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Doutrina Nacional Correção e Esclarecimento de Sentenças Arbitrais * LUIZ OLAVO BAPTISTA Sócio-Fundador da L. O. Baptista Advogados em São Paulo, Professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Obteve seu Doutorado em Direito Internacional pela Universidade de Paris II, Doutor H. C. da Universidade de Lisboa. Membro do Órgão de Apelação da OMC de 2001 a 2009, o qual presidiu durante o ano de 2008. RESUMO: Este texto foca os pedidos de correção e esclarecimentos de sentenças arbitrais, apresentando legislações de diversos países e regras de diferentes instituições arbitrais a esse respeito. Discute, ainda, o modo como esses pedidos devem ser encarados pelo Tribunal Arbitral e como evitar abusos das partes. ABSTRACT: The subject matter of this study are the requests for correction and clarification of arbitral awards, thereby presenting provisions included in legislations of several jurisdictions and different arbitration rules in this regard. It furthermore discusses how the arbitral tribunal should face said requests and how it can prevent abuses from the parties. SUMÁRIO: Introdução; A) Pedidos de correção do laudo arbitral; (i) O preenchimento de lacunas; (ii) Correção de erros materiais e ortográficos; B) Pedidos de esclarecimentos; Conclusão. INTRODUÇÃO Teoricamente, o papel desempenhado pelo árbitro em uma disputa termina no momento em que ele assina a sentença. Entretanto, esta afirmação precisa ser tomada como um grão de sal. Isso porque não contempla a eventualidade da sentença arbitral conter omissões, erros ou obscuridades. Mas pode ocorrer na prática, e por esta razão várias regras arbitrais 1 e as legislações 2 da maioria dos países permitem às partes solicitar ao Tribunal Arbitral o preenchimento de lacunas, a correção de erros materiais ou ortográficos e o esclarecimento de ambiguidades na decisão. 8 RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL É interessante notar que não se comenta o direito moral que os árbitros têm, na qualidade de autores 3, de corrigirem os erros formais que cometam, ou aqueles decorrentes de enganos datilográficos ou aritméticos. Mas o poder do Tribunal Arbitral para interpretar suas próprias sentenças é reconhecido por muitos países do sistema romano germânico 4, a civil law, e em alguns do sistema jurídico anglo-saxão 5, a common law. Os pedidos para interpretação de sentenças arbitrais que a lei brasileira, como outras, autoriza tornaram-se populares em países do common law devido à crescente aceitação da Lei modelo da Uncitral 6 e de suas respectivas regras 7. R. D. A. Knutson lembra-nos que o Tribunal pode voltar atrás e reconsiderar a sua sentença, mas a exata configuração e amplitude deste poder não são claras e permanece ele de forma confusa, possuindo conceitos comuns à maioria dos países cujo sistema pode ser romano germânico ou anglo-saxão; como, por exemplo, o res judicata e functus officio. 8 De que modo o Tribunal Arbitral deve encarar esta situação, independentemente do tipo de sistema jurídico aplicado, e como isto pode prevenir abusos das partes estão entre as questões a serem discutidas neste texto. Usualmente, as partes, em uma arbitragem comercial internacional, veem-se diante de algumas possibilidades após a publicação da sentença 9 . Entre elas, os pedidos de correção e esclarecimento do laudo arbitral, que serão focados aqui. Emprego o termo correção para a retificação de omissões e de erros materiais ou ortográficos. O termo esclarecimentos, por sua vez, é empregado como sinônimo de interpretação, visto como a busca do real intento da decisão do Tribunal Arbitral, seja na motivação da sentença, seja no seu mérito. RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL 9 Convém começar pelos pedidos de correção (A), encarando a definição de lacunas e de que modo elas podem ser preenchidas e, depois, a descrição dos erros materiais, ortográficos e sua correção. Depois, voltar-nos-emos aos pedidos de esclarecimento (B), analisando no que consistem as obscuridades, qual seu conceito. Tudo isto levando em conta que o mérito da decisão não pode ser reformado pelos árbitros após terem proferido sua sentença. A) PEDIDOS DE CORREÇÃO DO LAUDO ARBITRAL Os erros mais comuns nas sentenças arbitrais são a omissões, total ou parcial, de algum pedido que devesse ter sido objeto da decisão ou, pelo menos, objeto de consideração pelo laudo arbitral, assim como a ausência de alguma palavra no texto (i); a existência de erros materiais e ortográficos também é bastante comum (ii). Estes erros são objeto de um pedido de correção, e não de esclarecimento da sentença, pois o seu objetivo não é descobrir qual era a intenção dos árbitros, mas identificar defeitos, tais como as omissões ou erros materiais no texto, resultantes de um lapso da atenção dos árbitros e corrigi-los. (i) O preenchimento de lacunas Uma lacuna aparece sempre que um pedido ou questão que devesse ter sido apreciado pelo laudo ou uma palavra ou informação substanciais forem omitidos na decisão arbitral 10. A correção poderá ser apresentada às partes como sentença adicional na primeira situação, ou como um adendo, na segunda. Circunstâncias, tais como a composição do Tribunal Arbitral, as regras aplicáveis à correção, os usos e costumes em matéria de procedimento e a extensão e natureza da lacuna, são levadas em consideração pelos árbitros quando é feita a escolha entre proferir uma sentença complementar ou remediar a situação emitindo um adendo. O que realmente importa, na verdade, é a substância da decisão corretora. Quando uma palavra ou informação é omitida no texto da sentença, a solução corriqueira é fazer um adendo a esta. Corresponderia a uma errata na indústria da edição. A correção ou emenda segue o mesmo procedimento formal utilizado nos casos de erros materiais ou ortográficos. Por isso a questão será examinada no próximo tópico ("Correção de erros materiais e ortográficos"). 10 RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL Já quando a decisão a respeito de algum pedido for omitida no laudo arbitral (laudo infra petita), a solução apropriada é pedir que a lacuna seja eliminada, quando caberá proferimento de uma sentença adicional. O propósito desta solução "é prevenir que um Tribunal nacional anule uma sentença arbitral pelo fato de ser incompleta ou por ter deixado de decidir uma questão que lhe competia" 11. A peculiaridade desse tipo de ação reside no fato de que corrigir omissões pode evitar a necessidade de esclarecimentos. Uma vez que o propósito de um laudo suplementar é retificar uma omissão, assim que a lacuna for preenchida, a decisão dos árbitros deverá ser melhor compreendida. O pedido de sentença adicional obedece a regras de procedimento similares na maioria das leis de arbitragem e legislações, variando mais em razão de prazos para as partes e para os árbitros. Convém manter em mente que este tipo de correção normalmente não ocorre por iniciativa do Tribunal Arbitral 12 , embora, excepcionalmente, possam haver casos em que isso ocorra. Depois de receber a sentença arbitral, as partes têm, normalmente, 30 (trinta) dias para pedir uma sentença adicional, notificando a parte contrária. Porém, como sabemos, esse prazo não é universal. De acordo com o art. 37.2 das Regras de Arbitragem da Uncitral, de 1976, "se o Tribunal Arbitral considerar que o pedido de laudo adicional é justificado e considerar que a omissão pode ser retificada sem que haja necessidade de mais audiências ou provas, ele deve completar a sua sentença dentro de 60 (sessenta) dias depois do recebimento do pedido". A Corte Internacional de Arbitragem de Londres, de 1998, também concede 60 (sessenta) dias como tempo limite para proferir uma sentença adicional. Sob as regras da Associação Americana de Arbitragem, o prazo é substancialmente mais curto - a sentença adicional deve ser emitida dentro de 30 (trinta) dias a contar da data do pedido. A Lei de Arbitragem Brasileira admite o pedido de laudo adicional em seu art. 32, II. O texto obedece ao padrão das regras institucionais acima referidas, a diferença residindo nos prazos. As partes têm apenas 5 (cinco) dias para fazer o pedido, enquanto que o Tribunal Arbitral deve respeitar a data limite de 10 (dez) dias para proferir a sentença adicional. RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL 11 A Lei de Arbitragem Inglesa, de 1996, também prevê a correção 13 , ficando as partes então adstritas a um limite de 28 (vinte e oito) dias, enquanto o Tribunal terá 56 (cinquenta e seis) dias para emitir a sentença pedida. O quadro abaixo 14 ilustra as diferenças no tratamento dos pedidos de sentença adicional em algumas instituições de arbitragem e legislações. SENTENÇAS ADICIONAIS Regras Institucionais Uncitral CCI LCIA SCC Prevê sentenças adicionais? Sim Não Sim Sim Por iniciativa do Tribunal Arbitral? Não ------ Não Não Prazo-limite concedido para as partes pedirem 30 dias ------ 30 dias 30 dias Prazo-limite para o Tribunal Arbitral decidir 60 dias ------ 60 dias 60 dias * Neste caso, o Tribunal Arbitral concede 56 dias, contados após a data da sentença original. Quando o propósito da sentença adicional for lidar com questões que devessem ter sido tratadas, mas foram omitidas na decisão arbitral, há duas possibilidades: primeiro, o pedido deve contestar uma sentença questionando somente as questões que foram supostamente ignoradas; segundo, o requerimento não deve ser utilizado como artifício para introduzir novos pedidos. A primeira condição resulta em que uma sentença arbitral, lidando somente com questões processuais e não abrangendo o mérito da disputa, não está sujeita ao pedido de sentença adicional. Parece irrelevante se a decisão é final ou parcial 15 , porque o que realmente importa é a omissão de qualquer pedido que supostamente devesse ter sido tratado dentro desta sentença 16. 12 RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL A segunda condição relaciona-se ao intuito específico da sentença adicional, que é o de decidir um pedido de uma das partes, a respeito do qual a sentença foi omissa ou, em outras palavras, visa a suprimir uma lacuna. Os termos de arbitragem, atas de missão e documentos similares devem servir como parâmetros para determinar se a lacuna alegada pela parte, ou pelas partes, refere-se a um pedido previamente definido ou se é simples e erroneamente um pedido que concerne questão fora da alçada da arbitragem. Concordamos com Trittman e C. Duve quando dizem que "utilizando-se de seu poder discricionário, o Tribunal Arbitral tem que examinar se a questão arguida foi realmente apresentada no curso do procedimento ou se ela se configura como um novo pedido" 17. O pedido de sentença adicional é algo pouco comum e nem sempre é previsto por regras institucionais. Desse modo, não há muitos precedentes 18 . Todavia, existe uma decisão proferida sob as regras da Uncitral, abundantemente discutida, que merece exame. É o caso Lockheed Corporation vs. Irã 19. A disputa neste caso nasceu quando a empresa norte-americana Lockheed Corporation reclamou prejuízos que teriam resultado de suas atividades e negócios com o Irã e a Força Aérea Iraniana 20 . O Tribunal de Apelação Irã-EUA formado 21 operava sob as regras da Uncitral e acabou por decidir contra a reconvenção do Irã. Argumentando que Lockheed deveria ser condenada a devolver certas peças para o Irã e solicitando esclarecimento quanto ao status de outras peças em poder da Lockheed, o Irã entrou com um pedido após a promulgação da sentença, mas não especificou se era um pedido de correção ou esclarecimento da sentença arbitral. O Tribunal notou de imediato que um pedido de correção 22 de erros era claramente não aplicável ao caso. Além disso, um pedido de esclarecimento 23 também não poderia ser examinado, pois o Irã tinha demandado somente pelos danos sofridos durante o curso do procedimento; assim, a entrega física de peças e partes não poderia ser objeto de um pedido após a sentença arbitral. Finalmente, proferir uma sentença adicional 24 não seria apropriado já que o Irã não tinha especificado questionamento quanto ao qual o Tribunal pudesse ter se omitido no procedimento original. RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL 13 Assim, parece-nos claro que o pedido de sentença adicional tem seu escopo limitado a retificar uma questão omitida. Qualquer nova demanda trazida pelas partes no pedido pós-sentença será considerada abuso e, portanto, rejeitada pelo Tribunal Arbitral. Prosseguimos agora vendo os pedidos para correção de erros materiais e ortográficos, os mais frequentes em todos os questionamentos pós-arbitrais. (ii) Correção dos erros materiais e ortográficos Os erros materiais são computacionais, tais como erros no cálculo de certa quantia. Os erros ditos ortográficos são meramente tipográficos ou de natureza técnica similar, como datas erradas, números invertidos e palavras fora do lugar. Ambos os tipos de erro devem ser evidentes. Em qualquer dos casos, os erros são aquilo que a teoria da comunicação chama de ruídos e, ainda que não afetem a intenção dos árbitros, eles podem acarretar uma dificuldade de compreensão para um leitor menos alerta. Por essa razão, erros devem ser corrigidos; "mas a correção não significa que o Tribunal mudou sua decisão. Ao contrário, significa apenas que o Tribunal tinha, à primeira vista, expressado incorretamente sua decisão" 25. Desse modo, fica claro que a retificação de erros óbvios deve ser feita concomitantemente ao pedido pós-arbitral de correção e não de esclarecimento. Nada será interpretado novamente pelo Tribunal, que irá apenas realizar uma revisão técnico-formal. A moção de correção de qualquer erro na sentença arbitral pode decorrer de iniciativa do Tribunal Arbitral que, após a releitura, detectou o erro, ou a pedido de qualquer das partes. Quando o próprio Tribunal Arbitral detecta erro na sentença, ele mesmo pode emitir uma emenda ou uma corrigenda. As regras do CCI concedem ao Tribunal Arbitral 30 (trinta) dias para submeter um adendo à aprovação da Corte 26 . O prazo-limite concedido para a correção sponte propria pelo Tribunal Arbitral é o mesmo sob as Regras da Uncitral 27, SCC 28 e LCIA 29. 14 RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL A Lei modelo da Uncitral 30 prevê correção de erros por iniciativa do próprio Tribunal. A Lei inglesa de Arbitragem, em seu art. 57.3(a), também contempla essa possibilidade e não parece que haja leis proibindo esta prática em outros países. As partes também têm a faculdade de pedir ao Tribunal Arbitral a correção de erros na sentença. Sob as regras da CCI 31 , a parte interessada deve realizar o pedido em até 30 (trinta) dias após o recebimento da sentença. O Tribunal então concederá à outra parte um prazo curto, normalmente não excedendo 30 (trinta) dias, para manifestar-se. Finalmente, o Tribunal Arbitral apresentará à Corte da CCI rascunho de sua decisão em até 30 (trinta) dias. No que concerne ao procedimento de correção sob as regras da CCI, M. Bühler e S. Jarvin interessantemente notam que o que é previsto pelas regras da CCI é exatamente o que ocorre na prática: em mais de trezentas decisões aprovadas a cada ano pela Corte e, apesar dos árbitros da CCI terem usado os seus melhores esforços para redigir sentenças, somente uma pequena quantidade passa esse escrutínio sem que o Secretariado e/ou a Corte encontrem pelo menos um erro tipográfico [...]. Entretanto, como a prática mostrou, o sistema ainda assim não é 100% (cem por cento) seguro e, baseando-se em experiências passadas, a necessidade de manter as correções já feitas em uma decisão aumentou, mesmo após a aprovação da mudança pela Corte e, muitas vezes, depois da sua notificação às partes. 32 Outras regras institucionais também preveem a correção da sentença por iniciativa de qualquer das partes. As regras da Uncitral do art. 36.1, por exemplo, estabelecem que "até 30 (trinta) dias após o recebimento da sentença, qualquer das partes, cientificando a outra parte, pode requerer ao Tribunal Arbitral que corrija na sentença qualquer erro de computação, ortografia, decorrentes de equívoco tipográfico ou outros da mesma natureza". Sob as regras da SCC da LCIA 34 33 e , não somente as partes, mas também o Tribunal Arbitral é adstrito ao prazo de 30 (trinta) dias para incluir sua decisão. RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL 15 Nós podemos encontrar previsões similares, sempre com diferentes prazos, nas diversas legislações, como a Lei brasileira de Arbitragem, em seu art. 30, ou na Lei inglesa de Arbitragem, art. 57 35. Nesse sentido, G. B. Born apropriadamente lembra: Mesmo onde não existam mecanismos legais, Cortes Nacionais adaptaram modos limitados de correção de sentenças errôneas. Estas várias ações são necessárias para evitar a inaceitável possibilidade de que uma parte se veja vinculada a uma sentença, dispondo sobre algo que os árbitros não pretendiam ordenar e não queriam conceder. 36 Como a Convenção de Nova York não exige ou impõe expressamente, nem proíbe os procedimentos para correção de sentenças arbitrais e, considerando que uma sentença com erros não deve produzir efeito, parece crível que, na ausência de leis ou Regras Institucionais aplicáveis, as partes estejam livres para incluir nas regras de procedimento a possibilidade de correção, quando elaborarem os Termos de Referência (ou equivalente) da disputa 37 . Em raras circunstâncias, os Tribunais de alguns países exerceram a faculdade de proceder a uma revisão formal da decisão arbitral, como previsto pelo Ato Federal de Arbitragem dos EUA, Seção nº 11 38. A tabela abaixo resume as diferenças e similaridades entre Regras Institucionais e legislações referentes ao procedimento de correção das sentenças arbitrais. 16 RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL CORREÇÃO DE SENTENÇAS Regras Institucionais Uncitral CCI SCC LCIA Observa correção de sentenças? Sim Sim Sim Sim Por iniciativa do Tribunal Arbitral? Sim, em até 30 dias Sim, em até 30 dias Sim, em até 30 dias Sim, em até 30 dias Prazo-limite concedido para as partes fazerem o pedido 30 dias 30 dias 30 dias 30 dias Prazo-limite concedido ao Tribunal Arbitral para decidir ___ 30 dias 30 dias 30 dias * FAA permite a correção de sentenças arbitrais proferidas pela Corte dos Estados Unidos. Apesar de ser claro que uma decisão só pode ser sujeita à reforma quando há um erro óbvio, as partes ainda tentam usar o pedido de correção como uma oportunidade para questionar o conteúdo, a substância da sentença. Por esta razão, os Tribunais Arbitrais corriqueiramente recordam o propósito de um pedido de adendo à sentença, tornando manifesto às partes que a possibilidade de correção tem limites restritos e não deve assumir o caráter de apelação ou embargos infringentes da sentença arbitral. O estrito escopo das Regras da Uncitral, art. 36, por exemplo, foi reafirmado em diversas decisões do Tribunal Irã-EUA 39: Harris Int’l Telecomms., Inc. v. Iran Iran 44 ; American Bell Int’l, Inc. v. Iran ; Petrolane, Inc. v. Iran 43 ; Paul Donin de Rosiere v. Iran 45 Corp v. Iran 42 40 Laboratories, Inc. v. Iran 47 41 ; Unidyne ; Picker International Corp. v. ; Sedco, Inc. v. Nioc ; Uiterwyk Corp v. Iran 48 46 ; Endo e Avco Corp. v. Iran 49. RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL 17 Além disso, a previsão incomum da FAA (a qual, como explicado acima, permite que Cortes judiciais façam correção de sentenças arbitrais) foi também matéria de interpretação jurisprudencial. Em 29 de agosto de 2003, a 9ª Turma da Corte de Apelação entendeu que as Seções nºs 10 e 11 da FAA autorizam uma Corte Federal a corrigir um erro técnico presente em uma sentença arbitral, total ou parcialmente, e que anule uma decisão somente quando esta é completamente irracional ou exibe manifesto desacordo à lei. Para completar, a Corte sustenta que "partes privadas não têm autoridade para ditar a maneira pela qual as Cortes Federais conduzem procedimentos judiciais. Este poder é reservado ao Congresso - e quando o Congresso não se manifesta acerca do tema, as Cortes solucionam o impasse por si só". Na hipótese como o Congresso estatuiu, que os Tribunais Federais devam rever decisões arbitrais somente em certos casos, com certos erros, as partes são impotentes para selecionar um modelo diferente de revisão - mesmo que aquele padrão requeira revisão ante fatos incompatíveis com prova substancial e erros da lei 50. Concluindo, o reduzido âmbito das demandas voltadas aos temas correções, omissões, erros materiais ou ortográficos significa que o Tribunal Arbitral não deve ser convidado a revisar seu raciocínio ou conclusões na sentença. Pedidos por esclarecimentos serão discutidos a seguir e estes terão um propósito similar. B) PEDIDOS DE ESCLARECIMENTOS O texto da sentença arbitral pode conter ambiguidades, permitindo mais de uma interpretação para uma única afirmação. Isso também pode acarretar obscuridade, isto é, confusão e dificuldade ao entendimento. Esses erros podem estar sujeitos ao procedimento de esclarecimento, pelo qual o Tribunal Arbitral é convidado a esclarecer ou revelar o real significado do que foi escrito. Desse modo, muitas regras institucionais e legislações nacionais disciplinam ações pós-sentenciais para esclarecimentos de decisões arbitrais. Além disso, a atribuição ao árbitro de interpretar suas próprias decisões pode ter seus alicerces no acordo entre as partes, já que um dos princípios-guias da arbitragem é o direito das partes de criarem as regras para si mesmas 51. O escopo da ação de esclarecimento pode explicar a razão pela qual esta ação é questionada por iniciativa das partes: exatamente as partes são as interessadas à perfeita exegese e compreensão da sentença que lhe diz respeito. 18 RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL Como explicado acima, a resposta do árbitro ao pedido de correção da sentença pode ser uma modificação simples, quando for inapropriado realizar uma emenda ou uma sentença adicional. No que diz respeito ao pedido de esclarecimento, o Tribunal Arbitral pode, também, emitir uma decisão negando-se a interpretar a sentença. Porém, quando a interpretação é necessária, corriqueiramente, leva a forma de um adendo e constituirá parte da decisão. Seguindo as regras da Uncitral 52 , são concedidos 30 dias às partes - contados a partir do recebimento da sentença - para pedir uma interpretação. O Tribunal Arbitral precisa decidir, então, em até 45 dias contados do recebimento do pedido. O procedimento de esclarecimento sob as regras do SCC e CCI 53 segue os mesmos prazos descritos no procedimento de correção acima descrito. É interessante notar que as Regras do LCIA não se manifestam acerca de esclarecimento de sentenças, apesar de ser expressamente permitida a correção de erros materiais e datilográficos, bem como a emissão de sentença adicional no caso de omissão 54. A Lei brasileira de Arbitragem engloba a interpretação de obscuridades, dúvidas ou contradições na sentença. Mas os prazos aqui são consideravelmente mais curtos: 5 (cinco) dias para as partes questionarem e realizarem o pedido e 10 (dez) dias para o Tribunal Arbitral decidir sobre isso. Por outro lado, a Lei inglesa de Arbitragem prefere referir-se a esclarecimentos ou remoção de ambiguidades e concede 28 (vinte e oito) dias como prazo máximo para ambas as partes se manifestarem e para o Tribunal Arbitral emitir uma sentença. A tabela abaixo ilustra as considerações anteriores sobre pedidos para esclarecimentos de sentenças arbitrais em Regras Institucionais e Legislações Nacionais. ESCLARECIMENTO DE SENTENÇAS Regras Institucionais Uncitral ICC SCC LCIA Observa correção de sentenças? Sim Sim Sim Não Por iniciativa do Tribunal Arbitral? Não Não Não ------ Prazo limite concedido para as partes fazerem o pedido 30 dias 30 dias 30 dias ------ Prazo-limite concedido ao Tribunal Arbitral para decidir 45 dias 30 dias 30 dias ------ * Se acordado pelas partes. RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL 19 Pedidos de esclarecimentos e pedidos de correção constituem um importante instrumento empregado pelas partes podendo, porém, tentar alcançar revisão do conteúdo da sentença. Novamente, apesar de esta última prática ser muito frequente, não deve ela ser estimulada, já que a interpretação tem propósitos muito específicos, com pressuposto conceitual já jurisprudencialmente cristalizado. O poder de interpretar é oriundo de princípios gerais da Lei Internacional, particularmente extraídos de dois casos importantes: UK - French Continental Shelf e Chorzow Factory. No primeiro caso, a Corte Permanente de Arbitragem sustentou que interpretação é um processo auxiliar que não admite alterar o que a Corte estabeleceu com seu poder coercitivo. No segundo caso, a Corte Permanente de Justiça Internacional determinou que a interpretação deve fornecer uma definição precisa do significado e do escopo da decisão, não lhe sendo, porém, facultado alterá-la substancialmente 55. Além disso, as Regras da Uncitral, art. 35, foram longamente discutidas no contexto da disputa Irã-EUA Irã 57 56 . No caso Pepsico, Inc. v. , por exemplo, o Tribunal afirmou que interpretação significa esclarecimento e deve ser empregado quando a linguagem da sentença for ambígua. Outros casos reforçam a ideia na qual a interpretação é aplicável para remover ambiguidade do texto: Ford Aerospace & Communications Corporation v. Air Force of Iran Donin de Rosiere v. Iran 59 ; Sedco, Inc. v. Nioc 60 58 ; Paul ; Phibro Corporation v. Iran 61; Gabay v. Iran 62 e Eastman Kodak Co. v. Iran 63. D. Caron e L. Reed sugerem um interessante teste prático para identificar quando o pedido para esclarecimento, como previsto pelas Regras da Uncitral, art. 35, é aplicável: 20 RBAr Nº 26 - Abr-Jun/2010 - DOUTRINA NACIONAL Se, especificamente, linguagem ou pontuação na sentença são confusas - isto é, incompreensíveis ou suscetíveis à interpretação contraditória - particularmente a ambos, os clientes e advogados, então o art. 35 age como garantia. Sob o art. 35, o Conselho deve ser capaz, mediante pedido escrito, de notar a ambiguidade e extraí-la do texto sentencial. A verdadeira ambiguidade é um grande desafio, que definitivamente requer uma segunda análise do painel para que seja compreendida. Particularmente, se a sentença é confusa quanto ao "sentido da decisão e suas resultantes obrigações e direitos das partes", os esclarecimentos irão aumentar as chances de cumprimento voluntário do que foi disposto na sentença. Ambiguidade não somente impedirá que a decisão seja considerada satisfatória, mas também complicará qualquer posterior relação comercial entre as partes. CONCLUSÃO A faculdade jurídica de proceder à correção e a esclarecimentos de sentenças arbitrais deriva da contingência do próprio gênero humano - da impossibilidade de evitar erros. Devido a isso, até mesmo ordens procedimentais podem conter deslizes ou obscuridades. Entretanto, estes estão em posição secundária, já que o procedimento não ultrapassa a esfera de instrumento voltado à decisão final. De toda forma, impugnação meramente procedimental não é objeto de nossos comentários no presente artigo. Ninguém, à primeira vista, considerando o interesse das partes e sua capacidade postulatória, poderia imaginar conceder aos árbitros faculdade de corrigir ou interpretar a sentença arbitral, sem que tenha havido qualquer questionamento do requerente e requerido. Teoricamente, como já salientado, esse poder é comparável ao direito do autor incluir uma errata para corrigir erros que seu texto possa conter. Mesmo assim, o silêncio das partes costuma dispensar qualquer manifestação dos árbitros e talvez seja por isso que seja incomum que a referida prática seja posta em ação. Outro tema ligado à correção e ao esclarecimento da sentença arbitral é a avaliação que precisa ser feita pelos advogados antes de formular o pedido. Aceito o pedido, a retificação ou interpretação - que implica custos - pode acarretar eventual surpresa. Além disso, muitas vezes a inabilidade de advogados que impolidamente ou agressivamente dirigem-se ao Tribunal pode acarretar reação instintiva por parte dos árbitros, que pacientemente já foram provocados por esses advogados, mediante uma linguagem inadequada. Sabidamente, regras de cortesia estão para o comportamento humano assim como regras de higiene estão para a saúde das pessoas. Em suma, a correção ou o esclarecimento da sentença arbitral só é admissível quando não pretende modificar a essência da decisão. Senão, constituiria o que foi chamado de jus sperniandi passado. 64 no
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