, compared to the reference of the National Center
for Health Statistics (NCHS) (1978). The data were analyzed using descriptive and
inferential statistics (Chi-square). The prevalence of overweight and obesity were
13.1% and 9% respectively, with association of these pathologies to the type of school,
but there was no statistically significant association with gender. It is concluded that
the prevalence of overweight and obesity in preschool children was high and was
associated with private school.
Doutora em Odontologia. Professora de Odontopediatria da Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB. End:
Rua Cap. João Alves Lira 1325/410, Bela Vista - Campina Grande, PB. E-mail:[email protected].
2
Doutora em Odontologia. Professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco.
3
Doutor em Medicina. Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco.
4
Nutricionista do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco.
5
Doutoranda em Odontopediatria da Universidade de Pernambuco..
6
Doutor em Estomatologia. Professor Titular da Universidade Estadual da Paraíba.
1
Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009 –
989
A n a F l á v i a G r a n v i l l e - G a rc i a , V a l d e n i c e A p a r e c i d a d e M e n e z e s , P e d r o I sr a e l C a b r a l d e L i r a ,
L e o p o l d i n a A u g u s t a S e r q u e i r a , J a i n a r a M a r i a S o a r e s F e rr e i r a , A l e ss a n d r o L e i t e C a v a l c a n t i
Key words
Obesity, preschool, epidemiology
1. Introdução
No Brasil estudos comprovam que a transição dos padrões nutricionais
(aumento do consumo de gorduras, açúcares, alimentos refinados) aliada à redução
da atividade física têm provocado alteração nos padrões nutricionais relacionandoos com mudanças demográficas socioeconômicas e epidemiológicas ao longo do
tempo, refletindo-se desta forma na diminuição progressiva da desnutrição e
aumento da obesidade (Mondini & Monteiro, 1998; Francichi et al., 2000).
Fatores associados à obesidade em pré-escolares possuem caráter
comportamental e incluem dieta, atividades físicas, cultura, ambiente e percepção
dos pais (Hudson, 2008). O aumento do sedentarismo propiciado pelo lazer
inativo do uso constante da televisão, computador e videogame; a substituição
do aleitamento materno pelos formulados e alimentos infantis e a preferência
por alimentos industrializados de maior densidade energética e melhor sabor em
detrimento aos alimentos processados domesticamente são fatores que contribuem
para o crescimento da obesidade infantil (Taddei, 1993; Escobar & Valente,
2007).
A prevalência de sobrepeso em crianças parece ser mais elevada que a
obesidade nacionalmente e mundialmente. Internacionalmente, foi observado
que a prevalência de sobrepeso varia entre 0,2% e 20,5% e a obesidade entre
0,2% e 16,3% (Wake et al., 2007; Dieu et al., 2007; Senbanjo & Adejuyigbe, 2007;
Kumar et al., 2008; Onyango et al., 2007). No Brasil, esses números modificam
entre 8,6% e 21,2% para sobrepeso e 4,6% e 24,0% para obesidade (Motta &
Silva, 2001; Silva et al., 2003; Ronque et al., 2005; Oliveira et al., 2003; Corso et
al., 2004; Silva, 2008; Santos & Leão, 2008; Pinto & Oliveira, 2009). Em adição,
o Ministério da Saúde (2006) relatou que o excesso de peso em relação à altura
foi encontrado em 7% das crianças brasileiras menores de cinco anos, variando
de 6% na região Norte a 9% na região Sul, indicando exposição moderada à
obesidade infantil em todas as regiões do país.
O desenvolvimento do sobrepeso e da obesidade tem sido constatado em idades
cada vez mais precoces, especialmente em pré-escolares. Este fenômeno nesta fase
demonstra associação com a obesidade na idade adulta e consequentemente está
relacionado com as doenças crônicas associadas (Dietz, 1998; Escobar & Valente,
2007). Em adição, a epidemia desta doença tem crescido assustadoramente em
diferentes populações (Mei et al., 1998; Karp, 1998; Ronque et al., 2005; Wake
et al., 2007; Kain et al., 2007).
990
– Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009
Prevalência
d e s o b r e p e s o e o b e s i d a d e e m p r é - e sc o l a r e s d e e sc o l a s p ú b l i c a s e p r i v a d a s e m
Recife, Pernambuco, Brasil
Devido à escassez de estudos locais e diante da importância do conhecimento
da realidade nutricional de pré-escolares do Recife para o planejamento de
estratégias de promoção, proteção e recuperação da saúde infantil, o presente
estudo objetivou determinar a prevalência de sobrepeso e obesidade entre préescolares de escolas públicas e privadas da cidade do Recife, Brasil.
2. Metodologia
Segundo dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
a população de crianças com idades entre 0 e 6 anos do Recife é de 167.398
(IBGE, 2004).
Participaram deste estudo descritivo e analítico crianças na faixa etária
de 1 a 5 anos das 84 instituições (creches e pré-escolas) públicas (n = 38) e
particulares (n = 48) na cidade do Recife-PE, Brasil. A amostra foi aleatória,
estratificada e proporcional ao número de alunos por escola, por meio de sorteio
por conglomerados (instituições) das 6 regiões político-administrativas da cidade
do Recife.
Participaram desta pesquisa 2.651 pré-escolares a partir de um universo
de 38.202 crianças institucionalizadas, sendo este trabalho parte integrante
de um estudo que buscou verificar a prevalência de patologias na idade préescolar (Granville-Garcia et al., 2006; 2008). Mesmo assim, foi verificada a
representatividade da amostra para sobrepeso/obesidade, por meio de cálculo
amostral no programa Epi Info™ 6, baseado na estimativa da prevalência de
sobrepeso e obesidade a partir do estudo de Motta e Silva (2001), considerando
a prevalência de 10,1% para sobrepeso e 4,6% para obesidade, erro máximo
aceitável de 2,5% e nível de confiança de 95%, onde a amostra seria representativa
a partir de 551 crianças para sobrepeso e 268 para obesidade.
Neste ensaio foi adotado como critério de discriminação socioeconômica o
tipo de instituição na qual a criança estava inserida, critério este previamente
adotado por Maltz e Silva (2001).
Com relação à alimentação das crianças durante sua estadia na escola, apenas
as escolas públicas forneciam refeições orientadas por nutricionista. Nas escolas
privadas as refeições eram oferecidas pela escola geralmente sem orientação de
nutricionista e raramente trazida de casa. Tanto crianças de escola pública como
privada possuíam acesso à atividade física recreativa, porém o espaço físico para
realização desta atividade era maior nas escolas privadas.
A avaliação do estado nutricional foi realizada por um único examinador, em
formulário específico, através do registro do valor antropométrico peso por altura
(p/a) da criança, representado pelo escore –Z expresso pelo número de desvios
Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009 –
991
A n a F l á v i a G r a n v i l l e - G a rc i a , V a l d e n i c e A p a r e c i d a d e M e n e z e s , P e d r o I sr a e l C a b r a l d e L i r a ,
L e o p o l d i n a A u g u s t a S e r q u e i r a , J a i n a r a M a r i a S o a r e s F e rr e i r a , A l e ss a n d r o L e i t e C a v a l c a n t i
padrões em que o dado obtido está afastado de sua mediana de referência,
possuindo significado em termos de estado nutricional. A interpretação do
valor obtido foi realizada conforme os valores de referência do National
Center for Health Statistics (NCHS) (1978): Desnutrição = z < -2; Risco de
desnutrição = -2 < z < -1; Eutrofia = -1 < z < +1; Sobrepeso = +1 < z <
+2; Obesidade = z > +2 (WHO, 1995).
Para a determinação do peso, utilizou-se uma balança eletrônica tipo
“plataforma” Personal Line E-150 (Filizola Balanças Industriais Ltda. São
Paulo, Brasil), com carga máxima de 150kg e precisão de 0,1kg.
A determinação da altura foi realizada por meio de dois procedimentos
distintos: para crianças menores de 2 anos, conforme preconizado por Jelliffe
(1968), empregou-se um infantômetro (Infantometer Harpenden, Holtain,
Ltd. Crymych, UK). Por sua vez, nas crianças maiores de 2 anos, a aferição
da estatura foi feita com fita métrica não distensível fixada à parede, com
esquadro de acrílico colocado sobre o topo da cabeça para se obter um
ângulo reto.
O examinador foi devidamente treinado para coletar as medidas
antropométricas. Neste sentido, a medição foi realizada duas vezes e, caso
houvesse diferenças entre os valores, realizaria-se uma terceira. A criança foi
pesada em pé, na posição ereta, de forma a sentir que o peso foi distribuído
em ambos os pés, descalços, braços soltos lateralmente, com o mínimo de
vestuário (bolsos vazios, sem boné e possíveis acessórios que possam aumentar
o peso). Antes que a criança subisse na balança foi ajustado o mostrador,
até que o mesmo exibisse “0,0” quilos. Foi certificado ainda que a criança
não estivesse, no momento da medição, segurando em algo para apoiar-se.
O peso da roupa não foi subtraído do peso observado. Para a pesagem de
crianças menores de dois anos ou daquelas que não conseguiam ficar paradas
durante o processo de pesagem, um adulto as acolhia nos braços e depois
contabilizava-se a diferença de peso.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de
Odontologia da Universidade de Pernambuco, protocolo 082/02, respeitandose as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres
humanos (Resolução 196/96) do Conselho Nacional de Saúde.
A associação significativa entre as variáveis foi verificada por meio de
análise bivariada (teste Qui-quadrado de Pearson), ao nível de significância
de 0,05. O software utilizado foi o SPSS (Statistical Package for the Social
Sciences) na versão 11.0.
992
– Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009
Prevalência
d e s o b r e p e s o e o b e s i d a d e e m p r é - e sc o l a r e s d e e sc o l a s p ú b l i c a s e p r i v a d a s e m
Recife, Pernambuco, Brasil
4. Resultados
Das 2.651 crianças, 1.390 eram do sexo masculino (52,4%) e 1.261 pertenciam
ao sexo feminino (47,6%). A desnutrição foi vista em 1,1% da amostra (n = 28).
No que concerne ao sobrepeso, 13,1% das crianças foram enquadradas nesta
categoria, ocorrendo maior frequência entre as meninas (13,9%) do que meninos
(12,4%). Em relação à prevalência de obesidade, 9% das crianças foram consideradas
obesas (n = 240), das quais 8,6% (n = 120) eram meninos e 9,5% (n = 120) eram
meninas, conforme demonstrado na Tabela 1. Não houve diferença estatisticamente
significante entre gênero e estado nutricional das crianças (p > 0,05).
Tabela 1
Distribuição das crianças segundo o gênero e o estado nutricional.
Sexo
Estado Nutricional
Desnutrido Risco Desnutrição Eutrófico Sobrepeso
n
%
n
%
n
%
n
%
Obesidade
n
%
Total
n
Valor
de p1
%
Masculino 17
1,2
140
10,1
940 67,6 173 12,4 120
8,6 1390 100,0 p = 0,3597
Feminino
11
0,9
106
8,4
849 67,3 175 13,9 120
9,5 1261 100,0
Total
28
1,1
246
9,3 1789 67,5 348 13,1 240
9,0 2651 100,0
(1): Através do teste Qui-quadrado de Pearson.
Em relação ao tipo de escola (Tabela 2), verifica-se um percentual mais
elevado de crianças eutróficas na escola pública do que na escola particular
(72,4% versus 62,4%), seguido da categoria de obesos que apresentou-se mais
elevada entre os alunos da rede particular (13,6% versus 4,6%), e comprova-se
associação fortemente significativa entre as duas variáveis (p < 0,05).
Tabela 2
Distribuição das crianças segundo o tipo de escola e o estado nutricional.
Escola
Estado Nutricional
Desnutrido Risco Desnutrição Eutrófico Sobrepeso
n
%
n
%
n
%
n
%
Particular
11
0,8
108
8,2
Pública
17
1,3
138
10,3
Total
28
1,1
246
Obesidade
n
%
Total
n
Valor
de p1
%
820 62,4 196 14,9 178 13,6 1313 100,0
969 72,4 152 11,4
62
9,3 1789 67,5 348 13,1 240
4,6 1338 100,0 p<0,0001*
9,0 2651 100,0
(*) – Diferença significativa ao nível de 5,0%.
(1): Através do teste Qui-quadrado de Pearson.
A Tabela 3 revelou a prevalência de obesidade segundo a faixa etária e o
tipo de escola, onde os maiores percentuais de crianças obesas do grupo total
foram registrados entre aquelas com 1 (11,8%) e 5 anos (13,0%) de idade, quando
Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009 –
993
A n a F l á v i a G r a n v i l l e - G a rc i a , V a l d e n i c e A p a r e c i d a d e M e n e z e s , P e d r o I sr a e l C a b r a l d e L i r a ,
L e o p o l d i n a A u g u s t a S e r q u e i r a , J a i n a r a M a r i a S o a r e s F e rr e i r a , A l e ss a n d r o L e i t e C a v a l c a n t i
comparada às demais faixas etárias. No que se refere ao tipo de escola, as faixas
etárias de 1 (RP = 2,56; IC95% 1,27-5,13 e p = 0,0139), 3 (RP = 2,476; IC95%
1,16 a 5,27 e p = 0,0249), 4 (RP = 3,56; IC95% 1,95 a 7,65 e p < 0,001 ) e 5
(RP = 3,00; IC95% 1,88 a 4,80 e p < 0,001) anos da escola privada apresentaram
taxas de obesidade superiores quando comparadas às escolas públicas. Observouse numericamente comportamento similar nos dois tipos de escola para a faixa
etária de 2 anos, porém sem associação estatisticamente significante.
Tabela 3
Avaliação da presença de obesidade segundo o tipo de escola por idade.
Idade
Estado
(em anos) Nutricional
Tipo de Escola
Particular
Pública
n
%
n
%
n
%
1
Obeso
13
21,3
14
8,3
27
11,8
Não-obeso
48
78,7
154
91,7
202
88,2
2
Obeso
7
4,6
7
2,6
14
3,4
145
95,4
257
97,4
402
96,6
3
Obeso
22
7,5
9
3,0
31
5,3
271
92,5
287
97,0
558
94,7
4
Obeso
57
15,2
12
4,3
69
10,5
319
84,8
270
95,7
589
89,5
Não-obeso
Não-obeso
Não-obeso
5
Obeso
Não-obeso
Total
Total
79
18,3
20
6,1
99
13,0
352
81,7
308
93,9
660
87,0
1313 100,0 1338
100,0
2651
100,0
Valor de p1
RP (IC 95%)(2)
0,0139*
2,56 (1,27 a 5,13)
0,4344
1,74 (0,62 a 4,86)
0,0249*
2,47 (1,16 a 5,27)
0,0001*
3,56 (1,95 a 7,65)
0,0001*
3,00 (1,88 a 4,80)
(*): Diferença significativa a 5,0%.
(1): Através do teste Qui-quadrado de Pearson com correção Yates.
(2): Razão da prevalência de obesidade da escola particular em relação à pública.
5. Discussão
Embora atualmente o Índice de Massa Corporal (IMC) recomendado pela
International Obesity Task Force (IOTF) possua maior sensibilidade e especificidade
quando comparado ao escore-Z preconizado pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) para detectar excesso de peso em crianças a partir de 2 anos (Kuczmarski
et al., 2000), a classificação do estado nutricional infantil em base populacional
conforme os critérios da WHO (1995) ao utilizar medidas antropométricas de
fácil obtenção e baixo custo, como peso e altura, ainda parece ser uma opção
viável em Saúde Coletiva. Em adição, Abrantes et al. (2003) mostraram que os
índices propostos pelo IOTF e OMS têm boa concordância entre pré-escolares,
principalmente entre sobrepesos.
994
– Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009
Prevalência
d e s o b r e p e s o e o b e s i d a d e e m p r é - e sc o l a r e s d e e sc o l a s p ú b l i c a s e p r i v a d a s e m
Recife, Pernambuco, Brasil
Apesar de a comparação entre estudos sobre estados nutricionais que utilizam
medidas antropométricas com diferentes indicadores e pontos de corte diferentes
ser difícil, ela não se torna inviável, pois a partir do confronto de semelhanças e
diferenças em relação à área estudada, pode-se estimular a busca do entendimento
de fatores determinantes da doença e a busca de soluções (Motta & Silva, 2001).
A prevalência de sobrepeso e a obesidade em nosso estudo foram consideradas
elevadas, 13,1% e 9%, respectivamente, assemelhando-se ao estudo de Silva (2008).
O excesso de peso da população infantil tem gerado preocupação, não apenas pelas
complicações clínicas (morbidade e mortalidade) relacionadas à obesidade, como
também devido às consequências psicossociais (Oliveira et al., 2003). Já a prevalência
de desnutrição mostrou-se sob controle (1%), corroborando com os pensamentos
de Mondini e Monteiro (1998); Kain et al. (2007); Santos e Leão (2008).
Em nosso trabalho, foi observada diferença estatisticamente significante entre
escolas públicas e privadas em relação à presença de obesidade segundo o tipo de
escola por idade, onde a escola privada apresentou taxas de obesidade superiores
quando comparadas às escolas públicas, em todas as faixas etárias. Corroborando
com nossos resultados, estudos apontam influência do fator socioeconômico no
estado nutricional, no qual o maior percentual de excesso de peso corresponde
ao maior nível socioeconômico (Mondini & Monteiro, 1998; Monteiro & Conde,
2000; Taddei et al., 2002; Ronque et al., 2005).
Não foi verificada associação entre o estado nutricional e o gênero em nossa
pesquisa. Estes resultados corroboram com o estudo de Silva (2008) e Santos e
Leão (2008).
Independente da metodologia empregada é preocupante a elevada prevalência
de obesidade e sobrepeso na população infantil, bem como suas consequências na
saúde do indivíduo tornam-se aparentes na vida adulta. É fundamental, porém,
ter a visão que refletem, na verdade, hábitos adquiridos na infância (Escobar &
Valente, 2007). Sua associação com diversas condições mórbidas e associação a
aspectos psicossociais (Bernardi et al., 2005) fazem com que a obesidade posicionese atualmente como um grave problema de saúde.
O aumento de peso na infância muitas vezes está associado culturalmente à
“saúde”. É frequente pais desejarem que o filho esteja cheio de dobrinhas e bem
gordinho, “o bebê Johnson”, assim o alimento é oferecido de forma indiscriminada
ao menor sinal de necessidade manifestada pela criança, e não percebem que a
criança chora por outros motivos além de fome, frio, calor, cansaço, sono etc.
(Fisberg, 1995). Este comportamento induz ao desenvolvimento de indivíduos
obesos, os quais se alimentam para resolver ou compensar problemas dos quais,
às vezes, não têm consciência. Dois terços dos obesos consomem carboidratos, não
Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009 –
995
A n a F l á v i a G r a n v i l l e - G a rc i a , V a l d e n i c e A p a r e c i d a d e M e n e z e s , P e d r o I sr a e l C a b r a l d e L i r a ,
L e o p o l d i n a A u g u s t a S e r q u e i r a , J a i n a r a M a r i a S o a r e s F e rr e i r a , A l e ss a n d r o L e i t e C a v a l c a n t i
somente para aliviar a fome, mas para combater tensões, ansiedade, fadiga mental
e depressão (Bernardi et al., 2005).
Embora muitos acreditem que o crescimento do sobrepeso e da obesidade
tenha sido causado apenas pelo aumento do consumo de alimentos com alto
valor energético e, sobretudo, ricos em lipídios e carboidratos simples, pobre
em fibras, esse fator, de forma isolada, provavelmente não consiga explicar o
aumento exponencial das taxas de prevalência de sobrepeso e de obesidade no
mundo. A redução dos níveis de atividade física diária parece exercer, também,
um papel fundamental nesse processo (Márquez-Lopez et al., 2004; Ronque et al.,
2005, Bellows et al., 2008). O que pode ter contribuído para tal fato é o aumento
da violência induzindo ao confinamento das crianças em seus lares, sentadas ou
deitadas diante da TV, jogando videogame ou mesmo na internet, o que leva a
um desequilíbrio na balança energética, com aumento do consumo de alimentos
e pouco gasto calórico (Taddei et al., 2002).
Portanto, mostra-se necessária a implantação de programas de educação
alimentar e incentivo à prática de atividades físicas nas escolas, especialmente
nas escolas privadas, assim como uma revisão de prioridades e estratégias de
intervenção da saúde pública, visando à prevenção precoce com o intuito de
controlar doenças crônicas na vida adulta (Escobar & Valente, 2007; Alves et
al., 2009).
6. Conclusão
Conclui-se que a prevalência de sobrepeso e obesidade em pré-escolares foi
elevada e esteve associada à escola privada. A necessidade de direcionar programas
educativos visando à educação alimentar e à prática de exercícios como rotina no
âmbito escolar, bem como tratamento, se faz necessária para sanar esse eminente
problema de saúde pública.
Referêcias
Abrantes, M. M.; Lamounier, J. A.; Colosimo, E. A. Comparison of body
mass index values proposed by Cole et al. (2000) and Must et al. (1991) for
identifying obese children with weight-for-height index recommended by the
World Health Organization. Public Health Nutrition, v. 6, n. 3, p. 307-311, 2003.
Alves, J. G. B.; Siqueira, P. P.; Figueiroa, J. N. Excesso de peso e inatividade
física em crianças moradoras de favelas na região metropolitana de Recife, PE.
Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 85, n. 1, p. 67-71, 2009.
996
– Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009
Prevalência
d e s o b r e p e s o e o b e s i d a d e e m p r é - e sc o l a r e s d e e sc o l a s p ú b l i c a s e p r i v a d a s e m
Recife, Pernambuco, Brasil
Bernardi, F.; Cichelero, C.; Vitolo, M. R. Comportamento de restrição
alimentar e obesidade. Revista de Nutrição, Campinas, v. 18, n. 1, p. 85-96,
2005.
Bellows, L.; Anderson. J.; Gould, S. M.; et al. Formative research and
strategic development of a physical activity component to a social marketing
campaign for obesity prevention in preschoolers. Journal of Community Health,
New York, v. 33, n. 33, p. 169-178, 2008.
Corso, A. C. T.; Viteritte, P.; Peres, M. A. Prevalência de sobrepeso e
sua associação com a área de residência em crianças menores de 6 anos de
idade matriculadas em creches públicas de Florianópolis. Revista Brasileira de
Eidemiologia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 201-209, 2004.
Dietz, W. H. Childhood weight affects adult morbidity and mortality. The
Journal of Nutrition, Philadelphia, v. 128, suppl. 2, p. 411-414, 1998.
Dieu, H. T. T.; Dibley, M. J.; Sibbritt, D.; et al. Prevalence of overweight and
obesity in preschool children and associated socio-demographic factors in Ho
Chi Minh City, Vietnam. International Journal of Pediatric Obesity, London, v. 2, n.
1, p. 40-50, 2007.
Escobar, A. M. U.; Valente, M. H. Sobrepeso: uma nova realidade no estado
nutricional de pré-escolares de Natal, RN. Revista da Associação Médica Brasileira,
São Paulo, v. 53, n. 5, p. 378-379, 2007.
Francischi, R. P. P.; Pereira, L. O.; Freitas, C. S.; et al. Obesidade:
atualização sobre sua etiologia, morbidade e tratamento. Revista de Nutrição,
Campinas, v. 13, n. 1, p. 17-28, 2000.
Fisberg, M. Obesidade na infância e adolescência. In: ______. (Org.). Obesidade
na infância e adolescência, São Paulo: BYK, 1995. p. 9 - 13.
Hudson, C. E. Being overweight and obese: black children ages 2-5 years. The
ABNF Journal, v. 19, n. 3, p. 89 - 91, 2008.
IBGE. Resultados da amostra do censo demográfico 2000 - Malha municipal digital do
Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em: 11 set. 2008.
Granville-Garcia, A. F.; Menezes, V. A.; Lira, P. I. C Dental trauma and
associated factors in Brazilian preschoolers. Dental Traumatology, Copenhagen, v.
22, n. 6, p. 318-322, 2006.
Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009 –
997
A n a F l á v i a G r a n v i l l e - G a rc i a , V a l d e n i c e A p a r e c i d a d e M e n e z e s , P e d r o I sr a e l C a b r a l d e L i r a ,
L e o p o l d i n a A u g u s t a S e r q u e i r a , J a i n a r a M a r i a S o a r e s F e rr e i r a , A l e ss a n d r o L e i t e C a v a l c a n t i
Granville-Garcia, A. F.; Menezes, V. A.; Lira, P. I. C.; et al. Obesity and
dental caries among preschool children in Brazil. Revista de Salud Pública,
Bogotá, v. 10, n. 5, p. 788-795, 2008.
Jelliffe, D. B. Evaluación del estado nutrición de la comunidad, Genebra: OMS, 1968.
Kain, J. B.; Lera, L. M.; Rojas, J. P.; et al. Obesidad en preescolares de la
Región Metropolitana de Chile. Revista Médica de Chile, Santiago, v. 135, n.
1, p. 63-70, 2007.
Karp, W. B. Childhood and adolescent obesity: a national epidemic. Journal
of the California Dental Association, Sacramento, v. 26, n. 10, p. 771-773, 1998.
Kumar, H. N. H.; Mohanan, P.; Kotian, S.; et al. Prevalence of overweight
and obesity among pre-school children in semi urban South India. Indian
Pediatrics, New Delhi, v. 45, n. 6, p. 497-499, 2008.
Kuczmarski, R. J.; Ogden, C. L.; Grummer-Strawn, L. M.; et al. CDC
growth charts: United States. Advance Data, Maryland, n. 314, p. 1-27, 2000.
Maltz, M.; Silva, B. B. Relação entre cárie, gengivite e fluorose e nível
socioeconômico em escolares. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 35, n. 2,
p. 170-176, 2001.
Marques-Lopes, I.; Marti, A.; Moreno-Aliaga, M. J. et al. Aspectos genéticos
da obesidade. Revista de Nutrição, Campinas, v. 17, n. 3, p. 327-328, 2004.
Mei, Z.; Scanlon, K. S.; Grummer-Strawn, L. M.; et al. Increasing
prevalence of overwight among US low-income pre-school children: the
centers for disease control and prevention pediatric nutrition surveillance,
1983 to 1995. Pediatrics. Evanston, v. 101, n. 1, p.E12, 1998.
Ministério da Saúde. PNDS 2006. Pesquisa Nacional de Demografia em
Saúde da Criança e da Mulher. Relatório. Versão preliminar. Brasília, 2008.
283p. Disponível em: <http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
relatorio_pnds_2006.pdf>. Acesso em: 26 set. 2009.
Mondini, L.; Monteiro, C. A. Relevância epidemiológica da desnutrição e
obesidade em distintas classes sociais: métodos de estudo e aplicação à população
brasileira. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 28-39, 1998.
Monteiro, C. A.; Conde, W. L. Tendência secular da desnutrição e da obesidade
na infância da cidade de São Paulo (1974-1996). Revista de Saúde Publica, São Paulo,
v. 34, n. 6, p. 52-61, 2000.
998
– Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009
Prevalência
d e s o b r e p e s o e o b e s i d a d e e m p r é - e sc o l a r e s d e e sc o l a s p ú b l i c a s e p r i v a d a s e m
Recife, Pernambuco, Brasil
Motta, M. E. F. A.; Silva, G. A. P. Desnutrição e obesidade em crianças:
delineamento do perfil de uma comunidade de baixa renda. Jornal de Pediatria, Rio
de Janeiro, v. 77, n. 4, p. 288-293, 2001.
National Center for Health Statistics. NCHS. Growth curves for children, birth 18
years. United States: HyaHsville, M. D: National Center for Health Statistics, Séries,
11, n. 165, 1978.
Oliveira, A. M. A.; Cerqueira, E. M. M.; Oliveira, A. C. Prevalência de
sobrepeso e obesidade infantil na cidade de Feira de Santana-BA: detecção na
família X diagnóstico clínico. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 79, n. 4, p. 325328, 2003.
Onyango, A. D.; Onis, M.; Carol, M.; et al. Field-testing the WHO child growth
standards in four countries. The Journal of Nutrition, Philadelphia, v. 137, n. 1, p.
149–152, 2007.
Pinto, M. C. M.; Oliveira, A. C. Ocorrência da obesidade infantil em préescolares de uma creche de São Paulo. Einstein, v. 2, n. 1, p. 170-175, 2009.
Ronque, E. R. V.; Cyrino, E. S.; Doréa, V. R.; et al. Prevalência de sobrepeso e
obesidade em escolares de alto nível socioeconômico em Londrina, Paraná, Brasil.
Revista de Nutrição, Campinas, v. 18, n. 6, p. 709-717, 2005.
Santos, A. L. B; Leão, L. S. C. S. Perfil antropométrico de pré-escolares de uma
creche em Duque de Caxias, Rio Janeiro. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v.
26, n. 3, p. 218-224, 2008.
Senbanjo, I. O.; Adejuyigbe, E. A. Prevalence of overweight and obesity in Nigerian
preschool children. Nutrition and Health, Berkhamsted, v. 18, n. 4, p. 391-399, 2007.
Silva, G. A. P.; Balaban, G.; Freitas, M. M. V.; et al. Prevalência de sobrepeso e
obesidade em crianças pré-escolares matriculadas em duas escolas particulares de
Recife, Pernambuco. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 3, n. 3, p.
323-327, 2003.
Silva, D. A. S. Prevalência de sobrepeso e obesidade em pré-escolares de alto nível
sócio-econômico da cidade de Aracaju-SE. Medicina, Ribeirão Preto, v. 41, n. 2, p.
177-181, 2008.
Taddei, J. A. A. C.; Rodrigues, F. A. B.; Monteiro, E.; et al. Desvios
nutricionais em menores de cinco anos. São Paulo: Bartira Gráfica, 2002. 64p.
Taddei, J. A. A. C. Epidemiologia da obesidade na infância. Pediatria Moderna,
Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009 –
999
A n a F l á v i a G r a n v i l l e - G a rc i a , V a l d e n i c e A p a r e c i d a d e M e n e z e s , P e d r o I sr a e l C a b r a l d e L i r a ,
L e o p o l d i n a A u g u s t a S e r q u e i r a , J a i n a r a M a r i a S o a r e s F e rr e i r a , A l e ss a n d r o L e i t e C a v a l c a n t i
São Paulo, v. 29, n. 2, p. 111-115, 1993.
Wake, M.; Hardy, P.; Canterford, L.; et al. Overweight, obesity and girth of
Australian preschoolers: prevalence and socio-economic correlates. International
Journal of Obesity, London, v. 31, n. 7, p. 1044-1051, 2007.
World Health Organization. Physical Status: the use and interpretation of
anthropometry. Geneva: WHO - Technical Report Series 854, 1995. 47p.
Recebido em: 25/06/2009
Apovador em: 29/10/2009
1000
– Cad. Saúde Colet., Rio
de
Janeiro, 17 (4): 989 - 1000, 2009

Documentos relacionados

artigo original Sobrepeso e Obesidade Infantil: Influência de

artigo original Sobrepeso e Obesidade Infantil: Influência de escolas públicas e as das escolas privadas. Analisou-se 699 crianças, selecionadas de 28 escolas, correspondente a cerca de 10% do número total de escolas da referida região do estudo, sendo 10 da ...

Leia mais