direito tributário e finanças públicas i

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direito tributário e finanças públicas i
DIREITO TRIBUTÁRIO E
FINANÇAS PÚBLICAS I
AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTA
COLABORAÇÃO: ANA ALICE DE CARLI
PARTE I
GRADUAÇÃO
2010.1
Sumário
Direito Tributário e Finanças Públicas I
AULA 1 – PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA. AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO.
BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS EM FACE DA EVOLUÇÃO SOCIAL. .............................................. 3
AULA 2 – O ESTADO FINANCEIRO, A REPÚBLICA E O FEDERALISMO FISCAL. A DISTRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES ENTRE OS
PODERES E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO NA FEDERAÇÃO. ............................................................................... 24
AULA 3 – O PLANEJAMENTO E AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS (PPA, LDO E LOA) ...................................................................... 47
AULA 4 – OS CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS E ADICIONAIS ............................................................................................. 79
AULA 5 – A DESPESA PÚBLICA, A EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO E A RESPONSABILIDADE FISCAL. ............................................ 94
AULA 6 – O FINANCIAMENTO DOS GASTOS, AS OPERAÇÕES DE CRÉDITO E A DÍVIDA PÚBLICA EM FACE DO EQUILÍBRIO FISCAL. .. 117
AULA 7 – O TRIBUNAL DE CONTAS E O CONTROLE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA. ........................................................... 129
AULA 8 – AS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS E A PARTILHA DE RECEITA TRIBUTÁRIA NO FEDERALISMO FISCAL
BRASILEIRO ................................................................................................................................................... 143
AULA 9 – A RECEITA PÚBLICA NO ÂMBITO DA TEORIA GERAL DOS INGRESSOS PÚBLICOS. ................................................. 162
AULA 10 – O PODER DE TRIBUTAR, A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E A CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA ................................. 181
AULA 11 – A POLÍTICA FISCAL E A EXTRAFISCALIDADE: A NECESSÁRIA COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE EFICIÊNCIA
ECONÔMICA, JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E A CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUTOS. ............................................. 197
AULA 12 – A PARAFISCALIDADE COMO TÉCNICA ADMINISTRATIVA PARA DESENVOLVER ATIVIDADES DE INTERESSE
PÚBLICO E O TRIBUTO NA CR-88 ......................................................................................................................... 229
AULA 13 – A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA, OS ELEMENTOS E AS DIVERSAS FASES DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. ................ 245
AULA 14 – AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO PODER DE TRIBUTAR. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS.
A LEGALIDADE E A NECESSÁRIA PONDERAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA JUSTIÇA FISCAL. ............ 274
AVALIAÇÃO: DUAS PROVAS ESCRITAS
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 1 – PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA. AS NECESSIDADES
PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. BREVE
HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS
EM FACE DA EVOLUÇÃO SOCIAL.
1.1 PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA
A compreensão de cada parte que compõe o objeto de estudo das Finanças
Públicas e do Direito Tributário, bem como das respectivas interações de seu
conjunto e a realidade social, pressupõe o entendimento de alguns elementos
de natureza estruturante da atividade do Estado, incluindo a tributação, seja
do ponto de vista jurídico-político, seja da visão exclusivamente econômica
ou, ainda, da perspectiva em que a Economia, a Política e o Direito se interpenetram. Esses elementos, todos essenciais ao entendimento da matéria e
cuja análise efetivar-se-á ao longo do curso, são:
1. o sistema de distribuição de funções, de independência e de harmonia entre os denominados “Poderes” da República1, assim como a
forma de Estado2 Democrático3 de Direito, usualmente denominados de princípio republicano, federativo e democrático, respectivamente, além da forma e do sistema de governo4 implementados,;
2. a função de planejamento exercida pelo Estado5;
3. os diferentes substratos econômicos de incidência tributária6, as denominadas “bases de tributação”, bem como as diversas possibilidades de repercussão econômica dos tributos sobre os diferentes agentes econômicos, os chamados contribuintes de fato, que arcam com
o ônus ou encargo financeiro do tributo (eg. consumidores finais
de bens e serviços, proprietários, locadores, locatários, industriais,
produtores agrícolas, comerciantes, prestadores de serviços em suas
diversas modalidades, financeiros, manual etc.), independentemente de quem seja designado pela lei como o sujeito passivo da relação jurídica-tributária (o denominado contribuinte de direito, que
possui o débito com o Fisco e tem o dever de extinguir o crédito
tributário);
4. a estrutura normativa de imposição tributária7, isto é, a relação e os
métodos de interpretação e de aplicação da norma jurídica-tributária à luz da indissociável correlação entre o Direito e a Economia.
A necessidade do prévio entendimento desses elementos, que englobam
múltiplas disciplinas, decorre do fato de que as Finanças Públicas e a Tributação são subsistemas tanto do Direito como da Economia, e, ao mesmo
tempo, expressão e resultante de um longo processo de sedimentação Política
1
Vide artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de
agora em diante simplesmente CR-88.
Importante também salientar o Título
IV da CR-88, intitulado “Da Organização
dos Poderes”. A parte relevante do tema
para o presente estudo será apresentada na Aula 2 e detalhado na Aula 3.
2
No caso brasileiro, a adoção da forma de
Estado Federado está expressa, em especial,
nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88. O
Federalismo Fiscal será introduzido na Aula
2 em conjunto com o início do estudo do
Capítulo II, do Título VI, da CR-88 (art. 163
a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”.
O exame do atual regime de repartição de
receitas tributárias na Federação brasileira
será aprofundado na Aula 8 e o estudo do
sistema de atribuição de competências
tributárias entre os entes políticos no Brasil
será realizado na Aula 10, ocasião em que
será analisado o Capítulo I, do Título VI, da
CR-88, intitulado “Do Sistema Tributário
Nacional”— art. 145 a 162 da CR-88).
3
O estudo da dinâmica e da ratio subjacente ao processo político democrático é de
fundamental importância para a compreensão de quais deveriam ser as atribuições
de cada um dos denominados Poderes
da República na definição e execução das
políticas públicas a serem implementadas
pelos entes políticos, assim como o papel
do planejamento e dos orçamentos na
sociedade brasileira.
4
Vide art. 2º dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa
questão é importante, por exemplo, para
a compreensão dos possíveis efeitos sobre o exercício da competência tributária
privativa dos entes políticos subnacionais
(Estados, Distrito Federal e Municípios),
na hipótese em que os tratados internacionais de natureza tributária firmados
pelo presidente da República Federativa
do Brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe
do Poder Executivo da União e chefe de Estado — da República Federativa do Brasil,
estabeleçam isenções e benefícios fiscais
de tributos estaduais e municipais. Sobre
o tema importante ressaltar a decisão do
Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF),
por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será
examinado na Aula 22.
5
O Estado atua, além do planejamento,
que será objeto de estudo na Aula 3, na
fiscalização e no incentivo, e bem assim
como agente normativo e regulador da
atividade econômica (art.174 da CR-88), na
prestação de serviços públicos (art. 175
da CR-88), na exploração da atividade
econômica (art. 173 da CR-88), em regime
de monopólio ou não (art. 177 da CR-88),
no exercício do poder de polícia (art. 78 da
Lei 5.172/66, norma denominada de Código
Tributário Nacional pelo Ato Complementar
n 36/1967 e recepcionada com status de lei
complementar pela CR-88, conforme será
examinado a partir da Aula 9).
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3
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e Cultural de determinado povo, localizado em território definido em dado
momento histórico, sob as inevitáveis influências das múltiplas interações
dinâmicas de âmbito local, regional e global.
No entanto, se por um lado há como pressuposto o exame multidisciplinar
das questões envolvidas, deve-se destacar que as normas econômicas não possuem caráter impositivo formal por força de sua simples existência, razão da
indispensabilidade da norma jurídica, pois somente esta se reveste da coercitividade muitas vezes necessária à realização e disciplina da atividade financeira
estatal e, ao mesmo tempo, pode, também, fixar os limites e os parâmetros para
a atuação do Estado de Direito, reduzindo o risco de descumprimento8 das “regras do jogo” pelas partes que interagem nas relações financeiras e tributárias.
Cumpre, ainda, ressaltar que o estudo das Finanças Públicas abrange toda
a atividade financeira do Estado, isto é, os orçamentos, as despesas, a dívida
pública bem como as diferentes formas de financiamento dos gastos públicos, destacando-se entre elas os tributos, as receitas decorrentes do patrimônio do próprio Estado e o crédito público.
Já o Direito Tributário, que no passado se encontrava formalmente inserido
no escopo de estudo do Direito Financeiro, assim compreendido como o sistema
normativo formal da atividade financeira estatal, cuida tão somente do tributo,
o qual representa apenas um subconjunto pertencente ao âmbito da estrutura da
matéria financeira, já que caracterizado por ser receita coativa de regime jurídico
público diferenciado. No entanto, o Direito Tributário desenvolveu-se de tal
forma nos últimos 40 anos que a maior parte da doutrina9 aponta no sentido da
sua “autonomia”, ainda que relativa10, haja vista que os tributos gozariam de:
1. autonomia científica — existência de um conjunto de regras, princípios e institutos próprios, inaplicáveis aos outros ramos do direito
(ex: o lançamento para constituir o crédito tributário, o qual será
objeto de estudo nos próximos semestres; os princípios da anterioridade clássica e nonagesimal, a serem estudados na Aula 15 etc.);
2. autonomia normativa — As Constituições de 1946 (art. 5°, XV,
b) e de 196711 (art. 8°, XVII, c) apenas fixavam a competência da
União para legislar sobre normas gerais de direito financeiro, o qual
se consubstancia como a disciplina jurídica da atividade financeira12,
sem haver menção expressa ao direito tributário. A Carta Magna
de 1988, por sua vez, confere status diferenciado ao Direito Tributário. O artigo 24, I, da CR-88 dispõe que compete à União, aos
Estados e ao DF legislar concorrentemente sobre direito tributário
e, também, direito financeiro, de forma apartada e individualizada.
Ainda, o artigo 163, I, e o artigo 146, ambos da CR-88, conferem
à lei complementar a atribuição, respectivamente, para dispor sobre
finanças públicas e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária; e
6
São três os substratos econômicos de incidência tributária: o Patrimônio, a Renda
e o Consumo. Ressalte-se, entretanto,
que determinado tributo formulado e
desenhado para atingir determinada base
econômica pode incidir, no mundo real, sobre outro substrato econômico diverso, por
força das condições de mercado ou, ainda,
em função das normas jurídicas aplicáveis
ou de sua interpretação. A matéria será
inicialmente examinada na Aula 10 e aprofundada nas Aulas 11e 16.
7
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da
Imposição Tributária. In: MARTINS, Ives
Gandra da Silva. (Coordenador). Curso
de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 1. Ensina o eminente autor: “A
imposição tributária, como decorrência
das necessidades do Estado em gerar
recursos para sua manutenção e a dos
governos que o administram, é fenômeno
que surge no campo da Economia, sendo
reavaliado na área das Finanças Públicas
e normatizado pela Ciência do Direito.
Impossível se faz o estudo da imposição
tributária, em sua plenitude, se aquele
que tiver de estudá-la não dominar os
princípios fundamentais que regem a
Economia (fato), as Finanças Públicas
(valor) e o Direito (norma), uma vez que
pretender conhecer bem uma das ciências, desconhecendo as demais, é correr o
risco de um exame distorcido, insuficiente
e de resultado, o mais das vezes incorreto.”
A matéria será objeto de discussão ao
longo do curso, sendo a interpretação e a
aplicação da norma tributária estudadas
nas Aulas 25 e 26.
8
LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito
I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro,
1983. Tradução de Gustavo Bayer. p. 110 e
115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa,
independentemente do fato de que ela de
tempos em tempos venha a ser frustrada.
Através da institucionalização o consenso
geral é suposto, independentemente do
fato de não existir uma aprovação individual (...) O direito não é primariamente um
ordenamento coativo, mas sim um alívio
para as expectativas. O alívio consiste na
disponibilidade de caminhos congruentemente generalizados para as expectativas,
significando uma eficiente indiferença
inofensiva contra outras possibilidades,
que reduz consideravelmente o risco de
expectativa contrafática”. A contenção e os
limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados durante todo o curso,
em especial após a Aula 11.
9
ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Manual de
Direito Financeiro & Direito Tributário. 15
ed. atual. com alterações no CTN e ampl.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.151.
“Parece-nos indiscutível a autonomia do
Direito Tributário porque possui conceitos,
princípios e institutos jurídicos que lhe são
próprios e distintos dos demais ramos do
direito”. O autor examina detalhadamente
a questão no Capítulo VI, p. 135-162.
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3. autonomia didática — a maioria dos cursos universitários no Brasil
oferecem o curso de Direito Tributário, não sendo abordada a matéria financeira ou apenas examinada tangencialmente.
Inquestionável, entretanto, que somente é possível compreender os tributos e a tributação no contexto das Finanças Públicas em sua interação com
a Política, o Direito e a Economia, fenômenos indissociáveis e usualmente
analisados separadamente por comodidade ou questões de ordem didática.
Fixadas essas preliminares, torna-se importante salientar o sentido e o alcance da expressão finanças para melhor compreensão da matéria. Em sentido comum13, as finanças expressam a situação de uma pessoa natural ou
jurídica, de direito público ou de direito privado, relacionadas aos recursos
econômicos disponíveis.
Os bens e direitos, meios necessários para a satisfação dos mais variados
desejos e objetivos de quem os possui, podem ter diversos graus de liquidez,
ou seja, a pessoa pode dispor desde moeda corrente nacional14 ou estrangeira
até imóveis de difícil alienação, seja em função das exigências legais para a
autorização de sua disposição ou em função de condições de mercado.
Por outro lado, é importante ressaltar a necessidade de que seja também
identificada, para as mesmas pessoas, titulares dos ativos, a existência e o
montante de possíveis obrigações vinculadas a essas disponibilidades, isto é,
se há também obrigações e dívidas assumidas, tendo em vista a relevância de
que seja determinada a posição patrimonial líquida (capital próprio).15
Assim, a determinação da posição econômica e financeira de uma pessoa,
de direito público ou privado, requer: (1) a definição de mecanismos para a
quantificação monetária16 dos ativos e passivos, à exceção daqueles valores
mantidos em caixa ou depositados em instituições financeiras, bem como
dos passivos já expressos em moeda corrente; e (2) de um sistema para a sua
evidência, controle e gerenciamento ao longo do tempo.
Idealmente, o sistema adotado para evidenciar as finanças, públicas ou
privadas, deve compreender grupos de contas que expressem a realidade da
atividade da organização, um regime de registro e contabilização dos atos e
fatos relevantes, bem como demonstrativos financeiros que possibilitem o
eficiente controle e a gestão da atividade da entidade e, ao mesmo tempo,
aptos a informar adequadamente a situação:
(a) Patrimonial, em determinado momento do tempo, bem como as
suas variações entre períodos determinados (mutações ou variações
patrimoniais);
(b) Financeira, propriamente dita, adequada ao gerenciamento de liquidez de curto prazo e do fluxo de caixa necessário ao financiamento das atividades operacionais correntes e de investimentos,
bem como da estrutura de capital e de solvência de longo prazo; e
10
Amaro, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.1. Cf. ensina o autor: “Dado o
extraordinário desenvolvimento do direito
atinente aos tributos, ganhou foros de ‘autonomia’ o conjunto de princípios e regras
que disciplinam essa parcela da atividade
financeira do Estado, de modo que é possível falar no direito tributário, como ramo
‘autônomo’da ciência jurídica, segregado
do direito financeiro. Veremos, mais adiante, a relatividade da ‘autonomia’ do direito
tributário, a exemplo do que se dá com os
demais ramos do direito.”
11
A redação original do artigo 8°, XVII, c,
da Constituição de 1967 possuía a seguinte
redação: “Art. 8° — Compete à União: I —
(...); XVII — legislar sobre: a) (...); c) normas
gerais de direito financeiro; de seguro e
previdência social; de defesa e proteção da
saúde; de regime penitenciário”. A alínea “c”
foi alterada pela Emenda Constitucional n° 1,
de 1969, que passou a expressar:“c) normas
gerais sobre orçamento, despesa e gestão patrimonial e financeira de natureza
pública; de direito financeiro; de seguro e
previdência social; de defesa e proteção da
saúde; de regime penitenciário”. Já a Emenda Constitucional n° 7, de 1977, que conferiu
nova redação ao dispositivo, dispunha: “c)
normas gerais sobre orçamento, despesa e gestão patrimonial e financeira de
natureza pública; taxa judiciária, custas
e emolumentos remuneratórios dos
serviços forenses, de registros públicos e
notariais; de direito financeiro; de seguro
e previdência social; de defesa e proteção
da saúde; de regime penitenciário”. O inciso
II e IV, do citado artigo 24 da atual Carta de
1988, estabelecem competência legislativa
concorrente dos entes políticos para legislar
sobre “orçamento” e “custas dos serviços
forenses”.
12
Nesse sentido, o Direito Financeiro e
as Finanças Públicas possuem o mesmo
objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado. No entanto, a disciplina
jurídica é normativa e eminentemente
prática, ao passo que a ciência das finanças
é especulativa, não possuindo caráter disciplinador, pois é pré-normativa e atinente ao
campo da economia. Não quer dizer, entretanto, que a ciência jurídica possua um fim
em si mesma e possa ser estudada e compreendida sem a permanente interação dos
outros campos do conhecimento formal e
da realidade que se interpenetram.
13
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda,
Novo Aurélio Século XXI: o dicionário
da língua portuguesa/ Aurélio Buarque
de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e
ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira
, 1999. “finanças. A situação econômica
de uma instituição, empresa, governo
ou indivíduo, com respeito aos recursos
econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou
ativo líquido; ou condição financeira”.
14
O artigo 48, II, da Constituição da República de 1988 fixa a competência do
Congresso Nacional para dispor sobre
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
(c) Orçamentária, que expresse se foram, e em que grau, atingidas as
metas estabelecidas, além de permitir o gerenciamento das ações
planejadas, tendo em vista que o orçamento moderno (orçamentoprograma) é instrumento essencial de ligação entre o planejamento
das ações e as finanças, permitindo a operacionalização efetiva e
concreta dos planos de trabalho, na medida em que os monetariza,
isto é, quantifica-os em moeda permitindo o estabelecimento de
cronogramas físico-financeiros.
Nesse sentido, cabe salientar que o correto entendimento dos mecanismos
de quantificação monetária dos bens, direitos e obrigações, assim como das
respectivas demonstrações financeiras que os evidenciam, é pressuposto da
compreensão das Finanças Públicas e, em especial, de aspectos essenciais da
tributação da renda, que ao lado do consumo e do patrimônio consubstanciam os substratos econômicos de incidência tributária (vide nota 5).
Também é preliminar ao exame da matéria a distinção entre dois modelos de
medidas adotados em análise econômica, denominadas, respectivamente, (1) stock
measure, relacionado ao conceito de estoque, e (2) flow measure, vinculado à quantificação de fluxos. O fluxo é definido ao longo de um período específico de tempo
(por ano, mês, dia etc.), ao passo que o estoque refere-se a um dado momento
no tempo, e não durante e ao longo de um dado período de tempo. Essa análise
permite o acompanhamento da execução do que foi programando, por meio da
verificação da execução dos orçamentos, o que explicita a situação patrimonial e
financeira em um dado momento do tempo e ao longo do período. Assim, em
termos gerais e de forma esquemática, visando à compreensão dos elementos constitutivos básicos da análise da situação patrimonial e financeira de uma organização, pode-se representar o que se deseja alcançar no momento da seguinte forma:
Fluxo de Receita (por dia, mês etc.) – situação dinâmica
100
100
100
Tempo
tempo 1
situação estática 1
momento no tempo
100
100
100
100
100
100
100
100
100
Total = 400
Total = 800
tempo 2
situação estática 2
Fluxo de Despesa (por dia, mês etc)
situação dinâmica
Balan ço Patrimonial 2
Receitas
800
Despesas <400>
Resultado +400
Balanço Patrimonial 1
Ativo
= 150
Passivo = 50
Patrimônio
Líquido =
100
Ativo
= 550
Passivo = 50
Patrimônio
Líquido =
500
“emissões de curso forçado” e o artigo
315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406,
de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas
em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente pelo valor
nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo
318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n°
10.192/2001 determina que o pagamento
das obrigações pecuniárias exequíveis no
território nacional deve ser realizado em
real, ressalvadas as exceções previstas na
legislação. Nos termos dos artigos 5° e 42
da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre
as licitações e os contratos públicos, todos
os valores, preços e custos utilizados em
licitações devem ter como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito
internacional, cujo edital deve ajustar-se
às diretrizes da política monetária e do
comércio exterior e atender às exigências
dos órgãos competentes.
15
Sob o ponto de vista jurídico Caio Mário da Silva Pereira pontua que “A idéia
de patrimônio não está perfeitamente
aclarada entre os modernos juristas,
talvez em razão de não ter o direito
romano fixado com segurança as suas
linhas. Segundo a noção corrente, patrimônio seria o complexo das relações
jurídicas de uma pessoa apreciáveis
economicamente. (...) Daí dizer-se que
o patrimônio não é apenas o conjunto
de bens. (...) Noutros termos, o patrimônio se compõe de um lado positivo
e de outro negativo. A idéia geral é que
a noção jurídica de patrimônio não
importa balancear a situação, e apurar
qual é o preponderante. Por não se terem desprendido desta preocupação de
verificar o ativo, alguns se referem ao
patrimônio líquido, que exprime o saldo positivo, uma subtração dos valores
passivos dos ativos. Ao economista interessa a verificação. Também ao jurista
tem de cogitar dela às vezes, quando
tem de apurar a solvência do devedor,
isto é, a aptidão econômica de resgatar
seus compromissos com os próprios
haveres. Mas, em qualquer hipótese o
patrimônio abraça todo um conjunto
de valores ativos e passivos, sem indagação de uma eventual subtração ou de
um balanço”. In. PEREIRA,Caio Mário da
Silva. Instituições de direito civil. 19ª
ed. Volume I. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2002. p. 245.
16
Princípio Contábil do denominador
comum monetário.
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Ao fluxo de receitas é contraposto o conjunto de despesas do período, o
que permite determinar a situação líquida do patrimônio, ao final do cada
exercício, bem como as variações patrimoniais entre dois momentos determinados no tempo. Cabe ressaltar, entretanto, a possibilidade de existir fluxo financeiro sem impacto no Patrimônio Líquido, o que será examinado durante
o curso. No exemplo, não foi alterada a situação do passivo ao longo do período a fim de facilitar essa análise inicial. Saliente-se, que parte da dificuldade
da gestão e do controle financeiro e patrimonial, público e privado, decorre
do fato de que a despesa ou a receita gerada em determinado exercício — sob
o ponto de vista jurídico ou econômico — nem sempre é realizada financeiramente no mesmo período, podendo ocorrer, portanto, desconexões entre:
(1) o fluxo monetário; e (2) a contabilização do evento que altera a situação
patrimonial líquida.
Nesse sentido, importante frisar que o curso deste semestre se inicia com
esta visão geral da matéria e da Atividade Financeira do Estado ao longo da
história. Até a Aula 9 serão abordados os diversos temas atinentes ao campo
tradicionalmente definido como pertinente ao Direito Financeiro e às Finanças Públicas, tais como o Financiamento dos Gastos e a Receita Pública no
âmbito da Teoria Geral dos Ingressos Públicos, a Despesa Pública, a Responsabilidade Fiscal, os Orçamentos (a Lei do Orçamento Anual — LOA, a Lei
do Plano Plurianual –PPA e a Lei de Diretrizes Orçamentárias — LDO), o
Controle da Execução Orçamentária, a Dívida Pública e o sistema de Repartição Constitucional de Receitas Tributárias, o qual é determinante para o delineamento do perfil do Federalismo Fiscal brasileiro, ao lado da denominada
distribuição de Competências Tributárias, matéria a ser examinada a partir
da Aula 10, que introduz o estudo específico da Tributação e do Direito
Tributário, o qual será desenvolvido até a Aula 26, bem como nos próximos
semestres — Direito Tributário e Finanças Públicas II e III.
1.2 AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO.
Os indivíduos possuem interesses e demandas variadas, as quais, em seu
conjunto, formam o que se denomina de necessidades gerais ou sociais17.
Nesse sentido, as demandas coletivas seriam a resultante abstrata do somatório das necessidades individuais. O Estado, entretanto, considerando, por
um lado, a limitação18 dos recursos disponíveis (naturais, humanos, tecnológicos, financeiros etc.), e, por outro, as demandas individuais e sociais infinitas, elege, por meio do processo político, que varia de forma e conteúdo
no tempo e no espaço, aquelas para as quais alocará esforços visando ao seu
atendimento: são as chamadas necessidades públicas. Assim, uma vez fixado
normativamente o dever do Estado em realizar apenas algumas demandas
17
Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam
no sentido de que “a necessidade pública não se confunde com necessidade
individual (cujo grupamento dá lugar
às necessidades gerais que são, por excelência, homogêneas) e necessidade
coletiva (não revestida de homogeneidade e que surge da contraposição de
interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTI,
Márcio Faria. Direito Financeiro simplificado para concursos públicos.
São Paulo: Impactus, 2008. p. 19.
18
Importante salientar a existência da
denominada reserva do possível, adotada pela jurisprudência alemã, princípio
associado à constatação de que todos
os direitos têm custo e que os recursos
públicos são limitados, razão pela qual
haverá sempre e em qualquer circunstância a necessidade de escolha entre
o que será e o que não será realizado
pelo Poder Público. SCHWABE, Jürgen
(Organizador). Cinqüenta Anos de
Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Tradução
Leonardo Martins e outros. Montivideo:
Fundação Konrad Adenauer, 2005. p.
660-664.BVERFGE 33, 303. De fato, a
própria Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, denominado Pacto
de San José da Costa Rica, aprovada no
Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de
25.09.1992 e promulgada pelo Decreto
678, de 06.11.1992, estabelece em seu
art. 26, intitulado “desenvolvimento
progressivo”, que: “os Estados partes
comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como
mediante cooperação internacional,
especialmente econômica, a fim de
conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem
das normas econômicas, sociais e sobre
educação, ciência e cultura, constantes
da Carta da Organização dos Estados
Americanos, reformada pelo Protocolo
de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou
por outros meios apropriados.”
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
coletivas politicamente determinadas — as políticas públicas-, o que ocorre
na modernamente por meio dos orçamentos, conforme será estudado nas
próximas aulas, as mesmas se convolam e transmudam em necessidades públicas, a serem satisfeitas por meio dos serviços públicos, os quais se qualificam como o conjunto de bens e pessoas sob a responsabilidade do Estado.
Os serviços públicos, que são instrumentos do Estado para o alcance dos
fins a que se propõe, se realizam, atualmente, quase que exclusivamente, por
meio da utilização da atividade financeira do Estado. Nesse sentido ensina
Aliomar Baleeiro19 que:
“se, em tempos remotos, foi usual, e hoje, excepcionalmente, ainda se verifica
a requisição pura e simples daquelas coisas e serviços dos súditos, ou a colaboração gratuita e honorífica destes nas funções governamentais em verdade, na
fase contemporânea, o Estado costuma pagar com dinheiro os bens e o trabalho
necessários ao desempenho da sua missão. É o processo da despesa pública, que
substitui, com vantagem, o da requisição, o da gratuidade de cargos, o do apossamento dos cabedais dos inimigos vencidos, embora de tudo isso ainda perdurem
resquícios, notadamente em tempo de guerra. A regra, hoje, é o pagamento em
moeda e, por isso, constitui atividade financeira a que o Estado, as províncias e
municípios exercem para obter dinheiro e aplicá-lo ao pagamento de indivíduos
e coisas utilizadas na criação e manutenção de vários serviços públicos”.
No atual contexto brasileiro, de determinação pelo processo político democrático das denominadas necessidades públicas, a serem atendidas pelo
insubstituível instrumento da atividade financeira do Estado moderno, é importante destacar que o poder constituinte originário definiu ser objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil20: “construir uma sociedade
livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação”. Para alcançar tais mandamentos constitucionais, o poder público disciplina as relações econômicas e sociais, planeja e executa uma série de ações, entre as quais se destaca a política
macroeconômica, cujos objetivos, correlatos àqueles fundamentais constitucionalmente qualificados, podem ser sumarizados como: (a) a busca de alto
nível de emprego; (b) a estabilidade de preços; (c) a distribuição equitativa da
renda; e (d) o crescimento econômico. Os principais instrumentos utilizados
na condução da política macroeconômica para atingir esses fins são “as políticas fiscal, monetária, cambial e comercial, e de rendas”21, todas integrantes da
denominada atividade financeira do Estado, caso adotado um conceito amplo22 para o termo. De fato, inquestionável a relevância e a interpenetração de
cada uma dessas políticas econômicas, em especial para atingir consistência e
19
BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução
à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4.
20
Art. 3º I, II, III e IV da CR-88.
21
VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e
GARCIA, Manuel E. Fundamentos de
Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 91.
22
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de
Direito Financeiro e Tributário. 11ª
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.
7. Assevera o autor que: “A expressão
atividade financeira tem a mesma
extensão do termo “finanças” que, surgindo na Idade Média por derivação da
palavra finare, é sinônimo de finanças
públicas, e não se aplica às finanças
privadas.”
FGV DIREITO RIO
8
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
coordenação entre as políticas públicas que ensejam as despesas do governo e
as metas macroeconômicas, matéria cujo exame detalhado extrapola o objeto
deste curso. Nessa toada, serão abordados nesse semestre apenas os aspectos
mais relevantes dessas questões, na medida em que o estudo dos instrumentos diretamente relacionados: (1) à obtenção das receitas e financiamento
dos gastos, (2) à realização das despesas, (3) ao planejamento orçamentário
e à gestão fiscal e patrimonial do Poder Público suscitem uma análise mais
detalhada dos aspectos macroeconômicos que se imbricam. Assim, pode-se
representar graficamente o objeto de estudo das próximas aulas pela figura
que se segue:
O Planejamento do Estado
e os
Orçamentos
O Crédito e a
Dívida Pública
Receita Pública
Despesa Pública
Nessa mesma linha de pensamento, Kyoshi Harada23 conceitua a “atividade financeira do Estado como sendo a atuação estatal voltada para obter, gerir
e aplicar os recursos necessários à consecução das finalidades do Estado que,
em última análise, se resumem na realização do bem comum” (grifo nosso).
Aliomar Baleeiro24, por sua vez, adotando conceito mais amplo, define
que a “atividade financeira consiste em obter, criar, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou
cometeu àqueloutras pessoas de direito público” (grifo nosso). De fato, a
própria CR-88 estabelece a competência da União para emitir moeda, atribuição a ser exercida exclusivamente por meio do Banco Central, no artigo
164, dispositivo inserido no Capítulo II, do Título VI, da CR-88, intitulado “Das Finanças Públicas”. Dessa forma, tanto o eminente autor como a
Constituição incluem a política monetária diretamente no escopo da análise
da atividade financeira do Estado, o que será realizado neste curso apenas de
forma tangencial.
23
HARADA, Hiyoshi, Direito Financeiro
e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas,
2008. p. 4.
24
BALEEIRO. Op. Cit., p. 4.
FGV DIREITO RIO
9
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Pode-se concluir pelo que foi até aqui exposto, acerca da atividade financeira, que ela é meramente instrumental, na medida em que apenas viabiliza
a consecução dos objetivos fixados pelo processo político (ex: educação, saúde, segurança pública, transporte etc.), não constituindo uma finalidade do
Estado, isto é, a atividade financeira não constitui um fim em si mesma.
Assim sendo, sob o ponto de vista jurídico, o objeto de estudo das próximas aulas será a Constituição Financeira, a qual, segundo a melhor doutrina,
é composta pelas Constituições Tributária, Orçamentária e Monetária25 (artigos 145 a 169 da CR-88), além dos dispositivos pertinentes à fiscalização
orçamentária dos Municípios (artigo 31 da CR-88); ao controle interno, externo e social da execução orçamentária e da Administração Pública (artigos
70 e seguintes da CR-88), ao orçamento do Poder Legislativo (artigos 51,
IV, e 52, XIII, da CR-88), do Poder Judiciário (artigo 99) e do Ministério
Público (artigo 127). Antes, porém, serão examinados, de forma sucinta, os
principais períodos e características mais relevantes da história dos tributos e
das finanças públicas, o que certamente auxiliará a compreensão da realidade
e o atual estágio de desenvolvimento da matéria.
1.3 BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS.
A leitura de diversos episódios marcantes em todo o curso da história
da humanidade revela uma verdade inquestionável, independentemente do
lugar objeto da pesquisa, os tributos sempre tiveram e continuam a ter influência determinante no curso das civilizações.
A primeira civilização de que se tem conhecimento26 concreto, cerca de
seis mil anos atrás, era denominada Sumer, uma localidade entre os rios Tigre
e Eufrates, no que hoje é o Iraque. Os acontecimentos históricos lá ocorridos
revelam a grande influência dos tributos já naquela época, e estão gravados
em hieróglifos encontrados em escavações em Lagash, localizado em Sumer.
Após um período de incidência tributária de forma generalizada e bastante
gravosa, um rei, chamado Urukagina, determinou a “liberdade”, por meio da
extinção dos coletores do rei. O que parecia ser a solução de todos os problemas ensejou um final amargo para o bondoso monarca e àqueles até então
submetidos à tirania fiscal: a localidade, após alcançada a almejada “liberdade”, foi totalmente destruída por invasores externos.
Abaixo, reproduz-se a figura (extraída do livro de Charles Adams, p. 2,
vide nota 21) contendo os símbolos que registraram e informam a existência
da lei libertadora de Urikagina.
25
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de
Direito Constitucional Financeiro e
Tributário. Volume V. O Orçamento na
Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1.
Identifica o autor que: a “Constituição
Orçamentária é um dos subsistemas
da Constituição Financeira, ao lado da
Constituição Tributária e da Monetária,
sendo uma das Subconstituições que
compõem o quadro maior da Constituição de Estado de Direito, em equilíbrio
e harmonia com outros subsistemas,
especialmente a Constituição Econômica e a Política”
26
ADAMS, Charles. For good and evil:
the impact of taxes on the course
of civilization. 2nd ed. United States:
Madison Books, 2001. p. 1-2. Revela o
autor: “Taxes are the fuel that makes
civilization run. There is no known
civilizations that did not tax. The first
civilization we know anything about
began six thousand years ago in Sumer, a fertile plain between the Tigris
and Euphrates rivers in modern Iraq.
The dawn of history, and tax history,
is recorded on clay cones excavated at
Lagash, in Sumer. The people of Lagash
instituted heavy taxation during a terrible war, but when the war ended, the
tax men refused to give up their taxing
powers. From one end of the land to
the other, these clay cones say, ‘there
were the tax collectors.’ Everything
was taxed. Even the dead could not
be buried unless a tax was paid. The
story ends when a good king named
Urukagina, ‘established the freedom’ of
the people, and once again, ‘There were
no tax collectors’. This may not have
been a wise policy, because shortly
thereafter the city was destroyed by
foreign invaders. There is a proverb
about taxes on other clay tablets from
this lost civilization which reads: You
can have a Lord, you can have a King,
but the man to fear is the tax collectors”
(grifo nosso).
FGV DIREITO RIO
10
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Esse exemplo reflete um problema crucial, a necessidade de recursos para
implementação de uma organização mínima e de proteção contra invasores
— questão que, mesmo após a criação dos denominados Estados-Nações
Absolutistas continuou a se fazer presente.
Já na civilização egípcia, caracterizada por sua longevidade27, em contraponto à experiência libertária ocorrida em Lagash, era possível identificar,
após o descobrimento de escritos e desenhos dentro de pirâmides e tumbas
milenares, a existência de períodos de forte “pressão” de fiscais dos faraós
para garantir-lhes o recebimento da parcela de 20% (vinte por cento) a eles
pertencentes. Constata-se por meio de figuras e escritos milenares que nada
era ocultado, nem mesmos os ovos sob as aves.
27
ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor
que: “Egyptian civilizatian was highlighted by its enduring length. An advanced form of civilized life was in full bloom
along the Nile before 3000 b.c., and it
perpetuated itself until the fall of Rome”.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Por sua vez, o grande jurista Marcus Tullius Cícero28 (106 — 43 a.C)
difundiu no Império Romano a ideia grega contra os chamados tributos diretos, nos seguintes termos, um ano antes de sua morte (44 a.C):
When constant wars made the Roman treasury run short, our forefathers often used
to levy a property tax. Every effort must be made to prevent a repetition of this; and all
possible precaution must be taken to ensure that such a step will never be needed …
But if any government should find itself under necessity of levying a tax on property, the
utmost care has to be devoted to making it clear to the entire population that this simply
has to be done because no alternative exists short o complete national collapse.
Cabe salientar, entretanto, que o Império Romano é um exemplo clássico de
como a exigência de tributos com fundamento apenas na força, sem referência
ao valor justiça, transforma o direito de propriedade em um sistema de servidões sobre o homem, conforme assevera o professor Diogo Leite Campos29:
28
CICERO, Marcus Tullius. On Duties II.
In: Cícero. On the Good life. Tradução
Michael Grant . New York: Penguin
Classics, 1971. p. 162. Disponível em:
http://books.google.com.br. Pesquisa
realizada em 01.01.2009.
29
Eis, pois, o legado de Roma em matéria fiscal: o imposto como produto e
instrumento da opressão, crescendo à medida que se desenvolve a máquina político-administrativa; assente na força pura, sem referência à justiça. O imposto
CAMPOS, Diogo Leite de. A Jurisdicização dos Impostos: Garantias de Terceira Geração. In: MARTINS, Ives Gandra
da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo:
Editora Forense, 2007, p. 87-88.
FGV DIREITO RIO
12
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
‘nasceu’ em Roma caracterizado pela odiositas, fundado sobre a sua essência de
mal necessário, de limitação do Direito pela força do ‘princeps’, de instrumento de
dominação, ‘de império’. Enquanto as relações civis retiravam a sua força da justiça
que realizavam como instrumento de cooperação entre homens livres e iguais. O
carácter do imposto como produto e instrumento de um sistema de dominação foi
evidente desde a grave crise do que o Império Romano atravessou a partir do século III. No decurso do principado de Diocleciano a economia e a sociedade são organizadas em termos de acampamento militar. O imperador estabelece a coacção
como único instrumento de estabilização. Impõe-se uma escala de preços máximos
para uma imensa lista de bens e serviços, estabelecendo como única sanção, para
infractores, a morte. Simultaneamente, os impostos, destinados a manter uma
máquina administrativa e militar crescente, aumentaram rapidamente. Criou-se
um conjunto de impostos para financiar o aparelho administrativo e militar; um
imposto geral sobre as vendas; um imposto sobre o rendimento; múltiplas prestações de serviços obrigatórias (transporte, fabrico de pão etc.). As atividades profissionais foram organizadas em corporações, elementos e instrumentos do Estado,
com carácter coactivo e hereditário. Na última fase da sua história, a romanidade
transforma-se numa comunidade em que todos trabalham, mas ninguém para si
próprio. A propriedade mantém-se, é certo, como o ‘fundamento inamovível das
relações humanas’; mas a sua função deixou de ser ligada ‘naturalmente’ à satisfação das necessidades de seu titular, para satisfazer os interesses públicos.
Dando um salto na cronologia da história, outro momento merece destaque na abordagem que se estabelece neste curso é o século XIII d.C., o qual,
para alguns autores30, representa o início da sistemática tributária que se consagra na atualidade, uma vez que foi a partir da promulgação da Carta Magna inglesa de 121531 que a legalidade ascendeu como princípio norteador
das relações tributárias, impondo ao Rei João-sem-Terra o dever de observar
limites para a criação de tributos. Na realidade, tal documento32 é decorrência da indignação dos barões proprietários de terras que forçaram King
John a assinar a Magna Carta, pois já não concordavam com os constantes
desrespeitos do monarca aos costumes tributários da realeza impondo-lhes
excessiva carga tributária. De fato, tributação adicional somente poderia ser
exigida com consentimento33, cujo conceito foi se alterando e expandindo ao
longo do tempo, haja vista que a anuência da classe comum então ascendente
economicamente passou também a ser exigida.
No mesmo período, isto é, ainda no século XIII, conforme ressalta Galvêas34, o rei Eduardo I foi compelido a ir além e aceitar a norma segundo a qual
“nenhum tributo poderá ser lançado pelo rei, sem o consentimento dos arcebispos, bispos, condes, barões, cavaleiros, burgueses e todos os homens livres...”.
Alguns séculos depois, já no ano de 1628, a Inglaterra edita o Bill of Rights, o qual proclama que “a partir desta data, nenhum cidadão será obrigado
30
GALVÊAS, Ernani. Breve História dos
Tributos. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo:
Editora Forense, 2007, p. 318.
31
ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos capítulos da Magna Carta trata da livre
circulação de mercadorias, conforme
se extrai do texto, in verbis: “Let all
merchants have safety and security to
go out of England, to come into England,
and to remain in and go about through
England, as well by land as by water, for
the purpose of buying and selling, without payment of any evil or injust tolls,
on payment of ancient and just customs”.
Conforme aponta o autor tal normativa
foi seguida pelos Estados Unidos e Canadá: “the United States and Canadian
constitutions adopted this principle of
internal free trade. Commerce moving
within the nation cannot be taxed. Freedom to travel in and out the country
cannot be curtailed. The Russians find
difficult to understand why the West emphasizes this basic human right. Magna
Carta is the source.”
32
Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: Bem
de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na
seara da promoção e positivação dos direitos humanos, pode-se apontar como
marco histórico, a Carta Magna inglesa,
de 1215, a qual consagrou alguns direitos-garantias como o habeas corpus, o
devido processo legal, a propriedade
privada, e o princípio da legalidade.
Não obstante, a questionável legitimidade da referida Constituição — pois,
na verdade, consubstanciou apenas a
concretização dos interesses da burguesia -, ela representa um capítulo da
história do constitucionalismo inglês.”.
Cumpre, realçar, que o princípio da legalidade tributária antecede a própria
noção de legalidade em sentido lato.
33
ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o
autor que: “John’s attempt to stretch
the revenue devices of the realm had
failed, but not entirely. Extra taxation
could be collected with consent. In time
the consent concept expanded. A rising
class of wealthy commoners were called to meet in a House of Commons, to
approve taxation for commoners in the
same way the Great Council, approved
taxation for the nobility. The king now
became a politician. When extra revenue
was needed, he did not need to steal it
or arbitrarily increase taxation, he would
call together his two councils of taxpayer
representatives and present a case for
more taxation.”
34
GALVÊAS. Op. Cit., 318.
FGV DIREITO RIO
13
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
a conceder qualquer dádiva ou empréstimo ao soberano, ou a pagar qualquer
tributo, sem a aprovação do Parlamento”; ou seja, concretizou-se o princípio
da legalidade consubstanciado no imperativo categórico no taxation without
representation ( aliás, tal expressão foi largamente difundida pelos americanos no período da revolução americana ). Conforme preleciona Galvêas35 a
referida norma-princípio é a base em que se fundam os orçamentos públicos
dos países modernos. Destaque-se, no entanto, nos termos apontados pelo
professor Ricardo Lobo Torres36 que:
É inútil procurar antes das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII a figura do orçamento. No mundo patrimonial já surgia a autorização dos estamentos
e das cortes para a cobrança de impostos. Na Inglaterra a partir de 1215 e em
Portugal, mas remotamente, tornava-se necessário o consentimento para que o
Rei pudesse lançar tributos, que tinha o caráter extraordinário e só se justificavam
quando insuficientes os ingressos dominiais. Mas esses impostos, a rigor, não
se confundem com os que permanentemente passam a ser cobrados a partir da
instauração da estrutura liberal de Governo, posto que eram apropriados privadamente, sem a nota da publicidade que marca os tributos permanentes. Era
difícil distinguir a Fazenda do Rei e a do Estado, as despesas do Rei e do Reino, as
rendas da Coroa e do Reino. Assim sendo, não havia necessidade nem de autorização para a cobrança dos ingressos dominiais nem para a realização da despesa,
pelo que descabe cogitar de orçamento no Estado Patrimonial. (grifo nosso)
Portanto, o período denominado de Patrimonialismo é caracterizado pelo Estado protetor contra as guerras e invasões externas, sendo as finanças fundamentadas em rendas patrimoniais e dominiais dos príncipes bem como da exploração
das colônias. A receita extrapatrimonial de tributos é secundária e excepcional
Já o século XVIII, foi marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a qual proclama a proteção de alguns direitos humanos fundamentais — em especial a propriedade e a liberdade -, uma vez que o Estado
era visto como “inimigo da liberdade individual, e qualquer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima”, preleciona Dallari.37
A Declaração de Independência dos Estados Unidos da America, de 4 de
julho de 1776, proclama entre as razões da insatisfação com o King of Great
Britain: “For imposing taxes on us without our consent”. A Constituição dos
Estados Unidos, por sua vez, ratificada em julho de 1787, estabelece em seu
artigo 1º, seção 8, que:
The Congress shall have the Power 1. to lay and collect taxes, duties, imposts
and excises, to pay the debts and provide common defense and general welfare
of the United States; but all duties, imposts and excises shall be uniform throughout the United States. (grifo nosso)
35
Idem. Ibidem. p. 318-319.
36
TORRES. Op. Cit. p. 3-4.
37
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 16. ed.
atual. ampl. São Paulo: Editora Saraiva,
1991. p. 233.
FGV DIREITO RIO
14
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Na mesma linha, a Constituição francesa de 03.09.1791 foi categórica na
contenção da prerrogativa impositiva, tendo em vista a necessidade de renovação anual da autorização parlamentar para tributar:
Titre V, art. 1 er: Les contributions publiques seront délibérées et fixées chaque
année par le Corps Legislatif, et ne pourront subsister au dela du dernier jour de La
session suivante, si elles n’ont pás été expressément renouvelée.
Se com o constitucionalismo nasce a idéia de orçamento incorporando
as garantias normativas da liberdade, por outro lado a marca do período era
a intervenção mínima do Estado na seara privada, apontando a liberdade
contratual como um direito natural das pessoas. Com efeito, nesta época, o
pensador Adam Smith sustentava que as relações econômicas deveriam ser
regidas pelo princípio da liberdade de negociar, sem a participação do Estado. Era a denominada fase do Estado Liberal — caracterizado como Estado
Mínimo ou Estado de Polícia -, cuja premissa sob o aspecto econômico era a
primazia da mão invisível do mercado para reger a economia.
A Revolução Industrial também merece realce, porquanto trouxe mudanças
de diversas ordens, inclusive no campo da tributação, possibilitando a imposição de tributos sobre a produção industrial, sobre o consumo, bem como sobre
o lucro e a renda auferida dos titulares de propriedade, acentua Galvêas38.
A visão clássica e mais difundida desse contexto, que perdura desde a
fase final do século XVIII, todo o século XIX até o início do século XX,
é no sentido de que a atividade financeira do Estado Liberal era neutra,
geralmente classificada como finanças neutras ou fiscais, pois tinha apenas
a função de arrecadar para fazer face às despesas decorrentes das prestações por ele exercidas, de caráter essencial, como as relacionadas à justiça,
política, diplomacia, defesa contra agressão externa e segurança da ordem
interna, e os tributos, conforme assevera Luiz Emygdio F. da Rosa Jr39,
também eram caracterizados pelo fim exclusivamente fiscal, posto que a
exigência dos mesmos objetivaria tão-somente a obtenção de recursos para
financiar a atividade financeira:
Assim sendo, a atividade financeira exercida pelo Estado somente visava à
obtenção de numerário para fazer face às citadas despesas públicas, isto é, as finanças públicas tinham finalidades exclusivamente fiscais. Gasto Jéze resumiu de
maneira lapidar o alcance da atividade financeira desenvolvida pelo Estado no
período clássico, ao enunciar: ‘Il y a dês dépenses publiques; Il faut lês couvrir’.
Assim, as despesas tinham um tratamento preferencial sobre as receitas, uma vez
que essas visavam apenas a possibilitar a satisfação dos gastos públicos. Nesse período, portanto, o tributo tinha fim exclusivamente fiscal porque visava apenas
a carrear recursos para os cofres do Estado.
38
Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320.
39
ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual
de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2001, p. 4-5.
FGV DIREITO RIO
15
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Sob o ponto de vista histórico das finanças públicas em geral, referida
doutrina traz vantagens para a compreensão da evolução do papel do Estado
nas ordens econômica e social ao longo dos diferentes períodos, enfatizando
características que seriam distintas em cada época. No entanto, em que pese
ser possível vislumbrar os pontos positivos da aludida segmentação sob o
ponto de vista didático, haja vista marcar de forma clara e precisa, em períodos cronologicamente distintos (1) a fiscalidade — finanças neutras e tributos
somente com finalidade arrecadatória — de um lado; e a (2) extrafiscalidade
e a parafiscalidade — finanças ativas e os tributos com finalidade não apenas arrecadatória, a partir da segunda década do século XX-, de outro lado,
conforme será examinado abaixo, o estudo de determinados fatos isolados da
história nos permite afirmar que a dissociação temporal entre a fiscalidade
de um lado e a extrafiscalidade de outro apenas facilita a compreensão da
ênfase da intenção com que os tributos foram utilizados em cada período da
história, na medida em que os mesmos também foram exigidos com outros
objetivos que não meramente arrecadatórios em diversos momentos antecedentes ao denominado Estado de Bem-estar Social intervencionista, ou
seja, de forma não neutra ou com fins outros que não meramente “fiscais”,
ainda que não qualificada a política tributária com a denominação referida (“extrafiscalidade”). Nesse sentido apresenta Adams40 diversos exemplos
históricos, dentre os quais duas passagens emblemáticas, e que se referem,
respectivamente: (1) à utilização de tributos para influenciar a religião, como
no caso do islamismo na Idade Média e, também, (2) das tarifas aduaneiras
e o conflito Norte e Sul que marca a confederação americana no período que
antecedeu a guerra civil:
(1) The humanity in the tax policy of the Moslems was of utmost importance. The Arabs brought peace and gentleness to an overtaxed world. They
liberated the old Roman world from decadent, oppressive, and corrupt taxation.
Nothing illustrates better than the tax refunds they made to Christians and Jews
in Palestine in A.D. 636. At that time the Moslems had conquered most of the
lands of Judea, but their forces were overextended, and large body of Roman
troops was on the march from Antioch. At a war council the Moslems decided
to evacuate most of the conquered territories. After this decision made the Moslem leader called in the chief tax collector and gave him these instructions: ‘ You
should therefore refund the entire amount of money realized from them that our
relations with them remains unchanged but that as we are not in a position to
hold ourselves responsible for their safety, the pool tax, which is nothing but the
price of protection, is reimbursed to them’. Accordingly, the entire sum collected
from the Christian and Jewish communities was refunded to them. This affected
the Christians to such a degree that tears trickled down their faces and, one and
all, they passionately exclaimed: ‘May God bring you back to us.’ The effect on
40
ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2)
p.333.
FGV DIREITO RIO
16
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
the Jews was still more marked. They cried out with vehemence: ‘By the law ant
the prophets, the Roman emperor shall not take this city as long as the spark of
life scintillates in our bodies’. It´s too bad the Jews and Moslems today don´t
feel that way. The Moslems used taxation to bring converts into the faith. The
spread of Islam has been attributed to the sword and many historians harp on
the Moslem cry of ‘Death to the infidel. The Koran (9:29) certainly justifies that
course of action. In practice, the Moslems acted to the contrary. Slaughter was
not the normal modus operandi of even the most fanatical Moslems. Vanquished people were given three choices: death, taxes, or conversion to the faith.
With these options it was not necessary for conquered people to lose their heads
or their religion. (…)
(2) The tariff of 1828 was called ‘the tariff of abomination,’ a biblical term
meaning the greatest evil. Prior to that time the tariff was needed to repay the
national debt from the wars of 1812 and the revolution itself. By 1832 the national debt was paid and there was no justification for the import taxes at high
rates, except to promote a monopoly in the hands of Northern industrialists to
raise prices for Southern consumers. The South exported about three-quarters
of its goods and in turn used the money to buy European goods which carried
the high import tax. This means that the South paid about three-quarters of all
federal taxes, most of which were spent in the North. If they didn’t buy foreign
goods and pay high taxes the alternative was to buy Northern manufactured
products at excessively high prices. Either way Southern money ended up in the
North. The injustice of this arrangement dominated Southern hostilities toward
the North. Said one historian: ‘Indignation against the tariff as an unfair tax
injurious to their economy was general throughout the South’ A southerner, a
year after the Civil War ended expressed that indignation in a book appropriately clalled The lost Cause: ‘ In every measure that ingenuity of avarice devise the
North exactes from the South a tribute, which could only pay at the expense and
the character of an inferiour [sic] in the Union’.
Nessa toada, analisando as finanças funcionais e a utilização dos impostos alfandegários com fins extrafiscais em períodos remotos Aliomar
Baleeiro41 pontua:
Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impulso que
lhes imprimiu a teoria geral de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta, por
sua vez, revolucionou a concepção da atividade financeira, segundo os preceitos
dos financistas clássicos.
Ao invés das ´finanças neutras´ da tradição, com seu código de omissão e
parcimônia tão ao gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que
maiores benefícios a coletividade colhera de ´finanças funcionais´, isto é, a atividade financeira orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica.
41
BALEEIRO. Op. Cit., p. 30-31.
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Destarte, o setor público — “a economia pública” não se encolhe numa vizinhança pacífica e tímida junto às lindes da economia privada. A benefício
desta é que deve invadi-la, para modificá-la, como elemento compensador nos
desequilíbrios cíclicos.
Em verdade, a despeito das novidades terminológicas, a ´Política Fiscal´ é
apenas nova aplicação dos instrumentos financeiros para fins ´extrafiscais´. A
Política Fiscal, no campo econômico, era bem conhecida dos clássicos para o
protecionismo por meio de impostos alfandegários. Alguns advogam para fins
“sócio-políticos”, como preferia dizer Seligman referindo-se às tendências de reforma social pelo tributo, defendidas por Wagner. Hoje a política anticíclica de modificação da conjuntura e da estrutura atrai as atenções em finanças extrafiscais.
Ademais, sob o ponto de vista econômico, conforme será analisado na
Aula 11 sobre a extrafiscalidade, os tributos, em regra, ainda que seja possível
instituí-los com a intenção apenas de obtenção de recursos para os cofres públicos, afetam os preços relativos dos bens e serviços, modificam a alocação
dos recursos pelos agentes econômicos, alteram as decisões quanto à melhor
estrutura de financiamento corporativo, distorce a taxa de retorno de determinada atividade econômica em detrimento de outra, independentemente
da intenção do exator. Ou seja, a simples existência dos tributos impacta o
comportamento das pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade como
um todo, motivo pelo qual é ínsito à tributação redefinir a alocação dos recursos socialmente disponíveis, o que afeta a demanda e a oferta no mercado
de fatores de produção e de bens e serviços, razão pela qual, economicamente, a extrafiscalidade é inerente e indissociável da denominada fiscalidade.
Conforme já se pode extrair pelo que acima foi dito, a etapa subseqüente,
sob o ponto de vista do desenvolvimento histórico das finanças, é classicamente denominada de “fase de intervencionismo estatal” ou do “tributo com
fim extrafiscal”, e corresponde ao resultado da crise do Estado Fiscal do início
do século XX, em função do descompasso entre a liberdade econômica e a
realidade social. As desigualdades eram acentuadas, o que criou um grande
hiato entre o discurso de desenvolvimento econômico sem a participação do
Estado e o mundo da vida enfrentado por grande parte da massa humana, que
se via forçada a trabalhar por baixos salários e com péssimas condições de vida.
Como conseqüência de tal situação, já no século XIX, seguido pelo século XX,
movimentos sociais surgiram para combater o sistema liberal clássico vigente;
marcado pelo individualismo exacerbado, momento em que prevaleciam de
forma absoluta os valores segurança jurídica e liberdade formal.
Nesse contexto, exsurgiu o denominado Estado de Bem-estar Social, que
traz a lume novos valores deixados de lado até então no contexto do Estado
Liberal Mínimo ( ou de polícia ), caracterizado como mero espectador ou
ordenador distante dos fatos sociais. O Estado Social passa a ser ator decisivo
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
da conduta privada, com fundamento na visão de que a intervenção estatal
era conditio sine qua non para o alcance da justiça social e da igualdade material. Em conexão com esse movimento, os dispositivos orçamentários das
Constituições de diversos países foram alterados para abranger a intervenção
do Estado na ordem econômica e social.
Assevera Luiz Emygdio42 que o Estado passou a intervir na iniciativa privada especialmente pelas seguintes razões:
a) grandes oscilações porque passavam as economias (...); b) crises provocadas pelo desemprego que ocorria em larga escala nas etapas de depressão, gerando grandes tensões sociais; c) efeitos cada vez mais intensos das descobertas
científicas e de suas aplicações; e d) dos efeitos originados da Revolução Industrial com o surgimento de empresas fabris de grande porte, com o consequente
agravamento das condições materiais dos trabalhadores.
Para intervir na economia o Estado precisou criar novos instrumentos,
dentre eles surgiu, formalmente, a figura do tributo com natureza extrafiscal,
isto é, o tributo deixava de ser reconhecido por seu caráter eminentemente
arrecadatório para os cofres do Tesouro, para assumir, concomitantemente, a
feição de mecanismo coercitivo, utilizado pelo Poder Público com o fim de
atingir outros objetivos e metas de natureza econômica e social. Nesse sentido, merece trazer como exemplos de medidas impositivas de exação com
fulcro extrafiscal, as seguintes situações, que variaram ao longo da história:
1) aumento da alíquota do imposto sobre importação dos bens estrangeiros
com vistas a fomentar a indústria nacional e garantir as reservas de moedas
estrangeiras (instrumento auxiliar da política industrial e cambial); 2) redução
das tarifas aduaneiras com o objetivo de reduzir os preços dos produtos e as
pressões inflacionárias em âmbito local (instrumento auxiliar da política monetária); 3) adoção de imposto sobre o patrimônio territorial urbano com vistas à desestimular a especulação imobiliária, a má ou não utilização do imóvel
urbano — vide IPTU progressivo, nos termos do art. 182, §4º, da CRFB/88
(instrumento auxiliar da política urbanística e de ocupação do solo), etc.
O Estado Intervencionista ( Social ) ganhou força, especialmente por conta dos prejuízos causados pela II Guerra Mundial, período em que havia
necessidade premente de se otimizar os recursos para fazer face as demandas
coletivas. No entanto, as exigências sociais impuseram a necessidade de aumentos contínuos da carga tributária e da criação de outras fontes de receitas
para dar cabo às políticas públicas, cada vez mais intervencionistas, implicando despesas crescentes, em especial pela demanda da Segurança Social/
Seguridade Social, abrangendo a Saúde, a Assistência e a Previdência Social.
De fato, sob influência do keynesianismo, o Estado de Bem-estar Social elevou sobremaneira o papel dos tributos, o que redundou no paulatino es-
42
ROSA JR. Op. Cit., p. 5-6.
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garçamento do modelo do Welfare State, nos termos então estruturados. As
constantes crises do petróleo, no final dos anos 70, tornaram inviáveis as
estruturas do Estado Social, o qual carregava pesado fardo da dívida pública
e de orçamentos desequilibrados e deficitários. As críticas vinham de todos
os setores; em especial do pensamento liberal extremado, que denunciava o
aniquilamento da liberdade por meio da exacerbada intervenção estatal na
economia e do crescente peso dos tributos.
Com a crise do Estado do Bem-estar Social, confome ensina o professor
Ricardo Lobo Torres43:
(...) modifica-se novamente o perfil da Constituição Orçamentária. As que
já estavam formalmente redigidas, como a da Alemanha, alteram-se substancialmente em sua interpretação. Nos Estados Unidos inicia-se a discussão sobre
a Emenda tendente criar regra obrigatória de equilíbrio orçamentário. (...). O
grande problema atual da Constituição Orçamentária consiste em que deve ela
ser rica e explícita em princípios jurídicos, de modo a permitir a elaboração da lei
anual do orçamento segundo a ideologia do equilíbrio orçamentário e as idéias
de economicidade e transparência das despesas, Insista-se em que o aspecto do
gasto público é que se torna dramático nas finanças públicas contemporâneas.
Apesar das acentuadas mudanças ocorridas no sentido da liberalização, privatização e foco do Estado na regulação da economia, reduzindo a face estatal
provedora, o denominado neoliberalismo não superou ( e nem poderia! ) de forma
absoluta o Estado Social. De fato, o processo histórico, assim como o processo de
integração de mercados44, nunca é uniforme, contínuo e linear, sendo certo que, a
cada etapa, novas características são incorporadas e diversas facetas do que existia
no passado continuam a se fazer presente. Daí a complexidade da realidade atual!
Nessa toada, por fim, importante realçar que o perfil e as características
da receita pública foram delineadas de diversas formas ao longo da história,
destacando-se entre elas, conforme ensina Aliomar Baleerio45: “as extorsões
sobre povos vencidos; doações (voluntárias) recebidas; recolhimento das rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; exigência coativa de tributos ou penalidades; tomada de empréstimos forçados, e; fabricação de dinheiro metálico ou de papel”. Para o eminente autor essas diferentes formas
de financiamento da atividade financeira do Estado, que ocorreram ao longo
da história, podem ser agrupadas ou reduzidas a cinco padrões, não necessariamente sucessivos, a saber:
1. parasitária: proveniente da extorsão, pilhagem e exploração contra
povos ou inimigos vencidos, característica do mundo antigo;
2. dominial: decorrente da exploração do próprio patrimônio (bens e
direitos) do Estado, tais como imóveis, terras etc., prática disseminada no período medieval,;
43
TORRES. Op. Cit. p. 3-6. Nesse cenário,
aponta o autor o Estado Liberal clássico, na sua versão minimalista, como
marco para o surgimento da cultura
orçamentária, destacando as mudanças ocorridas ao longo de seu percurso
histórico. Vale dizer que Estado Fiscal no
período clássico, também denominado
de Estado Guarda-Noturno, se restringia basicamente às atividades de poder
de polícia, à atividade jurisdicional e à
realização de alguns serviços públicos,
não exigindo, portanto, grande estrutura tributária.
44
COSTA, Leonardo de Andrade. Seminário Brasil Século XXI, em 24 de
outubro de 2001, Brasília. O Direito na
Era da Globalização. Realização do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, p. 117. “Preliminarmente, é
importante enfatizar que a matéria tributária sempre foi e sempre será controversa pois traz dentro de si aspectos
jurídicos, econômicos, administrativos,
e, principalmente, de relações de poder.
Portanto, sua análise deve ser, necessariamente, multidisciplinar, e o produto
final será sempre a expressão do sopeso
entre as diversas variáveis envolvidas,
além, é claro, da visão de mundo do
pesquisador. Seu estudo, em face do
processo de integração de mercados,
deve ser desenvolvido em duas dimensões: (1) a primeira no que se refere às
diferentes formas em que se manifesta a integração internacional. Nesse
ponto, é importante salientar que o
processo de integração não tem sido,
historicamente, uniforme, contínuo
e linear. Daí decorre o primeiro fator
de complexidade para compreensão da
questão. Em suma, as diferentes formas
em que se manifesta o processo integrativo determinam discussões tributárias de natureza distintas e, sem dúvida, os problemas tributários em face
da criação de um Estado supranacional
têm grau de complexidade infinitamente superior ao do estabelecimento
de uma união aduaneira ou de uma
zona de livre comércio. (2) uma segunda dimensão do problema diz respeito
às questões tributárias propriamente
ditas. Inquestionável, que o estudo dos
aspectos tributários em uma economia
globalizada deve incluir a análise das
tarifas aduaneiras, dos impostos sobre
o consumo e, por fim, a apreciação dos
impostos diretos.”
45
BALEEIRO. Op. Cit., p.126.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
3. regaliana: obtida através da exploração dos denominados direitos
regalianos, assim definidos como os privilégios conferidos e reconhecidos aos reis e príncipes para explorar certos serviços ou conferir esses direitos a terceiros em troca de pagamento ao Estado de
uma determinada contribuição (regalia);
4. tributária: obtida coativamente ou coercitivamente e que passaram
a ser a principal fonte de receita pública, e;
5. social: caracterizada pela utilização do tributo não somente como
meio para obtenção de receita, mas, também, com fins extrafiscais,
isto é, objetivando influenciar e modificar a ordem econômica e
sócio-política.
QUESTIONÁRIO:
Conceitue a atividade financeira do Estado, determinando e diferenciando, ainda, o escopo e o objeto de estudo do Direito Financeiro e do
Direito Tributário.
EXERCÍCIO:
No dia 31.12.2007 “X” possuía situação patrimonial nos seguintes termos: (1) R$ 100.000,00 (cem mil reais em caixa); (2) R$ 200.000,00
(duzentos mil reais) em contas a receber de seus clientes — todas com
vencimento no ano de 2009; (3) R$ 300.000 (trezentos mil reais contabilizados como ativo permanente imobilizado para a realização de sua atividade); (4) R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) de dívidas com fornecedores.
Durante o exercício de 2008, até 31.12.2008, “X” auferiu receitas totais
no montante de R$ 700.000,00 (quinhentos mil reais) em dinheiro e realizou pagamentos no montante de R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil
reais) entre custos e despesas para realização da sua atividade bem como
no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para quitação de parte de
sua dívida com fornecedores. Desconsiderando a existência de impostos
e outros encargos, e tendo em vista a existência no final do período dos
mesmos R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em contas a receber de seus
clientes e o mesmo ativo permanente, apresente a situação patrimonial
líquida de “X” em 31.12.2007 e em 31.12.2008. Se não tivesse havido o
pagamento no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para quitação
de parte de sua dívida com fornecedores haveria alteração na situação patrimonial líquida em 31.12.2008?
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 2 – O ESTADO FINANCEIRO, A REPÚBLICA E O FEDERALISMO
FISCAL. A DISTRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES ENTRE OS PODERES E A
ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO NA FEDERAÇÃO.
Examinados os aspectos gerais do curso, especificado o conceito de atividade financeira do Estado, bem como o que se entende por necessidades
públicas, e tendo sido, ainda, abordada, em linhas gerais, a história dos tributos e das Finanças Públicas, cumpre agora avançar no estudo dos elementos
essenciais à compreensão da matéria. Nesse sentido, cumpre ressaltar que a
realização da despesa e a gestão fiscal e patrimonial do Estado moderno suscitam a elaboração, a aprovação, a execução e o controle do orçamento, o que
pressupõe, necessariamente, a existência de receita pública.
Antes, porém, do estudo individualizado da despesa, da receita, das operações de crédito, da dívida pública, da elaboração, a aprovação, a execução e o
controle do orçamento, o que se efetivará ao longo da primeira parte do curso, impõe-se agora o exame de algumas características estruturais do modelo
das finanças públicas nacionais, todas determinantes para o entendimento
de como as receitas, as despesas e o orçamento se interligam e operam na
República Federativa do Brasil da atualidade, o que facilitará a compreensão
de cada um dos elementos que compõem a atividade financeira estatal posteriormente. Ressalte-se que dois desses elementos caracterizadores das finanças
públicas têm natureza jus-política, os quais possuem como ratio subjacente
evitar a concentração excessiva e os abusos no exercício do poder, sendo, também, fundamentais à constituição do perfil institucional brasileiro.
Tais características serão apresentadas em dois tópicos distintos, intitulados, respectivamente: 2.1 O sistema de distribuição de funções entre os Poderes
e a natureza autorizadora do orçamento para a efetivação das despesas; e 2.2 O
exercício da competência tributária em face do orçamento e o Federalismo Fiscal.
2.1 O SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES ENTRE OS PODERES E A
NATUREZA AUTORIZADORA DO ORÇAMENTO PARA A EFETIVAÇÃO DAS
DESPESAS
A previsão do orçamento no Brasil, incluindo a fixação de despesas e a
estimativa de receitas orçamentárias, assim como a determinação de elaboração de um balanço geral das receitas e despesas do ano anterior, está expressa
desde a Constituição Política do Império, de 25 de Março de 1824, cujo art.
15, item 10, art. 36, item 1, e art. 172 dispõem, respectivamente:
Art. 15. É da atribuição da Assembléia Geral
....................................................................................................................
10). Fixar anualmente as despesas públicas, e repartir a contribuição direta.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
....................................................................................................................
Art. 36. É privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa.
1º) Sobre impostos.
....................................................................................................................
Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros
Ministros os orçamentos relativos às despesas das suas repartições, apresentará na
Câmara dos Deputados anualmente, logo que esta estiver reunida, um balanço
geral da receita e despesa do Tesouro Nacional do ano antecedente, e igualmente
o orçamento geral de todas as despesas publicas do ano futuro, e da importância
de todas as contribuições, e rendas publicas.
Conforme se verifica na Constituição Imperial, incumbia ao Poder Legislativo, por meio da Câmara dos Deputados, a iniciativa das leis sobre
impostos e à Assembléia Geral, composta pela “Câmara dos Deputados e
Câmara dos Senadores ou Senado”, nos temos do artigo 14, a aprovação da
lei orçamentária que fixava a despesa pública e repartia a denominada contribuição direta.
Ao Poder Executivo, que ao lado do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Poder Moderador constituíam os poderes políticos reconhecidos
pela Constituição do Império (art. 10), incumbia, nos termos do transcrito
artigo 172: (A) elaborar o projeto do “orçamento geral de todas as despesas
publicas do ano futuro e da importância de todas as contribuições e rendas
públicas”, ou seja, estimar e orçar as receitas e despesas do ano subseqüente;
(B) apresentar “um balanço geral da receita e despesa do Tesouro Nacional do
ano antecedente”, o que permitia o controle das finanças; e (C) a execução
orçamentária, a qual se efetivava pelo exercício de suas competências para a
prática de atos materiais e para “expedir decretos, instruções e regulamentos
adequados à boa execução das leis”, bem como “decretar a aplicação dos rendimentos destinados pela Assembléia aos vários ramos da pública administração” (art. 102, itens 12 e 13).
A análise dos mencionados dispositivos da Carta do Império nos permite
identificar o primeiro conjunto de questões essenciais a serem disciplinadas
quanto ao orçamento, às receitas e às despesas públicas, isto é, a atribuição
de competências e distribuição de funções46 entre os poderes constituídos,
relativamente a cada uma das etapas do orçamento e em relação à previsão,
autorização e efetivação das receitas e despesas.
De fato, as diversas características que podem assumir a distribuição de
prerrogativas, bem como as etapas compreendidas em todo o processo, revelam o perfil do orçamento em dado momento histórico, o que auxilia a
perquirição da natureza jurídica do ato, assim como a delinear o sistema de
freios e contrapesos entre os poderes constitucionalmente constituídos. A
natureza jurídica do orçamento é controvertida e objeto de amplo debate
46
Ensina o professor de Sorbonne Laurent Versini que Montesquieu falava
de distribuição de poderes e funções
e não propriamente da sua separação:
“Partout ailleurs, le président parle de
distribuition des pouvoirs et non de
séparation. E livre XI, qui a pour objet
de montrer comment la distribution
des pouvoirs assure da liberté politique
d’abord en Angleterre (chap.6) pui dans
la république romaine (12 sq.), a jusque dans ses titres de chapitres toute la
précision souhaitable : voire chapiter 12,
<< Du gouvernment des rois à Rome,
et comment les trois pouvoirs y furrent
distribués>> ; voyez égalment au chapitre 7 comment, dans les monarchies
autres que l’anglaise, le trois pouvoirs
<< ont chacun une distribuition particulière, selon laquelle ils approchent plus
moins de la liberté politique>> : c’est
dire que le pouvoir exécutif, ou législatif, ou judiciaire est partagé plus moins
inélgalement entre plusieurs autoriés.
La confusion est venue de l’ambiiguité
du mot pouvoir :les fonctions exécutive,
législative ou judiciaire étant dans les
démocraties modernes le plus souvent
exercées chacune par un organe spécialisé, on identifie la fonction avec
l’organe sous le nom de pouvoir alors
que pour Montesquieu la fonction doit
être répartie entre plusieurs organes
pour que le pouvoir arrête le pouvoir, et
que soit assurée la modération, donc la
liberté.” VERSINI, Laurent. Introduction.
In: MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois,
I. Folio Essais. Edition Gallimard, 1995.
p. 40-41
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
na doutrina47, tendo em vista as suas especificidades. No Brasil, entretanto,
a própria CR-88 confere48 a natureza de lei em caráter formal às três peças
orçamentárias, o plano plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias (LDO)
e os orçamentos anuais (LOA), matéria que será objeto de exame detalhado
na próxima aula. Apesar do artigo 166 da CR-88 estabelecer regime procedimental específico para a apreciação, tramitação e votação dos projetos das
leis orçamentárias, conforme será estudado adiante, aplicam-se aos mesmos,
no que não contrariar o disposto na Seção II, do Capítulo II, do Título VI
da CR-88 (artigo 165 a 169), as demais normas relativas ao processo legislativo.49 Assim, o quorum exigido para a sua aprovação é o comum, fixado no
art. 47 da CR-88, a exigir a “maioria dos votos, presente a maioria absoluta
de seus membros”, e não o qualificado de lei complementar, disciplinado
no art. 69, razão pela qual, no atual regime jurídico brasileiro, o orçamento
assume a natureza de lei ordinária.50 Ressalte-se, entretanto, tratar-se de
norma de natureza especialíssima, posto não se amoldar perfeitamente ao
conceito técnico de generalidade, abstração e impessoalidade, atributos que,
como regra geral, caracterizam a lei em sentido material51, sem mencionar a
indeterminação temporal. A lei do orçamento anual, por exemplo, além de
vigorar por prazo determinado de um ano, produz efeitos concretos, motivos
pelos quais muitos autores sustentam não se qualificar o orçamento como lei
sob o ponto de vista material.52
Constata-se pela leitura das Constituições brasileiras de 1824, 1891, 1934,
1937, 1946, 1967 e 1967/69 que várias modalidades e critérios de fixação
de competência foram adotados no país até então, havendo períodos: (1) de
maior concentração de atribuições no Poder Executivo (ex. 1937); (2) aquelas
em que preponderava a atuação do Poder Legislativo (ex. 1891), que incluiu
a competência do Congresso Nacional para “orçar53 a receita, fixar a despesa
federal anualmente e tomar as contas da receita e despesa de cada exercício
financeiro”; e, finalmente, (3) as demais Constituições, que se caracterizaram
pela adoção de modelos muito detalhista e de ampla distribuição de funções e
competências entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo (ex. 1824, 1934,
1946, 1967 e 1967/69), como é o caso, também, da Carta atual de 1988.
Cabe ressaltar que, à exceção da citada Constituição Imperial de 1824
— a qual implementou um sistema quadripartido de poderes — as demais
Constituições brasileiras adotaram o modelo tripartido de funções de Montesquieu, tendo, no entanto, assumido feições diversas e ponderações distintas na alocação de atribuições relativas ao orçamento, às despesas e às receitas,
dependendo do contexto político, econômico e social. Importante salientar
que, não obstante estarem as competências previamente fixadas no plano
normativo-constitucional, no mundo real ocorrem retrações e ampliações no
campo de atuação de cada poder ao longo do tempo, dentro do mesmo regime constitucional e do mesmo sistema de governo (parlamentarismo ou
47
HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro
e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas,
2008. p. 57/58.
48
Ver em especial o artigo 165, caput, e §
1º, §2º, §5º, §6º e §8º, da CR-88.
49
Artigo 166, §7º, da CR-88.
50
Na próxima aula será detalhada a matéria, ocasião em que se verificará que o
PPA é lei formal, sendo dependente do
orçamento anual para possuir eficácia
relativamente à realização das despesas.
No mesmo sentido, a LDO também é lei
formal, compreendendo apenas as metas
e prioridades da administração pública,
incluindo as despesas de capital para o
exercício financeiro subseqüente e contendo simples orientação para a elaboração
da lei orçamentária anual, razão pela qual
não criam, em regra, direitos subjetivos
para terceiros nem tem eficácia fora do
âmbito dos Poderes do Estado. Nesse
sentido, Ação Originária 533-9, em cuja
decisão monocrática assevera o relator:
“(...) Ademais, a alegação fundamentada
em suposto direito subjetivo do autor
ao repasse da verba requerida está afastada, conforme fundamento doutrinário
embasador da decisão mencionada, que
pela propriedade vale ser trasladado: a lei
orçamentária possui “o claro objetivo de
limitar o orçamento à sua função formal
de ato governamental, cujo propósito é
autorizar as despesas a serem realizadas
no ano seguinte e calcular os recursos
prováveis com que tais gastos poderão ser
realizados, mas não cria direitos subjetivos” (Luiz Emydio F. da Rosa Jr., “Manual
de Direito Financeiro & Direito Tributário”,
10ª edição, Renovar, p. 80). Em face de tais
circunstâncias, com respaldo no inciso IX
do art. 21 do RISTF, julgo prejudicada esta
ação. Publique-se. Brasília, 21 de setembro
de 2004. Ministro Eros Grau Relator”.
51
Essa matéria tem relevância não apenas
sob o ponto de vista acadêmico, tendo em
vista a sua importância para a admissibilidade do controle judicial de constitucionalidade na via principal das leis orçamentárias, isto é, por ação direta. A doutrina
clássica, que tem como um de seus expoentes o professor San Tiago Dantas, pontua
que: “nem toda a lei é norma jurídica. A lei
é a estrutura externa da norma jurídica,
mas pode haver lei contendo um ato administrativo, como por exemplo: art. 1º,
fica aberto um crédito de tantos contos de
réis para realização do serviço de extinção
da malária. A lei aí é elaborada segundo
os preceitos constitucionais para esta espécie de ato, mas não contém uma norma
jurídica. Contém, apenas, um comando
administrativo; contém uma norma que
não é universal, que se concretiza em torno de determinado caso, que é particular
e, portanto, pertence ao tipo de comando
administrativo, não ao tipo de comando
jurídico. Daí uma divisão: lei em sentido
formal e lei em sentido material. A lei em
sentido formal é aquela elaborada segundo os preceitos constitucionais referentes
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
presidencialismo), visto que, além da realidade fática e política se alterarem,
a usurpação é ínsita ao exercício do poder, conforme salienta Fernando Papaterra Limongi:54
“Como afirma Madison, não se nega que o poder é, por natureza, usurpador,
e que precisa ser eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que
lhe foram fixados”. (“O Federalista”, n. 48). A limitação do poder, dada esta sua
natureza intrínseca, só pode ser obtida pela contraposição a outro poder, isto
é, o poder freando outro poder. Neste ponto, “O Federalista” se aproxima de
Montesquieu. Estas reflexões, como é sabido, fundamentam a teoria da separação de poderes, enunciada por este autor. Apesar de se apoiar expressamente
em Montesquieu, a exposição de Madison da teoria da separação dos poderes
contém especificidades que merecem ser anotadas.”
Na seara orçamentária é comum ocorrerem anualmente, no contexto
brasileiro atual, situações concretas de interação conflituosa entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, abarcando, de forma subjacente, os
inevitáveis conflitos político-partidários — aliados e oposição. A sua raiz,
certamente, está, em especial, na tentativa de ampliação dos respectivos
âmbitos de atuação no que se refere ao orçamento, com reflexos diretos na
previsão de receitas e despesas e, em particular, na especificação e alocação dos gastos, os quais têm como pressuposto necessário a sua previsão
em lei55, além de condicionarem os projetos e programas que norteiam a
ação governamental. Essa disputa é suavizada em função das vinculações
constitucionais e legais de determinadas receitas às despesas específicas,
como as de seguridade social, folha de pagamentos e dos compromissos
das dívidas, o que centraliza o âmbito dessas tensões nas denominadas
despesas de Investimentos.
O Poder Judiciário, sem dúvida, também se insere de forma decisiva nesse sistema de checks and balances relativamente ao orçamento, às receitas e
às despesas, notadamente por sua competência para exercer o controle de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos, sem esquecer, entretanto,
que a atuação independente pressupõe autonomia financeira, razão pela qual
este Poder, como os outros, também atua ativamente em busca de proteção
de seus interesses financeiro-orçamentários. Nesse sentido vale ressaltar o disposto no artigo 99 da CR-88, que dispõe in verbis:
ao assunto, e lei em sentido material é
aquela não só elaborada desse modo, mas
que também contém uma norma jurídica”.
In: DANTAS, SAN TIAGO. Direito Civil. Parte
Geral. Clássicos da Literatura Jurídica. 4ª
tiragem. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979.
p.87-88. Nessa linha, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal sempre foi no
sentido de considerar a lei de efeito concreto como inidônea para o controle abstrato
de normas, razão pela qual considerava
majoritariamente inadmissível a ação
direta de inconstitucionalidade contra lei
orçamentária que destinasse determinada
soma pecuniária ou percentagem de receita fixada para finalidade/despesa específica, tendo em vista não serem as normas
dotadas de abstração e generalidade (ADI
1640, ADI 2057, ADI 2484). Essa jurisprudência tem sido mitigada nos últimos anos
(ADI 2.925, ADI 2108), havendo diversas
hipóteses, quando os dispositivos especificamente impugnados possuam suficiente
grau de generalidade, que o STF passou a
admitir o controle direto, o que será objeto
de análise quando do exame dos denominados créditos adicionais.
52
Para análise detalhada quanto à
natureza do orçamento (Teoria da Lei
Formal, Teoria da Lei Material e A Teoria
da Lei “Sui Generis”) v. TORRES, Ricardo
Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume
V. O Orçamento na Constituição. 3ª
ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro.
Renovar, 2008. p. 93-99.
53
Nesse sentido, tendo em vista a competência do Poder Legislativo para “orçar”, isto é, estimar a receita e fixar a
despesa, constata-se a mudança radical
em relação à Constituição anterior, de
1824, a qual determinava a competência do Poder Executivo para elaborar a
peça orçamentária.
54
LIMONGI, Fernando Papaterra. “O
Federalista”: remédios republicanos
para males republicanos. In: WEFFORT,
Francisco C. Os Clássicos da Política.
Vol. 1. 13 ª ed. São Paulo: Editora Ática.
p 249-250.
55
Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.
§ 1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.
§ 2º - O encaminhamento proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:
Art. 167 da CR-88 estabelece que:
“São vedados: I — o início de programas ou projetos não incluídos na lei
orçamentária anual; II — a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos
orçamentários ou adicionais; (...)”, ao
passo que o §8°, do art. 165, determina
que a LOA fixa as despesas. Essa questão
será detidamente analisada na próxima
aula pertinente aos Orçamentos.
FGV DIREITO RIO
27
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos
Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais;
II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.
(*) Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004:
§ 3º - Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de
acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo.
(*) Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004:
§ 4º - Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta
orçamentária anual.
(*) Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004:
§ 5º - Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a
realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas,
mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.
Esse dispositivo, bem como aqueles que conferem a prerrogativa ao Ministério Público, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo para elaborarem as
suas respectivas propostas orçamentárias serão analisados na próxima aula.
Considerando o que foi exposto, percebe-se a distribuição de funções entre os poderes constitucionalmente constituídos enseja três tipos de interações sistêmicas potencialmente conflituosas: (a) Poder Executivo-Poder Legislativo; (b) Poder Legislativo-Poder Judiciário; e (c) Poder Executivo-Poder
Judiciário. Constata-se, assim, que a matéria financeiro-orçamentária suscita
constantemente, durante o denominado ciclo orçamentário a ser posteriormente examinado, a realização concreta do denominado sistema de freios e
contrapesos, o que pode ser mais intenso ou não, dependendo do modelo de
orçamento adotado no país, conforme será explicitado ao longo do curso.
Nesse passo, cumpre realçar que o orçamento anual no que se refere à realização das despesas pode ser autorizativo ou impositivo, isto é, uma vez aprovada a peça orçamentária pelo Poder Legislativo, e sancionada pelo chefe do Poder Executivo, duas possibilidades se afiguram: (1) a primeira, se a autoridade
responsável por sua execução não tem opção, ou seja, tem que cumprir o que
foi, ou vier a ser, determinado pela Casa Legislativa, contexto no qual o orçamento se caracteriza como impositivo àquele que o executa; ou (2) o segundo
modelo, no qual a Casa Legislativa, ao aprovar o projeto de lei orçamentária,
apenas confere uma autorização para que a Administração Pública realize o que
FGV DIREITO RIO
28
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
foi previsto, o que o qualifica como instrumento meramente autorizador dos
gastos e, por conseguinte, da execução dos programas deles decorrentes. Assim,
nesse segundo modelo, adotado atualmente no Brasil, as despesas fixadas pelo
Legislativo servem, na prática, como teto ou limite para o executor do orçamento, na medida em que este pode realizar o que se denomina de contingenciamento56, assim como determinar, sem a anuência ou prévio consentimento
parlamentar, o corte de despesas previstas no comando legislativo.
Rubens Penha Cysne57 analisa a questão nos seguintes termos:
“Do ponto de vista da política de incentivos fica claro que o excesso de arbitrários contingenciamentos orçamentários (despesas aprovadas pelo Congresso e
unilateralmente não executadas pelo Executivo) acaba por gerar perdas para todos
os lados. Tratando-se o orçamento de um jogo repetido anualmente, deputados e
senadores e destinatários das verbas reagem a tal prática, o que por sua vez gera reação da parte do Executivo e nova reação do Legislativo, etc., num ineficiente ciclo
cujo limite se dita pela paciência e capacidade de cada ator de calcular a reação dos
demais. Um pouco de observação histórica e de outros países, a exemplo do que se
sugere no item quatro acima, mostra que tal processo também existia nos Estados
Unidos até 1974, tendo nesta data sido abolido pelo Budget Impoudment Act.”
A edição do Impoundment58 Control Act of 1974, que é o título X da lei federal59 disciplinadora do processo orçamentário nos Estados Unidos, retirou a
possibilidade de o Poder Executivo, unilateralmente, suprimir ou cortar despesas previamente aprovadas pelo Congresso, salvo expressa autorização do próprio Parlamento. No entanto, todos os presidentes americanos que assumiram
posteriormente o cargo tentaram reduzir essa dependência em relação ao Legislativo e, assim, reassumir a substancial parcela do poder retirado pelo citado
título X, sob o argumento de que não haveria vedação constitucional expressa
de se gastar menos do que o fixado pelo Congresso, podendo o Poder Executivo definir, inclusive, os itens individuais de despesas a serem contingenciadas.
Nesse sentido, para atender aos anseios da administração Clinton, foi editado o
Line Item Veto Act of 1996, o qual produziu efeitos até 12 de fevereiro de 1998,
período no qual foram contingenciados valores substanciais das leis orçamentárias vigentes. No entanto, em 25 de junho de 1998, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em uma decisão de 6 votos contra 3, no caso Clinton v. City of New
York60, confirmou a decisão do juiz Thomas Hogan, da United States District
Court for the District of Columbia, a qual havia declarado inconstitucional o
não cumprimento das despesas nos termos aprovados no orçamento (budget),
isto é, considerou o Line Item Veto Act of 1996 incompatível com a Constituição, na medida em que permitia a não realização de despesas especificamente
aprovadas pelo Congresso e de forma unilateral pelo Poder Executivo. Dito de
outra maneira, o Poder Judiciário americano considerou indelegável a prerro-
56
A expressão contingenciar significa
controlar as despesas do orçamento governamental impondo corte à conta de
uma rubrica orçamentária ou limitação
de empenho e movimentação financeira, o que deveria ter como objetivo exclusivo afastar a possibilidade de desequilíbrios financeiros no decorrer de um
exercício, considerando, em especial, a
frustração na realização das receitas
estimadas, conforme dispõe o artigo 9º
da Lei Complementar nº 101/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse sentido, nos termos em que
será analisado a seguir, após identificados os recursos para o atendimento
dos programas fixados no orçamento,
cabe ao Poder Executivo estabelecer
cotas e prazos para a sua utilização
em consonância com o desempenho
da arrecadação, do comportamento e
ritmo das despesas em face das metas
de resultado primário do governo. No
entanto, na prática, o contingenciamento pode ser utilizado como forma
de ampliar o espaço de atuação do Poder Executivo no campo orçamentário.
No mesmo sentido, a possibilidade de
abrir créditos suplementares sem específica autorização legislativa, utilizando
o cancelamento de dotações indicadas
na lei orçamentária de forma genérica
como fonte ao crédito adicional amplia
o espaço de atuação do Executivo.
57
CYSNE, Rubens Penha. O predomínio
da agenda fiscal. Conjuntura Econômica. Dez 2007. Vol. 61. nº 12. Fundação Getúlio Vargas. p. 22.
58
Analogamente ao contingenciamento, impoundment significa a não execução pelo Poder Executivo, de forma
unilateral, isto é, sem prévio consentimento legislativo, das despesas fixadas
na lei orçamentária de forma detalhada
por itens. Nesses termos o Impondment
Control Act of 1974 é a lei federal, ou o
capítulo X da lei que regula o Processo
Orçamentário americano, que visa a
disciplinar e controlar o contingenciamento.
59
Congressional Budget and Impoundment Control Act of 1974 (Pub.L.
93-344, 88 Status. 297, 2 U.S.C. §
601–688.). United States. U.S. House of
Representatives Committee on Rules.
Disponível em: <http://www.rules.
house.gov/budget_pro.htm>. Pesquisa realizada em 20.05.2008.
60
U.S. Supreme Court No. 97-1374.
WILLIAM J. CLINTON, PRESIDENT OF THE
UNITED STATES, ET AL, APPELLANTS v.
CITY OF NEW YORK ETAL. ON APPEAL
FROM THE UNITED STATES DISTRICT
COURT FOR THE DISTRICT OF COLUMBIA [June 25, 1998] Disponível em:
<http://caselaw.lp.findlaw.com>.Pesquisa realizada em 20.05.2008
FGV DIREITO RIO
29
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
gativa parlamentar de fixar as despesas de forma impositiva e discriminada. Em
que pese a decisão da Suprema Corte, as tensões entre os Poderes Executivo e
Legislativo não arrefeceram, o que pode ser constatado pelo discurso inaugural
da sessão legislativa do Congresso Americano de 2006 denominado State of
the Union Address, em 31 de janeiro de 2006, no qual o presidente Bush urged
Congress to “pass the line-item veto”61, o que deixa transparecer que a questão,
apesar de disciplinada pelo citado Congressional Budget and Impoundment Control Act of 1974, parece não estar definitivamente pacificada.
Isto posto, pode-se identificar a relevância do tema para a escolha de um
entre os diversos modelos jus-políticos possíveis para disciplinar o processo
orçamentário, especialmente no que se refere à sua relação com as despesas.
Saliente-se que no Brasil, como ocorre com freqüência, em abril de 2008 a
União contingenciou expressivo montante de gastos autorizados pela Lei nº
11.897, de 30 de dezembro de 2008, a qual estimava receita e fixava a despesa
para o exercício de 2009. A limitação das despesas foi efetivada antes de completado três meses da aprovação do orçamento, por meio da edição do Decreto
nº 6.808, de 27 de março de 2009, o qual alterou o Decreto nº 6.752, de 28
de janeiro de 2009, que dispunha sobre a programação financeira e estabelecia
o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o exercício,
com fundamento nos artigos 8º e 9º da Lei Complementar nº 101/00, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os quais indicam que:
Art. 8o Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que
dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do
inciso I do art. 4o, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o
cronograma de execução mensal de desembolso.
Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica
serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda
que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.
Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita
poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias
subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os
critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. (grifo nosso)
De forma análoga, o Jornal Valor62 noticiou o contingenciamento realizado
em 2008, nos seguintes termos: “O corte de R$19,41 bilhões anunciado há
duas semanas pelo governo federal nas despesas discricionárias da União, no
âmbito do orçamento fiscal e da seguridade social, vai atingir principalmente
os investimentos, sobretudo aqueles incluídos pelo Congresso ao emendar
o projeto inicial. (...) Alguns Ministérios perdem praticamente toda verba
61
Disponível
em:<http://
w w w. l aw. co m / j s p / a r t i c l e.
jsp?id=1138874718390>.Pesquisa
realizada em 20.5.2008.
62
Jornal Valor de 24 de abril de 2008,
p. A3.
FGV DIREITO RIO
30
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de investimento aprovada pelos deputados e senadores (...) entre custeio e
investimentos, os órgãos do governo ficam proibidos de executar R$19,2
bilhões com o corte”, sendo que “os outros R$ 200 milhões terão de ser economizados pelos Poderes Judiciário e Legislativo e pelo Ministério Público”.
Essa questão, obviamente, suscita muito embate político todos os anos, em
especial pelo fato de que pouco tempo após, conforme noticiado pelo mesmo
jornal, em 21 de maio de 2008, p. A4, que “o governo encaminhou ontem
ao Congresso uma nova reavaliação de receitas e despesas no âmbito do orçamento fiscal e da seguridade social.(...) Em relação à estimativa feita pelo
Congresso, o adicional esperado para este ano já chega a R$17,52 bilhões no
mesmo conceito. Diante disso, o governo anunciou que vai elevar em R$ 4,6
bilhões os limites de empenho e movimentação financeira dos órgãos federais este ano,relativamente às despesas discricionárias. Com isso revertese, parcialmente, o contingenciamento de R$19,4 bilhões anunciado logo
após a sanção do orçamento”. Na mesma linha, a Secretária de Fazenda do
Município do Rio de Janeiro, informando ter dúvidas quanto à arrecadação
do ano de 2009, em função dos efeitos da crise financeira, declarou63 que
“queremos começar com muito contingenciamento”. Esses fatos ensejam
constantes tentativas de redefinição do atual modelo orçamentário no que se
refere à necessidade, ou não, da adoção do chamado orçamento impositivo.
A Proposta de Emenda à Constituição nº 565/2006, à qual foram apensadas as PECs nºs 169/2003; 385/2005; 465/2005; 46/2007; e 96/2007, e
que possui como objetivo central tornar “obrigatória a execução da lei orçamentária”, até hoje não aprovada, traduz a citada disputa por maior espaço
de atuação de forma explícita, especialmente na definição da alocação e da
utilização dos recursos públicos. A PEC nº 565/2006 intenciona acrescer o
artigo 165-A à CR-88 para estabelecer em seu caput que:
“a programação constante da lei orçamentária anual é de execução obrigatória, salvo se aprovada, pelo Congresso Nacional, solicitação, de iniciativa exclusiva do Presidente da República, para cancelamento ou contingenciamento,
total ou parcial, de dotação.”
Desta feita, caso fosse aprovada a alteração constitucional, além de tornar
obrigatória a execução do orçamento, nos termos aprovados pelo Legislativo,
somente seria possível alterar a programação estabelecida pelo parlamento,
por meio de cancelamento ou contingenciamento da dotação, se aprovada
previamente a alteração pelo próprio Congresso Nacional. Assim, estaria
inviabilizada a edição de Decreto do Executivo para efetivar cortes e redimensionamento de despesas unilateralmente, como ocorre todos os anos.
A leitura da matéria abaixo, publicada no Jornal Valor do dia 07/05/2008,
relacionada à votação da citada PEC nº 565/2006 auxilia a compreensão do
63
Jornal Valor de 30 e 31 de dezembro
de 2008 e 1 de janeiro de 2009, p A5.
FGV DIREITO RIO
31
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
contexto político atual e a sua correlação com a matéria orçamentária, especialmente no que se refere ao caráter autorizador da fixação de despesas pelo
Parlamento e o seu contingenciamento pelo Poder Executivo.
FGV DIREITO RIO
32
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Por todo o exposto nesta seção, constata-se a relevância que assume o
modelo de distribuição de competências entre o Poder Legislativo e o Poder
Executivo, matéria de cunho político-jurídico, em especial quanto à interligação entre (1) a realização das despesas e (2) a sua fixação no orçamento.
Nesse sentido, a natureza exclusivamente autorizadora do orçamento, no que
se refere à realização das despesas, caracteriza parte fundamental da estrutura
das finanças públicas do país, refletindo a atual ponderação dentro do sistema
de checks and balances brasileiro.
As tensões e os desafios decorrentes da distribuição de funções entre os poderes constitucionalmente constituídos na área das finanças públicas podem
ser visualizados da seguinte forma:
Distribuição de funções entre os Poderes e a
representação gráfica dos conflitos possíveis
Executivo
Legislativo
Judiciário
Os conflitos mais comuns relativos
à matéria financeira e tributária são
representeados pela seguinte
figura:
Conforme será explicitado no próximo tópico, a adoção da forma de Estado federado eleva sobremaneira o escopo das relações potencialmente conflituosas no que se refere à despesa, à receita, ao crédito, à dívida e ao orçamento, tendo em vista que se abre a possibilidade de tensões entre os Poderes
dos diferentes níveis de governo, além das previsíveis contendas entre Poderes
distintos das diversas esferas de governo.
Cumpre destacar, ainda, que, nesse cenário de orçamento autorizativo, a estimativa da receita assume caráter fundamental dentro do contexto orçamentário, pois é com base nela que são autorizadas as despesas (estimadas), requisito
necessário e essencial à sua efetivação nos termos do já citado artigo 167 I e II
da CR-88. Assim, receita superestimada, o que pode decorrer da própria atuação parlamentar, conforme será estudado a seguir, conduz e implica despesa
autorizada em montante superior à realidade fiscal, o que facilita a acomodação
política da elaboração do orçamento bem como o uso distorcido ou indevido do mencionado contingenciamento dos gastos, unilateralmente pelo Poder
Executivo, tendo em vista o argumento sempre disponível da necessidade de
manutenção do equilíbrio orçamentário64 associado à natureza autorizadora da
lei orçamentária anual, o que propicia o ciclo vicioso de atritos e disputas com o
Poder Legislativo, ainda que a base econômica sobre a qual ocorram as disputas,
conforme será estudado, seja limitada às denominadas despesas discricionárias,
haja vista a prévia vinculação de elevado percentual de despesas na própria Constituição, em dispositivos legais sobre os quais o legislador ordinário e o governo
não tem muita margem de atuação ou por força de dívidas contratuais.
64
Apesar do objetivo geral de equilíbrio entre a receita e a despesa, uma
política fiscal anti-cíclica é defendida
por muitos economistas influenciados
pela teoria keynesiana, tendo em vista
a relevância da função estabilizadora
do governo, que ao lado das funções
alocativa e distributiva compõem a denominada “política fiscal”. Assim, uma
presença ativa do governo, agora novamente em evidência, por força da crise
internacional, conforme ensina Fabio
Giambiagi, “passou a ser defendida,
principalmente, a partir da publicação
do livro da Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda em 1936, de autoria
de John Maynard Keynes. Até então,
acreditava-se que o mercado tinha
uma capacidade de se auto-ajustar ao
nível de pleno emprego da economia.
A flexibilidade de preços e salários
garantiria este equilíbrio: a existência
de desemprego só seria explicada,
por exemplo, por um nível de salários
reais acima daquele que equilibraria
a demanda e a oferta de trabalho, o
que poderia ocorrer em razão da ação
dos sindicatos. Keynes, ao contrário,
apontava que o limite ao emprego era
dado pelo nível de demanda: as firmas só estariam dispostas a empregar
determinada quantidade de trabalho
conforme as expectativas de venda
de seus produtos. Desta forma, tudo
que pudesse ser feito para aumentar
a quantidade de gastos na economia
contribuiria para uma redução da taxa
de desemprego da economia. Neste
sentido, Keynes deu ênfase ao papel
do Estado mediante as políticas monetárias e, principalmente, fiscal para
promoverem alto nível de emprego.
(...) A política fiscal pode se manifestar
diretamente, através da variação dos
gastos públicos em consumo e investimento, ou indiretamente, pela redução
das alíquotas de imposto, que eleva a
renda disponível do setor privado. Por
exemplo, em uma situação recessiva o
governo pode promover um crescimento de seus gastos em consumo e/ou
investimento e com isso incentivar um
aumento da demanda agregada, tendo como resultado um maior nível de
emprego e renda da economia. Alternativamente, o governo pode reduzir
as alíquotas de impostos, aumentando,
desta forma, o multiplicador de renda
da economia. No caso da existência de
um alto nível de inflação, por sua vez,
decorrente de um excesso de demanda
agregada na economia, o governo pode
agir de forma inversa ao caso anterior,
promovendo uma redução da demanda
agregada, através da diminuição dos
seus gastos e/ou do aumento das alíquotas de impostos — que reduziria a
renda disponível e, consequentemente,
o nível de consumo da economia. Dependendo da situação, o governo pode
preferir agir sobre a demanda agregada
da economia através da política mone-
FGV DIREITO RIO
33
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Importante ressaltar, ainda, que a realização de receitas em nível superior
ao estimado durante a execução orçamentária, antes ou após possíveis contingenciamentos, deflagra a elevação dos limites de empenho e movimentação
financeira referente às despesas discricionárias, o que pode ensejar a reversão
parcial ou total do contingenciamento.65
Cabe repisar que o contingenciamento das dotações não pode incidir sobre as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente,
como pessoal, transferências a estados e municípios, sentenças judiciais, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e sobre aquelas
protegidas pela lei de diretrizes orçamentárias.
Em que pese o exposto, vinculado à importância da estimativa de receita,
nos termos salientados por Harada66, “desde a Emenda 18/65, o requisito da
prévia estimativa de receita, decorrente de tributo criado ou aumentado, deixou de existir como condição para sua cobrança. Talvez esse fato explique o
desinteresse dos parlamentares”. Entretanto, a Comissão Mista do Orçamento, cujas competências serão analisadas nas próximas aulas, possui um relator
da receita, o qual, com o auxílio do Comitê de Avaliação da Receita, examina
e avalia aquelas previstas pelo Executivo67 no projeto de lei orçamentária68. O
objetivo é verificar se o montante estimado está de acordo com os parâmetros
econômicos previstos para o ano seguinte. Na hipótese de encontrar algum
erro ou omissão, é facultado ao Legislativo reavaliar a receita definida pelo
Executivo e propor nova estimativa, com fundamento no artigo 166, §3°, III,
a da CR-88.
Por fim, merece destaque a interessante análise sobre a política orçamentária no presidencialismo de coalizão brasileiro realizada por Argelina Cheibub
Figueiredo e Fernando Limongi69, onde sustentam que, na realidade, o conflito não seria propriamente entre os Poderes Executivo e Legislativo, e sim
entre os dois blocos parlamentares distintos, ou seja, aqueles que apóiam o
Poder Executivo e outros que fazem oposição ao governo:
A principal fonte de conflitos do sistema político brasileiro não advém das
relações entre poderes e, sim, de clivagens político-partidárias. Os parlamentares dividem-se em dois grandes campos: os que apóiam e os que se opõem ao
Executivo. Essa distinção implica, em primeiro lugar, o apoio da maioria à centralização da condução do processo orçamentário em sua fase congressual. Há
uma delegação de poder das bases para as lideranças partidárias, representadas
neste caso pelo relator-geral e seus colaboradores diretos. Essa delegação explica
o papel reduzido que as emendas individuais desempenham na participação do
Congresso no processo orçamentário e a importância que as questões macroeconômicas assumem para os relatores. Antes de mais nada, o orçamento visa
garantir o sucesso da política do governo, especialmente a econômica, prioritária
no período analisado. (grifo nosso)
tária. Em casos de recessão ou desaceleração do crescimento econômico, o
governo pode promover uma redução
das taxas de juros, estimulando desta
forma o aumento dos investimentos e,
consequentemente o crescimento da
demanda agregada e da renda nacional, Alternativamente, em uma situação de excesso de demanda com impactos inflacionários, o governo pode
aumentar as taxas de juros, reduzindo,
desta maneira, a demanda agregada da
economia, Para se atingir as prioridades
da política econômica, o mais comum ,
na prática, é uma ação combinada das
políticas fiscal e monetária por parte do
governo.” In. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM,
Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria
e Prática no Brasil. 3ª Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008. p. 14/15.
65
Ressalte-se a relevância do disposto
no artigo 9 º, § 1º, da LRF, cuja aplicação objetiva garantir a realização
do que foi definido na LOA mesmo na
hipótese de contingenciamente, ao dispor que: “No caso de restabelecimento
da receita prevista, ainda que parcial,
a recomposição das dotações cujos
empenhos foram limitados dar-se-á de
forma proporcional às reduções efetivadas.” O empenho será estudado na
aula pertinente às despesas públicas.
66
HARADA. Op.cit. p.59.
67
O artigo 12, § 1º, da LRF estabelece
que a “Reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será admitida
se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal”.
68
Considerando que a crise econômica
mundial já apresentou impacto sobre a
atividade econômica e a arrecadação da
União no final do próprio exercício de
2008, conforme noticiado pelo Jornal
Valor da sexta-feira e fim de semana,
12, 13 e 14 de dezembro de 2008, A10,
“a Comissão Mista de Orçamento do
Congresso (CMO), aprovou ontem, a
revisão do relatório de arrecadação
do projeto de Orçamento da União para
2009 (...). Fica referendada, assim, a
redução de R$ 15,34 bilhões no volume esperado de receitas primárias
brutas no âmbito do orçamento fiscal e da seguridade social (que exclui
empresas estatais não-dependentes do
Tesouro Nacional). Em conseqüência
disso, cerca de R$ 10 bilhões do volume que iria para despesa de custeio
e investimento dos órgãos federais
terão que ser cortados pelo relator
geral (...)”.
69
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e
LIMONGI, Fernando. Política Orçamentária no Presidencialismo de
coalizão. Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2008.
p.15.
FGV DIREITO RIO
34
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
A despeito da pertinência da conclusão quanto à centralização das decisões
nas mãos do relator-geral, da redução do papel das chamadas emendas individuais, bem como da preponderância dos aspectos macroeconômicos sobre o
orçamento brasileiro, a mencionada subdivisão entre os dois blocos parlamentares — de apoio e de oposição ao Executivo — consubstancia, sob nosso ponto
de vista, na verdade, elemento do processo político de nosso presidencialismo, o
qual reflete o desdobramento político-partidário da tensão estrutural subjacente
ao processo de distribuição de funções entre os Poderes, e não a principal fonte
de conflitos do sistema político brasileiro. Dito de outra forma, o sistema de distribuição de funções adotado e as definições de natureza estruturante, tais como
o modelo de orçamento, impositivo ou autorizativo e a especificação das atribuições de cada Poder no processo orçamentário, precedem o embate político
partidário e de formação de maiorias parlamentares circunstanciais, uma vez que
se encontram, no caso brasileiro, consolidadas na própria Constituição, somente
sendo passíveis de alteração pelo poder constituinte, originário ou derivado.
2.2 O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA EM FACE DO ORÇAMENTO E O FEDERALISMO FISCAL.
Após o estudo concernente à natureza autorizadora do orçamento para a
efetivação das despesas, bem como do exame da relevância da distribuição de
funções entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo no que se refere ao orçamento, impõe-se agora analisar o segundo elemento de natureza jus-política que também possui como ratio subjacente evitar a concentração excessiva e
os abusos no exercício do poder, sendo, também, fundamental à constituição
do perfil institucional brasileiro: a forma de Estado, que pode ser qualificada
como um instrumento de distribuição espacial de poder.
Preliminarmente, merece destaque que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR-88) dispõe, no artigo 24, I, que a União, os
Estados e o Distrito Federal podem legislar concorrentemente sobre Direito
Financeiro e Tributário, limitando, entretanto, o âmbito da competência da
União às normas gerais e conferindo, ao mesmo tempo, a competência suplementar aos Estados. Corolário da autonomia federativa estampada nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88, os Municípios também têm a atribuição
de suplementar a legislação federal e estadual (artigo 30, II, da CR-88), assim
como instituir e arrecadar tributos, aplicar suas rendas, submeter e prestar
contas, analogamente às prerrogativas da União, dos Estados e do Distrito
Federal. Portanto, a determinação fixada no artigo 163 da CR-88, no sentido
de que lei complementar federal disporá sobre finanças públicas, conforme
ensina Misabel Abreu Machado Derzi70, não afasta ou suprime a competência legislativa dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
70
DERZI, Misabel de Abreu Machado.
Comentários aos arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei
de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed.
rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
p. 276-277.
FGV DIREITO RIO
35
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
para legislar sobre as finanças públicas, dívida pública, operações de crédito, emissão e resgate da dívida pública, orçamentos, controle e fiscalização da
execução financeira. Ao contrário, cada um desses entes políticos, mediante
lei ordinária, aprova os seus orçamentos, operações de crédito, e empréstimos
públicos. No citado art. 163, a Constituição apenas prevê a necessidade de a
União editar normas gerais, por meio de lei complementar, para disciplinar princípios básicos a serem observados pelas leis ordinárias editadas nessa matéria pela
União, Estados-Membros e Municípios. Dentro dos limites constitucionais que
lhes são impostos, de respeito à diferenciação e às autonomias locais e regionais,
as normas gerais padronizam parcialmente as ordens jurídicas que convivem no
Estado brasileiro.
Assim, importante ressaltar que o Brasil é uma República Federativa tridimensional71, composta por três entes políticos distintos, diversamente do
tradicional modelo dualista adotado nos demais regimes federados, os quais
são compostos por apenas dois entes.
Nesse passo, de descentralização das finanças e da atribuição de competências tributárias aos entes políticos, serão inicialmente analisados os aspectos
gerais do federalismo fiscal e a vinculação ou não do exercício da competência tributária ao orçamento, para depois ser examinado o problema das
desigualdades regionais na Federação.
2.2.1 O Federalismo Fiscal e o exercício da competência tributária em face do orçamento
A forma de Estado (unitário, federado ou confederado)72 adotada pela
República Federativa do Brasil é o segundo elemento de natureza jurídicopolítica que define o modelo de interação entre as receitas, despesas e o orçamento, sendo também determinante para o delineamento do perfil institucional brasileiro. De fato, é o modelo de federalismo político implementado
que determina o sistema de federalismo financeiro. Também será objeto de
análise neste tópico a subordinação ou não do exercício da competência tributária à prévia autorização orçamentária, elemento que ao lado do sistema
constitucional de partilha de receitas e de transferências entre os entes federados, objeto da Aula 8, ajuda a identificar e delinear as interligações entre as
receitas, as despesas e o orçamento.
O federalismo sempre foi objeto de estudo e controvérsia, posto tratarse de um sistema de organização político-institucional de sobreposição73, ao
contrário do Estado unitário. Portanto, a forma de Estado federado74 pressupõe a existência de múltiplas ordens jurídicas incidentes sobre o mesmo
território, sendo mecanismo eficiente à limitação do poder central75, com a
vantagem de não possuir um modelo predefinido e estático, ou seja, possibilita variadas estruturas jurídico-políticas, as quais facultam a implementação
71
Já Regis Fernandes de Oliveira aponta
que “no Estado federal brasileiro, em
que são quatro entes federados, União,
Estados, Distrito Federal e Município,
cada qual, para sua sobrevivência e
para atender às finalidades que lhes
são traçadas na Constituição, tem que
dispor de recursos para tanto.” In. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de
Direito Financeiro. 2ª ed. ver. e atual.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 124. Sob a perspectiva
tributária, o Distrito Federal cumula
as competências dos Estados (art. 155
caput da CR-88) e dos Municípios (art.
147, segunda parte, da CR-88). Nos
termos do artigo 32, §1º, da CR-88
ao “Distrito Federal são atribuídas as
competências legislativas reservadas
aos Estados e Municípios”, observadas
as disciplinas específicas, como, por
exemplo, o disposto nos artigos 21,
XIII, 32, §4º, 98, 128, I, d, 134, §1º, da
CR-88, etc.
72
O artigo 1º da CR-88 adota a forma
federativa de Estado, ao dispor sobre a
“República Federativa do Brasil”, o que
é complementado, entre outros dispositivos, pelo art. 18, que estabelece a
autonomia da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, nos
termos da Constituição, e pelo artigo
60, §4º, I, que impede “a deliberação de
proposta de emenda tendente a abolir
a forma federativa de Estado”.
73
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito
Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1985, t. III. p. 268. Explica o
autor luso: “O Estado Federal tem como
núcleo uma estrutura de sobreposição,
a qual recobre os poderes políticos locais (dos Estados-membros), de modo
a cada cidadão ficar simultaneamente
sujeito a duas constituições (....).”
74
DA SILVA, José Afonso. Curso de
Direito Constitucional Positivo. 17ª
edição. São Paulo: Malheiros, 2000. p.
103: Aponta o professor que “a federação consiste na união de coletividades
regionais autônomas que a doutrina
chama de Estados federados, Estadosmembros ou simplesmente Estados”.
75
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Estado
Federal e Estados Federados na Constituição brasileira de 1988: do equilíbrio
federativo. BDA — Boletim de Direito
Administrativo. 1993. p. 290-310. Leciona o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal que o “Estado Federal é na
verdade, forma de descentralização do
poder, de descentralização geográfica
do poder do Estado. Constitui técnica
de governo, mas presta obséquio,
também à liberdade, pois toda a vez
que o poder centraliza-se num órgão
ou numa pessoa tende a tornar-se
arbitrário”.
FGV DIREITO RIO
36
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de diferentes graus de descentralização76, o que se efetiva por meio do sistema
constitucional de repartição de competências responsável pelo delineamento
do perfil do federalismo de cada país.
Cabe ressaltar, entretanto, que a Federação pode conter caráter meramente
nominal, se os seus pressupostos fundamentais não forem verdadeiros e efetivos, isto é, a Federação só existe materialmente se inviabilizada a possibilidade de usurpação de competências locais e de possível violação à autonomia
política, administrativa e, principalmente, financeira dos entes subnacionais.
Não obstante a impossibilidade de serem afastados esses núcleos essenciais
do federalismo, cumpre repisar que essa forma de Estado caracteriza-se por
ser maleável, vez que possibilita arranjos institucionais capazes de deixar aflorar o que há de melhor nas diversas áreas que compõem o seu conjunto,
adequado, portanto, àqueles países caracterizados77 pela diversidade interna,
complexidade, permanente mutação e, em geral, pela grande extensão territorial. Assim sendo, pela própria natureza das coisas, trata-se de uma solução
complexa78 para realidades de países cujas características físico-geográficas,
culturais, políticas, econômicas ou sociais apresentem obstáculos muitas vezes intransponíveis à imposição de um modelo único para todo o país, inviabilizando a gestão hierárquica tradicional de cima para baixo, de forma que o
governo central seja tão forte que imponha uma relação de dependência para
as unidades políticas locais.
O sistema de repartição de competências materiais e legislativa — aí inserida a competência tributária79, que ao lado das receitas não tributárias e do sistema de partilha de recursos formam o complexo mecanismo de financiamento federado — é o núcleo central do federalismo, pois delimita e configura o
perfil da autonomia constitucional80 de cada regime, sendo certo que o grau
de independência financeira das unidades subnacionais determina o grau de
autonomia da Federação. De fato, inexistente aquela, não há que se falar em
federalismo, isto é, a autonomia financeira é o elemento nuclear do regime,
podendo, no entanto, efetivar-se de diversas formas e com diferentes níveis
de descentralização, especialmente pelo fato de que os recursos financeiros
disponíveis para cada unidade federada realizar os seus gastos — e cumprir os
encargos constitucionalmente designados — corresponde ao conjunto:
(1) do somatório das receitas obtidas por cada unidade política no exercício
das respectivas competências tributárias, das receitas decorrentes da exploração
do seu patrimônio, da exploração de atividades econômicas (comércio, agropecuária, indústria e serviços), das operações de crédito, da alienação de bens, do
recebimento de amortização de empréstimos concedidos e ainda do superávit do
orçamento corrente etc.; adicionado
(2) da parcela decorrente do sistema de repartição de receitas e de transferências intergovernamentais, que podem ser voluntárias ou obrigatórias.
76
PRUD´HOMME, Rémy e SHAH, Anwar.
Centralização versus descentralização:
o diabo está nos detalhes. In: REZENDE,
Fernando e OLIVEIRA, Fabrício Augusto
de (Organizadores). Federalismo e
Intergração Econômica Regional —
Desafios para o Mercosul. Fórum das
Federações. Konrad Adenauer Stiftung.
2004. p. 63-99. Fugindo da dicotomia
entre centralização e descentralização, os
autores apontam que: “O segundo motivo
porque um debate entre prós e os contra
seria estéril é que a descentralização tem
sido um imperativo político. Na maioria
dos países, ela teve motivação política.
Um país descentralizado tem menor probabilidade de se tornar uma ditadura do
que um centralizado. Essa é a justificativa
principal para a descentralização. É um
motivo muito forte. E que tem implicações econômicas, porque um pouco de
estabilidade política é, com efeito, um
pré-requisito para a eficiência, a estabilização e redistribuição econômicas”.
77
KUGELMAS, Eduardo. A evolução recente do regime federativo no Brasil.
HOFMEISTER, Wilhelm e CARNEIRO,
José Mário Brasiliense (Organizadores).
In: Federalismo na Alemanha e no
Brasil. SP- Fundação Konrad Adenauer,
Série de Debates nº 22, Vol I. 2001. p.
29: “Embora o número de países com
regime federativo seja relativamente pequeno, em torno de vinte, esse
conjunto inclui alguns dos maiores em
extensão territorial e/ou população —
Estados Unidos, Rússia, Brasil, Canadá,
Índia — e a maior potência do continente europeu, a Alemanha. Na consolidação da democratização espanhola
foi peça central a adoção de um regime
por vezes chamado de quase federativo
um notável grau de autonomia para as
regiões. A recente reforma belga institucionalizou mecanismos federativos
para permitir a convivência entre duas
populações diferenciadas, a dos flamengos e a dos valões de língua francesa. Para a construção institucional da
África do Sul como país democrático
após o fim do aparthied foi estratégica a adoção de procedimentos de tipo
federativo. Em um dos países unitários
arquetípicos, o Reino Unido, está em
andamento um ambicioso projeto de
power devolution, atendendo às reivindicações da Escócia e do País de Gales.
Os projetos e desenhos institucionais
relativos à construção européia passam
fatalmente por uma discussão histórica
e conceitual sobre a natureza das federações e a distinção entre estas e as
confederações”.
78
HORTA, Raul Machado. Reconstrução
do federalismo brasileiro. Revista de
Direito Público. nº 64, p. 15-29, 1982.
Aponta o autor que o Estado Federal
possui estrutura complexa porque é, ao
mesmo tempo, um só Estado, fator de
diferenciação da Confederação de Estados, e, também, “uma pluralidade de
FGV DIREITO RIO
37
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
A análise da repartição de receitas e das transferências será realizada na aula
8, conforme já enfatizado, e o exame das receitas da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, sob o ponto de vista do substrato econômico de incidência e sob a perspectiva da distribuição de competências tributárias no federalismo fiscal brasileiro, será realizada nas aulas 9, 10 e 18, sendo
necessário, neste momento, apenas examinar dois aspectos da matéria.
O primeiro aspecto, relacionado à receita a ser abordado neste momento,
refere-se ao fato de que no atual regime constitucional brasileiro, ao contrário
do passado recente, não há qualquer subordinação do exercício da competência tributária ao orçamento anual, no plano federal, estadual ou municipal,
ou seja, diferentemente das despesas, as quais têm como requisito necessário
a autorização legislativa específica, anualmente,81 em qualquer dos entes federados, a tributação, principal origem de recursos para os entes públicos,
independe de autorização parlamentar ânua, em qualquer dos entes políticos.
Nesse sentido, impõe-se apresentar a redação do §4º do artigo 141, da Constituição de 1946, cujo texto foi repetido em sua integralidade pelo artigo
51 da Lei n º 4.320/64, e seguido, da mesma forma, no artigo 150, §29, da
Constituição de 1967, todos, nos seguintes termos:
Estados vinculados pelo laço federativo,
e nisso se diferencia do Estado Unitário”... “a dualidade estatal projeta-se na
pluralidade dos ordenamentos jurídicos
dentro da concepção tridimensional
dos entes federativos: a comunidade
jurídica total — o Estado federal -, a
federação, uma comunidade jurídica
central, e os Estados-Membros, que são
comunidades jurídicas parciais.”
79
Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum
será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvados
a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra. (grifo nosso)
Dessa forma, o exercício da competência tributária ficava subordinado e dependente da autorização legislativa anual, concretizando, assim, o denominado
princípio da Anualidade Tributária. Esse princípio, não mais aplicável atualmente, conforme será analisado a seguir, distingue-se do chamado princípio da
Anualidade Orçamentária, o qual estabelece a vigência anual para o orçamento
(LOA), após o que será necessária, para legitimar a atividade financeira do Estado, nova autorização de natureza política. Dessa forma, a Anualidade Orçamentária, ainda hoje vigente, a teor do artigo 165, III, e §5º, da CR-88, expressa o
controle do Parlamento sobre os demais Poderes relativamente ao Orçamento,
ao prever que o mesmo deve ser elaborado para durar apenas um ano, isto é, há
necessidade de renovação da autorização legislativa anualmente. Já o princípio
da Anterioridade Orçamentária82 prevê que o orçamento deve ser aprovado antes do início do exercício financeiro ao qual se aplica, matéria a ser abordada na
próxima aula, conjuntamente com os demais princípios orçamentários.
A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, a qual ensejou ampla revisão no texto constitucional de 1967, retirou a exigência de
prévia autorização orçamentária para a cobrança de tributos, antes fixada
na Constituição de 1946 e 1967, ao estabelecer a seguinte redação ao §29
do artigo 153:
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Estado Federal e Estados Federados na
Constituição brasileira de 1988: do
equilíbrio federativo. BDA — Boletim
de Direito Administrativo. p. 49-50,
1993. O Ministro destaca a necessidade
de um sistema constitucional de discriminação de rendas, compreendendo a
repartição de competência tributária e
a distribuição de receita tributária.
80
REIS, Elcio Fonseca. Federalismo Fiscal. Competências Concorrentes e Normas Gerais de Direito Tributário. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 25.
Com fundamento nas lições do Ministro
Velloso, conclui o autor que os Estados
regionais autônomos, “em hipótese
alguma, são confundidos com o Estado
Federal, pois neste, a par da autonomia
legislativa, administrativa e financeira,
há autonomia constitucional, fator
de diferenciação”. Assim, enquanto o
processo de descentralização de poder
caracteriza-se pela descentralização
política, administrativa e financeira
entre o poder central e as regiões autônomas, o Estado federal possui, além
dessas características, autonomia
constitucional.
81
Artigo 167, I e II, da CR-88, já transcrito acima e que serão examinados na
próxima aula.
82
O princípio da Anterioridade Tributária (clássica e nonagesimal) por sua
vez, por se consubstanciar mais uma
importante limitação constitucional ao
Poder de Tributar será estudado de forma detalhada quando do exame dessas
limitações.
FGV DIREITO RIO
38
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído
ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos
industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos
previstos nesta Constituição.
Dessa forma, a cobrança de tributo passou a ser possível após a Emenda nº
1/69, com a vigência da lei que a estabelece, observada, apenas, a necessidade
de que o ato legislativo esteja em vigor antes do início do exercício financeiro,
sendo dispensável, portanto, a prévia autorização orçamentária, conforme
anteriormente exigido.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, alterou-se novamente a redação do dispositivo, sem modificar, entretanto, a desvinculação do exercício da competência tributária da prévia autorização orçamentária:
Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem
cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado
esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e outros
especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado por
motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição.(grifo nosso)
A Constituição de 1988, por sua vez, também não fixou qualquer requisito orçamentário para o exercício da competência tributária, estabelecendo,
tão somente, na alínea “b”, do inciso III, do seu artigo 150, o denominado
Princípio da Anterioridade tributária, o qual veda a cobrança de tributos “no
mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou”, sem haver, entretanto, qualquer vinculação ou subordinação
da tributação à citada autorização na lei anual do orçamento.
Portanto, desde a Emenda nº 1/69, não mais se aplica o disposto na parte
final do artigo 51 da Lei n º 4.320/6483, tendo em vista a sua revogação84
por incompatibilidade com as ordens constitucionais supervenientes. Nesse
sentido, não há mais controle político do Poder Legislativo, posto não haver
exigência de renovação anual da permissão para a cobrança de tributos. Essa
hipótese, concernente à inexistência de renovação anual da autorização legislativa, é severamente criticada por Montesquieu.85
Verifica-se, nesses termos, diferenças consideráveis na interação do orçamento anual e as receitas quando comparada a sua relação com as despesas,
haja vista que estas pressupõem a sua fixação86 na lei orçamentária todos os
anos, ainda que a determinação possua, de fato, caráter meramente autorizador da realização dos gastos, conforme já explicitado, ao passo que o exercício
83
Não tendo havido até hoje a edição da
Lei Complementar prevista pelo artigo
163 da Constituição da República de 1988
(CR-88) no que se refere às normas gerais
de Direito Financeiro e Orçamento, salvo
quanto à responsabilidade na gestão fiscal
(Lei Complementar nº 101/2000 — LRF),
continua vigente e eficaz a Lei nº 4.320/64,
no que não conflitar com a Carta Magna e
com a LRF. Nesse sentido, ADI 1.726-MC,
cuja ementa dispõe: “A exigência de previa
lei complementar estabelecendo condições gerais para a instituição de fundos,
como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição, está suprida pela Lei nº 4.320, de
17/03/64, recepcionada pela Constituição com status de lei complementar;
embora a Constituição não se refira aos
fundos especiais, estão eles disciplinados
nos arts. 71 a 74 desta Lei, que se aplica à
espécie: a) o FGPC, criado pelo art. 1º da Lei
n. 9.531/97, é fundo especial, que se ajusta
à definição do art. 71 da Lei n. 4.320/63;
b) as condições para a instituição e o funcionamento dos fundos especiais estão
previstas nos arts. 72 a 74 da mesma Lei.”
(ADI 1.726-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa,
julgamento em 16-9-98, DJ de 30-4-04)
84
Há duas corrente doutrinárias quanto à incompatibilidade de norma infra
constitucional antecedente à nova ordem
constitucional: (1) aqueles que sustentam
a sua revogação, sendo desnecessário,
portanto, declará-la inconstitucional; e
(2) os que defendem tratar-se de inconstitucionalidade superveniente, a exigir o
seu reconhecimento expresso, tendo em
vista fundamentar-se em conflito sob a
perspectiva da hierarquia das normas. A
questão é assim analisada por Luís Roberto
Barroso: “De um lado, há os que sustentam
que a nova Constituição, ao entrar em
vigor, simplesmente revoga toda a legislação precedente com ela incompatível.
Portanto, cuidar-se-ia de um conflito de
natureza temporal, a ser resolvido no plano
da vigência da norma. De outro lado, há os
que sustentam a inadequação de se tratar
tal questão à luz do direito intertemporal,
sob argumento de que a regra lex posterior
derrogat priori somente se aplica a normas
de igual hierarquia. Por via de conseqüência, consideram que o conflito entre a
Constituição e a lei anterior é de natureza
hierárquica, a ser resolvido no plano da validade da norma. Logo, se a Constituição e
a norma anterior são incompatíveis, é caso
de pronunciar-se a inconstitucionalidade
da norma, e não sua revogação”. In. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. p.72. O Supremo Tribunal
Federal tendo em vista, também, as conseqüências práticas de uma ou outra opção e
considerando, ainda, que em face da revogação não caberia controle concentrado de
constitucionalidade, ao passo que enquadrada a questão no sentido da inconstitucionalidade superveniente cabendo a ação
direta, decidiu, na ADI 438, ponderando a
necessidade de limitar o número de feitos
que chegam àquele tribunal, que se trata
FGV DIREITO RIO
39
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
da competência tributária, principal fonte de recursos públicos, independe
de autorização na norma orçamentária anual, a qual apenas prevê e estima
a receita, malgrado o caráter coercitivo daquelas de natureza derivada, as
quais deitam raízes no classicamente denominado poder de império (jus imperi) ou no espaço aberto pelos direitos humanos fundamentais, conforme
a tese mais atual. Assim, conforme salienta Ricardo Lobo Torres87, “com a
superveniência do Estado de Direito e com a independência e o primado da
lei formal, dá-se a bifurcação entre anualidade tributária e a orçamentária,
como pioneiramente afirmou O. Mayer, ao observar que se desvanecera a
conexão entre o direito de consentir impostos e o direito do orçamento.”
2.2.2 O Federalismo Fiscal e as desigualdades regionais
O segundo aspecto relativo à receita a ser examinado diz respeito ao fato
de que o regime federativo possui contradições ínsitas a esta forma de Estado.
O principal paradoxo inerente ao federalismo decorre da interação entre:
(1)uma de suas características nucleares:88 “a apropriação dos recursos fiscais,
determinada pela capacidade econômica das jurisdições”, seja pela estrutura de
produção de bens e serviços, de seus recursos naturais ou pelo potencial de consumo local, o que repercute nos resultados do exercício da competência tributária própria e das receitas patrimoniais ; e
(2)a “exigência de igualdade entre os cidadãos no que se refere ao acesso a
bens e serviços públicos”, imperativo dos regimes democráticos modernos.
de revogação da norma antecedente e não
de inconstitucionalidade superveniente.
85
MONTESQUIEU. De l’Esprit des lois, I.
Folio Essais. Edition Gallimard, 1995. Livre
XI, Chapitre VI. p. 339-340.
86
Portanto, pode-se concluir que, não obstante ser possível ao governo central
adotar medidas compensatórias na vertente das despesas diretas no âmbito territorial dos entes subnacionais menos desenvolvidos, ou, ainda, a existência de
sistemas de transferências intergovernamentais equalizadoras, a lógica regedora desta forma de Estado não afasta, por si só, a continuidade e o agravamento
das denominadas desigualdades regionais. Essas diferenças inter-regionais são
refletidas, segundo sua ratio subjacente89 aos artigos 3º, III, 151, I, 165, §7º,
e 174, §1º, da CR-88, nas acentuadas desigualdades na qualidade de vida dos
cidadãos residentes em áreas geográficas distintas do mesmo país.
Merece destaque o fato de que maior será a dependência em relação ao
complexo sistema de transferências financeiras, que objetiva levar recursos das
regiões com maior capacidade econômica para as regiões mais pobres e de menor potencial econômico, quanto maior for o peso conferido à solidariedade
em âmbito nacional. Assim, se as medidas adotadas na tentativa de garantir
simetria de resultados estiverem acompanhadas de vedações ao exercício de
competência legislativa local, ou seja, quanto maior o peso da solidarieda-
Essa é a nomenclatura utilizada no artigo
165, § 8º, da CR-88 o qual dispõe que a “lei
orçamentária anual não conterá dispositivo
estranho à previsão da receita e à fixação
da despesa, não se incluindo na proibição
a autorização para abertura de créditos
suplementares e contratação de operações
de crédito, ainda que por antecipação de
receita, nos termos da lei”.
87
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de
Direito Constitucional Financeiro e
Tributário. Volume V. O Orçamento na
Constituição. 3ª ed. revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 330.
88
PRADO, Sérgio. Partilha de recursos e
desigualdade nas federações: um enfoque
metodológico. In: REZENDE, Fernando e
OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. (Organizadores). Descentralização e Federalismo
Fiscal no Brasil. Desafios da Reforma
Tributária. Rio de Janeiro: FGV — Konrad
Adenauer Stiftung, 2003. p. 274.
89
Aponta Ricardo Lobo Torres no sentido:
“De notar que a equidade entre regiões visa
sobretudo a garantir a equidade horizontal
entre os cidadãos domiciliados nas diferentes localidades do país”. v. TORRES. Op.cit.
p. 308.
FGV DIREITO RIO
40
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de interpessoal, setorial e regional, afastando-se radicalmente o princípio da
subsidiariedade, nos termos delineados no federalismo cooperativo alemão90,
maior assimetria no sistema de partilha de poder, o que implica distorções no
funcionamento das instituições e nos procedimentos políticos burocráticos,
tendo em vista o alto grau de centralização91, o que determina forte interdependência e falta de agilidade na tomada de decisões, além de que “percebe-se
cada vez mais que a homogeneidade, quanto aos resultados, tem seu preço.”92
Por outro lado, a simetria no sistema de partilha de poder conduz a resultados inevitavelmente assimétricos, isto é, admitir competências concorrentes em vários níveis, com plenos poderes de tributação e gastos para cada
ente político, como ocorre nos Estados Unidos93, berço do federalismo, ou
no Canadá94, implica desigualdade inter-regional, tendo em vista a salientada
contradição intrínseca à forma de Estado federado.
Impõe-se, agora, analisar as regras gerais do sistema de partilha de receitas
e de transferências dos recursos financeiros entre os entes federados de acordo
com o modelo de federalismo fiscal brasileiro, matéria que será melhor detalhada na citada Aula 8. Importante destacar, nesse sentido, que existem duas questões preliminares, as quais revelam, do ponto de vista econômico-financeiro, se
há, ou não, equilíbrio federativo, ou seja, se as unidades federadas dos diferentes
níveis estão financeiramente aptas a realizar o que delas a população espera:
(1) a primeira, relativa à repartição de encargos para a prática de atos materiais entre os diferentes níveis de governo, isto é, se a distribuição de funções e
atribuições é clara e excludente, não deixando margem para dúvidas quanto ao
que pode e deve ser exigido especificamente da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios; e
(2) se o montante de recursos financeiros disponíveis para o financiamento
dos gastos para cada ente, individualmente, atende, ou não, às necessidades administrativas que visam à realização das ações e funções previamente fixadas no
ordenamento jurídico.
No que concerne à primeira questão, ou seja, quanto à repartição de funções e encargos entre os entes federados, a CR-88 distribui as competências
materiais, em especial, nos seus artigos 21, 23, 25, 30 incisos V a IX, 144, 198
e 211 (competência exclusiva, comum e concorrente), o que tem sido objeto
de muitas críticas, conforme se extrai da doutrina de Fernando Rezende:95
“a) a ausência de uma nítida divisão de competências96 entre as diversas esferas governamentais (e também com referência à questão metropolitana) gera
duplicação de esforços e lacunas na prestação dos serviços, com grandes desperdícios (financeiros e outros) na ação governamental;
b) em decorrência, evidencia-se a dificuldade de atribuir responsabilidade
às agências governamentais pela prestação do serviço, o que dificulta a relação
usuário-governo e o controle social sobre a ação governamental;
90
Inexistente a autonomia legislativa em
matéria tributária (art. 83 da Lei Fundamental da República Federativa Alemã)
no âmbito dos Estados-membros (Länder),
cabe aos entes subnacionais apenas a
execução das leis, o que qualifica o federalismo alemão para alguns como um
“federalismo administrativo”, em oposição
ao “federalismo legislativo” que caracteriza o Canadá. A Câmara Alta (Bundesrat)
–segunda câmara do parlamento nacional, composta por representantes dos
governos subnacionais, é o instrumento
por meio do qual os Estados federados
influenciam a política tributária do país,
o que afasta a autonomia na produção
legislativa e inibe a competição entre os
mesmos, introduzindo assim um sistema
de influência coordenada sobre a política
federal. Elcio Fonseca, citando Hans Joechen Vogel, esclarece ser “la gestión de la
mayor de los impuestos corresponde a las
autoridades financieras regionales, pero
em cambio los Länder solo parcialmente
tienen competências legislativas em esta
matéria — incluso respcto des impuestos
cuya recaudación va a parar integramente
a sus arcas-. De ahí que el Bundesrat sea la
principal via de influencia de los Länder el
importe de sus propios ingresos fiscales”
(Cf. Elcio Fonseca Reis, Op. Cit. p. 47)
91
SCHULTZE, Rainer-Olaf. Tendências da
evolução do federalismo alemão: dez
teses, in Federalismo na Alemanha e
no Brasil. Konrad Adenauer Stiftung, Série
de Debates nº 22, Vol. I, abril 2001, p. 22.
Destaca o autor a necessidade urgente de
reforma “que levem em conta os desafios
surgidos na economia regional, e, também
maior pluralidade cultural”, salientando
que no contexto “da futura repartição da
arrecadação tributária entre União, estados e municípios, e ainda, a questão das
competências tributárias originárias dos
estados (...) diferentes alíquotas de tributos não deveriam constituir um tabu”
92
SPHAN, Paul Bernd. Solidariedade versus eficiência em uma federação: o caso
da Alemanha, in Federalismo e Integração Econômica Regional — Desafios
para o Mercosul, Fórum das Federações,
Konrad Adenauer Stiftung, 2004, p. 153 e
177. Após apresentar inúmeros aspectos
negativos do sistema alemão, no sentido
de que a “subsidiariedade e, portanto, a
diversidade regional foi sacrificada consistentemente em favor da solidariedade nacional” enfatiza a necessidade de equilíbrio
entre os dois princípios, com a introdução
do “direito dos estados de lançar alguns
impostos próprios. Uma política tributária
autônoma — pelo menos “na margem”
— é um elemento essencial e constitutivo
da soberania estadual”, e finaliza alertando
que diante da “relutância em mudar as regras que aparentemente desmantelariam
a solidariedade inter-regional” “é questionável se os governos alemães estarão em
posição de competir com outras nações e
regiões num mundo globalizado.”
FGV DIREITO RIO
41
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
c) conflitos institucionais freqüentes refletem negativamente na eficiência de
toda a máquina administrativa;
d) a falta de uma visão clara do que compete a cada esfera torna praticamente impossível uma repartição adequada dos recursos públicos que deveriam ser
fixados em função da correspondência recursos-encargos.” (grifo nosso)
Relativamente ao segundo aspecto, isto é, quanto às fontes de financiamento97 dos gastos, cumpre repisar que os mesmos correspondem ao conjunto: (A) das receitas próprias de cada unidade política, receitas correntes e de
capital — obtidas, principalmente, por meio do exercício de suas competências tributárias, de suas receitas patrimoniais, de suas atividades econômicas e
das operações de crédito; e (B) da parcela decorrente do sistema de repartição
de receitas tributárias e de transferências intergovernamentais, que podem ser
voluntárias ou obrigatórias, correntes ou de capital.
A análise da vinculação ou não dos recursos tributários arrecadados e recebidos a título de transferência corrente será realizada quando forem examinadas as receitas dos entes federados nas Aulas 8, 9 e 10.
Pelo que foi até aqui apresentado nesse capítulo, pode-se verificar o caráter essencial do estudo dos dois elementos de natureza jus-política, os quais são determinantes ao delineamento da estrutura institucional do país relativamente à matéria financeira pública: a distribuição de funções entre os poderes e o federalismo fiscal.
O sistema de distribuição de funções entre os Poderes constitucionalmente instituídos suscita elevado grau de fricção entre as instituições nacionais,
em especial as divisões de competências para aprovar as despesas, bem como
a natureza meramente autorizadora do orçamento, associado à complexidade
do modelo de federalismo fiscal nacional, caracterizado por conflitos no plano horizontal e vertical, o que frequentemente gera mais calor do que luz.
A interseção entre esses dois elementos — a distribuição de funções entre
os poderes e o modelo de federalismo fiscal — e as possíveis tensões decorrentes dessas interações, no plano vertical e horizontal, caracterizadora da
complexidade das Finanças Públicas da República Federativa do Brasil, pode
ser visualizada nos seguintes termos:
Conflitos mais comuns na matéria
financeira e tributária:
União
Modelo de
Federalismo
Fiscal
Estados e DF
Municípios
Distribuição de funçõe s entre os Poderes
Executivo
Legislativo
Judiciário
93
Apesar do elevado grau de autonomia,
em especial em matéria tributária, Elcio
Fonseca adverte que “já nas primeiras décadas do século XX, os Estados não possuíam condições de resolver seus problemas
sem a intervenção do Poder Central, o
que levou a uma centralização do sistema
federativo americano”. Nesse sentido, José
Baracho conclui que “o conceito clássico de
federalismo, em que se assentava o sistema americano, não foi capaz de suportar
as grandes modificações econômicas e
sociais que acompanham as novas formas
de desenvolvimento” (Cf. Elcio Fonseca
Reis, Op. Cit. p. 29). Destaque-se, ainda, a
inexistência, no sistema americano, de um
programa formal de equalização da receita
e preocupações acerca de transferências
intergovernamentais, apesar de que, no
lado das despesas, sejam ponderadas
questões regionais no processo de decisão
de alocação de recursos.
94
COURCHENE, Thomas J. Federalismo e
a nova ordem econômica: uma perspectiva dos cidadãos dos processos, in
Federalismo e Integração Econômica
Regional–Desafios para o Mercosul,
Fórum das Federações, Konrad Adenauer
Stiftung, 2004, p. 27: “a Federação canadense é altamente descentralizada tanto
nas despesas como nos impostos. Por
exemplo: as províncias aplicam suas próprias alíquotas e categorias tributárias em
termos de imposto de renda (física ou jurídica), seus próprios impostos de consumo
e, em geral, controlam os recursos naturais
dentro de suas fronteiras e são responsáveis por saúde, educação, previdência e
treinamento, entre muitas outras áreas
(...), não se deve surpreender o fato de que
o sistema canadense de transferências intergovernamentais sirva para ajustar essa
descentralização”. (grifo nosso)
95
REZENDE, Fernando. Finanças Públicas.
2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.50.
96
A titularidade dos serviços de saneamento, por exemplo, ainda causam
polêmica, mesmo após a edição da Lei nº
11.445/2007, a qual atribuiu competência
legislativa aos entes da federação para que
possam modernizar a infraestrutura dos
serviços públicos. Conforme notícia extraída do sítio do Supremo Tribunal Federal, 07
de Julho de 2009: “Duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADIs 1842 e 2077)
discutem o tema ao questionarem leis do
estado do Rio de Janeiro que tratam sobre
a prestação de serviço de saneamento básico (Lei estadual 2,869/97) e sobre a criação
da região metropolitana e da microrregião
dos Lagos no estado (Lei Complementar
87/89). O julgamento da ADI 1842 começou em abril de 2004 e foi interrompido por
diversas vezes. Atualmente, as duas ações
estão sendo analisadas conjuntamente e a
matéria está nas mãos do ministro Ricardo
Lewandowki, que pediu vista do processo
na sessão do dia 3 de abril de 2008. Sciarra
ressalta que a finalização desse julgamento é importante para que, juntamente
FGV DIREITO RIO
42
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Ressalte-se que foram suprimidas, considerando a dificuldade de visualização, a reprodução gráfica dos conflitos entre os poderes dos diferentes
níveis de governo (ex. Poder Judiciário Estadual — Poder Executivo Municipal; Poder Judiciário no âmbito da União — Poder Executivo Estadual,
etc), o que representaria com maior fidedignidade a complexidade das interações sistêmicas das finanças públicas na República Federativa do Brasil.
QUESTÕES DE CONCURSO
1) A competência para a edição de normas gerais de Direito Financeiro é:
a) dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em face da inexistência
de lei federal correspondente;
b) da União, dos Estados e dos Municípios concorrentemente.
c) da União, sem prejuízo da competência suplementar dos Estados.
d) da União, cuja legislação não suspende, porém, as normas estaduais
contrárias.
e) atribuída excepcionalmente ao Distrito Federal e aos Municípios,
de forma suplementar
(AGU — Advogado da União — 1994)
QUESTIONÁRIO
1) Como você qualifica a relação entre o orçamento e a despesa pública
(a) no Brasil e (b) nos Estados Unidos? Qual é a relevância do tema?
2) Qual a diferença entre o Princípio da Anualidade Orçamentária e
Tributária? A renovação da autorização parlamentar para o exercício
da competência tributária pelo Poder Executivo deveria ser anual?
3) Em sua opinião quais seriam os reflexos mais relevantes — positivos
e negativos — sobre as finanças públicas se o Brasil fosse um Estado
unitário ao invés de uma Federação?
4) As disparidades nas realidades econômicas entre as diferentes regiões do país são determinantes para as acentuadas desigualdades de
oportunidade e de padrão de renda entre os cidadãos do mesmo
país? Qual o papel do Poder Público diante dessa situação?
com a regulamentação da lei sobre saneamento básico, seja possível estimular
investimentos públicos e privados na área.
Ele destaca que esses investimentos “são
muito necessários” já que hoje o país tem
“uma cobertura muito baixa na área de
saneamento nos municípios brasileiros”.
“Um dos entraves, justamente, é a falta de
definição de titularidade [do saneamento
básico]. Por isso nós estamos aqui no Supremo dizendo da necessidade, de o mais
rápido possível, se definir a questão da
titularidade”, ponderou. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br>.
97
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
COURCHENE, Thomas J. Federalismo e a nova ordem econômica: uma
perspectiva dos cidadãos dos processos, in Federalismo e Integração
A diferença entre as despesas e receitas, nestas incluídas os recursos financeiros provenientes das transferências
recebidas, voluntárias e obrigatórias,
corresponde ao que se denomina de
public sector borrowing requirements,
correspondente em português às necessidades de financiamento do setor
público, matéria que será examinada
na aula pertinente ao Financiamento
dos Gastos e Crédito Público.
FGV DIREITO RIO
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 3 – O PLANEJAMENTO E AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS (PPA,
LDO E LOA)
Apresentados os aspectos gerais da matéria, delineados os conceitos de
necessidades públicas e da atividade financeira do Estado, estabelecidas as
grandes linhas do sistema de distribuição de funções entre os Poderes da República bem como do Federalismo Fiscal, todos necessários à determinação
de como as receitas e as despesas interagem com o orçamento, cumpre agora
iniciar o estudo do planejamento do setor público e a sua interligação com as
leis orçamentárias. De fato, somente por meio do planejamento das ações do
Estado é possível atingir o desejável equilíbrio de longo prazo entre as receitas
e as despesas públicas e, ao mesmo tempo, atender às necessidades públicas e
ao desenvolvimento econômico e social auto-sustentáveis.
Orçamento é termo derivado de orçar, do italiano orzare, o qual, em sentido vulgar, significa, segundo o Dicionário De Plácido e Silva98, “a estimativa
de custo a respeito das coisas, cujo valor de construção, ou de custeio, é necessário saber, por antecipação”.
Nas finanças públicas clássicas99 o orçamento consubstanciava-se apenas
como instrumento de estimativa de receitas e de autorização de despesas por
objeto (pessoal, material, serviços, etc.), tendo em vista, quase exclusivamente, as necessidades das unidades organizacionais e o objetivo de registrar os
eventos. De fato, conforme já destacado, a previsão constitucional do orçamento no Brasil, incluindo a fixação de despesas e a estimativa de receitas,
assim como a determinação de elaboração de um balanço geral destas e das
despesas do ano anterior, está expressa desde a Constituição Política do Império de 1824, possuindo na época, entretanto, conotação meramente contábil
para o controle financeiro do que se realizou, pois não era ainda instrumento
de medição de desempenho nem tampouco de planejamento de política fiscal. Não poderia ser diferente ante a concepção de atuação do Estado Patrimonial, conforme já anotado no início da Aula 1.
Com o desenvolvimento do denominado orçamento de desempenho ou
de realizações, o enfoque passou a ser, também, em relação aos resultados
dos gastos e não apenas com o seu controle. A preocupação com o registro
da despesa assumiu caráter secundário e instrumental, pois o foco dirige-se à
contraposição entre as metas objetivadas e os resultados obtidos. O interesse,
nesses termos, não se finda apenas em quantificar o que o governo adquiriu
ou os itens de despesa, mas sim as suas ações para atender ao cidadão contribuinte. Nesse sentido, aponta Rubens Penha Cysne100, em análise sobre o
orçamento público norte-americano:
“um passo adiante em relação ao orçamento itemista foi determinado pelo
orçamento de desempenho, este último fruto dos estudos da Comissão Hoover,
98
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio
de Janeiro, 2002. p. 575.
99
Ensina Regis Fernandes que: “Classicamente, o orçamento é uma peça
que contém a previsão de receitas e a
autorização das despesas sem preocupação com planos governamentais e
com interesses efetivos da população.
Era mera peça contábil, de conteúdo
financeiro” v. DE OLIVEIRA, Regis Fernandes e HORVATH, Estevão. Manual
de Direito Financeiro. 3ª ed. revista e
ampliada. Editora Revista dos Tribunais,
1999. p.69.
100
CYSNE, Rubens Penha. O Orçamento
Público: o caso norte-americano. Conjuntura Econômica. Janeiro 2008. Vol.
62. nº 01. Fundação Getúlio Vargas. p.
19-20.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
em 1949. O objetivo principal da Comissão Hoover foi reorganizar o Executivo
norte-americano após a Segunda Guerra. Em uma de suas conclusões, a Comissão sugeriu que o orçamento federal passasse a se estruturar com base em atividades e medidas de desempenho (“o que o governo faz”), e não apenas com base
nos itens de despesa (“o que o governo gasta”). O foco deveria passar dos meios
(despesas) aos fins (retorno ao contribuinte). Tratava-se tal mudança de ênfase,
na verdade, de uma idéia que se desenvolveu aos poucos, em função da elevação
dos gastos públicos determinada pelo New Deal (1933-1938) e pela Segunda
Grande Mundial (1939-1945).”
O orçamento de desempenho também se qualifica como orçamentoprograma se o mesmo, além de contrapor metas objetivadas e os resultados
obtidos, estiver, também, vinculado ao planejamento central101 das ações de
governo102. Nesse sentido, o orçamento-programa é o instrumento nuclear
de coordenação e realização do planejamento econômico e social, na medida
em que viabiliza, com programas anuais103, a realização do plano geral de
governo de desenvolvimento de longo prazo.
A introdução oficial do planejamento de governo no Brasil ocorreu
com a edição do Decreto-lei n° 200/1967, o qual estabelece no artigo
6°, I, que as atividades da Administração Federal devem obedecer, entre
outros, ao princípio do planejamento. O artigo 7° do mesmo diploma
normativo, que faz parte do Capítulo I denominado“ Do Planejamento”,
dispõe, in verbis:
“Art. 7º A ação governamental obedecerá a planejamento que vise a promover o desenvolvimento econômico-social do País e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas elaborados, na forma do Título III, e
compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos:
a) plano geral de governo;
b) programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual;
c) orçamento-programa anual;
d) programação financeira de desembolso.”
Nessa linha de intelecção, o artigo 174 da CR-88 consagra o planejamento
como instrumento essencial à ação do Estado, na medida em que o mesmo é
qualificado como determinante para o setor público. O dispositivo da atual
Constituição enuncia:
“Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor
privado.” (grifo nosso)
101
Conforme ensina Ricardo Lobo Torres, “O Estado do Planejamento não se
confunde com o Estado de Planificação,
que é sempre uma manifestação totalitária ou socialista, nem está em vias de
extinção, como pretendem os adeptos
do pós-modernismo, que vislumbram
o desaparecimento dos planos estatais,
substituídos pela repartição de responsabilidades financeiras entre o Estado e
a Sociedade”. v. TORRES, Ricardo Lobo.
Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista
e atualizada. Rio de Janeiro. Renovar,
2008. p.77.
102
Assim o orçamento é o elo entre o
sistema de planejamento e as finanças.
103
O artigo 16 do Decreto-lei 200/1967
dispõe que: “Em cada ano, será elaborado um orçamento-programa, que
pormenorizará a etapa do programa
plurianual a ser realizada no exercício
seguinte e que servirá de roteiro à execução coordenada do programa anual”.
FGV DIREITO RIO
48
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
No mesmo sentido, da utilização do orçamento como instrumento de
planejamento e de controle da ação governamental, a Constituição, no artigo 165, inserido na Seção II do Capítulo II do Título VI, intitulada “Dos
Orçamentos”, criou um sistema integrado de previsão, alocação e controle
de recursos coletivos, bem como de gestão e de execução das diretrizes, objetivos, metas e prioridades do setor público, o que se dá por meio de três leis
orçamentárias: o plano plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias (LDO)
e os orçamentos anuais (LOA), as quais, apesar de consubstanciarem documentos distintos, possuem finalidade comum e harmônica, isto é, atender as
necessidade públicas politicamente consagradas.
O PPA, conforme será detalhadamente examinado abaixo, abrange (a) os
três últimos anos do chefe do Poder Executivo em exercício; e (b) o primeiro ano do mandato do sucessor, devendo a lei que o instituir, nos termos do
artigo 165, § 1º da CR-88, estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes,
objetivos e metas da Administração Pública federal para as despesas de capital e
outras delas decorrentes, bem como para as relativas aos programas de duração
continuada.104 Ainda, nos termos do artigo 167, §1º, da CR-88, nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá se iniciado
sem prévia inclusão no Plano Plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob
pena de crime de responsabilidade. Tendo em vista consubstanciar mera enunciação de programação e orientação, o PPA é lei formal, sendo dependente do
orçamento anual para possuir eficácia relativamente à realização das despesas.
No mesmo sentido, a LDO105 também é lei formal, compreendendo apenas
as metas e prioridades da Administração Pública — que inclui as despesas de
capital para o exercício financeiro seguinte e contém simples orientação para a
elaboração da lei orçamentária anual106- razão pela qual não cria, conforme ensina Ricardo Lobo Torres107, “direitos subjetivos para terceiros nem tem eficácia
fora da relação entre os Poderes do Estado”. Diferencia-se do PPA na medida
em que se refere às metas e prioridades para o exercício subseqüente. Constituise, dessa forma, em plano prévio operacional de curto prazo, baseado em dados
e informações de natureza econômica e social, para fundamentar e orientar a
posterior elaboração da proposta orçamentária do Executivo, do Legislativo, do
Judiciário e do Ministério Público, isto é, um verdadeiro elo de ligação entre
o PPA e a LOA. A jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal, a
qual tem sido mitigada ultimamente, conforme já salientado108, é no sentido de
que, por se tratar de lei de efeitos concretos, a LDO não se submete ao controle
pela via direta, conforme se depreende da ementa da ADI 2.484-MC:
104
Dispõe o artigo 17 da LRF que:
“Considera-se obrigatória de caráter
continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato
administrativo normativo que fixem
para o ente a obrigação legal de sua
execução por um período superior a
dois exercícios”.
105
O § 1º do art. 4º da LRF determina
que a LDO conterá Anexo de Metas
Fiscais, em que “serão estabelecidas
metas anuais, em valores correntes e
constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário
e montante da dívida pública, para o
exercício a que se referirem e para os
dois seguintes”.
106
Estabelece ainda o § 2º do artigo 165
da CR-88 que a lei de diretrizes orçamentárias “disporá sobre as alterações
na legislação tributária e estabelecerá
a política de aplicação das agências
financeiras oficiais de fomento.”
107
TORRES. . Op.cit. p.85.
108
“Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários
certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está
sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado.” (ADI 2.484-MC,
Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 19-12-01)
Em especial, ADI 2.925 e ADI-MC
4.048, que serão analisadas quando
da apresentação dos denominados
créditos adicionais que, ao lado dos créditos orçamentários, compõem as autorizações legislativas para que o Poder
Executivo possa realizar despesas para
a consecução dos projetos e programas
que decorrem do planejamento.
FGV DIREITO RIO
49
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Já a lei orçamentária anual (LOA), observados os princípios da universalidade, unidade, anterioridade, anualidade, legalidade, exclusividade,
transparência, não afetação, equilíbrio financeiro, redistribuição de rendas, desenvolvimento econômico, e economicidade, conforme será explicitado no final da aula, é o instrumento normativo fixa a despesa e estima
a receita anualmente, evidenciando a política econômica e financeira de
curto prazo do governo.
Saliente-se, no que se refere à LOA, a relevância do orçamento-programa
como instrumento de medição do desempenho e de vinculação da execução
orçamentária ao planejamento central. Destaque-se, ainda nesse contexto, a
essencialidade da programação financeira de desembolso109 para a definição
do ritmo110 da execução orçamentária.
O fluxograma abaixo visa auxiliar a compreensão do qu foi até aqui exposto:
Planejamento
Metas e prioridades
Planos e programas
3 Orçamentos
PPA, LDO e LOA
Execução
Orçamentária
Ação
Planejada de
Governo
Programação
Financeira de
Desembolso
Dessa forma, a Constituição estabelece três planejamentos orçamentários, os quais, conforme ensina Ricardo Lobo Torres111, são resultado da
influência “da Constituição da Alemanha, que prevê o plano plurianual
(eine mehrjahrige Finanzplanung — art. 109, 3), o plano orçamentário
(Haushalts-plan — art.110), e a lei orçamentária (Haushaltsgesetz — art.
110), só que lá se discute se o plano orçamentário é realmente distinto da
lei orçamentária.”
Saliente-se que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais
previstos na Constituição, em particular aqueles de que tratam os artigos
21, IX, 174, §1° e 214, devem ser necessariamente elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional, a
teor do artigo 165, §4°, da CR-88. Com o objetivo aprofundar o estudo
das três leis orçamentárias, inicialmente serão abordados os seus aspectos
essenciais quanto à elaboração, iniciativa, apreciação e votação dos projetos, bem como à vigência das leis orçamentárias, o que ajudará a traçar o
perfil de cada uma das leis. Com efeito, o conjunto dessas matérias constitui parte do denominado Ciclo Orçamentário, o qual corresponde ao
período em que se realizam as atividades próprias e específicas do processo
orçamentário, compreendendo
109
Dispõe o artigo 8° da Lei Complementar n° 101/2000: “Até trinta dias após a
publicação dos orçamentos, nos termos
em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na
alínea c do inciso I do artigo 4°, o Poder
Executivo estabelecerá a programação
financeira e o cronograma de execução
mensal de desembolso.”
110
O artigo 17 do Decreto-lei n°
200/1967 dispõe que: “Art. 17. Para
ajustar o ritmo de execução do orçamento-programa ao fluxo provável de
recursos, o Ministério do Planejamento
e Coordenação Geral e o Ministério da
Fazenda elaborarão, em conjunto, a
programação financeira de desembolso, de modo a assegurar a liberação
automática e oportuna dos recursos
necessários à execução dos programas
anuais de trabalho”.
111
TORRES. Op.Cit.p.78.
FGV DIREITO RIO
50
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Elaboração
e Envio do Projeto
Apreciação,
Votação, Sanção e
Publicação
Execução da Lei do
Orçamento e dos
Créditos Adicionais
Controle
interno, externo e
social
Na próxima aula serão analisados os Créditos Orçamentários e Adicionais
(Aula 4); na Aula 5 as Despesas Públicas e a Responsabilidade Fiscal na Execução do Orçamento; na Aula 6 será estudado o Financiamento dos Gastos, a
Dívida e as Operações de crédito; e na Aula 7 o Controle e a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração
Pública. Importante destacar, ainda, que em função do princípio da simetria
e de nosso federalismo fiscal os mesmos princípios estruturantes das Finanças
Públicas no âmbito da União são aplicáveis aos Estados, Distrito Federal e
Municípios, inclusive no que se refere ao denominado ciclo orçamentário,
ressalvadas as regras específicas que serão objeto de estudo ao longo do curso.
3.1 INICIATIVA, ELABORAÇÃO, APRECIAÇÃO E VOTAÇÃO DOS PROJETOS
O PPA, a LDO e a LOA são leis de iniciativa do Poder Executivo, nos
termos do caput do artigo 165 da CR-88, e servem, conforme já salientado,
de elo de ligação entre o planejamento e a ação governamental, ou seja, a atuação concreta do poder público pressupõe a existência dos orçamentos, sem
os quais não pode haver utilização do dinheiro público para realizar despesas.
Nos termos do artigo 84, XXIII, e artigo 166, §6° da CR-88, a iniciativa das
leis orçamentárias é vinculada112 e privativa do Chefe do Poder Executivo113 a
quem incumbe enviar ao Congresso Nacional os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. Assim, conforme
observa Kyoshi Harada114, a proposta orçamentária anual do Poder Legislativo, na qual se inclui o Tribunal de Contas, do Poder Judiciário e do Ministério Público: “são unificadas antes do envio ao Parlamento para discussão”, o
que não afasta as respectivas competências para elaborar as suas proposições115
dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei
de diretrizes orçamentárias, nos termos fixados nos artigos 99, § 1º, e 127, §
3º da CR-88. Nessa toada, o artigo 14 da LDO que trata das diretrizes para a
elaboração da LOA de 2010 da União, Lei n° 12.017/2009, dispõe:
Art. 14. Os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público da União encaminharão à Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio do Sistema Integrado de Dados
112
É uma iniciativa indelegável e vinculada tendo em vista a fixação de prazos
fatais para a sua efetivação na própria
Constituição, sob pena de configurarse crime de responsabilidade política,
conforme será a seguir destacado. v.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo. Atlas,
2005. p. 621.
113
ADI 882, Rel. Min. Maurício Corrêa,
julgamento em 19-2-04, DJ de 23-404: “Orçamento anual. Competência
privativa. Por força de vinculação administrativo-constitucional, a competência para propor orçamento anual é
privativa do Chefe do Poder Executivo”.
114
HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 58.
115
Dispõe o artigo 12, § 3º, da LRF, que
“O Poder Executivo de cada ente colocará à disposição dos demais Poderes e
do Ministério Público, no mínimo trinta
dias antes do prazo final para encaminhamento de suas propostas orçamentárias, os estudos e as estimativas das
receitas para o exercício subseqüente,
inclusive da corrente líquida, e as respectivas memórias de cálculo.”
FGV DIREITO RIO
51
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Orçamentários — SIDOR, até 15 de agosto de 2009, suas respectivas propostas
orçamentárias, para fins de consolidação do Projeto de Lei Orçamentária de
2010, observadas as disposições desta Lei.
§ 1o As propostas orçamentárias dos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, encaminhadas nos termos do caput deste artigo, deverão
ser acompanhadas de parecer do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público, de que tratam os arts. 103-B e 130-A da Constituição, respectivamente, que constarão das informações complementares previstas no art. 10 desta Lei.
§ 2o Não se aplica o disposto no §1o deste artigo ao Supremo Tribunal
Federal e ao Ministério Público Federal” (grifo nosso).
Destaque-se que ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional
do Ministério Público, aos quais foi conferida a atribuição para exarar pareceres, nos termos do transcrito §1°, com a ressalva determinada no §2°, compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do
Ministério Público, nos termos do artigo 103-B, § 4°, caput, e artigo 130-A,
§ 2°, caput, da CR-88, respectivamente.
O Poder Executivo116 procederá aos ajustes necessários, para fins de consolidação da proposta da LOA, na hipótese em que as propostas do Poder
Judiciário e do Ministério Público sejam encaminhadas em desacordo com
os limites estipulados na LDO. Em sentido análogo, se o Poder Judiciário
e o Ministério Público não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias anuais dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo117 considerará, para fins de consolidação da
proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados conjuntamente com
os demais Poderes na LDO.
No âmbito do Poder Judiciário a competência para o encaminhamento da
proposta orçamentária118, a ser consolidada pelo Poder Executivo, é: (1) na
esfera federal, dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais
Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais; e (2) no âmbito dos
Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais
de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.
Cabe ressaltar — quanto ao encaminhamento dos projetos de leis orçamentárias, o qual consubstancia competência vinculada e indelegável — que
a não apresentação tempestiva das propostas119 do PPA, da LDO e da LOA ao
Poder Legislativo constitui crime de responsabilidade política praticado pelo
Presidente da República tendo em vista que a hipótese se enquadra como
ato atentatório às leis orçamentárias120, consoante o disposto no artigo 10, 1,
da Lei n° 1.079/1950121, norma que define os crimes de responsabilidade e
regula o respectivo processo de julgamento.122
116
Artigos 99, § 4º, e 127, § 5º, da CR88, dispositivos incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004.
117
Artigos 99, § 3º, e 127, § 4º, da CR88, dispositivos incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004.
118
Artigo 99, § 2º, da CR-88.
119
Salienta Valcedir Pascoal que as leis
que envolvam matéria orçamentária
são de iniciativa privativa e indelegável do Chefe do Poder Executivo a sua
omissão “constituirá crime de responsabilidade conforme a legislação: Lei
n° 1.079 — Presidente e Governador,
e Decreto-Lei n° 201/67 — Prefeito.”
v. PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 4ª ed. revista,
ampliada e atualizada. Rio de Janeiro.
Impetus, 2004. p.41.
120
Artigo 85, VI, da CR-88.
121
Saliente-se que o prazo para o envio
da proposta determinado na lei foi alterado pela Constituição, conforme será
apresentado a seguir, nos termos do
artigo 165, §9°, I, da CR-88 combinado
com o artigo 35, §2°, do ADCT.
122
A acusação deve ser admitida por
dois terços da Câmara dos Deputados
(artigo 86) e será julgada pelo Senado
Federal, tendo em vista tratar-se de crime de responsabilidade (artigo 52, I,).
Se instaurado o processo, o Presidente
fica suspenso de suas funções (artigo 86, §1°) por cento e oitenta dias,
prazo dentro do qual se não estiver
concluído o julgamento cessará o seu
afastamento, prosseguindo o processo
normalmente No julgamento perante
o Senado funcionará como Presidente o
do Supremo Tribunal Federal, “limitando-se a condenação, que somente será
proferida por dois terços dos votos do
Senado Federal, à perda do cargo, com
inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo
das demais sanções judiciais cabíveis”
(parágrafo único do artigo 52).
FGV DIREITO RIO
52
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
O artigo 32, da Lei n° 4.320/1964, por sua vez, disciplina apenas as conseqüências do não recebimento da proposta de LOA pelo parlamento, isto é,
“se não receber a proposta orçamentária no prazo fixado nas Constituições
ou nas Leis Orgânicas dos Municípios, o Poder Legislativo considerará como
proposta a Lei de Orçamento vigente”.
Já o artigo 165, §§§ 5º, 6º, e 7º da CR-88, estabelece o escopo da lei orçamentária anual nos seguintes termos:
“§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e
entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos
e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.
§ 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias,
remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.
§ 7º - Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados
com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades
inter-regionais, segundo critério populacional.”
O artigo 5° da LRF complementa o dispositivo constitucional ao prever que a LOA conterá também: (1) a explicitação das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de
caráter continuado; (2) demonstrativo da compatibilidade da programação
dos orçamentos com os objetivos e metas constantes do Anexo de Metas
Fiscais da LDO; (3) conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinadas ao atendimento
de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos; (4) as
despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas
que as atenderão; (5) o refinanciamento da dívida pública constará separadamente na lei orçamentária e nas de crédito adicional. Destaque-se, ainda,
que o artigo 22 da Lei n° 4.320/1964 define a estrutura e composição da
proposta orçamentária.
Uma vez apresentados os projetos das leis orçamentárias pelo Poder Executivo, consoante os termos dos citados artigo 84, XXIII, caput do artigo
165 e artigo 166, §6°, ambos da CR-88, serão os mesmos apreciados pelas
duas Casas do Congresso na forma do regimento comum.123 A Constituição
123
Artigo 166, caput, da CR-88.
FGV DIREITO RIO
53
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de 1967/69 estabelecia de forma expressa em seu artigo 66, que a lei orçamentária anual seria objeto de “votação conjunta das duas Casas”, menção
que não consta da atual Carta Política. De fato, o artigo 166 da CR-88 que
disciplina a matéria não o faz expressamente, apenas se referindo à apreciação
do projeto. O artigo 48 da CR-88 também não disciplina expressamente a
questão ao estatuir caber somente ao Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República, dispor “sobre plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de
curso forçado”. Assim, é importante destacar o artigo 1º, V, do regimento
comum do Parlamento Nacional, nos termos do Ato da Mesa do Congresso
Nacional, nº 63 de 2006124, que disciplina a matéria:
“Art. 1º A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, sob a direção da Mesa
deste, reunir-se-ão em sessão conjunta para:
....................................................................................................................
V — discutir e votar o Orçamento (arts. 48, II, e 166 da Constituição);”
....................................................................................................................
O artigo 103 do regimento dispõe que à “tramitação de projetos de orçamento plurianual de investimentos aplicar-se-ão, no que couber”, as normas
ali disciplinadas quanto ao orçamento anual, cabendo no que for aplicável à
apreciação da lei de diretrizes.
A Resolução nº1 de 2006-CN, do Congresso Nacional, por sua vez,
dispõe sobre a Comissão Mista Permanente a que se refere o § 1º do art.
166 da Constituição, denominando-a de Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização — CMO. À Comissão mista permanente
de Senadores e Deputados, compete examinar e emitir parecer sobre os
projetos do PPA, LDO e LOA e aos créditos adicionais, os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição, assim como
a análise das emendas125 aos projetos de leis orçamentárias, que podem ser
individuais, de Comissão Permanente do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, ou de bancada estadual, nos termos do artigo 43 a 50 da Resolução nº1 de 2006-CN. As emendas devem ser apresentadas à Comissão
mista, consoante o disposto no § 2º do artigo 166, a qual deve examinar as
condições e restrições impostas pelos §§ 3º e 4º do mesmo dispositivo126, e
são apreciadas, em sessão conjunta e nos termos do regimento interno, pelo
Plenário das duas Casas do Congresso Nacional. É atribuição também da
Comissão Mista desempenhar inúmeras funções na seara do controle orçamentário, incluindo o exame e parecer sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República e também exercer o acompanhamento
e a fiscalização orçamentária sem prejuízo da atuação das demais comissões
temporárias ou permanentes.
124
Disponível em: <http://www.senado.
gov.br/sf/legislacao/regsf/RegCN.rtf >
125
O §5º do artigo 166 da CR-88 autoriza o Presidente da República enviar
mensagem ao Congresso Nacional para
propor modificação nos projetos a que
se refere o artigo “enquanto não iniciada a votação, na Comissão mista, da
parte cuja alteração é proposta”.
126
As emendas ao projeto da LDO devem
ser compatíveis com o PPA. No mesmo
sentido, a emendas ao projeto da LOA
têm de ser compatíveis com o PPA e
com a LDO, além de indicar os recursos
necessários para viabilizar a alteração,
admitindo-se, entretanto, apenas os
recursos provenientes de anulação de
despesas, sendo vedada esta indicação
sobre as dotações para pessoal e seus
encargos; serviços da dívida; transferências tributárias constitucionais para
Estados, Municípios e Distrito Federal.
Também é possível apresentar emendas para corrigir questões redacionais,
erros ou omissões (artigo 166, §3º, I, II
e III da CR-88).
FGV DIREITO RIO
54
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Sem dúvida, a Constituição conferiu amplos poderes à citada Comissão
Mista, o que tem sido objeto de muitas críticas por parte de especialistas na
matéria, como o professor Ricardo Lobo Torres127, que assevera de forma
contundente:
“O relevo atribuído à Comissão Mista do Congresso foi um dos grandes
equívocos da Constituição Orçamentária de 1988. (...) A Comissão Mista do
Congresso Nacional, com superpoderes, foi causa direta dos escândalos apurados em 1993, com a dilapidação de recursos públicos promovida principalmente
pelos deputados e senadores que a compunham. No relatório final da CPI o
seu Presidente, Deputado Roberto Magalhães, disse que a Comissão Mista do
Orçamento, ao longo dos anos, “granjeou a desestima e a indignada rejeição
da sociedade” e denunciou três esquemas de manipulação do orçamento: o das
emendas, o das empreiteiras e o das subvenções sociais. Nenhuma conseqüência
teve aquele relatório, pois no ano de 2006 surgiram novos escândalos fundados
no poder de emendar orçamento, que ficaram conhecidos como “vampiros” e
“sanguessugas”.(grifo nosso)
A raiz do problema, conforme identificado pelo ilustre jurista128, é de natureza jurídico-política e reflete a distorção do nosso sistema, que adotou “o
modelo de orçamento próprio do parlamentarismo praticado na França e na
Alemanha dentro de uma estrutura política presidencialista! A Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Comissão Mista do Congresso Nacional, por exemplo,
são figuras típicas do regime parlamentarista, que nem a martelo se adaptam
ao presidencialismo!”.
Em linha de pensamento diversa, sem identificar a apontada desconexão
estrutural do sistema de governo adotado e de distribuição de funções entre
os Poderes, Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi129 sustentam
que, a partir da Resolução nº2 de 1995, o Congresso se auto-limitou, não
havendo razões para suprimir a interferência parlamentar no processo orçamentário:
“ As alterações no processo de apreciação e votação do orçamento adotada a
partir de 1995 tornaram-no mais transparente, mais facilmente controlado pelos
partidos , mais dependente de decisões coletivas e, principalmente, impuseram
limites claros e significativos à atuação individual dos parlamentares. As emendas individuais não são privilegiadas pelo próprio legislativo e representam uma
pequena parcela da intervenção legislativa no orçamento aprovado. As emendas
coletivas e de relatorias apropriaram-se da maior parcela dos recursos alocados
e são aprovadas segundo preceitos estritos. Em poucas palavras, para salvaguardar sua prerrogativa de participar do processo orçamentário, o Congresso se viu
forçado a atar as próprias mãos. As decisões que realmente afetam — ou podem
127
TORRES. Op.cit. p.437-438.
128
TORRES. Op.cit. p.49.
129
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e
LIMONGI, Fernando. Política Orçamentária no Presidencialismo de coalizão.
Rio de Janeiro: Ed. FVG, 2008. p.19.
FGV DIREITO RIO
55
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
afetar — o perfil do orçamento são tomadas pelo relator-geral e pelos relatores
adjuntos, selecionados entre os membros dos partidos da base do governo. Isto
é, a apreciação congressual do orçamento é altamente centralizada e segue linhas
partidárias. Por todas as razões expostas, a nosso ver, os direitos parlamentares de
alteração da proposta orçamentária do Executivo não devem ser restringidos, ou
praticamente anulados, como alguns pregam, acreditamos inadvertidamente. A
corrupção e o desvio de verbas públicas não ocorrem porque o Congresso participa do processo orçamentário. Tampouco dependem da forma pela qual essa
participação se dá desde 1995. A raiz do problema não está no Congresso, mas
evidente que sua participação na elaboração do orçamento pode ser aperfeiçoada
e que esse aperfeiçoamento pode contribuir para reduzir a corrupção. Mas, se
isso vier a ocorrer, com certeza não será via restrição da participação congressual
no processo. Pelo contrário, parece-nos líquido e certo que a corrupção só terá a
ganhar se a participação do Congresso for limitada.”
As divergentes perspectivas da matéria revelam a complexidade da questão,
podendo-se advogar e sustentar diferentes pesos e ponderações na participação de cada Poder. O núcleo central do problema, entretanto, é realmente de
natureza jurídico-política, na medida em que se refere à definição dos modelos e interconexões entre: (1) o sistema de governo parlamentarismo-presidencialismo de um lado e, de outro, (2) o sistema de distribuição de funções
entre os Poderes no que se refere à matéria orçamentária. O desafio central,
entretanto, não diz respeito apenas à difícil escolha e implementação de um
modelo de distribuição de funções e orçamento (impositivo-autorizativo) que
aumente a estabilidade política, impõe-se, no mundo atual, que seja contemplada, ao mesmo tempo, a ampla e transparente participação da sociedade no
processo e que se reduza ao máximo a possibilidade de desvios.
Importante destacar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, expressa na ADI 1.050-MC130, quanto ao poder de emenda parlamentar — no
contexto do modelo constitucional híbrido atual, de natureza presidencialista, compreendendo a possibilidade de o parlamento apresentar emendas aos
projetos das leis orçamentárias, ao lado da natureza meramente autorizadora
do orçamento anual relativamente às despesas-:
”O poder de emendar projetos de lei — que se reveste de natureza eminentemente constitucional — qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica
inerente ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis
(RTJ 36/382, 385 — RTJ 37/113 — RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa (ADI 865/MA, Rel. Min. Celso
de Mello), desde que — respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da
130
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. ADI 1.050-MC. Julgamento em 21.09.2004. Brasília. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >.
Acesso em 26.05.2008.
FGV DIREITO RIO
56
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
República — as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa
prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com
a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II
e III), observem as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º da Carta Política.” (ADI
1.050-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-9-94, DJ de 23-4-04)
Fixados esses conceitos fundamentais, quanto à iniciativa, elaboração,
emendas e votação das três leis orçamentárias, cumpre agora analisar os prazos de apresentação e de vigência das mesmas, o que auxiliará a compreensão
das funções e dos objetivos de cada qual.
3.2 PRAZOS DE APRESENTAÇÃO E A VIGÊNCIA DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS
Estabelece o artigo 165, §9°, I da CR-88, que cabe à lei complementar
— norma até hoje não editada — “dispor sobre o exercício financeiro, a
vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei
de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual”. Tendo em vista a
inexistência do referido diploma complementar para disciplinar a questão,
aplica-se a regra prevista no artigo 35, §2°, do ADCT, que dispõe:
“§ 2º - Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165,
§ 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I - o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até
quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;
II - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito
meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para
sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;
III - o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro
meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até
o encerramento da sessão legislativa.”
Relativamente ao PPA, disciplinado no inciso I, dois aspectos devem ser
salientados para a definição do prazo de vigência da lei e do encaminhamento do Projeto do PPA pelo Executivo: (1) o mandato presidencial; e (2) o
encerramento da sessão legislativa.
O artigo 82 da CR-88, com a sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997, estabelece que “o mandato do Presidente da República é de
quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição”. Assim, o mandato presidencial coincide com o exercício financeiro.131
131
De acordo com o artigo 34 da Lei
n° 4320/1964: “O exercício financeiro
coincidirá com o ano civil”. Período distinto é a sessão legislativa, de que trata
o artigo o artigo 57 da CR-88, dispositivo que estabelece que “o Congresso
Nacional reunir-se-á, anualmente, na
Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17
de julho e de 1 de agosto a 22 de dezembro”. Assim, a legislatura de cada
parlamentar do Congresso Nacional é
composta de sessões legislativas —
quatro sessões para os deputados e oito
para os senadores — que se decompõem cada qual em dois períodos de
trabalhos ordinários: até 17 de julho o
primeiro período e até 22 de dezembro
o segundo período, respectivamente,
não coincidindo, dessa forma, como o
exercício financeiro de que trata a Lei
n° 4.320/1964.
FGV DIREITO RIO
57
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Já a sessão legislativa, nos termos do artigo 57 da CR-88, com a sua redação conferida pela Emenda Constitucional nº50 de 2006, se encerra em 22
de dezembro.
Desta forma, visando à continuidade das ações estatais no médio prazo
(período de quatro anos), a lei do plano plurianual possui vigência por quatro
anos, os quais englobam os três últimos do governo de determinado Chefe do
Poder Executivo e o primeiro exercício financeiro do mandato presidencial
subseqüente, período dentro do qual, até 31 de agosto, deve o presidente
seguinte encaminhar o seu projeto de PPA para ter vigência nos três anos
restantes de seu governo e no primeiro ano do mandato presidencial subseqüente e assim sucessivamente.
A ilustração a seguir apresentada auxilia a compreensão da questão:
Mandato Presidencial inicial
Quadriênio 2003-2006
22 de dezembro
22 de dezembro
2003
2004
31 de agosto p/ envio
do Projeto de PPA
Mandato Presidencial subseqüente
Quadriênio 2007-2010
2005
2006
2007
2008
tempo
2009
2010
2011
31 de agosto p/ envio
do Projeto de PPA
Vigência do PPA 2004 – 2007
Vigência do PPA 2008-2011
Lei 10.933, de 11 de agosto de 2004 Lei nº 11.653, de 07 de abril de 2008
Saliente-se que a data da sanção presidencial à Lei n° 10.933 e à Lei nº
11.653 –as quais aprovaram o PPA para o quadriênio 2004-2007 e 20082011, dia 11 de agosto e dia 07 de abril, respectivamente — revelam que,
na prática, nenhum dos projetos retornou ao Chefe do Executivo antes
de encerrada a sessão legislativa (22 de dezembro), consoante requisito
fixado na parte final do transcrito inciso I do §2° do artigo 35 do ADCT,
tendo em vista o prazo constitucional de quinze dias que o Presidente da
República possui para sancionar ou vetar projeto de lei, a teor do artigo 66
da CR-88 combinado com o artigo 166, §7° da CR-88. Em face da complexidade que envolve o PPA, e tendo em vista as peculiaridades quanto à
sua eficácia, conforme será visto a seguir, a Constituição não estabeleceu
conseqüências práticas à sua não aprovação e devolução ao Poder Executivo fora do prazo determinado, ao contrário do que ocorre com a LDO,
consoante o disposto no artigo 57, §2° da CR-88, o qual dispõe que a
“sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei
de diretrizes orçamentárias.”
No que se refere à aplicabilidade da regra do transcrito artigo 35, §2° do
ADCT aos Estados, Distrito Federal e Municípios, é importante destacar
que, por meio da Mensagem nº 627/2000, o Poder Executivo da União
vetou a integralidade do artigo 3º e o §7° do artigo 5º da Lei Complemen-
FGV DIREITO RIO
58
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tar nº 101/2000, nos termos aprovados pelo Congresso Nacional, os quais
dispunham sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração
e a organização do plano plurianual e da lei orçamentária anual, regras
que vinculariam todos os entes da Federação. O exame das razões de veto
permite o entendimento das especificidades e complexidade da vinculação
absoluta dos Estados, Distrito Federal e Municípios às regras adotas em
âmbito federal:
Razões do veto
“Art. 3o
Art. 3o O projeto de lei do plano plurianual de cada ente abrangerá os respectivos Poderes e será devolvido para sanção até o encerramento do primeiro
período da sessão legislativa.
§ 1o Integrará o projeto Anexo de Política Fiscal, em que serão estabelecidos
os objetivos e metas plurianuais de política fiscal a serem alcançados durante o
período de vigência do plano, demonstrando a compatibilidade deles com as
premissas e objetivos das políticas econômica nacional e de desenvolvimento
social.
§ 2o O projeto de que trata o caput será encaminhado ao Poder Legislativo
até o dia trinta de abril do primeiro ano do mandato do Chefe do Poder Executivo.
Razões do veto
O caput deste artigo estabelece que o projeto de lei do plano plurianual deverá ser devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão
legislativa, enquanto o § 2º obriga o seu envio, ao Poder Legislativo, até o dia
30 de abril do primeiro ano do mandato do Chefe do Poder Executivo. Isso
representará não só um reduzido período para a elaboração dessa peça, por parte
do Poder Executivo, como também para a sua apreciação pelo Poder Legislativo,
inviabilizando o aperfeiçoamento metodológico e a seleção criteriosa de programas e ações prioritárias de governo.
Ressalte-se que a elaboração do plano plurianual é uma tarefa que se estende muito além dos limites do órgão de planejamento do governo, visto que
mobiliza todos os órgãos e unidades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Além disso, o novo modelo de planejamento e gestão das ações, pelo
qual se busca a melhoria de qualidade dos serviços públicos, exige uma estreita
integração do plano plurianual com o Orçamento da União e os planos das
unidades da Federação.
Acrescente-se, ainda, que todo esse trabalho deve ser executado justamente no
primeiro ano de mandato do Presidente da República, quando a Administração Pública sofre as naturais dificuldades decorrentes da mudança de governo e a necessidade de formação de equipes com pessoal nem sempre familiarizado com os serviços e
sistemas que devem fornecer os elementos essenciais para a elaboração do plano.
FGV DIREITO RIO
59
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Ademais, a fixação de mesma data para que a União, os Estados e os Municípios encaminhem, ao Poder Legislativo, o referido projeto de lei complementar
não leva em consideração a complexidade, as peculiaridades e as necessidades de
cada ente da Federação, inclusive os pequenos municípios.
Por outro lado, o veto dos prazos constantes do dispositivo traz consigo
a supressão do Anexo de Política Fiscal, a qual não ocasiona prejuízo aos
objetivos da Lei Complementar, considerando-se que a lei de diretrizes orçamentárias já prevê a apresentação de Anexo de Metas Fiscais, contendo, de
forma mais precisa, metas para cinco variáveis — receitas, despesas, resultados nominal e primário e dívida pública -, para três anos, especificadas em
valores correntes e constantes.
Diante do exposto, propõe-se veto ao art. 3o, e respectivos parágrafos, por
contrariar o interesse público.
§ 7o do art. 5o
§ 7o O projeto de lei orçamentária anual será encaminhado ao Poder Legislativo até o dia quinze de agosto de cada ano.
Razões do veto
A Constituição Federal, no § 2º do art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determina que, até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, o projeto de lei orçamentária da
União seja encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício
financeiro. Estados e Municípios possuem prazos de encaminhamento que são
determinados, respectivamente, pelas Constituições Estaduais e pelas Leis Orgânicas Municipais.
A fixação de uma mesma data para que a União, os Estados e os Municípios
encaminhem, ao Poder Legislativo, o projeto de lei orçamentária anual contraria
o interesse público, na medida em que não leva em consideração a complexidade, as particularidades e as necessidades de cada ente da Federação, inclusive os
pequenos municípios.
Além disso, a fixação de uma mesma data não considera a dependência de
informações entre esses entes, principalmente quanto à estimativa de receita, que
historicamente tem sido responsável pela precedência da União na elaboração do
projeto de lei orçamentária.
Por esse motivo, sugere-se oposição de veto ao referido parágrafo.”
Nesse contexto, pode-se concluir que os entes federados podem estabelecer sistemáticas distintas quanto ao prazo de apresentação dos projetos de leis orçamentárias.
No que se refere aos Municípios, ainda é importante destacar, com base no
artigo 44 da Lei nº 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, a existência
da gestão orçamentária participativa, instrumento de planejamento municipal,
o qual inclui:132
a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas
do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual,
132
artigo 4 º, III, f, da Lei nº
10.257/2001.
FGV DIREITO RIO
60
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
como condição obrigatória para a sua aprovação pela Câmara Municipal.
(grifo nosso)
Já no âmbito federal e estadual não é obrigatória a adoção do princípio da gestão orçamentária participativa, especialmente em razão “da
notória dificuldade de os membros da comunidade dirigirem-se às Casas Legislativas estaduais e ao Parlamento Nacional”, conforme pontua
Harada.133
De volta à análise dos prazos para a apresentação, aprovação e devolução
da lei de diretrizes orçamentárias, disciplinada no supratranscrito inciso II
do §2° do artigo 35 do ADCT, constata-se que o projeto da lei de diretrizes
orçamentárias (LDO) deve ser encaminhado até 15 de abril de cada ano (oito
meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro) e devolvido
para a sanção do Chefe do Poder Executivo até o dia 17 de julho, termo de
encerramento do primeiro período da sessão legislativa, consoante o disposto no citado artigo 57 da CR-88.
Conforme já destacado, em sentido diverso da inexistência de disciplina
quanto à hipótese de não aprovação e devolução do PPA no prazo fixado,
conforme ensina Alexandre de Moraes134, “não há possibilidade de o Congresso Nacional rejeitar o projeto de lei de diretrizes orçamentárias, uma
vez que a Constituição Federal determina em seu art. 57, §2°, que “a sessão
legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias”.
A ilustração abaixo facilita o entendimento da questão:
Mandato Presidencial
Quadriênio 2007-2010
15 abril p/ envio
do Projeto de LDO
2007
Devolução da LDO até
17 de julho
Sanção da LDO
em 13.08.07
LDO para LOA
de 2008
Lei 11.514/07
Vigência do PPA
2004 – 2007
em 2007
L e i 10.933/ 2004
15 abril p/ envio
do Projeto de LDO
2008
Devolução da LDO até
17 de julho
Sanção da LDO
em 14.08.08
LDO para LOA
de 2009
Lei 11.768/08
15 abril p/ envio
do Projeto de LDO
2009
2010
2011
Devolução da LDO até
17 de julho
Sanção da LDO
em 12.08.09
LDO para LOA
de 2010
Lei 12.017/09
Vigência do PPA 2008-2011
L e i nº 11.653, de 07 de a bril de 2008
133
HARADA. Op.cit. p.59.
134
MORAES. Op.cit. p.623.
FGV DIREITO RIO
61
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Importante frisar que a vigência da LDO é matéria controvertida, podendo-se sustentar que a sua vigência é de um ano, pois se trata de mera
“orientação ou sinalização, de caráter anual, para a feitura do orçamento”,
conforme entende Ricardo Lobo Torres.135 Em sentido diverso, assevera Valdecir Pascoal136 que:
Mesmo que alguns autores falem de vigência anual da LDO, isso, a rigor,
não é correto. Valendo-nos do conceito jurídico de vigência, há que se concluir que a LDO vigora por mais de um ano. Normalmente é aprovada em
meados do exercício financeiro, orientando a elaboração da LOA no segundo
semestre e continuando em vigor até o final do exercício financeiro subseqüente. Diga-se, contudo, que, embora a vigência formal seja maior que um
ano, a LDO traça as metas e as prioridades da Administração apenas para o
exercício subseqüente.
O projeto da lei orçamentária anual (LOA) da União, por sua vez, nos
termos do inciso III do artigo 35, §2° do ADCT, deve ser encaminhado até
o dia 31 de agosto (até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro) e devolvido para sanção até 22 de dezembro, data do encerramento
da sessão legislativa. Assim, o prazo para o envio do projeto da LOA pelo
Chefe do Poder Executivo e de devolução pelo Poder Legislativo para o Poder
Executivo são iguais àqueles determinados para o PPA, com a diferença de
que o prazo de vigência deste é quadrienal, ou seja, até o final do primeiro
exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, enquanto a lei do
orçamento tem vigência anual.
O que ocorre se o projeto da LOA não for votado pelo Poder Legislativo
no prazo consignado ou o mesmo for rejeitado? A possibilidade de (1) rejeição do projeto de lei orçamentária, bem como a possibilidade de (2) não devolução do projeto de LOA pelo Poder Legislativo serão analisadas a seguir.
A interpretação do artigo 166, §8° da CR-88, consoante sustenta Alexandre de Moraes, “permite concluir pela possibilidade de rejeição total ou
parcial do projeto” de lei do orçamento anual, tendo em vista a literalidade
do dispositivo, a qual declara que:
§ 8º - Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser
utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com
prévia e específica autorização legislativa. (grifo nosso)
137
Em sentido diverso, adverte Adilson Abreu Dallari , sob pena de paralisação da máquina estatal, não ser possível rejeição total do projeto da lei
orçamentária anual, pois:
135
TORRES. . Op.cit. p.85.
136
PASCOAL. Op.cit.p.41.
137
DALLARI, Adilson Abreu. Lei Orçamentária: processo legislativo. Revista
de informação legislativa. Brasília:
Senado, nº 129. p. 159.
FGV DIREITO RIO
62
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
“se a Constituição restringe o poder de emenda, que somente pode ser exercido dentro de certos limites, evidentemente proíbe, implicitamente, a emenda
total, radical modificadora absoluta do texto inicialmente proposto. (...) Em
resumo, ao dever imposto pela Constituição ao Chefe do Poder Executivo de
elaborar e enviar o projeto de lei orçamentária corresponde o dever imposto ao
Legislativo de examiná-lo, alterá-lo (se for o caso) e aprová-lo, sem possibilidade de rejeição total.”
Valdecir Pascoal138, por outro lado, esclarece que:
Há quase um consenso na doutrina acerca da impossibilidade jurídica
de o Poder Legislativo rejeitar o PPA e a LDO. Primeiro, porque a CF não
previu essa possibilidade, uma vez que estabeleceu, no artigo 35 do ADCT,
que ambas as leis devem ser devolvidas ao Poder Executivo para SANÇÃO.
Se o legislador mencionou apenas a possibilidade de sanção fica afastada a
possibilidade de rejeição, uma vez que não cabe sancionar o que foi rejeitado.
O segundo argumento toma por base o disposto no artigo 57, § 2º segundo o
qual a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação da LDO. Não
obstante, o mesmo raciocínio — no sentido de impossibilidade de rejeição
— não pode ser empregado em relação ao projeto de LOA. É que neste caso,
a própria CF/88 previu tal possibilidade ao assinalar em seu artigo 166, §8°,
que: (...) (grifo nosso)
Importante destacar que o artigo 66 da Constituição de 1967/69 disciplinava, expressamente, a hipótese da não devolução do projeto de lei do
orçamento anual pelo Congresso Nacional, para a sanção do Presidente da
República, determinando que “se, até trinta dias antes do encerramento
do exercício financeiro, o Poder Legislativo não o devolver para sanção,
será promulgado como lei”. Conforme ensina Regis Fernandes de Oliveira139, à época “entendia-se que a disposição valia tanto para a hipótese de
não devolução, como para a de rejeição”. Aduz ainda Regis Fernandes
sobre o tema que:
“a Constituição do Estado de São Paulo de 1969 dispôs que “rejeitado o
projeto subsistirá a lei orçamentária anterior”. Houve julgamento que assim determinou (RF 207/211). O problema foi levado ao Supremo Tribunal Federal
que entendeu inconstitucional o dispositivo (RDA 112/263). Afirmou-se que
a solução seria a de se entender não devolvido o projeto enviado ao Congresso
Nacional.”
José Afonso da Silva140 apresenta a solução que entende determinada na
própria Carta Magna para o problema:
138
PASCOAL. Op.cit.p.52-53.
139
DE OLIVEIRA. Op.cit.p.83.
140
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed.
São Paulo. Malheiros, 2000. p.722.
FGV DIREITO RIO
63
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
“A conseqüência mais séria da rejeição do projeto de lei orçamentária anual é
que a Administração fica sem orçamento, pois não pode ser aprovado outro. Não
é possível elaborar orçamento para o mesmo exercício financeiro. A Constituição dá solução possível e plausível dentro da técnica do direito orçamentário: as
despesas, que não podem efetivar-se senão devidamente autorizadas pelo Legislativo, terão que ser autorizadas prévia e especificamente, caso a caso, mediante
leis de abertura de créditos especiais.”
Assim, na hipótese de rejeitada a LOA pelo Poder Legislativo, a aplicação
dos recursos públicos e a realização de despesas somente será possível por
meio de créditos adicionais, nos termos disciplinados pela própria Constituição (artigo 167, V), isto é: créditos suplementares, caso a rejeição parlamentar seja parcial, ou créditos especiais, na hipótese de rejeição parcial ou
total, toda elas, entretanto, a exigir autorização legislativa, conforme será
estudado na próxima aula.
Por fim, impõe-se destacar que não é disciplinada141 pela atual Constituição142, ao contrário da Constituição de 1967/69, a hipótese de o Poder
Legislativo não devolver o projeto de lei orçamentária anual para a apreciação pelo Poder Executivo — sanção ou veto — no prazo determinado,
até 22 de dezembro, conforme estatuído no citado inciso III do artigo 35,
§2° do ADCT, nos termos já salientados. É possível, portanto, a anomia
orçamentária, isto é, o início do exercício financeiro sem a aprovação formal da lei orçamentária anual pelo Congresso Nacional, tendo em vista
não haver regra aplicável à LOA análoga àquela disciplinadora da hipótese para a LDO — caso no qual a sessão legislativa não é interrompida
sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes — conforme já salientado.
A questão chegou a ser disciplinada no artigo 6° da Lei Complementar n° 101/2000, no entanto, o dispositivo foi vetado, como se constata
pelas esclarecedoras razões a seguir aduzidas por meio da Mensagem nº
627/2000:
Art. 6o Se o orçamento não for sancionado até o final do exercício de seu
encaminhamento ao Poder Legislativo, sua programação poderá ser executada,
até o limite de dois doze avos do total de cada dotação, observadas as condições
constantes da lei de diretrizes orçamentárias.
Razões do veto
Parcela significativa da despesa orçamentária não tem sua execução sob a
forma de duodécimos ao longo do exercício financeiro. Assim, a autorização
para a execução, sem exceção, de apenas dois doze avos do total de cada dotação,
constante do projeto de lei orçamentária, caso não seja ele sancionado até o final
do exercício de seu encaminhamento ao Poder Legislativo, poderá trazer sérios
transtornos à Administração Pública, principalmente no que tange ao pagamen-
141
Considerando a inexistência de
regramento expresso, qual seria a
solução para a cobrança dos tributos
caso vigente no sistema constitucional
brasileiro o princípio da anualidade
tributária?
142
Dois modelos são possíveis para resolver a questão: (1) a prorrogação do
orçamento em vigor, solução adotada
no Brasil nas Constituições de 1934
(artigo 50, § 5°) e 1946 (artigo 74); ou
(2) considerar aprovado o projeto de
orçamento, hipótese agasalhada pelas
Constituições de 1937 (artigo 72, d) e
1967/69 (artigo 66).
FGV DIREITO RIO
64
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
to de salários, aposentadorias, ao serviço da dívida e as transferências constitucionais a Estados e Municípios.
Por outro lado, tal comando tem sido regulamentado pela lei de diretrizes
orçamentárias, que proporciona maior dinamismo e flexibilidade em suas
disposições.
Na ausência de excepcionalidade, o dispositivo é contrário ao interesse público, razão pela qual sugere-se oposição de veto, no propósito de que o assunto
possa ser tratado de forma adequada na lei de diretrizes orçamentárias.”
Realmente, a matéria tem sido disciplinada, ano após ano, nas leis
de diretrizes orçamentárias — LDO, conforme destacado nas razões de
veto em face da constante omissão do próprio Poder Legislativo, relativamente à devolução do projeto da LOA até 22 de dezembro nos termos
constitucionalmente determinados. Nesse sentido, tendo em vista que a
LOA para o exercício de 2008 somente foi aprovada em 24 de março do
exercício já em curso (Lei n° 11.647, de 24.03.2008), ou seja, já realizada
a execução de quase 3/12 (três doze avos) do orçamento, aplicou-se o disposto no artigo 72 da Lei n° 11.514/2007, o qual estabelecia as diretrizes
para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2008 e disciplinava,
in verbis:
“Art. 72. Se o Projeto de Lei Orçamentária de 2008 não for sancionado
pelo Presidente da República até 31 de dezembro de 2007, a programação dele
constante poderá ser executada para o atendimento de:
I - despesas que constituem obrigações constitucionais ou legais da União,
relacionadas na Seção I do Anexo IV desta Lei;
II - bolsas de estudo, no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico — CNPq e da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Capes, de residência médica e do Programa de Educação Tutorial — PET;
III - despesas com a realização das eleições municipais de 2008, constantes
de programações específicas;
IV - pagamento de estagiários e de contratações temporárias por excepcional interesse público na forma da Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993; e
V - outras despesas correntes de caráter inadiável.
§ 1o As despesas descritas no inciso V deste artigo estão limitadas à 1/12 (um
doze avos) do total de cada ação prevista no Projeto de Lei Orçamentária de 2008,
multiplicado pelo número de meses decorridos até a sanção da respectiva lei.
§ 2o Aplica-se, no que couber, o disposto no art. 60 desta Lei aos recursos
liberados na forma deste artigo.
§ 3o Na execução de outras despesas correntes de caráter inadiável, a que se
refere o inciso V do caput, o ordenador de despesa poderá considerar os valores
FGV DIREITO RIO
65
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
constantes do Projeto de Lei Orçamentária de 2008 para fins do cumprimento
do disposto no art. 16 da Lei Complementar no 101, de 2000.”
A LDO para o exercício de 2009, Lei n° 11.768/08, fixa, no artigo 69,
regramento semelhante. No entanto, diferentemente do orçamento do exercício de 2008, a LOA do exercício de 2009 foi aprovada, sancionada e publicada ainda no exercício de 2008 (Lei nº 11.897, de 30 de dezembro de
2008). Nos mesmos termos ocorreu na LDO para o exercício de 2010, Lei
n° 12.017/2009, a qual também estabelece em seu artigo 68 disciplina análoga, com acréscimos nas hipóteses em que o orçamento pode ser executado.
O Projeto de Lei nº 46/2009-CN, que estabelece a LOA para exercício de
2010, foi aprovado após amplo acordo pelo plenário do Congresso, em 22
de dezembro de 2009, um dia antes do recesso no Legislativo federal, que se
iniciou a partir da zero hora do dia 23, conforme notícia do sítio da Câmara
dos Deputados:
Em acordo de última hora, o Plenário do Congresso aprovou, na noite desta
terça-feira (22), o Orçamento de 2010 no valor de R$ 1,86 trilhão. Descontados
os investimentos e as despesas com a dívida pública, serão cerca de R$ 830 bilhões para os programas governamentais e transferências a estados e municípios.
A matéria será enviada à sanção presidencial.
O acordo foi fechado cerca de meia hora antes do final da última sessão em
que o Orçamento poderia ser votado neste ano. Uma das mudanças negociadas
pelo governo e pela oposição, no substitutivo do relator-geral, deputado Magela
(PT-DF), foi sobre o remanejamento de recursos do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC).
O substitutivo autorizava o Executivo a transferir 30% de todos os recursos
do PAC entre as obras, mas esse percentual foi reduzido para 25% dos recursos
de cada obra.
Segundo a oposição, isso limitará um possível uso eleitoral dos recursos do
programa, que conta com R$ 29,9 bilhões dos R$ 151,9 bilhões orçados para o
investimento público em 2010 (equivalente a 4,6% do PIB projetado de R$ 3,32
trilhões). Em 2009, o governo foi autorizado a gastar R$ 27,9 bilhões no PAC.
As estatais responderão por 62% do total de investimentos (R$ 94,4 bilhões,
contra R$ 79,9 bilhões autorizados para 2009). Dentro do orçamento fiscal e da
seguridade, o montante de investimentos será de R$ 57,5 bilhões — contra R$
54,5 bilhões permitidos para este ano.
Emendas de bancada
A segunda mudança acertada entre os líderes e Magela foi a transformação
de todas as emendas de investimento do relator-geral em emendas de bancada.
A distribuição será feita proporcionalmente às emendas já contempladas antes
do acordo.
FGV DIREITO RIO
66
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Agricultura e saúde
Outras negociações fechadas nesta terça-feira, ainda na discussão da matéria
na Comissão Mista de Orçamento, viabilizaram recursos adicionais de R$ 1,7
bilhão para o Programa de Garantia de Preços Mínimos e de R$ 2,2 bilhões para
ações de média e alta complexidade em saúde.
O programa de garantia tem o objetivo de assegurar os custos de setores
produtivos agrícolas e, assim, não comprometer a renda familiar em caso de oscilação dos preços no mercado. O programa compensa as perdas dos produtores
com concessão de bônus.
Salário
O texto aprovado prevê um salário mínimo pouco maior que o enviado pelo
governo. Ele sairá dos atuais R$ 465 para R$ 510 no próximo ano — um reajuste nominal de 9,7%.
O reajuste adicional proposto pelo relator, em relação ao enviado pelo governo, vai elevar a despesa em quase R$ 874 milhões — para cada real de aumento,
o gasto orçamentário sobe R$ 196,4 milhões.
Magela também reservou R$ 3,5 bilhões para o aumento real das aposentadorias e pensões dos 8,3 milhões de beneficiários do INSS que ganham
acima do mínimo. Entretanto, o percentual de reajuste ainda não foi definido
pelo governo.
A despesa com servidores públicos (civis e militares, da ativa e inativos) soma
R$ 183,7 bilhões, um crescimento de R$ 691,6 milhões em relação ao texto
original encaminhado em agosto pelo Executivo. Em 2009 a dotação autorizada
para gastos com pessoal foi de R$ 169,1 bilhões.
Os detalhes das mudanças feitas na última hora pelo relator-geral ainda não
são conhecidos, pelos menos os números finais. Nos próximos dias, os consultores de Orçamento da Câmara e do Senado vão fazer as modificações oriundas
do acordo, para envio da proposta à sanção. Só aí será possível saber o tamanho
exato do orçamento federal para 2010, o volume das despesas primárias e dos
investimentos públicos.
Atualizada às 0h54
Pelo exposto, por acordo, foi reduzido o valor máximo de remanejamento
de recursos do PAC sem a autorização do Parlamento bem como transformada todas as emendas de investimento do relator-geral em emendas de bancada. Entretanto, conforme noticiado no sítio da Assessoria de Imprensa e
Comunicação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)143, a oposição quer evitar
a sanção do orçamento:
O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), encaminhou ofício ontem ao presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), com o
pedido para que o Orçamento de 2010 não seja encaminhado para sanção
143
Disponívem em: < http://clipping.
tse.gov.br/noticias/2009/Dez/29/
oposicao-quer-evitar-sancao-do-orcamento>. Acesso em 15/01/2010
FGV DIREITO RIO
67
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Caiado acusa o relator da proposta
orçamentária, deputado Geraldo Magela (PT-DF), de descumprir o acordo
fechado na semana passada que permitiu a aprovação do texto. O parlamentar do DEM quer ajustes no Orçamento de 2010 antes que a proposta seja
enviada ao Executivo. Do contrário, Caiado ameaça solicitar ao DEM para
que ingresse com pedido de cassação do mandato do petista por quebra de
decoro parlamentar.”Ao prevalecer o não cumprimento do acordo, a disposição é essa. O que estamos pedindo é que toda e qualquer emenda de investimento feita pelo relator seja cancelada e redistribuída aos Estados, isso não
traz prejuízo a ninguém. Não pode prevalecer interesses políticos ao acordo
entre o relator e um parlamentar”, afirmou Caiado. O líder afirma que Magela encaminhou ofício para a Comissão Mista de Orçamento determinando
que, para a redação final da proposta orçamentária, fossem canceladas as
emendas de investimento reservadas para as cidades que vão receber a Copa
do Mundo de 2014 — que totalizam R$ 1,2 bilhão. Caiado sustenta que a
intenção de Magela é favorecer a base eleitoral governista em ano eleitoral.
Segundo o líder, pelo acordo firmado na sessão plenária que aprovou o Orçamento, deveriam ser canceladas todas as emendas de investimentos assinadas
pelo relator. Os recursos, de acordo com o deputado, seriam redistribuídos
proporcionalmente para as 27 bancadas. “Ele já recuou da primeira posição parcialmente, acredito que deve prevalecer o bom senso para retomar o
que foi acordado em plenário. As exceções estão colocadas e o restante será
redistribuído para as bancadas nos Estados. Não vão ficar de acordo com o
interesse pessoal do relator”, afirmou Caiado. No ofício, o líder afirma que
o relator agiu com “abuso de suas prerrogativas ao decidir transferir para as
emendas de bancada tão somente aquelas relativas aos investimentos necessários para a realização da Copa de 2014 no Brasil”. Caiado disse que Magela
deixou de lado os recursos das demais emendas, “os quais pelo teor do acordo
construído também deveriam ser alocados”. O petista não foi localizado para
comentar as declarações de Caiado.
O quadro abaixo apresenta resumo do que foi até aqui exposto quanto aos
prazos de envio das leis orçamentárias pelo Poder Executivo e devolução pelo
Poder Legislativo:
FGV DIREITO RIO
68
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Projeto
de lei
(1)
Prazo de envio pelo Poder Executivo
ao Poder Legislativo
(1.1)
Termo final
(1.2) Se não
cumprido o
prazo
31 de
Agosto
PPA
LDO
“encaminhado até quatro
meses antes do
encerramento
do primeiro
exercício financeiro”
(2.1)
Termo final
Crime de responsabilidade
“devolvido para
sanção até o
encerramento
da sessão legislativa”
15 de
Abril
17 de
Julho
“encaminhado
até oito meses
e meio antes do
encerramento
do exercício
financeiro”
“devolvido para
sanção até o
encerramento
do primeiro período da sessão
legislativa”
Crime de responsabilidade
“encaminhado até quatro
meses antes do
encerramento
do exercício
financeiro”
Crime de responsabilidade
e será considerada como
“proposta a Lei
de Orçamento
vigente”
22 de dezembro
“devolvido para
sanção até o
encerramento
da sessão legislativa”
Fundamento
normativo
(2.2) Se não
cumprido o
prazo
22 de
Dezembro
31 de
Agosto
LOA
(2)
Prazo de devolução pelo Poder
Legislativo ao Poder Executivo
Sem previsão
Sessão legislativa não se
interrompe
Sem previsão
expressa.
Na prática a matéria vem sendo
disciplinada na
LDO, todos os
anos.
(1.1 e 2.1) artigo
35, §2°, I, do
ADCT
(1.2) artigo 84,
XXIII, caput do
artigo 165 e
artigo 166, §6°,
c/c art. 10, 1,
da Lei 1.079/50
ou Decreto-lei
201/67
(1.1 e 2.1) artigo
35, §2°, II, do
ADCT
(1.2) artigo 84,
XXIII, caput do
artigo 165 e
artigo 166, §6°,
c/c art. 10, 1, da
Lei 1.079/50
(2.2) artigo 57,
§2°, da CR-88,
(1.1 e 2.1) artigo
35, §2°, IIi, do
ADCT
(1.2) artigo 84,
XXIII, caput do
artigo 165 e
artigo 166, §6°,
c/c art. 10, 1,
da Lei 1.079/50
ou Decretolei 201/67 c/c
Art. 32 da Lei
4.320/64
(2.2) artigo
72 da Lei
11.514/2007
(LDO para 2008)
FGV DIREITO RIO
69
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
3.3 OS PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS
Os princípios, ao lado das regras, consubstanciam normas jurídicas, os
quais, a despeito de seu alto grau de abstração e generalidade, direcionam
os diversos sistemas normativos ( Constitucional, Civil, Penal, Tributário,
Financeiro etc. ). O Direito Financeiro, como ramo autônomo do Direito,
também é regido por um conjunto de princípios e regras. A Constituição da
República de 1988 em conjunto com a Lei n° 4.320/64144 estabelecem vários
princípios, os quais se vinculam e formam também um conjunto. Apenas a
título de exemplo estudaremos alguns, vez que o rol não é taxativo, sendo,
pois, numerus apertus:
1. Princípio da Unidade: consiste na proibição de mais de uma lei
orçamentária em cada ente da Federação em dado exercício financeiro, haja vista a unicidade finalística do orçamento. Nesse sentido,
ainda que a CR/88 em seu art. 165,§5º, conforme já destacado,
disponha que a lei orçamentária compreenderá o orçamento fiscal, o orçamento de investimento e o orçamento da Seguridade Social, todas as receitas e despesas, ainda que constantes de três peças
orçamentárias distintas, devem constar de uma única ( unidade )
lei orçamentária, sendo possível, dessa forma, uma visão global e
consolidada do desempenho das finanças públicas do ente federado
como um todo, o que facilita a sua fiscalização e controle. Portanto,
pressupõe e introduz o princípio geral da unidade de caixa ou de
tesouraria, previsto no artigo 56 da Lei n° 4.320/64145, o qual será
objeto de estudo na aula pertinente às receitas públicas.
2. Princípio da Universalidade: O princípio da universalidade prescreve que a Lei orçamentária única (princípio da unidade) deve
incorporar todas as receitas e despesas, ou seja, nenhuma instituição pública do ente federado, compreendendo todas as entradas e
saídas de recursos financeiros, deve ficar de fora do orçamento da
unidade política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Nesse sentido os artigos 3° e 4° da Lei n° 4.320/64 estabelecem que:
“A Lei do Orçamento compreenderá todas as receitas, inclusive as
operações de crédito autorizadas em lei” e “A Lei do Orçamento
compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo
(...)”
3. Princípio do Orçamento bruto: Segundo essa norma-princípio, todas (princípio da universalidade) as receitas e despesas constantes
da lei orçamentária única (princípio da unidade) devem ser consignadas pelos seus valores brutos, qualquer que seja sua natureza ou
o seu destino, isto é, independentemente de sua origem e de qual
será a sua aplicação efetiva. Esse princípio encontra positivado no
144
O artigo 2º consagra expressamente
os princípios orçamentários da “unidade, universalidade e anualidade”
145
Dispões o art. 56, verbis: “O recolhimento de todas as receitas far-se-á
em estrita observância ao princípio
da unidade de tesouraria, vedada
qualquer fragmentação para criação de
caixas especiais.”
FGV DIREITO RIO
70
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
4.
5.
6.
7.
art. 6º, da Lei n° 4.320/64, o qual estabelece: “todas as receitas e
despesas devem constar de lei orçamentária e de créditos adicionais
pelos valores brutos, vedadas as deduções”.
Princípio da Exclusividade: está contemplado no art. 165, §8º, da
Carta de 1988, e prescreve que a lei orçamentária deve conter apenas matéria de direito financeiro e orçametária, permitindo, a título
de exceção, a abertura de créditos suplementares, a serem estudados
na próxima aula, e a contratação de operações de crédito, ainda que
por antecipação de receitas, matérias a serem apresentadas na Aula
6. Não cabe, portanto, as denominadas caudas orçamentárias, assim
intituladas pelas inúmeras tentativas de se incluir nos orçamentos
matérias não relacionadas às questões exclusivamente orçamentárias
(art. 165, §8º).
Princípio da Especificação ( discriminação, especialização ): consiste na proibição de dotações globais e genéricas, impondo, com
isso, que a lei orçamentária discrimine a despesa por elementos.
Tal princípio encontra-se positivado nos artigos 5º e 15 da Lei n°
4.320/64. Dessa forma, é possível saber, pormenorizadamente as
origens e as aplicações dos recursos, o que facilita o controle e a
gestão dos recursos públicos e limita a flexibilidade e arbítrio dos
executores do orçamento, em especial o Poder Executivo, responsável pela execução da maior parcela, o que confe maior segurança à
sociedade e ao Poder Legislativo. Há, no entanto, algumas exceções,
como, por exemplo, as reservas de contingência (disciplinada nos
termos do artigo 5º, III, da LRF e nas respectivas leis de diretrizes
orçamentárias) e programas especiais de trabalho ( art. 20, parágrafo único c/c art. 22, IV, da Lei n° 4.320/64).
Princípio da Programação: é um enunciado normativo decorrente do processo natural de planejamento das ações e dos planos de
governo, segundo o qual, a elaboração e a aprovação do orçamento
devem observar o PPA e a LDO.
Princípio do Equilíbrio Orçamentário: Vincula-se ao fato de que
a fixação de despesas deve observar as receitas estimadas, visando
evitar déficit público estrutural146 (despesas maiores do que as receitas). Preceitua Ricardo Lobo Torres147:
“Equilíbrio orçamentário é a equalização de receitas e gastos, harmonia
entre capacidade contributiva e legalidade e entre distribuição de rendas e
desenvolvimento econômico (...). O orçamento não se desequilibra pela falta de dinheiro, mas pelo desencontro entre valores e princípios jurídicos.”
Embora a CR/88 não contemple expressamente o referido princípio,
algumas normas determinam a indispensabilidade do controle de gastos,
146
Veja em nota de rodapé da Aula 2
quanto à possibilidade de utilização
da déficits públicos eventuais, como
política anticíclica em função de conjunturas econômicas recessivas ou de
crise sistêmica.
147
TORRES, Ricado Lobo. Tratado de
Direito Constitucional Financeiro e
Tributário: o orçamento da Constituição. Vol. V. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2007. p. 173-174.
FGV DIREITO RIO
71
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
conforme abaixo explicitado. Quanto à falta de expressa previsão constitucional, Ricardo Lobo Torres148 entende que o princípio do equilíbrio
orçamentário:
“ainda quando inscrito no texto constitucional, é meramente formal,
aberto e destituído de eficácia vinculante: será respeitado pelo legislador
se enquanto o permitir a conjuntura econômica, mas não está sujeito ao
controle jurisdicional. Não pode a Constituição determinar obrigatoriamente o equilíbrio orçamentário, eis que este depende de circunstâncias
econômicas aleatórias.”
O §1º do artigo 7º da Lei n° 4.320/64 determina que “em casos
de déficit, a Lei do Orçamento indicará as fontes de recursos que
o Poder Executivo fica autorizado a utilizar para atender à sua cobertura”. Em complemento, o artigo 98 do mesmo diploma legal
preceitua que “a dívida fundada compreende os compromissos de
exigibilidade superior a doze meses, contraídos para atender”: (1)
“a desequilíbrio orçamentário”; “ou” (2) “a financiamento de obras
e serviços públicos”. Assim, pela lei, o déficit apurado, pela diferença entre as despesas e receitas, exclui as operações de crédito, pois
estas constituem os meios aptos para financiar os déficits orçamentários, consoante o disposto no artigo 98. No entanto, conforme
lecionam José Teixeira Machado149 e Heraldo Costa Reis:
“é bom que se diga que, por princípio, as leis orçamentárias não devem
aprovar orçamentos deficitários. Vale a pena lembrar que um dos meios de
se evitar os déficits é atualizar anualmente as bases de cálculo das receitas
e estabelecer prioridades para os gastos com base em uma programação
trimestral, conforme dispõem os art. 47 e 50 desta Lei”.
Na prática, as leis orçamentárias, que tratam apenas das estimativas
de receitas e da fixação de despesas, têm respeitado aludido princípio, ao prever o total da receita estimada em montante equivalente
à despesa fixada, como é o caso, por exemplo, do artigo 1º da Lei
nº 11.897, de 30 de dezembro de 2008, que dispõe:
“Art. 1o Esta Lei estima a receita da União para o exercício financeiro
de 2009 no montante de R$ 1.660.729.655.083,00 (um trilhão, seiscentos e sessenta bilhões, setecentos e vinte e nove milhões, seiscentos e cinqüenta e cinco mil e oitenta e três reais) e fixa a despesa em igual valor,
compreendendo, nos termos do art. 165, § 5o, da Constituição, e dos arts.
6º, 7º e 55 da Lei no 11.768, de 14 de agosto de 2008, Lei de Diretrizes
Orçamentárias para 2009:
148
Idem. Ibidem. p. 175-176.
149
MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS,
Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada: e a Lei de Responsabilidade
Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM,
2002/2003. p.21.
FGV DIREITO RIO
72
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
I - o Orçamento Fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos,
órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o Orçamento da Seguridade Social, abrangendo todas as entidades
e órgãos a ela vinculados, da Administração Pública Federal direta e indireta, bem como os fundos e fundações, instituídos e mantidos pelo Poder
Público; e
III - o Orçamento de Investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detém a maioria do capital social com direito a voto”
(grifo nosso).
Entretanto, embutido nesses valores encontra-se uma substancial
necessidade de financiamento por meio das denominadas operações de crédito, compreendendo tanto os financiamentos de longo
prazo contratados para obras e investimentos como para a rolagem
da dívida pública mobiliária (dívida pré-existente — o estoque da
dívida) etc., assim como as operações de curto prazo visando recomposição de caixa, e que podem eventualmente se transformar
em passivos de longo prazo, ante a possível carência de outras fontes
de receitas permanentes, o que suscita a constante colocação de títulos e obrigações emitidas pelo Tesouro no mercado para captação
de recursos.
No mesmo sentido do equilíbrio do orçamento, o artigo 4, I, a,
da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece que a lei de diretrizes
orçamentárias, além de atender ao disposto no § 2o do art. 165
da Constituição e outras condições de boa gestão da coisa pública
prescritos em outros dispositivos da LRF, disporá também sobre
“equilíbrio entre receitas e despesas”. O já citado artigo 9º da LRF
complementa o objetivo, ao estender e prever a operacionalização
do princípio do equilíbrio à execução orçamentária, e não apenas
quando do estabelecimento das estimativas, haja vista que:
“se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou
nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos
trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.
Assim, a Lei Complementar 101/2000 estabelece o equilíbrio entre receitas e despesas públicas como princípio fundamental a ser
perseguido também na execução do orçamento, podendo, ainda,
FGV DIREITO RIO
73
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
ser fixada uma meta de superávit (receitas superiores às despesas),
conceito que pode ser adotado levando-se em consideração ou não
os pagamentos com juros. Conforme definição do artigo 2º da Lei
nº 11.897, de 30 de dezembro de 2008, a meta de superávit primário150 para o exercício de 2009 era de aproximadamente R$ 52,31
bilhões (redução de R$ 2,2 bilhões):
“Art. 2o A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária
de 2009 e a execução da respectiva Lei deverão ser compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário, para o setor público consolidado,
equivalente a 3,80% (três inteiros e oitenta centésimos por cento) do
Produto Interno Bruto — PIB sendo 2,20% (dois inteiros e vinte centésimos por cento) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e 0,65%
(sessenta e cinco centésimos por cento) para o Programa de Dispêndios
Globais, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do
Anexo IV desta Lei.
Parágrafo único. Poderá haver compensação entre as metas
estabelecidas para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social
e para o Programa de Dispêndios Globais de que trata o art. 11,
inciso VI, desta Lei.”
8. Princípio da Igualdade: deve o orçamento contemplar a redistribuição de rendas, a economicidade, o desenvolvimento econômico
sustentável, a legalidade e a impessoalidade. No dizer de Ricardo
Lobo Torres151: “o princípio da igualdade tem aspectos de rara dificuldade no plano orçamentário: conduz às ‘escolhas trágicas’, pois
as opções de despesa se fundam sobretudo no desigual tratamento
dos desiguais”.
9. Princípio da Publicidade: princípio basilar da Administração Pública que impõe ao administrador o dever de tornar público a lei
orçamentária, o que ocorre por meio de sua publicação em órgão de
imprensa oficial (art. 37 caput da CR-88).
10. Princípio da Clareza: estabelece que o orçamento deve ser expresso
de forma clara e objetiva a fim de que todos possam entender o seu
conteúdo.
11. Princípio da Uniformidade (da consistência): significa que orçamento, em razão de seu caráter formal, deve conservar uma estrutura uniforme.
12. Princípio da Não-afetação das Receitas (não-vinculação de receitas ): As vinculações, em regra, reduzem o grau de liberdade do
gestor e engessa o planejamento. O princípio está positivado no
150
O superávit primário consiste na diferença entre as receitas e as despesas
do governo, excluídos os encargos da
dívida, isto é, dinheiro que o governo
economiza para pagar juros da dívida
pública. O montante é fixado na LDO
em termos percentuais do Produto Interno Bruto.
151
Idem. Ibidem. p. 186-187.
FGV DIREITO RIO
74
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
13.
14.
15.
16.
17.
art. 167, inciso IV, da CR/88 e aplica-se somente aos impostos,
espécie do gênero tributo, o qual compreende, ainda, as taxas, as
contribuições, especiais, de melhoria, de iluminação pública e os
empréstimos compulsórios, exações afetadas aos fins que lhe deram fundamento. A regra-princípio veda a vinculação da receita
de impostos órgão, fundo ou despesa da Administração Pública,
havendo, no entanto, diversas exceções a serem examinadas na aula
pertinente às receitas públicas.
Princípio Participativo: aplicado, em regra, no âmbito dos Entes
municipais, sendo condição sine qua non para legitimar as leis orçamentárias, a realização de debates, audiências e consultas públicas
sobre as suas propostas, conforme de depreende do art. 44, da Lei
10.257/2001 ( Estatuto das Cidades ).
Legalidade: Princípio fundamental do Estado de Direito, em que
o Poder Público se subordina e vincula às regras que expede, informa toda a atividade da Administração Pública. Quanto aos orçamentos, o artigo 166 suscita a aprovação parlamentar e, em relação
ao orçamento anual, conforme já destacado, preceitua que toda e
qualquer despesa pública deve estar qualitativa e quantitativamente
especificada em lei formal, sob pena de absoluta nulidade, nos termos do artigo 167, I e II, da CR-88.
Princípio da Anualidade Orçamentária ou Periodicidade: Segundo este princípio, ainda hoje vigente, a teor do artigo 165, III, e
§5º, da CR-88, conforme já apresentado na Aula 2, o Orçamento
deve ser elaborado para ser realizado no período de um ano152, o
qual, no Brasil, coincide com o ano civil, conforme já salientado153.
Dessa forma, é princípio que expressa o controle do Parlamento
sobre os demais Poderes relativamente ao Orçamento, ao prever a
necessidade de renovação da autorização legislativa anualmente. A
periodicidade pode coincidir ou não com o ano civil, como é o caso
brasileiro. Na Itália e na Suécia, por exemplo, o exercício financeiro
começa em 01/07 e termina em 30/06. Na Inglaterra, no Japão e na
Alemanha o exercício financeiro vai de 01/4 a 31/03. Nos Estados
Unidos começa em 01/10, prolongando-se até 30/09.
Anterioridade Orçamentária154: prevê que o orçamento deve ser
aprovado antes do início do exercício financeiro ao qual se aplica.
Nos termos já salientados, a LDO tem disciplinado a hipótese de
não aprovação antes do início do exercício financeiro, como é o
caso da LDO para o exercício de 2010, Lei n° 12.017/2009, que
fixa disciplina em seu artigo 68.
Princípio da Transparência: Segundo o professor Ricardo Lobo
Torres155:
152
São exceções a essa regra, nos termos a serem estudados na próxima
aula, os créditos especiais e extraordinários autorizados nos últimos quatro
meses do exercício, os quais, reabertos
nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício
subsequente.
153
O artigo 34 da Lei n° 4320/1964
prevê: “O exercício financeiro coincidirá
com o ano civil”.
154
O princípio Anualidade Tributária
não mais se aplica no Brasil, conforme
já estudado, e o princípio da Anterioridade Tributária (clássica e nonagesimal) por sua vez, por se consubstanciar
mais uma importante limitação constitucional ao Poder de Tributar será
estudado de forma detalhada quando
do exame dessas limitações.
155
FGV DIREITO RIO
75
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
“A transparência fiscal é um princípio constitucional implícito. Sinaliza no sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames da clareza, abertura e simplicidade. Dirige-se assim
ao Estado como à Sociedade, tanto aos organismos financeiros supranacionais quanto às entidades não-governamentais. Baliza e modula a
problemática da elaboração do orçamento e da sua gestão responsável,
da criação de normas antielisivas, da abertura do sigilo bancário e do
combate à corrupção.”
18. Princípio da Melhor Estimativa ou da Exatidão possível: As estimativas devem ser tão exatas quanto possíveis, de forma a garantir
à peça orçamentária razoável grau de consistência e utilidade, isto
é, a fim de que possa ser utilizada como instrumento de programação, gestão e fiscalização. Têm sido apontados os artigos 7º e 16 do
Decreto-lei nº 200/67 como fundamento.
19. Economicidade: Segundo o princípio estampado no caput do artigo 70 da CR-88, o orçamento deve prever a máxima satisfação das
necessidades públicas com a aplicação do menor montante de receita possível, isto é, refere-se à otimização na utilização dos recursos
públicos.
QUESTIONÁRIO
1) Qual a relação entre o planejamento para a realização das Políticas
Públicas e os orçamentos?
2) O que é o Ciclo Orçamentário e quais são as suas fases?
3) O que deve ocorrer se durante a execução orçamentária se o Poder
Executivo verificar que as receitas efetivamente arrecadadas não serão suficientes para cobrir as despesas programadas?
QUESTÕES DE CONCURSO
1) Dentre as proposições abaixo algumas são verdadeiras e outras são falsas:
I. A Constituição Federal prevê três planejamentos orçamentários: I
— o plano plurianual; II — as diretrizes orçamentárias; e III- o
orçamento anual.
II. O plano plurianual deve ser estabelecido em lei complementar.
Constitui mera orientação que deve ser respeitada pelo Executivo
na execução dos orçamentos anuais e pelo Legislativo, na feitura das
leis orçamentárias.
FGV DIREITO RIO
76
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
III. A lei de diretrizes orçamentárias tem natureza formal. Não cria direitos subjetivos para terceiros nem tem eficácia fora da relação entre os Poderes do Estado.
IV. A lei orçamentária compreenderá o orçamento de investimento e
o custeio das empresas em que a União, direta ou indiretamente,
detenha a maioria do capital social com direito a voto.
Das proposições acima:
a) ( ) Há duas assertivas verdadeiras.
b) ( ) Apenas uma assertiva é verdadeira.
c) ( ) Há três assertivas verdadeiras.
d) ( ) Todas as assertivas são verdadeiras.
(PGR — Procurador da República — 2006)
2) A lei orçamentária anual, de acordo com previsão constitucional, deverá conter:
a) o plano plurianual
b) as diretrizes orçamentárias
c) o orçamento fiscal, de investimento e da seguridade social relativos
à União, órgãos e entidades da área.
d) o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e orçamentos fiscal,
de investimento e da seguridade social da União e das entidades
afins.
e) o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais
(PGFN — Procurador da Fazenda Nacional — 1998.)
3) Com base na Constituição Federal de 1988, o princípio orçamentário
que consiste na não-inserção de matéria estranha à previsão da receita é o:
a) princípio da não-efetação das receitas.
b) princípio da discriminação.
c) princípio da clareza.
d) princípio da exclusividade.
e) princípio da unidade.
(MPU — Ministério Público da União -técnico em orçamento — 2004)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
CYSNE, Rubens Penha. O Orçamento Público: o caso norte-americano. Conjuntura Econômica. Janeiro 2008. Vol. 62. nº 01. Fundação Getúlio Vargas.
DALLARI, Adilson Abreu. Lei Orçamentária: processo legislativo. Revista de
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FGV DIREITO RIO
78
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 4 – OS CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS E ADICIONAIS
Após a apresentação das principais questões relacionadas à vigência das leis
orçamentárias, bem como da elaboração, iniciativa, apreciação, votação e sanção dos seus projetos, cumpre agora examinar os denominados Créditos Orçamentários e Adicionais em sua interação com a Despesa e o orçamento público,
elementos necessários para o estudo da Execução Orçamentária que, ao lado do
Controle, formam os grandes tópicos do já referido Ciclo Orçamentário.
Conforme já enfatizado na Aula 2, são vedados156 o início de programas
ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual bem como a realização de
despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Nessa mesma linha, complementa o artigo 165, §8° da
CR-88, no sentido de que a “lei orçamentária anual não conterá dispositivo
estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de
operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.”
Preliminarmente, entretanto, cumpre explicitar a inter-relação entre esses
créditos e as despesas, bem como definir alguns conceitos que permitam traçar as diferenças entre os denominados: (1) créditos orçamentários; (2) créditos
adicionais, que podem ser suplementares, especiais ou extraordinários; e (3) as
operações de crédito — tendo em vista que todos possuem a palavra crédito
inserida nas respectivas expressões, o que pode ocasionar dúvidas quanto ao
âmbito de aplicação de cada qual.
As chamadas operações de crédito, as quais podem, também, ser realizadas
por antecipação de receita, serão examinadas nas aulas referentes ao Financiamento dos Gastos, à Dívida Pública e às Operações de Crédito, e bem assim
das Receitas Públicas, especificamente quando analisadas aquelas de Capital,
haja vista que, pela classificação legal157, as operações de crédito correspondem
a ingressos públicos e, ao mesmo tempo, à constituição da dívida pública.
Nesse sentido, a operação de crédito se vincula à Receita Pública, por ser uma
das formas de financiar o gasto público, assim como ao denominado Crédito
Público, o qual, por sua vez, constitui a Dívida Pública.
Em sentido diverso, os créditos orçamentários e adicionais dizem respeito
às autorizações parlamentares que visam à realização de despesas, o que revela
a equivocidade da palavra utilizada nas supra mencionadas expressões. De
fato, conforme apontado no Dicionário De Plácido e Silva 158, crédito é derivado do latim creditum e possui uma “ampla significação econômica e um
estreito sentido jurídico”, a saber:
“Crédito. Em sua acepção econômica significa confiança que uma pessoa
deposita em outra, a quem entrega coisa sua, para que, em futuro, receba dela
coisa equivalente. (...)
156
Art. 167 da CR-88. Nesse sentido, é
crime ordenar despesa não autorizada
por lei a teor do artigo 359-D do Código
Penal.
157
Apesar das controvérsias doutrinárias, que serão explicitadas no momento próprio, dispõe o artigo 3º da Lei n°
4320/64 que:“A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as
de operações de crédito autorizadas em
lei”. Nesse passo complementa o artigo
11, §2°, que: “São Receitas de Capital as
provenientes da realização de recursos
financeiros oriundos da constituição de
dívidas; (...).” Na mesma linha, define
o artigo 29, III, da LRF: “operação de
crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de
crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento
antecipado de valores provenientes
da venda a termo de bens e serviços,
arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o
uso de derivativos financeiros”. O artigo
12, §2°, da LRF, dispositivo inserido no
Capítulo III — Da Receita Pública, estabelece que “§ 2o O montante previsto
para as receitas de operações de crédito
não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de
lei orçamentária.” Este último dispositivo foi impugnado pela ADI 2238.
158
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002. Forense. Rio
de Janeiro, 2002. p. 230.
FGV DIREITO RIO
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Crédito. Juridicamente, significa o direito que tem a pessoa de exigir de
outra o cumprimento da obrigação contraída. Neste sentido, no entanto, tem-se
o vocábulo em acepção mais ampliada, pois que abrange as obrigações de dar,
fazer ou não fazer. Mas, em Direito ainda possui sentido mais restrito, desde
que pode indicar o direito de cobrar uma dívida ativa, como pode significar o
próprio título dessa dívida. (...)
Crédito. Na técnica da escrituração mercantil, compreende o lançamento
de haver feito em qualquer conta de uma escrita comercial ou a soma líquida
(resultado balanceado) anotada no haver da mesma conta. Nesse último sentido
crédito significa o montante da própria dívida ou de haver registrado. (...)
Crédito. Na terminologia do Direito Administrativo, assim se diz para as
somas consignadas nos orçamentos (verbas orçamentárias), destinadas a fazerem
face às despesas públicas. Por essa forma, crédito, no sentido do Direito Administrativo, é indicado pela verba regularmente autorizada, dentro da qual, e sob títulos ou consignações próprias, se pagam as despesas empenhadas. (grifo nosso)
Destaque-se que a nomenclatura verba, utilizada no Dicionário para definir o conceito de crédito no âmbito Administrativo, expressão, foi abolida
da Lei n° 4.320/64, que passou a adotar, conforme pontuam José Teixeira
Machado159 e Heraldo Costa Reis:
mais apropriadamente, dotação e créditos orçamentários (art. 90). Na verdade, podemos notar uma vacilação de conceito entre os termos: dotação, crédito
orçamentário e verba. Como a última está sendo eliminada, ou já o foi, da terminologia orçamentária brasileira, fixemo-nos das duas primeiras.
Dotação deve ser a medida, ou quantificação monetária do recurso aportado
a um programa, atividade, projeto, categoria econômica ou objeto de despesa.
Este é o seu sentido. Apenas a prática, com sua capacidade de simplificação,
toma o conteúdo (dotação igual a quantidade de recurso financeiro) pelo continente: programa, atividade, projeto, categoria econômica ou objeto de despesa.
O crédito orçamentário seria, então, a autorização através da lei de orçamento
ou de créditos, adicionais, para a execução de programa, projeto ou atividade ou
para o desembolso de quantia aportada a objeto de despesa, vinculado a uma categoria econômica, e, pois, a um programa. Assim, o crédito orçamentário seria portador de uma dotação e esta o limite autorizado, quantificado monetariamente.
Nessa linha de pensamento, em que pese o §5º do artigo 100 da CR-88
continuar a utilizar a expressão verba ao disciplinar os precatórios, a dotação é o limite do crédito conferido em lei aos executores do orçamento para
que os mesmos realizem as despesas previamente especificadas e quantificadas monetariamente. O crédito pode ser previsto: (1) na lei do orçamento,
hipótese em que se qualifica como crédito orçamentário160, já que consig-
159
MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS,
Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada: e a Lei de Responsabilidade
Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM,
2002/2003. p.21.
160
O Manual de Despesa Nacional,
aprovado pela Portaria Conjunta n° 3,
de 14 de Outubro de 2008, do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da
Fazenda e da Secretária de Orçamento
Federal do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, disponibilizado
no endereço eletrônico http://www.
tesouro.fazenda.gov.br, qualifica como
crédito orçamentário inicial “aquele
aprovado pela lei orçamentária anual,
constante dos orçamentos fiscal, da seguridade social e de investimentos das
empresas estatais”.
FGV DIREITO RIO
80
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
nado desde o início na própria LOA; ou, ainda, (2) na norma que autoriza o crédito adicional (suplementar, especial ou extraordinário) durante a
execução do orçamento, nos casos em que os gastos a que se vinculam não
tenham sido previstos ou foram insuficientemente dotados na lei orçamentária, considerando, ainda, a possibilidade de haver recursos disponíveis
sem vinculação à dotação específica. A última hipótese pode ocorrer: (2.1)
em razão de imprecisões ou erros de planejamento, ou (2.2) em função da
ocorrência de fatos supervenientes imprevisíveis e urgentes ou de desempenho da arrecadação acima do esperado. Os créditos especiais e suplementares
podem, também, com prévia e específica autorização legislativa, nos termos
do artigo 166, §8° da CR-88, ser os instrumentos utilizados para alocar
os recursos que ficaram sem despesas correspondentes em decorrência de
veto, emenda ou rejeição parcial do projeto de lei orçamentária anual, isto
é, se a despesa inicialmente prevista no projeto sofreu redução ou supressão. Essa hipótese pode ocorrer se, após a aprovação da LOA, ocorreram
sobras em relação à dotação inicialmente consignada, por força de veto do
Chefe do Poder Executivo, por emenda parlamentar ou rejeição parcial do
projeto de lei que atribuía determinada dotação para despesa específica.
Esse montante, agora sem destino, pode ser utilizado por meio de créditos
suplementares e especiais.
O crédito suplementar, como o próprio nome revela, reforça e supre a
dotação de despesas já previstas no orçamento, as quais, entretanto, ao
longo do exercício financeiro, revelam-se insuficientemente dotadas financeiramente. Já os créditos especiais visam atender as despesas não previstas
na LOA, mas que durante a execução do orçamento, mostram-se necessárias, razão pela qual se impõe a abertura de crédito novo, especial, com dotação específica a autorizar a despesa que surge. Os créditos suplementares
e especiais, consoante o disposto no artigo 42 da Lei n° 4.320/64, “serão
autorizados por lei e abertos por decreto executivo”, ou seja, o dispositivo diferencia o ato legislativo de autorização do ato administrativo que
o integra para a produção de efeitos concretos. Por fim, os extraordinários
visam a suprir as despesas imprevisíveis e urgentes que ocorram durante o
exercício financeiro. Relativamente à abertura do crédito extraordinário,
duas observações devem ser feitas: a primeira, conforme será analisado
detidamente a seguir, que a Constituição faculta a abertura de crédito
extraordinário por meio de Medida Provisória, e, a segunda, que nos interessa no momento, refere-se ao fato de que o Supremo Tribunal Federal
tem jurisprudência firme no sentido de que as regras básicas de processo
legislativo previstas na Constituição Federal servem de modelo obrigatório
a ser seguido pelas Constituições Estaduais, conforme se infere do seguinte
trecho da ADI 822.161
161
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. ADI 822. Julgamento em 05.04.1996. Disponível em: <
http://www.stf.gov.br >. Pesquisa
realizada em 26.05.2008.
FGV DIREITO RIO
81
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Assim, se a Constituição faculta a abertura de crédito por meio de Medida
Provisória (artigo 167, §3°), mas o Estado não possui aludida espécie normativa162, é permitida a sua abertura por Decreto, no entanto, sob condição
de ulterior ratificação legislativa pelas Assembléia Legislativa Estaduais, em
cumprimento ao princípio da simetria. Nesses termos, dispõe o artigo 44 da
Lei n° 4.320/64 que “os créditos extraordinários serão abertos por decreto do
Poder Executivo, que deles dará imediato conhecimento ao Poder Legislativo”. Saliente-se que o termo conhecimento utilizado no dispositivo deve ser
interpretado não apenas como simples anuência, mas sim como pedido formal de autorização ratificadora superveniente e vinculativa.163 Nessa direção
aponta Afonso Gomes Aguiar:164
“Ocorre porém, que os Créditos Extraordinários, por serem créditos adicionais,
alteram o Orçamento Anual que, sendo uma lei, só pode sofrer alterações por força
de autorização legislativa, isto é, por força de outra lei. Para pôr em harmonia a
urgência no atendimento das despesas que devem ser socorridas por essa espécie de
crédito adicional e a exigência do art. 2°, do Decreto-Lei n° 4.657/42 — Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro o legislador encontrou a saída disposta na verba
da lei em questão. Destarte, o Chefe do Poder Executivo, ao abrir um crédito Extraordinário, através de Decreto, deverá encaminhar, de imediato, o texto do seu ato
ao Poder Legislativo que, após examiná-lo, se for o caso, o aprovará, acontecendo,
assim, posteriormente, a necessária autorização legislativa que, na espécie, o Poder
Legislativo se externa através de Resolução, com força de lei.” (grifo nosso)
O elemento comum às aludidas modalidades de crédito é o objetivo de
possibilitar a geração165 e realização de despesas, o que pressupõe autorização
legislativa em qualquer caso, ou seja, os créditos orçamentários e os adicionais
corporificam, na norma que os autoriza, especifica e limita em termos monetários, por meio da dotação, a permissão do povo166 para que o governante
possa gastar os recursos públicos, ainda que sejam distintas: (1) a forma como
a abertura do crédito é autorizada e realizada, e bem assim, (2) o momento em
que essas autorizações legislativas são efetivadas, podendo ser prévia ou não.
162
O Supremo Tribunal Federal já
firmou jurisprudência no sentido da
possibilidade e facultatividade de os
Estados-membros adotarem medidas
provisórias, assim como os Municípios.
Nesse sentido, ADI 425, cuja parte relevante da ementa estabelece: “1. Podem
os Estados-membros editar medidas
provisórias em face do princípio da
simetria, obedecidas as regras básicas
do processo legislativo no âmbito da
União (CF, artigo 62). 2. Constitui forma
de restrição não prevista no vigente sistema constitucional pátrio (CF, § 1º do
artigo 25) qualquer limitação imposta
às unidades federadas para a edição
de medidas provisórias. Legitimidade
e facultatividade de sua adoção pelos
Estados-membros, a exemplo da União
Federal. (...)”. BRASIL. Poder Judiciário.
Supremo Tribunal Federal. ADI 425.
Julgamento em 04.09.2002. Disponível
em: < http://www.stf.gov.br >. Pesquisa realizada em 27.05.2008.
163
Problemas de ordem prática podem surgir se a realização da despesa
já foi efetivada quando ocorrer a não
aprovação legislativa ou, ainda, se o
Poder Judiciário suspender ou declarar
inconstitucional o ato que permitiu
a abertura do crédito extraordinário.
Cabe, então, a indagação sobre o que
ocorrerá com os créditos já repassados e empenhados pelos respectivos
órgãos se o Poder Legislativo rejeitar a
autorização para abertura do crédito ou
o Judiciário considerá-lo incompatível
com a ordem jurídica? No julgamento
da medida cautelar na ADI 4048, a qual
será adiante analisada, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da
Medida Provisória 405/07, convertida
na Lei n 11.658/08, mas, conforme informado nas “Notícias STF”, de quarta
feira, 14 de maio de 2008, “A decisão
vale a partir de hoje, não atingindo os
créditos já repassados e empenhados
pelos órgãos”. BRASIL. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. ADI
4048. Julgamento da cautelar em
14.05.2008. Disponível em: < http://
www.stf.gov.br >. Pesquisa realizada
em 16.05.2008.
164
AGUIAR, Afonso Gomes. Direito
Financeiro. Lei 4.230. Comentada ao
Alcance de todos. 3a edição. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2005. p. 307.
165
A Seção I, do Capítulo IV — Da
Despesa Pública, da Lei Complementar
n° 101/2000 (LRF), é intitulado “Da
Geração de Despesa” e compreende os
artigos 15 a 24 da LRF.
166
Dispõe o artigo 1°, III, da CR-88 “Todo
o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”.
FGV DIREITO RIO
82
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Em suma, a LOA fixa os gastos167, determinando as despesas qualitativa
e quantitativamente, por meio de dotações específicas, consignadas nas respectivas rubricas orçamentárias a serem detalhadas no quadro de detalhamento das despesas168 de cada unidade orçamentária, sendo classificadas sob
diversos critérios, mas sempre visando à realização dos projetos e programas
previamente determinados pelo legislador, compatibilizados com as diretrizes, objetivos, metas e prioridades expressos na lei de diretrizes e no plano
plurianual, os quais norteiam a ação governamental. Na hipótese de não estar
prevista na LOA ou, se prevista, não for dotada suficientemente para atender
determinado gasto a ser realizado durante o exercício financeiro, somente por
meio dos créditos adicionais será possível a sua realização. Um outro exemplo
pode facilitar a compreensão da questão: imaginemos, hipoteticamente, que
em relação à estimativa do orçamento ocorra excesso de arrecadação durante
a execução orçamentária de determinado exercício financeiro. Enquanto não
houver a abertura de crédito adicional, suplementar ou especial, os recursos
arrecadados acima do previsto, ainda não utilizados para dotar determinada
despesa específica, por meio do ato próprio, não poderão ser gastos! Nesses
termos, sob o ponto de vista da autorização, os créditos dizem-se orçamentários ou adicionais, a requerer, nas duas hipóteses, autorização parlamentar, a
qual, como visto, pode ser prévia ou não.
Os créditos orçamentários são disciplinados nos §§ 4° e 5° do artigo 5° da
LRF, dispositivos que determinam ser vedado consignar, na lei orçamentária,
crédito com finalidade imprecisa169 ou com dotação ilimitada, em sintonia
com o disposto no artigo 167, VII, da CR-88, bem como dotação para investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja
previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, sob pena
crime de responsabilidade, conforme disposto no § 1° do art. 167 da Constituição. Nesse sentido, o artigo 10, IX, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de
1992, estabelece que constitui ato de improbidade administrativa ordenar ou
permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento. A
menção deste (o regulamento) se restringe às hipóteses em que há delegação
legislativa constitucionalmente autorizada, como é o caso do crédito suplementar, que será analisado a seguir. Destaque-se ainda que o artigo 359-D,
do Código Penal, dispositivo incluído pela Lei nº 10.028/2000, tipifica como
crime “Ordenar despesa não autorizada por lei”, submetendo o ordenador da
despesa que comete o ilícito à pena de reclusão de 1(um) a 4(quatro) anos.
Cabe mencionar, ainda, que o artigo 42 da LRF veda, ao titular de Poder,
assim qualificado pelo artigo 20 da Lei Complementar, como aquele do Executivo, Legislativo, neste incluído os Tribunais de Contas, Judiciário e do
Ministério Público, “nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro
dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja
167
Nos termos do artigo 38 da Lei n°
4320/64: “Reverte à dotação a importância de despesa anulada no exercício,
quando a anulação ocorrer após o encerramento do mesmo considerar-se-á
receita do ano em que se efetivar.”
168
O chamado QDD (quadro de detalhamento de despesas) especifica os
projetos e atividades por elementos de
despesa a cargo da unidade orçamentária, conforme previsto no artigo 17 do
Decreto n° 93.872/1986. A abertura ou
reabertura de crédito adicional importa
automática modificação do QDD.
169
Saliente-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal considera “adequada com
a lei orçamentária anual” (1) “a despesa
objeto de dotação específica e suficiente”, “ou” (2) que esteja abrangida por
crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no
programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para
o exercício”. Nesse termos, a LRF veda
o crédito com “finalidade imprecisa” ou
“com dotação ilimitada”, mas permite o
crédito genérico.
FGV DIREITO RIO
83
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.” O descumprimento desta
determinação é tipificado como crime pelo artigo 359-C do Código Penal,
dispositivo incluído pela Lei nº 10.028/2000.
Nos termos já enfatizados, a abertura de crédito suplementar e especial somente são compatíveis com a Carta Magna, consoante o disposto no artigo
167, inciso V, e 62, §1º, I, d, da CR-88, caso haja autorização legislativa anterior170 e com a “indicação dos recursos correspondentes”, isto é, se ocorreu
erro, descuido ou imprecisão no planejamento (o que ocasiona a existência
de dotação inferior ao necessário) a ensejar crédito suplementar, ou omissão
quanto à despesa que se revele necessária durante a execução orçamentária,
a suscitar crédito especial, ou, ainda, na hipótese de existirem recursos em
excesso, acima do previsto, tendo em vista o desempenho positivo da arrecadação relativamente ao previsto no orçamento, em qualquer dos casos, é
constitucionalmente vedada a abertura de crédito (1)“sem prévia autorização
legislativa” e (2) “sem indicação dos recursos correspondentes”. Repise-se,
entretanto, que a autorização parlamentar ao crédito suplementar, mas não
ao especial, pode ser efetivada diretamente na lei orçamentária anual — consubstanciando-se, assim, em delegação legislativa a priori, a teor do já citado
artigo 165, §8° da CR-88-. Com efeito, tal dispositivo consagra o princípio
geral da exclusividade171, assim como as suas exceções. Relativamente à indicação dos recursos disponíveis, cumpre destacar que são seis os recursos
possíveis para cobrir a abertura de crédito suplementar e especial, desde que
já não estejam comprometidos, sendo os mesmos disciplinados no artigo 43,
§1°, I, II e III, da Lei n° 4.320/64, artigo 91 do Decreto-lei n 200/67 e no
artigo 166, §8° da CR-88, nos seguintes termos:
1) o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício
anterior, assim entendido como a diferença positiva entre o ativo e
o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos dos créditos
adicionais transferidos e as operações de credito a eles vinculadas,
conforme apurado no balanço patrimonial (artigo 43, §1°, I, da Lei
n° 4.320/64);
2) os provenientes de excesso de arrecadação, assim entendida para esse
fim o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês entre a arrecadação prevista e a realizada, considerando-se, ainda, a tendência
do exercício, observada a necessidade de deduzir a importância dos
créditos extraordinários abertos no exercício para o fim de apurar os
recursos utilizáveis provenientes de excesso de arrecadação; (artigo
43, §1°, II, da Lei n° 4.320/64);
3) os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei (artigo 43, §1°,
III, da Lei n° 4.320/64);
170
Por esse motivo, exigência de autorização parlamentar prévia, os Partidos de
oposição ajuizaram no Supremo Tribunal
Federal (STF), conforme noticiado no site
da Suprema Corte, “uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 4179) contra
os artigos 1º e 4º da Medida Provisória
452/08. A intenção dos autores — o Democratas, o Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) e o Partido Popular Socialista (PPS) — é impedir o Tesouro de
emitir títulos da dívida pública mobiliária
federal a serem empregados no Fundo
Soberano do Brasil (FSB). Os três partidos
argumentam, na ADI, que a Constituição
Federal proíbe o presidente da República
de editar MP sobre créditos suplementares ou especiais (artigo 167, V) e restringe
os extraordinários aos casos urgentes.
Além disso, defendem que o repasse ao
Fundo deve ser previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e feito por meio do Orçamento federal, e não por MP, uma vez
que o artigo 62 veda edição de MPs para
créditos suplementares. De fato, a lei de
criação do Fundo (11.887/08), aprovada
pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República, prevê que os recursos
do Tesouro serão repassados caso sejam
“consignados no orçamento anual, inclusive aqueles decorrentes da emissão de
títulos da dívida pública” (artigo 4º). Ela,
inclusive, prevê que as fontes e recursos
que o formarão serão provenientes das
dotações do orçamento anual (aprovado
pelo Congresso), ações de sociedades de
economia mista federais e resultados de
aplicações financeiras.”
171
O princípio da exclusividade, estampado no artigo 165, §8° da CR-88,
prescreve que a lei orçamentária deve
conter apenas a previsão da receita e
a fixação da despesa. Tendo em vista
não se tratar de matéria estranha à lei
orçamentária, ele permite a abertura
de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que
por antecipação de receitas. A autorização legislativa na LOA é usualmente
fixada em percentuais da dotação,
podendo haver outros limites e parâmetro, como é o caso da delegação
legislativa constante no artigo 4° da Lei
n° 11.647/2008, a LOA da União para o
exercício de 2008, conforme já salientado, dispositivo cujo caput estabelece:
“Art. 4o Fica autorizada a abertura de
créditos suplementares, restritos aos
valores constantes desta Lei, observado
o disposto no parágrafo único do art. 8o
da Lei de Responsabilidade Fiscal e na
Lei de Diretrizes Orçamentárias para
2008, desde que as alterações promovidas na programação orçamentária
sejam compatíveis com a obtenção da
meta de resultado primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da Lei
de Diretrizes Orçamentárias para 2008,
respeitados os limites e condições estabelecidos neste artigo, para suplementação de dotações consignadas:”
FGV DIREITO RIO
84
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
4) o produto de operações de crédito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realizá-las (artigo 43, §1°,
IV, da Lei n° 4.320/64);
5) da reserva de contingência, prevista no artigo 91, do Decreto-lei
n° 200/67, regra que determina que o orçamento incluirá verba
global para constituição de um Fundo de Reserva Orçamentária,
destinando-se os recursos a despesas correntes quando se evidenciar
deficiências nas respectivas dotações e se fizer indispensável atender
a encargo legal ou a necessidade imperiosa do serviço;
6) os já citados recursos que em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas
correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante
créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa (artigo 166, §8°, da CR-88).
Por sua vez, a abertura de crédito extraordinário, consoante o disposto no
artigo 167, §3° da CR-88, somente será admitida para atender às despesas
imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou
calamidade pública, observado o disposto no art. 62. Ou seja, o parâmetro
constitucional, que permite a abertura do crédito extraordinário, espécie de
crédito adicional, por meio de Medida Provisória (MP), conforme já salientado, restringe-se aos casos em que há relevância e urgência. Assim, a criação
de crédito extraordinário por MP possui três requisitos necessários e cumulativos, haja vista que a causa de sua abertura, o fato subjacente a ensejar a
medida temporária, tem que ser (1) urgente, (2) relevante e (3) imprevisível,
configurando-se essa imprevisibilidade à época da elaboração do orçamento. De fato, o artigo 62, § 1º, I, d, da CR-88, dispositivo incluído pela Emenda Constitucional nº32, de 2001, estatui ser vedada a edição de medida provisória sobre matéria relativa a “planos plurianuais, diretrizes orçamentárias,
orçamento e créditos adicionais e suplementares,” excepcionada a hipótese
do crédito extraordinário, nos termos do citado art. 167, § 3º. Saliente-se
que, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 do artigo 62, as medidas provisórias, ainda que relevantes e urgentes, “perderão eficácia, desde a edição, se não
forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos
do §7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes”. Nesses
termos, repise-se que a requerida autorização legislativa para a abertura de
crédito extraordinário ocorre posteriormente e não previamente, como é a
regra geral dos demais créditos adicionais, o suplementar e o especial.172 Cabe
ressaltar, entretanto, que se a causa a ensejar a edição da Medida Provisória
não for, realmente, (1) urgente, (2) relevante e (3) imprevisível pode o Poder
Judiciário considerar inválida a autorização, como foi o caso da decisão em
172
Destaque-se que, em 16/4/2008, a
Comissão Especial, destinada a proferir
parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 511-A, de 2006, do Senado
Federal, que “altera o art. 62 da Constituição Federal para disciplinar a edição
de medidas provisórias”, estabelecendo
que a Medida Provisória só terá força de
lei depois de aprovada a sua admissibilidade pelo Congresso Nacional, sendo
o início da apreciação alternado entre
a Câmara e o Senado (PEC51106)”,
aprovou o Parecer do relator, por unanimidade. A PEC modifica a redação dos
artigos 62 e 167 da CR-88, o que afeta
diretamente a matéria orçamentária
ora sob exame. Os dispositivos, com a
redação proposta na PEC, estão assim
redigido: “Art. 62.(...) § 1º (...), I — (...)
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais, ressalvado o previsto no art. 167,
§§ 3º e 5º”; e “Art. 167. São vedados (...)
§ 3º — A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes
decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública,observado o
disposto no art. 62. (...) § 5º O projeto
de lei de crédito suplementar e especial
que, após decorrido o prazo de setenta
e cinco dias de seu envio pelo Poder
Executivo, não tenha sua votação concluída no Congresso Nacional, poderá
ser objeto de medida provisória, observado o art. 62, com o mesmo conteúdo
do projeto original, cuja tramitação
permanecerá suspensa até deliberação
final da medida provisória. § 6º O prazo
a que se refere o § 5º suspender-se-á
durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.” Assim, nos termos da
redação proposta para o § 3º o elenco
apresentado pela Constituição passa
de exemplificativo para taxativo, o que
restringirá a possibilidade de aplicação
do crédito extraordinário. Por outro
lado, o novel § 5º combinado com o
disposto no artigo 62, § 1º, I, d, estabelece a possibilidade de abertura de
créditos suplementares e especiais por
intermédio de Medida Provisória, caso
“decorrido o prazo de setenta e cinco
dias de seu envio pelo Poder Executivo, não tenha sua votação concluída
no Congresso Nacional”. BRASIL. Poder
Legislativo. Câmara dos Deputados.
PEC nº 511-A, de 2006. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br >. Pesquisa realizada em 27.05.2008.
FGV DIREITO RIO
85
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
medida cautelar na ADI 4048, ainda na hipótese em que já tenha havido a
conversão da MP quando do julgamento, haja vista que “lei de conversão não
convalida os vícios formais porventura existentes na medida provisória, que
poderão ser objeto de análise do Tribunal, no âmbito do controle de constitucionalidade”, conforme jurisprudência firmada no STF nas ADIs n°s 3.090
e 3.100. A leitura da parte inicial e da parte final do voto do relator na ADI
4048 é esclarecedora em relação à matéria:
“MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.048-1 DISTRITO FEDERAL
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Relator): No ato de distribuição do Relatório e apresentação em mesa para o julgamento desta Ação
Direta de Inconstitucionalidade n° 4.048/DF, em 31 de março de 2008, estava
em tramitação a Medida Provisória n° 405/2007, a qual teve sua vigência prorrogada por sessenta dias, a partir de 30 de março, tendo em vista que sua votação
não havia sido encerrada no Congresso Nacional (Ato do presidente da Mesa do
Congresso Nacional n° 7, de 2008). No dia 16 de abril, o Congresso Nacional
aprovou a conversão em lei da referida medida provisória. A promulgação da Lei
n° 11.658, lei de conversão da MP n° 405/2007, ocorreu no dia 18 de abril de
2008, e sua publicação no dia 22 de abril do mesmo ano. É preciso esclarecer,
portanto, que no dia 17 de abril, quando o Tribunal iniciou o julgamento da medida cautelar nesta ADI n° 4.048/DF, ainda não existia formalmente a lei de conversão (não havia sido promulgada nem publicada), mas apenas sua aprovação
pelo Congresso Nacional, fato que não foi comunicado oficialmente nos autos,
tendo sido objeto de considerações tecidas pelo Advogado-Geral da União em sua
sustentação oral. Após os votos dos Ministros Eros Grau, Cármen Lúcia, Carlos
Britto e Marco Aurélio, além do voto por mim proferido na qualidade de Relator, no sentido da concessão da medida cautelar, o julgamento foi suspenso para
esperar os votos dos Ministros Menezes Direito, Ellen Gracie e Celso de Mello,
ausentes na ocasião, justificadamente. No dia 22 de abril, data da publicação da
lei de conversão (Lei n° 11.658/2008), o requerente, Partido da Social Democracia Brasileira — PSDB, aditou o pedido inicial para incluir no objeto desta ação a
referida lei. Argumentou o partido político que não houve qualquer alteração no
texto original da MP n° 405/2007. Eis o teor da Lei n° 11.658/2008:
“Art. 1o Fica aberto crédito extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral e de
diversos órgãos do Poder Executivo, no valor global de R$ 5.455.677.660,00
(cinco bilhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco milhões, seiscentos e setenta e
sete mil, seiscentos e sessenta reais), para atender à programação constante dos
Anexos I e III desta Lei. Art. 2o Os recursos necessários à abertura do crédito
de que trata o art. 1o decorrem de:
FGV DIREITO RIO
86
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
I - superávit financeiro apurado no Balanço Patrimonial da União do exercício de 2006, no valor de R$ 3.995.542.240,00 (três bilhões, novecentos e
noventa e cinco milhões, quinhentos e quarenta e dois mil, duzentos e quarenta reais);
II - excesso de arrecadação no valor de R$ 670.252.213,00 (seiscentos e
setenta milhões, duzentos e cinqüenta e dois mil, duzentos e trezereais);
III - anulação parcial de dotações orçamentárias, no valor de R$
370.837.862,00 (trezentos e setenta milhões, oitocentos e trinta e sete mil,
oitocentos e sessenta e dois reais), conforme indicado no Anexo II desta Lei;
IV - ingresso de operação de crédito relativa ao lançamento de Títulos da
Dívida Agrária, no valor de R$ 417.115.345,00 (quatrocentos e dezessete milhões, cento e quinze mil, trezentos e quarenta e cinco reais); e
V - repasse da União sob a forma de participação no capital de empresas estatais, no valor de R$ 1.930.000,00 (um milhão, novecentos e trinta mil reais).
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Tendo em vista que não houve qualquer alteração substancial no texto original da MP n° 405/2008, não vejo qualquer obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. O Tribunal tem entendido que a lei de conversão não
convalida os vícios existentes na medida provisória, como se pode observar nos
precedentes das ADI n°s 3.090 e 3.100, cujo acórdão está assim ementado:
“EMENTA: Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Medida
Provisória nº 144, de 10 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a comercialização
de energia elétrica, altera as Leis nºs 5.655, de 1971, 8.631, de 1993, 9.074, de
1995, 9.427, de 1996, 9.478, de 1997, 9.648, de 1998, 9.991, de 2000, 10.438, de
2002, e dá outras providências. 2. Medida Provisória convertida na Lei n° 10.848,
de 2004. Questão de ordem quanto à possibilidade de se analisar o alegado vício
formal da medida provisória após a sua conversão em lei. A lei de conversão não
convalida os vícios formais porventura existentes na medida provisória, que poderão ser objeto de análise do Tribunal, no âmbito do controle de constitucionalidade. Questão de ordem rejeitada, por maioria de votos. Vencida a tese de
que a promulgação da lei de conversão prejudica a análise dos eventuais vícios
formais da medida provisória. 3. Prosseguimento do julgamento quanto à análise
das alegações de vícios formais presentes na Medida Provisória n° 144/2003, por
violação ao art. 246 da Constituição: “É vedada a adoção de medida provisória na
regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio
de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda,
inclusive”. Em princípio, a medida provisória impugnada não viola o art. 246 da
Constituição, tendo em vista que a Emenda Constitucional n° 6/95 não promoveu
alteração substancial na disciplina constitucional do setor elétrico, mas restringiu-se,
em razão da revogação do art. 171 da Constituição, a substituir a expressão “empresa
FGV DIREITO RIO
87
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
brasileira de capital nacional” pela expressão “empresa constituída sob as leis brasileiras
e que tenha sua sede e administração no país”, incluída no § 1º do art. 176 da Constituição. Em verdade, a Medida Provisória n° 144/2003 não está destinada a dar
eficácia às modificações introduzidas pela EC n° 6/95, eis que versa sobre a matéria
tratada no art. 175 da Constituição, ou seja, sobre o regime de prestação de serviços
públicos no setor elétrico. Vencida a tese que vislumbrava a afronta ao art. 246 da
Constituição, propugnando pela interpretação conforme a Constituição para afastar a aplicação da medida provisória, assim como da lei de conversão, a qualquer
atividade relacionada à exploração do potencial hidráulico para fins de produção de
energia. 4. Medida cautelar indeferida, por maioria de votos.”
Assim, recebido o pedido de aditamento formulado pelo partido requerente, reformulo a parte dispositiva do voto para, deferindo o pedido de medida
cautelar, suspender a vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação,
ocorrida em 22 de abril de 2008.
(...)
Como se pode constatar, pela leitura atenta da exposição de motivos da MP
n° 405/2007, os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que
não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. É bem verdade
que, em alguns casos, é possível identificar situações específicas caracterizadas
pela relevância dos temas. São os casos, por exemplo, dos créditos destinados à
redução dos riscos de introdução da gripe aviária e de outras doenças exóticas
na cadeia avícola brasileira; aqueles destinados às operações de policiamento nas
rodovias federais e de investigação, repressão e combate ao crime organizado e
para evitar a invasão de terras indígenas, assim como para solver a grave situação
dos sistemas penitenciários com superpopulação carcerária; os créditos destinados ao aporte imediato de recursos extras para o pagamento de benefícios
aos agricultores familiares do semi-árido que tiveram perdas na última safra; e,
enfim, os créditos destinados a evitar a ocorrência de crise aérea, para impedir o
risco de acidentes com as aeronaves da Força Aérea Brasileira, assim como para
evitar a suspensão dos serviços de vigilância territorial. Não é possível negar
que, nesses casos, existem fatos relevantes que necessitam, impreterivelmente,
de recursos suficientes para evitar o desencadeamento de uma situação de crise.
É preciso bem observar, porém, que são aportes financeiros destinados à adoção
de mecanismos de prevenção em relação a situações de risco previsíveis. A situação de crise ainda não está configurada, de modo que faltam os elementos da
imprevisibilidade e da urgência para caracterizar a necessidade da abertura do
crédito extraordinário. Assim, por exemplo, se, por um lado, não se pode negar
a relevância da abertura de créditos para a prevenção contra a denominada gripe
aviária, por outro lado pode-se constatar que, nessa hipótese, os recursos são
destinados à prevenção de uma possível calamidade pública ainda não ocorrida.
Não há calamidade pública configurada e oficialmente decretada, mas apenas
FGV DIREITO RIO
88
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
uma situação de risco previamente conhecida. Também as áreas de segurança,
agricultura e aviação civil apresentam problemas que indubitavelmente carecem
do aporte de recursos financeiros com certa urgência, mas todos são decorrentes
de fatos plenamente previsíveis. Nenhuma das hipóteses previstas pela medida
provisória configuram situações de crise imprevisíveis e urgentes, suficientes para
a abertura de créditos extraordinários. Há, aqui, um patente desvirtuamento
dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias
para a abertura de créditos extraordinários. E esse não é um caso raro. Impressiona a quantidade elevada de medidas provisórias editadas, no último ano, pelo
Presidente da República, para abertura de créditos suplementares ou especiais
travestidos de créditos extraordinários. Desde o início do ano de 2007, já se podem contar mais de 20 medidas provisórias destinadas à abertura de créditos de
duvidosa natureza extraordinária (MP n°s 343, 344, 346, 354, 356, 364, 365,
367, 370, 376, 381, 383, 395, 399, 400, 402, 405, 406, 408, 409, 420 e 423).
É papel desta Corte assegurar a força normativa da Constituição e estabelecer
limites aos eventuais excessos legislativos dos demais Poderes. Com essas considerações, voto pela concessão da medida cautelar, para suspender a vigência da
Medida Provisória n° 405, de 18.12.2007.”
O Tribunal173, por maioria (6 votos contra 5), concedeu a liminar, nos
termos do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes (Presidente), vencidos
os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen
Gracie e Menezes Direito.
Essa decisão, além de sua importância em função das razões de decidir — primeiramente, no que se refere à eficácia do controle concentrado sobre as leis de
conversão, confirmando a jurisprudência das citadas ADI n°s 3.090 e 3.100, e bem
assim por ser paradigmática no delineamento dos requisitos necessários à abertura
de créditos extraordinários174, os quais pressupõem, cumulativamente (1) urgência,
(2) relevância e (3) imprevisibilidade — também é emblemática por consolidar a
mudança de posição do STF relativamente ao cabimento do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias pela via da ação direta. De fato, conforme já
apontado anteriormente, a jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal
era no sentido de considerar a lei de efeito concreto como inidônea para o controle
abstrato de normas, razão pela qual considerava, majoritariamente, inadmissível a
ação direta de inconstitucionalidade contra lei orçamentária que destinasse determinada soma pecuniária ou percentagem de receita fixada para finalidade/despesa
específica, posto não serem as normas dotadas de abstração e generalidade. Nesse
sentido, entre outras, deve-se mencionar a ADI 1640, ADI 2057 e ADI 2484. Essa
jurisprudência, conforme acima ressaltado, tem sido mitigada nos últimos anos, em
especial no julgamento da ADI 2.925, que marcou uma nova etapa na posição do
Tribunal, que já havia, é verdade, decidido pela possibilidade do exame do mérito
do controle em outras ocasiões, como na ADI 2108 e ADPF 63. Assim, o juízo
173
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. ADI 4048-MC. Julgamento em 14.05.2008. Disponível em:
< http://www.stf.gov.br >. Pesquisa
realizada em 26.05.2008. Nas “Notícias
do STF”, disponíveis no mesmo sítio, do
dia 14 de Maio de 2008, é apresentado
o seguinte informe: “Supremo suspende lei que abriu créditos extraordinários no orçamento “O chefe do poder
Executivo da União transformou-se em
verdadeiro legislador solitário da República”, disse o ministro Celso de Mello,
ao salientar que, na edição de medidas
provisórias, o presidente da República
deve observar os requisitos constitucionais da urgência e da relevância.” Em
que pese a decisão, no mesmo dia em
que o STF concedeu a liminar na ADI,
o Poder Executivo publicou em Diário
Oficial de edição extra, a Medida Provisória nº 430, de 14 de maio de 2008,
cujos artigo 1° e 2° estabelecem: “Art.
1° Fica aberto, em favor do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão,
crédito extraordinário no valor de R$
7.560.000.000,00 (sete bilhões, quinhentos e sessenta milhões de reais),
para atender à programação constante
do Anexo desta Medida Provisória. Art.
2° Os recursos necessários à abertura
do crédito de que trata o art. 1o decorrem de superávit financeiro apurado
no Balanço Patrimonial da União do
exercício de 2007, relativo a Recursos
Ordinários.”
174
Em novembro de 2008, seguindo a
mesma linha de entendimento, conforme noticiado no site do STF, “O Supremo Tribunal Federal declarou, em
caráter liminar, a inconstitucionalidade
da Medida Provisória 402 (convertida
na Lei 11.656/08), que abriu crédito
extraordinário de R$ 1,65 bilhão no orçamento federal para uso em obras, rodoviárias ou transposição de rios, entre
outros. O argumento da maioria — seis
ministros — é de que os eventos que
justificariam esses gastos não podem
ser considerados imprevisíveis, de calamidade pública e comoção interna”
(ADI 4049).
FGV DIREITO RIO
89
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de admissibilidade da ADI-MC 4048 reafirma a posição do Tribunal no mesmo
sentido da ADI 2.925, a qual possui a seguinte ementa:
No que se refere à vigência dos créditos adicionais, duas regras são aplicáveis: (1) a primeira, no sentido de que os créditos suplementares somente são vigentes no exercício financeiro em que forem abertos, vedada a sua
prorrogação, nos termos do artigo 45 da Lei n º 4.320/64 (“Art. 45. Os
créditos adicionais terão vigência adstrita ao exercício financeiro em que
forem abertos, salvo expressa disposição legal em contrário, quanto aos especiais e extraordinários.”); e (2) aos créditos especiais e extraordinários,
exceções ao princípio da Anualidade Orçamentária, conforme já mencionado na aula passada, aplica-se o disposto no artigo 167, § 2º, da CR-88
que dispõe, in verbis:
§ 2º - Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos
últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus
saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subseqüente.
A aplicabilidade desses dispositivos pode ser melhor explicitada por meio
do gráfico a seguir:
FGV DIREITO RIO
90
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Crédito
1° Jan
Exercício Financeiro 1
Ano 1
Autorização e abertura do crédito
(1) Suplementar
31 Dez
Exercício Financeiro 2
Ano 2
Prorrogação?
31 Dez
(1) Nunca é permitida
31 Ago
(2) Permitida
2) Especial
31 Ago
(3) Permitida
3) Extraordinário
O quadro abaixo consolida o que foi até aqui exposto relativamente às
características e especificidades das três espécies de Créditos Adicionais:
Objetivo
Créditos Suplementares
Créditos Especiais
Créditos Extraordinários
Reforça e supre a dotação de
despesa já prevista no orçamento, a qual, entretanto, ao
longo do exercício financeiro,
revela-se insuficientemente
dotadas
Permitir a realização de programa e despesa não contemplada no orçamento.
Atendimento das despesas
urgentes e imprevisíveis.
Prévia, somente por meio de
lei específica.
(art. 167, V, da CR-88)
Posterior, tendo em vista a
possibilidade de abertura do
crédito por Medida Provisória
ou Decreto Estadual.
(art. 167, §3º, CR-88)
Decreto do Poder Executivo
Medida Provisória ou Decreto
do Executivo
Prévia, em lei especial, ou na
Autoriza- própria LOA que pode delegar
ção Legisla- competência ao Poder Executivo (art. 165, § 8º, e 167, V, da
tiva
CR-88)
Forma de
Abertura
Decreto do Poder Executivo
Indicação
de Recurso
Obrigatória, devendo estar ex- Obrigatória, devendo estar expressa na lei autorizadora e no pressa na lei autorizadora e no
Decreto que efetiva a abertura Decreto que efetiva a abertura
do crédito.
do crédito.
Independe de Indicação
Indicação
de limite
Obrigatória, devendo estar ex- Obrigatória, devendo estar expressa na lei autorizadora e no presso na lei autorizadora e no
Decreto que efetiva a abertura Decreto que efetiva a abertura
do crédito.
do crédito.
Obrigatória, devendo estar
expresso no ato que efetiva
a abertura do crédito (MP ou
Decreto do Executivo).
Vigência
Restrita ao exercício financeiro
e possibiem que foi aberto, sem possilidade de
bilidade de prorrogação.
prorrogação
Em regra no exercício financeiro em que foi aberto, mas
permitida para o exercício
seguinte. na hipótese de
previsão na lei autorizadora e,
também, ter sido autorizado
durante os últimos quatro
meses do exercício financeiro.
Em regra no exercício financeiro em que foi aberto, mas
permitida para o exercício
seguinte. na hipótese de
previsão no ato autorizador e,
ainda, ter sido autorizado durante os últimos quatro meses
do exercício financeiro.
FGV DIREITO RIO
91
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Por fim, cumpre destacar que, visando garantir a autonomia e independência dos Poderes, o artigo 168 da CR-88 estabelecia em sua redação original que os “recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes
Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o
dia 20 de cada mês, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165,
§ 9º”. No mesmo sentido, a Emenda Constitucional nº 45/2004175 alterou a redação do dispositivo, para incluir a Defensoria Pública176 no rol dos
destinatários, bem como para determinar que a entrega será efetivada “em
duodécimos”. Destaque-se que, para os fins dessa entrega de recursos financeiros, fixada constitucionalmente, relativamente à despesa total com pessoal,
o Poder Executivo considerará, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal,
a resultante da aplicação dos percentuais limites definidos na lei, ou aqueles
fixados na lei de diretrizes orçamentárias por Poder e órgão. Conforme será
salientado na próxima aula, a LRF, disciplinando o disposto no artigo 169
da Constituição, estabeleceu limites de despesa total com pessoal, em cada
período de apuração e em cada ente da Federação, em relação aos percentuais
da receita corrente líquida. Assim, quando do repasse dos recursos mensais
aos demais Poderes e à Defensoria Pública, o Poder Executivo deve observar
os limites de despesa com pessoal de que tratam os artigos 169 da CR-88
combinado com os artigos 18 a 20 da LRF.
QUESTIONÁRIO
1) O que são os créditos orçamentários?
2) Qual a diferença entre créditos orçamentários (iniciais) e adicionais?
3) Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quais são as
limitações para a abertura de créditos extraordinários por meio de
Medida Provisória?
QUESTÕES DE CONCURSO
1) Quando, no decorrer da execução orçamentária, uma dotação se revela insuficiente, o Poder Executivo lança mão da abertura de:
a) Créditos especiais ou suplementares, por meio de decreto-lei.
b) Crédito especial, após aprovação legal.
c) Crédito extraordinário, por lei.
d) Créditos suplementar, após autorização legislativa.
e) Crédito extraordinário, por decreto.
(AGU — Advogado da União — 1994)
175
Dispõe a atual redação da CR-88
que “recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos
os créditos suplementares e especiais,
destinados aos órgãos dos Poderes
Legislativo e Judiciário, do Ministério
Público e da Defensoria Pública, serlhes-ão entregues até o dia 20 de cada
mês, em duodécimos, na forma da lei
complementar a que se refere o art.
165, § 9º”.
176
Nos termos do § 2º do artigo 134
da CR-88, com as sua redação conferida pela Emenda Constitucional
nº 45/2004, “Às Defensorias Públicas
Estaduais são asseguradas autonomia
funcional e administrativa e a iniciativa
de sua proposta orçamentária dentro
dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao
disposto no art. 99, § 2º”.
FGV DIREITO RIO
92
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
AGUIAR, Afonso Gomes. Direito Financeiro. Lei 4.230. Comentada ao
Alcance de todos. 3a edição. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2005.
MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
IBAM, 2002/2003.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense.
Rio de Janeiro, 2002.
FGV DIREITO RIO
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 5 – A DESPESA PÚBLICA, A EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO E A
RESPONSABILIDADE FISCAL.
Após o estudo dos aspectos mais relevantes dos orçamentos e dos créditos orçamentários iniciais e adicionais, requisitos essenciais à realização das
despesas públicas, impõe-se agora examinar este componente da atividade
financeira do Estado de forma individualizada, assim como alguns mecanismos para o seu controle. Antes, porém, importante salientar que a interação da Despesa com a Receita Pública pode ser analisada em dois planos
distintos: o primeiro, no momento da elaboração do orçamento anual, e, o
segundo, quando da execução orçamentária. Nos termos já exaustivamente
enfatizados, as Receitas Públicas cogentes ou não, ao contrário da Despesa,
não tem como requisito necessário, desde a edição da Emenda Constitucional nº 1/69, prévia autorização orçamentária para a sua realização, isto é, o
exercício da competência tributária e a arrecadação das demais receitas não
dependem de autorização legislativa anual. A Despesa, em sentido oposto,
conforme já repetidamente salientado na aula anterior, pressupõe autorização legislativa177 (prévia178 ou não), renovada anualmente, a qual fixe, monetariamente, o limite de crédito conferido aos executores do orçamento,
por meio da denominada dotação orçamentária. A definição da despesa e
do montante de gastos, portanto, decorrem de uma decisão política, a qual,
considerando diversos fatores de natureza econômica, social, cultural e histórica, delineia as funções e determina o modelo de atuação estatal. De fato,
a despesa pública é o instrumento de que se vale o Poder Público moderno
para realizar os serviços públicos tendentes a satisfazer as necessidades coletivas, fixadas pelo processo político como finalidades do Estado (ex: saúde,
segurança, educação etc). Corresponde à aplicação de certa quantia em dinheiro por parte da autoridade ou agente público competente179.
Salienta Kiyoshi Harada180, entretanto, que:
ainda sobrevivem alguns processos de funcionamento de serviços públicos, sem despesa pública, na área de prestação de serviços esporádicos: presidentes e membros de mesas receptoras e apuradoras de eleições; membros do
Conselho Penitenciário; júri; outras funções gratuitas existem, compensadas
com as honrarias mediante atribuição, por lei, de nota de ‘relevante serviço
público prestado’. É certo, porém, que a gratuidade da função é exceção,
restrita a algumas esferas onde não se exigem a assiduidade, a regularidade e
a continuidade do serviço público (para quem presta o serviço), dado o seu
caráter temporário.
Ressalvadas essas exceções, importante frisar que a realização da despesa
requer, em regra, a adoção de diversos outros procedimentos, além da aquies-
177
O artigo 167 da CR-88 estabelece
que: “São vedados: I — o início de
programas ou projetos não incluídos na
lei orçamentária anual; II — a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos
orçamentários ou adicionais; (...)”, ao
passo que o §8°, do art. 165, determina
que a lei orçamentária anual (LOA) fixa
as despesas.
178
A antecedência, conforme já estudado, é dispensada na hipótese de edição
de Medida Provisória ou de Decreto
para a abertura de créditos extraordinários.
179
BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução
à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 73.
180
HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p.20.
FGV DIREITO RIO
94
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
cência parlamentar, tais como a licitação, o empenho, a liquidação até que
ocorra o efetivo pagamento. Ainda, nos mesmos termos da receita, a despesa
comporta variadas classificações, dependendo do interesse envolvido. Destaca-se entre elas a classificação legal com base em fundamento econômico que
as subdivide em despesas correntes e de capital. O Manual de Despesa Nacional, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008,
do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária
de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, disponibilizada no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.
br, fixa importante classificação da despesa quanto à dependência da execução orçamentária (Despesa resultante da execução orçamentária — aquela que
depende de autorização orçamentária para acontecer. Exemplo: despesa com
salário, despesa com serviço, etc.e Despesa independente da execução orçamentária — aquela que independe de autorização orçamentária para acontecer.
Exemplo: constituição de provisão, despesa com depreciação, etc.), conforme
será examinado adiante. Importante mencionar, ainda, a relevância da já citada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a qual, ao lado da lei de licitações
públicas, visa o controle e a transparência dos gastos públicos.
Preliminarmente, entretanto, cumpre salientar que Fabio Giambiagi e
Ana Cláudia Além181, analisando os dados indicativos das despesas desde
o final do século XIX, em uma perspectiva de longo prazo concluem
que:
(...) a crescente complexidade dos sistemas econômicos no mundo como
um todo tem levado a um aumento da atuação do governo, que tem se refletido no aumento da participação dos gastos do setor público ao longo
do tempo. A percentagem dos gastos públicos sobre o PIB passou de uma
média internacional, no grupo de países mais desenvolvidos do mundo, de
cerca de 11% no final do século XIX, para algo em torno de 46% em 1996.
(grifo nosso)
Os economistas apontam em geral razões de ordens distintas para a atuação estatal, as denominadas “determinantes das despesas públicas”:182 as
falhas de mercado, envolvendo a existência de bens públicos, caracterizados pela impossibilidade de exclusão do seu consumo e por ser “não-rival”,
isto é, “o consumo por parte de um indivíduo ou de um grupo social não
prejudica o consumo do mesmo bem pelos demais integrantes da sociedade”183, bem como as externalidades, o poder de mercado, e as informações
assimétricas.
Independentemente da teoria econômica que lhe dê sustentação, o que
se verifica no Brasil, bem como nos países mais ricos do mundo ocidental, é o crescimento ou o elevado volume de despesas governamentais
181
GIAMBIAGI e ALÉM. Op. Cit. p. 10.
182
REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006.
p.27-41.
183
GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática
no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2008. p. 4.
FGV DIREITO RIO
95
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), conforme os dados a seguir
apresentados.
O resultado das despesas da União, em relação ao PIB, foi produzido a
partir dos dados da Secretaria do Tesouro Nacional relativamente à execução
financeira do Tesouro Nacional, disponível no sítio http://www.tesouro.fazenda.gov.br
União (R$ milhões)
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Despesas realizadas
252.632
283.751
338.010
367.665
417.310
504.208
589.002
645.843
% do PIB
21,42%
21,79%
22,87%
21,63%
21,49%
23,48%
25,25%
25,24%
% crescimento — ano
anterior
11,88%
12,32%
19,12%
8,77%
13,50%
20,82%
16,82%
9,65%
A elevada participação da despesa pública no “GDP” nominal (Gross
Domestic Product) também é verificada no âmbito da OCDE, conforme
dados do OECD Economic Outlook (http://www.oecd.org/eco/sources-andmethods).
FGV DIREITO RIO
96
..
42,9
52,9
31,8
20,0
37,7
54,9
53,2
53,3
..
Ireland
Italy
Japan
Korea
Luxembourg
Netherlands
New Zealand
Norway
50,4
40,9
Euro area
Total OECD
41,3
49,3
37,8
38,3
42,4
50,5
38,5
33,6
45,6
71,1
44,3
..
45,4
..
55,7
49,4
55,7
40,0
55,4
32,6
22,0
44,9
44,3
59,7
43,8
47,3
52,0
57,5
62,2
..
53,1
53,6
53,3
37,8
42,9
52,2
38,0
34,5
45,7
72,4
45,8
..
49,0
..
55,7
45,7
54,6
39,8
56,4
34,3
21,6
44,7
46,6
59,3
43,6
48,3
54,9
60,6
64,8
..
55,9
54,6
52,2
38,2
42,2
51,0
37,0
34,6
45,0
70,3
44,0
54,5
46,7
..
53,5
42,9
53,7
38,9
53,5
35,6
21,0
44,0
44,8
62,8
43,4
47,9
54,2
60,4
63,9
..
55,5
52,4
49,7
38,2
42,2
50,6
37,0
34,4
44,5
67,1
43,1
48,0
44,4
47,7
51,6
42,0
50,9
39,7
52,5
36,5
20,8
41,2
45,8
55,3
42,7
48,3
54,4
59,5
61,5
54,0
56,0
51,9
48,5
37,2
41,8
50,7
36,5
35,0
42,7
64,9
44,0
52,9
43,2
51,0
49,4
41,0
48,5
41,1
52,5
36,8
21,7
39,2
44,1
52,1
42,2
49,3
54,5
59,1
60,1
42,4
55,5
52,2
46,6
36,3
40,6
49,4
35,4
35,2
41,2
62,6
42,9
48,3
41,6
46,4
47,5
41,7
46,9
40,6
50,2
35,7
22,4
36,7
45,0
50,0
40,7
48,3
54,1
57,1
56,2
43,2
53,0
51,0
44,3
35,2
40,2
48,5
34,7
35,6
40,0
60,4
42,2
45,5
41,1
44,3
46,7
41,4
49,2
41,0
49,3
37,1
24,7
34,5
44,4
51,5
41,3
48,1
52,7
56,8
52,6
43,1
53,5
50,2
44,8
34,8
39,9
48,1
34,3
34,2
39,4
60,0
43,2
47,3
39,9
42,7
46,0
41,0
47,7
39,2
48,2
38,6
23,9
34,1
44,4
48,6
42,0
48,2
52,6
55,8
51,5
42,2
53,1
50,1
42,7
35,2
39,1
46,2
34,2
33,4
37,1
57,1
43,1
50,5
39,1
41,1
44,2
39,6
42,3
37,6
46,1
39,1
23,9
31,5
46,7
46,5
41,9
45,1
51,6
53,9
48,3
41,7
51,5
49,0
41,1
36,0
40,1
47,3
35,3
34,1
40,4
56,7
44,4
44,3
38,6
43,8
45,4
38,5
44,2
38,1
48,0
38,5
25,0
33,3
45,3
47,2
42,6
47,5
51,6
54,5
47,8
44,2
50,8
49,1
42,0
35,4
40,7
47,6
36,3
35,4
41,4
58,1
44,3
44,8
38,9
44,2
46,2
38,4
47,1
41,5
47,4
38,8
24,8
33,6
44,8
51,2
44,3
48,0
52,6
54,9
48,8
46,2
50,7
49,9
41,2
34,6
41,2
48,1
36,8
36,4
42,8
58,3
45,5
40,5
38,4
44,6
47,1
38,8
48,3
41,9
48,3
38,4
30,9
33,4
45,0
49,1
45,6
48,4
53,3
55,3
50,0
47,1
51,1
51,2
41,1
35,2
40,6
47,6
36,4
35,9
43,2
56,9
46,5
38,0
38,9
42,6
46,1
38,9
45,6
42,5
47,8
37,0
28,1
33,8
45,4
48,8
44,0
47,3
53,3
55,1
50,3
44,7
50,3
49,3
39,9
34,8
40,8
47,5
36,7
34,9
44,6
56,6
47,7
38,4
38,5
43,3
45,2
40,5
42,3
41,8
48,3
38,2
28,9
34,2
43,2
49,9
42,3
47,0
53,7
52,8
50,5
44,5
49,9
49,3
39,2
34,0
40,6
47,1
36,7
34,3
44,7
55,6
46,4
37,7
38,6
43,8
46,1
41,4
40,8
39,0
50,1
36,6
30,5
34,1
42,3
51,9
41,8
45,4
53,3
51,2
48,7
43,1
49,3
48,4
39,3
34,0
40,6
46,4
37,4
34,0
44,6
53,8
45,9
36,5
38,8
43,2
45,7
42,3
41,0
37,8
48,4
36,5
31,7
34,7
43,2
51,0
43,1
44,3
53,0
50,7
48,1
43,3
48,2
48,3
38,6
Note: Data refer to the general government sector, which is a consolidation of accounts for the central, state and local governments plus social security. Total outlays
are defined as current outlays plus capital outlays. One-off revenues from the sale of mobile telephone licenses are recorded as negative capital outlays for countries
listed in the note to Annex Table 27. Some other important one-offs have been accounted for prior to 2000 and are reported in OECD Economic Outlook Sources
and Methods (http://www.oecd.org/eco/sources-and-methods).
1. These data include outlays net of operating surpluses of public enterprises.
37,1
United States1
31,5
43,6
62,7
61,3
29,7
41,9
Sweden
43,2
..
44,3
38,4
54,0
31,6
20,9
44,5
41,8
55,8
42,9
40,3
..
42,8
Switzerland
United Kingdom
Portugal
Slovak Republic
Spain
Poland
54,9
50,3
54,5
44,9
..
41,5
Greece
Hungary
Iceland
46,1
49,4
43,6
France
50,6
..
56,5
56,7
55,9
48,0
..
37,7
52,4
53,3
52,3
Germany
Denmark
Finland
Czech Republic
35,7
51,5
52,2
48,8
Austria
Belgium
Canada
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Austrália
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Source: OECD Economic Outlook 82 database.
Annex Table 25. General government total outlays- Per cent of nominal GDP
FGV DIREITO RIO
97
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Antes da apresentação das diversas classificações da despesa pública orçamentária, proceder-se-á a explicitação das diversas etapas necessárias à sua efetivação.
5.1 AS DIVERSAS ETAPAS PARA A REALIZAÇÃO DA DESPESA ORÇAMENTÁRIA
A realização da despesa orçamentária perpassa e se estende, em termos
gerais, pelas seguintes fases: (1) planejamento da despesa e a previsão no orçamento ou em créditos adicionais, consignado dotação orçamentária própria;
(2) a realização do procedimento licitatório184 nas hipóteses determinadas em
lei, ressalvados os casos de sua inexigibilidade, dispensa ou inaplicabilidade
(matéria pertinente ao estudo da disciplina dos atos administrativos); (3) o
empenho; (4) a liquidação; (5) o pagamento e o (6) controle e a avaliação.
Assim, considerando o escopo desta disciplina e tendo em vista que a fixação dos créditos orçamentários e adicionais já foi objeto de exame na aula
anterior e o controle e a avaliação das despesas será estudado na Aula 7, serão
analisados, no momento, apenas os três estágios da despesa referidos nos artigo 58 a 70 da Lei n° 4.320/64, na ordem em que os mesmos ocorrem no
mundo real: (1) o empenho; (2) a liquidação e (3) o pagamento.
5.1.1 O empenho da despesa
O empenho consiste na reserva de dotação185 orçamentária para um fim
específico, ou seja, é o “ato emanado de autoridade competente que cria para
o Estado a obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição” (artigo 58 da Lei n° 4.320/64) .
Consoante o disposto no artigo 60 da Lei n° 4.320/64, é vedada a realização de despesa sem prévio empenho, o qual não pode exceder o limite dos
créditos concedidos e as dotações disponíveis.186 Ressalte-se, entretanto, a
possibilidade do empenho ser contemporâneo à realização de despesa, e não
prévio, na hipótese de urgência, conforme previsto no parágrafo único do
artigo 24 do Decreto Federal n° 93.872/86.
Do empenho extrai-se a denominada Nota de Empenho187, a qual indicará o nome do credor, a representação e a importância da despesa, simbolizando, também, o ato que formaliza a dedução do gasto do saldo existente da
respectiva dotação. Ou seja, ao realizar o empenho já é abatido o montante
da despesa da dotação orçamentária própria (prevista no orçamento), tornando-o indisponível à nova utilização. Saliente-se, entretanto, ser possível
o reforço de empenho já realizado, em face de sua eventual insuficiência. Ele
pode ainda ser anulado, total ou parcialmente, hipótese em que o montante
respectivo é revertido à dotação disponível.188 Conforme será analisado abai-
184
O artigo 37, XXI, da CR-88 prevê que:
“ressalvados os casos especificados na
legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante
processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos
os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação
técnica e econômica indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações.
A Lei n° 8.666/93, por sua vez, com fundamento no disposto no citado artigo 37, XXI,
da CR-88, no seu artigo 7°, § 2°, e 14, aplicáveis subsidiariamente também à modalidade de pregão, disciplinada pela Lei
n° 10.520/02, estabelece que as compras,
as obras e os serviços somente poderão
ser licitados quando houver previsão de
recursos orçamentários que assegurem o
pagamento das obrigações decorrentes, a
serem executadas no exercício financeiro,
sob pena de nulidade do ato ou do contrato e de responsabilidade de quem lhe
tiver dado causa. Assim, ressalvadas as
hipóteses de inexigibilidade, de dispensa
ou de sua inaplicabilidade, em face da
natureza do desembolso, tal como as diárias para atender as despesas de viagens
pagas aos seus servidores, a realização da
despesa pressupõe o procedimento licitatório. Estabelece, ainda, a lei das licitações
e contratos, em seu artigo 5°, §§ 1° e 2°,
que o pagamento de correção, sobre os
valores contratados, por critérios previstos
no próprio ato convocatório, visando à
preservação do respectivo valor, será feito
junto com o principal e será efetivado à
conta das mesmas dotações orçamentárias que atenderam aos créditos a
que se referem. A lei determina ainda, no
parágrafo único do artigo 8° que: “É proibido o retardamento imotivado da execução
de obra ou serviço, ou de suas parcelas, se
existente previsão orçamentária para sua
execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem
técnica, justificados em despacho circunstanciado da autoridade a que se refere o
art. 26 desta Lei”. Devem ser observados,
ainda, os artigos 57 e 65, § 8°.
185
Conforme foi examinado na aula passada, a dotação orçamentária é a medida,
valor ou quantificação monetária do recurso aportado no orçamento a determinado
programa, atividade, projeto, categoria
econômica ou objeto de despesa pública,
conforme decidido pelo parlamento.
186
As dotações correspondentes a créditos
contingenciados não podem ser objeto de
empenho, já que não são disponíveis.
187
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
p.93. “Segundo a Súmula 279 do STJ, ‘é
cabível execução por título extrajudicial
contra a Fazenda Pública’. Assim, embora
se processe sob procedimento específico
(arts. 730 e 731 do CPC, e art. 100 da CF),
FGV DIREITO RIO
98
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
xo, a despesa pode ser ou não liquidada e paga no mesmo exercício financeiro
no qual ocorre o empenho a ela relacionado.
A legislação, em casos especiais, pode dispensar a emissão da nota de empenho189 — mas não o empenho em si -, como no caso das despesas de caráter continuado, o que ocorre com as despesas de pessoal, encargos sociais e,
ainda, de sentenças judiciais, juros e encargos da dívida, etc.
Esse estágio da despesa pode ser subdividido em três etapas: (1) a autorização, na qual o ordenador190 manifesta a aquiescência com a despesa, ou seja, é
o ato formal da autoridade competente que permite a realização do gasto, em
função do reconhecimento de dívida, do suprimento de fundo ou da autorização de pagamento; (2) a indicação da modalidade de licitação, sua inaplicabilidade, dispensa ou inexigibilidade; e (3) a emissão da nota de empenho,
ato pelo qual é formalizada a sua realização e comprovada a dedução do
valor da despesa do saldo disponível na dotação orçamentária respectiva, nos
termos já salientados. Considerando, ainda, a adoção do sistema informatizado de administração financeira pela União e diversas unidades federadas
(SIAFI e o SIAFEM), pode-se apontar em algumas circunstâncias, também,
uma fase antecedente ao próprio empenho, momento no qual é extraído um
documento designado de pré-empenho, por meio do qual o gestor público
reserva determinada dotação e registra o compromisso assumido191.
Diversos dispositivos da citada Lei de Responsabilidade Fiscal tratam do
empenho e da sua limitação, tais como: (a) o artigo 4°, o qual estabelece que
lei de diretrizes orçamentárias deve dispor, também, sobre critérios e forma
de limitação de empenho; (b) o já citado artigo 9°, que trata da hipótese da
realização da receita não comportar o cumprimento das metas de resultado
primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, caso em que
os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira; (c) o artigo 42, que veda ao titular de Poder ou órgão
referidos na lei, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair
obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele,
ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito; (d) o artigo 65, que estabelece
a dispensa de limitação de empenho e do atingimento dos resultados fiscais,
no caso de ocorrência de calamidade pública, enquanto perdurar a situação, assim reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas
Assembléias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios. Saliente-se,
ainda, que o empenho e a licitação de serviços, o fornecimento de bens ou
a execução de obras têm como requisito necessário, na hipótese da criação,
expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental, que acarrete aumento
da despesa: (1) a apresentação da estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes; e (2)
admite-se a execução contra a Fazenda
Pública não só quando fundada em título
judicial, mas, também, em título extrajudicial. Dentre outros, tem sido considerados
títulos hábeis à execução contra a Fazenda
Pública a nota de empenho e a autorização de despesas, pois tais declarações
constituem documentos públicos, que
são títulos executivos ex vi do art. 585, II,
do CPC” (grifo nosso). Em nota de rodapé
o autor esclarece: “Assim, considera-se
documento público o ‘produzido por
autoridade, ou em sua presença, com a
respectiva chancela, desde que tenha
competência para tanto’ (STJ, 5.ª T., REsp
599.634/MA, rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima, j. 07.11.2006, DJ 27.11.2006, p.
310), tal como ocorre, por exemplo, com a
Câmara Municipal, que ‘tem competência
para emitir título executivo extrajudicial
em relação aos pagamentos de seus
membros e de seus funcionários’ (STJ, 2.ª
T., REsp 594.874/MA, rel. Min. Castro Meira, j. 06.12.2005, DJ 19.12.2005, p. 322),
contrato de prestação de serviço firmado
com a administração pública (STJ, 1.ª T.,
REsp 487.913/MG, rel. Min. José Delgado,
j. 08.04.2003, DJ 09.06.2003, p. 188). Não
foi considerado documento público, no
entanto, ‘o contrato firmado entre empresa privada e entidade da administração
pública indireta, dotada de personalidade
jurídica de direito privado — sociedade de
economia mista’”.
188
O artigo 28 do Decreto Federal n°
93.872/86 disciplina a hipótese da anulação do empenho em função da redução ou
do cancelamento no exercício financeiro
do compromisso que o ensejou. Já o artigo
35 do mesmo diploma normativo trata
do caso em que a anulação do empenho
decorre da não liquidação da despesa até
o final do exercício, salvo as exceções que
aponta.
189
O Manual de Despesa Nacional (item
6.2.1) reconhece que: “Embora o artigo
61 da Lei nº 4.320/1964 estabeleça a
obrigatoriedade do nome do credor no
documento Nota de Empenho, em alguns
casos, como na Folha de Pagamento,
torna-se impraticável a emissão de um
empenho para cada credor, tendo em vista
o número excessivo de credores (servidores). Caso não seja necessária a impressão
do documento “Nota de Empenho”, o
empenho ficará arquivado em banco de
dados, em tela com formatação própria e
modelo oficial, a ser elaborado por cada
ente da federação em atendimento às suas
peculiaridades. Ressalta-se que o artigo 60
da Lei nº 4.320/1964 veda a realização da
despesa sem prévio empenho. Entretanto,
o § 1º do referido artigo estabelece que,
em casos especiais, pode ser dispensada
a emissão do documento “nota de empenho”. Ou seja, o empenho, propriamente
dito, é indispensável.”
190
Em geral, são competentes para autorizar as despesas nas respectivas esferas
de governo: o Presidente, o Governador
FGV DIREITO RIO
99
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de declaração do ordenador da despesa no sentido de que o aumento tem
adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias
(artigo da 16 LRF). Também se submete à limitação de empenho o ente da
Federação que possuir dívida consolidada maior do que o respectivo limite
nos termos fixados na Resolução n° 40/2001 do Senado Federal e no artigo
31 da LRF, matéria que será estudada na aula pertinente ao Crédito e a Dívida Pública.
Em suma, efetivado o empenho da despesa, por meio do qual é reservado
e deduzido o montante necessário da dotação orçamentária, é assumida a
obrigação por parte do Estado.
5.1.1 A liquidação
Realizada a entrega do bem, ou prestado o serviço pelo contratado, processa-se a denominada liquidação, aqui qualificada como a segunda etapa da
realização da despesa, a qual consiste na verificação do direito adquirido, ou
não, pelo credor junto ao Estado, tendo por base os títulos e os documentos
comprobatórios do respectivo crédito. Ou seja, é a etapa em que a autoridade
pública deve comparar o que foi contratado e o que foi efetivamente entregue ou realizado, o que pode tornar líquido e certo o direito do credor em
face da Fazenda Pública. A regular liquidação é fase necessária à realização do
pagamento da despesa, nos termos artigo 62 da Lei n° 4.320/64, e que possui
diversos elementos de aferição, tais como: o contrato, o ajuste ou acordo respectivo, a nota de empenho, os comprovantes da entrega de material ou da
prestação efetiva do serviço, isto é, os títulos e documentos comprobatórios
dos respectivos créditos. Cabe mencionar, entretanto, que o cumprimento
dos requisitos de natureza formal não é suficiente à comprovação do direito
do credor, vez que os princípios da economicidade e da legitimidade, estampados no artigo 70 da CR-88, exigem mais do que a simples verificação
do atendimento formal por parte do contratado. De fato, impõe-se que a
autoridade responsável pela liquidação ateste que o objeto do contrato foi
realizado nos termos da especificação acordada, podendo fazer, se necessário,
a verificação in loco de obra, de prestação de serviço ou mesmo fornecimento
de bens, ou seja, é dever daquele que realiza e afere a liquidação identificar se
houve, ou não, o implemento das condições previamente fixadas, o que determina se o credor realmente faz jus ao pagamento. Nesse sentido apontam
José Teixeira Machado e Heraldo Costa Reis192 sobre a matéria:
Trata-se de verificar o direito do credor ao pagamento, isto é, verificar se o
implemento de condição foi cumprido. Isto se faz com base em títulos e do-
e o Prefeito, as autoridades do Poder
Judiciário, conforme determinado em lei
ou no regimento interno, as autoridades
do Poder Legislativo, nos termos do regimento interno, o Presidente dos Tribunais
e Cortes de Contas; os Ministros de Estado,
os Secretários Estaduais e Municipais, bem
como aqueles que exercem os cargos de
direção e gestão das autarquias, empresas
públicas, de sociedades de economia mista
e de fundações, nos termos da lei, decreto
ou estatuto da sociedade.
191
O Manual de Despesa Nacional (item
6.2.1) recomenda: “constar no instrumento contratual o número da nota
de empenho, visto que representa a
garantia ao credor de que existe crédito
orçamentário disponível e suficiente
para atender a despesa objeto do contrato. Nos casos em que o instrumento de contrato é facultativo, a Lei nº
8.666/1993 admite a possibilidade de
substituí-lo pela nota de empenho de
despesa, hipótese em que o empenho
representa o próprio contrato.
192
MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS,
Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada: e a Lei de Responsabilidade
Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM,
2002/2003. p.149.
FGV DIREITO RIO
100
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
cumentos. Muito bem, mas há um ponto central a considerar: é a verificação
objetiva do cumprimento contratual. O documento é apenas o aspecto formal
da processualística. A fase de liquidação deve comportar a verificação in loco do
cumprimento da obrigação por parte do contratante. Foi a obra, por exemplo,
construída dentro das especificações contratadas? Foi o material entregue dentro
das especificações estabelecidas no edital de concorrência ou de outra forma de
licitação? Foi o serviço executado dentro das especificações? O móvel entregue
corresponde ao pedido? E assim por diante. Trata-se de uma espécie de auditoria
de obras e serviços, a fim de evitar obras e serviços fantasmas. Este aspecto da
liquidação é da mais transcendente importância no caso das subvenções, exatamente para evitar o pagamento de subvenções e auxílios a entidades inexistentes.
O documento de liquidação, portanto, deve refletir uma realidade objetiva.
De fato, seriam reduzidas as chances de desperdício de recursos público,
em função desta fase da realização da despesa, caso fossem sempre atendidos
os requisitos apontados.
5.1.3 O pagamento
Nesse passo chega-se ao pagamento, que é o terceiro estágio da despesa e
consiste na entrega dos valores referentes à dívida líquida e certa ao credor,
mediante a devida quitação, podendo ser efetuado por tesouraria ou pagadoria regularmente instituídos por estabelecimentos bancários credenciados
e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento.193 No mesmo sentido
estabelece o Manual de Despesa Nacional que o “pagamento consiste na entrega de numerário ao credor por meio de cheque nominativo, ordens de
pagamentos ou crédito em conta, e só pode ser efetuado após a regular liquidação da despesa”.
A ordem de pagamento, que pode ser efetivada por meio de ordem bancária194, cheque nominativo ou pelo regime de adiantamento, também denominado de suprimento de fundos ou suprimento individual, é o despacho
exarado pelo ordenador determinando que a despesa seja paga, ato sempre
realizado por meio de documentos processados pela contabilidade.
O pagamento aos credores pode ser efetivado durante a execução orçamentária na qual a despesa foi prevista195 e realizada, mas também pode ocorrer o
encerramento do exercício financeiro com despesas já empenhadas, porém
ainda não pagas.
As despesas empenhadas e não pagas no exercício, intituladas de Restos a
Pagar196, consubstanciam parte da denominada dívida flutuante197 e podem
ser segmentadas em dois grupos, consoante o disposto no artigo 36 da Lei n°
4.320/64:
193
O artigo 74, caput, do Decreto-lei
200/67 prevê que na realização da receita
e da despesa pública, será utilizada a via
bancária. O §2º estabelece que “o pagamento de despesa, obedecidas as normas
que regem a execução orçamentária
(lei nº 4.320, de 17 de março de 1964),
far-se-á mediante ordem bancária ou
cheque nominativo, contabilizado pelo
órgão competente e obrigatòriamente
assinado pelo ordenador da despesa e
pelo encarregado do setor financeiro”. O
§4°, do mesmo dispositivo, entretanto,
ressalva que “em casos excepcionais,
quando houver despesa não atendível
pela via bancária, as autoridades ordenadoras poderão autorizar suprimentos de
fundos, de preferência a agentes afiançados, fazendo-se os lançamentos contábeis necessários e fixando-se prazo para
comprovação dos gastos”. Nesse sentido,
estabelece o artigo 45 do Decreto Federal
n° 93.872/86 que, “excepcionalmente, a
critério do ordenador de despesa e sob
sua inteira responsabilidade, poderá ser
concedido suprimento de fundos a servidor, sempre precedido do empenho
na dotação própria às despesas a realizar,
e que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação”: “para atender
despesas eventuais, inclusive em viagens
e com serviços especiais, que exijam pronto pagamento”; “quando a despesa deva
ser feita em caráter sigiloso, conforme se
classificar em regulamento”; e “para atender despesas de pequeno vulto, assim
entendidas aquelas cujo valor, em cada
caso, não ultrapassar limite estabelecido
em Portaria do Ministro da Fazenda”. De
acordo com o § 5º, ressalvadas as limitações fixadas do § 6º, do mesmo artigo
45, incluído pelo Decreto 6.370/2008, “as
despesas com suprimento de fundos
serão efetivadas por meio do Cartão de
Pagamento do Governo Federal — CPGF”
— o denominado Cartão Corporativo, por
meio do qual é permitido hoje o saque, em
dinheiro, até o limite do cartão. De acordo
com o Portal da Transparência (www.portaldatransparencia.gov.br), criado pela
Presidência da República, as despesas com
cartões corporativos em 2007 totalizaram
cerca de R$ 75,8 milhões, mais que o dobro do montante gasto em 2006. O relator
da Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) dos cartões corporativos, em seu relatório final, apresentado em 03.06.2008,
conforme noticiado no sítio do câmara
(www.camara.gov.br), recomendou ao
Poder Executivo “que seja estabelecido um
limite de saque, com percentual máximo
de 30% do limite do cartão. Também defende que os ministros de Estado voltem
a receber diárias em viagens, em vez de
receberem cartões corporativos, cujo uso
passaria a ser vedado aos ministros. De
acordo com dados do relatório, os saques
representaram 75% do gasto total dos
cartões em 2007. O texto prevê, ainda,
que os extratos dos gastos sigilosos da
Presidência da República sejam divulgados um ano depois do fim do mandato
FGV DIREITO RIO
101
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
(1) aquelas não liquidadas, assim denominadas de “não-processadas”, as
quais darão ensejo aos denominados “Restos a Pagar não-processados”, caracterizados pelo não adimplemento da obrigação assumida pelo credor e/ou o não
reconhecimento pelo poder público do cumprimento das condições acordadas
(a prestação do serviço, a entrega da coisa, etc.) e
(2) as despesas empenhadas e liquidadas, qualificadas como “processadas”, ou
seja, aquelas em que se verifica o cumprimento da obrigação por parte do credor,
as quais serão inscritas ao final do exercício como “Restos a Pagar processados”.
A relevância desta subdivisão está relacionada à necessidade de a Administração realizar a previsão dos recursos a serem destinados ao pagamento durante o exercício, a já mencionada programação financeira de desembolso.198
De fato, considerando que os Restos a Pagar processados passaram por todo o
rito da liquidação devem ter prioridade quando da realização da programação
de desembolso, posto já estar configurado o direito do credor. Cabe salientar,
ainda, que existe a possibilidade de determinada despesa de um exercício
somente ser reconhecida posteriormente, quando já encerrado o ano, não
tendo havido o empenho na época própria. Neste caso, ao contrário dos Restos a Pagar, processados ou não processados, não há empenho no exercício financeiro pertinente, razão pela qual será, no futuro, denominada de “despesa
de exercícios anteriores”. Cabe agora fazer uma breve recapitulação do que foi
apresentado até esse momento, a fim de que se possa avançar na análise dos
Restos a Pagar e das Despesas dos Exercícios Anteriores.
Fixada a despesa no orçamento, esta pode ser empenhada até o limite da
dotação orçamentária correspondente ou dos créditos adicionais, salvo as
limitações de empenho já mencionadas.199 Uma vez realizado o empenho,
pode ocorrer: (1) o reforço de sua dotação, caso demonstre-se insuficiente
à realização da despesa; (2) a anulação200 do empenho durante o exercício,
na hipótese de configurada a desnecessidade do gasto (total) ou o seu excesso (parcial), ou, ainda, caso a despesa não seja liquidada até o final do
exercício, salvo as exceções previstas no artigo 35 do Decreto Federal n°
93.872/86; (3) a liquidação da despesa, caso verificado o implemento de
todas as condições previamente fixadas no ato que estabelece o vínculo jurídico e a obrigação do credor, podendo ocorrer ainda durante o transcurso
do mesmo exercício financeiro o pagamento, ou não; (4) o encerramento do exercício sem que a despesa empenhada tenha sido liquidada. Na
hipótese de ser efetuado o pagamento no próprio exercício financeiro do
empenho e da liquidação não há qualquer impacto para o exercício financeiro subseqüente. Em sentido diverso, a despesa empenhada e não paga no
exercício financeiro, liquidada ou não, será inscrita em Restos a Pagar para
o período seguinte, sendo designada como “processada” caso já liquidada e
“não processada” na hipótese contrária.
do Presidente”. A oposição, por sua vez,
quer proibir os saques em dinheiro com o
cartão corporativo.
194
A Instrução Normativa da Secretaria
do Tesouro Nacional nº 4/98, que dispõe
sobre a consolidação das instruções para
movimentação dos recursos financeiros
da Conta Única do Tesouro Nacional, estabelece que a movimentação de recursos
da Conta Única será efetuada através de
Ordem Bancária — OB, DARF-Eletrônico
— DF, GRPS — Eletrônica, Nota de Sistema — NS ou Nota de Lançamento — NL,
de acordo com as respectivas finalidades.
195
Na LOA ou em créditos adicionais. De
fato, a execução orçamentária coincide
com o exercício financeiro e com o ano
civil, nos termos do já citado artigo 63 da
Lei nº 4.320/64.
196
“Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar
as despesas empenhadas mas não pagas
até o dia 31 de dezembro distinguindo-se
as processadas das não processadas.
Parágrafo único. Os empenhos que sorvem
a conta de créditos com vigência plurienal,
que não tenham sido liquidados, só serão
computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito.”
197
Dispõe a alínea a do § 1º do artigo 115
do Decreto nº 93.872/86 que a dívida flutuante, a qual, ao lado da dívida fundada,
forma a dívida pública, compreende os
compromissos exigíveis, cujo pagamento
independe de autorização orçamentária,
assim compreendidos: “a) os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida; b) os
serviços da dívida; c) os depósitos, inclusive
consignações em folha; d) as operações
de crédito por antecipação de receita; e) o
papel-moeda ou moeda fiduciária.”
198
Dispõe o artigo 9º, § 2º, do Decreto
nº 93.872/86, que “Serão considerados,
na execução da programação financeira de que trata este artigo, os créditos
adicionais, as restituições de receitas e
o ressarcimento em espécie a título de
incentivo ou benefício fiscal e os Restos a
Pagar, além das despesas autorizadas na
Lei de Orçamento anual.” Nesse sentido os
restos a pagar constituem item específico
da programação financeira, devendo o seu
pagamento efetuar-se dentro do limite de
saques fixado.
199
Limita-se o empenho, por exemplo, no
caso de a receita não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou
nominal ou se a dívida consolidada do ente
for maior do que o respectivo limite.
200
Nos termo do Manual de Despesas (item
9.2): “A inscrição de despesa em Restos a
Pagar não-processados é procedida após
a depuração das despesas pela anulação
de empenhos, no exercício financeiro de
sua emissão, ou seja, verificam-se quais
despesas devem ser inscritas em Restos a
Pagar, anulam-se as demais e inscrevemse os Restos a Pagar não-processados do
exercício.”
FGV DIREITO RIO
102
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
A ilustração abaixo sumariza e auxilia a compreensão do que foi até aqui
exposto:
Exercício Financeiro X1
LOA 1
Exercício Financeiro X2
LOA 2 – Restos a Pagar
No Balanço Patrimonial – passivo
financeiro e compõe a dívida flutuante
No Balanço Financeiro - operação
extra-orçamentária (receita e despesa)
Despesa não- em penhada -
Regra Geral
Cancela Resto a
Pagar em 31.12.X2
Inscrição em
Restos a Pagar
31.12.X1
Não pode ser inscrita em Restos a
Pagar – art.359-B do CP
Pago
Paga
Dotação
orçamentária
disponível
Despesa
liquidada
Não-paga
Despesa
empenhada
Nãoliquidada
Empenho
anulado
Resto a Pagar
Processado
Resto a Pagar
Não-processado
Não-pago
É cancelável ?
Cancelado se
não- liquidado
Pago
Liquidado
Não-pago
5 anos de prescrição
(da inscrição em
Restos a Pagar)
Importante salientar que ordenar ou autorizar a inscrição de despesas não
empenhadas em Restos a Pagar consubstancia crime, tipificado no artigo
359-B do Código Penal, submetendo o infrator à pena de detenção de seis
meses a dois anos. Conforme ensina Marcelo Leonardo:201
Neste tipo penal, o objetivo do legislador era transformar em crime o desrespeito ao art. 41 do projeto da LRF que pretendia dar nova disciplina à inscrição
em “Restos a Pagar”. Ocorre que este artigo 41 foi vetado pelo Presidente da
República. Entretanto, o crime subsiste, pois as normas de contabilidade pública
disciplinadoras dos “Restos a Pagar” contidas no artigo 36 da Lei n 4.320/64
continuam em vigor. Restos a Pagar são despesas empenhadas mas não pagas até
31 de dezembro.
No que se refere à possibilidade de cancelamento dos Restos a Pagar não
liquidados no exercício (Exercício financeiro X2), merece destaque a posição
201
LEONARDO, Marcelo. Crimes de
responsabilidade fiscal: crimes contra as finanças públicas; crimes nas
licitações; crimes de responsabilidade
dos prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 26.
FGV DIREITO RIO
103
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
definida no já citado Manual de Despesas Públicas — Minuta para discussão
pública202, quanto:
Para os Restos a Pagar processados, ou seja, aqueles que já passaram pela fase
da liquidação, quando já foi entregue o bem ou mercadoria pelo fornecedor, não
há que se falar em cancelamento do resto a pagar, pois já houve a verificação do
direito adquirido pelo credor, podendo ocorrer somente a baixa da obrigação
pelo pagamento ou prescrição do direito do credor.
Assim, somente o Resto a Pagar não processado no exercício, assim definido como aquele não liquidado, pode ser objeto de cancelamento. Nesse
sentido, se o Resto a Pagar não for liquidado até o final do ano (Exercício
Financeiro 2) o mesmo será cancelado. Importante destacar que “deixar de
ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de Restos
a Pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei” é enquadrado como
crime pelo artigo 359-F do Código Penal.
5.2 AS DIVERSAS CLASSIFICAÇÕES DA DESPESA PÚBLICA
A despesa pública também pode ser examinada sob diversas perspectivas
e classificada por critérios diversos. A execução da despesa orçamentária nem
sempre causa um impacto patrimonial simultâneo, razão pela qual também
se pode falar em enfoque patrimonial distinto do ponto de vista orçamentário da despesa. O Manual de Despesa Nacional estabelece a codificação
das despesas sob variados critérios e contempla, ainda, os conceitos a serem
observados em sua contabilização bem como a correlação da destinação da
receita com a fonte de financiamento da despesa.
No mesmo sentido, serão examinadas neste tópico apenas aquelas mais
relevantes e que sejam importantes para o que será estudado a seguir.
Entre outras, as despesas podem ser classificadas quanto: (1) à sua natureza em face do orçamento; (2) à sua categorização sob o ponto de vista
econômico-orçamentário, geralmente denominada de classificação “por
natureza”; (3) à sua vinculação aos programas e ações governamentais, designada como “programática”; (4) às funções de governo, denominada de
funcional; (5) aos efeitos sobre o patrimônio líquido do ente público; (6)
ao ente federado que efetiva a despesa ou ao qual a entidade responsável
pelo dispêndio está vinculada; e (7) à instituição que a realiza. Saliente-se,
ainda, que a execução da despesa orçamentária nem sempre causa impacto
patrimonial simultâneo, razão pela qual também se pode falar em enfoque
patrimonial distinto do ponto de vista orçamentário da despesa, conforme
disciplina o Manual de Despesa Nacional, aprovado pela Portaria Con-
202
Disponível no sítio http://www.
tesouro.fazenda.gov.br. Acesso em
09/06/2008.
FGV DIREITO RIO
104
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
junta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do Secretário do Tesouro Nacional
do Ministério da Fazenda e da Secretária de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, disponibilizada no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br. O Manual, que deve ser
observados por todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal
e Municípios) estabelece a codificação das despesas sob variados critérios e
contempla, ainda, os conceitos a serem observados em sua contabilização
bem como a correlação da destinação da receita com a fonte de financiamento da despesa.
Impõe-se, nesses termos, o exame individualizado de cada qual, ainda que
de forma breve:
(1) A despesa quanto à sua natureza em face do orçamento subdivide-se
em: (1.1) despesas orçamentárias e (1.2) despesas de caráter extraorçamentário.
(1.1) As despesas orçamentárias são aquelas previstas expressamente
na LOA ou em créditos adicionais e se referem, em regra, àqueles gastos incorridos203 no exercício;
(1.2) As despesas de caráter extra-orçamentário do exercício financeiro são aquelas que não constam expressamente no orçamento inicial e podem ser subdivididas em três grupos204:
a) as saídas de recursos que ingressaram transitoriamente nos
cofres públicos sem que o desembolso suscite a necessidade de autorização orçamentária, como as devoluções dos
designados ingressos extra-orçamentários, assim denominados posto não pertencerem ao órgão público, como é o
caso dos depósitos e cauções — matéria a ser examinada na
aula sobre as receitas públicas;
(b) pagamentos que não necessitam de autorização orçamentária para serem realizados, como aqueles autorizados de
forma genérica na lei orçamentária, na lei de crédito adicional ou lei específica, mas sem a previsão do montante
ou mesmo de sua efetiva realização, como o resgate de
operações de crédito por antecipação de receita205 (ARO),
questão a ser estudada na aula pertinente ao Crédito e a
Dívida Pública;
(c) os denominados Restos a Pagar, já analisados no tópico anterior desta aula e correspondem às despesas incorridas em
determinado exercício e somente paga, em geral, no ano
subseqüente, isto é, são aquelas empenhadas mas não pagas
no próprio exercício em que se realiza o empenho da despesa, constituindo-se em dívida flutuante a ser objeto de
desembolso, em regra, no exercício seguinte.
203
Segundo o Manual de Despesa
Nacional, as Despesas Orçamentárias:
“são aqueles que dependem de autorização legislativa para sua efetivação.
As despesas de caráter orçamentário
necessitam de recurso público para sua
realização e constituem instrumento
para alcançar os fins dos programas
governamentais. È exemplo de despesa
de natureza orçamentária a contratação de serviços de terceiros, pois se faz
necessária a emissão de empenho para
suportar os contratos com prestação de
serviços de terceiros”.
204
O Manual de Despesa apresenta dois
outros grupos, a saber: (1) Recolhimento de Consignações/Retenções — são
recolhimentos de valores anteriormente retidos na folha de salários de
pessoal ou nos pagamentos de serviços
de terceiros; e (2) dos Pagamentos de
Salário-Família, Salário-Maternidade e
Auxílio-Natalidade — os benefícios da
Previdência Social adiantados pelo empregador, por força de lei, têm natureza
extra-orçamentária e, posteriormente,
serão objeto de compensação ou restituição.
205
A ARO visa a suprir insuficiências de
caixa que ocorram durante a execução
orçamentária e devem ser liquidadas
com juros, até o dia dez de dezembro
de cada ano, nos termos do artigo 38
da LRF, razão pela qual a sua efetivação
requer apenas a sua autorização prévia,
sem haver, contudo, a determinação
de sua efetiva realização ou do seu
montante, devendo ser observados,
entretanto, os limites e as condições
estabelecidas na Resolução 43/01 do
Senado, bem como aquelas fixadas na
própria LRF, conforme será examinado
na próxima aula.
FGV DIREITO RIO
105
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
(2) A despesa orçamentária quanto à sua categorização sob o ponto
de vista econômico206, denominada de classificação “por natureza”,
segmenta o gasto em despesa (2.1) corrente e (2.2) de capital:
(2.1) despesas correntes207, que se referem àquelas despesas orçamentárias destinadas ao funcionamento e manutenção dos serviços públicos, prestados direta ou indiretamente pela Administração, e que não geram qualquer aumento do patrimônio
público posto estarem vinculadas às:
(a) despesas de custeio da máquina administrativa208, assim
qualificadas as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras
de conservação e adaptação de bens imóveis, nelas se incluem despesas com pessoal, material etc; ou
(b) transferências correntes, que equivalem às dotações para
despesas, as quais não correspondam contraprestação direta
em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manifestação de outras entidades de direito público ou privado; Nelas se incluem as
subvenções (transferências destinadas a cobrir despesas de
custeio de outras entidades) sociais e econômicas, despesas
com inativos, pensões, transferências intergovernamentais
e os juros da dívida contratada.
(2.2) despesas de capital, que se conecta ao conceito de investimento do setor público, uma vez que constituem gastos para
aquisição ou constituição de bens de capital, que contribuirão
para a produção de novos bens e serviços, gerando apenas uma
mutação patrimonial, pois essa despesa não reduz a situação
líquida do patrimônio. São divididas em (I) Investimentos, (II)
Inversões Financeiras e (III) Transferências de capital de acordo
com o artigo 12, § 4º, § 5º e § 6º, da Lei n° 4.320/64.
(I) Os investimentos são as dotações para o planejamento e a execução de
obras, inclusive aquelas s destinadas à aquisição de imóveis necessários à sua
realização, como, por exemplo, as obras públicas, serviços em regime de programação especial, equipamentos e instalações, material permanente e participação
em constituição ou aumento de capital de empresas que não seja de caráter
comercial ou financeiro.
(II) As inversões financeiras são despesas de capital capazes de produzir renda
para o Estado. São subdivididas em: (a) aquisições de imóveis ou bens de capital
já em utilização; (b) aquisições de títulos representativos do capital de empresas
ou entidades de qualquer espécie; e (c) constituição ou aumento do capital de
empresas que visem objetivos comerciais ou financeiros.
206
A Portaria Interministerial n
163/2001 estabelece que na lei orçamentária a discriminação da despesa,
quanto à sua natureza, será, “(...) no
mínimo, por categoria econômica, grupo de natureza de despesa e modalidade de aplicação”.
207
O artigo 12 da Lei n° 4.320/64
prevê que as despesas correntes se
desdobram em despesas de custeio e
transferências correntes. Elas não enriquecem o patrimônio público, mas são
necessárias à execução dos serviços públicos e à vida do Estado, sendo, assim,
despesas operacionais. Sob o ponto
de vista econômico, não aumentam a
capacidade do Estado prestar serviços
públicos, posto não incrementar o seu
patrimônio.
208
Artigo 12, § 1º, da Lei n° 4.320/64.
FGV DIREITO RIO
106
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
(III) As transferências de capital são as dotações orçamentárias para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado
realizarão, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços.
Essas transferências constituem auxílios ou contribuições, caso derivem diretamente da lei do orçamento ou de lei específica anterior, assim como as dotações
para amortização da dívida pública.
(3) A classificação da despesa orçamentária segundo a estrutura de programa, ação (projeto, atividade ou operação especial) e subtítulo
(localizador do gasto), tem como objetivo identificar a finalidade
do gasto, definindo em que e onde serão alocados os recursos, bem
como viabilizar o gerenciamento interministerial de programas. As
partes “programa” e “ação” desta classificação foram introduzidas
pela Portaria nº 42/99 do então Ministério de Estado do Orçamento e Gestão. A parte “subtítulo” não está prevista na norma geral,
mas sim nas subseqüentes leis de diretrizes orçamentárias. Esta classificação é composta por doze dígitos: 1º ao 4º (programa); 5º ao 8º
(ação); 9º ao 12º (subtítulo). Importante destacar o que o Manual
de Despesas Nacional dispõe sobre essa classificação:
“4.3 ESTRUTURA PROGRAMÁTICA — Toda ação do Governo está estruturada em programas orientados para a realização dos objetivos estratégicos
definidos no Plano Plurianual — PPA para o período de quatro anos. Conforme
estabelecido no artigo 3º da Portaria MOG nº 42/1999, a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios estabelecerão, em atos próprios, suas estruturas
de programas, códigos e identificação, respeitados os conceitos e determinações
nela contidos. Ou seja, todos os entes devem ter seus trabalhos organizados por
programas, mas cada um estabelecerá sua estrutura própria de acordo com a referida Portaria. 4.3.1 Programa — Programa é o instrumento de organização da
atuação governamental que articula um conjunto de ações que concorrem para a
concretização de um objetivo comum preestabelecido, mensurado por indicadores instituídos no plano, visando à solução de um problema ou ao atendimento
de determinada necessidade ou demanda da sociedade. O programa é o módulo
comum integrador entre o plano e o orçamento. O plano termina no programa e
o orçamento começa no programa, o que confere a esses instrumentos uma integração desde a origem. O programa, como módulo integrador, e as ações, como
instrumentos de realização dos programas. A organização das ações do governo
sob a forma de programas visa proporcionar maior racionalidade e eficiência
na administração pública e ampliar a visibilidade dos resultados e benefícios
gerados para a sociedade, bem como elevar a transparência na aplicação dos recursos públicos. Cada programa deve conter objetivo, indicador que quantifica
a situação que o programa tenha como finalidade modificar e os produtos (bens
FGV DIREITO RIO
107
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
e serviços) necessários para atingir o objetivo. A partir do programa são identificadas as ações sob a forma de atividades, projetos ou operações especiais, especificando os respectivos valores e metas e as unidades orçamentárias responsáveis
pela realização da ação. A cada projeto ou atividade só poderá estar associado
um produto, que, quantificado por sua unidade de medida, dará origem à meta.
(...) 4.3.2 Ação — As ações são operações das quais resultam produtos (bens ou
serviços), que contribuem para atender ao objetivo de um programa. Incluemse também no conceito de ação as transferências obrigatórias ou voluntárias a
outros entes da federação e a pessoas físicas e jurídicas, na forma de subsídios,
subvenções, auxílios, contribuições, doações, entre outros, e os financiamentos.
As ações, conforme suas características podem ser classificadas como atividades,
projetos ou operações especiais. a) Atividade É um instrumento de programação
utilizado para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto
de operações que se realizam de modo contínuo e permanente, das quais resulta
um produto ou serviço necessário à manutenção da ação de Governo. Exemplo:
“Fiscalização e Monitoramento das Operadoras de Planos e Seguros Privados
de Assistência à Saúde”. b) Projeto É um instrumento de programação utilizado
para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre para a
expansão ou o aperfeiçoamento da ação de Governo. Exemplo: “Implantação
da rede nacional de bancos de leite humano”. c) Operação Especial Despesas que
não contribuem para a manutenção, expansão ou aperfeiçoamento das ações de
governo, das quais não resulta um produto, e não gera contraprestação direta sob
a forma de bens ou serviços.”
(4) A despesa orçamentária, segundo a estrutura de funções e subfunções, objetiva indicar as áreas de atuação do governo a que o gasto se
vincula, como saúde, educação, transporte, entre outras. Segundo o
Manual de Despesas Nacional, essa classificação:
“(...) por funções e subfunções, busca responder basicamente à indagação
“em que” área de ação governamental a despesa será realizada. Cada atividade,
projeto e operação especial identifica a função e a subfunção às quais se vinculam. A atual classificação funcional foi instituída pela Portaria nº 42, de 14 de
abril de 1999, do então Ministério do Orçamento e Gestão, e é composta de um
rol de funções e subfunções prefixadas, que servem como agregador dos gastos
públicos por área de ação governamental nas três esferas de Governo. Trata-se de
uma classificação independente dos programas, e de aplicação comum e obrigatória, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
o que permite a consolidação nacional dos gastos do setor público. Existem dois
campos correspondentes à classificação funcional, cujo respeito é obrigatório
para União, Estados e Municípios, quais sejam: 4.2.1 Função. A classificação
FGV DIREITO RIO
108
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
funcional é representada por cinco dígitos. Os dois primeiros referem-se à função, que pode ser traduzida como o maior nível de agregação das diversas áreas
de atuação do setor público. A função está relacionada com a missão institucional do órgão, por exemplo, cultura, educação, saúde, defesa, que, na União,
guarda relação com os respectivos Ministérios. A função “Encargos Especiais”
engloba as despesas em relação às quais não se pode associar um bem ou serviço
a ser gerado no processo produtivo corrente, tais como: dívidas, ressarcimentos, indenizações e outras afins, representando, portanto, uma agregação neutra.
Nesse caso, as ações estarão associadas aos programas do tipo “Operações Especiais” que constarão apenas do orçamento, não integrando o PPA. A dotação
global denominada “Reserva de Contingência”, permitida para a União no art.
91 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, ou em atos das demais
esferas de Governo, a ser utilizada como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais e para o atendimento ao disposto no art. 5º, inciso III, da Lei
Complementar nº 101, de 2000, sob coordenação do órgão responsável pela sua
destinação, será identificada nos orçamentos de todas as esferas de Governo pelo
código “99.999.9999.xxxx.xxxx”, no que se refere às classificações por função e
subfunção eestrutura programática, detalhamento. 4.2.2 Subfunção. A subfunção, indicada pelos três últimos dígitos da classificação funcional, representa um
nível de agregação imediatamente inferior à função e deve evidenciar cada área
da atuação governamental, por intermédio da agregação de determinado subconjunto de despesas e identificação da natureza básica das ações que se aglutinam em torno das funções. As subfunções podem ser combinadas com funções
diferentes daquelas às quais estão relacionadas na Portaria SOF nº 42, de 1999.
As ações devem estar sempre conectadas às subfunções que representam sua área
específica. Existe também a possibilidade de matricialidade na conexão entre
função e subfunção, ou seja, combinar qualquer função com qualquer subfunção, mas não na relação entre ação e subfunção. Deve-se adotar como função
aquela que é típica ou principal do órgão. Assim, a programação de um órgão,
via de regra, é classificada em uma única função, ao passo que a subfunção é escolhida de acordo com a especificidade de cada ação. A exceção à matricialidade
encontra-se na função 28 — Encargos Especiais e suas subfunções típicas que só
podem ser utilizadas conjugadas.”
(5) A classificação da despesa quanto aos efeitos sobre o patrimônio
líquido do ente público subdivide-as em:
(5.1) despesas públicas efetivas: são aquelas que, no momento da
sua realização, ocasionam uma redução do patrimônio do ente.
Constituem fatos contábeis modificativos diminutivos. A realização de despesa de pessoal, por exemplo, representa uma despesa efetiva no momento da liquidação. Em geral, as despesas
efetivas coincidem com as despesas correntes, exceto aquelas
FGV DIREITO RIO
109
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
com a aquisição de materiais (despesa corrente que representa
um fato permutativo) e as transferências de capital (despesa de
capital que causa um decréscimo patrimonial); e
(5.2) despesas públicas não efetivas: as quais, no momento da sua
realização, não ocasionam uma redução do patrimônio do ente,
pois constituem fatos contábeis permutativos. Em geral, as despesas não-efetivas coincidem com as despesas de capital, exceto as transferências de capital que são despesas de capital, mas
causam decréscimo patrimonial, e as despesas com a aquisição
de materiais, que são exemplos de despesas correntes que representam permuta no patrimônio e, por isso, classificam-se como
despesas não-efetivas.
(6) A despesa pública pode ser também classificada segundo a competência do ente federado que a realiza ou ao qual a entidade está
vinculada (federal, estadual, distrital ou municipal). As despesas da
União seriam aquelas vinculadas às atribuições referidas no artigo
21 da CR-88, as despesas estaduais concernentes às atribuições conferidas aos Estados-membros, denominada de competência residual
pelo §1º do artigo 25 da CR-88 e os dispêndios dos Municípios
referidos no artigo 30 da CR-88. Ao Distrito Federal209 competiria,
como regra geral, as despesas concernentes às despesas dos Estados e
dos Municípios, ressalvadas as restrições previstas na própria Constituição, como, por exemplo, aquelas contidas no artigo 21, XIII e
XIV. Para Kioshi Harada210:
tal critério, pelo menos entre nós, é absolutamente falho, porque existem não
só matérias de competência comum das três esferas políticas (art. 23 da CF),
como também aquelas de competência concorrente (art. 24 da CF), além do
fato, na prática, reinar, com relativa freqüência, superposição de serviços públicos, implicando a duplicação ou triplicação desses serviços para o mesmo fim,
independentemente da repartição constitucional de competência. Só para citar,
a Guarda Metropolitana da cidade de São Paulo, inicialmente criada apenas para
a proteção de bens, serviços e instalações municipais, nos termos do §8º do art.
144 da CF, hoje atua ostensivamente no campo da segurança pública, constitucionalmente atribuído a órgãos federais e estaduais.
(7) A despesa sob o ponto de vista da instituição que a realiza, também
denominada de “classificação institucional”, reflete a estrutura organizacional, administrativa e governamental, estando estruturada em
dois níveis hierárquicos: órgão orçamentário e unidade orçamentária. Nos termos do art. 14 da Lei nº 4.320/64, constitui unidade
orçamentária o agrupamento de serviços subordinados ao mesmo
209
Nos termos do artigo 21, XIII e XIV,
da CR-88, compete à União: “organizar
e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública
do Distrito Federal e dos Territórios” e
“organizar e manter a polícia civil, a
polícia militar e o corpo de bombeiros
militar do Distrito Federal, bem como
prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços
públicos, por meio de fundo próprio”.
Ao Distrito Federal são atribuídas “as
competências legislativas reservadas
aos Estados e Municípios” (art. 32, §1º,
da CR-88), ressalvadas as exceções previstas na própria Constituição, como,
por exemplo, aquela contida no artigo
21, XVII, que confere competência legislativa privativa para a União legislar
sobre a “organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública
do Distrito Federal e dos Territórios,
bem como organização administrativa
destes”.
210
HARADA, Op. Cit., p.50.
FGV DIREITO RIO
110
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
órgão ou repartição a que serão consignadas dotações próprias. As
dotações orçamentárias, especificadas por categoria de programação
em seu menor nível, são consignadas às unidades orçamentárias,
que são as estruturas administrativas responsáveis pelos recursos
financeiros (dotações) e pela realização das ações. No caso do Governo Federal, o código da classificação institucional compõe-se de
cinco dígitos, sendo os dois primeiros reservados à identificação do
órgão e os demais à unidade orçamentária, ou seja, 1º 2º 3º 4º 5º
Órgão Orçamentário Unidade Orçamentária. Cabe ressaltar que,
consoante o Manual de Despesas uma unidade orçamentária não
corresponde necessariamente a uma estrutura administrativa, como
ocorre, por exemplo, com alguns fundos especiais e com as Unidades Orçamentárias “Transferências a Estados, Distrito Federal e
Municípios”, “Encargos Financeiros da União”, “Operações Oficiais de Crédito”, “Refinanciamento da Dívida Pública Mobiliária
Federal” e “Reserva de Contingência”.
5.3 AS DESPESA PÚBLICA E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
A já mencionada Lei Complementar 101/2000, normalmente designada
como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com o objetivo de garantir o
controle das receitas e dos gastos públicos pela sociedade, dedica um capítulo inteiro (artigo 48 a 59) sobre a transparência, controle e fiscalização
da atividade financeira da Administração Pública. Ainda, no que se refere
especificamente às despesas públicas, estabelece, no Capítulo IV (art. 15 a
24), importantes limitações à sua realização e reconhece a nulidade daquelas que não prestarem observância às suas disposições (art. 15). Destacamse, além daquelas já especificadas no que se refere à limitação do empenho
(art. 9º, por exemplo), as suas disposições sobre a Lei Orçamentária Anual
(LOA): (1) que exigem um planejamento prévio de todas as receitas e as
despesas referentes ao ano seguinte (artigo 5º); (2) a exigência de uma estimativa de impacto financeiro para os três primeiros anos da implementação
de atividades governamentais que acarretem o aumento de despesa (artigo
16, I); (3) a proibição que o titular de Poder ou órgão referido no art. 20
da lei, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, venha a contrair
obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro
dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que
haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito (artigo 42), (4) os
limites da dívida pública (artigos 30 e 31), a serem estudados na próxima
aula e, ainda, (5) as limitações das despesas com pessoal (artigo 19), matéria
a ser estudada a seguir.
FGV DIREITO RIO
111
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
As despesas com pessoal e encargos sociais são disciplinadas pela Constituição e legislação complementar, normas que prevêem como regra geral
a estabilidade dos servidores públicos, regime de vinculação estatutário que
visa à proteção da própria sociedade, mas que torna esse componente da despesa, além de outros como a despesa com encargos da dívida211, de baixíssimo
grau de discricionariedade. A contenção dos gastos públicos nesta área tem
sido uma das grandes preocupações nacionais. Nesse sentido, o artigo 169 da
CR-88 dispõe sobre a despesa com pessoal ativo e inativo dos entes públicos,
prevendo que lei complementar determinará limites para os gastos da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios.
A Lei Complementar nº 101/00 disciplina a matéria, definindo o conceito de despesa de pessoal, estabelecendo como parâmetro dos limites dos
gastos a denominada receita corrente líquida, fixando, no seu artigo 19, os
percentuais por ente federado, e, no artigo 20, determinando a discriminação
do limite entre o Poder Executivo, Legislativo, (neste incluído o Tribunal de
Contas), Judiciário e o Ministério Público. No artigo 2º, IV e §§ § 1º 2º e
3º a LRF estabelece o conceito da receita corrente líquida, para os efeitos da
lei, nos seguinte termos:
IV - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:
a) na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, e as contribuições mencionadas na alínea a do inciso
I e no inciso II do art. 195, e no art. 239 da Constituição;
b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional;
c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para
o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9o do art. 201 da Constituição.
§ 1o Serão computados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar no 87, de 13 de setembro
de 1996, e do fundo previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
§ 2o Não serão considerados na receita corrente líquida do Distrito Federal e
dos Estados do Amapá e de Roraima os recursos recebidos da União para atendimento das despesas de que trata o inciso V do § 1o do art. 19.
§ 3o A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades.
Cabe salientar que o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por
unanimidade (342 votos favoráveis), em 28/05/2008, o Projeto de Lei Com-
211
Somente dois componentes — despesas com amortização e juros da
dívida pública, assim como as outras
despesas correntes-, no exercício de
2001, por exemplo, representam 83,4%
do total das despesas do exercício. Se
adicionarmos a esse conjunto as despesas com pessoal e encargos sociais
— isto é, a soma das despesas com
amortização e juros da dívida pública
mais as denominadas “outras despesas
correntes” e os gastos de pessoal, no
ano de 2001- é alcançado o percentual
de 94,2% das despesas.
FGV DIREITO RIO
112
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
plementar nº 132/07, do Poder Executivo, que altera a LRF, para evitar que
um ente federado seja penalizado pelo descumprimento dos limites de despesas de pessoal por parte de algum órgão ou Poder de sua estrutura política. Hoje, a LRF determina que, caso o limite seja excedido, isso deverá ser
corrigido em dois quadrimestres.212 Não alcançada a redução, o ente federativo não poderá receber transferências voluntárias e obter garantia, direta
ou indireta, de outro ente ou contratar operações de crédito, ressalvadas as
destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução
das despesas com pessoal. De acordo com a justificativa do governo, a atual
redação da lei estende essas restrições a todos os poderes e órgãos de determinado ente da Federação, ainda que somente um único órgão ou Poder não
esteja observando os limites máximos de despesa de pessoal. Assim, os impedimentos são aplicados mesmo que, no conjunto, o limite total da despesa
com pessoal esteja sendo observado. De fato, as sanções do art. 23, § 3º, da
Lei Complementar nº 101 de 2000 são aplicadas ao ente federativo213, ainda
que, agregadamente, o limite de despesa com pessoal esteja sendo observado.
A matéria agora está sob o crivo do Senado Federal. Saliente-se, ainda quanto
à matéria, que o plenário do Supremo Tribunal Federal, em 13/11/2008,
conforme noticiado no Informativo n°528:
referendou decisão proferida pelo Min. Celso de Mello, que deferira medida liminar, em ação cautelar, da qual era relator, para suspender as limitações
impostas ao Distrito Federal, em especial ao seu Poder Executivo, quanto à obtenção de garantias diretas, indiretas e aval de outros entes e à contratação de
operações de crédito em geral (Lei Complementar 101/2000, art. 23, § 3º, I,
II e III). Na espécie, o Distrito Federal solicitara à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda autorização para realizar operação de crédito com
organizações internacionais e bancárias, a qual fora indeferida ao fundamento
de ter sido descumprida a Lei de Responsabilidade Fiscal no que se refere ao
limite percentual de gastos do Poder Legislativo local. Entendeu-se que estariam
presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar pleiteada.
Considerou-se que a plausibilidade jurídica da pretensão encontraria fundamento em precedentes do Supremo, nos quais fixada a orientação de que o postulado
da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem
a dimensão estritamente pessoal do infrator. Por sua vez, o periculum in mora
estaria configurado porque a negativa da autorização inviabilizaria a iminente
obtenção do crédito internacional que vem sendo negociado entre o BIRD e o
Distrito Federal, que não disporia, em razão disso, dos necessários recursos para
implementação dos programas pretendidos, o que se daria em prejuízo manifesto a sua população. Observou-se, ademais, que, no caso, o Distrito Federal
teria se adstrito aos limites global e individuais estabelecidos nos artigos 19 e 20
da LC 101/2000, dispositivos declarados constitucionais pela Corte, e que, na
212
A previsão está contida no caput do
artigo 23. O artigo 22 da LRF, por sua
vez, estabelece limitações ao Poder ou
ao órgão que exceder a 95% do limite
de gastos com pessoal. Nesse caso a
restrição é aplicada ao próprio Poder ou
órgão que ultrapassou o teto fixado na
lei, ao contrário do que ocorre na hipótese do artigo 23,§ 3º, que fixa restrição ao ente como um todo, ainda que o
excesso seja de apenas um órgão ou de
um Poder do ente federado.
213
Em questão relativamente análoga,
alguns entes federativos recorreram ao
Supremo Tribunal Federal em função de
suas inscrições no Cadastro Único de
Convênios (CAUC), o que limita a recepção de transferências voluntárias pelo
ente político, por força da aplicação da
Instrução Normativa nº 1 da Secretaria
do Tesouro Nacional. O STF, julgando
a Ação Cautelar nº 1.033, entendeu,
com fulcro no postulado da intranscendência, que sanções e restrições
de ordem jurídica não podem superar
a dimensão estritamente pessoal do
infrator. Considerando essa decisão, o
STF (Secretaria do Tesouro Nacional)
expediu a Instrução Normativa nº 2,
de 24 de abril de 2007, regulando as
transferências voluntárias, a fim de que
a adimplência do ente seja observada
exclusivamente por meio do CNPJ
do tomador principal e o órgão beneficiário da transferência, junto ao
Cadastro Único de Convênio.
FGV DIREITO RIO
113
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
verdade, haveria um conflito interno entre a Câmara Legislativa e o Tribunal de
Contas do Distrito Federal.
QUESTIONÁRIO
1) Quais são as diferentes etapas das despesas públicas?
2) Considerando o disposto no artigo 2º, IV e §§ § 1º 2º e 3º da LRF
sobre receita corrente líquida, verifique a despesa total máxima, no
âmbito da União, a ser destinada para pagamento de pessoal na
seguinte hipótese.
Considere para tanto as seguintes informações:
a) o total de transferências constitucionais ou legais a Estados e municípios equivale a 50% das transferências correntes;
b) a contribuição de servidores para o custeio de seu sistema de previdência e assistência social equivale a 50% das receitas de contribuições.
Receitas Correntes
Despesas Correntes
Tributárias --------------------R$ 120
Custeio ---------------------- R$ 160
Contribuições --------------- R$ 60
Transferências correntes ---R$ 80
Patrimoniais -----------------R$ 20
De serviços -------------------R$ 15
Transferências correntes----- R$ 15
Receitas de Capital
Despesas de Capital
Operações de Crédito --------R$ 60
Investimentos --------------------- R$ 10
Alienação de Bens -----------R$ 30
Inversões financeiras ------------- R$ 20
Transferências de Capital ---R$ 10
Transferências de Capital -------- R$ 60
TOTAL ----------------------- R$ 330
TOTAL ----------------------------- R$ 330
QUESTÕES DE CONCURSO
1) Aliomar Baleeiro define a despesa pública como “sendo a aplicação
de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público
competente dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a
cargo do governo”. A partir desse entendimento a despesa pública poderá
ser liberada:
FGV DIREITO RIO
114
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
a) a vista de recibo ou nota fiscal.
b) automaticamente, em se tratando de agente público.
c) se antecedida de previsão orçamentária.
d) mediante empenho, exclusivamente.
e) mediante autorização do Tribunal de Contas.
(AGU — Advogado da União 2ª Categoria — 1994)
2) As despesas destinadas a manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive para obras de conservação, são denominadas:
a) Transferências correntes.
b) Despesas de capital.
c) Investimentos.
d) Inversões Financeiras.
e) Despesas de custeio.
(AGU — Advogado da União 2ª Categoria — 1994)
3) O ato de verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base
os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, é:
a) Nota de extinção de obrigação.
b) Empenho.
c) Liquidação.
d) Ordem de Pagamento.
e) Verificação objetiva.
(AGU — Advogado da União — 1994)
4) Despesa pública, para Aliomar Baleeiro, é “a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente
dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do governo”. Na despesa pública será proibida a:
a) realização de despesas que excedam os créditos orçamentários ou
adicionais
b) realização de programas não incluídos na lei
c) inclusão de operações de créditos que excedam o montante das despesas
d) utilização de créditos ilimitados
e) utilização de recursos da seguridade social
(Concurso para Procurador da Fazenda Nacional de 1998)
3- Existem várias causas que justificam o aumento real das Despesas
Públicas. Aponte a opção não pertinente.
a) O desenvolvimento de novas necessidades sociais.
b) O progresso técnico.
c) Alteração do papel do Estado.
FGV DIREITO RIO
115
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
d) A influência das guerras.
e) A redução dos poderes dos governos.
(MPU — analista de orçamento de 2004)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
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FGV DIREITO RIO
116
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 6 – O FINANCIAMENTO DOS GASTOS, AS OPERAÇÕES DE
CRÉDITO E A DÍVIDA PÚBLICA EM FACE DO EQUILÍBRIO FISCAL.
A atividade financeira do Estado é desenvolvida para satisfazer as necessidades públicas, o que se efetiva, predominantemente, conforme já examinado, por meio das despesas, tendo em vista que as outras modalidades de
realização dos serviços públicos são esporádicas e excepcionais, conforme destacado no item 1.2 da Aula 1.
Por sua vez, os gastos público realizados para implementar as diversas ações
estatais pressupõem o seu financiamento214, o que pode ocorrer de diversas formas. O Estado pode arcar com as despesas por meio: (1) da emissão de moeda,
hipótese em que não assume qualquer ônus ou comprometimento de pagar
qualquer encargo (ex: juros), (2) da exploração do próprio patrimônio estatal
para auferir renda, como, por exemplo, locando ou cedendo a título oneroso
as suas propriedades ou explorando a atividade econômica por intermédio de
empresas por ele controladas, (3) contraindo empréstimos, voluntários ou não,
(4) exigindo o pagamento de tributos, (5) cobrando multas, e etc.
Se o único objetivo do Estado nessa vertente — de cobrir os gastos — fosse, exclusivamente, a obtenção de recursos para financiar as despesas públicas,
bastaria imprimir moeda215 de forma gratuita, sem a necessidade de organizar
o dispendioso e complexo aparato burocrático para administrar a arrecadação
de tributos ou de suas receitas patrimoniais. No entanto, o estudo dos efeitos líquidos216 decorrentes da simples emissão do papel moeda, matéria cujo
exame detalhado foge ao escopo desta aula, indicam no sentido de que as pessoas com menor nível de renda tenderiam a sofrer mais pesadamente com o
denominado imposto inflacionário, haja vista a dificuldade de se protegerem
contra a desvalorização dos ativos monetários não indexados. Nesse sentido,
aponta Gustavo Miguez de Mello217 que:
Habitualmente entende-se que os tributos são cobrados para arrecadação
pelo Estado de recursos financeiros. Este entendimento é, entretanto, equivocado. Para obter recursos financeiros seria muito mais barato imprimi-los, emitir
moeda, do que arcar com complexos e sofisticados departamentos de administração de tributos. A emissão de moeda expandiria a demanda doméstica, criando
a inflação que funcionaria como um encargo econômico gravemente injusto que
tenderia a ser relativamente mais suportável pelos contribuintes de renda mais
baixa. Podemos assim antecipar uma conclusão de que os tributos são cobrados
para restringir a demanda doméstica contrapondo-se à expansão dela decorrente
de gastos governamentais, evitando a inflação e, principalmente para realizar a
equidade ou justiça fiscal, impedindo que o contribuintes de renda mais baixa
suportem encargos tributários relativamente mais elevados do que os de renda
mais alta.
214
A expressão está neste momento
sendo utilizada em seu sentido lato,
isto é, refere-se à necessidade de
obtenção e criação dos recursos financeiros como um todo para fazer face às
despesas. Diferencia-se, dessa forma,
conforme será examinado a seguir,
do denominado public sector borrowing requirements, o qual expressa o
resultado da diferença entre despesas
e receitas sem considerar os ingressos
decorrentes chamadas operações de
crédito. Na Aula 9 serão aprofundados
e detalhados os diversos conceitos das
receitas públicas.
215
GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática
no Brasil. 3ª Rio de Janeiro: Elsevier,
2008. p. 16. Apontam os autores que
“o governo pode se financiar ‘de graça’
— sem assumir o ônus associado ao
pagamento de juros de sua dívida -,
de duas formas. A primeira é emitindo moeda para acompanhar a maior
demanda por esta, em termos reais. A
segunda é através da corrosão do valor
real da base monetária existente, o que
lhe permite imprimir moeda, apenas
para conservar o valor real da moeda
previamente impressa.”
216
A “senhoriagem” é definida pelos
economistas como a possível receita
decorrente do “fluxo nominal da base
monetária”, pois, em uma economia
com o Produto Interno Bruto constante,
se de um lado a demanda por moeda
cai quando a inflação aumenta — é
um ativo financeiro não indexado que
perde valor com o aumento dos preços
dos ativos reais -, reduzindo a demanda
por base monetária, por outro, aumenta o denominado imposto inflacionário.
Assim, conforme destacam Giambiagi e
Ana Cláudia, “a receita de senhoriagem
vai variar para mais ou para menos em
função da importância relativa de cada
um desses dois fenômenos”. GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Op. Cit.
p.16-17.
217
MELLO, Gustavo Miguez de. O Tributo: Finalidades Econômica, Jurídica,
Política e Administrativa. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo.
Reflexão Multidisciplinar sobre a sua
natureza. São Paulo: Editora Forense,
2007. p. 425.
FGV DIREITO RIO
117
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Ainda que seja complexa e controvertida correlação objetiva entre a emissão de moeda e a inflação independentemente das circunstâncias, bem como
intrincada a definição quanto às reais funções dos tributos, matéria a ser
abordada ao longo do curso, uma conclusão parece inequívoca: a obtenção
do maior volume de recursos ou disponibilidades com o menor custo possível — eficiência econômica em sentido estrito — não parece ser o único
parâmetro norteador da escolha entre as possíveis fontes de financiamento
a serem utilizadas pelo Poder Público, isto é, o valor justiça distributiva é
inerente e faz parte do próprio processo de determinação de como as despesas públicas devem ser financiadas e não apenas da estruturação e opção do
dispêndio em si. Assim, pode-se constatar que a eficiência econômica, de um
lado, e a justiça como igualdade material, por outro, são valores que devem
ser sopesados não apenas quando da efetivação dos gastos públicos, mas também durante todo o processo de escolha entre as diversas formas possíveis de
obtenção de recursos financeiros, o que se reflete e influência, também, na
interpretação e aplicação da legislação tributária, conforme será examinado
ao final deste semestre. No mesmo sentido, importante destacar que as diferentes formas de arcar com o ônus das despesas em determinado momento
impactam de maneiras distintas não apenas as pessoas que vivem em uma
mesma época, pois o endividamento de longo prazo, por exemplo, tem como
característica marcante o fato de que os benefícios e sacrifícios não são usualmente suportados e usufruídos pela mesma geração, o que pode ocasionar
distorções acentuadas no processo de repartição de encargos governamentais
ao longo do tempo. De fato, enquanto a tributação onera os contribuintes
no momento da exação os empréstimos públicos de longo prazo218 oneram
gerações futuras, por despesas ocorridas antes do seu tempo, daí a relevância
de se perquirir o tipo de gasto a ser realizado com recursos obtidos em determinada época a serem suportados no futuro.
As inevitáveis desconexões em determinado momento histórico entre o
volume de recursos para satisfazer as necessidades públicas, de um lado, e
aqueles disponíveis para a realização da atividade financeira do Estado, do
outro, ensejam escolhas dramáticas. De fato, se as receitas tributárias e patrimoniais próprias, adicionadas daquelas recebidas de terceiros em transferência, não são suficientes para fazer face às despesas fixadas em certo período,
consubstancia-se o denominado public sector borrowing requirements, correspondente em português às necessidades de financiamento do setor público219, aqui sendo utilizada a expressão em seu sentido estrito, isto é, circunscrevendo-se aos ingressos decorrentes das operações de crédito. Na realidade,
três soluções plausíveis se apresentariam para fazer face à divergência entre as
demandas sociais e as disponibilidades: (1) diminuir os gastos para alcançar
o desejável equilíbrio, reduzindo, inevitavelmente, o escopo das necessidades
coletivas qualificadas como públicas; (2) aumentar tributos, efetivar esforços
218
Essa parece ser a ratio da CR-88 ao
apontar no sentido do equilíbrio entre
as operações de crédito e as despesas
de capital. O artigo 167, III, veda “a
realização de operações de créditos
que excedam o montante das despesas
de capital (...)”. A mensagem evidente
desse dispositivo é que o endividamento somente pode ser admitido para a
realização de investimento ou abatimento da dívida, ou seja, não deveria
ser possível contrair empréstimos para
gastar os recursos obtidos com despesas correntes, salvo exceções tratadas
em créditos suplementares e especiais
de finalidade precisa e aprovados por
maioria absoluta (vide art. 167 II c/c
art. 27 do ADCT). Portanto, o Poder
Público pode cobrir despesa de capital
por meio de operações de crédito. Essa
regra, denominada de regra de ouro, é
reforçada pela Lei de Responsabilidade
Fiscal, que em seu artigo 12, §2º, estabelece que o “montante previsto para
as receitas de operações de crédito não
poderá ser superior ao das despesas
de capital constantes do projeto de lei
orçamentária.” No mesmo sentido, significa que a receita corrente deve cobrir
as despesas correntes, não devendo
haver déficit corrente. Essa correlação
será examinada na aula pertinente às
receitas públicas.
219
GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Op. Cit. p.16-17. p. 46. Apontam
os autores que “o resultado fiscal por
excelência — ou seja, o que todos os
analistas interpretam como sendo o
resultado fiscal — é apurado pelo BC
e corresponde às denominadas ‘necessidades de financiamento do setor
público’ (NFSP), versão em português
de ‘public sector borrowing requiremennts‘ (PSBR) (...) A NFSP representam apenas o resultado da diferença
entre despesas e receitas, sem que o
dado divulgado pelo BC permita saber
o que está causando o desequilíbrio
entre essas variáveis.(...) “No Brasil, as
necessidades de financiamento são
apuradas pelo conceito de caixa, exceto pela despesa de juros, apuradas
pelo conceito de competência contábil.
De um lado, isso visa evitar que, se o
governo emite títulos de prazo mais
longo, com pagamentos concentrados
no tempo, o déficit seja artificialmente
baixo durante algum tempo e depois
estoure” no momento do vencimento.
Ao apropriar os juros pelo conceito de
competência, o BC torna a despesa de
juros mais regular ao longo do tempo a
não ser que a taxa de juros mude muito
de um mês para o outro. De outro, o critério de competência para o cálculo dos
juros é consistente com a apuração da
dívida do setor público junto ao sistema
financeiro”.
FGV DIREITO RIO
118
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
no sentido de elevar as receitas patrimoniais ou incrementar as transferências recebidas de terceiros; ou, ainda, (3) realizar as chamadas operações de
crédito220 e obter financiamento junto ao mercado interno ou internacional
por meio da emissão de títulos da dívida pública, de empréstimos de longo
prazo etc. Assim, o crédito público é uma das formas pelas quais o Estado
obtém recursos221 e, como conseqüência, surge a dívida pública222 haja vista
a criação de obrigações para o Estado, conforme será explicitado no decorrer
desta aula.
Kiyoshi Harada223 aponta que parte da doutrina tem uma concepção mais
ampla de crédito público, o qual abarcaria dúplice perspectiva, “envolvendo
tanto as operações em que o Estado toma dinheiro como aquelas em que
fornece pecúnia”, o que será tratado aqui de forma apenas tangencial.
A natureza jurídica do crédito público é tema de difícil consenso entre os
doutrinadores. Apenas à guisa de exemplo cabe trazer três correntes sobre o
assunto: 1. considera o crédito público um ato legislativo, ou seja, as regras já
estariam estabelecidas; 2. ato de soberania por meio do qual o Estado contrai
empréstimo público como resultado natural de seu “poder de autodeterminação
e de auto-obrigação” (...); 3. o crédito público seria um contrato ( corrente majoritária ) “que objetiva a transferência de certo valor em dinheiro de uma pessoa,
física ou jurídica, a uma entidade pública para ser restituído, acrescido de juros,
dentro de determinado prazo ajustado”, ensina, ainda, Kiyoshi Harada.224
Ao se debruçar sobre o tema em tela, Ricardo Lobo Torres225 apresenta duas
teorias contratuais acerca da natureza jurídica dos empréstimos públicos (crédito público); a primeira defende a posição de que o empréstimo público tem natureza de contrato de direito privado, seguindo, portanto, as regras do contrato
de mútuo, e a segunda corrente segue a linha de pensamento de que o crédito
público assenta-se como contrato de direito administrativo, uma vez que o
Estado não pode, por razões óbvias de interesse público, se igualar de forma absoluta ao particular. Na opinião do mencionado jurista, esta é a melhor teoria.
A doutrina226 e o sistema normativo apresentam variadas classificações de
crédito público, em especial quanto à sua forma (voluntária ou compulsória),
prazo (flutuante/de curto prazo ou fundada/consolidada), origem (interna ou
internacional) e de sua competência no regime federativo (federal, estadual,
distrital ou municipal). No decorrer da aula buscar-se-á analisar aspectos daquelas mais citadas no plano normativo.
Para Aliomar Baleeiro227:
a caracterização jurídica do empréstimo público exige a prévia discriminação
dos vários tipos de operações de crédito estatal, pois há profundas diferenças entre
o empréstimo voluntário e o forçado, ou entre uma dívida assumida para com
um indivíduo e os negócios típicos do Tesouro, à base de subscrição oferecida aos
prestamistas.(...) Os autores, em geral, assinalam que o empréstimo forçado parti-
220
A doutrina utiliza indistintamente
das expressões crédito público, empréstimo público e dívida pública para
designar o instituto.
221
Na aula pertinente às receitas públicas
será examinado se os ingressos decorrentes de operações de crédito subsumemse — ou não — no conceito de receita
pública.
222
No Direito Financeiro o conceito de
Dívida Pública vincula-se às obrigações
cujo pagamento decorra de empréstimos
assumidos pelo Estado, mas não aquelas
obrigações da Administração decorrentes,
por exemplo, de aluguéis a serem pagos,
da aquisição de bens, da prestação de serviços, de condenações judiciais etc, salvo se
forem inscritas as despesas como restos a
pagar, hipótese em que serão consideradas
dívidas flutuante.
223
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e
Tributário. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Atlas, 2008. p. 99-134.
224
Idem. Ibidem. p. 100-101. Traçando
uma analogia com a teoria geral dos contratos, o empréstimo público se equivaleria
ao mútuo, embora com este não se confunda, posto existirem peculiaridades nos
empréstimos públicos que os diferenciam
dos empréstimos privados, a começar pelo
interesse público, princípio norteador da
Administração.
225
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito
Financeiro e Tributário. 11ª ed. atual.
Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004. p.
216-225.
226
Empréstimo perpétuo e empréstimo
temporário: quanto a esta classificação,
ensina Kiyoshi Harada: “o perpétuo será
remível ou irremível, conforme haja ou
não a faculdade de o Estado efetuar a
restituição do capital quando quiser. Na
realidade, empréstimo público sem a possibilidade de exigir a restituição do capital
perde a característica de receita creditícia”;
Dívida Voluntária e Dívida Forçada (
involuntária ): Segundo a doutrina de
Ricardo Lobo Torres a dívida forçada “é
a assumida em razão de ato de império
do Estado. Pode ter diversas formas: a)
empréstimos compulsórios, que hoje se
classificam melhor como tributo ( art. 148
CF ); Pode ter diversas formas: b) depósitos
compulsórios feitos pelos bancos junto ao
Banco Central; c) títulos de curso forçado
emitidos pelo Governo, como os Certificados de Privatização” (...). A dívida voluntária, a seu turno, complementa o autor,
“é a assumida espontaneamente pelos
investidores e instituições financeiras. Dela
diz-se que é: a) flutuante, quando, sendo
dívida de curto prazo, deva ser paga no
mesmo exercício financeiro; b) fundada ou
consolidada, quando seja inscrita nos livros
da Fazenda Pública para pagamento em
data previamente determinada (empréstimo amortizável) ou sem prazo fixado para
amortização (empréstimo perpétuo)”;
FGV DIREITO RIO
119
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
cipa da natureza do tributo. Jèze, reconhecendo que ele não é contrato, considerao requisição de dinheiro. Amilcar Falcão, em exaustiva monografia demonstrou
o caráter tributário dos empréstimos compulsórios, hoje consagrados pelo228 art.
18, §3º, da Constituição de 1969, como medida excepcional da União.
A Lei Complementar n° 101/00 (LRF), em seu art. 29, traz algumas classificações de dívida pública229, como a dívida consolidada ou fundada, a qual representa o montante total das obrigações financeiras do ente político, assumidas em
razão de preceito legal, contratos, convênios, tratados e da realização de operação
de crédito, para amortização em prazo superior a 12 meses. Tal quantitativo é
apurado sem duplicidade, ou seja, são excluídas do cômputo geral as obrigações
entre o ente político e seus fundos, autarquias, fundações e empresas estatais
dependentes ou entre estes.230 Ainda, conceitua o mencionado diploma legal,
a dívida mobiliária, isto é, aquela decorrente da emissão de títulos da União,
dos Estados (inclui-se o DF), dos Municípios, bem como do Banco Central do
Brasil; e as operações de créditos, estas abarcam os compromissos financeiros do
Estado assumidos “em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de
título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras
operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros”, nos
termos do inciso III do art. 29 da LC 101/00. Com feito, equipara à operação
de crédito, ainda, o referido diploma legal, “a assunção, o reconhecimento ou a
confissão de dívidas pelo ente da Federação”, nos termos do art. 29, § 1°.
Sobre o tema operações de crédito, preciosa é a contribuição do financista
José Maurício Conti231, que ao analisar a normas insertas nos artigos 32 a 39
da Lei de responsabilidade fiscal (LC 101/00) aponta três critérios básicos
utilizados para a fixação de limites às operações de crédito:
O primeiro método é o estabelecimento de limites por meio de um processo
de negociação entre o governo central e os governos subnacionais (cooperative
approach), que pode ser observado em alguns países europeus (...). Outro método é a fixação por meio de normas jurídicas preestabelecidas na Constituição ou
na legislação infraconstitucional (ruled-based approaches). E o terceiro método é
o controle feito diretamente pelo governo central, que fixa os limites do endividamento das entidades subnacionais (direct control of the Central Government).
Este último método é mais usual nos Estados unitários e pode ser observado no
Reino Unido e no Japão.
No Brasil, conforme preleciona o mencionado autor, o sistema adotado
para fixar os limites de endividamento segue o método ruled-based approaches, visto que a Constituição de 1988 e a normativa infraconstitucional
tratam minuciosamente da matéria.
Empréstimos internos e empréstimos
externos: Kiyoshi Harada aponta que o
“crédito interno como aquele que o Estado
obtém no âmbito de seu espaço territorial.
Caracteriza-se o crédito externo quando o
Estado celebra o contrato de mútuo, em
moeda estrangeira, com uma pessoa não
nacional”. Nesse contexto, ensina Regis
Fernandes de Oliveira que o crédito externo “não tem caracterização pela moeda de
pagamento, mas pela transferência de divisas ao exterior e, pois, o que importa é o
local ou a praça em que o pagamento deva
ser feito”. Ver HARADA, op. cit.; TORRES, op.
cit. e OLIVEIRA, op. cit.
227
BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à
ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 488-490. Segundo
o autor “receita pública é a entrada que,
integrando-se no patrimônio público sem
quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu
vulto como elemento novo e positivo”.
Assim, estariam excluídos do conceito de
receita para o eminente autor os simples
movimentos de fundos ou de caixa, assim
compreendidos os ingressos que refletissem, ao mesmo tempo, criação de uma
obrigação ou passivo correspondente.
228
Vide artigo 148 da atual CR-88.
229
Ver também o Decreto Federal n°
93.872/86, que trata dos recursos de caixa
do Tesouro Nacional, o qual, no capítulo IV,
traz regras disciplinadoras da dívida pública. Nesse sentido cabe transcrever o dispositivo que traz o conceito de dívida pública:
“Art. 115. A dívida pública abrange a dívida
flutuante e a dívida fundada ou consolidada. §1o. A dívida flutuante compreende os
compromissos exigíveis, cujo pagamento
independe de autorização orçamentária,
assim entendidos: a) os restos a pagar, excluídos os serviços da dívida; b) os serviços
da dívida; c) os depósitos,inclusive consignações em folha; d) as operações de crédito por antecipação de receita; e) o papel
moeda ou moeda fiduciária. §2o. A dívida
fundada ou consolidada compreende os
compromissos de exigibilidade superior a
12 meses contraídos mediante emissão
de títulos ou celebração de contratos para
atender a desequilíbrio orçamentário, ou a
financiamento de obras e serviços públicos,
e que dependam de autorização legislativa
para amortização ou resgate”. Frise-se que
a LRF, conforme se extrai do dispositivo
transcrito, ampliou o escopo tanto da dívida consolidada como da dívida flutuante (
ver arts. 92 e 98 da Lei 4.320/64 ).
230
NASCIMENTO, Leonardo do. E CHERMAN, Bernardo. Contabilidade Pública.
Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2007. p.
438-439.
231
CONTI, José Maurício Conti. Comentários
aos artigos 32 a 39. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder
do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008. p. 229-231.
FGV DIREITO RIO
120
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Sobre o tema apontam José Roberto Afonso e Rafael Barroso232:
A questão da dívida pública federal e da fixação de metas para esta e para o resultado nominal constitui também uma debilidade. A dívida pública seria a priori
aspecto de maior sucesso da LRF, mas, de fato, e de direito, é em que mais falhou
sua regulamentação posterior. A LRF, seguindo a Constituição Federal, prevê limites para o endividamento público: consolidado e mobiliário233. No primeiro
caso, deveriam ser fixados pelo Senado234 para cada uma das três esferas de governo. Ao final de 2001, o Senado aprovou a nova resolução235 para regular o endividamento estadual e municipal, disciplinando tanto os fluxos, quanto limitando
os estoques, mas até hoje sequer iniciou a tramitação do mesmo projeto aplicado
à União. Nada justifica que o ente mais importante da Federação, o que sempre
teve a maior dívida, não esteja sujeito a nenhum limite. De início, havia o temor
de questionarem a fixação de um limite para o governo federal acima do limite
aplicado aos governos subnacionais, mas ninguém questiona essa diferença, que é
facilmente explicada pelo fato de aquele governo ter estoque de dívida superior ao
dos demais entes e também por ser o responsável pela política monetária.
Nessa toada, a LC 101/00, em seu art. 32, estabelece a competência do
Ministério da Fazenda para verificar o cumprimento dos limites e condições
referentes à realização de operação de crédito pelos entes da federação. Consoante dispõe o referido dispositivo legal, a realização de operação de crédito
pressupõe o preenchimento de alguns requisitos por parte do ente contratante. Sobre eles debruçou-se José Maurício Conti:236
232
AFONSO, José Roberto e BARROSO, Rafael. Uma Reforma Esquecida.
In:Boletim de Desenvolvimento Fiscal.
5. IPEA. Junho, 2007. p.11.
233
a. adequada relação custo-benefício da operação: o interessado em contratar uma operação de crédito deverá instruir o seu pedido com os argumentos e
provas que demonstrem a necessidade da operação e a compatibilidade entre
recursos pleiteados e o benefício as ser obtido pela aplicação na finalidade proposta (é possível extrair dessa premissa os princípios da proporcionalidade e o
da economicidade).
b. o interesse econômico e social da operação: (...) as operações de crédito
somente poderão ser aceitas caso sejam destinadas a atender o interesse público,
ou seja, tenham por objetivo atingir uma finalidade socialmente relevante.
c. existência de prévia e expressa autorização para a contratação com a inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação: A contratação de operação de crédito precisa estar previamente autorizada por
lei da entidade que pleiteia realizá-la. Um município, por exemplo, antes de contratar a operação de crédito, deve ter previsão desse ato na legislação pertinente.
d. a observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal: O
Ministério da Fazenda deve analisar a observância, pelo ente da federação que
pretende consumar a operação, dos limites a que fica sujeito (...)237.
Vide LRF art. 30: “Art. 30. No prazo de
noventa dias após a publicação desta
Lei Complementar, o Presidente da
República submeterá ao: I — Senado
Federal: proposta de limites globais
para o montante da dívida consolidada
da União, Estados e Municípios, cumprindo o que estabelece o inciso VI do
art. 52 da Constituição, bem como de
limites e condições relativos aos incisos
VII, VIII e IX do mesmo artigo; II —
Congresso Nacional: projeto de lei que
estabeleça limites para o montante da
dívida mobiliária federal a que se refere
o inciso XIV do art. 48 da Constituição,
acompanhado da demonstração de sua
adequação aos limites fixados para a
dívida consolidada da União, atendido
o disposto no inciso I do § 1o deste
artigo.”
234
Artigo 52, VI, da CR-88.
235
Vide Resolução nº 1 de 2001 do Congresso Nacional.
236
Idem. Ibidem. p. 230-236.
237
Faz-se mister salientar que os referidos limites estão delineados na Resolução do Senado Federal n° 43/2001,
como forma de regulamentar o disposto no art. 52, inciso VII, da CR/88.
FGV DIREITO RIO
121
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
e. a existência de autorização específica do Senado Federal quando se tratar de operação de crédito externo: (...) toda vez que o ente necessitar realizar
operação de crédito externo deverá submeter o pedido à apreciação do Senado
Federal238, ex vi do art. 52, inciso V, da CR/88, a quem caberá expedir resolução
autorizando o negócio.
f. o atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição: essa
é uma das mais importantes disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, por
regulamentar a chamada ‘regra de ouro’, ao estabelecer o principal limite para
o endividamento do setor público, qual seja, impedir que a dívida ultrapasse o
montante das despesas de capital239. O objetivo desse princípio de gestão fiscal
responsável é a proibição de se financiarem despesas correntes240, indício claro de
descontrole das contas públicas.
g. a observância das demais restrições estabelecidas na LRF: (...) 1. vedação
às operações de crédito entre entes da Federação, ainda que por meio da respectiva Administração indireta ( art. 35 ); 2) vedação às operações de crédito entre
instituição financeira estatal e outro ente da Federação destinadas a financiar despesas correntes ou a refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição
concedente ( art. 35, § 1o ); 3. vedação às operações de crédito entre instituição
financeira estatal e o ente que a controle ( art. 36 c/c art. 2o, II ); e 4. vedação às
operações de crédito com o Banco Central do Brasil ( art. 39 ).” ( grifo nosso ).
Cumpre, ainda, mencionar outros requisitos previstos na Resolução do
Senado Federal n° 43/2001, art. 21, como, por exemplo, a competência dos
Tribunais de Contas, nos termos do inciso IV, para expedir certidão atestando a regularidade das contas do último exercício do ente interessado, bem
como o cumprimento das normas esculpidas na LRF.
Não há como refutar a importância da LRF em sede de controle fiscal das
finanças públicas, o que, de fato, precisa ocorrer é a sua plena eficácia tanto
no plano jurídico como na esfera social.
A Lei de Responsabilidade Fiscal exige comprometimento com a coisa
pública não apenas dos administradores públicos, mas também das entidades
privadas. Nesse sentido, oportuno trazer à luz a regra inserta no art. 33 do
mencionado diploma normativo, a qual dispõe, in verbis: “Art. 33. A instituição financeira que contratar operação de crédito com ente da Federação,
exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir comprovação de que a condição atende às condições e limites estabelecidos”.
Dispõe, ainda, em seu § 1o, que, se houver violação às normas da LRF, a
operação de crédito realizada será considerada nula, devendo o negócio ser
cancelado, com a devolução da quantia recebida, sem o pagamento de juros
ou de qualquer outro encargo.
A LRF atribui às instituições financeiras a tarefa de verificar se os entes
contratantes estão observando os limites e as condições impostas pela legisla-
238
Vale ressaltar que a Constituição do
Estado do Rio de Janeiro, em seu art.
99, inciso XXXII, contempla a competência da Assembléia Legislativa para
autorizar previamente, por maioria
absoluta de seus membros, proposta
de empréstimo externo a ser encaminhada pelo Chefe do Poder Executivo
ao Senado Federal.
239
Cumpre fazer menção à exceção
prevista no art. 167, inciso III, da CR/88,
que dispõe, in verbis: “art. 167. são vedados: III- a realização de operações de
crédito que excedam o montante das
despesas de capital, ressalvadas as
autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade
precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.
240
Conforme determina o inciso X, do
art. 167, CR/88, in verbis: “Art. 167.
São vedados. (...)X — a transferência
voluntária de recursos e a concessão de
empréstimos, inclusive por antecipação
de receita, pelos Governos federal e
Estadual e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com
pessoal ativo, inativo e pensionista,
dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios”.
FGV DIREITO RIO
122
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
ção para a contratação de operações de crédito. Conforme aponta José Maurício Conti:241 “estabeleceu-se a co-responsabilidade do setor privado pela
fiscalização no cumprimento das disposições da LRF”. É, sem, dúvida, mais
um exemplo concreto da interpenetração das finanças públicas nas finanças
privadas (corporativas).
Algumas sanções imputadas em razão do descumprimento dos preceitos normativos para a realização de operações de crédito merecem ser destacadas: no
âmbito da Administração Pública, os arts. 23, § 3o, e o 33, §§ 1o e 2o da LRF,
apresentam um elenco delas, apenas a título de exemplo: 1. fica o ente proibido
de receber transferências voluntárias; 2. obter garantia, direta ou indireta, de
outro ente; 3. contratar operações de crédito, com exceção daquelas destinadas
a refinanciar a dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal; 4. nulidade do contrato; 5. devolução do valor recebido; sem prejuízo de
outras sanções de natureza política, civil e penal, nos termos do art. 73 da LRF.
I. Operações de crédito por antecipação de receita (ARO).242
Este tipo de operação tem natureza extra orçamentária, posto tratar-se de
operação de crédito não prevista a priori na lei orçamentária. Ela visa a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro, podendo ser utilizada, inclusive, para suprir despesas com o custeio da máquina pública. O art.
38 da LRF disciplina algumas condições que, somadas àquelas já mencionadas do art. 32 para operação de crédito em geral, devem ser observadas para a
realização desta operação. Assim dispõe o caput do referido dispositivo: “Art.
38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender
insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências
mencionadas no art. 32 e mais as seguintes (...)”.
Importante ter em mente que a ratio da imposição das condições, de que
trata o artigo supra transcrito, está diretamente relacionada ao princípio da
não afetação da receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas, positivado
no art. 167, inciso IV, da CR/88, cujas exceções, entre elas a operação de
crédito por antecipação de receita, estão ali elencadas.
As exigências de que trata o art. 38 da LRF podem ser detalhadas da seguinte maneira:
“a. o caput do artigo prevê o cumprimento das condições estabelecidas pelo
art. 32 da LRF, dentre elas estão, conforme já visto alhures: a existência de prévia e expressa autorização para a contratação; a sujeição aos limites fixados pelo
Senado Federal etc.;
b. o inciso I determina o dies a quo para contrair obrigação decorrente de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, que é 10 de janeiro;
241
CONTI. Op. Cit. p. 237.
242
Cf. determina o art. 38, § 2o, da LC
101/OO, “as operações de crédito por
antecipação de receitas realizadas por
Estados ou Municípios serão efetuadas
mediante abertura de crédito junto à
instituição financeira vencedora em
processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil”.
FGV DIREITO RIO
123
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
c. o termo final da operação deverá ser dia 10 de dezembro do mesmo ano
em que foi contraída a obrigação. Com efeito, essa exigência está diretamente
relacionada ao princípio do equilíbrio orçamentário, que traz subjacente a finalidade de conter o endividamento público243;
d. a previsão e pagamento de juros com observância dos limites legais. Sobre
tal regra, preleciona José Maurício Conti244 “que esses acréscimos restringem-se
apenas à taxa de juros, que deverá ser obrigatoriamente prefixada ou indexada a
TBF (taxa básica financeira245)”;
e. vedação à realização de operação enquanto existir operação da mesma natureza ainda não adimplida;
f. impossibilidade de realização de ARO no último ano de mandato do Chefe
do Poder Executivo. Tal regra tem como ratio subjacente evitar que o governante
deixe excessivo encargo financeiro decorrente de operação de crédito por antecipação de receita para o que lhe suceder246;
g. dispõe o § 2o do artigo em tela acerca da competência do Banco Central do
Brasil para organizar e promover o processo licitatório, denominado de “ processo
competitivo eletrônico”, para escolher a instituição financeira que irá negociar
com os Estados, DF e Municípios, com fulcro no art. 36 da Resolução do Senado
n° 43/2001. As propostas oriundas das instituições licitantes só poderão prever
cobrança de juros da operação, sendo vedado qualquer outro encargo, conforme
determina o art. 38, inciso III, da LRF e o art. 37, § 3o da Resolução do Senado
n° 43/2001. Tal restrição está expressa na exigência de entrega de declaração ao
Ministério da Fazenda por parte da Instituição vencedora de que não há qualquer
custo adicional à operação além da taxa de juros. Tal documento deve ser assinado
pelo contratante
(Chefe do poder Executivo) e pela contratada (Instituição
Financeira). O resultado do concurso será divulgado pelo Banco Central do Brasil a todas a instituições financeiras, ao Senado, ao Tribunal de Contas e ao Poder
Legislativo respectivos, ex vi do art. 39 da referida Resolução”.
Compete, ainda, ao Banco Central a função fiscalizadora do saldo do crédito aberto, nos termos do art. 38, § 3o da LRF. O eventual descumprimento
dos limites impostos, responderá a contratada instituição financeira, nos termos da legislação pertinente, conforme expressa o art. 73 da LRF.
III. Da Garantia e da Contra-Garantia.
Outro tema relevante para o objeto deste curso diz respeito às garantias
e contra-garantias que os Entes Políticos podem lançar mão ao realizarem
operações de crédito internas ou externas.
A garantia, conforme ensina a doutrina civilista, é uma espécie do gênero
caução e vincula-se à tutela do patrimônio, posto servir de instrumento para
preservação deste face às obrigações assumidas pelo devedor. No sistema nor-
243
Ensina Ricardo Lobo Torres que o art.
167, inciso III, da CR/88, — que estabelece a denominada “regra de ouro”,
isto é, a regra segunda a qual as operações de crédito não podem exceder o
montante das despesas de capital, salvo aquelas autorizadas mediante créditos suplementares e especiais para fins
específicos — teve como fundamento
a Constituição Alemã ( art. 115 ), a qual
também veda a existência de créditos
superiores aos gastos de investimentos. In: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado
de Direito Constitucional Financeiro
e Tributário. Vol. V. O Orçamento na
Constituição. 3ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2008. p. 183.
244
CONTI. Op. Cit. p. 252.
245
A Taxa Básica Financeira foi instituída pela Medida Provisória n° 1.875
(art. 5o), sendo, depois de sucessiva reedições, convertida na Lei 10.192 de 14
de fevereiro de 2001, cujo art. 5o assim
dispõe, in verbis: “Art. 5o Fica instituída
Taxa Básica Financeira — TBF, para ser
utilizada exclusivamente como base de
remuneração de operações realizadas
no mercado financeiro, de prazo de duração igual ou superior a sessenta dias.
Parágrafo único. O Conselho Monetário
Nacional expedirá as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo, podendo, inclusive, ampliar o
prazo mínimo previsto no caput”.
246
O art. 21, § único, da LRF veda qualquer operação que resulte em aumento
de despesa com pessoal nos 180 dias
anteriores ao final do mandato. Ainda
dispõe o art. 42 da LRF acerca da proibição de contratação de despesas nos
últimos dois quadrimestres que não
possam ser integralmente pagas no
período.
FGV DIREITO RIO
124
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
mativo pátrio as garantias se subdividem em reais e pessoais (fidejussórias). A
garantia decorre da necessidade de o credor sentir-se seguro de que vai receber
o pagamento da obrigação assumida pelo devedor. Nesse contexto, ensina o
civilista Caio Mário da Silva Pereira247 que a garantia ou caução estrito senso:
“(...) pode efetivar-se mediante a separação de um bem determinado, móvel
ou imóvel, com o encargo de responder o bem gravado ou seu rendimento pela
solução da obrigação ( penhor, hipoteca, anticrese ), casos em que fica estabelecido um ônus sobre a própria coisa, constituindo espécie de garantia real (...).
Mas pode realizar-se, também, mediante a segurança de pagamento oferecida
por um terceiro estranho à relação obrigatória, o qual se compromete a solver pro
debitore, e desta sorte nasce a garantia pessoal ou fidejussória.”
A despeito de serem aplicáveis as referidas formas de garantia na seara pública,
é preciso ressaltar certas peculiaridades que as distanciam da sua aplicação nas
relações privadas, visto que o administrador público tem como vetor axiológico
de sua conduta o interesse público, valor indisponível. Desta sorte, deve o ente
político, ao utilizar instrumentos de garantia ou contra-garantia, observar os ditames constitucionais e a legislação infraconstitucional. O art. 40 da LRF disciplina
a concessão de garantia em operações de crédito internas e externas pelos entes
federados.248 Nesse passo, merece relevo a contribuição de Misabel de Abreu Machado Derzi249 que, ao comentar o referido artigo 40, fez a seguinte análise:
“As garantias e contra-garantias podem ser reais ou pessoais. Mediante autorização legal, o ente federativo pode oferecer em garantia bens dominicais, móveis
ou imóveis, disponíveis. Não se pode impedir, embora a regra seja a inalienabilidade dos bens públicos, que certos bens de propriedade do Estado sejam vendidos
ou doados para fins de interesse coletivo, mediante lei. Se puderem ser objeto de
alienação, poderão ser onerados com garantia real. Entretanto, essa relatividade
inexiste em relação à receita pública ou à renda pública. Em se tratando, pois, de
garantia ou contra-garantia prestada mediante vinculação de receita de impostos,
estar-se-á diante de caução fidejussória, jamais real, pois a receita arrecadada,
existente nos cofres públicos, é absolutamente inalienável, imprescritível e impenhorável.” ( grifo da autora ).
Embora seja pertinente a visão da mencionada estudiosa, há que se reconhecer que a Constituição de 1988, em seu art. 167, IV, no qual está positivado o
princípio da não-afetação da receita, contempla a possibilidade de vinculação
de recursos oriundos de receitas de impostos para a concessão de garantias às
operações de crédito por antecipação de receita.250 É possível inferir da referida
exceção ao princípio da vedação à vinculação da receita de impostos a órgãos
e fundos, que o objetivo do Constituinte de 1988 é o de garantir o equilíbrio
247
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III. 10ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.
p.327-335.
248
Também cuida da matéria a Resolução do Senado Federal n° 43/2001.
249
DERZI, Misabel de Abreu Machado.
Comentários aos arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei
de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed.
rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
p. 258-344.
250
Cabe salientar que, para Misabel de
Abreu Machado Derzi, a vinculação de
receitas tributárias de que trata o art.
40 da LRF amplia a regra inserta no
art. 167, § 4o da CR/88, que prevê a
utilização dos referidos recursos à prestação de garantia ou contra-garantia à
União. Segundo a mencionada estudiosa, o texto do referido art. 40 amplia o
escopo da norma constitucional, uma
vez que estabelece a retenção e expropriação da receita do ente devedor
pelo garantidor, o que enseja vício de
constitucionalidade. In: DERZI, Misabel
de Abreu Machado. Comentários aos
arts. 40 a 47. In: MARTINS, Ives Gandra
da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder
do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo:
Editora Saraiva, 2008. p. 258-344.
FGV DIREITO RIO
125
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
financeiro-orçamentário do Estado e, como conseqüência, a concretização dos
direitos humanos fundamentais, os quais dependem dos serviços públicos, como
assistência à saúde e melhor estrutura da educação básica e do ensino médio.
EQUILÍBRIO FISCAL
Por fim, cumpre destacar que, no caso brasileiro, além do aumento da
despesa como proporção do PIB ao longo dos anos, nos termos já apresentados na aula passada, o resultado primário do Governo Central (total das
Receitas menos total das Despesas antes do pagamento dos Juros) vem sendo
positivo e crescente ao longo dos últimos anos, o que confirma o aumento da arrecadação da União em ritmo mais forte do que o crescimento dos
gastos e do PIB, sem considerar os encargos da dívida. No acumulado de
janeiro a novembro de 2008, conforme Relatório da Secretaria do Tesouro
Nacional251, o resultado do Governo Central é 38,9% superior ao obtido em
igual período de 2007 (R$ 91,5 bilhões contra R$ 65,9 bilhões). Com isso,
o resultado primário passou de 2,78% para 3,45% do PIB estimado para o
período. As receitas do Governo Central, líquidas de transferências aos estados e municípios, cresceram 3,2% acima do crescimento nominal do PIB no
período (11,97%), enquanto as despesas do Governo Central apresentaram
decréscimo de 0,3%. No entanto, deve-se ressaltar que o resultado nominal,
ou seja, se considerados o pagamento de juros da dívida, é deficitário.
Em sentido análogo ao que vem ocorrendo com a União, tem sido constatados resultados primários positivos e déficits nominais dos três níveis de
Governo de forma agregada (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
informações compiladas também a partir dos dados disponibilizados pela
Secretaria do Tesouro Nacional:
251
Relatório disponível no sitio http://
www.stn.fazenda.gov.br/. Merece destaque o fato de que, no mês de novembro de 2008, o resultado primário do
Governo Central passou a ser deficitário
em R$ 4,3 bilhões pela primeira vez em
quatro anos. No mês de outubro o superávit primário havia sido de R$ 14,9
bilhões e no mesmo mês do ano anterior, novembro de 2007, o superávit
primário havia sido de R$ 4,5 bilhões.
(Valores em R$ mil)
Resultado Geral
do Governo
2002
2003
2004
2005
2006
2007
I. Total das Receitas
511.748.237
586.924.326
685.020.631
786.204.210
874.786.441
991.471.083
II. Total das Despesas
478.018.839
529.830.707
610.970.826
702.155.690
801.510.676
907.142.788
III. Resultado Primário
(I-II)
33.729.398
57.093.619
74.049.805
84.048.520
73.275.764
84.328.294
IV. Juros Nominais
111.724.137
153.848.962
137.158.265
156.898.636
153.604.636
150.720.186
V. Resultado Nominal
(III-IV)
(77.994.738)
(96.755.342)
(63.108.460)
(72.850.116)
(80.328.872)
(66.391.892)
União, Estados e
Municípios
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
QUESTIONÁRIO
1) De acordo com o sistema financeiro orçamentário brasileiro, é possível a existência de algum órgão público que, em razão da sua natureza, não se submeta à Lei de Responsabilidade Fiscal? Responda
e indique a base legal.
2) Qual é a natureza jurídica dos empréstimos compulsórios, isto
é, aquela dívida contraída pelo poder público de forma cogente,
sem que o particular voluntariamente disponibilize os recursos
financeiros?
QUESTÕES DE CONCURSO
1- A dívida pública contraída a longo prazo ou até sem prazo conceituase como:
a) empréstimo compulsório;
b) dívida flutuante;
c) dívida fundada;
d) operação de crédito por antecipação;
(PGR- 19º Concurso para provimento do cargo de procurador da república — Procuradoria Geral da República — 2002 )
2- Considerando-se dívida pública aquela de natureza interna ou externa, contraída pelo Estado, mediante emissão de títulos (Luiz Souza Gomes,
“Dicionário Econômico e Financeiro”), as operações externas de natureza
financeira dependem:
a) de prévia autorização do Senado Federal;
b) de autorização do Senado Federal as de interesse dos Estados e Municípios;
c) apenas, da iniciativa do Executivo;
d) de referendo do Congresso Nacional;
e) do Executivo e do Senado Federal, as referentes à União.
(AGU- Advogado da União de 2ª Categoria — 1998 )
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
AFONSO, José Roberto e BARROSO, Rafael. Uma Reforma Esquecida.
In:Boletim de Desenvolvimento Fiscal. 5. IPEA. Junho, 2007.
BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio
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127
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
CONTI, José Maurício Conti. Comentários aos artigos 32 a 39. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
DERZI, Misabel de Abreu Machado. Comentários aos arts. 40 a 47. In: In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva e NASCIMENTO, Carlos Valder do.
Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 3ª ed. rev. São Paulo:
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GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática no Brasil. 3ª Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 17ª ed. rev. e atual. São
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MELLO, Gustavo Miguez de. O Tributo: Finalidades Econômica, Jurídica,
Política e Administrativa. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora
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NASCIMENTO, Leonardo do. E CHERMAN, Bernardo. Contabilidade
Pública. Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2007.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de e HORVATH, Estevão. Manual de Direito
Financeiro. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1999.
SILVA, Lino Martins da. Contabilidade Governamental. Um Enfoque Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed.
atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004.
------------. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol.
V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. atual. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2008.
FGV DIREITO RIO
128
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 7 – O TRIBUNAL DE CONTAS E O CONTROLE DA EXECUÇÃO
ORÇAMENTÁRIA.
A Administração Pública, compreendida em sua dúplice face, direta e indireta, está sujeita ao controle interno e externo. O interno, “é o controle
exercido por órgãos da própria Administração, isto é, integrantes do aparelho
do Poder Executivo”, preleciona Celso Antonio Bandeira de Mello.252 Na
realidade, o controle interno é inerente à gestão da coisa pública, sendo, portanto, poder-dever de todos os órgãos da Administração Publica, sejam do
Executivo, Legislativo ou do Judiciário, no tocante à sua estrutura funcional
e operacional.
O controle externo, a seu turno, é realizado por órgãos exógenos, ou seja,
aqueles que atuam fora da esfera controlada.
A expressão controle encontra sua origem remota no latim fiscal medieval,
como ensina Eduardo Lobo Botelho Gualazzi253, e “indica o exemplar do catálogo (dos contribuintes, dos censos, dos foros anuais) com base em que se
verifica a operação do exator”. O dicionário Houaiss254 da língua portuguesa,
por exemplo, discrimina uma série de significados para o termo controle, o
qual pode representar: “monitoração; fiscalização ou exame minucioso de
normas, fatos, ou situações; dispositivo ou mecanismo interno destinado a
comandar; painel; domínio da própria vontade; função que estabelece o curso de operações e sistemas, etc.”
De fato, a denominação controle tem significado multívoco, ou seja, evoca
mais de um sentido semântico. No Direito Administrativo, o termo controle
adquire um conceito jurídico, conforme propõe o administrativista clássico
Hely Lopes Meirelles:255 “controle, em tema de Administração Pública, é a
faculdade de vigilância, orientação e correção de um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”.
O controle dos atos da Administração Pública pode se dar em quatro âmbitos: político, administrativo, jurisdicional e social.
Na presente aula buscar-se-á delinear os aspectos que norteiam o controle
político-legislativo, sem descuidar, obviamente, de mencionar, ainda que de
forma sucinta, a relevância dos controles administrativo, judicial e social.
Com relação ao controle social, cabe, de pronto, ressaltar que a Constituição de 1988 e alguns diplomas normativos infraconstitucionais consagram
instrumentos que viabilizam a participação da sociedade no desenvolvimento
do processo democrático de gestão da coisa pública: é a concretização no
“mundo da vida”256 dos fundamentos da forma republicana de governo (art.
2º do ADCT) e da democracia participativa.257
Nesse sentido, observa-se que os cidadãos e as associações também podem
provocar o controle do Poder Público quando se depararem com situações
caracterizadoras de abuso de autoridade, por força do art. 5º, inciso XXXIV,
252
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito Administrativo. 17ª
ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2004. p. 827.
253
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho.
Regime Jurídico dos Tribunais de
Contas. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1992. p. 20-23.
254
DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS
2.O.
255
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo,
Destro Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Editora
Malheiros, 2001. p. 624.
256
A expressão “mundo da vida” empregada no texto, com inspiração em Jürgen Habermas, tem o sentido de “fatos
reais da vida”. Ver HABERMAS, Jürgen.
Pensamento Pós-Metafísico: Estudos
Filosóficos. 2. ed. Tradução Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Editora
Tempo Brasileiro, 2002. p. 88- 100.
257
Hely Lopes Meirelles menciona como
manifestação do controle social, que
ele denomina de “controle externo popular”, a disposição prevista no art. 31,
§ 3o, da CR/88, segundo a qual poderão
os contribuintes examinar as contas do
município em que são domiciliados, no
período de 60 dias, podendo questionar
a legalidade e a legitimidade das mesmas. In: MEIRELLES. Op. Cit. p. 626.
FGV DIREITO RIO
129
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
da Carta Magna, e da Lei 4.898/65, que disciplina o direito de representação
e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nas hipóteses
de abuso de autoridade. O indivíduo ainda pode fazer uso da ação popular
com vistas a tutelar qualquer ato lesivo ao patrimônio e a moralidade pública, com base no art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição, e na Lei 4.717/65,
bem como denunciar irregularidades ao Tribunal de Contas, amparado na
norma constitucional insculpida no art. 74, § 2º.258 No tocante ao acesso à
Corte de Contas, as associações, igualmente, podem denunciar ilegalidades,
assim como ajuizar ação civil pública, com o objetivo de defender, dentre
outras causas, o meio ambiente, a ordem econômica e a economia popular,
nos termos do art. 1º c/c art. 5º da Lei 7.347/85. Cumpre lembrar também
a possibilidade de qualquer pessoa, natural ou jurídica, comunicar à autoridade competente fato caracterizador de improbidade, consoante disciplina o
art. 14 da Lei 8.429/92.
Na opinião de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes259, o controle social talvez
seja o mais importante dos sistemas, uma vez que permite a participação de
todo o corpo social na manutenção e reconstrução contínua do Estado, aliás,
nada mais natural se entendermos, assim como John Locke260, que a razão
precípua da existência deste Ente é a de estruturar e proteger a esfera dos direitos humanos fundamentais.
I. Controle Político lato sensu
Segundo o administrativista José dos Santos Carvalho Filho261, o controle
político tem como ratio subjacente a harmonia entre os “Poderes estruturais
da República”, consubstanciando o princípio de freios e contrapesos (checks and balances), aplicado nos Estados Unidos e ínsito a visão de Montesquieu262, que já no século XVIII defendia a tese da existência de mecanismos
hábeis a controlar as ações de um Poder sobre o outro, a fim de se evitar
qualquer intervenção abusiva.
O poder político no Brasil é exercido, conforme a normativa constitucional de 1988, pelos três poderes263 do Estado (Legislativo, Executivo e
Judiciário).
Desta forma, à guisa de exemplo, constata-se o controle do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo, quando aquele exerce seu poder de veto sobre os
projetos de lei oriundos deste, nos termos do art. 66, § 1o, da CR/88. Quanto
ao Poder Judiciário, é possível visualizar a ingerência do Poder Executivo nas
nomeações dos integrantes dos Tribunais Superiores, como ocorre com a nomeação dos Ministros do STF.
O Poder Legislativo, a seu turno, controla o Poder Executivo quando,
por exemplo, com base no art. 167, V e VI, da CR/88, exerce a competência
258
Cabe destacar, ainda, a contribuição
do indivíduo no processo de elaboração
e de discussão das leis orçamentárias,
tendo por fundamento o princípio
da transparência, consagrado no art.
48, par. único, da Lei Complementar
101/2000 ( LRF ).
259
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby.
Tribunais de Contas do Brasil. Jurisdição e Competência. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005. p. 50-52.
Aponta o autor que o sistema social
se subdivide em interno e externo. “o
interno, constituído pelo conjunto de
ações adotadas pela sociedade para
mentalizar nos indivíduos as normas, os
valores e os objetivos da ordem social, é
enfatizado pela comunidade durante a
fase da socialização primária (...). (...),
no externo, os meios ( sanções, punições e ações reativas) são empregados
contra os indivíduos, cujo comportamento não guarda uniformidade com
as norma dos sistema dominante”.
260
LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e Outros Escritos.
Tradução Magda Lopes e Marisa Lobo
da Costa. 3ªed. Petrópolis: Editora
Vozes, 2001. p. 156 et seq. Para Locke,
os homens necessitavam de leis para
disciplinar suas condutas e de juizes imparciais para dirimir possíveis conflitos.
261
CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de Direito Administrativo.
17ª ed. rev. e ampl. atual. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007. p.
807-961.
262
MONTESQUIEU. De l´Esprit des lois,
I. Éditions. Gallimard, 1995. p. 328329.
263
Cabe realçar a doutrina de Vitor Rolf
Laubé, para quem o “poder” é uno e
inerente ao Estado, ou seja, o que existe
na realidade é uma distribuição de funções de acordo com a competência de
cada órgão. In: LAUBÉ,Vitor Rolf. Considerações acerca da conformação constitucional do Tribunal de Contas. Revista
de Informação Legislativa. Brasília.
29, 113, jan./mar. 1992, p. 308-309.
FGV DIREITO RIO
130
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de autorizar a abertura de créditos suplementares ou especiais, bem como o
remanejamento de recursos de um determinado segmento para outro, controlando as finanças e o orçamento do Poder Judiciário, com fulcro no art.
70 da Carta de 1988.
Por fim, o Poder Judiciário exerce o controle político sobre os outros poderes, por meio do controle da legalidade, legitimidade e constitucionalidade
dos seus atos.
Ressalte-se que, como muito bem pontua José dos Santos Carvalho Filho264, as hipóteses de exercício do Poder de Controle, por parte dos três
poderes mencionados, tem como principal objetivo “a preservação e o equilíbrio das instituições democráticas”.
II. Controle Administrativo
O controle administrativo, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro265,
consubstancia “o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública (em sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos
de legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação”, e
biparte-se em interno e externo.
O interno, conforme já mencionado alhures, diz respeito ao controle exercido pela Administração sobre os seus próprios órgãos, tendo como corolário
o poder de autotutela.266 Nesse sentido, a Constituição prevê diversos instrumentos à verificação da legalidade e legitimidade dos atos praticados pela
Administração, inclusive, mas não exclusivamente267, por meio dos órgãos de
consultoria e assessoramento jurídico internos, como é o caso, por exemplo,
da Advocacia-Geral da União (art. 131 da CR-88), das Procuradorias das
Casas Legislativas estaduais etc. No que se refere especificamente ao controle
interno da matéria financeira, orçamentária e patrimonial, o artigo 74 da
Constituição prevê:
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma
integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades
da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como
dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
264
CARVALHO FILHO. Op. Cit. p. 807.
265
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 600-608.
266
O STF esposa o entendimento segundo o qual a Administração pode anular
seus próprios atos quando eivados de
vícios de ilegalidade, consoante se
constata nas súmulas 346 e 473.
267
O Controle Interno é amplamente realizado por cada servidor público e, em
especial, pelo sistema de auditoria.
FGV DIREITO RIO
131
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de
qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas
da União, sob pena de responsabilidade solidária.”
Exemplo de controle interno híbrido ou atípico, criado pela Emenda
Constitucional nº 45/2004, é exercido pelo Conselho Nacional de Justiça.
O CNJ, apesar de ser órgão do Poder Judiciário, a teor do artigo 92 da
CR-88, com a sua redação conferida pela citada emenda, possui alguns
integrantes não vinculados do Poder Judiciário, como é o caso dos dois
representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e dos dois cidadãos,
de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara
dos Deputados e outro pelo Senado Federal, sem mencionar os membros
do Ministério Público da União e dos Estados (artigo 103-B, XI, XII e
XIII). A Constituição, no §4º do mesmo artigo 103-B, confere ao CNJ as
seguintes atribuições:
Art. 103-B (...)
....................................................................................................................
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes,
cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto
da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto
da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos
do Poder Judiciário, podendo desconstituílos, revê-los ou fixar prazo para que se
adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo
da competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder
público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional
dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar
a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos
proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de
juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
FGV DIREITO RIO
132
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças
prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal
Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da
sessão legislativa.
A mesma Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou §2º ao artigo
130-A, o qual estabeleceu, entre outras, competência ao Conselho Nacional
do Ministério Público para realizar “o controle da atuação administrativa e
financeira” do Ministério Público.
Por sua vez, o controle exercido sobre a denominada Administração Indireta, a qual compreende entidades dotadas de personalidade jurídica própria,
distinta do ente político268 a que se vincula, é externo, também denominado
de tutela ou de supervisão ministerial.269 Saliente-se, no entanto, que, malgrado ser comumente denominado de externo, esse controle se dá no âmbito
do próprio Poder Executivo (Controle Administrativo externo), razão pela
qual não deve ser confundido com o controle externo exercido pelo Poder
Legislativo (Controle Legislativo ou Parlamentar), com o auxílio do Tribunal
de Contas, conforme será explicitado adiante.
O controle administrativo pode ser, ainda, qualificado como preventivo
ou repressivo, nesse sentido ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto :270
“o controle administrativo preventivo é o exercitado antes de o ato ser praticado, ou mesmo durante sua prática, para que sejam evitados defeitos de legalidade ou de mérito. (...), por exemplo, em procedimentos preparatórios, como
os licitatórios (...). O controle administrativo repressivo é o que se emprega para
reconduzir a ação administrativa à legalidade e à legitimidade (...).”
Vale, ainda, destacar alguns instrumentos idôneos para realização do
controle administrativo, tais como: o direito de petição (art. 5º, XXXIV,
a, CR/88); reclamação referente à prestação de serviços públicos (art.
37, § 3º, I, da CR/88); e os recursos administrativos (art. 5º, LV, da
CR/88).
É importante frisar que a relação de cooperação sistêmica entre o controle
interno da Administração e o controle externo exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, é essencial para a eficiência da aplicação dos recursos públicos e da realização das atividades afetas ao interesse
público realizadas pelo Estado.
Do referido sistema de ajuda mútua poderiam exsurgir aspectos positivos,
conforme pontua Adhemar Paladini Ghisi:271
268
Vide nota de rodapé inicial da aula 8.
269
No âmbito federal esse tipo de
controle é denominado de supervisão
ministerial, por força do Decreto-Lei
200/67.
270
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
Curso de Direito Administrativo. 12ª
ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2002. p.556-561.
271
GHISI 1999 apud FERNANDES, 2005.
Op. Cit. p.53.
FGV DIREITO RIO
133
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
1) redução do escopo de trabalhos do controle externo, como decorrência da
verificação de efetividade dos exames levados a termo pelo controle interno;
2) fornecimento, por parte do controle interno, de informações vitais para
o melhor conhecimento dos setores a serem auditados. Por esse motivo, uma
das funções do controle externo é aferir o grau de confiabilidade dos trabalhos
realizados pelo controle interno;
3) eliminação da duplicidade de esforços, na medida do possível.
Parece, no entanto, que, na realidade concreta, o ideal de cooperação entre
os sistemas de controle, traçado pelo mencionado autor, ainda requer um longo caminho de conscientização por parte das próprias instituições públicas.
Nesse sentido, Renato Jorge Brown Ribeiro272, ao analisar estudo realizado
pelo próprio Tribunal de Contas, aponta que, dentre as opiniões colhidas no
âmbito do controle interno, está a constatação de que não há efetiva “troca
substancial de informações, nem um trabalho efetivamente sistêmico entre o
Controle Interno e Externo”.
III. Controle Legislativo ou Parlamentar:273
O controle legislativo divide-se em político e financeiro274, sendo exercido
diretamente pelo Poder Legislativo ou com o auxílio do Tribunal de Contas:
trata-se de um controle externo a estrutura do órgão fiscalizado.
A Carta de 1988 aumentou significativamente o rol de atribuições do Poder Legislativo no que concerne ao controle dos atos do Poder Público, aqui
englobadas a Administração Direta (entes da federação) e a Administração
Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia
mista, etc), nos termos do art. 49, inciso X. Também incumbe ao Parlamento
(Câmara e Senado conjuntamente) o julgamento das contas do Presidente da
República, ex vi do art. 49, inciso IX, e a fiscalização financeira e orçamentária da União, com o auxílio do Tribunal de Contas, consoante o disposto
nos arts. 70 e 71, todos do mencionado diploma constitucional. O artigo 70
dispõe verbis:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto
à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia
de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo e
pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98:
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens
272
RIBEIRO, Renato Jorge Brown.
Controle externo da Administração
Pública federal no Brasil: o Tribunal
de Contas da União — uma análise
jurídico-administrativa. Rio de Janeiro:
Editora América Jurídica, 2002, p.95100.
273
MOREIRA NETO. Op. Cit. p.562. O
autor adota tal terminologia e aponta
como a principal característica deste
controle a legitimidade, uma vez que
decorre do poder de fiscalização dos
representantes eleitos pelo povo.
274
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério
Pacheco. Improbidade Administrativa. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Editora Lúmen Júris, 2006. p.138-140.
Prelecionam os autores que, enquanto
o controle político “visa à fiscalização
de atos relacionados à função administrativa e à própria organização dos
Poderes Executivo e Judiciário, o controle financeiro, a seu turno, “é exercido
pelo Legislativo sobre todos os Poderes,
inclusive sobre os atos que praticar,
com o necessário auxílio do Tribunal
de Contas, importando na realização
do controle externo da administração
pública”. Conforme se depreende do
art. 70 da CR/88, o controle financeiro,
em sentido lato, abrange “a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial”das entidades da
Administração Direta e Indireta.
FGV DIREITO RIO
134
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta,
assuma obrigações de natureza pecuniária. (grifo nosso)
Nesse contexto, Odete Medauar275 professa que esse tipo de controle sobre
a Administração Pública encontra eco em todos os regimes de governo no
ocidente, malgrado “se registra descrença genérica quanto à eficácia e mesmo
operacionalização da fiscalização parlamentar”, ou seja, a despeito de se destacar a importância da atividade controladora do Poder Legislativo, a mesma
ainda não encontrou seu grau ideal de efetividade.
Como é cediço, cada um dos Poderes do Estado exerce uma função precípua, e no caso do Poder Legislativo276 é a de legislar. Porém, o espectro de sua
atuação é bem mais amplo, uma vez que, por força de imperativos constitucionais, o referido Poder também exerce o controle externo sobre os Poderes
Executivo e Judiciário, o que se apresenta como uma decorrência natural do
regime democrático representativo. Nesse sentido merecem relevo as palavras
de José Roberto de Paiva Martins:277
“A missão primitiva dos Parlamentos que, como se sabe, teve início no que
hoje chamamos Inglaterra, não foi legislar. Na Inglaterra, os Parlamentorum
eram porta-vozes das reclamações dos cidadãos junto ao Soberano. Levavamlhe as aspirações do povo sobre as necessidades públicas e, em especial, sobre
os excessos de imposição tributária. Como levavam tais pleitos sob a forma de
projetos, que eram sancionados ( ou não ) pelo Soberano, a prática foi adquirindo foros de atividade específica, dando origem à atividade parlamentar tal qual,
mutatis mutandis, a conhecemos hoje (...).”
Interessante observar, consoante à contribuição do mencionado estudioso,
que o controle social já era, na fase primária do parlamento, o elemento propulsor do controle parlamentar.
No Brasil, o controle parlamentar vem, cuidadosamente, esmiuçado na
Constituição, e, no tocante à fiscalização orçamentária e financeira, podese destacar a sua competência, por meio de comissão mista permanente de
senadores e deputados, para emitir pareceres acerca de programas nacionais,
regionais e setoriais, além de fiscalizar e acompanhar o cumprimento do orçamento, ex vi do art. 166, § 1o, da CR/88.
III. 1. Tribunal de Contas: poder-dever de fiscalizar, controlar e julgar as contas
públicas.
A Carta de 1988 incumbe ao Tribunal de Contas a função de auxiliar o
Poder Legislativo, para tanto consagra um rol de atribuições inerentes ao seu
papel no quadro social e político do Estado. Também disciplinam a compe-
275
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8ª ed. rev. e atual.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 459-464.
276
Ensina Manoel Gonçalves Ferreira
Filho que: “tradicionalmente o Legislativo é o poder financeiro. De fato, às
câmaras, ditas legislativas, por tradição
ou data do medievo, compete autorizar
a cobrança de tributos, consentir nos
gastos públicos, tomar contas dos que
usam do patrimônio geral. Na verdade,
o poder financeiro das câmaras é historicamente anterior ao exercício, por
elas, da função legislativa”. In: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de
Direito Constitucional. 18ª ed., 1980, p.
138, apud MEDAUAR, Odete. Controle
da Administração Pública pelo Tribunal
de Contas. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a.27, 108, out./dez.
1990, p. 101.
277
MARTINS 1995 apud FERNANDES,
2005. Op. Cit. p. 100-101.
FGV DIREITO RIO
135
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tência das Cortes de Contas, as Constituições estaduais e a normativa infraconstitucional.278
Cumpre, de pronto, destacar que a natureza jurídica das atribuições da
Corte de Contas bem como a sua posição institucional são questões controvertidas. Pode-se dizer que há, basicamente, duas correntes.
De um lado há aqueles, como os clássicos Pontes de Miranda e Rui Barbosa, que sustentam ser a Corte de Contas um Tribunal sui generis e independente279, ou seja, não vinculado a qualquer um dos Poderes.280 Na contemporaneidade, tem-se, por exemplo, Roberto Rosas e Jorge Ulisses Jacoby
Fernandes que também defendem a independência dos Tribunais de Contas,
cujas funções adotam ora natureza administrativa, ora de jurisdição (anômala), neste último caso quando, em decorrência de imperativo constitucional,
consubstanciado no art. 71, inciso II, devem julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.
Em linha de pensamento um pouco diversa, a outra corrente, encabeçada
por Maria Sylvia Zanella Di Pietro281 e Hely Lopes Meirelles282, afirma que
as Cortes de Contas não exercem atividade jurisdicional; conforme pontua o
mencionado administrativista, as atividades dos Tribunais de Contas brasileiros compreendem “funções técnicas opinativas, verificadoras, assessoradoras
e jurisdicionais administrativas”.
Consoante se verifica das posições doutrinárias acima referidas, a matéria
é controvertida, o que é compreensível, uma vez que no Brasil cabe ao Poder
Judiciário exercer a função jurisdicional precipuamente, porém, deve-se ressaltar que não o faz de forma exclusiva, na medida em que a própria Constituição prevê exceções ao exercício da jurisdição pelo mencionado poder,
conforme se extrai, por exemplo: 1. do art.52, incisos I e II, nos quais está
prevista a competência do Senado Federal para julgar, por crime de responsabilidade, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e
do Conselho Nacional Ministério Público; e 2. do art. 84, inciso XII, que
prevê a concessão de indulto e a comutação de pena pelo Chefe do Poder
Executivo Federal.
Cabe, ainda, realçar que a análise da natureza jurídica da jurisdição é questão complexa sobre a qual não se debruçará nesta aula, visto que o tempo e o
objeto estão delimitados; porém, não é demais traçar algumas linhas para melhor compreensão do que será estudado adiante. Nesse sentido, reconhece-se
que a determinação de quais atividades devem ser consideradas como exercício
da jurisdição depende, particularmente, do conceito que se adota para tal expressão.283 A propósito, De Plácido e Silva284, por exemplo, ao enfrentar o significado semântico da palavra jurisdição, a definiu como “o poder de julgar que,
decorrente do imperium, pertence ao Estado. E este, por delegação, o confere às
autoridades judiciais (magistrados) e às autoridades administrativas”.
278
Apenas à guisa de ilustração cabe
destacar: a Lei 9.452/97, que disciplina
a possibilidade de as Câmaras Municipais representarem ao TCU quando não
forem notificadas da liberação de recursos federais; a Lei 11.494/07, a qual
regula o FUNDEB, outorga às Cortes de
Contas o poder-dever de fiscalizar a
aplicação das verbas e o cumprimento
da norma inserta no art. 212 da CR/88;
a Lei 8.666/93, que trata de licitações e
contratos, prevê o direito de representação ao Tribunal de Contas, na hipótese de existência de irregularidades
nos procedimentos nela previstos; a Lei
8.730/93 permite a análise da evolução
patrimonial por parte das Cortes de
Contas; a Lei Complementar 101/00,
denominada lei de responsabilidade
fiscal, atribui ao Tribunal de Contas a
tarefa de fiscalizar a eficiência da gestão fiscal.
279
FERNANDES. Op. Cit. p. 140-153.
280
Nesse sentido, ver MEDAUAR, Odete.
Controle da Administração Pública.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 140-142, e STJ. RO em MS
nº 12.580, relator Min. José Arnaldo da
Fonseca. Brasília, 15.02.2001. Diário de
Justiça, DF, 02.04.2001, seção 1.
281
TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena.
O Controle das Aposentadorias pelos
Tribunais de Contas. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2004. p. 46.
282
MEIRELLES. Op. Cit. p. 662-663.
283
Nesse ponto cabe ver: BERMUDES,
Sérgio. Introdução ao Processo Civil.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002;
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de
Direito Processual Civil. Vol. I. 6ª Ed.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2001, e FERNANDES, Sérgio Ricardo
de Arruda. Questões Importantes
de Processo Civil. Teoria Geral do
Processo. Rio de Janeiro: Editora DP &
A. 1999.
284
SILVA, De Plácido e. Vocabulário
Jurídico. 19ª ed. rev. e atual. Por Nagib
Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.
p. 466.
FGV DIREITO RIO
136
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Assim como o magistrado, ao proferir uma decisão num dado processo, está aplicando o Direito, também o fazem, por exemplo, os senadores
quando julgam o Presidente da República, nos crimes de responsabilidade, o
Tribunal de Contas quando julga as contas dos administradores de dinheiro
e bens públicos, por força do art. 71, inciso II, da CR/88, e o Presidente da
República quando concede indulto.
De fato, não se pode refutar que existe diferença no conteúdo da atividade
jurisdicional nos exemplos acima mencionados. Tal atividade desempenhada
pelo Poder Legislativo tem escopo de ordem política, decorrência natural
do processo democrático representativo e, quando exercida pelo Tribunal de
Contas, assume feições de ordem técnica e social, na medida em que, ao
examinar e julgar as contas dos administradores do patrimônio público, visa
a Corte de Contas a analisar se foram respeitados os princípios da legalidade, da legitimidade e da economicidade. Já a jurisdição exercida pelo Poder
Judiciário, ao enfrentar as questões trazidas pelos jurisdicionados, vincula-se
ao princípio da legalidade.285 Frise-se, entretanto, que uma característica elas
têm em comum, que é a tutela dos direitos e garantias fundamentais.286
Oportuno pontuar que, a partir da Constituição de 1988, cabe aos Tribunais
de Contas, ao fiscalizar os gastos públicos, aferir, além da legalidade, a legitimidade
e a economicidade dos atos da Administração, conforme deixa claro o texto do art.
70 da Carta Maior. Nessa toada, esclarece Flávio Germano de Sena Teixeira:287 “o
poder constituinte de 1988 quis sintonizar o Tribunal de Contas no Brasil com a
tendência do controle externo no mundo, que não é meramente o controle dos
atos da Administração, mas da totalidade da gestão administrativa”.
Nessa linha de idéias, Emerson Garcia288 aponta que a atuação do Tribunal
de Contas abrange basicamente: 1. a função consultiva, quando profere parecer prévio das contas do Chefe do Poder Executivo; 2. a atividade julgadora,
realizada a partir da análise das contas dos administradores de bens e valores
públicos; 3. a competência sancionatória, isto é, aptidão para aplicar multas
e obrigar os responsáveis por danos ao erário a indenizar na justa medida
do prejuízo causado, consoante consagra o art. 71, inciso VIII, da CR/88289;
4. a função fiscalizadora prévia sobre o procedimento licitatório, sendo-lhe
admissível analisar editais e até sustar licitações em que haja alguma irregularidade, ex vi do art. 71, inciso X, da CR/88; e, ainda, 5. exercer o controle
prévio, ao acompanhar o cumprimento das leis orçamentárias, bem como a
eficiência da gestão fiscal, conforme exige a LC 101/00.290
Conforme já dito anteriormente, o Tribunal de Contas, no seu ofício fiscalizador, deve analisar a conduta do gestor da res publica a partir da perquirição dos princípios da legalidade, legitimidade e economicidade.
O princípio da legalidade, como é cediço, é a base fundamental dos atos da
Administração Pública, devendo ser o vetor da fiscalização das contas públicas, além de servir de base para o exame dos atos de execução orçamentária. O
285
FERNANDES. Op. Cit. p. 148.
286
Cf. Súmula 347 do STF: “o Tribunal de
Contas, no exercício de suas atribuições,
pode apreciar a constitucionalidade
das leis e dos atos do Poder Público”.
Isso não significa dizer que o Tribunal
de Contas pode declarar a inconstitucionalidade de lei, o que ele pode é
deixar de aplicar determinado diploma
normativo que esteja em desarmonia
com a Constituição. Vale ressaltar que,
no tocante às finanças públicas, o controle por parte do Tribunal de Contas é
um poder-dever que ultrapassa o aspecto meramente jurídico, enfeixando,
igualmente, o aspecto social, vez que
inerente a tal controle é a defesa dos
direitos humanos fundamentais e do
próprio processo democrático.
287
TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena.
O Controle das Aposentadorias pelos
Tribunais de Contas. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2004. p. 23.
288
GARCIA. Op. Cit. 141-152.
289
Importante frisar que as decisões
proferidas pelo Tribunal de Contas
com imputação de multas ou débitos
terão eficácia de título executivo extrajudicial, nos termos do art. 71, § 3o,
da CR/88. Tais multas e débitos serão
inscritos na Dívida Pública do respectivo ente.
290
A LC 101/00, em seu art. 59, § 1o,
estabelece a competência para os
Tribunais de Contas alertarem os administradores públicos sobre possíveis
descumprimentos das normas nela
previstas. Segundo entendimento de
Emerson Garcia e Rogério Pacheco
Alves, “a omissão da Corte de Contas
(nesse sentido) permitirá a aferição
prática do ato de improbidade previsto
no art. 11, II, da Lei 8.429/92 (...), o que
exigirá sejam perquiridos os motivos de
tal omissão à luz da estrutura organizacional do órgão”. In: GARCIA. Op. Cit.
p. 148.
FGV DIREITO RIO
137
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
princípio da legitimidade, por sua vez, encontra sua ratio essendi no “equilíbrio
e na harmonia entre os valores sociais, éticos e morais do grupamento, ensejando o surgimento de princípios e padrões de conduta de natureza consensual, o que permite divisar uma área de nítida superposição entre a moralidade e
a legitimidade dos atos dos agentes públicos”, sustenta Emerson Garcia.291
Por fim, tem-se o princípio da economicidade, corolário do princípio da
eficiência, proclamado no art. 37, da Carta de 1988, do qual se extrai a premissa de que a gestão da coisa pública deve buscar sempre otimizar os recursos de tal forma a atingir o máximo de feitos positivos para a sociedade,
destinatária das atividades estatais.
Conforme expressa o art. 71 da CR/88, dentre as atividades do Tribunal
Contas estão a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial292 da Administração Direta e Indireta. Cumpre indagar, no âmbito
da Administração Indireta, até que ponto pode a Corte de Contas fiscalizar as
empresas públicas e as sociedades de economia mista? Sobre esta questão, já se
pronunciou o Supremo Tribunal Federal que, em sede de Mandado de Segurança n° 23.627, da relatoria do Ministro Ilmar Galvão, definiu que a fiscalização
seria possível se jungida aos bens e valores por elas geridos293; o que é vedado é a
fiscalização da atividade de caráter privado realizada pelas referidas entidades.
Feitas essas considerações, cabe agora enfrentar o controvertido tema tratado no art. 71, inciso II, que prevê a competência de Cortes de Contas, nos
seguintes termos:
“Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,
bens e valores públicos da Administração Direta e Indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.” (grifo nosso)
Conforme ensina o especialista em controle externo Eduardo Carone
Costa Júnior294, a competência das Cortes de Contas para julgar295 as contas
dos administradores de bens públicos passou a ter base constitucional com a
Carta de 1934, se mantendo nas Constituições que lhe sucederam até chegar
ao Diploma Constitucional de 1988, que aumentou significativamente o escopo de atuação desses Tribunais.
III. 1.1. Adequada Exegese do termo “julgar” utilizado no inciso II do art. 70 da CR/88
Como quase tudo em Direito é objeto de controvérsia no plano da hermenêutica, a expressão “julgar” empregada pelo Constituinte de 1988 também
é motivo de dissonância entre os estudiosos.
291
GARCIA. Op. Cit. p. 147-148.
292
No tocante as referidas modalidades
de fiscalização, importante a leitura da
AULA 5, da Apostila Direito Tributário
e Finanças Publicas I. FGV/RIO.
293
Nesse sentido, cabe, por exemplo, a
fiscalização da Caixa Econômica Federal
pelo Tribunal de Contas, vez que a referida instituição é gestora do FGTS, como
muito bem lembrou Emerson Garcia. In:
GARCIA. Op. Cit. p. 143.
294
COSTA JÚNIOR, Eduardo Carone. As
Funções Jurisdicional e Opinativa do
Tribunal de Contas — Distinção e
Relevância para a Compreensão da
Natureza Jurídica do Parecer Prévio
Sobre as Contas Anuais dos Prefeitos.
Disponível em <www.tce.mg.gov.br/
revista >. Acesso em 26.05.2008. p.
1-25.
295
Cumpre ressaltar que, nos termos do
art. 71, § 3o, da CR/88, “as decisões do
Tribunal de que resulte imputação de
débito ou multa terão eficácia de título
executivo”.
FGV DIREITO RIO
138
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Autores como Régis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvath296, exempli
gratia, não aceitam a função jurisdicional como inerente à atividade de julgar
as contas dos administradores de bens públicos pelo Tribunal de Contas e,
para embasar sua posição, utilizam como argumentos:
“1.o Tribunal de Contas não compõe o Judiciário;
2. de acordo como o inciso XXXV do art. 5o da CF, “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, além do que não haverá “juízo ou tribunal de exceção” (inciso XXXVII). Significa que o legislador
constituinte de 1988 manteve o monopólio da atividade jurisdicional em mãos
do Poder Judiciário.
3. ao falar o inc. II do art. 71 em julgar as contas, “significa que as aprecia
com o significado de avaliá-las, entendê-las, reputá-las bem ou mal, jamais no
sentido de sentenciar, de decidir a respeito delas”. (referência textual de Oswaldo
Bandeira de Mello).” (grifo dos autores).
E concluem os doutrinadores: “(...) afirma-se, categoricamente, que o Tribunal de Contas tem função apenas administrativa.”
Nesse sentido, aponta Eduardo Carone Costa Júnior297 que:
“O pretenso monopólio da atividade jurisdicional nas mãos do Poder Judiciário, conforme o art. 5o, XXXV, da Constituição da República de 1988 é a base
do raciocínio daqueles que negam às Cortes de Contas o poder de dizer o direito
em caráter definitivo. Afirmam que o Brasil aderiu ao sistema inglês de jurisdição
única, ao contrário do existente em França, onde há jurisdições especializadas.”
Na linha de entendimento do mencionado estudioso, a norma inserta
no art, 5o, inciso XXXV, a qual dispõe, in verbis, que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, não afirma a exclusividade daquele Poder para o exercício da atividade jurisdicional, podendo a
própria Constituição prever hipóteses em que tal função é exercida por outro
órgão público, e o fez em várias situações como referido alhures: o Legislativo
quando julga o Presidente e o Vice-presidente da República por crimes de
responsabilidade, o Executivo quando concede indulto, e o Tribunal de Contas quando julga as contas dos gestores de valores e bens públicos.
Em sentido contrário à visão de parte da doutrina que não reconhece o
caráter de jurisdição à função da Corte de Contas de julgar, consoante o
inciso II do art. 71 da CR/88, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes298 assevera
que “as decisões dos Tribunais de Contas, quando adotadas em decorrência
da matéria que o Constituinte estabeleceu na competência de julgar, não
podem ser revistas quanto ao mérito”, uma vez que se isso fosse admissível
estar-se-ía tornando inócua não somente a norma constitucional que atribui
296
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. e
HORVATH, Estevão. Manual de Direito
Financeiro. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999,
p. 111-112.
297
COSTA JÚNIOR. Op. Cit. p. 10
298
FERNANDES. Op. Cit. p.89.
FGV DIREITO RIO
139
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
competência à Corte Contas para julgar as contas dos administradores de dinheiro e bens públicos, como também a própria atividade desenvolvida pelos
servidores daquele órgão.
Nessa toada, afirma Eduardo Carone Costa Júnior:299
“A revisibilidade judicial das decisões dos Tribunais de Contas somente se
dará quando estiverem elas contaminadas pelo abuso de poder, em qualquer de
suas espécies, excesso de poder ou manifesta ilegalidade. A inafastável garantia
do devido processo legal ou a decisão contiver manifesta ilegalidade.”300
Conforme se constata, há bons argumentos em ambos os sentidos, não
havendo, entretanto, pronunciamento definitivo por parte do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria.
QUESTIONÁRIO
1. Poderia o Poder Judiciário rever a decisão proferida por Tribunais
de Contas em sede de julgamento das contas dos administradores
de bens e valores públicos, na hipótese de admitida a natureza
não-jurisdicional da atividade de “julgar” daquelas Cortes?
2. Quem executa o título originário de decisão das Cortes de Contas,
que condena o administrador ao pagamento de multa ou qualquer
outro débito de natureza pecuniária?
QUESTÕES DE CONCURSO
1 – A fiscalização da execução orçamentária é realizada mediante:
a) controle interno de cada Poder, circunscrito à avaliação do cumprimento das metas previstas no plano plurianual.
b) controle externo do Poder Legislativo, com auxílio do Tribunal de
Contas, cujo parecer vincula a deliberação daquele.
c) estrita e exclusiva observância do princípio da legalidade
d) nenhuma das alternativas anteriores é verdade.
(Concurso para Procurador da República de 2003.)
299
2 – A fiscalização das renúncias de receitas, no âmbito da União, mediante controle externo, é exercida pelo:
a) Congresso Nacional, por intermédio do Tribunal de Contas da
União.
b) Sistema de fiscalização e controle do Poder Executivo
COSTA JÚNIOR. Op. Cit. p. 20.
300
Idem. Ibidem. Cf. o autor quando o
Tribunal de Contas “imputa débito ao
gestor ou lhe aplica multa, com base
no art. 71, II e VIII, da Carta Política de
1988, ele está proferindo uma decisão
de caráter eminentemente condenatório que terá eficácia de título executivo”,
ex vi do art. 71, § 3o, da CR/88.
FGV DIREITO RIO
140
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
c) Tribunal de Contas da União, privativamente.
d) Congresso Nacional, diretamente.
e) Tesouro Nacional.
(Concurso Público para Advogado da União– 1994)
3 - No exercício do controle financeiro externo, incumbe ao Tribunal de
Contas da União verificar se a despesa realizada ocorreu de modo a atender
a uma adequada relação custo-benefício, entre o seu valor e o respectivo
resultado para a população. Este controle denomina-se:
a) fidelidade funcional
b) cumprimento de metas
c) legitimidade
d) economicidade
e) Legalidade
(Concurso para Procurador da Fazenda Nacional de 1998.)
4- A regra básica do Estado de Direito é que governantes e governados
se subordinam à lei. Daí a necessidade de exercer, quanto à Administração
Pública, o desempenho de uma função fiscalizadora incluindo a atividade
financeira do Estado.
A fiscalização financeira, orçamentária e outras, conexas, será exercida pelo
a) Congresso Nacional
b) Congresso Nacional, partidos políticos e sindicatos
c) Sistema de controle interno de cada entidade
d) Congresso Nacional e pelo sistema de controle interno de cada entidade
e) Tribunal de Contas e Tribunais do Poder Judiciário
(Concurso Público para Advogado da União de 2ª Categoria — 1998)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2004.
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17ª ed. rev. e ampl. atual. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007.
COSTA JÚNIOR, Eduardo Carone. As Funções Jurisdicional e Opinativa
do Tribunal de Contas — Distinção e Relevância para a Compreensão da Natureza Jurídica do Parecer Prévio Sobre as Contas Anuais dos
Prefeitos. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.
Disponível em <www.tce.mg.gov.br/revista >. Acesso em 26.05.2008
DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS 2.O.
FGV DIREITO RIO
141
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil. Jurisdição e Competência. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS — RIO DE JANEIRO . Apostila Direito Tributário e Finanças Publicas I.
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2006.
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de
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HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: Estudos Filosóficos. 2
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LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e Outros Escritos.
Tradução Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ªed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8ª ed. rev. e atual.
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Destro Balestero Aleixo e José
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MONTESQUIEU. De l´Esprit des lois, I. Éditions. Gallimard, 1995.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.
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RIBEIRO, Renato Jorge Brown. Controle externo da Administração Pública federal no Brasil: o Tribunal de Contas da União — uma análise jurídico-administrativa. Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2002.
TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O Controle das Aposentadorias pelos
Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004.
FGV DIREITO RIO
142
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 8 – AS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS E A PARTILHA
DE RECEITA TRIBUTÁRIA NO FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO
Conforme já explicitado na Aula 2, os recursos disponíveis para cada
ente político realizar as suas funções em uma federação como a brasileira
não correspondem apenas às receitas auferidas individualmente, patrimoniais e extrapatrimoniais, isto é, as fontes de financiamento orçamentárias dos gastos em sentido lato, de cada ente federado, correspondem ao
conjunto:
(A) das receitas próprias de cada unidade política, obtidas, principalmente,
por meio do exercício de suas competências tributárias301, de suas receitas patrimoniais, da atividade econômica exercida por suas empresas, bem como das
operações de crédito; e
(B) da parcela decorrente do sistema de repartição de receitas tributárias e de
transferências intergovernamentais, que podem ser voluntárias ou obrigatórias,
correntes ou de capital
Preliminarmente, entretanto, cumpre destacar a distinção entre transferências intergovernamentais e intragovernamentais.
As despesas realizadas para transferir recursos financeiros a entidades pertencentes à Administração Pública, dentro da mesma esfera de governo, denomina-se transferências intragovernamentais. Em sentido diverso, as transferências entre os diversos entes federados, qualificam-se como transferências
intergovernamentais, as quais podem ter por fundamento:
(1) determinação constitucional ou legal, o que a caracteriza como participação obrigatória e
(2) o processo de descentralização orçamentário voluntário, que se efetiva pelas transferências discricionárias.
Acerca das transferências voluntárias, estabelece o artigo 25 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF) que:
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência
voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de
determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
(grifo nosso)
Saliente-se, ainda, que, consoante o disposto no artigo 167, X, da CR88 — inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/98
— é vedada “a transferência voluntária de recursos e a concessão de em-
301
Matéria a ser examinada na próxima
aula.
FGV DIREITO RIO
143
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
préstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e
Estadual e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com
pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios”.
Os instrumentos de repasse das transferências discricionárias são múltiplos, destacando-se entre eles os convênios, os contratos de repasse, ajustes,
a transferência automática e a transferência fundo a fundo. Os fundamentos para as transferências voluntárias302 também são vários, podendo ser,
por exemplo, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, conforme estatui o citado artigo 25 da LRF, visando, especialmente, à realização de obras e/ou serviços de interesse comum e coincidente às três esferas
de Governo.
As transferências voluntárias, por se tratarem de despesa para o ente
governamental transferidor, devem ter previsão na lei do orçamento anual,
nos termos do artigo 167, II da CR-88, bem como obedecer às condições
fixadas no já citado inciso X do mesmo dispositivo constitucional, na Lei
de Diretrizes Orçamentárias303, do ente federado concedente, e na Lei de
Responsabilidade Fiscal, a qual estabelece diversas condições e requisitos
para que a União realize transferências a título voluntário, destacando-se
entre eles os fixados nos artigos 11, 23, 25, 51, 52, 54 e 55. Se o Município, por exemplo, não encaminhar o balanço do exercício anterior à Secretaria do Tesouro Nacional no prazo determinado, fica impedido de receber
transferências voluntárias.
As informações sobre transferências voluntárias obtidas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) podem ser
consultadas no sítio da Secretaria do Tesouro Nacional no seguinte endereço
eletrônico: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/transferencias_voluntarias.asp.
A propósito, a participação das transferências voluntárias para o Estado
do Rio de Janeiro e os seus Municípios, de 1997 a Março de 2008, pode ser
sumarizada da seguinte forma:
302
Saliente-se, ainda, a existência
das subvenções sociais e econômicas,
disciplinadas, respectivamente, nos
artigos 16 e 18 da Lei n º 4.320/64.
As subvenções sociais são destinadas
às instituições públicas ou privadas de
caráter assistencial ou cultural, sem
finalidade lucrativa, que visam suplementar as ações da iniciativa privada
na área social. Já as subvenções econômicas destinam-se a cobrir os déficits
de manutenção das empresas públicas,
compreendendo aqueles decorrentes
do montante em que as despesas de
custeio superam as receitas correntes.
Destaque-se que a artigo 35, da Lei nº
11.514/2007, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da
Lei Orçamentária de 2008,da União, estabelece que “É vedada a destinação de
recursos a título de subvenções sociais
para entidades privadas, ressalvadas
aquelas sem fins lucrativos, que exerçam atividades de natureza continuada
nas áreas de cultura, assistência social,
saúde e educação, observado o disposto no art. 16 da Lei no 4.320, de 1964,
e que preencham” as seguintes condições fixadas no dispositivo. Os artigos
36 a 42 da mesma LDO fixam outras
restrições às destinações a entidades
privadas.
303
A Lei nº 11.768/2008, que dispõe
sobre as diretrizes para a elaboração
e execução da Lei Orçamentária de
2009, da União, estabelece, no artigo
40, que: “As transferências voluntárias,
conforme definidas no caput do art.
25 da Lei Complementar no 101/2000,
dependerão da comprovação, por parte
do conveniente, até o ato da assinatura
do instrumento de transferência, de
que existe previsão de contrapartida
na lei orçamentária do Estado, Distrito
Federal ou Município.” A contrapartida
será estabelecida em termos percentuais do valor previsto no instrumento de
transferência voluntária, considerandose a capacidade financeira da respectiva unidade beneficiada e seu Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH).
FGV DIREITO RIO
144
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Percentual de Transferências Voluntárias em relação ao
total Brasil
(1)
(2)
(3)
Estado e Municípios
do RJ*
Estado do RJ**
Municípios do RJ***
1997
3,55%
3,13%
4,58%
1998
2,98%
2,59%
3,70%
1999
8,96%
3,29%
11,38%
2000
3,99%
3,76%
4,30%
2001
3,95%
3,18%
5,36%
2002
3,72%
2,68%
4,91%
2003
4,43%
4,01%
4,83%
2004
3,62%
2,94%
4,24%
2005
4,57%
3,15%
5,80%
2006
4,81%
3,65%
5,73%
2007
6,74%
6,82%
6,66%
Jan-Mar
2008
6,07%
6,96%
5,83%
* Soma das transferências recebidas pelos Municípios e pelo Estado dividido pela
soma do total das transferências para Estados e Municípios
** Soma das transferências recebidas pelo Estado dividido pela soma do total
para todos os Estados do Brasil
*** Soma das transferências recebidas por todos os Municípios do Estado dividido pela soma do total de todos os Municípios do Brasil
Fonte dos dados: Secretaria do Tesouro Nacional — http://www.tesouro.fazenda.
gov.br/estados_municipios/transferencias_voluntarias.asp
Elaboração própria
Segundo informação do Jornal Valor de 02.09.2008 (página A4), entrou
em funcionamento no dia anterior à publicação da notícia “o Siconv, sistema
desenvolvido pelo governo federal especialmente para controlar os repasses
de recursos voluntários da União. Com isso, só conseguirão receber transferências não-obrigatórias do Tesouro Nacional entes públicos e entidades
privadas que se credenciarem e firmarem contrato por intermédio do Portal
de Convênios do governo federal.”
As transferências obrigatórias, por sua vez, podem ter fundamento constitucional ou legal. Destaque-se, inicialmente, conforme será examinado na
próxima aula, que o princípio geral, consoante o disposto no artigo 167, IV,
FGV DIREITO RIO
145
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
da CR-88, é o da impossibilidade de vinculação de receita de impostos a
órgão, fundo ou despesa, entretanto, o mesmo dispositivo estabelece diversas
exceções, entre as quais aquelas determinadas nos artigos 157 e 159, 198,
§2º, 212 e artigo 37, XXII, a serem apresentadas a seguir, bem como a prestação de garantias previstas no artigo 165, §8º, e no §4º do próprio artigo
167 — matéria analisada na Aula 6.
As transferências determinadas na Constituição, de caráter obrigatório,
podem ser segmentadas em seis grandes grupos, possuindo, cada qual, finalidades e naturezas distintas, destacando-se:
(1) aquelas determinadas pela Carta Magna visando a realização de
ações governamentais descentralizadas em que há participação de
múltiplos entes federados, como é o caso dos recursos financeiros
destinados:
i. ao Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pelo artigo 198
da CR-88, disciplinado pela Lei n° 8.080/90 e Lei n° 8.142/90,
e financiado, nos termos do artigo 195 da CR-88, com recursos
do orçamento da seguridade social, da União , dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, além de outros recursos
(§1°do artigo 198);
ii. ao Fundo de Assistência Social (FNAS), que são transferidos de
acordo com os critérios aprovados pelo Conselho Nacional de Assistência Social, o qual deve considerar “para tanto, indicadores
que informem sua regionalização mais eqüitativa, tais como: população, renda per capita, mortalidade infantil e concentração de
renda, além de disciplinar os procedimentos de repasse de recursos
para as entidades e organizações de assistência social, sem prejuízo
das disposições da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, nos termos do
art. 18, IX da Lei nº 8.742/1993, que dispõe sobre a organização
da Assistência Social, prevista nos artigos 203 e 204 da CR-88;
iii. ao Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico
e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB),
de que trata o artigo 60 do ADCT da CR-88, com a redação
dada pela Emenda Constitucional n° 53, de 19 de dezembro de
2006 e regulamentado pela Lei n° 11.494/2007 ;
(2) a quota dos Estados e dos Municípios, correspondente a dois terços
dos recursos arrecadados pela União com a contribuição social do
salário-educação de que trata o §6°do artigo 212 da CR-88, as quais
serão creditadas mensal e automaticamente em favor das Secretarias
de Educação dos Estados, do Distrito Federal e em favor dos Municípios, para financiamento de programas, projetos e ações voltadas
para a educação básica, nos termos do Decreto Federal nº 6.003 de
28 de dezembro de 2006;
FGV DIREITO RIO
146
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
(3) os recursos financeiros transferidos à título de compensação e participação no resultado da exploração de petróleo e gás natural, de
recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros
recursos minerais no território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, nos termos do §1º do artigo 20 da CR-88 ;
(4) a transferência da arrecadação do imposto sobre as operações de
crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), incidente sobre o ouro, quando definido em lei como
ativo financeiro ou instrumento cambial, cabendo, de acordo com
a sua origem, trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou
o Território, e setenta por cento para o Município, nos termos do
artigo 153, V, e § 5º da CR-88;
(5) os valores entregues pela União aos Estados e ao Distrito Federal,
de acordo com critérios, prazos e condições a serem definidos em
lei complementar, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as
exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições
destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a,
nos termos do artigo 91 do ADCT da CR-88, com a redação dada
pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003 e
(6) as transferências decorrentes da denominada “Repartição das Receitas Tributárias”, disciplinadas nos artigos 157 a 162 da CR-88,
Seção VI do Capítulo I — Do Sistema Tributário Nacional, o
qual está inserido no Título VI — Da Tributação e do Orçamento. Relativamente a este último grupo, disciplinado nos artigos
157 a 162 da CR-88, cumpre apontar a sua estreita conexão com
o disposto no já citado artigo 3º, III, da mesma Carta, que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais” (grifo nosso). Dessa forma,
pode-se concluir que a Constituição elegeu e consagrou o sistema
de repartição de receitas tributárias e de transferências entre os
entes federados como o principal304 instrumento financeiro para
alcançar o objetivo fundamental de reduzir as denominadas desigualdades regionais e promover o equilíbrio econômico entre
Estados e Municípios (artigo 161, II, da CR-88). Visando garantir a efetividade desses repasses, o artigo 160 da CR-88 estabelece a vedação da retenção ou qualquer restrição à entrega e ao
emprego dos recursos atribuídos aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios, sendo ressalvada, entretanto, a possibilidade de
304
Outros instrumentos podem ser
identificados no próprio sistema tributário, como, por exemplo, aquele previsto no artigo 151, I da CR-88, o qual
estabelece ser possível à União, em
atendimento ao princípio da igualdade
material, instituir tributo não uniforme em todo o território nacional, que
implique distinção ou preferência em
relação ao Estado, DF ou ao Município,
em detrimento de outro, na hipótese
de “incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento
sócio-econômico entre as diferentes
regiões do país”.
FGV DIREITO RIO
147
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
condicionamento do repasse das receitas “ao pagamento de seus
créditos, inclusive de suas autarquias”.
Apesar da CR-88 ter conferido a prerrogativa a cada um dos entes da
federação para instituir e exigir os seus próprios tributos, o que pode ensejar
o nascimento da relação jurídica-tributária entre o sujeito ativo credor e o
sujeito passivo devedor, conforme será estudado na próxima aula, os recursos
financeiros decorrentes dessa competência não se afiguram suficientes para
garantir a autonomia financeira de todos os Estados e Municípios do país.
De fato, a grande maioria dos Municípios e muitos Estados brasileiros são
dependentes da relação jurídica-financeira criada pela Constituição entre os
entes políticos visando o equilíbrio federativo, prevendo as citadas repartições das receitas tributárias a que alude.
Destaque-se que a doutrina estabelece diversas classificações no que concerne ao sistema de repartição das receitas tributárias, objetivando auxiliar a
diferenciação entre as diversas espécies e formas de alocação de recursos disciplinadas nos artigos 157 a 162 da CR-88.
Segundo Kiyoshi Harada305, a Constituição de 1988 estabeleceu “três modalidades diferentes de participação dos Estados, DF e Municípios na receita
tributária da União e dos Estados: (a) participação direta dos Estados, DF e
Municípios no produto de arrecadação de imposto de competência impositiva da União; (b) participação no produto de impostos de receita partilhada; (c) participação em fundos”. Outros autores306 qualificam-nas, quanto
à forma, em transferências “diretas, ou seja, sem qualquer intermediação,
e indiretas, efetuadas por meio de fundos”. José Maurício Conti307 aponta
que as transferências obrigatórias podem ser qualificadas como automáticas,
“quando estejam previstas no ordenamento jurídico de determinado Estado
de forma que devam ser operacionalizadas por ocasião do recebimento dos
recursos, independentemente de decisão de autoridades”, ou realizadas por
um sistema misto, quando a “transferência se opera em duas etapas, com
critérios diversos: há a transferência automática e obrigatória do recurso da
unidade a um determinado fundo, que, por sua vez, discricionariamente,
repassa os valores recebidos para as outras unidades, seguindo determinações
que podem variar conforme circunstâncias”.
A transferência e a apropriação dos recursos tributários partilhados podem
ocorrer por meio de Fundo ou sem a utilização desse instrumento, o qual tem
como requisito necessário a autorização legislativa, consoante o disposto no
artigo 167, IX, da CR-88.308
A Constituição, em duas hipóteses, determina a retenção dos valores pelos
próprios beneficiários da receita partilhada, consoante se extrai do disposto
no inciso I do artigo 157 e do inciso I do artigo 158. Tais dispositivos prevêem que pertencem aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
305
HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 45.
306
DI PIETRO, Juliano. Repartição de Receitas Tributárias: A repartição do produto da arrecadação. As Transferências
Intergovernamentais. In: CONTI, José
Maurício (Organizador). Federalismo
Fiscal. Barueri: Manole, 2004. p. 71.
307
CONTI, José Mauricio. Federalismo
fiscal e fundos de participação. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 39.
308
Dispõe ainda a Constituição, no artigo 165, §9º, II, que cabe à lei complementar “estabelecer normas de gestão
financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento
de fundos.”
FGV DIREITO RIO
148
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de
qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.
Assim sendo, quando os Estados, o Distrito Federal e os Municípios realizam pagamentos (ex: pagamento aos seus servidores etc.), os quais consubstanciem renda para o destinatário, devem essas unidades federadas executar,
por mandamento constitucional, a retenção do imposto de renda (IR) incidente na fonte pagadora. Portanto, o ente federado substitui aquele que aufere a renda no que se refere à obrigação de pagar o imposto devido, isto é, os
entes públicos subnacionais passam a ser substitutos tributários e, ao mesmo
tempo, titulares da arrecadação do IR retido, imposto cuja competência privativa para instituição é da União, nos termos do artigo 153, III, da CR-88.
Portanto, não há, conforme já salientado, qualquer sistema ou mecanismo
para repassar esses recursos aos entes beneficiários (Estados, Distrito Federal
e Municípios) nem desembolso de caixa no montante partilhado por parte
da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Dessa forma,
a receita tributária é repartida sem que haja o efetivo repasse financeiro dos
recursos pelo Tesouro Nacional por intermédio do Banco do Brasil. Assim,
por exemplo, quando os Estados, o Distrito Federal e os Municípios efetivam
o pagamento mensal aos seus servidores desembolsam apenas o montante líquido a ser recebido a título de remuneração ou de subsídio, sendo o ente público subnacional responsável, no entanto, pela denominada retenção na fonte. A União, titular da competência tributária para instituir o IR, certamente
acompanha e controla os valores envolvidos, tendo em vista a necessidade de
contabilização dos montantes pertinentes: (1) em sua execução orçamentária;
(2) para a fiscalização das declarações anuais de imposto de renda daqueles
destinatários dos pagamentos a ensejar a retenção, efetuados pelos Estados,
Distrito Federal e Municípios; e bem assim, (3) para a efetivação da exclusão
dessa parcela do IR retido na fonte dos montantes a serem transferidos a título de Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), Fundo
de Participação dos Municípios (FPM) aos programas de financiamento ao
setor produtivo das Regiões Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste
(FCO), nos termos do artigo 159, §1º da CR-88.
Também pertencem aos Estados e Municípios vinte por cento do produto
da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que
lhe é atribuída pelo art. 154, I, a denominada competência residual da União,
a ser examinada na próxima aula.
Existe ainda a previsão da repartição das receitas de dois impostos de competência dos Estados: (a) do imposto incidente sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios (IPVA); e (b) do imposto
incidente sobre a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
FGV DIREITO RIO
149
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), disciplinados, respectivamente, nos incisos III e IV do artigo 158 da CR-88.
Aludida sistemática está prevista nos artigos 4º e 5 º da Lei Complementar
nº 63/1990, que dispõe:
“Art. 4º Do produto da arrecadação do imposto de que trata o artigo anterior, 25% (vinte e cinco por cento) serão depositados ou remetidos no momento
em que a arrecadação estiver sendo realizada à “conta de participação dos Municípios no Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e
sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicações”, aberta em estabelecimento oficial de crédito e de que são titulares, conjuntos, todos os Municípios do Estado.
§ 1º ...........................................................................................................
§ 2º Os agentes arrecadadores farão os depósitos e remessas a que alude este
artigo independentemente de ordem das autoridades superiores, sob pena de
responsabilidade pessoal.
Art. 5º Até o segundo dia útil de cada semana, o estabelecimento oficial de
crédito entregará, a cada Município, mediante crédito em conta individual ou
pagamento em dinheiro, à conveniência do beneficiário, a parcela que a este
pertencer, do valor dos depósitos ou remessas feitos, na semana imediatamente
anterior, na conta a que se refere o artigo anterior.”
Saliente-se, entretanto, que sob a perspectiva da execução do orçamento,
as receitas do ICMS e do IPVA são registradas e contabilizadas de forma integral nos demonstrativos financeiros do Estado, como decorrência e reflexo
do já apresentado princípio do orçamento bruto309, ainda que as parcelas
pertencentes aos municípios sejam direcionadas pelo agente arrecadador diretamente para a conta dos Municípios.
No mesmo sentido, quando da elaboração do orçamento e da estimativa de
receita, os montantes relativos ao IPVA e ao ICMS devem constar do orçamento
do Estado como receita corrente310 pelo seu valor estimado bruto, sem abatimento da participação dos Municípios. Esses valores, constitucionalmente atribuídos,
devem ser contabilizados como despesa para o Estado, enquadrada a hipótese
como transferência corrente, nos termos do artigo 12 da Lei nº 4.320/1964. Por
outro lado, no orçamento municipal devem ser registrados os montantes que,
por estimativa, serão repassados pelo Estado no exercício como receita corrente,
sendo categorizada economicamente como receita de transferência corrente.
Apresentados esses exemplos do Imposto de Renda retido na fonte pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como do IPVA e ICMS, hipóteses em que não há efetivo envio ou fluxo financeiro entre os entes federados,
cumpre agora analisar as outras hipóteses de que tratam a citada Seção VI,
relativamente à repartição de receitas tributárias.
309
O princípio do orçamento bruto está
positivado no art. 6º, da Lei 4.320/64, e
estabelece que todas as receitas e despesas devem constar de lei orçamentária e de créditos adicionais pelos valores
totais, vedadas quaisquer deduções.
No entanto, conforme será estudado na
Aula 10, Manual de Receita Nacional,
de utilização obrigatória pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios,
aprovado pela Portaria Conjunta n° 3,
de 14 de Outubro de 2008, do Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da
Fazenda e da Secretária de Orçamento
Federal do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, disponibilizada no
endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br, estabelece dois
procedimentos possíveis: 1) “No caso
em que se configure em orçamento
apenas o valor pertencente ao ente
arrecadador, deverá ser registrado
o valor total arrecadado, incluindo os
recursos de terceiros. Após isso, estes
últimos serão registrados como dedução da receita e será reconhecida uma
obrigação para com o “beneficiário”
desses valores. A adoção desse procedimento está fundamentada no fato de
que não há necessidade de aprovação
parlamentar para transferência de recursos de acordo com o que determina
a legislação. As transferências constitucionais ou legais constituem valores
que não são passíveis de alocação
em despesas pelo ente público, desse
modo, não há desobediência ao Princípio do Orçamento Bruto, segundo
o qual receitas e despesas devem
ser incluídas no orçamento em sua
totalidade, sem deduções”; e 2) “No
caso em que se consigne em orçamento
o valor total a ser arrecadado, incluindo
os recursos de terceiros, em que o ente
seja apenas arrecadador, o recebimento
será integralmente computado como
receita, sendo efetuada uma despesa
quando da entrega ao beneficiário.
Exemplo: FPM — Fundo de Participação dos Municípios. Tais observações
são aplicadas apenas para recursos que
não pertençam ao ente, ou seja, cuja
transferência seja intergovernamental,
de acordo com a legislação em vigor.”
310
Conforme já salientado, as diversas
classificações das receitas e despesas
serão apresentadas na aula 10.
FGV DIREITO RIO
150
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
No que se refere ao imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR),
malgrado tratar-se de imposto da competência privativa da União (art. 153,
inciso VI), a Constituição permite a sua fiscalização e cobrança pelos Municípios, que assim optarem, nos termos da lei, desde que não ocorra redução do
imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.311 O artigo 158, II, com
a sua redação dada pela Emenda Constitucional 42/2003, por sua vez, estabelece pertencer aos Municípios cinqüenta por cento do produto da arrecadação
do ITR, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo, no entanto, a totalidade do imposto na hipótese de o Município exercer a opção de que trata
o citado art. 153, §4°, inciso III, isto é, passarem a fiscalizar e cobrar o ITR.
A Lei nº 11.250, de 27 de dezembro de 2005, disciplina essa opção e dispõe
que a União, por meio da Secretaria da Receita Federal, “poderá celebrar convênios com o Distrito Federal e os Municípios que assim optarem, visando a
delegar as atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos créditos
tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural,
de que trata o inciso VI do art. 153 da Constituição Federal, sem prejuízo
da competência supletiva da Secretaria da Receita Federal”. Tendo em vista
as dificuldades práticas para operacionalizar o aludido sistema, foi editado o
Decreto nº 6.433, de 15 de abril de 2008, por meio do qual foi “instituído
o Comitê Gestor do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural -CGITR
com a atribuição de dispor sobre matérias relativas à opção pelos Municípios
e pelo Distrito Federal para fins de fiscalização, inclusive a de lançamento de
créditos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial
Rural — ITR, de que trata o inciso III do § 4o do art. 153 da Constituição,
bem assim com competência para administrar a operacionalização da opção”.
O artigo 13 do Decreto estabelece que “o CGITR definirá o sistema de repasse do total arrecadado, inclusive encargos legais, para o Município optante”, e prevê, ainda, que “enquanto o CGITR não regulamentar o prazo para
o repasse” o mesmo “será efetuado nas mesmas condições e datas em que
são transferidos decendialmente os recursos do Fundo de Participação dos
Municípios, vedada qualquer forma de retenção ou condição suspensiva da
transferência”. Em 15.04.2008 foi publicada no Diário Oficial da União a
Resolução nº 1, de 13.05.2008 do CGITR, que aprova o Regimento Interno
do Comitê Gestor do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.
Portanto, independentemente da opção a que alude o artigo 153, §4°,
inciso III, a União deve repassar o montante próprio do produto da arrecadação do ITR, cem por cento no caso de Município optante e cinqüenta por
cento na hipótese de ser mantida a fiscalização pela União.
Existem, ainda, duas outras hipóteses de repartição de receita nas quais há
transferência de recursos financeiros dos cofres da União aos Estados e ao Distrito Federal sem que a Constituição suscite a realização do repasse por meio de
Fundos. São aquelas disciplinadas nos incisos II e III do artigo 159 da CR-88.
311
art. 153, §4°, inciso III, da CR-88, com
a sua redação conferida pela Emenda
Constitucional 42/2003.
FGV DIREITO RIO
151
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
O artigo 159, II, da CR-88, dispõe que a União entregará aos Estados e ao
Distrito Federal 10% (dez por cento) do produto da arrecadação do Imposto
sobre Produtos Industrializados, proporcionalmente ao valor das respectivas
exportações de produtos industrializados, sem mencionar a instituição de
Fundo para tanto. A parcela individual de cada unidade federada não poderá,
nos termos do § 2° do artigo 159, ser superior a vinte por cento do montante total a ser repassado pela União a este título. A Lei Complementar n°
61/1989 regulamenta a matéria312 e estabelece que os coeficientes individuais
de participação de cada Estado e do Distrito Federal “deverão ser apurados
e publicados no Diário Oficial da União pelo Tribunal de Contas da União
até o último dia útil do mês de julho de cada ano”, sem mencionar também
a constituição de Fundo. A Lei n° 8.016/1990, por sua vez, disciplina que as
quotas de participação dos Estados e do Distrito Federal no produto da arrecadação do IPI: “serão creditadas em contas especiais abertas pelas Unidades
da Federação, em seus respectivos bancos oficiais ou, na falta destes, em estabelecimentos por elas indicados, nos mesmos prazos de repasse das quotas do
Fundo de Participação dos Estados e Municípios”. Não há menção, repise-se,
à necessidade de constituição de Fundo para a sua operacionalização. Ressaltese, ainda, que, analogamente ao que ocorre com o citado sistema de natureza
compensatória de que trata o artigo 31, da Lei Complementar n° 87/1996,
relacionado ao ICMS, vinte e cinco por cento do que cabe a cada Estado, a
título de transferência de IPI-exportação, são destinados aos seus Municípios,
observando-se o mesmo critério de rateio adotado para a distribuição da cota
parte do ICMS que cabe aos Municípios (25%), consoante os termos do § 3°
do artigo 159 combinado com o artigo 158, parágrafo único, incisos I e II da
CR-88. Nesse sentido, o artigo 5° da Lei Complementar 61/1989 estabelece
que devem ser observados “os mesmos critérios, forma e prazos estabelecidos
para o repasse da parcela do ICMS que a Constituição Federal assegura às
municipalidades”. Complementa a disciplina dessa matéria o artigo 7° da Lei
Complementar n° 63/1990, que dispõe in verbis:
“Art. 7º Dos recursos recebidos na forma do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, os Estados entregarão, imediatamente, 25% (vinte e cinco por
cento) aos respectivos Municípios, observados os critérios e a forma estabelecidos nos arts. 3º e 4º desta Lei Complementar.”
Assim sendo, ao realizar o repasse desse recurso aos Estados, o Banco do Brasil já realiza a separação da cota pertinente aos Municípios (25%) e a credita em
sua conta, ou seja, o montante bruto da transferência contabilizado no orçamento não é integralmente depositado na conta do tesouro dos Estados, razão
pela qual não chega a ter a disponibilidade jurídica ou econômica do recurso,
em termos análogos ao que ocorre com a partilha do ICMS e do IPVA.
312
O artigo 4°, da Lei Complementar
n° 65/1991, determina que, para o
cálculo da participação de cada Estado
ou do Distrito Federal nesta repartição da receita tributária: “somente
será considerado o valor dos produtos
industrializados exportados para o
exterior na proporção do ICMS que
deixou de ser exigido em razão da nãoincidência prevista no item a do inciso X
e da desoneração prevista no item f do
inciso XII, ambos do § 2° do art. 155 da
Constituição”.
FGV DIREITO RIO
152
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Por fim, saliente-se que a citada Lei nº 11.494/2007, que regulamenta o
FUNDEB, estabelece que 20% do que for repassado ao Estado a título de
ressarcimento de IPI-exportação deve ser direcionado ao Fundo de Educação
estadual. Esta parcela também já é segmentada e depositada em contas separadas pelo próprio Banco do Brasil, que realiza o repasse tanto da parcela do
Estado como o percentual do Município no FUNDEB.
A outra hipótese de transferência, sem a previsão constitucional de Fundo para a sua efetivação, está disciplinada no inciso III313 do artigo 159 da
CR-88, com a sua redação conferida pela Emenda nº 44, de 2004, o qual se
consubstancia no primeiro caso previsto na Constituição de partilha de contribuição. O dispositivo estabelece, in verbis:
“do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados
e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que
se refere o inciso II, c, do referido parágrafo”.
O artigo 177, § 4º, prevê a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo,
gás natural e seus derivados, assim como de álcool combustível, a denominada CIDE-Petróleo ou Combustíveis-, sendo estabelecido no citado inciso
II, c, do parágrafo, que os recursos arrecadados serão destinados ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. Vale dizer que da
parcela pertinente a cada Estado, vinte e cinco por cento é repassado aos seus
Municípios, conforme determina o§ 4º do artigo 159 da CR-88.
Em observância ao disposto nos artigos 159, III, da CR-88 e 93 do
ADCT, a Lei no 10.866/2004 acrescentou os artigos 1o-A e 1o-B à Lei
no 10.336/2001, que institui a Cide-Petróleo. Os dispositivos adicionados regulamentam a partilha da arrecadação da contribuição e estabelecem
que: “os recursos serão distribuídos pela União aos Estados e ao Distrito
Federal, trimestralmente, até o 8o (oitavo) dia útil do mês subseqüente ao
do encerramento de cada trimestre, mediante crédito em conta vinculada
aberta para essa finalidade no Banco do Brasil S.A. ou em outra instituição
financeira que venha a ser indicada pelo Poder Executivo federal.” A lei
determina ainda que os percentuais individuais de participação dos Estados e do Distrito Federal, para o rateio dos 29%, “serão calculados pelo
Tribunal de Contas da União” de acordo com os critérios fixados no § 2º
do artigo 1o-A. Nos mesmos termos do IPI- exportação, ressalvada a inexistência de qualquer vinculação ao FUNDEB, o Banco do Brasil, agente
financeiro repassador dos recursos, já segmenta o montante transferido em
duas parcelas, ou seja, cota Estado e cota Municípios. Assim, o valor bruto
total não é disponibilizado em conta de titularidade do Estado, havendo,
313
O artigo 93 do ADCT, dispositivo inserido pela Emenda Constitucional n°
42/2003, estabeleceu que a vigência do
disposto no artigo 159, III, e § 4º, que
fixa participação dos Estados na arrecadação da CIDE, somente se iniciaria
após a edição de lei a que se refere o
artigo, o que ocorreu com a edição da
Lei no 10.866/2004 .
FGV DIREITO RIO
153
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
entretanto, nos termos já repisados a sua contabilização orçamentária pelo
seu montante bruto.
Conforme já enfatizado, a característica comum entre essas modalidades
de repartição de receitas tributárias, analisadas até o momento, refere-se ao
fato de que a Constituição não menciona a necessidade de constituição de
Fundo para a respectiva operacionalização, isto é, o artigo 157, I e II; o artigo
158, I, II, III, IV, e o artigo 159, II e III, prevêem a partilha de receitas tributárias e a sua apropriação pelos entes beneficiados sem a necessidade de sua
realização por meio de Fundo.
Em sentido diverso, as hipóteses de repartição dos quarenta e oito por
cento das receitas tributárias do produto da arrecadação dos impostos sobre
(1) renda e proventos de qualquer natureza e (2) sobre produtos industrializados, de que trata o artigo 159, I, da CR-88, pressupõe a operacionalização
da partilha e a transferência dos recursos financeiros por meio de Fundos.
Derivado do latim fundus314 (fundo, base, bens de raiz), possui na terminologia jurídica várias significações. No plural, fundos, ainda segundo
De Plácido Silva, é “aplicado como haveres, recursos financeiros, de que se
podem dispor de momento ou postos para determinado fim, feita abstração
a outras espécie de bens. Neste sentido, temos, os fundos disponíveis ou os
fundos de reservas sociais.” A doutrina diverge quanto à natureza jurídica
dos fundos, havendo autores que entendem não possuir personalidade jurídica, no entanto, nos mesmos termos do condomínio possuem capacidade
processual. Alguns fundos, como é o caso do FUNDEB, por determinação
constitucional, possuem natureza meramente contábil. No contexto constitucional brasileiro da repartição de receita, sustenta Maurício Conti315 que
“não há porque atribuir personalidade jurídica — ou capacidade postulacional, ou processual — a parte de uma fórmula matemática de transferência
intergovernamental despida de qualquer grau de autonomia”. O artigo 165,
§9°, II, da CR-88 prevê que cabe à lei complementar “estabelecer normas
de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem
como condições para a instituição e funcionamento de fundos”. Por sua
vez, a Lei 4.320/64 dispõe no seu artigo 71 que “Constitui fundo especial
o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de
determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares
de aplicação”.
O artigo 159, I, da CR-88, com a sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 55, de 2007, dispõe que:
“Art. 159. A União entregará:
I — do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de
qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento
na seguinte forma:
314
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio
de Janeiro, 2002. p. 374.
315
Conti. Op.Cit.p.78.
FGV DIREITO RIO
154
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação
dos Estados e do Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação
dos Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor
produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de
desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos
recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;” (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 55, de 2007)
Objetivando delinear as regras essenciais para a operacionalização desses
dispositivos, o parágrafo único do artigo 161 da CR-88 confere competência
ao Tribunal de Contas da União (TCU) para efetuar o cálculo das quotas
referentes aos fundos previstos nas alíneas a, b e c do inciso I do transcrito artigo 159. Nesse contexto, visando a promover o equilíbrio sócio-econômico
entre os Estados e entre os Municípios, a Constituição estabelece, ainda, no
inciso II, do mesmo artigo 161, que cabe à lei complementar fixar normas
e critérios de rateio do Fundo de Participação dos Municípios — FPM, do
Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal — FPE, do Fundo
Constitucional de Financiamento do Norte — FNO, do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste — FNE e o Fundo Constitucional de
Financiamento do Centro-Oeste — FCO.
Com fundamento nos citados dispositivos constitucionais, e com base no
inciso VI, da Lei nº 8.443 de 16 de julho de 1992 ( Lei Orgânica do Tribunal
de Contas da União ), no art. 6º, parágrafo único, da Lei nº 7.827 de 27 de
setembro de 1989, nos artigos 88 a 92 da Lei nº 5.172 de 25 de outubro de
1966 (Código Tributário Nacional), com as alterações introduzidas pelo Ato
Complementar nº 35 de 28 de fevereiro de 1967, e pelo Decreto-lei nº 1.881
de 27 de agosto de 1981; e nas Leis Complementares nºs 62 de 28 de dezembro de 1989 e 91 de 22 de dezembro de 1997, que fixam normas e critérios
de rateio dos Fundos, o TCU publica todos os anos os coeficientes destinados
ao cálculo das quotas referentes ao FPE316, FPM, FNO, FNE e FCO.
Cabe ressaltar, ainda quanto ao FPE e FPM, que nos termos do artigo 4°
da Lei Complementar n° 62/1989, a União deve creditar às “contas individuais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação nos
seguintes prazos máximos: I — recursos arrecadados do primeiro ao décimo
dia de cada mês: até o vigésimo dia; II — recursos arrecadados do décimo
primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia; III — recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do
316
Saliente-se, entretanto, conforme
noticiado na Revista do TCU, ANO 35,
NÚMERO 109, MAIO/AGOSTO 2007,
pg. 113. Disponível em: <http://
www2.tcu.gov.br/portal>. Acesso em
18.05.2008, que: “muitos municípios
não se conformam com o cálculo efetivado pelo tribunal e recorrem ao Poder
Judiciário para o incremento de seus
coeficientes. São ajuizadas ações ordinárias com pedido de tutela antecipada
inaudita altera pars com esse objetivo.
O deferimento dessas tutelas antecipatórias acarreta a alteração do coeficiente do município e repercute no valor a
ser percebido por outros municípios do
interior do mesmo Estado. Quando essa
decisão interlocutória do juízo singular
lhes é desfavorável, há a interposição
de agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal respectivo, com
pedido liminar de efeito suspensivo, o
denominado efeito suspensivo ativo.
Deferida essa liminar, o resultado é
análogo, ou seja, é alterado o coeficiente de FPM do município. Essas decisões,
em sede de cognição sumária, representam transtorno ao TCU e ao Banco
do Brasil, responsável pela entrega do
montante devido a cada município.
Com o intuito de preservar a competência constitucional do TCU de fixar os
coeficientes de FPM, a Consultoria Jurídica do órgão, alegando grave ofensa à
ordem econômica e jurídica (arts. 4º da
Lei 8.437/1992 e 25 da Lei 8.038/1990)
ajuizou, diretamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspensão de liminar contra decisão de desembargador
federal da 4ª Região, que, em agravo de
instrumento, deferira o efeito suspensivo ativo. O vice-presidente (STJ), no
exercício da Presidência, ministro Francisco Peçanha Martins, em 11/6/2007,
acolheu a pretensão do TCU, ou seja,
deferiu o pedido de suspensão da liminar. Dessa forma, o coeficiente de FPM
do município interessado retorna ao
valor fixado pela Decisão Normativa/
TCU nº 79/2006.”
FGV DIREITO RIO
155
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
mês subseqüente”. Assim, são mensais os repasses do produto da arrecadação
dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos
industrializados, de que tratam as alíneas a e b do inciso I, no montante de
vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos
Estados e do Distrito Federal e de vinte e dois inteiros e cinco décimos por
cento ao Fundo de Participação dos Municípios.
A parcela de um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios,
disciplinada na alínea d, do inciso I, do art. 159, da CR-88, dispositivo acrescentado pela Emenda Constitucional 55/2007, por sua vez, será entregue
uma vez ao ano no primeiro decêndio do mês de dezembro sem que haja
qualquer vinculação constitucional em relação à sua utilização.
De fato, até o advento da Emenda Constitucional n° 53/2006, que instituiu o já citado FUNDEB, não havia previsão constitucional de qualquer
contrapartida, vinculação, destinação específica ou finalidade pré-determinada para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios relativamente aos
recursos repassados no âmbito do FPE e FPM, razão pela qual Ezequiel Antonio Ribeiro Balthazar317 apontava que: “esses recursos podem ser utilizados
pelas unidades beneficiárias com quaisquer fins de interesse público, servem
para compor suas receitas e não possuem destinação específica”. Entretanto,
com a inclusão do inciso II ao artigo 60 do ADCT, ficam vinculados à composição financeira do FUNDEB Estadual 20% dos recursos do: (1) ICMS,
IPVA e ITD que cabe aos Estados e do Distrito Federal; (2) da participação
do Estado no imposto que a União vier a instituir no exercício da sua competência residual (art. 154, I); (3) da parcela que pertence aos Municípios no
ITR, no IPVA e no ICMS; e (4) os recursos das “alíneas a e b do inciso I e o
inciso II do caput do art. 159”, isto é, a parcela dos Estados e dos Municípios
relativamente ao IPI proporcional ao valor das suas exportações bem como
das respectivas parcelas no FPE e no FPM, entregues mensalmente.
De forma diversa, um por cento do produto da arrecadação dos impostos
sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, que compõe o FPM de que trata a alínea d, dispositivo acrescentado pela
Emenda Constitucional 55/2007 ao inciso I do artigo 159, a ser entregue
no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano, não é destinado à
composição financeira do FUNDEB, diferentemente da parte do FPM de
que trata a alínea b do inciso I.
Por fim, a alínea c do inciso I do art. 159 da CR-88 estabelece que do
produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer
natureza e sobre produtos industrializados três por cento serão aplicados em
programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste através de suas instituições financeiras de caráter regional, de
acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao
semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à ele na forma que
317
BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribeiro. Fundos Constitucionais como Instrumentos de Redução das Desigualdades
Regionais na Federação In: CONTI, José
Maurício (Organizador). Federalismo
Fiscal. Barueri: Manole, 2004. p. 118.
FGV DIREITO RIO
156
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
a lei estabelecer. A Lei nº 7.827/1989 cria o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte — FNO, o Fundo Constitucional de Financiamento do
Nordeste — FNE e o Fundo Constitucional de Financiamento do CentroOeste — FCO e regulamenta a aplicação dos citados três por cento. Desse
montante, 0,6% são para o FNO; 1,8% para o FNE e 0,6% para o FCO. A
norma federal disciplina ainda no artigo 7º que a:
“Art. 7o A Secretaria do Tesouro Nacional liberará ao Ministério da Integração Nacional, nas mesmas datas e, no que couber, segundo a mesma sistemática
adotada na transferência dos recursos dos Fundos de Participação dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, os valores destinados aos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, cabendo
ao Ministério da Integração Nacional, observada essa mesma sistemática, repassar os recursos diretamente em favor das instituições federais de caráter regional
e do Banco do Brasil S.A. (Redação dada pela Lei nº 10.177, de 12.1.2001)
Parágrafo único. O Ministério da Fazenda informará, mensalmente, ao Ministério da Integração Nacional, às respectivas superintendências regionais de
desenvolvimento e aos bancos administradores dos Fundos Constitucionais de
Financiamento a soma da arrecadação do imposto sobre a renda e proventos
de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados, o valor das
liberações efetuadas para cada Fundo, bem como a previsão de datas e valores
das 3 (três) liberações imediatamente subseqüentes.” (Redação dada pela Lei
Complementar nº 125, de 2007)
Nesse contexto, é possível constatar a complexidade do sistema brasileiro
de transferências intergovernamentais, o qual visa a redução das denominadas desigualdades regionais e a promoção do equilíbrio econômico entre
Estados e Municípios (artigo 3º III c/c 161, II, da CR-88).
Outrossim, a compreensão das políticas fiscais adotadas desde 1988 e das
relações internas do Sistema Tributário Nacional, no contexto do federalismo
fiscal brasileiro, pressupõe o correto entendimento do sistema de partilha de
receitas tributárias e de transferência. De fato, após a análise do sistema de repartição dos tributos, verifica-se que as contribuições especiais ou parafiscais,
à exceção da citada CIDE — Combustíveis, não são divididas entre os Estados e Municípios, razão pela qual a União passou a utilizar as mesmas como
instrumento de política arrecadatória318, ao contrário do IPI e do IR, que se
constituíram, em algumas circunstâncias, simples instrumentos para amortizar o impacto de renúncia de receita federal das receitas não repartidas.319
No devir dos fatos, iniciou-se forte movimento no sentido do retorno à
centralização do modelo de tributação do país, o que consubstancia grave contradição do nosso atual regime federativo vis a vi o sistema idealizado e estabelecido na Carta Magna de 1988. Nesse sentido, a análise dos números da
318
Alterando, dessa forma, o seu critério
de validação constitucional, que é a “finalidade” ensejadora de sua criação. v.
GRECCO, Marco Aurélio. Contribuições
(uma figura “sui generis”). São Paulo:
Ed Dialética, 2000.
319
Exemplo dessa política, que afronta
o pacto federativo estabelecido na CR88, é a concessão de crédito presumido
do IPI para ressarcir PIS, PASEP e COFINS
contidos nos produtos exportados, nos
termos da Lei nº 9.363/96 e da Lei nº
10.276/01, o que reduz a parcela das
transferências constitucionais destinadas ao FPE, FPM, Fundos Regionais de
Desenvolvimento –FNO, FNE e FCO e o
repasse do IPI-Exportação.
FGV DIREITO RIO
157
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
arrecadação e da participação relativa dos diversos entes federados no “bolo tributário” reflete o substancial aumento da receita disponível nas mãos da União
como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), apesar do grande esforço do
Constituinte originário em descentralizar as finanças públicas do país.
Fato que ilustra muito bem a complexidade e correlação entre os temas
pode ser constado no final do ano de 2008, quando a União e diversos Estados, considerando o impacto da crise internacional no sentido de reduzir a
atividade econômica e, conseqüentemente, as principais bases de arrecadação
(faturamento, renda, circulação de mercadorias, industrialização, prestação
de serviços etc) anunciaram pacotes de redução de impostos visando fomentar ou pelo menos suavizar a queda do ritmo de crescimento. Conforme
noticia do Jornal Valor (página A-2 do dia 18.11.2008) “boa notícia para
as empresas, os pacotes de benefícios fiscais anunciados na semana passada
pela União e por alguns Estados, como Minas Gerais, são uma dor de cabeça
para os prefeitos. A prorrogação do prazo para recolhimento do IPI (federal) e do ICMS (estadual) terá impacto negativo sobre o caixa de dezembro
dos municípios, dificultando o pagamento das despesas, alegam os prefeitos.
Em fim de mandato, muitos governantes municipais temem não conseguir
fechar as contas em cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal. (...) Prefeito de Mariana e presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM)
Celso Cotta (PMDB), definiu como ‘temerárias’ as medidas anunciadas a
poucos dias do encerramento da gestão dos atuais prefeitos. Cotta informou
que a entidade já encaminhou carta ao Ministério da Fazenda e à Secretaria
Estadual da Fazenda de Minas Gerais pleiteando mudanças nos prazos dos
benefícios concedidos às empresas. A entidade quer que os benefícios valham
a partir de janeiro, de modo a não comprometer o fechamento das contas
municipais em dezembro”. Já o presidente da Confederação Nacional dos
Municípios comentou: “É sempre assim, União e Estados fazem favor com
chapéu alheio”.
A combinação desses elementos enseja e fomenta os conhecidos conflitos
federativos não apenas no plano vertical (União-Estados, União-Municípios
e Estados-Municípios), mas também no plano horizontal (Estado-Estado e
Município-Município), tendo em vista a competição por maior espaço na
busca pelos investimentos privados, da qual decorre,em muitas circunstâncias, uma verdadeira guerra fiscal predatória que repercute nas relações privadas e, especialmente, naquelas de natureza concorrencial.
QUESTIONÁRIO
1) A autonomia dos entes federados de que trata a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 pressupõe que os recursos
FGV DIREITO RIO
158
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
disponíveis para cada ente político tenham como origem exclusiva receitas de tributos arrecadados no exercício de suas respectivas competências tributárias? Explique, apontando os dispositivos
constitucionais que conferem autonomia política aos entes federados e aqueles garantidores da autonomia financeira dos mesmos.
2) De acordo com o artigo 3º do Código Tributário Nacional, tributo é toda prestação pecuniária compulsória instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada e nos termos
do artigo 167, IV, da CR-88, é vedada a vinculação de receita de
impostos a órgão, fundo ou despesa. Assim, seria correto afirmar
que os impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e
sobre produtos industrializados são de competência da União, mas
parte de sua arrecadação compõe os fundos de participação dos estados, do DF e dos municípios?
QUESTÕES DE CONCURSO
1. Assinale o tributo cuja receita não se submete a repartição de natureza
constitucional:
a) Imposto sobre Operação de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários, incidente em caráter exclusivo, sobre ouro definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial.
b) Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros.
c) Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.
d) Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e
sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal.
(OAB-SP — 120 ª )
2. Segundo a Constituição brasileira de 1988, constitui receita partilhada entre os Municípios e a União o produto
(A) do imposto de importação, na forma da lei.
(B) do imposto sobre a renda arrecadado no respectivo território municipal.
(C) da arrecadação do IPVA, relativo à propriedade dos veículos automotores licenciados no respectivo território municipal.
(D) da arrecadação do imposto sobre a propriedade territorial rural,
relativamente aos imóveis situados no respectivo município.
(E) do imposto sobre produtos industrializados, na forma estabelecida
em lei.
(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)
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159
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
3. Com relação às normas de repartição das receitas tributárias, assinale
a opção incorreta.
a) No sistema tributário brasileiro, a repartição das receitas tributárias abrange os impostos e a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação e comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seis derivados e
álcool combustível (CIDE combustível).
b) Ao Distrito Federal pertence a metade do produto do imposto de
renda incidente na fonte sobre os rendimentos pagos, a qualquer
título, por ele, por suas fundações públicas e autarquias.
c) Se determinado município optar por fiscalizar e cobrar o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), de competência da
União, este não poderá implicar redução do imposto ou qualquer
outra forma de renúncia fiscal, e a integralidade do produto de sua
arrecadação caberá ao município.
d) A Constituição Federal determina que metade dos recursos do
fundo para os programas de financiamento ao setor produtivo das
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que forem destinados à
região Nordeste será assegurado ao semi-árido nordestino.
(OAB-ES — 2006.1 )
4. Os elementos inseridos no conceito de sistema tributário nacional incluem a distribuição da receita entre os diversos entes da Federação. Acerca
dessa distribuição, julgue os itens seguintes.
I) Se o governo federal, no uso de sua competência tributária residual,
instituir novo imposto, terá de destinar aos estados e municípios
20% da arrecadação que dele advier.
II) Além dos 47% do IPI destinados aos fundos de participação e aos
programas de financiamento do setor produtivo das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, mais 10% desse imposto é distribuído
entre os estados, que, por sua vez, repassam um quarto do recebido
a seus municípios.
III) As transferências constitucionais aos estados limitam-se às receitas
arrecadadas de impostos.
(Juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, 2004 )
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
BALTHAZAR, Ezequiel Antonio Ribeiro. Fundos Constitucionais como Instrumentos de Redução das Desigualdades Regionais na Federação In: CONTI,
José Maurício (Organizador). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004.
FGV DIREITO RIO
160
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
CONTI, José Mauricio. Federalismo fiscal e fundos de participação. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.
DI PIETRO, Juliano. Repartição de Receitas Tributárias: A repartição do
produto da arrecadação. As Transferências Intergovernamentais. In:
CONTI, José Maurício (Organizador). Federalismo Fiscal. Barueri:
Manole, 2004.
GRECCO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São
Paulo: Ed Dialética, 2000.
HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo:
Atlas, 2008.
FGV DIREITO RIO
161
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 9 – A RECEITA PÚBLICA NO ÂMBITO DA TEORIA GERAL DOS
INGRESSOS PÚBLICOS.
9.1 INTRODUÇÃO, OBJETIVOS E OBJETO DA AULA
Nas aulas anteriores foram examinados os aspectos gerais da matéria,
especificado o conceito de atividade financeira do Estado, assim como o
que se entende por necessidades públicas, tendo sido, ainda, abordadas as
linhas gerais da evolução histórica dos tributos e das Finanças Públicas,
delineado os contornos essenciais da distribuição de funções entre os Poderes e bem assim e os fundamentos do Federalismo Fiscal, das Despesas
e do seu Controle, do Financiamento dos Gastos em geral, do Crédito e
da Dívida Pública.
A aula de hoje, dando continuidade ao que já foi apresentado na Aula 6,
visa aprofundar os estudos quanto às diferentes formas de financiamento dos
gastos públicos, merecendo destaque aquelas de natureza tributária.
As receitas públicas em geral, sem as quais não seria possível a realização
das despesas e a efetivação da atividade financeira do Estado, podem ser analisadas e classificadas por variados critérios e perspectivas, destacando-se as
formuladas pela doutrina jurídica, as adotadas em função da visão econômica
ou contábil do fenômeno bem como aquelas definidas pela lei e pelos atos administrativos das autoridades gestoras do orçamento e das finanças públicas,
isto é, do ponto de vista normativo.
A relevância dessas diferentes classificações decorre da necessidade de se
identificar e classificar as entradas de recursos nos cofres públicos em suas
múltiplas particularidades, pois somente assim é possível compreender os
variados e diferentes impactos de cada espécie de receita nas contas públicas,
sob o ponto de vista: (1) patrimonial; (2) financeiro e (3) orçamentário. Ainda, as diversas classificações a serem estudadas permitirão identificar o regime
jurídico a ser aplicado a cada tipo de receita, isto é, se uma espécie específica
deve ser disciplinada pelas normas tributárias, de natureza eminentemente
pública, ou pelas normas cíveis, de natureza privada, o que tem relevância
determinante para definir, por exemplo, os prazos para ajuizamento de ações
de cobrança, a natureza do ato320 adequado para aumentar o seu valor etc.
Nesse sentido, importante destacar a clássica diferenciação entre (1) a entrada, o ingresso e a receita pública, bem como as diferentes classificações de
receita pública oferecidas pela doutrina jurídica e econômica, destacando-se
entre elas a distinção entre (2) receita pública ordinária e extraordinária; e (3)
receita pública originária e derivada. Será ainda objeto de análise a classificação econômica de receita pública adotada pela Lei nº 4.320/64321, (4) receita
320
Dependendo do regime jurídico aplicável pode ser necessária a edição de
lei em caráter formal, ato com força de
lei ou simplesmente ato administrativo
editado pela autoridade competente da
Administração Pública.
321
Essa lei estatui normas gerais de
direito financeiro para elaboração e
controle dos orçamentos e balanços da
União, dos Estados, dos Municípios e
do Distrito Federal e continua até hoje
em vigor, isto é, foi recepcionada pela
Constituição da República de 1988.
FGV DIREITO RIO
162
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
corrente e de capital, bem como as definições do Manual de Receita Nacional, de utilização obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, aprovado pela Portaria Conjunta n° 3, de 14 de Outubro de 2008, do
Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretária de
Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
disponibilizada no endereço eletrônico http://www.tesouro.fazenda.gov.br.
Preliminarmente, no entanto, cumpre destacar que a previsão de receita322
exerce papel fundamental na fixação323 das despesas públicas, conforme analisado na aula sobre o orçamento. No mesmo sentido, a realização efetiva da
receita determina o ritmo da realização dos gastos e da execução da programação financeira, razão pela qual a receita pública possui, também, papel central
na consecução dos demais componentes da atividade financeira do Estado
durante a denominada execução orçamentária. De fato, a sua conexão com o
orçamento se dá pela via da despesa, uma vez que o exercício da competência
tributária e a prerrogativa de arrecadar as receitas não tributárias independem
de autorização anual orçamentária, conforme já estudado na Aula 2.
9.2 AS ENTRADAS, OS INGRESSOS E A RECEITA PÚBLICA
A doutrina diverge quanto aos conceitos de entrada, ingresso e receita
pública, conforme aponta Regis Fernandes de Oliveira324:
“Todo e qualquer dinheiro que ingressa nos cofres públicos, seja a que título
for, denomina-se entrada. Alguns autores falam de ingresso (entrada provisória),
distinguindo-o da entrada. Utilizaremos as expressões como sinônimas. Nem todo
ingresso, todavia, constitui receita. Há entradas que ingressam provisoriamente
nos cofres públicos podendo permanecer ou não. Destinam-se a ser devolvidas.
Daí as entradas provisórias.”
A relevância do tema é centrada na possibilidade de enquadramento dos denominados ingressos de caráter devolutivo como receitas públicas, isto é, se aquelas
entradas não definitivas de recursos nos cofres do Tesouro (para serem posteriormente restituídas, também chamadas de movimentos de fundos ou de caixa) devem ser — ou não — qualificadas como receitas. Neste rol de entradas provisórias são incluídos, por exemplo, os depósitos325, as cauções326, os empréstimos
compulsórios327 e os empréstimos voluntários contraídos pelo Estado em geral.
O professor Ricardo Lobo Torres328, na esteira de Aliomar Baleeiro329, propõe a diferenciação entre o ingresso e a receita pública:
“Assim sendo, o conceito de receita, embora fundamentalmente baseado no
de ingresso, dela se extrema, pois o ingresso corresponde também à entrada de
322
Considerando, por exemplo, que a crise
econômica mundial iniciada nos Estados
Unidos já apresentou impacto sobre a
atividade econômica e a arrecadação da
União no final do próprio exercício de
2008, tendo sido constatado que em novembro de 2008, pela primeira vez após
4 anos, houve queda da arrecadação da
União em relação ao exercício de 2007,
conforme noticiado pelo Jornal Valor da
sexta-feira e fim de semana, 12, 13 e 14
de dezembro de 2008, A10, “a Comissão
Mista de Orçamento do Congresso (CMO),
aprovou ontem, a revisão do relatório de
arrecadação do projeto de Orçamento da
União para 2009 (...). Fica referendada,
assim, a redução de R$ 15,34 bilhões no
volume esperado de receitas primárias
brutas no âmbito do orçamento fiscal e
da seguridade social (que exclui empresas estatais não-dependentes do Tesouro
Nacional). Em conseqüência disso, cerca
de R$ 10 bilhões do volume que iria
para despesa de custeio e investimento
dos órgãos federais terão que ser cortados pelo relator geral (...)”.
323
Nesse sentido, importante destacar,
conforme noticiado no site do STF que o
“Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) indeferiu a liminar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3949 proposta
pelo partido Democratas (DEM). Na ADI, foi
questionado o artigo 100, da Lei 11.514/07,
que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de
2008. O DEM afirmava que o artigo 100
da Lei 11.514/07 concede às instâncias
responsáveis pela elaboração da lei orçamentária o poder de estimar receita que
não tem base na legislação e, sobretudo,
na própria Constituição Federal. De acordo
com a ação, o artigo atacado autoriza o
Executivo e o Legislativo, na elaboração
do orçamento de 2008, considerarem “os
efeitos das propostas de alterações na
legislação tributária e das contribuições,
inclusive quando se tratar de desvinculação
de receitas, que sejam objeto de propostas
de emenda constitucional, de projeto de
lei ou de medida provisória que esteja em
tramitação no Congresso Nacional”. Para
o partido político, essa autorização, com
base em “esperança no futuro da legislação”, constitui abuso, pois a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e o projeto de lei orçamentária devem observar necessariamente
a ordem constitucional vigente, “e não
pressupor uma Constituição futura, hipotética e inexistente”. A controvérsia existia
pois a então vigente CPMF possuía prazo de
vigência somente até 31 de dezembro de
2007, razão pela qual a oposição entendia
não ser possível a inclusão da estimativa de
receita da contribuição no projeto da LOA.
De fato, a contribuição não prorrogada.
324
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso
de Direito Financeiro. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 101. Nos mesmos termos
do eminente autor, ingresso e entrada
serão aqui utilizados como sinônimos.
FGV DIREITO RIO
163
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
dinheiro que ulteriormente será restituído, como ocorre no empréstimo e nos
depósitos.” (grifo nosso)
Os eminentes autores, portanto, não qualificam as entradas ou ingressos
provisórios como receitas públicas. Ocorre, entretanto, que a Lei n° 4.320/64
não incorporou a conceituação dessa doutrina, ao estabelecer em seus artigos
3º, 11, §2°, e 57 a inclusão de diversas receitas que não ingressam nos cofres
públicos em caráter definitivo:
“Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de
operações de crédito autorizadas em lei.
....................................................................................................................
Art.11.........................................................................................................
§2° São Receitas de Capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; (...).
...................................................................................................................
Art. 57. Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 3° desta lei serão
classificadas como receita orçamentária, sob as rubricas próprias, todas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda que não
previstas no Orçamento.”
325
O depósito do montante integral do
crédito tributário, que permite a discussão
administrativa ou judicial quanto à legitimidade da cobrança do tributo, é uma das
hipóteses de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário, matéria a ser estudada
nos cursos de Direito Tributário e Finanças
Públicas II e III.
326
A Lei 8.666/93, que disciplina as licitações e os contratos públicos, em atendimento ao disposto no artigo 37, XXI, da
CR-88, prevê a possibilidade de a autoridade administrativa exigir do contratado em
processo licitatório a prestação de garantia,
como a caução, o seguro-garantia e a fiança bancária (art. 56). A caução em dinheiro
(alternativamente também pode ser prestada por título da dívida pública) é garantia
que enseja entrada ou ingresso nos cofres
públicos, mas a quantia deve ser “liberada
ou restituída após a execução do contrato”,
“atualizada monetariamente” (art. 56,
§4°, da Lei 8.666/93), ou seja, adimplido
o contrato o valor caucionado é devolvido
ao proponente-adjudicatário e registrado
como despesa de caráter extra-orçamentária (Manual de Despesa Nacional
— item 4.4.2). Em sentido contrário, se
forem inadimplidos os termos do contrato
pode ser aplicada sanção com a decretação
da perda do depósito, momento no qual
haverá receita pública definitiva.
327
Na mesma linha, define o 12, §2°, da Lei Complementar n° 101/2000,
a Lei de Responsabilidade Fiscal, dispositivo inserido no Capítulo III —
Da Receita Pública, que “o montante previsto para as receitas de operações
de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes
do projeto de lei orçamentária.”. Infere-se desses dispositivos que as normas federais incluem no conceito de receita pública, também os ingressos
de recursos financeiros decorrentes das operações de crédito330, dentre as
quais se destacam os empréstimos públicos voluntários. Ou seja, a lei
federal que disciplina as normas gerais de Direito Financeiro em âmbito
nacional não adotou a conceituação da doutrina financista supramencionada, na medida em que não fixou como requisito necessário à configuração da receita pública a entrada de dinheiro sem que houvesse a respectiva
contrapartida no passivo ou o acréscimo patrimonial do ente beneficiado
(vide nota 324). De fato, conforme assevera o professor Kioshi Harada331,
apesar de não ter definido expressamente o conceito de receita pública, o
exame do artigo 11 e os seus parágrafos da Lei n° 4.320/64, “permite identificá-la como tal todo ingresso de recursos financeiros ao tesouro público,
com ou sem contrapartida no passivo e independentemente de aumento
patrimonial” (grifo nosso). Na mesma linha estabelece o mencionado Manual de Receita Nacional que:
Os empréstimos compulsórios, previstos
no artigo 148 da CR-88, são qualificados
como dívidas forçadas, em contraposição
às dívidas voluntárias contraídas pelo Poder
Público, já que decorrem de obrigação legal,
e como tal foram objeto de exame na Aula
6. Não são receitas definitivas tendo em vista que seus valores devem ser restituídos.
Os empréstimos compulsórios também são
classificados como tributos pelo Supremo
Tribunal Federal (RE 138.284), matéria que
será objeto de exame detalhado no curso
de Direito Tributário e Finanças Públicas II.
328
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito
Financeiro e Tributário. 11ª ed. atual. Rio
de Janeiro: Editora Renovar, 2004. p. 183.
329
BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução
à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 126. .Segundo
o autor “receita pública é a entrada que,
integrando-se no patrimônio público sem
quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu
vulto como elemento novo e positivo”.
Assim, estariam excluídos do conceito de
receita para o eminente autor os simples
movimentos de fundos ou de caixa, assim
compreendidos os ingressos que refletissem, ao mesmo tempo, criação de uma
obrigação ou passivo correspondente.
330
As operações de crédito também já
foram examinadas na Aula 6.
331
HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro
e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas,
2008. p.32.
FGV DIREITO RIO
164
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
“A Lei nº 9.703, de 17 de novembro de 1998 estabelece que os depósitos
judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios serão efetuados na Caixa Econômica
Federal e repassados para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos
tributos e das contribuições federais. Após o encerramento da lide ou do processo litigioso, o valor do depósito será devolvido ao depositante ou transformado
em pagamento definitivo do tributo ou contribuição. De forma análoga, a Lei
nº 10.819, de 16 de dezembro de 2003, estabelece, no âmbito dos municípios,
que os depósitos judiciais, em dinheiro, referentes a tributos e seus acessórios, de
competência dos Municípios, inclusive os inscritos em dívida ativa, serão efetuados, a partir da data da publicação dessa Lei, em instituição financeira oficial
da União ou do Estado a que pertença o Município, mediante a utilização de
instrumento que identifique sua natureza tributária. A citada lei também dispõe
que os municípios poderão instituir fundo de reserva, destinado a garantir a
restituição da parcela dos depósitos que lhes seja repassada. Ao município que
instituir o fundo de reserva será repassada pela instituição financeira a parcela
correspondente a setenta por cento do valor dos depósitos de natureza tributária
nela realizados a partir da vigência da lei. Em virtude da legislação acima citada,
a parte dos depósitos judiciais transferidos ao Tesouro do ente serão registrados como receita orçamentária, já que podem ser utilizados para suportar
despesas orçamentárias332.” (grifo nosso).
Nesse cenário, a disciplina normativa da matéria é no sentido de incluir
como receita pública parte dos depósitos judiciais (aqueles já transferidos),
além das operações de crédito, conforme preceitua a Lei n° 4.320/64, apesar
de não corresponderem a hipóteses de entrada que, “integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no
passivo, vem acrescer o seu vulto como elemento novo e positivo”, conforme
condiciona Aliomar Baleeiro.
A compreensão dessa questão bem como dos diversos conceitos de receita
pública pressupõe o entendimento prévio dos três enfoques distintos já mencionados, pelos quais as entradas de recursos nos cofres do Tesouro podem ser
examinadas e operacionalizadas: (1) o enfoque financeiro, acima aludido por
Kioshi Harada; (2) a perspectiva patrimonial e (3) a visão orçamentária.
Sob o ponto de vista financeiro333, o simples ingresso, consoante já explicitado, ainda que corresponda à receita apenas transitória, seria o suficiente
para a sua configuração e o registro da receita. Já pela perspectiva patrimonial, a receita vincula-se à entrada de recursos que implicam variação positiva
da situação patrimonial líquida, em decorrência de aumento de ativos ou de
diminuição do passivo da entidade. Por fim, a visão orçamentária da receita,
segundo a sistemática adotada pela Lei n° 4.320/64, engloba todas as receitas
332
Complementa o Manual acerca dos
registros contábeis da receita: “Porém,
ao classificar a receita orçamentária
deverá haver um registro de uma
obrigação patrimonial correspondente,
em contrapartida com uma variação
passiva, o que manterá a adequação do
resultado contábil. Com a conversão do
depósito judicial em receita orçamentária ele deixa de se caracterizar como
ingresso extra-orçamentário.”
333
Nesse sentido apontava a 4ª edição
do Manual de Procedimentos das Receitas Públicas, aprovado pela Portaria
Conjunta n° 2, de 8 de Agosto de 2007,
do Secretário do Tesouro Nacional do
Ministério da Fazenda e a da Secretária
de Orçamento Federal do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão:
“Na Administração Pública, o fluxo
econômico é compreendido por dois
conceitos distintos, porém integrados.
O primeiro é o conceito financeiro,
fundamentado na tradição cameralista (gestão financeira) do ingresso de
disponibilidade, na qual se baseou o
orçamento e se estabeleceu o regime
de caixa para a Receita Orçamentária. O
segundo é o conceito patrimonial, fundamentado na tradição patrimonialista, que por muito tempo não vem sendo observado tanto pela Administração
Pública quanto pela contabilidade
pública aplicada ao setor público e que,
com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, vem demandando esforços
para que seja cumprido, necessitando
de uma mudança cultural.” Este Manual foi substituído pelo mencionado
Manual de Receita Nacional aprovado
pela Portaria Conjunta n° 3 , de 14 de
Outubro de 2008.
FGV DIREITO RIO
165
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
disponíveis para fazer face às despesas públicas, sendo as mesmas (as receitas)
segmentadas em orçamentárias e não orçamentárias334.
Assim, além das denominadas entradas provisórias, qualificadas ou não
como receita, dependendo do enfoque (financeiro, patrimonial ou orçamentário), bem como da doutrina e da disciplina jurídica aplicável, existem, também,
os ingressos definitivos. As entradas definitivas, sempre enquadradas como receita pública, podem ter diversas origens e classificadas por variados critérios.
9.3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ENTIDADE QUE SE APROPRIA DA RECEITA
A receita pode ser pública ou privada. A receita pública é aquela auferida
por entidade pública ao passo que a privada corresponde àquela auferida por
entidade privada.
Nem toda receita pública, entretanto, permanece, para ser utilizada, pelo
ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) responsável ou
competente para a sua arrecadação, como ocorre nas hipóteses de transferências, matéria examinada, conforme já salientado, na Aula 7. Nesse sentido, as
receitas são consideradas próprias ou de transferências.
9.4 AS RECEITAS SEGUNDO A SUA REGULARIDADE, FREQÜÊNCIA OU
PERIODICIDADE.
Sob a perspectiva da regularidade ou habitualidade, as receitas classificamse como extraordinária ou ordinária.
A receita ordinária decorre de fontes de riqueza previsíveis e contínuas,
caracterizando-se por constar de forma permanente no orçamento do Estado,
como é o caso de diversas auferidas pela exploração do patrimônio do Estado assim como pela arrecadação de diversas espécies tributárias, tais como:
(1) os impostos (art. 145, I, da CR-88); (2) taxas (art. 145, II, da CR-88);
(3) contribuições de melhoria (art. 145, III, da CR-88); (4) contribuições
especiais (149 e 195 da CR-88) e (5) contribuição de iluminação pública
(art.149-A).
A receita extraordinária, por sua vez, como o próprio nome revela, decorre de circunstâncias esporádicas, excepcionais ou de caráter transitório,
como ocorre, por exemplo, com os empréstimos compulsórios decorrentes
de calamidades (art. 148, I, da CR-88), o imposto extraordinário de guerra
(art. 154, II, da CR-88), as doações335, os legados336 e as heranças jacentes337
recebidas pelo Estado.
Cumpre salientar que, ao contrário da perspectiva eminentemente financeira, sob o ponto de vista patrimonial, compõem as receitas públicas as doações,
334
O artigo 103, parágrafo único, da
Lei n° 4.320/64 dispõe: “Os Restos a
Pagar do exercício serão computados
na receita extra-orçamentária para
compensar sua inclusão na despesa
orçamentária”. Essa questão foi objeto
de estudo na aula pertinente ao Orçamento.
335
Vide art. 538 a 564 do Código Civil
336
O legado é a coisa certa deixada
pelo testador a título singular em sucessão causa mortis, ou seja, a posição
jurídica do legatário não se confunde
com aquela do herdeiro, legítimo ou
testamentário, os quais recebem a totalidade dos bens do de cujus ou uma
quota-parte ideal deles, isto é, enquanto o legatário adquire cifra em dinheiro
ou bem individualizado e certo, o herdeiro recebe um conjunto de direitos
e obrigações, incluindo os débitos por
ventura existentes, até o limite e forças
da própria herança. (Código Civil “Art.
1.923. Desde a abertura da sucessão,
pertence ao legatário a coisa certa,
existente no acervo, salvo se o legado
estiver sob condição suspensiva”).
337
Vide artigos 1819 e 1882 do Código
Civil, os quais estabelecem, in verbis: (a)
“Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo
notoriamente conhecido, os bens da
herança, depois de arrecadados, ficarão
sob a guarda e administração de um
curador, até a sua entrega ao sucessor
devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância”; e (b) “Art. 1.822.
A declaração de vacância da herança
não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos
cinco anos da abertura da sucessão, os
bens arrecadados passarão ao domínio
do Município ou do Distrito Federal, se
localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da
União quando situados em território
federal. Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância,
os colaterais ficarão excluídos da sucessão” (grifo nosso). Nesse sentido, a
herança jacente, uma vez declarada a
sua vacância e transcorridos 5 (cinco)
anos sem que herdeiros se habilitem,
enquadra-se como receita pública.
FGV DIREITO RIO
166
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
os legados e as heranças jacentes transmitidas ao Estado, em dinheiro ou em
bens. Nesse sentido aponta Regis Fernandes338 que “a doação é receita originária de bens ou valores que ingressam no patrimônio público”. Essa questão é
exemplificada no Manual de Receitas Públicas nos seguintes termos:
“Receita independente da execução orçamentária — são fatos que resultam
em aumento do patrimônio líquido, que ocorrem independentemente da execução orçamentária. Exemplos: inscrição em dívida ativa, incorporação de bens
(doação), etc.”
Importante destacar, ainda, que não se deve confundir essas receitas públicas, assim enquadradas sob o enfoque patrimonial, decorrente da incorporação de bens por força de doações, legados e heranças jacentes, com as
receitas provenientes da exploração dos bens dominiais já pertencentes ao
próprio Estado, matéria a ser examinada no tópico subseqüente, intitulado
As Receitas segundo a sua origem patrimonial, as quais podem ser originárias ou derivadas.
9.5 AS RECEITAS SEGUNDO A SUA ORIGEM PATRIMONIAL.
Aliomar Baleeiro339 designa como “alemã” a classificação por meio da qual
a receita é categorizada de acordo com a origem do patrimônio do qual deriva, que pode ser público ou privado.
Aquela decorrente da exploração do patrimônio (bens e serviços) do próprio Estado é denominada receita originária, haja vista que a perspectiva sob
a qual se analisa a receita pública é a do ente beneficiário dos ingressos. Essa
receita é também designada como receita de economia privada, tendo em
vista que o Estado, nos mesmos termos do particular, explora os seus bens e
as suas empresas para auferir receita, sem se valer de seu poder soberano ou
qualquer meio coercitivo para exigir o pagamento pela utilização dos seus
serviços ou do seu patrimônio. Nesse sentido, é receita (A) voluntária ou não
coativa, pois decorre primariamente da manifestação de vontade do particular; (B) pactuada de forma bilateral340, pois o particular aceita e anui com os
termos em que se efetiva a relação e o pagamento pela utilização dos bens e
serviços estatais, daí ser também denominada de (C) patrimonial. Embora
até hoje importante, essa modalidade de receita perdeu relevância após o advento do denominado Estado Fiscal, época em que passaram a preponderar
as receitas tributárias, de natureza cogente.
As receitas originárias ou patrimoniais, caracterizadas por expressar uma
relação de direito privado, compreendem, de acordo com a doutrina de Ricardo Lobo Torres341:
338
OLIVEIRA, Op. Cit., p.111.
339
BALEEIRO, Op. Cit., p.127.
340
Regis Fernandes Oliveira ressalta que
nas receitas originárias encontram-se
os “interessados em nível horizontal de
interesses, apenas ocorrendo relação
entre eles caso haja bilateralidadede
intenções. Não falamos em contrato,
porque nem sempre haverá comutatividade de obrigações. Mas em bilateralidade pode-se falar, uma vez que os
comportamentos são confluentes para
a formação de um vínculo” (grifo nosso). Cf. OLIVEIRA, Op. Cit., p.109.
341
TORRES, Op. Cit, p. 186 a 191.
FGV DIREITO RIO
167
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
a. os ingres¬sos comerciais, os quais decorrem da exploração da economia pelo Estado, por meio de suas em¬presas, em regime de monopólio ou não (ex: as sociedades de economia mista em geral, os
correios e telégrafos, as casas lotéricas, etc.);
b. os preços públicos, também denominados de tarifa, que são ingressos não-tributários devidos como contraprestação pelo benefício
recebido, e
c. as compensações financeiras, as quais compreendem os royalties e
as participações especiais (artigo 20, § 1º, da CR-88).
A Receita derivada, por outro lado, representada pelos tributos e pelas
multas aplicadas e exigidas do particular — em função do descumprimento
de norma de natureza tributária ou não: ex: multas de trânsito, multas administrativas em geral e também aquelas aplicadas em função do descumprimento de obrigação tributária etc,-, tem como características centrais: (A)
decorrem do patrimônio privado e (B) são coercitivamente obtidas. Regis
Fernandes342 aponta que se incluem no conjunto das receitas derivadas “a
cobrança de sanções e também o perdimento decorrente de contrabando,
apreensão de armas de criminosos etc.”
Pelo exposto acerca das receitas derivadas, obtidas de forma coercitiva,
conclui-se que os particulares têm que dispor de parcela do seu patrimônio
para fazer face à atividade financeira do Estado. A origem e o fundamento
desse poder, se decorrente da soberania em que o próprio Estado se autolimita ou se é poder que já nasce delimitado no espaço aberto pelos direitos humanos fundamentais, serão examinados na Aula 10 — O Poder de Tributar,
a Competência Tributária e a Capacidade Tributária Ativa.
9.6 AS RECEITAS SOB O ENFOQUE ORÇAMENTÁRIO
O orçamento, conforme já destacado na Aula 1, é um importante instrumento de planejamento de qualquer entidade, seja pública ou privada, e
consubstancia a previsão do conjunto: (1) de receitas orçamentárias; e (2) de
aplicação e gastos de recursos em determinado intervalo de tempo.
Diversas são as classificações dos ingressos e das receitas sob o ponto de
vista orçamentário.
A receita orçamentária quanto às entidades destinatárias do orçamento
pode ser classificada como Receita Orçamentária Pública, na hipótese em que
for executada por entidades públicas, ou Receita Orçamentária Privada, no
caso em que executada por entidades privadas e que consta na previsão orçamentária aprovada por ato de conselho superior ou outros procedimentos
internos necessário à sua consecução.
342
OLIVEIRA, Op. Cit., p.111.
FGV DIREITO RIO
168
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Na seara pública representa todas as entradas disponíveis para a cobertura
das despesas orçamentárias e de operações que, mesmo não havendo ingresso
de recursos, financiam despesas orçamentárias, isto é, aquelas previstas no
orçamento desde a sua aprovação.
Relativamente ao orçamento a que se vinculam, as receitas podem ser classificadas como do orçamento fiscal343 ou do orçamento da seguridade social344.
As receitas da seguridade social são fundamentalmente as contribuições definidas no artigo 195 da CR-88 ao passo que aquelas do orçamento fiscal compreendem as receitas dos impostos, de contribuições de intervenção no domínio
econômico e as outras receitas não vinculadas à seguridade social.
Segundo o Manual de Receita Nacional o ingresso é gênero, podendo
ser (1) orçamentário ou (2) extra-orçamentário. Apenas os ingressos orçamentários qualificam-se como receita. Já os ingressos extra-orçamentários
são enquadrados como recursos de terceiros, em contrapartida com as obrigações correspondentes. Na medida em que o recurso se desqualifica como
recurso de terceiro convola-se em receita orçamentária. Exemplo concreto
dessa classificação é a hipótese já mencionada em que tenha havido depósito judicial e o Poder Judiciário decide favoravelmente ao Estado. Nesse
caso, o depósito judicial é convertido em renda e passa a ser qualificado como receita orçamentária, descaracterizando-se, assim, como ingresso
extra-orçamentário.
Já o artigo 11 da Lei nº 4.320/64 classifica a receita orçamentária em duas
categorias econômicas: receitas correntes e receitas de capital. Essa segmentação, conforme ensinam José Teixeira Machado e Heraldo Costa Reis345:
“visa possibilitar uma perfeita identificação da origem dos recursos financeiros,
bem como estabelecer coerência entre as rubricas utilizadas nos orçamentos públicos e nas contas nacionais, permanecendo, no entanto, a dicotomia básica inicial:
operações correntes e operações de capital, como se vê no esquema seguinte:
• Operações Correntes
1.Receitas Correntes
• Operações de Capital
2. Receita de Capital
3. Despesas Correntes
4. Despesa de Capital”
Nesses termos, as receitas correntes seriam aqueles recursos disponíveis ao
ente político federado: (1) de natureza tributária e (2) provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas, de direito público ou privado,
destinados a atender as denominadas despesas correntes, qualificadas como
aquelas destinadas ao funcionamento e manutenção dos serviços públicos,
prestados direta ou indiretamente pela Administração, e que não geram qualquer aumento do patrimônio público, conforme será examinado na próxima
343
Vide art. 165, §5°, I da CR-88.
344
Vide art. 165, §5°, III da CR-88.
345
MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS,
Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada: e a Lei de Responsabilidade
Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed. IBAM,
2002/2003. p.21.
FGV DIREITO RIO
169
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
aula. Por outro lado, as receitas de capital seriam aquelas disponibilidades
provenientes de constituição de dívidas e de recursos financeiros, também
recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados a cobrir
as despesas classificáveis como despesa de capital, inclusive as outras receitas
de capital.
Saliente-se, entretanto, que não há correspondência absoluta346 entre (1)
as receitas e despesas correntes, de um lado, nem entre (2) as receitas e as despesas de capital, de outro. De fato, o saldo positivo em conta corrente, isto
é, a diferença a maior das receitas em relação às despesas correntes em determinado período, constitui a poupança do governo, e serve para financiar as
denominadas despesas de capital, conforme já examinado. As operações de
crédito (empréstimos contraídos e outras operações de contração de dívidas,
etc.), por outro lado, não se prestam a financiar exclusivamente as despesas
de capital, conforme se extrai da parte final do artigo 167, III, da CR-88,
que prevê exceções mediante créditos suplementares e especiais de finalidade
precisa e aprovados por maioria absoluta.
Já os parágrafos do citado artigo 11 da Lei n° 4.320/64 estabelecem que são:
• Receitas Correntes:
A) as receitas tributárias;
B) de contribuições347;
C) patrimonial;
D) agropecuária;
E) industrial;
F) de serviços e outras e, ainda,
G) as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender
despesas classificáveis em Despesas Correntes.
• Receitas de Capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos:
A) de constituição de dívidas;
B) da conversão, em espécie, de bens e direitos;
C) os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou
privado, destinados a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital e, ainda,
D) o superávit do Orçamento Corrente.
Segundo o Manual de Receita Nacional a receita sob o enfoque orçamentário pode também ser classificada como efetiva ou não efetiva, em função
do seu impacto sobre o patrimônio. Dessa forma, vincula-se a perspectiva
orçamentária e patrimonial da receita. A questão está assim descrita:
346
REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006.
p.153. “Note-se que não existe (nem
deve existir) uma associação perfeita
entre receitas e despesas correntes e
despesas de capital. Na verdade, o saldo
em conta corrente, ou seja, a diferença
entre receitas e despesas correntes, que
constitui a poupança do governo, é
uma das fontes de financiamento das
despesas de capital. Por outro lado,
operações de crédito não se restringem,
obrigatoriamente, ao financiamento de
despesas da mesma categoria”.
347
Apesar da separação das receitas
tributárias em relação às contribuições,
pela Lei n° 4.320/64, bem como em
função da literalidade do artigo 145
da CR-88, o Supremo Tribunal Federal,
especialmente no RE 138.284-8, RE
146.733 e ADC-1/DF, adotou a tese
qüinqüipartide dos tributos, para definir que são cinco as espécies tributárias
no atual sistema constitucional brasileiro: (1) os impostos (artigo 145, I,
da CR-88); (2) as taxas (artigo 145, II,
da CR-88); (3) as contribuições de melhoria (artigo 145, III, da CR-88); (4) os
empréstimos compulsórios (artigo 148
da CR-88) e (5) as contribuições especiais (artigo 149 da CR-88), sendo estas
últimas subdivididas em três grupos:
(5.1) sociais; (5.2) de intervenção no
domínio econômico e (5.4) de interesse
das categorias profissionais e econômicas. As contribuições sociais, por sua
vez, desdobram-se em: (5.1.1) sociais
gerais; (5.1.2) de seguridade social e
(5.1.3) outras de seguridade social.
Ressalte-se que após essas decisões do
STF foi introduzido o artigo 149-A estabelecendo a competência dos Municípios para instituírem as denominadas
Contribuições de Iluminação Pública.
FGV DIREITO RIO
170
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
“Receita Orçamentária Efetiva — aquela que, no momento do seu reconhecimento, aumenta a situação líquida patrimonial da entidade. Constitui fato
contábil modificativo aumentativo.
Receita Orçamentária Não-Efetiva — aquela que não altera a situação líquida
patrimonial no momento do seu reconhecimento, constituindo fato contábil
permutativo. Neste caso, além da receita orçamentária, registra-se concomitantemente conta de variação passiva para anular o efeito dessa receita sobre o patrimônio líquido da entidade.”
9.7 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES DAS RECEITAS PÚBLICAS
Edwin Seligman, economista norte-americano, classificou as espécies
de receita de acordo com a preponderância do interesse envolvido na
atividade a suscitar a cobrança, isto é, se há maior ou menor interesse
público ou privado. Dessa forma, a receita pública seria categorizada
como:
1) preços quase-privados: quando a atividade financeira do Estado a
ensejar a cobrança seja de interesse exclusivamente privado, havendo interesse público acidental e tão somente pelo fato de a atividade
estar sendo desenvolvida pelo Estado;
2) preços públicos: tem vantagem particular inferior ao do preços quase-privados mas ainda assim predomina o interesse particular, apesar de a exploração da atividade possuir algum interesse público,;
3) taxa: decorre de atividade em que o interesse público é preponderante e o interesse particular é mensurável para cada indivíduo;
4) contribuição de melhoria: algum tipo de vantagem para um indivíduo ou conjunto de pessoas, mas o interesse público também prepondera como na taxa; e
5) impostos: ainda que possa haver eventual ou acidental vantagem para
o particular, o interesse e consideração é exclusivamente público.
Já o italiano Luigi Einaudi, suprimindo as taxas, que inclui entre os preços públicos e acrescendo a categoria dos “preços políticos”, conforme alerta
Luiz Emygdio348, classifica as receitas públicas de acordo com fixação do valor a ser exigido, o que tem como parâmetro e referência as diversas possibilidades por meio das quais se realizam e satisfazem as necessidades públicas.
Dessa forma, as receitas seriam categorizadas com base nos valores exigidos,
os quais se alteram em função:
1) das leis de mercado, o que os classificaria como preços quase-privados;
348
ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual
de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001. p.56.
FGV DIREITO RIO
171
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
2) da impossibilidade ou inviabilidade de serem prestados pelo particular, o que enseja a cobrança de valor mais baixo do que aqueles de
economia privada,
3) qualificado como preço público;
4) da insuficiência de sua remuneração para o custeio dos serviços que
ensejam a sua cobrança, designados como preços políticos; e
5) da vantagem obtida pelo particular proprietário de bens imóveis em
compensação à execução de obra pública, qualificada com contribuição;
6) de elementos estranhos a qualquer atividade estatal específica, isto
é, não há qualquer contraprestação estatal para servir de parâmetro,
classificados como impostos.
Luiz Emygdio349 aponta as seguintes diferenças entre as classificações de
Seligman e de Einaudi:
“a) enquanto Seligman baseia sua classificação no conflito entre o interesse público e o interesse privado, que está presente em toda a atividade
financeira desempenhada pelo Estado, Einaudi leva em conta os diversos
processos pelos quais se providenciam as satisfações das necessidades públicas; adota, ainda, como um dos critérios nucleares para a sua classificação
o custo do serviço público, que quando é inteiramente coberto pela receita,
esta se denominará preço público, mas quando a receita for insuficiente para
cobrir tal custo a mesma corresponderá a preço político, sendo a diferença
coberta pelo imposto;
b) a utilização de vocábulos diferentes — taxa para Seligman e preço político
para Einaudi, para caracterizar a receita pública auferida pelo Estado do exercício
exclusivo de determinada atividade, visando o Estado prestar à coletividade um
serviço público por um preço inferior ao que seria cobrado pela empresa privada.”
Apesar de autores como Regis Fernandes apontarem no sentido do
abandono de “qualquer estudo sobre as classificações de E.R Sligman,
de Gastón Jèze e de Einaudi, uma vez que nada acrescentam de útil na
apreciação do fenômeno jurídico financeiro”, Aliomar Baleeiro350 procurou conciliar a denominada classificação “alemã”, que subdivide as receitas em originárias e derivadas, com aquelas categorizações de Seligman
e Einaudi, e construiu o seguinte quadro, intitulado Classificação dos
ingressos públicos:
349
ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual
de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001. p.56.
350
BALEEIRO, Op. Cit., p.131.
FGV DIREITO RIO
172
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
1º) MOVIMENTOS
de fundos ou de Caixa
a) Empréstimos ao Tesouro;
b) Restituição de Empréstimo do Tesouro;
c) Cauções, fianças, depósitos, indenizações de direito civil etc.
a) a título
gratuito
- doações puras e simples;
- bens vacantes, prescrição
aquisitiva etc.
b) a título
oneroso
- doações e legados sob
condição;
- preços quase-privados;
- preços públicos;
- preços políticos
a) tributos
- taxas;
- contribuições de melhoria;
- impostos;
- contribuições parafiscais
I. Originárias, ou de Economia
Privada, ou de Direito privado,
ou Voluntárias
2º) RECEITAS
II. Derivadas, de Economia Pública
de Direito Público ou Coativas
b) multas, penalidades e confisco;
c) reparações de guerra
9.8 A CRONOLOGIA DAS ETAPAS DA RECEITA PÚBLICA ORÇAMENTÁRIA
O Manual de Receita Nacional subdivide a gestão da receita orçamentária
em 3 etapas: (1) o planejamento; (2) a execução e (3) o controle e avaliação.
O planejamento engloba a previsão da arrecadação da receita orçamentária constante da Lei Orçamentária Anual — LOA, o que varia de acordo
com a espécie e o tipo de receita. A estimativa é resultante de metodologias
estatísticas e econômicas de projeção usualmente adotadas, considerando, em
geral, as séries históricas de arrecadação, as possíveis mudanças da legislação
tributária e o provável cenário econômico futuro (inflação projetada, taxa de
câmbio, crescimento do produto interno bruto esperado etc.) observadas,
ainda, as limitações e condições normativas fixadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal — LRF351, o que será examinado no tópico seguinte. Conforme
já salientado na Aula 2 , a projeção das receitas é essencial para a determinação das despesas, pois é com base na arrecadação estimada que as despesas são
fixadas na Lei Orçamentária Anual. Ademais, a estimativa de receita também
é fundamental para a execução do orçamento, nos termos já estudados na
Aula 5. De fato, pode haver impacto sobre a determinação das necessidades
de financiamento do Governo de outras fontes, como a emissão de títulos
públicos ou contração de empréstimos etc., de acordo com o desempenho
da receita efetivamente arrecadada vis a vis o que fora projetado. No mesmo
351
O artigo 12 da Lei Complementar
101/2000 estabelece que: “As previsões
de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das
alterações na legislação, da variação
do índice de preços, do crescimento
econômico ou de qualquer outro fator
relevante e serão acompanhadas de
demonstrativo de sua evolução nos
últimos três anos, da projeção para os
dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e
premissas utilizadas”.
FGV DIREITO RIO
173
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
sentido, a estimativa de receita contraposta ao que for de fato arrecadado impacta diretamente a possibilidade de concessão de créditos suplementares e
especiais por excesso de arrecadação, matéria também abordada na aula sobre
o Orçamento (Aula 5).
A execução da receita orçamentária, por sua vez, consoante a Lei nº
4.320/1964 e o Manual de Receita Nacional, compreende três estágios: (1) o
lançamento, (2) a arrecadação e (3) o recolhimento.
O lançamento para constituir o crédito tributário, no entanto, se encontra disciplinado no Código Tributário Nacional (artigos 142 seguintes da Lei
nº 5.172/66), e compreende a realização de todos os atos preparatórios ao
pagamento do tributo, tais como a verificação da ocorrência do fato gerador
da obrigação tributária, a determinação da matéria tributável, o cálculo do
montante devido, podendo englobar, também, a necessidade de identificação
do sujeito passivo quando o lançamento, em função das características do
tributo, for realizado pela própria administração tributária ou, ainda, quando
for o caso, a aplicação da penalidade cabível (o denominado lançamento de
ofício). Os aspectos gerais desse tema — o lançamento e as diferentes fases do
crédito tributário — serão examinados na segunda parte da Aula 13 e o seu
estudo detalhado efetivar-se-á nos próximos semestres (Direito Tributário e
Finanças Públicas II e III). Por outro lado, a constituição do crédito das outras receitas orçamentárias não tributárias, de natureza contratual e que possuem regime jurídico próprio e tratamento operacional específico, dependem
tanto da espécie como do que consta nos pactos firmados pelos particulares
com o Poder Público. Assim, por exemplo, a receita auferida pelo Estado
em contrato de locação com o particular ou, ainda, as participações e compensações financeiras de tratam o artigo 20, § 1º, da CR-88, em função do
resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para
fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais, são regidas
e disciplinadas nos termos dos atos, contratos e demais princípios de direito
privado bem como da Administração, tendo em vista o inafastável interesse
público envolvido.
Já a arrecadação, que também abrange as receitas tributárias e não tributárias, sob o ponto de vista das Finanças Públicas do Estado, representa,
conforme disciplina o Manual da Receita Nacional, a “entrega realizada pelos
contribuintes ou devedores, aos agentes arrecadadores ou bancos autorizados
pelo ente, dos recursos devidos ao Tesouro”. Cumpre destacar, no entanto,
que sob a perspectiva tributária, tecnicamente, o pagamento é uma das formas de extinção do crédito, nos termos do artigo 156, I, do CTN, e deve
ser efetivado juridicamente352 pelo sujeito passivo da obrigação tributária,
conceito que compreende, de acordo como o parágrafo único do artigo 121
do CTN, tanto o contribuinte como o responsável, matéria a ser examinada
ao longo do curso.
352
O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa que possui vínculo
jurídico com o sujeito ativo da relação
(o Estado lato sensu), e pode ser —
ou não — a mesma pessoa que arca
ou suporta com o encargo financeiro
do tributo, matéria que será examinada na aula pertinente à capacidade
contributiva, momento em que serão
apresentados, também, os diferentes
substratos econômicos de incidência
de tributos, bem como examinado o
fenômeno da repercussão, por meio
do qual o sujeito passivo da relação
jurídica pode- ou não — transferir o
ônus do tributo para outra pessoa, que
possua — ou não — relação jurídicotributária com a Fazenda Pública.
FGV DIREITO RIO
174
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
O recolhimento, por sua vez, definido pelo Manual como o terceiro estágio da execução da receita, é “a transferência dos valores arrecadados à conta
específica do Tesouro, responsável pela administração e controle da arrecadação e programação financeira, observando-se o Princípio da Unidade de
Caixa, representado pelo controle centralizado dos recursos arrecadados em
cada ente”. A unidade de tesouraria, isto é, o recolhimento de todas as receitas públicas de forma centralizada, salvo as exceções autorizadas em convênios, contratos, em leis e na própria constituição, casos em que se permite
a vinculação de receita a determinada despesa, fundo ou órgão, está prevista
no artigo 56 da Lei n° 4.320/64353. De fato, a Carta Magna de 1988, no seu
artigo 167, IV, com a sua redação conferida pela Emenda Constitucional nº
42, de 19.12.2003, veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo
ou despesa, mas prevê exceções, entre outras, relativamente:
1) à repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os
artigos 158 e 159, matéria detalhadamente examinada na aula sobre o Federalismo Fiscal e a Repartição de Receitas (Aula 8);
2) à destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para
manutenção e desenvolvimento do ensino, consoante o disposto nos artigos
198, § 2º, e 212, matéria também abordada na Aula 8;
3) para a realização de atividades da administração tributária, como determinado pelo artigo 37, XXII;
4) à prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita,
previstas no art. 165, § 8º, matéria já estudada na aula pertinente ao Crédito e
a Dívida Pública (Aula 7);
5) às receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e
156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a
prestação de garantia ou contra-garantia à União e para pagamento de débitos,
matéria também já analisada na Aula 7.
Assim, a regra geral é a vedação de vinculação de receita e a utilização de
caixa354 especial para cada espécie, havendo, no entanto, diversas exceções a
serem examinadas ao longo do curso.
Por fim, a última etapa da gestão da receita orçamentária é o controle e
avaliação, a qual, segundo o Manual de Receita Nacional:
“compreende a fiscalização realizada pela própria administração, pelos órgãos
de controle e pela sociedade. O controle do desempenho da arrecadação deve ser
realizado em consonância com a previsão da receita, destacando as providências
adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à sonegação, as ações
de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as
demais medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições.”
353
Dispões o art. 56, verbis: “ O recolhimento de todas as receitas far-se-á em
estrita observância ao princípio da unidade de tesouraria, vedada qualquer
fragmentação para criação de caixas
especiais.”
354
MACHADO Jr., e REIS, Op. Cit., p.136.
Apontam os autores que “as mudanças
introduzidas pela Constituição do Brasil, no seu art. 74, indicam que o princípio da Unidade de Tesouraria deve ser
observado em cada um dos Poderes, já
que o exercício do controle interno se
estende também às receitas. Na verdade, o que a lei estabelece pelo artigo
comentado é uma forma de gestão de
recursos financeiros que, tradicionalmente, é conhecida por Caixa Única.”
FGV DIREITO RIO
175
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
O Manual apresenta esquema didático sobre as diversas etapas da receita
nos seguintes termos:
9.9 A RECEITA PÚBLICA E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
A Lei Complementar 101/2000, comumente denominada de Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tendo em vista estabelecer normas de finanças
públicas voltadas para a responsabilidade e transparência na gestão fiscal, prevê que “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a
instituição, previsão e efetiva arrecadação355 de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação” (art. 11). Dessa forma, não adotar
as medidas necessárias à arrecadação das receitas tributárias cuja competência
tenha sido constitucionalmente conferida ao ente político (União, Estados,
Distrito Federal e Município) consubstanciaria a primeira vista omissão passível de responsabilização de acordo com a LRF. No mesmo sentido, o artigo
14 da lei complementar estabelece que:
“a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária
da qual decorra renúncia de receita356 deverá estar acompanhada de estimativa
do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e
a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará
as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de
alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou
contribuição.”
355
Há violação a este dispositivo da LRF
caso a Constituição confira competência tributária a determinado ente político e o mesmo não institua e arrecade
o tributo? Examine o artigo 153, VII, da
CR88! Importante mencionar, entretanto, que a Constituição, conforme será
examinado no momento oportuno,
não cria o tributo, apenas confere competência tributária ao ente federado,
razão pela qual a norma constitucional
tem como destinatário primário o Poder legislativo do ente político!
356
O §1º do artigo 14 estabelece o conceito
de renúncia de receita para os efeitos da
LRF nos seguintes termos: “A renúncia
compreende anistia, remissão, subsídio,
crédito presumido, concessão de isenção
em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que
implique redução discriminada de tributos
ou contribuições, e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado”.
FGV DIREITO RIO
176
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
De fato, é a própria Constituição que estabelece em seu artigo 165, §
6º, que o “projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo
regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções,
anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e
creditícia”.
Esses dispositivos normativos foram inspirados e adotaram o que o especialista em finanças públicas americano Stanley Surrey357 denominou de
“tax expenditure”, ao equiparar o incentivo fiscal implementado pela via da
receita ao gasto fiscal, isto é, passou a qualificar e registrar os benefícios fiscais
(renúncia de receita) como despesas públicas, o que eleva o grau de transparência da política fiscal realizada com os recursos públicos. A exigência de
maior grau de transparência das contas públicas fica cada vez mais importante, na medida em que, quanto maior é o grau de abertura das economias
para os investimentos internacionais, maior é a competição fiscal entre as
diversas jurisdições tributárias. Essa questão fica ainda mais complexa quando envolvem países que adotam a Federação como forma de Estado, o que
se consubstancia a meu sentir em mais um elemento de contradição desse
regime jurídico-político, além daquele já apontado na Aula 2 e conforme já
ressaltei em outra oportunidade358:
“Esses diferentes cenários, entretanto, ficam ainda mais complexos quando inserida a variável chave desse século: a aceleração do processo de abertura e
integração dos mercados. Apesar do fenômeno da globalização das economias,
quando associado à formação de espaços geo-econômicos integrados, processo de integração359 regional mais profundo do que a adoção de uma simples
área de livre comércio ou de uma união aduaneira, suscitar a elevação do grau
de harmonização dos sistemas tributários, implica, também, concomitantemente, forte demanda por maior liberdade na implementação de políticas
tributárias subnacionais, tendo em vista que a disputa por novos investimentos passou a ser internacional, e não apenas nacional ou regional. Destaque-se
que atualmente a competição se efetiva também em relação às atividades produtivas, 360 o que determina uma nova realidade para as diversas jurisdições
tributárias locais,361 que necessitam reduzir os custos tributários para se tornarem competitivas globalmente. É nesse aspecto que os dilemas do federalismo
fiscal, envolvendo decisões acerca de maior ou menor autonomia legislativa
local, o que pode conferir maior agilidade na atração de investimentos,362 se
relacionam com as grandes questões pertinentes à competição dos diversos
países em âmbito global, e que têm passado por grandes transformações nos
últimos anos, em face da atuação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico.363
Assim sendo, constata-se que um dos grandes desafios nesse início de século
não diz respeito à centralização ou não do sistema em cada Federação, mas sim
357
SURREY, Stanley. Tax Expenditures.
Cambridge: Harvard University Press,
1985.
358
COSTA, Leonardo de Andrade. Reflexões
sobre o ICMS incidente nas operações com
gasolina C à luz dos desafios do federalismo fiscal brasileiro no século XXI. p. 241281. In: TORRES, Heleno Taveira e CATÃO,
Marcos (Organizadores). Tributação no
Setor de Petróleo. São Paulo: Quartier
Latin do Brasil, 2005
359
LAGEMANN, Eugênio. A ALCA, o MERCOSUL e o ICMS, Artigo apresentado no
Seminário “O Federalismo Fiscal e o Processo de Integração de mercados no Século XXI:
Desafios e perspectivas”, organizado pela
Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de
Janeiro, no dia 01 de fevereiro de 2002. O
autor salienta que a “integração pode ser
realizada em diferentes níveis, dependendo
do instrumental empregado” e apresenta
seis tipos: Zonas preferenciais, Área de
Livre Comércio, União Aduaneira, Mercado
Comum, União econômica e monetária e a
Integração econômica total.
360
Cf. Ruven Avi-Yonah. Op. cit. p. 1588:
“However, a crucial development in the last
decade or so has been the increasing prevalence of production tax havens. A production
tax haven is a jurisdiction that grants a tax
holiday to foreign production facilities located therein, but still levies an income tax
on domestic corporations and individual
residents. This type of haven differs from
traditional offshore tax haven, which has
no corporate income tax (and sometimes
no significant tax at all). This distinction
is crucial because it means that a foreign
investor in a production tax haven can enjoy
the benefits of government services, which
the government finances by taxing relatively immobile factors of production such as
labor and land, while the investor itself pays
little or no corporate income tax”. Deve-se
destacar que a atração de investimentos,
apesar de fortemente influenciada por
aspectos tributários, depende substancialmente, também, entre outros fatores, da
infra-estrutura local e dos serviços públicos
prestados, o que tem relação direta com os
recursos públicos disponíveis e a capacidade de arrecadação.
361
Cf. Thomas J. Courchene. Op. Cit. p. 32: “Á
interface tradicional entre nações em termos
de relações econômicas internacionais está
dando lugar aos poucos a uma série de “interfaces regionais-internacionais”(ou subnacionais/internacionais). Os sistemas federais precisam ser flexíveis para acomodar
essas forças centrífugas”. Esse fato, aliado à
disputa por maiores espaços no mercado
e investimentos em âmbito internacional,
aponta no sentido de possível incremento
de contencioso no âmbito da Organização
Mundial do Comércio, tendo em vista o
crescente envolvimento dos entes subnacionais na concessão de benefícios fiscais.
362
Apesar do aumento de transparência
com a adoção do que Stanley Surrey (Tax
FGV DIREITO RIO
177
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
da definição e implementação de um modelo em cada sociedade que pondere,364 de forma otimizada, os benefícios da descentralização, com fundamento
no princípio da subsidiariedade e do federalismo competitivo, com os ganhos
de um sistema tributário harmonizado, necessário do ponto de vista da integração regional e capaz de implementar uma política que promova, na medida do
possível, a igualdade em âmbito nacional, consagrando, dessa forma, simultaneamente, um federalismo cooperativo, baseado no princípio da solidariedade.
A necessidade de uma solução conciliatória tem fundamento no fato de que
“enquanto os sistemas tributários são nacionais, a atividade econômica se torna cada
vez mais global, isto é, sendo a matéria tributária no mundo integrado uma questão de ordem multilateral, só podemos encontrar soluções tecnicamente plausíveis no
plano multilateral”. 365
9.10 QUESTIONÁRIO
1) Todo ingresso corresponde a uma receita pública? Justifique.
2) O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) impetrou Mandado de Segurança para afastar a aplicabilidade de ato
praticado pelo Tribunal de Contas da União Federal (TCU) que
determinou ser de sua competência a fiscalização da aplicação dos
recursos recebidos a título de royalties e participações especiais decorrentes da extração de petróleo e gás natural pelos Estados e Municípios. Você como juiz concederia a segurança, considerando o
disposto no artigo 20, § 1º da CRFB/88? (Mandado de Segurança
nº 24.312-1/DF, Tribunal Pleno do STF).
3) Obina, proprietário de veículo automotor BMW modelo 2008,
atrasado para a pelada matinal na Gávea, ultrapassou o sinal vermelho em frente ao Estádio de Remo na Lagoa Rodrigo de Freitas e foi multado pelo servidor público municipal responsável pela
fiscalização de trânsito no local. Em seguida, ao estacionar o seu
carro em área pública, errou a manobra e danificou a placa de sinalização existente ao lado da vaga administrada pelo Município,
razão pela qual foi posteriormente acionado por danos materiais
pela destruição do bem público municipal. Obina não havia até
aquela data pago o imposto devido em função da propriedade do
veículo (IPVA), razão pela qual o mesmo foi rebocado para o depósito da guarda municipal. Para resolver todos esses problemas resolveu fazer uma retirada no banco e efetuar o pagamento de todo o
montante devido. Essas situações têm algo em comum? Todas elas
representam receitas públicas? Justifique!
Expenditures. Cambridge: Harvard University Press, 1985) denominou de “tax
expenditure”, ao equiparar o incentivo fiscal
implementado pela via da receita ao gasto,
e registrá-lo como despesa (art. 165, §6o,
CR-88), em um cenário ideal a política de
incentivos não deveria ter sua sede na renúncia de receita, mas sim, exclusivamente, pela via das despesas orçamentárias,
em especial quando se trata de imposto
sobre a circulação ou o valor adicionado,
cujos reflexos de isenções e outros incentivos devem ser cuidadosamente avaliados.
363
Os Ministros dos países membros da
OCDE, em 1996, determinaram que fosse
preparado um relatório, a ser entregue em
1998, contendo o “desenvolvimento de medidas para conter os efeitos da competição
tributária danosa nos investimentos, nas
decisões de financiamento e sobre as bases
tributárias nacionais”. No mesmo sentido,
em 1º de dezembro de 1997, o Conselho
Europeu decidiu adotar um conjunto de
medidas para banir os efeitos da competição tributária danosa.
364
REZENDE, Fernando e AFONSO, José
Roberto, A Federação brasileira: desafios
e perspectivas, in Federalismo e Integração
Econômica Regional — Desafios para o
Mercosul, Fórum das Federações. Konrad
Adenauer Stiftung, 2004, p. 349:“Para
atingir o duplo objetivo de competitividade
e equilíbrio regional, a reforma tributária
deve enfrentar questões controvertidas
embutidas nos arranjos federais estabelecidos na metade dos anos 60 e intocados
em 1988. Nessa revisão, deve-se obter um
equilíbrio apropriado entre competição e
cooperação na Federação. A autonomia
para estabelecer alíquotas e liberdade
para dispor de receitas permitem que os
estados compitam para atrair investimentos privados por meio da prudência
fiscal e da qualidade dos serviços públicos
oferecidos. Porém, uma competição justa
não exclui a necessidade de cooperação. A
fim de evitar um aumento das disparidades
regionais e dos antagonismos, é necessária
a cooperação intergovernamental para
reduzir as distâncias internas em infraestrutura, recursos humanos e capacidades
tecnológicas”.
365
COSTA, Leonardo de Andrade. Seminário Brasil Século XXI, em 24 de outubro de
2001, Brasília. O Direito na Era da Globalização. Realização do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, p. 117.
Sobre o tema o presidente da mesa, professor Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, ressaltou “a atualidade das questões
ora tratadas à luz do evento que nós tivemos
em Paris, no final de junho deste ano, com
membros da OCDE. Lá se discutiu sobre
uma organização mundial tributária. Da
necessidade premente de se organizar uma
instituição multijurisdicional de envergadura, na qual seriam levadas os complexos
temas tributários que tanto afetam a vida e
o crescimento das Nações”.
FGV DIREITO RIO
178
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
QUESTÕES DE CONCURSO
1) Uma abordagem dos tributos, em relação à receita pública e à teoria dos
ingressos públicos, indica-nos que as receitas tributárias classificam-se como:
a) receitas derivadas.
b) receitas originárias.
c) receitas de economia privada.
d) receitas de direito privado a título oneroso.
e) receitas de direito público a título voluntário.
(PGFN — Procurador da Fazenda Nacional — 2004)
2) A compensação financeira de que trata o §1° do artigo 20, da constituição federal classifica-se como:
a) receita corrente.
b) imposto.
c) receita pública derivada.
d) outras receitas de capital.
(PGR — Procurador da República — 2004)
3) A receita pública é a soma dos recursos percebidos pelo Estado.
Classicamente, as receitas públicas não podem ser classificadas em:
a) receitas derivadas.
b) receitas originárias.
c) receitas diretas.
d) receitas compulsórias.
e) receitas facultativas.
(MPU — técnico em orçamento — 2004)
4) Os preços públicos, ou tarifas, incluem-se entre as receitas classificadas como:
a) Coativas.
b) Originárias.
c) Derivadas.
d) Extrafiscais.
e) Tributárias.
(AGU — Advogado Geral da União — 1994)
5) As receitas provenientes de multas e de indenizações são:
a) receitas patrimoniais.
b) receitas tributárias.
c) receitas industriais.
d) receitas correntes.
e) receitas de capital.
(AGU — Advogado Geral da União — 1994)
FGV DIREITO RIO
179
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2006.
COSTA, Leonardo de Andrade. Reflexões sobre o ICMS incidente nas operações com gasolina C à luz dos desafios do federalismo fiscal brasileiro
no século XXI. p. 241-281. In: TORRES, Heleno Taveira e CATÃO,
Marcos (Organizadores). Tributação no Setor de Petróleo. São Paulo:
Quartier Latin do Brasil, 2005
HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas,
2008.
LAGEMANN, Eugênio. A ALCA, o MERCOSUL e o ICMS, Artigo apresentado no Seminário “O Federalismo Fiscal e o Processo de Integração
de mercados no Século XXI: Desafios e perspectivas”, organizado pela
Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, no dia 01 de fevereiro de 2002.
MACHADO Jr., Jose Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada: e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 31ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
IBAM, 2002/2003. p.21.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de.Curso de Direito Financeiro. 2ª ed. ver. e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SURREY, Stanley. Tax Expenditures. Cambridge: Harvard University Press,
1985.
REZENDE, Fernando e AFONSO, José Roberto, A Federação brasileira:
desafios e perspectivas, in Federalismo e Integração Econômica Regional
— Desafios para o Mercosul, Fórum das Federações. Konrad Adenauer
Stiftung, 2004,
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed.
atual. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004.
FGV DIREITO RIO
180
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 10 – O PODER DE TRIBUTAR, A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E
A CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA
366
NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Editora Almedina, 1978, p. 679.
367
Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um
mero poder para o Estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos,
constituindo antes um contributo indispensável a uma vida em comunidade
organizada em Estado fiscal”.
José Casalta Nabais366
10.1. ASPECTOS DO PODER TRIBUTÁRIO
O poder estatal se manifesta em diversas vertentes, sendo usualmente qualificado e distribuído em: poder judicante; poder legiferante; poder de polícia, por meio do qual se manifesta o intervencionismo na ordem econômicosocial e na propriedade367; e o poder tributário.
Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.368, aponta que a doutrina clássica norteamericana faz distinção entre o poder de tributar e o poder de polícia, podendo as
características definidoras de cada uma ser reconhecida a partir da análise da finalidade dos tributos. Nesse sentido, de acordo com a referida doutrina estrangeira tradicional, verifica-se qual é o fim do tributo, qual é sua ratio essendi. Se
o objetivo do tributo fosse meramente carrear recursos para os cofres públicos,
estaríamos perante a manifestação do poder de tributar. Por outro lado, se a
instituição do tributo tivesse como escopo servir de instrumento para o Estado
intervir na seara econômica e social, estar-se-ia diante do poder de polícia. A
doutrina nacional majoritária, no entanto, a partir de Bilac Pinto não reconhece a separação entre o poder tributário e o poder de polícia no que se refere aos
efeitos da incidência de tributos, conforme se constata do seguinte trecho369:
Não vemos também vantagem nem possibilidade da revisão da classificação
das rendas públicas, para recompô-la com mais uma categoria: a dos tributos
fundados no poder de polícia.
Nessa linha aponta Ricardo Lobo Torres, ao afirmar que:
Se é tributo o que se cobra, não desnatura a componente de extrafiscalidade
fundada no poder de polícia que pode informá-lo, desde que não lhe retire totalmente a finalidade de contribuir para a cobertura das necessidades públicas.
Aliomar Baleeiro também aceita a finalidade extrafiscal na cobrança de taxa, que
lhe não conspurca a natureza tributária.
Numa visão clássica, porém de efetiva
aplicação prática no direito contemporâneo, o jurista francês Lèon Duguit, influenciado pelas idéias de Augusto Comte, já em
1850 propugnava a propriedade não como
direito, mas como função social, conforme
se depreende do fragmento textual abaixo
transcrito: “Pero la propriedad no es un derecho; es una función social. El proprietario, es
decir, el poseedor de una riqueza, tiene, por
el hecho de poseer esta riqueza, una función
social que cumplir; mientras cumple esta
misión sus actos de proprietario están protegidos. Si no la cumple o la cumple mal, si por
ejemplo no cultiva su tierra o deja arruinarse
su casa, la intervención de los gobernantes es
legítima para obligarle a cumprir su función
social de proprietario, que consiste en assegurar el empleo de las riquezas que posee
conforme a su destino”. In: DUGUIT, Lèon. Las
Transformaciones Generales del Derecho
Privado, desde el Código de Napoleón. 2.
ed. Tradução Carlos G. Posada. Espanha:
Livraria Espanola y Estranjera, 1920. Já a
doutrina mais recente, representada pelo
jurista italiano Pietro Perlingieri, defende
a função social da propriedade como fundamento para a elaboração de normas
restritivas a seu uso, conforme se extrai de
sua doutrina: “em um sistema inspirado na
solidariedade política, econômica e social
e ao pleno desenvolvimento da pessoa,
o conteúdo da função social assume um
papel de tipo promocional, no sentido de
que a disciplina das formas de propriedade
e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e promover os valores
sobre os quais se funda o ordenamento”. In:
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil:
Introdução ao Direito Civil Constitucional. 3.
ed. Tradução Maria Cristina De Cicco. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007. Ainda nesse universo de considerações, Ana Alice De Carli, in:
CARLI, Ana Alice De. Bem de Família do
Fiador e o Direito Humano Fundamental
à Moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Júris, 2009, p. 91, destaca “o princípio da
função social como vetor axiológico do
regime patrimonial e, concomitantemente,
como regra direcionadora para os proprietários e para o poder público. Desta feita,
aos titulares do direito de propriedade cabe
o dever de exercê-lo sem abusos e visando
ao bem coletivo. O Estado, a seu turno, deve
utilizar a referida norma-princípio como
meio de controle do espaço urbano e como
diretriz para imposições de limites de seu
uso”. Ou seja, a função social da propriedade serve de fundamento para o Estado
intervir na propriedade privada, como, por
exemplo, nas hipóteses de desapropriação
por necessidade ou utilidade pública, ou,
ainda, por interesse social, mediante justa
e prévia indenização, no termos do art. 5º,
inciso XXIV, da CRFB/88.
368
ROSA JR., Luiz Emydio F. da. Manual de
Direito Financeiro e Direito Tributário.
15 ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar,
FGV DIREITO RIO
181
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
A partir dessas concepções doutrinárias é possível compreender os aspectos iniciais de interconexão entre a extrafiscalidade e a parafiscalidade sob o ponto de vista
jurídico — institutos que envolvem tanto o poder de tributar como o poder de polícia — e suas relações com a denominada fiscalidade. Com efeito, a extrafiscalidade
e a parafiscalidade serão objeto de estudo das próximas aulas (Aula 11 e 12).
A respeito do poder de polícia, malgrado não estudarmos aqui o direito
administrativo de forma específica, vale trazer à baila as lições de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto370, que descreve o poder de polícia como sendo
aquele “exercido pelo Estado enquanto legislador; pois apenas por lei se pode
limitar e condicionar liberdades e direitos”. Por outro lado, a função de polícia, ensina, ainda, o autor, consiste na aplicação da lei às situações concretas
e é exercida pelo Estado administrador.
Na esteira das lições do mencionado administrativista, a polícia administrativa
se diferencia da polícia judiciária, pois, enquanto esta ( judiciária ) tem como principal escopo a repressão dos comportamentos humanos ilícitos, a polícia administrativa, a seu turno, relaciona-se ao controle dos “demais valores contidos nas
liberdades e direitos fundamentais”, como, por exemplo “todas as formas de atuação, preventivas e repressivas, com suas sanções aplicáveis executoriamente sobre a
propriedade e a atividade privadas, atuando, apenas excepcionalmente, através de
um constrangimento sobre as pessoas”, pontua Diogo de Figueiredo371.
Nesse passo372, variado seria o campo de atuação da polícia administrativa: 1)
na área de segurança pública, por meio de instrumentos de controle, fiscalização
e manutenção da ordem social; 2) na defesa sanitária; 3) na tutela do patrimônio
estético; 4) no controle do comportamento ético nos meios de comunicação; 5)
na repressão de condutas contrárias aos bons costumes ou que agridam a sociedade de um modo geral; 6) no controle das atividades comerciais e empresariais;
7) no desenvolvimento humano por meio de instrumentos de proteção ao meio
ambiente saudável e sustentável; 8) no processo de imigração; 9) na área de urbanismo e construções; e 10) como regulador das atividades profissionais.
No que toca, especificamente, à função disciplinadora das categorias profissionais, importante destacar as profissões liberais, as quais, em regra, têm
suas normas norteadoras em leis específicas instituídas pela União, nos termos
do art. 22, XVI, da CRFB/88, que assim dispõe: “art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre. (...)XVI. Organização do sistema nacional de
emprego e condições para o exercício de profissões”. Nesse contexto, inseremse as contribuições das categorias profissionais ( art. 149 da CRFB/88 ) arrecadadas pelas entidades de classe ( ex., OAB373, CREA, CRM etc ) criadas com
o propósito de orientar e fiscalizar as atividades inerentes a sua classe de trabalhadores: matéria que será analisada na Aula 12 que trata da parafiscalidade.
Importante ainda destacar a distinção entre o poder de tributar de um
lado e o confisco e a expropriação de outro, esses últimos previstos no artigo
243 da Constituição, o qual dispõe:
2001, p. 269-270. Cf. preceitua o autor;
“a doutrina clássica nos Estados Unidos
distingue entre poder de tributar e poder
de polícia. Assim, ao lado do poder de
tributar, considera como poder de polícia
o poder que o Estado tem de restringir o
direito de cada um a favor do interesse
da coletividade. Por outro lado, vincula os
tributos com finalidade meramente fiscal
ao poder de tributar, enquanto o poder de
polícia corresponde aos tributos com fins
extrafiscais”.
369
BILAC, Pinto. Estudos de Direito
Público. Rio de Janeiro: Forense, 1953.
p.147.
370
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
Mutações do Direito Administrativo.
2. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar,
2001, pp. 385-398.
371
MOREIRA NETO. Op. Cit. pp.387-398.
372
MOREIRA NETO. Op. Cit. pp.391-400.
373
Cf. será enfrentado na aula sobre
a parafiscalidade, as contribuições (
anuidades) cobradas pela OAB não tem
natureza tributária segundo entendimento jurisprudencial do STJ e do STF.
FGV DIREITO RIO
182
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos
alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e
reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e
recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.
Assim, apesar da garantia da propriedade privada nos termos do artigo
5º da CR-88 tanto a expropriação como o confisco são possíveis nessas duas
hipóteses específicas, sendo, entretanto, vedada a utilização do “tributo com
efeito de confisco”, conforme previsão do artigo 150, IV, da CR-88, matéria
que será objeto de exame após a Aula 14, quando se iniciam os estudos das
denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar.
Ainda, no que se refere ao poder de tributar, Luiz Emygdio F. da Rosa Jr
374
o define como o “exercício do poder geral do Estado aplicado no campo
da imposição de tributos (...). O poder de tributar decorre diretamente da
Constituição Federal e somente pode ser exercido pelo Estado através de lei,
por delegação do povo, logo este tributa a si mesmo”. De fato, sob o ponto
de vista do constitucionalismo positivado, a Carta de 1988, em seu art.1º,
parágrafo único, assim dispõe, in verbis: “ todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”.
É possível visualizar com mais clareza o poder estatal a partir do denominado Estado Moderno, em que a noção de supremacia do poder do Estado
dentro dos limites de seu território caracteriza “um único poder com autoridade originária”, ensina Celso Ribeiro Bastos375, que identifica a soberania do
Estado como fundamento do poder de tributar.
No período medieval, a ideia de supremacia de uma pessoa ou ente político era praticamente inexistente, porquanto nesta época havia multiplicidade
de entidades com poderes originários, como, por exemplo: “o Papa, o Sacro
Império Romano-Germânico, os reis, a nobreza feudal, as cidades e as corporações de artes e ofícios, todos pretendiam exercer competência não derivadas
de outrem, o que era o mesmo que dizer que não se reconhecia reciprocamente nenhuma soberania,” preleciona ainda Celso Ribeiro Bastos376.
Aliás, foi com Jean Bodin377, em sua obra Les Six Livres de la Republique,
no século XVI, que surgiu a primeira noção de soberania, no bojo da qual o
autor defendia a ideia de supremacia do poder monárquico. No século XVI,
na Europa, os reis passaram a impor seu poder dentro do espaço geográfico
374
ROSA JR. Op. Cit. p. 269.
375
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de
Direito Financeiro e de Direito Tributário. 5. ed. atual. São Paulo: Editora
Saraiva, 1997, p, 99.
376
Idem. Ibidem. p. 99.
377
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 16. ed.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 1991, pp.65-66. Para Jean Bodin, a
soberania representava o poder absoluto e perpétuo de uma República. Ensina
Dallari, que a expressão “República”
empregada por Jean Bodin “equivale ao
moderno significado de Estado”.
FGV DIREITO RIO
183
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de seus reinados, afastando, desta forma, qualquer ingerência do Papado ou
do Império Romano-Germânico378.
Na realidade, vários são os fundamentos doutrinários a embasar a legitimidade do poder de tributar, bem como a justificar os limites ao exercício deste
poder estatal. A partir de uma visão clássica, por exemplo, a prerrogativa para
impor o tributo decorreria da própria soberania do Estado379. Ao passo que,
partindo-se de premissas do constitucionalismo contemporâneo, o poder de
tributar surgiria a partir da abertura permitida pelos direitos humanos fundamentais. A esta linha de pensamento se filia Ricardo Lobo Torres380, que, ao
discorrer sobre o poder de tributar, aponta a liberdade como elemento delimitador na criação de tributos, e — amparado na ideia de justiça a partir da teoria
dos direitos humanos fundamentais -, preleciona que “o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles é totalmente limitado”.
Nesse cenário, torna-se relevante destacar as mutações de conteúdo e alcance pelas quais tem a liberdade, como valor fundamental, experimentado
ao longo das diversas fase do Estado.
Assim, ensina Ricardo Lobo Torres381 que, no Estado Patrimonial, a liberdade — em seu conteúdo restrito — era estratificada entre a realeza, os
senhores feudais e a igreja, e consubstanciava “o exercício da fiscalidade, a
reserva da imunidade aos tributos, a obtenção de privilégios, e o consentimento para a cobrança extraordinária de impostos”.
Por sua vez, no Estado de Polícia, a liberdade — ainda com sua concepção
restrita — se afirmava como a liberdade do príncipe e da burguesia em ascensão.
Nessa fase, “o tributo passa a ser o fiador da conquista da riqueza e da felicidade,
da liberdade do trabalho e do incentivo ao lucro no comércio e no câmbio, assumindo características de preço da liberdade”, assevera o mencionado autor382.
Já no Estado Fiscal de Direito383, “o tributo é o preço da liberdade, pois
serve de instrumentos para distanciar o homem do Estado, permitindo-lhe
desenvolver plenamente as suas potencialidades no espaço público, sem necessidade de entregar qualquer prestação permanente de serviço ao Leviatã”,
complementa Ricardo Lobo Torres.
378
BASTOS. Op. Cit. p. 99.
379
MACHADO. Op. Cit. p. 37.
380
10.2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
A doutrina384 aponta, basicamente, três modalidades de competência tributária. Na realidade, a estratificação do instituto da competência em espécies ou modalidades visa, basicamente, a facilitar o entendimento do tema,
pois, na realidade, é sempre possível apontar imperfeições e novas perspectivas. Nessa toada, importante destacar que “as classificações não são certas
ou erradas — são úteis ou inúteis, na medida em que servem para identificar
melhor o objeto de análise”, assevera Genaro A. Carrió385.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de
Direito Constitucional Financeiro e
Tributário. Vol. III. Os Direitos Humanos
e a Tributação — imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Editora Renovar,
1999, p. 2.
381
TORRES ( 1999 ). pp.2-5.
382
TORRES ( 1999 ). p. 2-3- 14.
383
TORRES ( 1999 ). p. 3.
384
AMARO, Luciano. Direito Tributário
Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p.95.
385
CARRIÓ, Genaro A. Notas sobre
Derecho y Language. Buenos Aires:
Abeledo-Perrot, 1973, p. 72.
FGV DIREITO RIO
184
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Nesse contexto, vejamos as referidas modalidades apresentadas pela
doutrina:
1) a competência comum, a qual consubstancia a prerrogativa de todos os
Entes Políticos instituirem tributos. Exemplos usualmente apontados quanto
a esta atribuição são as taxas e a contribuição de melhoria386; 2) a competência
privativa387, por meio da qual apenas o Ente Político específico possui a atribuição para criar determinado tributo: por exemplo, cabe à União criar o imposto
sobre exportação ( vide art. 153, II, da CRFB/88 ); cada Estados tem a prerrogativa de instituir o ITCMD ( cf. art. 155, I, da CRFB/88 ), aos Municípios
incumbe o dever institucional relativo ao IPTU ( nos termos do art. 156, I, da
CRFB/88 ); e 3) a competência residual, que é conferida à União para instituir
outros impostos, além daqueles expressamente descriminados na Constituição.
Ensina Luciano Amaro388, no tocante à competência privativa da União, em
sua vertente extraordinária, “o critério de partilha de situações materiais para a
criação de impostos é afastado em caso de guerra ou sua iminência, pois, dada
a excepcionalidade dessas situações, atribui-se à União competência para criar
impostos extraordinários”. Ainda, segundo o autor, a Constituição de 1988,
neste caso, permitiu a União instituir impostos, cujas situações materiais estão
fora da moldura de sua competência tributária; ou seja, a União para criar impostos extraordinários “não fica adstrita às situações materiais a ela normalmente
atribuídas ( nomeada ou residualmente ), podendo, além dessas, tributar aquelas
inseridas, ordinariamente, na competência dos Estados ou dos Municípios ( por
exemplo, a circulação de mercadorias ou serviços de qualquer natureza )”.
Ainda, com relação à competência privativa extraordinária da União, pertinente é a observação feita por Paulo de Barros Carvalho389: “(...) convém
esclarecer, todavia, que por guerra externa haveremos de entender aquela de
que participe o Brasil, diretamente, ou a situação de beligerância internacional que provoque detrimentos ao equilíbrio econômico-social brasileiro”. Na
linha de intelecção do mencionado autor, a União pode lançar mão da competência extraordinária, desde que cumpridos os requisitos esculpidos no art.
154, II, da CRFB/88, ou seja, em casos de guerra ou de sua iminência, nos
quais o Brasil busca a defesa de seus interesses nacionais.
Apenas para fins didáticos, vejamos grafcamente as mencionadas
classificações:
Ordinária - todos os
Entes Políticos possuem
Privativa
Extraordinária – somente
a União a possui
Competência tributária
Comum
Residual
Todos os Entes Políticos
possuem
Somente a
União a possui
386
A competência para instituir e cobrar
determinada taxa ou contribuição de
melhoria depende de qual o ente político com atribuição para a realização
da obra pública ou para o exercício do
poder de polícia ou da prestação de
serviço público específico e divisível,
ou seja, a unidade federada que realiza
o serviço público e a obra será a titular
da exação. Dessa forma, por exemplo, a
taxa de incêndio é de competência dos
Estados enquanto a taxa de lixo é de titularidade dos Municípios, haja vista as
repectivas atribuições materiais.
387
A competência privativa se desdobra
em ordinária e extraordinária, sendo
que esta somente a União possui, nos
termos do art. 154, II, da CRFB/88, que
assim dispõe: “Art. 154. A União poderá
instituir: II. na iminência ou no caso de
guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua
competência tributária,os quais serão
suprimidos, gradativamente, cessadas
as causas de sua criação”.
388
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. rev. e atual. São
Paulo; Editora Saraiva, 2005, pp. 97-98.
389
CARVALHO, Paulo de Barros. Competência Residual e Extraordinária. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva ( coordenador ). Curso de Direito Tributário.
10 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, pp. 707-709.
FGV DIREITO RIO
185
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
O quadro abaixo apresenta de forma esquemática a distribuição de
competências em relação aos tributos390 de acordo com a Constituição
de 1988. Importante repisar, anteriormente, que o artigo 149 da CR-88
confere competência privativa à União para criar contribuições sociais,
de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, o que não afasta a possibilidade de os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios instituírem contribuição para a seguridade social de seus servidores, nos termos do §1º do mesmo dispositivo constitucional. De fato, o artigo 149 da CR-88 é o fundamento de
validade constitucional das mencionadas contribuições especiais e, também, elemento de conexão entre a denominada Constituição Tributária e
aquela que disciplina a Segurança ou Seguridade Social, onde são previstas de forma detalhada e especificada essas espécies tributárias, tais como,
por exemplo, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(COFINS) — artigo 195, I, “b” -, a Contribuição Social sobre o Lucro
(CSLL) — artigo 195, I, “c” -, a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) — artigo 239 -, e etc.
Espécies
tributárias
1. Empréstimos Compulsórios
2. Contribuição de
Iluminação Pública
390
O quadro inclui as espécies tributárias definidas pelo Supremo Tribunal
Federal, conforme já destacado, especialmente no RE 138.284-8, RE 146.733
e ADC-1/DF, nas quais foi adotada a tese
qüinqüipartide dos tributos. Ressaltese, entretanto, que após essas decisões
foi introduzido o artigo 149-A pela
Emenda Constitucional 39/2002, o qual
atribuiu competência aos Municípios
para instituírem a contribuição de iluminação pública. Portanto, atualmente
seriam considerados tributos: (1) os empréstimos compulsórios (artigo 148 da
CR-88); (2) a contribuição de iluminação
pública (art. 149-A); (3) as taxas (artigo
145, II, da CR-88); (4) as contribuições
de melhoria (artigo 145, III, da CR-88);
(5) os impostos (artigo 145, I, da CR-88);
(6) as contribuições especiais (artigo 149
da CR-88), sendo estas últimas subdivididas em três grupos: (6.1) sociais; (6.2)
de intervenção no domínio econômico e
(6.3) de interesse das categorias profissionais e econômicas. As contribuições
sociais, por sua vez, desdobram-se em:
(6.1.1) sociais gerais; (6.1.2) de seguridade social e (6.1.3) outras de seguridade social (art. 195 §4º).
Distribuição de competência tributária fixada na Constituição de acordo com
o federalismo fiscal brasileiro
União
Estados
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos
compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade
pública, de guerra externa ou sua
iminência;
II - no caso de investimento público de
caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto
no art. 150, III, “b”.
Parágrafo único. A aplicação dos
recursos provenientes de empréstimo
compulsório será vinculada à despesa
que fundamentou sua instituição.
Municípios
Art. 149-A Os Municípios e o
Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma
das respectivas leis, para o
custeio do serviço de iluminação pública, observado o
disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada
a cobrança da contribuição
a que se refere o caput,
na fatura de consumo de
energia elétrica.
FGV DIREITO RIO
186
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
3. Taxas
Art. 145, II - taxas, em razão do
exercício do (1) poder de polícia ou
pela utilização, efetiva ou potencial,
de (2) serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou
postos a sua disposição;
4. Contribuição de
Melhoria
Art. 145, III - contribuição de melhoria,
decorrente de obras públicas.
5. Impostos
Contribuições
especiais
1. Imposto de Importação de produtos
estrangeiros (art. 153, I);
2. Imposto de Exportação, para o
exterior, de produtos nacionais ou
nacionalizados (art. 153, II)
3. Imposto de Renda da Pessoa Física
(IRPF) e Jurídica (IRPJ) incidente
sobre o Ganho de Capital apurado
na alienação de bens e direitos (art.
153, III)
4. Imposto sobre produtos industrializados (IPI- art. 153 IV)
5. Imposto sobre operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a
títulos e valores mobiliários -IOF (Art
153 V)
6. Imposto sobre a propriedade Territorial Rural (ITR — art. 153, VI)
7. Imposto sobre grandes fortunas (IGF
— art. 153, VII)
1. Contribuições sociais
a) Gerais: Fundo de Garantia sobre o
Tempo de Serviço (FGTS — art. 7º, III);
Salário Educação (art. 212,§5º) etc.
b) Contribuição para a Seguridade Social em geral (art. 149 c/c art. 195)
- Contribuição para a Previdência dos
seus servidores (art. 149 caput e art. 40)
Outras contribuições sobre a folha de
salários e demais rendimentos (previdenciárias do empregador), sobre
o trabalhador e demais segurados
(previdenciária dos empregados)
sobre o lucro (CSL), sobre a receita
ou faturamento (COFINS), sobre a
receita de concursos prognósticos,
do impotador de bens e serviços.
c. Outras de seguridade social (art. 195 §4º)
Programa de Integração Social (art.
239)
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (art. 239)
Art. 145, II - taxas, em razão
do exercício do (1) poder de
polícia ou pela utilização,
efetiva ou potencial, de (2)
serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos a sua
disposição;
Art. 145, III - contribuição
de melhoria, decorrente de
obras públicas.
Art. 145, II - taxas, em razão
do exercício do (1) poder de
polícia ou pela utilização,
efetiva ou potencial, de (2)
serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos a sua
disposição;
Art. 145, III -contribuição
de melhoria, decorrente de
obras públicas.
1. Imposto sobre a Transmissão Causa mortis e
Doação, de quaisquer
bens ou direitos (ITCMD1. Imposto sobre a Proprieart. 155, I)
dade Territorial Urbana
2. Imposto sobre operações
(IPTU- art. 156, I)
relativas à circulação
2. Imposto sobre a Transmisde mercadorias e sobre
são de Bens Imóveis (ITBI
prestações de serviços de
–art. 156, II)
transporte interestadual
e intermunicipal e de co- 3. ISS - Imposto sobre Serviços de qualquer natureza,
municação, ainda que as
não compreendidos no
operações e as prestações
art. 155 II, definidos em lei
se iniciem no exterior
complementar (art. 156)
(ICMS - art. 155, II)
3. Imposto sobre a propriedade de Veículos
Automotores (IPVA- art.
155, III)
1) Contribuição para a Previ- 1) Contribuição para a Previdência dos seus servidores dência dos seus servidores
(art. 149, §1º e art. 40).
(art. 149, §1º e art. 40).
FGV DIREITO RIO
187
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Contribuições
especiais
(continuação)
2) intervenção no domínio econômico
(art. 149 caput, §2º e art. 177, §4º CIDE petróleo) e outras de interventivas (AFRMM, CODENCINE etc.)
3) de interesse das categorias profissionais ou econômicas : Contribuições
compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às
entidades privadas de serviço social
e formação profissional vinculadas
ao sistema sindical (art. 240): chamado sistema S, que compreende as
contribuições para o serviço nacional
de aprendizagem rural (SENAR), para
o serviço nacional de aprendizagem
de transporte (SENAT), para o serviço
social de transporte (SEST), para o
serviço social da Indústria (SESI),
para o serviço nacional de aprendizagem comercial (SENAC), para o
serviço nacional de aprendizagem
industrial (SENAI), para o serviço
social do comércio (SESC).
Contribuição prevista no artigo 8º IV
da CR-88.
Conforme será examinado na próxima aula, pertinente à extrafiscalidade,
e na aula concernente à capacidade contributiva, todas essas espécies tributárias podem ser agrupadas tanto sob o ponto de vista (1) jurídico tributário, no que se refere à distribuição de competência do nosso regime de
federalismo fiscal ou em relação ao ato, fato ou negócio jurídico a ensejar a
incidência, como em função (2) do substrato econômico a que se vinculam,
isto é, o patrimônio, a renda ou o consumo, os quais se consubstanciam nas
três bases econômicas de incidência tributária. Saliente-se, entretanto, que o
tributo formulado ou desenhado para incidir sobre determinada base econômica de tributação pode, de fato, não atingir aludido substrato, em função
de condições de mercado ou da própria legislação tributária. Destaque-se,
também, que nem sempre a pessoa eleita pela norma de incidência como o
sujeito passivo da obrigação tributária é aquela que arca, na realidade, com o
ônus econômico do tributo, ou seja, existe o chamado contribuinte de fato e
o denominado contribuinte de direito, os quais podem ser ou não a mesma
pessoa, também em função das condições dos mercados de bens e serviços
e daqueles dos fatores de produção (terra, capital, trabalho etc.) assim como
das normas de incidência. Ainda, importante salientar que pessoas jurídicas,
criações do homem, não suportam, em última instância, a carga tributária,
pois somente pessoas naturais arcam com o ônus econômico do tributo, isto
é, a incidência econômica da exação sobre a pessoa jurídica dever ser analisada sob a perspectiva do retorno do capital empregado por aquele responsável
FGV DIREITO RIO
188
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
por sua constituição ou seu beneficiário, o que requer análise conjunta da
norma jurídica com a realidade econômica sobre a qual ela é aplicada.
Na sequência, vale destacar: 1. a noção de “competência tributária”; 2. as
suas características; 3. o seu destinatário; e 4. a correlação com o Poder de
Tributar e a Capacidade tributária.
10. 2.1. A noção de Competência Tributária:
No dizer de Paulo de Barros Carvalho391, “a competência tributária (...) é
uma das prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas,
consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”.
Para Zelmo Denari392, “a competência tributária coloca-se no plano institucional do tributo, mas a outorga é de índole constitucional, pois os entes políticos
( União, Estados e Municípios ) só podem instituir os tributos discriminados na
Constituição”, enquanto a capacidade tributária, alude o autor, “coloca-se no plano operacional e significa a aptidão para cobrar tributos legalmente instituídos”.
Na perspectiva de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.393a competência tributária
“é a parcela do poder conferida pela Constituição a cada Ente Político para
criar tributos”.
Na concepção de Luciano Amaro394 a competência tributária “implica a
competência para legislar, inovando o ordenamento jurídico, criando o tributo ou modificando sua expressão qualitativa ou quantitativa, respeitados,
evidentemente, os balizamentos fixados na Constituição (...)”.
Pelo exposto pode-se concluir que a competência tributária representa a
prerrogativa constitucionalmente conferida aos Entes Políticos para instituir
e disciplinar os tributos, por meio de seu Poder Legislativo, no âmbito e limites de seu poder de tributar. Cabe, ainda salientar que a competência, em
seu sentido amplo, abarca também a capacidade tributária ativa, uma vez que
o Ente competente para instituir a exação, tem igualmente a prerrogativa de
cobrá-la, arrecadá-la e fiscalizá-la.
10.2.2. Características:
A competência tributária tem basicamente seis elementos caracterizadores, os quais podem ser delineados da seguinte maneira: a. privatividade;
b.indelegabilidade; c.incaducabilidade; d.inalterabilidade; e. irrenunciabilidade; e f. facultatividade do exercício.
A privatividade, como do termo mesmo se infere, significa a prerrogativa
que determinado Ente da federação possui para exercer a competência tribu-
391
CARVALHO. Op. Cit. pp. 707-709.
392
DENARI, Zelmo. Sujeitos Ativo e Passivo da Relação Jurídica Tributária. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva ( coordenador ). Curso de Direito Tributário.
10 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, pp. 171-190.
393
ROSA JR.Op. Cit. p.255.
394
AMARO. Op. Cit. p. 99
FGV DIREITO RIO
189
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tária dentro de seu espaço territorial, afastando, dessa forma, a possibilidade
de outro Ente extrapolar os limites demarcados pela Constituição.
Nesse sentido, dispõe o art. 8º do Código Tributário Nacional ( CTN )
que “o não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica
de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído”,
ou seja, não pode, por exemplo, um estado-membro da Federação instituir
o imposto sobre grandes fortunas ( o qual é da competência da União, nos
termos do art. 153, inciso VII, da CRFB/88 ) pelo simples fato de o Ente
competente, no caso a União, não o fazê-lo.
A indelegabilidade é um significante de caráter obstativo, isto é, veda a
possibilidade de transferência da parcela delimitada do poder de tributar de
determinado Ente Político a outro, ainda que parcialmente.
Esta qualidade tem sentido significativo, visto que a competência tributária, tal como concebida em nosso constitucionalismo, decorre da delimitação
do poder de tributar, afastando, deste modo, a possibilidade de os detentores
de mandato eletivo, em sede dos respectivos Entes Políticos, utilizarem o
tributo como instrumento político-eleitoreiro para outros interesses, até mesmo de caráter público, mas momentâneos.
A incaducabilidade, a seu turno, tem como ratio subjacente a discricionariedade legislativa, isto é, o Poder Legiferante do Ente federativo não está
adstrito a qualquer limitação temporal para criar seus tributos. O que não
se confunde com o princípio da irrenunciabilidade, o qual pressupõe o potencial exercício da competência tributária, a despeito da discricionariedade
temporal legislativa para o exercício da prerrogativa.
A inalterabilidade vincula-se ao fato de que o Poder Público não pode
ampliar o escopo da competência tributária determinada pela Constituição
Federal, sob pena de violar o próprio pacto federativo.
Por fim, a facultatividade do exercício da competência tributária. É
preciso ter-se certo cuidado com este princípio, porquanto, ao mesmo
tempo em que o Poder Público possui discricionariedade legislativa para
criar seus tributos, ele deve obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal (
Lei Complementar 101/2000), a qual, em seu artigo 11, dispõe: “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente federado”. Impõe-se, portanto, uma indagação: A
não-instituição de um tributo, o qual a CRFB/88 atribuiu a determinado
Ente Político, viola ou não o art. 11 da Lei Complementar 101/00 ( a
denominada Lei de Responsabilidade Fiscal), que dispõe: “Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente da Federação”?395.
395
Como compatibilizar a LRF ( LC
110/00 ) com a norma inserta no art.
153, inciso VII, CR/88?
FGV DIREITO RIO
190
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
10.2.3. Quanto ao destinatário da competência tributária:
O destinatário da norma constitucional que confere competência é o Poder
Legislativo do Ente Político respectivo, haja vista que no Estado de Direito o Poder Público também deve observância às normas jurídicas que edita,
submetendo-se, portanto, ao princípio da legalidade. Dessa forma, a Administração Pública subsume a sua atuação aos ditames legais, ex vi do art. 37 e art.
150, inciso I, da Carta Constitucional de 1988. Nesse sentido, a Constituição
não cria o tributo, apenas confere ou atribui competência para que o ente político o institua por meio de lei ordinária, salvo as exceções constitucionalmente
fixadas, como é o caso da citada competência residual da União, para instituir
outros impostos além daqueles listados no artigo 153, mediante lei complementar, observadas as restrições aludidas no artigo 154, I, da CR-88.
Vale lembrar que a competência tributária não se confunde com a capacidade tributária, pois esta, consubstanciada no direito de cobrar, arrecadar, e
fiscalizar, é atribuída, em regra, ao Poder Executivo do Ente Político, competente para instituir o tributo, podendo, conquanto, ser delegada, nos termos
do art. 7º do CTN, ao contrário do que corre com a competência tributária,
que é indelegável.
10.2.4. Competência tributária e a sua correlação com o Poder de Tributar e a Capacidade tributária:
Alguns doutrinadores defendem que somente os Entes Políticos detentores de competência tributária para instituir tributos é que possuem capacidade tributária ativa, por força do disposto no art. 119, do CTN, que assim
dispõe: “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir seu cumprimento”. Tal corrente doutrinária é
capitaneada por Rubens Gomes de Souza396, Ricardo Lobo Torres397, e Hugo
de Brito Machado398.
Rubens Gomes de Souza399acentua que “somente as entidades públicas400
dotadas de poder legislativo (...) é que podem ser sujeitos ativos de obrigações tributárias”. Nessa toada, limita a sujeição ativa ao próprio Ente Político
instituidor da exação.
Já Ricardo Lobo Torres401 admite que, além dos Entes Políticos, podem,
também, ocupar o polo ativo da relação tributária as autarquias, “pois se lhe
estende o conceito de Fazenda Pública e se lhes atribui a competência para a
cobrança das contribuições especiais”.
Hugo de Brito Machado402, a seu turno, pontua que “só as pessoas jurídicas de direito público podem ser sujeitos ativos da obrigação tributária”.
Nesse sentido, o autor amplia o conceito de capacidade tributária ativa e
396
SOUZA, Rubens Gomes de. Compendio de legislação tributária. Edição
póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p.89.
397
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11 ed.
Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004,
p. 253.
398
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
Direito Tributário. 21 ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Malheiros,
2002, pp. 122-123.
399
SOUZA. Op. Cit. p. 89.
400
Ressalte-se aqui o uso da expressão
“entidades públicas”para designar Entes Políticos.
401
TORRES ( 2004 ). p. 253.
402
MACHADO. Op. Cit. pp. 122-123.
FGV DIREITO RIO
191
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
admite-a para todas as pessoas jurídicas de direito público; donde se infere
que teriam capacidade tributária ativa, além dos Entes Políticos, as autarquias
e as fundações públicas de natureza pública403.
Em sentido diverso das referidas doutrinas, segue a linha de pensamento de
Luciano Amaro404, o qual, apesar de reconhecer que o Ente Público instituidor
do tributo é, em regra, o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, que da exação criada emerge, admite exceções que afastam a indigitada regra, por força
da disciplina constitucional, como ocorre, por exemplo, com as denominadas
contribuições parafiscais ou especiais: isto é, aquelas cobradas e fiscalizadas por
entidades fora do núcleo da Administração Pública. Aponta o mencionado
autor: “uma coisa é a competência tributária ( aptidão para instituir o tributo
) e a outra é a capacidade tributária ( aptidão para ser titular do pólo ativo da
obrigação)”. Afirma, ainda, Luciano Amaro que a identificação do sujeito ativo
da obrigação tributária “deve ser buscada no liame jurídico em que a obrigação
se traduz, e não na titularidade da competência para instituir o tributo”.
O raciocínio de Luciano Amaro parece se coadunar com o texto constitucional de 1988, o qual prevê em seu art. 8º a contribuição sindical cobrada
pelos sindicatos ( entidades privadas ) e as contribuições para manutenção do
denominado Sistema S ( SESI, SENAI, SESC, SEBRAE etc) previstas no art.
240 ( as quais também, assim como os sindicatos, são pessoas jurídicas de direito privado: porém tem suas atividades voltadas ao incremento da formação
profissional dos trabalhadores ). Nesse cenário parece necessária uma leitura
dos artigos 7º e 119 do CTN de forma a interpretá-los conforme a Constituição de 1988, isto é, no bojo de uma realidade jurídico-constitucional diversa
daquela vigente à época da edição do CTN, 1967. Cumpre, ainda, frisar que
em 1967, quando da elaboração do CTN, os tributos enfeixavam apenas os
impostos, as taxas e a contribuição de melhoria. As contribuições previdenciárias, sindicais, e o FGTS, não estavam incluídas no capítulo que tratava dos
tributos, as quais foram, por emenda ao projeto, previstas posteriormente no
capítulo das disposições finais e transitórias, nos termos do art. 217.
Na opinião de Aliomar Baleeiro405, o referido art. 217, acrescentado ao
CTN, “visa a estancar dúvidas sobre a exigibilidade das contribuições parafiscais ou especiais, que ele indica e que, aliás, estão contempladas na Constituição Federal ( na redação da Emenda nº 1/1969, art. 163, parag. Único; 165,
XVI, 166, §1º; e art. 21, §2º, I )”. Com efeito, a referida emenda estabeleceu,
no capítulo do Sistema Tributário, em seu art. 18, §2º, a competência da
União para instituir “contribuições (...), tendo em vista intervenção no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e para atender diretamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência social”406.
Diante desse quadro, a doutrina e a jurisprudência passaram a admitir a
natureza tributária dessas exações. Paisagem que não durou muito tempo,
pois, em 1977, por força da emenda constitucional nº 8, que afastou as con-
403
Sobre este assunto vide DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Editora Atlas,
2003, p.365. Segundo a administrativista, a fundação pública pode ter
caráter público ou privado, depende do
que dispõe a lei que a instituir. Sendo
certo que, quando a lei instituidora der
a fundação personalidade jurídica de
direito público, o seu regime jurídico
será igual ao das autarquias, “sendo
chamada de autarquia fundacional”,
pontua a autora.
404
AMARO. Op. Cit. pp. 292-293.
405
BALEEIRO. Op. Cit. pp.569-570.
406
BRASIL. Senado Federal. Constituições do Brasil. Brasília: Subsecretaria
de Edições Técnicas, 1986, p.530.
FGV DIREITO RIO
192
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tribuições sociais do capítulo do sistema tributário, para inseri-las na parte
que trata das demais matérias afetas à competência legislativa da União, os
estudiosos da matéria e o próprio STF passaram a defender a tese de que tais
exações não teriam mais natureza tributária407.
A Constituição de 1988 delineou novo cenário para as contribuições especiais, inserindo-as no capítulo do sistema tributário nacional: cuja regra
matriz está no art. 149. Diante desta realidade, a doutrina em geral e a jurisprudência passaram novamente a admitir a natureza tributária das contribuições. De fato, recentemente, o STF, em decisão plenária, considerou
inconstitucional o prazo prescricional de 10 anos previsto para a cobrança
das contribuições previdenciárias, sendo, inclusive, matéria de súmula vinculante408. Alegou a suprema corte que, em razão da natureza tributária destas
exações, devem as mesmas se submeter aos prazos de prescrição e decadência
previstos no CTN.
Importante destacar ainda que, além das hipóteses supramencionadas,
relativamente à contribuição cobrada pelos sindicatos (art. 8º da CR-88)
e das contribuições para manutenção do denominado Sistema S (artigo
240 da CR-88), atribuindo, portanto, a sujeição ativa a pessoas jurídicas
de direito privado, a Constituição também atribui aos cartórios privados409, a teor do artigo 236 da CR-88, a cobrança de custas extrajudicais,
as quais se qualificam como taxas, subsumindo-se, portanto, como espécie tributária, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI 1444-7:
ADI 1444 / PR — PARANÁ
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES
Julgamento: 12/02/2003
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação DJ 11-04-2003 PP-00025
EMENT VOL-02106-01 PP-00046
Parte(s)
REQTE. : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL
ADVDO. : FRANCISCO ERNANDO UCHOA LIMA
ADVDO. : MARCELO MELLO MARTINS E OUTRO
REQDO. : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
407
Nesse sentido, ver RE 86.595 de
07.06.1978.
408
Ementa
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E
EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30
DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PA-
Vide Súmula Vinculante 8: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e
os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991,
que tratam de prescrição e decadência
de crédito tributário”.
409
Dispõe o caput do artigo 236 da CR88: “Os serviços notariais e de registro
são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público”.
FGV DIREITO RIO
193
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
RANÁ: ATO NORMATIVO. 1. Já ao tempo da Emenda Constitucional nº 1/69,
julgando a Representação nº 1.094-SP, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
firmou entendimento no sentido de que “as custas e os emolumentos judiciais ou
extrajudiciais”, por não serem preços públicos, “mas, sim, taxas, não podem ter
seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da
legalidade (parágrafo 29 do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69), garantia essa que não pode ser ladeada mediante delegação legislativa” (RTJ 141/430,
julgamento ocorrido a 08/08/1984). 2. Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no
julgamento do RE nº 116.208-MG. 3. Esse entendimento persiste, sob a vigência
da Constituição atual (de 1988), cujo art. 24 estabelece a competência concorrente
da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislar sobre custas dos serviços
forenses (inciso IV) e cujo art. 150, no inciso I, veda à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos municípios, a exigência ou aumento de tributo, sem lei que
o estabeleça. 4. O art. 145 admite a cobrança de “taxas, em razão do exercício do
poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Tal conceito
abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos),
pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter
particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de
custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução — do Tribunal de Justiça
— e não de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. 5. Aqui não se
trata de “simples correção monetária dos valores anteriormente fixados”, mas de aumento do valor de custas judiciais e extrajudiciais, sem lei a respeito. 6. Ação Direta
julgada procedente, para declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 07,
de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Decisão
- O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado na
inicial para declarar a inconstitucionalidade da Resolução nº 07, de 30 de junho
de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Votou o Presidente, o
Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro
Celso de Mello, e, neste julgamento, o Senhor Ministro Ilmar Galvão. Plenário,
12.02.2003.
QUESTÕES DE CONCURSO
1. Em relação à competência tributária residual, pode-se afirmar que:
(A) em qualquer hipótese, só poderá ser utilizada pela União Federal,
desde que mediante Lei Complementar.
(B) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada pela União Federal, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
(C) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada pelos Estados e pelo Distrito Federal, desde que haja Lei Complementar autorizativa.
(D) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada tanto pela União
como pelos Estados.
(E) poderá ser utilizada pelos Estados para a instituição de outros tributos não previstos em sua competência privativa
(BNDES, 2002 — “a”)
2. Assinale a opção incorreta:
a) Compete à União instituir impostos sobre renda e proventos de
qualquer natureza.
b) Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre
a circulação de mercadorias e serviços.
c) Compete aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155,II,CF, definidos em
lei complementar.
d) Compete à União instituir, mediante lei, impostos não previstos na
CF, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou
base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição.
(Ministério Público de Minas Gerais — Juiz, 2004)
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FGV DIREITO RIO
196
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 11 – A POLÍTICA FISCAL E A EXTRAFISCALIDADE: A
NECESSÁRIA COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE EFICIÊNCIA
ECONÔMICA, JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E A CONVENIÊNCIA
ADMINISTRATIVA DOS TRIBUTOS.
Pode-se dizer, sem exagero, que rios de tinta já foram gastos e muita discussão ainda hoje existe na busca da melhor resposta para algumas questões
fundamentais relacionadas à ideal organização política, econômica e social
no âmbito interno de cada país visando o alcance do desenvolvimento socialmente sustentável, dentre as quais se destacam:
1. Quais deveriam ser as funções estatais na ordem econômica e social,
ou seja, quais seriam as atividades e os limites da atuação do tradicional Estado-Nação410?
2. Em quais circunstâncias e em que medida deveria o Estado intervir na alocação de recursos realizada pelo “mercado” bem como no
retorno e remuneração dos fatores de produção (terra — alugueres, capital-juro ou dividendo, trabalho- remuneração ou salário,
empreendedorismo- lucro ou dividendo, tecnologia — royalties, e
etc.), ou seja, quais seriam os contornos e os graus de interferência
estatais desejáveis?
3. A ação do Estado deve somente corrigir as falhas de “mercado” por
questões de eficiência econômica ou deve ir além, também para
evitar/impedir a concentração da renda ou mesmo para realizar
políticas públicas objetivando redistribuir a riqueza411, ainda que
não sejam ótimas essas ações públicas sob o critério exclusivamente
econômico em sentido estrito, isto é, deveria o poder público considerar outros valores contendo razoável grau de subjetividade como
a equidade, justiça distributiva, etc.?
4. Caso concluído no sentido da necessidade ou imprescindibilidade
das políticas públicas objetivando a redistribuição e a transferência
de renda entre classes economicamente estratificadas para diminuir
desigualdades, deveriam ser utilizados os tributos que priorizem a
neutralidade412 do seu impacto sobre as decisões dos agentes econômicos aliado à adoção de uma eficaz política de redução de desigualdades somente na vertente da despesa pública ou, alternativamente, adotar-se exclusivamente ou preponderantemente a política
extrafiscal na via da receita? Não seria mais adequado adotar uma
política fiscal abrangente e conjunta, compreendendo, ao mesmo
tempo, a política tributária e, também, os gastos visando a alcançar
objetivos de intervenção na ordem econômica e social? Essas políticas seriam diferentes dependendo do país nas quais são adotadas?
5. Qual é a distribuição de renda e de riqueza ideal? Quais os critérios
e os riscos dessa atuação estatal em face das liberdades fundamen-
410
A aceleração do processo de integração
de mercados, em âmbito regional e global,
impõe inevitáveis restrições e condicionantes às políticas públicas locais, as quais se
vinculam — e se subordinam em muitas
circunstâncias — cada vez mais às ordens
jurídicas e econômicas supranacionais.
Entretanto, os atuais dilemas relacionados
às possíveis políticas tributárias e de gastos
a serem adotadas contém em sua raiz os
mesmos tipos de escolhas e problemas do
tradicional Estado-Nação, os denominados
“trade-offs”. Na realidade, como em toda
política pública, na política fiscal ocorre
uma escolha na margem entre algumas
virtudes de um lado em detrimento de
outras qualidades de outro (como justiça
distributiva e equidade na distribuição
dos custos governamentais de um lado
e crescimento econômico e a adequação
administrativa por outro). Conforme pontua Messere, em relação, especificamente,
à política tributária:“Tax policy is about
trade-offs, not truths”. In. MESSERE, Ken.
Half Century of Changes in Taxation. 53
Bulletin for International Fiscal Documentation 340. 1999. p. 343-344. Assim, os
três planos clássicos nos quais as políticas
tributárias devem ser analisadas — (1)
eficiência econômica, (2) equidade/justiça
distributiva, e (3) adequação administrativa ou praticalidade — permanecem,
ao lado dos novos parâmetros e desafios
inerentes à pós-modernidade, em especial
a necessidade de interagir e competir em
âmbito global. Os elementos envolvidos
devem ser ponderados cuidadosamente,
um verdadeiro exercício de sintonia fina e
não apenas de escolha excludente.
411
O índice ou coeficiente de Gini é a medida
expressa em pontos percentuais, normalmente utilizado em estudos econômicos
para identificar o grau de desigualdade e
de concentração de renda em determinado
país. O índice para dado país varia entre 0 e
1 (ou 100), onde 0 corresponde à completa
igualdade de renda (todos teriam a mesma
renda) e 1 (ou 100) corresponderia à completa desigualdade (apenas uma pessoa
teria toda a renda). Segundo o relatório
2007/2008 do Human Development Report
das Nações Unidas, com base em dados do
Banco Munidal, obtido no sitio http://hdrstats.undp.org/indicators/147.html, acesso
em 19/01/2009, o Brasil apresenta o índice
de 57.0, enquanto Moçambique 47.3, Nigéria 50.5, Etiópia 30.0, Zambia 50.8, Ruanda
46.8, Uganda 45.7, Gana 40.8, Serra Leoa
62.9, Lesoto 63.2. Já o índice da Noruega é
25.8, Japão 24.9, Finlandia 26.9, Dinamarca
24.7, França 32.7, Inglaterra 36.0, Estados
Unidos 40.8 etc. Conforme será destacado
a seguir, os dados pertinentes à distribuição
de riqueza/patrimônio não são disponíveis
como aqueles relativos à renda.
412
Conforme será examinado a seguir,
qualquer espécie tributária afeta o comportamento dos agentes econômicos, podendo, entretanto, dependendo do tipo de
exação, ser maior ou menor o seu impacto
quanto à decisão de poupar ou consumir,
FGV DIREITO RIO
197
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tais? Quem deveria arcar com o ônus financeiro de eventuais políticas públicas visando à redistribuição de renda e riqueza e quais os
limites desses encargos para o cidadão contribuinte?
6. A política tributária deveria incorporar outros objetivos — além da
arrecadação dos recursos financeiros e redistribuir renda e riqueza
— como estimular ou desestimular comportamentos e decisões das
pessoas (físicas ou jurídicas)?
Essas questões podem ser certamente respondidas sob múltiplas perspectivas, tais como a filosófica, política, econômica, jurídica, sem esquecer,
entretanto, dos requisitos práticos e operacionais, bem como dos aspectos
dinâmicos e interativos das suas conseqüências, ou seja, como implementar
as respectivas diretivas e como identificar os seus efeitos reflexos, incentivos
e desestímulos, ao longo do tempo, elementos comumente relegados ao segundo plano.
Os economistas apontam em geral razões de ordens distintas para a atuação estatal, as denominadas “determinantes das despesas públicas”:413 destacando-se entre elas: (1) as falhas de mercado, envolvendo a existência de bens
públicos, caracterizados pela impossibilidade de exclusão do seu consumo e
por ser “não-rival”, isto é, “o consumo por parte de um indivíduo ou de um
grupo social não prejudica o consumo do mesmo bem pelos demais integrantes da sociedade”414, bem como (2) as externalidades, (3) o poder de mercado,
e (4) as informações assimétricas e etc. Sobre essa questão indica o especialista
em Finanças Públicas Harvey S. Rosen415:
If properly functioning competitive markets allocate resources efficiently, what
role does the government have to play in the economy? Only a very small government
would appear to be appropriate. Its main function would be to establish a setting in
which property rights are protected so that competition can work. Government provides law and order, a court system, and national defense. Anything more is superfluous
However, such reasoning is based on a superficial understanding of the fundamental
theorem. Things are really more complicated. For one thing, it has implicitly been
assumed that efficiency is the only criterion for deciding if a given allocation of
resources is good. (…) The Fundamental Theorem of Welfare Economics states that,
under certain conditions, competitive market mechanisms lead to Pareto efficient outcomes. It is not obvious, however, that Pareto efficiency416 by itself is desirable. (…)
The framework used by most public finance specialists is welfare economics, the branch of economics theory concerned with the social desirability of alterative economics
states. The theory is used to distinguish the circumstances under which markets can
be expected to perform well from those under which markets fail to produce desirable
results. (…) Despite its appeal, Paretto efficiency has no obvious claim as an ethical
norm. Society may prefer an inefficient allocation on the basis of equity, justice, or
sobre os preços relativos dos bens e serviços, no que se refere à taxa de retorno dos
investimentos, em relação aos incentivos
para trabalhar ou para o lazer, quanto à
adoção das distintas formas de produção
(maior intensidade na aplicação de capital
ou de trabalho no processo produtivo) etc.
Um imposto geral sobre todos os bens e
serviços, por exemplo, com a adoção da
mesma alíquota em todas as etapas de
circulação tem reduzido impacto sobre os
preços relativos da economia, haja vista
a uniformidade de seus efeitos sobre os
agentes econômicos e o processo produtivo. Essa desejável e difícil neutralidade
dos tributos sobre a economia é aniquilada
caso adotadas alíquotas ou tratamentos
tributários diferenciados dependendo do
tipo ou categoria de mercadorias e serviços, hipótese em que os respectivos preços
seriam impactados de formas diversas,
o que pode ocasionar ineficiência sob a
perspectiva exclusivamente econômica.
Na mesma linha, no caso do imposto incidente sobre a renda auferida, a existência
de cargas tributárias distintas para determinados tipos de rendimento ou de acordo
com a faixa de renda pode estimular ou
desestimular comportamentos, como a
intenção de poupar ou consumir mais ou
menos no presente ou no futuro, dedicarse mais intensamente ou não ao trabalho
vis a vi o tempo para o lazer, a decisão de
realizar determinado investimento ou não,
atuar na formalidade ou na informalidade
e etc.
413
REZENDE, Fernando. Finanças Públicas.
2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. p.27-41.
414
GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Cláudia. Finanças Públicas. Teoria e Prática
no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2008. p. 4.
415
ROSEN, Harvey S. Public Finance —
4th ed. United States: Irwin, 1995. p. 38
e 47. Destaca o autor que: “‘In general,
the art of government consists in taking as
much money as possible from one class of
citizens to give to the other.’ While Voltaire’s
assertion is an overstatement, it is true that
virtually every important political issue has
implications for distributions of income.
Even when they are not explicit, questions
of whom will gain and who will lose lurk
in the background of public policy debates.
(…) Before proceeding, we should discuss
whether economists ought to consider distributional issues at all. Not everyone thinks
they should. Notions concerning the “right”
income distribution are value judgments
and there is no ‘scientific’ way to resolve
differences in matters of ethics. Therefore,
some argue that discussion of distributional issues is detrimental to objectivity in
economics and economists should restrict
themselves to analyzing only the efficiency
aspects of social issues. This view has two
problems. First, as emphasized in Chapter
4, the theory of welfare economics indicates that efficiency by itself cannot be used
to evaluate a given situation. Criteria other
FGV DIREITO RIO
198
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
some other criterion. This provides one possible reason for government intervention
in the economy.
As tensões entre os valores eficiência417 e racionalidade econômica de um
lado e equidade e justiça distributiva418 de outro subjazem e se refletem em
todo o processo decisório acerca das políticas públicas a serem possivelmente
adotadas, não havendo, entretanto, em face do atual estágio de desenvolvimento e conhecimento humano, possibilidade de supressão absoluta419 de
qualquer dos dois componentes (eficiência ou justiça distributiva), sendo,
portanto, problema solucionado por meio da ponderação mais adequada em
cada situação concreta, do conjunto e do peso dos valores que a sociedade,
por meio do processo político, decide priorizar e conferir relevância. De fato,
no mundo atual, a definição do modelo de atuação estatal vai além da simples
contradição e escolha entre maior ou menor intervencionismo, pois reflete o
conjunto de valores priorizados, conforme observa Odete Medauar:420
as linhas contrastantes nos estudos atuais sobre o Estado demonstram o caráter multifacetário do tema e, em especial, a impossibilidade de tratamento unilinear, simplista, monocórdio, como por exemplo, a perspectiva reducionista,
expansionista ou abolicionista. (...) Torna-se fundamental, portanto, indagação
a respeito da natureza, função e fim do Estado, o que envolve a questão da
estrutura de valores dentro dos quais a vida pública será conduzida; tal indagação diz respeito também ao efetivo exercício da autoridade pública, sobretudo a
administrativa, na realização desses valores. (grifo nosso)
No contexto de extrema complexidade caracterizadora do denominado
mundo pós-moderno, destaca-se a dificuldade de adoção de um conceito
unívoco para os serviços públicos421, área de titularidade do poder público (artigo 175 da CR-88), bem como para a determinação dos contornos,
limites e interpenetrações entre o público e o não público, nas áreas de titularidade do setor privado e de exploração direta da atividade econômica
pelo Estado (artigo 173 e 174 da CR-88). Pode-se afirmar, apenas, que essas
definições dependem da sociedade e do Estado nos quais se perquire os respectivos conceitos e conteúdos, caracterizando-se, portanto, por sua mutação
e variabilidade no tempo e no espaço.
Nessa linha, aponta Tércio Sampaio Ferraz422 que:
“(...) Modernamente, no entanto, a própria transformação e o aumento da
complexidade industrial vieram colocando as coisas em outro rumo. Não resta
dúvida que hoje o Estado cresceu para além de sua função protetora repressora,
aparecendo até muito mais como produtor de serviços de consumo social, regulamentador da economia e produtor de mercadorias. Com isso foi sendo mon-
than efficiency must be brought to bear
when comparing alternative allocation of
resources. Of course, one can assert that only
efficiency matters, but this in itself is a value judgment. In addition, decision makers
care about the distributional implications
of policy. If economists ignore distribution,
then policy makers will ignore economists.
Policymakers may thus end up focusing only
on distributional issues and pay no attention
at all to efficiency. The economist who systematically takes distribution into account can
keep policymakers aware of both efficiency
and distributional issues. Although training
in economics certainly does not confer a
superior ability to make ethical judgments,
economists are skilled at drawing out the
implications of alternative sets of values and
measuring the costs of achieving various
ethical goals”.
416
O ótimo de Pareto, ou Paretto efficiency,
é utilizado em estudos econômicos para
avaliar a eficiência de determinada alocação de recursos, é o marco para medir
resultados. Reflete a posição na qual, para
fazer uma pessoa melhorar a sua situação,
necessariamente alguém será prejudicado
ou terá a sua satisfação reduzida. Ou seja,
em uma distribuição que não seja ótima
é possível incrementar a satisfação de alguém sem reduzir a de outra pessoa.
417
A CR-88 consagra a eficiência no artigo
37 caput, o qual estabelece os princípios
regedores da Administração Pública, bem
como no artigo 70, caput, ao determinar
que a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial
deve observar, além de outros princípios,
conforme já examinado na aula pertinente
ao controle e fiscalização das finanças públicas, a economicidade.
418
Nos termos já enfatizados na aula sobre
a repartição de receitas, o artigo 3º da CR88 fixa como objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, entre outros, “construir uma sociedade livre, justa
e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais” e “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação”.
419
Com a crise internacional que assola o
mundo desde o final do ano de 2008 os
argumentos da primazia e auto-suficiência
do mercado para resolver os problemas
econômicos fundamentais, em especial de
alocação e distribuição de recursos entre a
denominada economia real e os mercados
financeiros, parecem estar em cheque,
conforme constata o professor da Escola de
Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas — FGV/EESP, Yoshiaki Nakano,
ao afirmar em artigo publicado no Jornal
Valor de 13 de janeiro de 2009 (A11):
“Muitos bancos e empresas símbolos já
quebraram ou estão sendo socorridos pelo
governo, como Citibank, GM e Ford, com
medidas que estavam no índex do pensamento convencional. A visão de mundo
FGV DIREITO RIO
199
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tado um complexo sistema normativo que lhe permite, de um lado, organizar
sua própria máquina de serviços, de assistência e de produção de mercadorias,
e, de outro, montar um imenso sistema de estímulos e subsídios. Ou seja, o Estado, hoje, substitui, ainda que parcialmente, por exemplo, o próprio mercado
na coordenação da economia, tornando-se centro da distribuição da renda, ao
determinar preços, ao taxar, ao subsidiar.”
A realização desse plexo de funções e atividades inerentes à atuação estatal tem custo elevado, o qual deve ser financiado de alguma forma, além de
exigir a adoção de inúmeros instrumentos, entre os quais aqueles de caráter
regulatório e de intervenção na ordem econômica e social, podendo os mesmos estar ou não vinculados às políticas de natureza fiscal (receita e despesa).
Na realidade, conforme já salientado, o próprio processo de obtenção de receita (tributária e não tributária) pode trazer em seu bojo uma política intencional que transcenda e vá além do objetivo exclusivo de carrear recursos para
os cofres públicos, por meio da utilização da denominada parafiscalidade424,
matéria que será objeto de estudo na próxima aula, ou da extrafiscalidade
dos tributos, podendo esta última política compreender objetivos425: (1) de
redistribuição de renda e riqueza e/ou (2) regular a atividade econômica ou
induzir o comportamento social, oferecendo incentivos ou desestímulos aos
agentes econômicos e à sociedade em geral. Ainda que consideradas necessárias ou mesmo indispensáveis, é preciso não perder de vista que essas duas
políticas elevam acentuadamente a complexidade do sistema de cobrança dos
tributos e assemelhados, criando diversas exceções e regras pormenorizadas,
afastando drasticamente a ampla aplicação das disciplinas gerais e uniformes,
o que dificulta sobremaneira a administração das exações e eleva os custos
administrativos, tanto do poder público como dos contribuintes que tem
de adimplir com a exigência, além de propiciar os denominados loopholes
ou brechas na legislação, que facilitam e muitas vezes fomentam a evasão e
a perda de receita. Como conseqüência, invariavelmente, além de afastada
a desejável simplicidade da tributação, o que prejudica a transparência do
sistema, a carga tributária sobre aqueles que não podem ou não conseguem
escapar da exigência é sobrelevada.
Entretanto, importante salientar que, independentemente da vontade ou
intenção do legislador, os tributos, mesmo que instituídos apenas para a obtenção de recursos, podem afetar os preços relativos dos bens e serviços bem
como modificar a mais eficiente alocação de recursos pelos agentes econômicos, ensejar alterações nas decisões corporativas quanto à melhor estrutura de
financiamento426, se por meio da captação de capital próprio ou capital de
terceiros (Debt vs. Equity), distorcer a taxa de retorno de determinada atividade econômica em detrimento de outra, incrementar ou diminuir o nível
oferta de mão-de-obra disponível, incentivar — ou não — novas contrata423
e idéias que fundamentavam o pensamento econômico convencional como
mercado eficiente e, que se auto-regulam, ruíram com a crise.” Considerando,
entretanto, que os desejos e demandas
individuais e coletivas são ilimitados e
instáveis, combinado com o fato de que
os recursos e fatores de produção são limitados ou escassos (terra, capital, trabalho,
tecnologia em determinado momento),
aliado ao fato de que o Estado de Planificação, manifestação totalitária ou socialista,
é incapaz de atender as demandas individuais e coletivas, é certo que o mercado e o
sistema privado de formação de preços, em
conjunto com o Estado, em um novo sistema não separatista a ser delineado nesse
início de século XXI, continuarão a exercer
papel central nas decisões e soluções dos
problemas econômicos fundamentais,
tais como: o que produzir, como produzir
e para quem produzir. No mesmo sentido
apontou o presidente dos Estados Unidos
Barack Obama em seu discurso de posse,
em 20/01/2009, ao declarar: “A pergunta
que fazemos agora não é se nosso governo
é grande demais ou pequeno demais, mas
se ele funciona. Não enfrentamos a questão se o mercado é uma força para o bem
ou o mal. O seu poder de gerar riqueza e
expandir liberdade não tem paralelo. Mas
esta crise nos lembrou que, sem um olhar
vigilante, o mercado pode sair do controle;
que a nação não pode prosperar por muito
tempo se favorecer apenas os prósperos”.
420
MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2ª ed. revista, atualizada
e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 77
421
Após destacar a dificuldade de se conceituar serviços públicos, e apontar para
o modelo adotado por Celso Antonio
Bandeira de Mello — o qual desvincula
o conceito da noção de “atividade econômica”, e conecta-o às atividades estatais
essenciais — a professora Maria Silvia
Di Pietro define “serviços públicos” como
“toda atividade material que a lei atribui
ao Estado para que a exerça diretamente
ou por meio de seus delegados, com o
objetivo de satisfazer concretamente às
necessidades coletivas, sob regime jurídico
total ou parcialmente público”. v. DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 99.
Já o Ministro Eros Grau, do STF, enquadra
o serviço público como espécie de atividade
econômica, tomado esse último em seu
sentido lato: “Daí a verificação de que o
gênero — atividade econômica — compreende suas espécies: o serviço público e
a atividade econômica”. Ressalva, ainda,
que se trata de conceito aberto, a ser preenchido com os dados da realidade, e como
tal, depende do confronto entre o capital
de um lado — que procura “reservar para
sua exploração, como atividade econômica
em sentido estrito, todas as matérias que
possam ser, imediata ou potencialmente,
objeto de profícua especulação lucrativa” — e o trabalho, de outro, que “aspira
FGV DIREITO RIO
200
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
ções de pessoas ou de aquisição de máquinas e equipamentos pelas empresas,
assim, portanto, ocasionar uma ineficiente alocação dos fatores de produção
(terra, capital, trabalho, tecnologia, empreendedorismo) e baixa produtividade. Em suma, a simples existência dos tributos já é suficiente para modificar
o comportamento das pessoas, individualmente, das famílias, das empresas,
da sociedade como um todo e dos próprios governos, razão pela qual é ínsito
à tributação redefinir a alocação dos recursos socialmente disponíveis, o que
afeta a demanda e a oferta no mercado de fatores de produção e de bens e serviços, ocasionando modificação nos respectivos preços427, motivos pelos quais
sempre existiu — e continua a existir — intenso debate acerca do “melhor”
substrato de incidência (patrimônio, renda ou consumo) sob a perspectiva da
eficiência econômica, objetivando causar o menor grau de distorção possível
em relação às decisões que seriam efetivadas caso inexistente a exação.
Dessa forma, se a expressão extrafiscalidade tem o sentido de outros efeitos
da imposição dos tributos, além da arrecadação dos recursos para financiar a
atividade do Estado, importante repisar que o fenômeno é indissociável e
intrínseco à denominada fiscalidade, haja vista que mesmo as exações mais
neutras sob a perspectiva econômica causam repercussões e impactos de naturezas diversas, que não apenas a obtenção de receitas públicas. Em análise
sobre a neutralidade como um dos objetivos a serem alcançados no desenho
do modelo tributário, William D. Andrews428 esclarece:
Neutrality means avoiding or minimizing distortions of normal economic incentives, and it is another crucial objective. Virtually any tax will distort market
incentives to some extent, but some taxes are worse than others in this respect,
and we should prefer the latter on that account. In part distortion varies because
different aspects of economic behavior vary in their sensitivity to costs and prices,
and this criterion provides some reason for avoiding taxes on particularly sensitive
items. Some would argue, for example, that investment is particularly sensitive to
after-tax rates of return, and capital gains cannot be subjected to high graduated
tax rates without impairing the normal flow of capital into new enterprises. Therefore, the argument concludes, capital gains should be given special protection
against ordinary rates. Others are skeptical of that argument at several points,
but is important to keep in mind the extent in which various aspects of the tax
system may alter economic choices that would be made in its absence.
Assim sendo, parece correta a definição de Estevão Horvath429 que estabelece a distinção entre a fiscalidade e a extrafiscalidade em função da ênfase
da intenção com a qual o tributo é criado e aplicado:
“fala-se em tributo fiscal quando ele é cobrado com a finalidade precípua de
abastecer os cofres públicos de dinheiro, para que o Estado possa realizar os seus
atribua-se ao Estado, para que este as
desenvolva não de modo especulativo,
o maior número possível de atividades
econômicas (em sentido amplo). É a partir
deste confronto — do estado em que tal
confronto se encontrar, em determinado
momento histórico — que se ampliarão
ou reduzirão, correspectivamente, os
âmbitos das atividades econômicas em
sentido estrito e dos serviços públicos”. v.
GRAU, Roberto Eros. A Ordem Econômica
na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 92 e 99.
422
FERRAZ, Tércio Sampaio. Apresentação.
In: BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.p.12.
423
GRAU. Op. cit. p.82. “Daí se verifica que
o Estado não pratica intervenção quando
presta serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em
área de sua própria titularidade, na esfera
pública. Por isso mesmo dir-se-á que o
vocábulo intervenção é, no contexto,
mais correto do que a expressão atuação
estatal: intervenção expressa atuação
estatal em área de titularidade do setor
privado; atuação estatal, simplesmente,
expressa significado mais amplo. Pois é
certo que essa expressão quando não qualificada, conota inclusive atuação na esfera
do público” (grifo nosso).
424
A parafiscalidade é motivo de muito
dissenso na doutrina e pode ser analisada
pelo menos sob três perspectivas: (1) no
que se refere ao orçamento a que se vincula (privado ou público — da administração central ou descentralizada), (2) quanto
à entidade responsável pela arrecadação
e pelo exercício da atividade que enseja a
permissão da cobrança e (3) relativamente à exação ser ou não qualificada como
tributo.
425
AVI-YONAH, Reuven S. The three goals
of Taxation. 60 Tax Law Review 01, 2006.
O professor americano sumariza a questão
nos seguintes termos: “To answer these
puzzles, it is necessary to resurrect a question that has not been considered recently
in the tax policy literature: What are taxes
for? The obvious answer is that taxes are
needed to raise revenue for necessary governmental functions, such as the provision
of public goods. And, indeed, all taxes have
to fulfill this function to be effective; as
the Russian government discovered in the
1990’s [FN10] (following many others in
history), a government that cannot tax
cannot survive. And there is widespread
ideological agreement that this function
is needed, even while people vehemently
disagree about what functions of government are truly necessary, and what size of
government is required. [FN11] But taxation also has two other functions, which
are more controversial, but which modern
states also widely employ. Taxation can
have a redistributive function, aimed
at reducing the unequal distribution of
income and wealth that results from the
FGV DIREITO RIO
201
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
fins adrede estabelecidos. Diz-se extrafiscal, por sua vez, o tributo que se arrecada mais com a intenção de buscar estimular ou desestimular certos comportamentos (desencorajar a manutenção de latifúndios improdutivos, por exemplo)
que de encher as burras do Estado.” (grifo nosso)
A utilização do tributo com fim extrafiscal, seja para a redefinição do
grau de concentração de riqueza e de renda ou como instrumento regulatório, é matéria extremamente complexa e de difícil consenso, pois além
de envolver premissas e elementos de natureza ideológica e de valores de
elevado grau de subjetividade, tais como justiça distributiva e equidade,
dependem amplamente do ambiente jurídico, econômico, político, cultural no qual essas políticas são adotadas, além, é claro, da viabilidade
administrativa da exação.
normal operation of a market-based
economy. This function of taxation has
been hotly debated over time, and different theories of distributive justice can be
used to affirm or deny its legitimacy. What
cannot be denied, however, is that many
developed nations in fact have sought to
use taxation for redistributive purposes,
although it also is debated how effective
taxation was (or can be) in redistribution.
[FN12] Taxation also has a regulatory
component: It can be used to steer private
sector activity in the directions desired by
governments. This function is also controversial, as shown by the debate around tax
expenditures. [FN13] But it is hard to deny
that taxation has been and still is used widely for this purpose, as shown inter alia by
the spread of the tax expenditure budget
around the world following its introduction in the United States in the 1970’s
[FN14]” (grifo nosso).
426
11.1 A ADOÇÃO DE POLÍTICA FISCAL COMO INSTRUMENTO PARA DESCONCENTRAR RENDA E RIQUEZA
Durante a vigência do denominado patrimonialismo, conforme já destacado na primeira aula, predominavam as receitas dominiais bem como
aquelas decorrentes da exploração das colônias, em que pese em alguns
países já se fazer presente a necessidade de prévia autorização para a cobrança de impostos, como a Inglaterra a partir de 1215. Não havia, entretanto, à época, distinção entre a Fazenda pública e a do monarca, sendo
fundamentada a exigência dessa espécie tributária nas necessidades dos
Reis e da nobreza. Assim, além da receita extrapatrimonial ser secundária
e excepcional, a suscitar apenas em algumas circunstâncias a anuência e
a aprovação preliminar dos estamentos, os impostos não se vinculavam à
idéia de liberdade nem de igualdade, que somente passaram a fundamentar essa exação no Estado Liberal. De fato, apenas com o processo de extinção dos privilégios da nobreza e do clero e com o surgimento do liberalismo e do Estado de Direito, que marcam o início do constitucionalismo
moderno, é que o imposto deixa de ser apropriado privadamente e passa a
ser notadamente público, consubstanciando-se na principal categoria dos
ingressos e a mais destacada fonte das receitas públicas430. Nessa toada,
com o advento do denominado Estado Fiscal, as necessidades financeiras
passam a ser essencialmente cobertas por impostos, o que tem sido a regra
no estado moderno, salvo as exceções de estados proprietários, produtores
e empresariais, os quais, conforme assevera José Casalta Nabais431, “em
virtude do grande montante de receitas provenientes da exploração de
matérias primas (petróleo, gás natural, ouro, etc.) ou até da concessão do
jogo (como Mônaco ou Macau), podem dispensar os respectivos cidadãos
Modigliani, F. and M. Miller (1958), “The
Cost of Capital, Corporation Finance and
the Theory of Investment”, The American
Economic Review, Vol. 48, No. 3, (June
1958) p. 261-297
427
Os efeitos dessas mudanças sobre os
preços dos bens e serviços e dos fatores de
produção, ocasionados pela cobrança ou
aumento dos tributos, beneficiam alguns
em detrimento de outros (consumidor,
industrial, comerciante, prestadores de
serviços, trabalhador, empreendedor, e
etc.), razão pela qual o efeito líquido dessas alterações é o que define quem arca
em cada hipótese com o ônus ou encargo
financeiro do tributo, podendo ser ou não a
mesma pessoa eleita pela legislação como
o sujeito passivo da obrigação tributária
dependendo do tipo de imposto, do produto e seus substitutos e complementares,
do mercado onde se insere e etc.. Conforme salienta Vasconcelos: “O produtor
procurará repassar a totalidade do imposto
ao consumidor. Entretanto, a margem de
manobra de repassá-lo dependerá do grau
de sensibilidade desse a alterações do preço do bem. E essa sensibilidade (ou elasticidade) dependerá do tipo de mercado.
Quanto mais competitivo ou concorrencial
o mercado, maior a parcela do imposto
paga pelos produtores, pois eles não poderão aumentar o preço do produto para
nele embutir o tributo. O mesmo ocorrerá
se os consumidores dispuserem de vários
substitutos para esse bem. Por outro lado,
quanto mais concentrado o mercado —
ou seja, com poucas empresas -, maior
grau de transferência do imposto para
consumidores finais, que contribuirão com
parcela do imposto.” In.VASCONCELLOS,
Marco Antonio. Fundamentos de Economia, 2a Ed. Saraiva, 2006, p.48
428
ANDREWS, William D. Basic Federal
Income Taxation. Little, Brown and Company. Boston. Fourth Edition. 1991. p. 7.
429
HORVATH, Estevão. O Princípio do NãoConfisco no Direito Tributário. São Paulo:
Dialética, 2002.
FGV DIREITO RIO
202
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de serem o seu principal suporte financeiro”. A partir do Estado Fiscal o
imposto passa a ser caracterizado como o valor “que se paga para viver
em uma sociedade civilizada”, conforme preconizado por Oliver Wendell
Holmes432, ou por ser “o preço da liberdade, tendo em vista que é pago
sem qualquer contraprestação por parte do Estado e afasta o cidadão das
obrigações pessoais”, como identificado por Ricardo Lobo Torres433. Se
as demandas da nobreza e do clero, o que posteriormente se designará
por “razão de Estado”434, são os núcleos fundamentais para justificar a
cobrança dos impostos no Estado Patrimonial, a igualdade e a liberdade
do cidadão, decorrentes do contrato social, são as razões de ser da imposição no Estado Liberal de Direito, na medida em que o imposto435
possuia natureza liberatória, vez que, consoante lições de Gabriel Ardant,
“representava a transformação de outras obrigações, do serviço militar, da
armada, das prestações in natura, ele liberava o homem da constrição de
caráter feudal ou comunitário, ele lhe restituía a disposição de seu tempo e de seu trabalho”. Por outro lado, a igualdade expressava, por meio
da denominada capacidade contributiva de cada cidadão, fundamento e
limite intransponível ao poder estatal, agora submetido à própria ordem
jurídica que emanava. Nesse sentido, preponderava a legalidade estrita
para resguardar a segurança jurídica dos contratos e das atividades exercidas pelos agentes econômicos, bem como as iguais liberdades individuais
em face de possíveis abusos do Estado.
Ocorre, entretanto, que a igualdade, e de forma reflexa a capacidade
contributiva, possui diversas acepções possíveis, o que pode alterar drasticamente, dependendo da concepção adotada, a escolha entre os três substratos
econômicos de incidência, ou a preponderância de alguma(s) dessas bases
(patrimônio, renda e consumo), o que está atrelado à intensidade da tributação e à distribuição do ônus dos gastos (tributação proporcional, progressiva ou regressiva). Essas opções alteram significativamente as conseqüências
decorrentes da exação, questão que se vincula à escolha entre a utilização ou
não — e a ênfase — do tributo como instrumento para reduzir a concentração de renda/riqueza e a definição de uma entre as diversas opções quanto à
distribuição do ônus das despesas públicas.
No século XVIII, marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a capacidade contributiva foi vinculada à idéia de benefício
que cada indivíduo recebe do Estado, uma construção filosófica iniciada já
no século XVII por Thomas Hobbes, para quem as pessoas deveriam pagar
impostos de acordo com o que elas efetivamente usufruem da ação estatal,
ratio que vincula a vertente das receitas ao lado da despesa pública, e que foi
sedimentada pelo economista Adam Smith no seu famoso livro Inquérito sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações. Nesse sentido salientam
Karl Case e Ray Fair436:
430
A preponderância dos impostos sobre as
outras categorias de entradas ou ingressos
públicos começou a ser relativizada em
diversos países com o início do intervencionismo estatal da ordem social, tendo em
vista que a segurança ou seguridade social
(saúde, assistência e previdência social)
passou a ocupar papel destacado. Dessa
forma, para fazer face às novas despesas
caracterizadoras do Estado de Bem-Estar
Social, muitos países, como o Brasil, passaram a instituir e cobrar as denominadas contribuições sociais, hoje incluídas
expressamente no âmbito das exações de
natureza tributária pela Constituição (artigo 149 e 195 da CR-88) e caracterizadas
por sua vinculação à determinada finalidade específica, o que estabelece uma distinção marcante em relação aos impostos,
os quais, salvo as exceções constitucionais
(artigo 167, IV, da CR-88), são destinados
às despesas públicas gerais.
431
NABAIS, José Casalta. Algumas Reflexões sobre o Actual Estado Fiscal. In: Revista Fórum de Direito Tributário. RFDT. ano
1, n.1 jan/fev. 2003. Belo Horizonte Fórum,
2003. p. 92-93.
432
Compania Gen. Tabacos de Filipinas v.
Collector of Internal Revenue, 275 U.S. 87,
100 (1927) (Holmes J., dissenting).
433
TORRES, Ricardo Lobo. Aspectos Fundamentais e Finalísticos dos Tributos. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo.
Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007.
p. 37. “O Estado Liberal Clássico, ou Estado
Guarda-Noturno, necessita da receita tributária para atender às suas finalidades
essenciais, menos escassas que anteriormente. O conceito jurídico de imposto
se cristaliza a partir de algumas idéias
fundamentais: a liberdade do cidadão, a
legalidade estrita, a destinação pública do
ingresso e a igualdade”.
434
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO,
G. Dicionário de política. Brasília: Universidade de Brasília, 1986. Para explicar o sentido da razão de Estado, “é preciso a identificação dos momentos cruciais da história
do Estado moderno ... [surgido com o fim
precípuo de permitir] à autoridade suprema do Estado impor coercivamente à
população que lhe estava sujeita as regras
indispensáveis à convicção ...” (p. 1067)
435
ARDANT, Gabriel. Histoire de l’ Impôt.
Paris: Fayard, 1971, v. 1, p.431.
436
CASE, Karl E. e FAIR, Ray C.. Principles
of Microeconomics. 4th Ed. New Jersey —
USA: Prentice Hall. p.466-468.
FGV DIREITO RIO
203
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
The view favoring consumption as the best tax base dates back at least to the
seventh-century English philosopher Thomas Hobbes, who argued that people
should pay taxes in accordance with ‘what they actually take out of the common
pot, not what they leave in’. (…) One theory of fairness is called the benefits-received principle. Dating back to the eighteenth century economist Adam Smith
and earlier writers, the benefits-received principle holds that taxpayer should
contribute to government according to the benefits that they derive from public expenditures. This principle ties the tax side of the fiscal equation to the
expenditure side. For example, the owners and users of cars pay gasoline and
automotive excise taxes, which are paid into the Federal Highway Trust Fund
that is used to build and maintain the federal highway system. The beneficiaries
of public highways are thus taxed in rough proportion to their use of those
highways. The difficulty with applying the benefits principle is that the bulk of
public expenditures are for public goods — national defense, for example. The
benefits of public goods fall collectively on all members of society, and there is
no way to determine what value individual taxpayers receive from them.
Dessa forma, a igualdade de sacrifício para fazer face às despesas públicas
seria proporcional ao benefício privado individual decorrente da atividade estatal, o que confere o sentido de proporcionalidade à capacidade contributiva.
Em sentido diverso, se forem desvinculadas as vertentes da receita de um
lado e a despesa pública de outro, surgem diversas alternativas quanto ao
sentido e a extensão do conceito de capacidade contributiva, matéria intimamente relacionada à adoção da extrafiscalidade como instrumento para
reduzir desigualdades sociais437. Karl Case e Ray Fair438 esclarecem a questão
nos seguintes termos:
A different principle, and that has dominated the formulation of tax policy
in the United States for decades, is the ability-to-pay principle. This principle
holds that taxpayer should bear tax burdens in line with their ability to pay.
Here the tax side of the fiscal equation is viewed separately from the expenditure
side. Under this system, the problem of attribution the benefits of the public
expenditures to specific taxpayer or groups of taxpayer is avoided.
Nessa linha, a capacidade contributiva pode assumir a conotação de igual
sacrifício, no sentido de justiça utilitarista (Utilitarian Justice), ou outro conceito que reflita a possibilidade para contribuir, tendo como elementos subjacentes outros sentidos de justiça distributiva439 (Distributive Justice), a qual
possui diversas vertentes, e opositores 440.
O “igual sacrifício” preconizado John Stuart Mill441, com base no utilitarismo de Jeremy Bentham442, concebido no final do século XVIII, se fundamentava no conceito de utilidade marginal do capital, isto é, a utilida-
437
A utilização da tributação como mecanismo de redução de desigualdade pode
ter como fundamento desde argumentos
de natureza ética e moral, passando por
proposições como a justiça utilitarista,
calcada nos argumentos propugnados
por Jeremy Bentham e John Stuart Mill,
na teoria do valor trabalho de Marx, que
atribuía o valor dos bens e serviços em
função do trabalho inserido e o lucro como
uma expropriação da mais valia, ou ainda
por meio da utilização da teoria justiça de
Rawls, que estabelece como premissa um
contrato social no qual maximiza-se o bem
estar daquele pior sucedido na sociedade.
Para um resumo da questão vide CASE e
FAIR. Op. cit. p. 446 a 451.
438
CASE e FAIR. Op. cit. p. 466.
439
Apesar da existência de variados critérios
e diferentes opiniões quanto à diferenciação entre justiça (1) geral, (2) distributiva,
(3) comutativa e (4) corretiva, como aqueles sustentados por Aristóteles ou Tomás
de Aquiino (vide Justiça Social — Gênese,
estrutura e aplicação de um conceito, de
Luis Fernando Barzotto, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
revista/Rev_48/Artigos/ART_LUIS.htm), a
segunda diz respeito ao que é considerado
justo ou certo relativamente à alocação
de bens e riqueza em uma sociedade, em
determinado momento no tempo, ou seja,
o enfoque é a aceitabilidade do resultado
distributivo produzido pelo mercado, por
si só, vis a vi um parâmetro ideal variável,
a ser alcançado por uma política de redução de desigualdades que pode ser mais
ou menos redistributiva de acordo com a
sociedade. No entanto, nem todos aqueles
adeptos das teorias consequencialistas,
apesar de objetivarem resultados geradores de maior bem estar e riqueza, estão
preocupados com uma sociedade justa
no sentido igualitário estrito, de equivalente distribuição de bens. Dessa forma,
justiça distributiva vincula-se ao exame
da realidade sob múltiplos parâmetros,
considerando a riqueza absoluta, as suas
disparidades, ou qualquer outra forma
utilitarista de padrão de medida. É normalmente contrastada com a justiça comutativa, caracterizada como aquela em que um
particular, e não a sociedade, confere ou dá
a outro particular o bem que lhe é devido, e
a justiça procedimental, a qual diz respeito
à legitimidade dos procedimentos e a administração da justiça. Conforme aponta
The Stanford Encyclopedia of Philosophy,
disponível no sítio http://plato.stanford.
edu/entries/justice-distributive/, acesso
em 28/01/2009, “Principles of distributive
justice are normative principles designed
to guide the allocation of the benefits and
burdens of economic activity. After outlining
the scope of this entry and the role of distributive principles, the first relatively simple
principle of distributive justice examined is
strict egalitarianism, which advocates the
allocation of equal material goods to all
members of society. John Rawls’ alternative distributive principle, which he calls the
FGV DIREITO RIO
204
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de da moeda seria inversamente proporcional à riqueza (a utilidade de uma
unidade monetária seria maior para o mais pobre do que para o mais rico),
o que serviu como justificativa para a aplicação da tributação progressiva
e não apenas proporcional. De acordo com o pensamento utilitarista, se a
utilidade declina na medida em que a renda aumenta seria justificável a tributação mais gravosa dos ricos, o que produziria desconcentração de renda na
sociedade e distribuição desigual no financiamento das despesas públicas na
medida das respectivas possibilidades contributivas. Saliente-se, entretanto,
que a intensidade da progressividade pode variar drasticamente, em razão
dos variados impactos em relação à tributação proporcional, conforme será
demonstrado quando do exame comparativo da tributação regressiva, proporcional e progressiva.
As crescentes demandas sociais e a elevação da complexidade da dinâmica
econômica no início do século XX impuseram novas funções e demandas
ao Estado, que passou a intervir na ordem econômica e social para garantir
condições mínimas de vida para a maioria da população443 e impor disciplina
ao mercado, o que suscitou a utilização de novos instrumentos de coerção
para o exercício do poder de polícia e novas fontes de financiamento, algumas
delas associadas às atividades reguladoras, matéria a ser examinada no tópico
seguinte. Nesse momento é importante destacar que o denominado Estado
Fiscal, caracterizado pela preponderância do financiamento das necessidades
financeiras públicas por impostos, apesar de assumir a feição tanto do Estado
Liberal como do Estado Social, conforme pontua José Casalta Nabais444, está
fortemente associado à pretensão de limitar a atuação e dimensão da estatalidade, pois:
Difference Principle, is then examined. The
Difference Principle allows allocation that
does not conform to strict equality so long
as the inequality has the effect that the least
advantaged in society are materially better
off than they would be under strict equality.
However, some have thought that Rawls’
Difference Principle is not sensitive to the
responsibility people have for their economic
choices. Resource-based distributive principles, and principles based on what people
deserve because of their work, endeavor to
incorporate this idea of economic responsibility. Advocates of Welfare-based principles
do not believe the primary distributive concern should be material goods and services.
They argue that material goods and services
have no intrinsic value and are valuable only
in so far as they increase welfare. Hence,
they argue, the distributive principles should
be designed and assessed according to how
they affect welfare.”
440
A mesma The Stanford Encyclopedia of
Philosophy, esclarece que: “Advocates of
Libertarian principles, on the other hand,
generally criticize any patterned distributive ideal, whether it is welfare or material
goods that are the subjects of the pattern.
They generally argue that such distributive
principles conflict with more important
moral demands such as those of liberty or
respecting self-ownership.(…) The market
will be just, not as a means to some pattern,
but insofar as the exchanges permitted in
the market satisfy the conditions of just
exchange described by the principles. For
Libertarians, just outcomes are those
arrived at by the separate just actions
of individuals; a particular distributive
pattern is not required for justice. Robert
Nozick has advanced this version of Libertarianism (Nozick 1974), and is its most wellknown contemporary advocate.”
441
“ao contrário do que alguma doutrina actual afirma, recuperando ideias de
Joseph Schumpeter, não se deve identificar o estado fiscal com o estado liberal,
uma vez que o estado fiscal conheceu duas modalidades ou dois tipos ao longo
da sua evolução: o estado fiscal liberal, movido pela preocupação de neutralidade
econômica e social, e o estado fiscal social economicamente interventor e socialmente conformador. O primeiro, pretendendo ser um estado mínimo, assentava
numa tributação limitada — a necessária para satisfazer as despesas estritamente
decorrentes do funcionamento da máquina administrativa do estado, que devia
ser tão pequena quanto possível. O segundo, movido por preocupações de funcionamento global da sociedade e da economia, tem por base uma tributação
alargada — a exigida pela estrutura estadual correspondente. Não obstante o
estado fiscal ser tanto o estado liberal como o estado social, o certo é que o apelo
a tal conceito tem andado sempre associado à pretensão de limitar a actuação e
a correspondente dimensão do estado”.
MILL, John Stuart. Princípios de Economia Política. São Paulo: Abril Cultural,
1983. p.290: “A igualdade de tributação,
portanto, como máxima de política, significa igualdade de sacrifício”.
442
BENTHAM, Jeremy. Uma Introdução aos
Princípios da Moral e da Legislação. 1ª Ed.
São Paulo: Abril Cultural e Industrial. 1974.
p. 9-13.
443
Conforme argutamente identificado
por Aristóteles: “É evidente, pois, que a
comunidade civil mais perfeita é a que
existe entre os cuidados de uma condição
média, e que não pode haver Estados bem
administrados fora daqueles nos quais a
classe média é numerosa e mais forte que
todas as outras, ou pelo menos mais forte
que cada uma delas: porque ela pode fazer pender a balança em favor do partido
ao qual se une, e, por esse meio, impede
que uma ou outra obtenha superioridade
sensível. Assim, é uma grande felicidade
que os cidadãos só possuam uma fortuna
média, suficiente para as suas necessidades. Porque, sempre que uns tenham
imensas riquezas e outros nada possuam,
resulta disso a pior das democracias, ou
FGV DIREITO RIO
205
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Vários são os reflexos do novo cenário, marcado pelo intervencionismo
estatal na ordem econômica e social, na seara tributária, destacando-se o
distanciamento do fundamento do imposto na liberdade, que passa a ser
subsidiária, e a conexão de sua justificativa aos aspectos econômicos da
incidência, conforme destaca Ricardo Lobo Torres445, passando “a questão
da justiça tributária, como parcela da proteção social, a ser obtida de acordo com a ideologia utilitarista,” o que se efetiva em conjunto a uma nova
compreensão dos princípios da igualdade e da legalidade, os quais passam
a se desenvolver dentro dos parâmetros utilitaristas e no contexto do positivismo jurídico.
Nesse contexto do Estado de Bem-Estar social, e de intervencionismo
estatal na ordem econômica e social, a discussão quanto à melhor escolha
entre os diversos substratos econômicos de incidência e a preponderância
ou não de alguma(s) delas (patrimônio, renda e consumo446), bem como a
intensidade da tributação (tributação proporcional, progressiva ou regressiva), ganha ainda maior relevo, em que pese essa discussão ter se iniciado
algum tempo antes, conforme destacado por Joseph Bankman e David A.
Weisbach447:
uma oligarquia desenfreada, ou ainda
uma tirania insuportável, produto infalível
dos excessos opostos. Com efeito, a tirania
nasce comummente da democracia mais
desenfreada, ou da oligarquia. Ao passo
que entre cidadãos que vivem em uma
condição média, ou muito vizinha da mediana, esse perigo é muito menos de se
temer. Disso daremos razão, alias, quando
tratarmos das revoluções que abalam os
governos. (…) Mas que a multidão dos
pobres que se torna excessiva, sem que a
classe média aumente na mesma proporção, surge o declínio, e o Estado não tarda
a perecer”. In: ARISTÓTELES. A Política.
Coleção Grandes Obras do Pensamento
Universal — 16. Tradução Nestor Silveira
Chaves. São Paulo: Escala. p.187.
444
NABAIS. Op. Cit. p. 93-94.
445
TORRES. Op. Cit. p.39.
446
O consumo de bens e serviços, o domínio e a propriedade sobre os bens móveis
e imóveis bem como a renda auferida são
considerados os signos de riqueza a ensejar a possibilidade de tributação, haja vista
denotar capacidade econômica e a possibilidade de contribuir para o custeamento
das despesas públicas.
447
Perhaps the single most important tax policy decision is the choice between an income tax and a consumption tax. The topic has been discussed and argued over since
at least the time of Hobbes and Mill without apparent resolution.448 Consumption and
income taxes both represent substantial sources of revenue in all modern economies.
Apesar de opiniões em sentido contrário449, o imposto incidente sobre o
consumo é tido como regressivo, não sendo, portanto, tributo adequado,
por si só, ao objetivo de redistribuição de renda ou de riqueza. De fato, a propensão marginal a consumir dos mais pobres é maior, comparada àquela dos
mais ricos, na medida em que o indivíduo com menor rendimento consome
parcela comparativamente maior de sua renda, isto é, o rico gasta pouco proporcionalmente aos seus rendimentos totais, sendo tributado apenas em um
pequeno percentual do que ganha. Assim, afastada a incidência sobre a renda
não consumida — que equivale àquela poupada — maior será o benefício
daquele com maior capacidade relativa de poupança, razão pela qual é considerado tributo regressivo e que privilegia diretamente aquele que ganha mais,
relativamente àquele de menor renda.
A tabela abaixo ajuda a compreensão do argumento no sentido da regressividade dessa base de tributação, adotando-se uma alíquota uniforme hipotética de 5% sobre o consumo total do mês, isto é, sem alterações em função
do tipo de bem ou serviço, e percentuais específicos de poupança450 para cada
faixa de renda:
BANKMAN, Joseph & WEISBACH, David
A. The Superiority of an ideal Consumption
Tax over and Ideal Income Tax, 58 Stanford
Law Rev (2006).
448
A literatura é vastíssima. See, e.g.,
Thomas Hobbes, Leviathan (1651); John
Stuart Mill, Principles of Political Economy
(1871); Irving Fisher, The Nature of Capital
and Income (1906); Nicholas Kaldor, An
Expenditure Tax (1955); William Andrews,
A Consumption-type of Cash Flow Personal
Income Tax, 87 Harv. L. Rev. 1113 (1974);
Michael Graetz, Implementing a Progressive Consumption Tax, 92 Harv. L. Rev. 1575
(1979); Alvin Warren, Would a Consumption Tax Be Fairer Than an Income Tax, 89
Yale L.J. 1081 (1980); David Bradford, The
Case for a Personal Consumption Tax, in
What Should be Taxed: Income or Consumption 75 (Joseph Peckman ed., 1980);
David F. Bradford & The U.S. Treasury Tax
Policy Staff, Blueprints for Basic Tax Reform
(2d ed. 1984); Barbara H. Fried, Fairness
and the Consumption Tax, 44 Stan. L. Rev.
961 (1992); Alan Auerbach & Lawrence
Kotlikoff, Dynamic Fiscal Policy (1987); Daniel Shaviro, When Rules Change (2000).
449
Vide, por exemplo, Daniel N. Shaviro, Replacing the Income Tax with a Progressive
Consumption Tax, 103 Tax Notes 91 (Apr.
5, 2004) e Joseph Bankman & David A.
Weisbach. The Superiority of an ideal Consumption Tax over and Ideal Income Tax,
58 Stanford Law Rev (2006). Uma das críticas é o fato de que a definição e a análise
quanto à regressividade requer a mudança
da base de comparação do consumo para
a renda. Nesse sentido, é sustentado que o
consumo também deveria ser o parâmetro
de comparação.
FGV DIREITO RIO
206
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Imposto sobre o
Consumo:
5%
5% de
Imposto
sobre Consumo (IC)
Consumo
efetivo —
excluindose a incidência do
imposto
(f ) = 5%*(e)
(g) = (e)-(f )
(h) = (f )/(b)
Peso médio do IC
em relação
à Renda
mensal
Indivíduo
Renda
mensal
Índice de
poupança
individual
Poupança
Renda
disponível
para o
Consumo
(a)
(b)
(c)
(d) = (b)*(c)
(e) = (b) (d)
A
R$
50.000
50%
R$ 25.000
R$ 25.000
R$
1.250
R$ 23.750
2,50%
B
R$
20.000
40%
R$ 8.000
R$ 12.000
R$
600
R$ 11.400
3,00%
C
R$
10.000
20%
R$ 2.000
R$ 8.000
R$
400
R$
7.600
4,00%
D
R$
5.000
10%
R$
500
R$ 4.500
R$
225
R$
4.275
4,50%
E
R$
3.500
8%
R$
280
R$ 3.220
R$
161
R$
3.059
4,60%
F
R$
2.500
5%
R$
125
R$ 2.375
R$
119
R$
2.256
4,75%
G
R$
1.500
4%
R$
60
R$ 1.440
R$
72
R$
1.368
4,80%
H
R$
1.433
3%
R$
43
R$ 1.390
R$
70
R$
1.321
4,85%
Dessa forma, a incidência exclusiva sobre o consumo implica carga tributária relativa inversamente proporcional à renda do cidadão — quanto mais
pobre maior o peso relativo do imposto em relação à renda auferida.
A eliminação ou redução da incidência sobre os bens e serviços essenciais pode atenuar o quadro, sem eliminar, no entanto, a concomitante
exclusão da base de incidência daqueles com maior renda, razão pela qual
em alguns países não é adotada a redução ou eliminação da carga tributária
sobre os produtos, mas operacionalizada a devolução dos valores despendidos com o imposto incidente sobre o consumo para as camadas mais
pobres da população.
Por outro lado, importante ressaltar que o incentivo à poupança, haja
vista a exclusiva oneração tributária sobre o consumo, e não sobre o retorno do capital investido, repercute positivamente sobre o crescimento
econômico em potencial, haja vista maiores disponibilidades para o investimento em geral e a conseqüente geração de empregos e de riqueza
450
O mesmo exercício pode ser efetivado a partir da propensão marginal a
consumir de cada indivíduo, de acordo
com a faixa de renda. O índice é o inverso daquele atribuído à poupança
mensal.
FGV DIREITO RIO
207
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
total, o que tende a aumentar o bem estar social total, sem a garantia,
entretanto, do perfil da distribuição de renda e riqueza. De fato, conforme será estudado posteriormente, a tributação exclusiva sobre o consumo
elimina a dupla incidência econômica sobre a renda poupada, imobilizada
ou investida, o que estimula a poupança e o investimento, motores do
crescimento econômico.
A utilização dos tributos incidentes sobre o consumo com objetivos regulatórios e com o fulcro de alterar as decisões dos agentes econômicos, o que
também pode ser realizado como instrumento para atenuar desigualdades,
por meio, por exemplo, de isenções e benefícios fiscais para os bens e serviços essenciais, será examinada no tópico seguinte e uma análise mais detida
sobre os diferentes substratos econômicos de incidência tributária será realizada na Aula 18.
Em que pese a possibilidade de utilização dos impostos incidentes sobre
o consumo e sobre o patrimônio com o objetivo de atenuar ou reduzir as
desigualdades sociais, a adoção da tributação sobre a renda das pessoas físicas
nos Estados Unidos foi um dos marcos históricos fundamentais na utilização
intencional dos tributos com fim de redistribuição de renda e riqueza. Nesse
sentido aponta o professor Reuven Avi-Yonah relativamente à experiência
internacional:451
“The case for drastic progression in taxation must be rested on the case
against inequality.” [FN47] Henry Simons. The revenue goal of taxation
thus explains why all other OECD members452, and most other countries,
have both an income tax and a consumption tax as their principal sources
of revenue. But this still leaves the second puzzle--why would any country
change from relying primarily on consumption taxes to relying primarily on
income taxes? This is what the United States did when it adopted the Sixteenth Amendment in 1913. Throughout the nineteenth century, with the
brief exception of the Civil War and its immediate aftermath (1862-1872),
[FN48] the federal government was funded entirely by tariffs (that is, taxes
on consumption). [FN49] Following the passage of the Sixteenth Amendment (authorizing the federal government to levy taxes on income without
apportionment), the United States began levying an income tax, and from
World War II onward this became the principal source of revenue of the U.S.
federal government. [FN50] Even when taking the state level sales taxes into
account, income taxes currently account for over 80% of total U.S. tax revenue. [FN51]. Historically, the answer to the question of why the change to
an income tax occurs is clear: The income tax was substituted for the tariffs
because of its redistributive impact. The post-Civil War industrialization and
urbanization had led to a shift from a mostly agrarian society to one dominated by large industrial corporations and a sharp rise in inequality, as measured
451
AVI-YONAH. Op. Cit. p.6.
452
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — é
formada pelos 30 países comprometidos com a economia de mercado mais
desenvolvidos do mundo. O Brasil, ao
lado da China, Índia, Indonésia e África
do Sul, têm sido chamado para participar mais intensamente das reuniões do
grupo, enquanto o Chile, Estônia, Israel,
Eslovênia e Rússia foram convidados a
participar de discussões com vistas a se
tornarem países membros efetivos, que
conta atualmente com os seguintes países Australia, Austria, Belgium, Canada, Czech Republic, Denmark, Finland,
France, Germany, Greece, Hungary,
Iceland, Ireland, Italy, Japan, Korea, Luxembourg, Mexico, Netherlands, New
Zealand, Norway, Poland, Portugal,
Slovak Republic, Spain, Sweden, Switzerland, Turkey, United Kingdom, United States. Para obtenção de maiores
informações http://www.oecd.org.
FGV DIREITO RIO
208
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
by the distribution of income or wealth. [FN52] Lawmakers of both parties
viewed this state of affairs as inequitable, [FN53] and the existing tax system
was considered ineffective in remedying the situation because it relied completely on consumption taxes, which were regarded as regressive because the
poor consume a higher proportion of their income than the rich. [FN54]
In addition, state level personal property taxes were seen as ineffective in
reaching intangible forms of property such as stocks and bonds, [FN55]
which formed the bulk of the new wealth in the hands of the industrialists.
[FN56] The result was a focused and sustained effort to enact a federal income tax on both individuals and corporations, as well as an estate tax. In
1895 the Supreme Court blocked the first attempt to do so, [FN57] but Congress ultimately enacted the corporate tax in 1909, [FN58] the modern estate
tax in 1916, [FN59] and the individual income tax in 1913 [FN60] after the
adoption of the Sixteenth Amendment abated concerns regarding its constitutionality.[FN61] Significantly, until World War II, the income tax applied
only to the richest Americans, because the exemption levels were set high
enough to leave the bottom 90% of the population outside the reach of the
income tax. [FN62] Redistribution was considered to require only taxing
the rich, and beginning in World War I, the rich were subject to income tax
at very high rates. [FN63] After a period of rate reductions in the 1920’s,
[FN64] Elliott Brownlee shows that by World War II, this “soak the rich”
[FN65] tax policy resulted in quite high effective tax rates on the top 1% of
earners (the effective tax rate in 1944 was 58.6%, with a top marginal rate of
94%). [FN66] These high rates on the top earners persisted through the late
1970’s and early 1980’s (70% top marginal rate), although the effective rate
by then had declined to 28.9%. [FN67] Thus, a primary goal of the income
tax historically was seen as redistributing wealth from the rich to everyone
else. This explains why it was first adopted in the United States, and it also
explains why the income tax is persistently maintained today in developing
countries that could satisfy their entire revenue needs by the VAT453. Even
though the personal income tax in these countries has a spotty record, they
insist on maintaining it because of its symbolic potential in achieving redistribution (although, as I argue below, redistribution in these countries can
be achieved through consumption taxes as well)”.
A comparação dos resultados das tabelas abaixo facilita a compreensão
dos distintos efeitos da utilização da tributação proporcional da renda e da
adoção de diferentes modelos de progressividade.
Na primeira hipótese a alíquota nominal do imposto de renda da pessoa
física (IRFP) é 20%, não havendo qualquer faixa de isenção, ou seja, independentemente do nível de renda há tributação, inexistindo, também, qualquer possibilidade de dedução ou exclusão da base de incidência, ao contrário
453
VAT é o Value Added Tax — Imposto
sobre o Valor Adicionado (IVA), ou sobre
o Valor Acrescido, na tradução portuguesa do termo, imposto aplicado por
cerca de 130 países no mundo e amplamente utilizado na Comunidade Européia. Espécie de imposto multifásico
(ou plurifásico) sobre o consumo, incide
em todas as etapas de circulação das
mercadorias e dos serviços, ao contrário
do Sales Tax — Imposto sobre Vendas,
caracterizado por ser imposto monofásico incidente apenas nas vendas pelo
varejo ao consumidor final.
FGV DIREITO RIO
209
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
do ocorre em geral no mundo real em relação à algumas despesas como, por
exemplo, gastos de educação, saúde e etc., ainda que permitidas em montantes inferiores aos valores realmente despendidos. Nesse cenário, ao contrário
do que se verificará posteriormente, a alíquota efetiva real é a mesma que a
alíquota nominal, isto é, 20%.
Imposto de renda
da PF:
20%
OBS: IRPF Sem isenção, deduções ou exclusões.
Poupança
Renda
disponível
para Consumo
Alíquota
média
efetiva do
IRPF
(e)
(f ) = (d)*(e)
(g) = (f )/(b)
(h) = (c)/
(b)
R$ 40.000
50%
R$ 20.000
R$ 30.000
20%
4.000
R$ 16.000
40%
R$ 6.400
R$ 13.600
20%
R$
2.000
R$ 8.000
20%
R$ 1.600
R$ 8.400
20%
R$ 5.000
R$
1.000
R$ 4.000
10%
R$
400
R$ 4.600
20%
E
R$ 3.500
R$
700
R$ 2.800
8%
R$
224
R$ 3.276
20%
F
R$ 2.500
R$
500
R$ 2.000
5%
R$
100
R$ 2.400
20%
G
R$ 1.500
R$
300
R$ 1.200
4%
R$
48
R$ 1.452
20%
H
R$ 1.433
R$
287
R$ 1.146
3%
R$
34
R$ 1.399
20%
Indivíduo
Renda
mensal
Imposto de
Renda no
mês (IRPF)
Renda
disponível
Índice de
poupança
(a)
(b)
(c) =
20%*(b)
(d) = (b)-(c)
A
R$ 50.000
R$ 10.000
B
R$ 20.000
R$
C
R$ 10.000
D
No segundo exemplo, que será apresentado abaixo, ao invés da adoção da
proporcionalidade aplicada no caso acima, onde a alíquota nominal aplicada
é sempre a mesma, independentemente da renda, e cuja alíquota média final
incidente é sempre 20%, implementar-se-á a progressividade no sistema,
elevando-se a alíquota de acordo com o aumento dos rendimentos, os quais
serão os mesmos dos outros exemplos já analisados, não havendo, entretanto, para facilitar a compreensão do que se deseja alcançar no momento, a
possibilidade de deduções ou exclusões454, existindo, apenas, uma faixa de
isenção para a renda auferida até R$ 1.434,59 (hum mil trezentos e trinta e
quatro reais e cinqüenta e nove centavos). Destaque-se que adotar-se-á nesse
próximo exemplo a metodologia aplicável nos Estados Unidos para o IRPF,
onde cada fatia de renda, correspondente a cada faixa da tabela, é tributada
de acordo com a alíquota específica incidente, independentemente do total
dos rendimentos. Dessa forma há perfeita equivalência da tributação em
cada segmento de renda, apesar da maior complexidade do cálculo, conforme será visto.
454
No Brasil, de acordo com a Lei nº
11.482, de 11 de maio de 2007, com
a sua redação conferida pela Medida
Provisória nº 451/2008, no exercício
fiscal de 2009 há isenção do imposto
sobre a renda das pessoas físicas até
o montante mensal de R$ 1.434,59. A
partir de R$ 1.434,60 até R$ 2.150,00
a alíquota aplicável é de 7,5%, sendo
dedutível o montante de R$ 107,59; de
R$ 2.150,01 a R$ 2.866,70 a alíquota é
de 15%, permitindo-se a dedução da
parcela de R$ 268,84; de R$ 2.866,71
até R$ 3.582,00 a alíquota é 22,5%,
com o valor passível de dedução de R$
483,84, e, por fim, para a renda superior a R$ 3.582,00 a alíquota é 27,5%,
admitindo-se a dedutibilidade de R$
662,94 nessa última faixa de renda.
Ou seja, no atual sistema brasileiro a
alíquota máxima aplicável é 27,5%.
Saliente-se que essas parcelas a deduzir apenas ajustam os valores a recolher
aos cálculos simplificados da alíquota
marginal sobre a renda total auferida,
conforme será examinado a seguir.
FGV DIREITO RIO
210
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Tabela Progressiva Mensal do IRPF de acordo com a faixa de Renda (R$)
de ou acima de
Até
Alíquota (%)
(a)
(b)
(c)
30.000,01
...
42,0%
15.000,01
30.000,00
38,0%
10.000,00
15.000,00
32,0%
6.000,00
9.999,99
28,0%
3.582,01
5.999,99
27,5%
2.866,71
3.582,00
22,5%
2.150,01
2.866,70
15,0%
1.434,60
2.150,00
7,5%
0,00
1.434,59
0,0% (isenção)
Assim, o indivíduo com renda equivalente a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), por exemplo, tem parcela de sua renda isenta (R$ 1.434,59 *
0%), outra parte é submetida à incidência pela alíquota de 7,5% (R$ 715,40
= R$ 2.150,00 – R$1.434,60), determinando o valor devido em função dessa
fatia em R$ 53,66, e, por fim, o montante de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais), o qual equivale à diferença entre R$ 2.500,00 e R$ 2.150,00,
sendo tributado pela alíquota de 15%, o que redunda em mais R$ 52,50
(cinquenta e dois reais e cinqüenta centavos) de imposto devido. Dessa forma, o imposto de renda devido no mês é igual à soma de R$ 0 (faixa isenta)
+ R$53,66 + R$ 52,50, o que perfaz o total de R$ 106,16 (cento e seis reais
e dezesseis centavos). Nesse caso, a alíquota média real é 4,25%, correspondente ao imposto de R$ 106,16, dividido pela renda auferida de R$ 2.500, o
que difere da alíquota marginal aplicável a essa faixa de renda de 15%, tendo
em vista que parte da renda é isenta e parcela substancial é tributada pela
alíquota nominal de 7,5%. Resumidamente pode-se explicitar a situação no
seguinte quadro:
(d) = (b)
-(a)
(e) =
(c)*(d)
(a)
(b)
(c)
2.150,01
2.866,70
15,0%
1.434,60
2.150,00
7,5%
715,40
53,66
0,00
1.434,59
0,0%
1.434,59
0,00
(f) =R$2.500 R$2.150
(g) =
(f)*(c)
350,00
52,50
106,16
Aplicando-se a mesma sistemática para todos os indivíduos teríamos:
FGV DIREITO RIO
211
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
(a)
(d) =
(b)-(c)
(b)
(c) = %*(b)
Indivíduo
Renda
mensal
Imposto
de Renda
devido no
mês
Renda
disponível
A
R$ 50.000
R$ 17.807
B
R$ 20.000
C
(e)
(f) = (d)*(e)
(g) = (f)/(b)
(h) = (c)/(b)
Índice de
poupança
Poupança
Renda
disponível
para
Consumo
Alíquota
média real
do IRPF
R$ 32.193
50%
R$ 16.096
R$
16.096
35,61%
R$ 5.607
R$ 14.393
40%
R$ 5.757
R$
8.636
28,04%
R$ 10.000
R$ 2.107
R$ 7.893
20%
R$ 1.579
R$
6.314
21,07%
D
R$ 5.000
R$
712
R$ 4.288
10%
R$
429
R$
3.859
14,24%
E
R$ 3.500
R$ 304
R$ 3.196
8%
R$
256
R$
2.941
8,68%
F
R$ 2.500
R$ 106
R$ 2.394
5%
R$
120
R$
2.274
4,25%
G
R$ 1.500
R$
5
R$ 1.495
4%
R$
60
R$
1.435
0,33%
H
R$ 1.433
R$
-
R$ 1.433
3%
R$
43
R$
1.390
0,00%
Constata-se que a aplicação da tabela progressiva supramencionada enseja
alíquotas médias reais finais crescentes à medida que a renda do contribuinte
aumenta, realizando-se, dessa forma, a progressividade do imposto, na medida em que é tributado mais fortemente aquele que possui maiores possibilidades contributivas.
Cumpre destacar, entretanto, que a adoção da extrafiscalidade na vertente
da receita pública como instrumento para reduzir desigualdades tem custo
administrativo e risco elevado para a Administração Tributária, haja vista que
o incentivo para evitar a incidência do tributo por aquele contribuinte potencialmente atingido pela elevada carga tributária é diretamente proporcional
ao grau de progressividade do sistema, isto é, quanto maior a progressividade
maior será o ganho esperado em se evitar a incidência, o que pode ocorrer de
forma lícita ou ilícita. Essa é a razão pela qual alguns estudos apontam que,
em face da deficiente estrutura na administração dos tributos em países em
desenvolvimento, bem como pela redução dos controles de capitais em âmbito internacional aliado às isenções fiscais para os rendimentos decorrentes de
investimentos em instrumentos financeiros públicos e privados no mercado
de capitais455 de diversos países, dependendo das circunstâncias, deve-se priorizar a adoção de tributos mais neutros, como os impostos sobre o consumo,
com alíquotas uniformes e sem exceções de incidência, e que apresentem
menor grau de incentivo à evasão e elisão aliado a uma eficaz política de redistribuição de renda e de riqueza quase que exclusivamente pela vertente da
despesa pública. Em relação a essa política nos países em desenvolvimento
Eric Zolt e Richard Bird concluíram em importante estudo que:456
455
ZOLT, Eric M. e BIRD, Richard M. Redistribution via Taxation: The limited Role of
the Personal Income Tax in Developing
Countries. Research paper nº 05-22,
disponível no sitio http://sstn.com/abstract=804704, acesso em 19/01/2009,
p.38-39: Apontam os autores que um
sistema progressivo de imposto de renda
da pessoa física afeta mais fortemente o
comportamento dos agentes econômicos
em um país em desenvolvimento do que
em um país desenvolvido. A influência sobre a escolha entre um emprego formal ou
informal bem como a decisão entre operar
empresarialmente na economia formal
ou informal é inequivocamente maior em
uma economia ainda em desenvolvimento. Destacam, ainda, que: “high personal
income tax rates may influence decisions of
where to locate capital investment. Reductions in capital controls and improvements
in financial technology have made it easier
than ever before for individuals and firms
to invest funds outside their home countries . Changes in tax laws, particularly
the change in U.S. tax law providing
for no U.S. taxation of portfolio interest earned by nonresidents, have also
made it more attractive for the wealthy
in developing countries to invest in U.S.
government and corporate securities.
Given the apparently growing ability
of high –income individuals in some
countries to hide capital abroad (in
untaxed U.S. deposits or other fiscal
havens, for example), it become increasingly difficult to have an effective
progressive tax system in developing
countries without subjecting income
from these investments to some level
of taxation and, as all countries know,
FGV DIREITO RIO
212
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
After reviewing the past fifty years of fiscal futility in achieving distributional
goals through income tax progressivity, many development specialists have argued that developing countries concerned with equity and growth are better off
to collect as much revenue as they can through as nondistorting a tax system
as possible and then seek to reduce inequality or poverty through expenditure
side. Given the tax mix dominant in most developing countries, this approach
in part calls for devoting resources to improve compliance under consumption
taxes rather than trying to improve coverage and compliance for the personal
income tax. More importantly, it also calls for good spending. Just as the end of
production is consumption, so the end of taxation is expenditures. (grifo nosso)
Portanto, após a decisão preliminar quanto à necessidade de políticas públicas para reduzir o nível de concentração de renda e de riqueza, visando à
diminuição das desigualdades sociais, por meio de uma política fiscal ativa,
impõe-se determinar em cada país, considerando todas as circunstâncias relevantes457, qual é a melhor ponderação e o modelo redistributivo desejado,
seja pela via da receita, por meio da realização das despesas, ou, ainda, pela
adoção de um mix nas duas vertentes.
Importante destacar também, ainda que constatada a necessidade política
ou mesmo a inevitabilidade ética da adoção de tais instrumentos visando à
redistribuição de renda e de riqueza pela via da receita, a imprescindibilidade do estabelecimento de limites para essas políticas tributárias extrafiscais
visando a reduzir as desigualdades sociais, haja vista a inafastável restrição
imposta pela capacidade contributiva do cidadão, núcleo essencial para além
do qual as exações tributárias perdem a sua legitimidade no Estado Democrático de Direito, razão pela qual a própria Constituição, no seu artigo 150,
IV, determina a vedação da utilização de tributos com o efeito de confisco,
matéria a ser examinada na Aula 18. Nesse sentido também estabelece a CR88 em seu artigo 150, §1º, verbis:
§ 1º - Sempre que possível, os impostos458 terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,
identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio,
os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Conforme destacado acima, de acordo com a legislação brasileira para
o exercício de 2009, o imposto de renda das pessoas físicas possui apenas
quatro alíquotas distintas — 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%- havendo, ainda, uma faixa de isenção no IRPF, para o rendimento mensal no montante de até R$ 1.434,59. As aludidas deduções pertinentes a cada faixa de
renda (R$ 107,59; R$ 268,84; R$ 483,84, e R$ 662,94) apenas facilitam
doing so is far from easy. (…) An aspect
of inequality that has been little explored
is its possible relation to the quality of the
tax administration. A recent U.S. study
argues that inequality and tax evasion are
positively related for at least two reasons.
First, because an increasing fraction of
higher incomes normally accrues in forms
that are less observable than wages, there
is more opportunity for the rich to evade
and remain undetected. ‘Richer means
harder to tax’, both because it is difficult to
tax capital income effectively and because
those who receive high labor incomes can
often control the timing and form of their
compensation. Second, because the rich
normally perceive a growing gap between what they pay in taxes and what they
get in benefits from the public sector, the
opportunity cost of compliance also rises
with income. Such problem are even greater in developing countries than they are
in developed ones.”
456
ZOLT, Eric M. e BIRD. Op cit. p. 46-47
457
ZOLT, Eric M. e BIRD. Op cit. p. 40. “In
at least some developing countries, the
attempt to implement a progressive,
comprehensive global income tax was
probably not the best strategy in the
first place. Substancial enforcement,
compliance, and efficiency costs arise
from progressive income taxes — and
it may be that such costs are greater
when the level of inequality is higher.
When, as in many developing countries, progressive income tax systems
are accompanied by high levels of tax
evasion and (often well justified) low
levels of satisfaction with governments
use of tax revenues, the net distributional benefits are unlikely to be great.
Such countries thus have the worst of
both worlds — the costs of a progressive income tax system with few, if any,
of the benefits.”
458
Muito se discute na doutrina tributária brasileira se o comando constitucional, apesar de sua literalidade,
se estende — ou não — a todos os
tributos, gênero do qual o imposto é
apenas mais uma espécie.
FGV DIREITO RIO
213
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
o cálculo do imposto, o qual, ao invés de ser operacionalizado pela aplicação das diversas alíquotas sobre cada faixa de rendimento, conforme
acima realizado no último exemplo, permite a multiplicação do total da
renda pela alíquota final incidente (aquela correspondente ao último real
auferido) após o que é deduzido o montante permitido pela legislação,
produzindo, entretanto, o mesmo resultado. Seguindo a tabela editada
pela Lei nº 11.482, de 11 de maio de 2007, com a sua redação conferida
pela Medida Provisória nº 451/2008, para as mesmas pessoas dos exemplos acima, teríamos:
(b)
(c) =
(%*(b))dedução
(d) =
(b)-(c)
(e)
Renda
mensal
Imposto
de Renda
devido no
mês
Renda
disponível
A
R$ 50.000
R$ 13.087
B
R$ 20.000
C
(a)
(f) = (d)*(e)
(g) = (f)/(b)
(h) = (c)/(b)
Índice de
poupança
Poupança
Renda
disponível
para
Consumo
Alíquota
média real
do IRPF
R$ 36.913
50%
R$ 18.456
R$ 18.456
26,17%
R$ 4.837
R$ 15.163
40%
R$ 6.065
R$ 9.098
24,19%
R$ 10.000
R$ 2.087
R$ 7.913
20%
R$ 1.583
R$ 6.330
20,87%
D
R$ 5.000
R$
712
R$ 4.288
10%
R$ 429
R$ 3.859
14,24%
E
R$ 3.500
R$ 304
R$ 3.196
8%
R$ 256
R$ 2.941
8,68%
F
R$ 2.500
R$ 106
R$ 2.394
5%
R$ 120
R$ 2.274
4,25%
G
R$ 1.500
R$ 5
R$ 1.495
4%
R$ 60
R$ 1.435
0,33%
H
R$ 1.433
R$ -
R$ 1.433
3%
R$ 43
R$ 1.390
0,00%
Indivíduo
Constata-se, portanto, uma queda no grau de progressividade a partir da
faixa de rendimento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) mensais se comparado
o resultado com aquele obtido no exemplo anterior, haja vista não serem utilizadas as alíquotas superiores para as faixas de rendas acima de R$ 6.000,00
anteriormente aplicadas (28%, 32%, 38% e 42%, respectivamente). De fato,
a redução da intensidade da progressividade no Brasil ocorreu nos anos 90 do
século XX, como reflexo do movimento iniciado nos Estados Unidos após
1986, sob a liderança do governo liberal de Reagan, conforme salientado por
Reuven Avi-Yonah 459:
Statutory marginal tax rates are important for their symbolic significance
and incentive effects, but from an economic perspective, it is just as important
to determine the effective tax rate facing the rich. The effective rate is the rate
the rich pay after taking into account lower rates for lower brackets of income
459
AVI-YONAH, Reuven S. Why Tax the
Rich? Efficiency, Equity, and Progressive Taxation: Does Atlas Shrug? The
Economic Consequences of taxing
the Rich (Joel Slemrod ed., 2001),
111 Yale L.J. 1391 (2002).
FGV DIREITO RIO
214
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
and the available deductions, credits, and other methods of narrowing the
tax base (i.e., reducing the taxable income on which the marginal rate is imposed). Brownlee helpfully provides estimates of the historical effective rates
for the richest one percent of households as well. He indicates that effective
rates during the high marginal rate years of World War I reached 15.8%,
and that during the high marginal rate years of World War II they reached
an astonishing 58.6% in 1944. n9 After the war, while the top marginal rate
remained extremely high at 91%, the effective rate for the rich declined to
32.2% in 1952, then 24.6% in 1963, rising to 28.9% when Ronald Reagan
took office and declining to 22.1% following the 1986 tax reductions. n10
More recent estimates for the Clinton years are not yet available. The conclusion drawn by Brownlee is that the rich can be taxed at very high effective
rates during times of national emergency, but that at other times their political
clout ensures that effective rates are much lower than marginal rates. It turns
out that when Ayn Rand was writing Atlas Shrugged, the actual burden borne
by the “prime movers” was not so high after all; by the late 1940s the rich had
“largely succeeded in removing the redistributional fangs from the movement
for progressive taxation.” n11
A incidência sobre o patrimônio, por sua vez, que para muitos é o verdadeiro termômetro para medir a capacidade de comandar recursos, o que
lhe conferiria o status de substrato econômico ideal para a tributação com
fins de reduzir desigualdades, apresenta obstáculos de variadas naturezas,
destacando-se, inicialmente, a dificuldade administrativa de identificar a
sua composição, em especial em uma economia internacional integrada e
caracterizada pela relevância crescente dos intangíveis e bens de alta portabilidade ou mobilidade, o que redundaria em ônus exclusivo para aqueles
contribuintes com capital imobilizado apenas em uma jurisdição fiscal.
Ademais, inexistente uma transação real precificada no mercado, isto é,
não havendo uma alienação onerosa, a valoração do patrimônio é muito dificultada, tornando-se necessária a adoção de critérios muitas vezes
subjetivos para determinar a base de cálculo de algo que não está sendo
transacionado nem ofertado de fato. Ainda, importante mencionar, também, o problema da liquidez, tendo em vista que, independentemente do
substrato econômico de incidência, todos os tributos são pagos da renda
disponível não imobilizada, e nem sempre o proprietário possui recursos
financeiros líquidos para efetivar o pagamento, isto é, a falta de cash pode
impelir e obrigar a alienação de pelo menos de parte do capital imobilizado para fazer face à exação, matéria a ser aprofundada na aula pertinente
à capacidade contributiva.
Além desses problemas de natureza operacional e financeira em sentido
estrito, importante ressaltar que os argumentos favoráveis e contrários à uti-
FGV DIREITO RIO
215
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
lização da tributação sobre patrimônio como instrumento para reduzir desigualdades são muito semelhantes àqueles pertinentes ao uso da incidência
sobre a renda, conforme destacam Karl Case e Ray Fair:
Data on the distribution of wealth are not as readily available as data on the
distribution of income (…) Clearly, the distribution of wealth is significantly
more unequal than the distribution of income. Part of the reason is that wealth
is passed from generation to generation and thus accumulates. Large fortunes
also accumulate when small businesses become successful large business. Some
argue that an unequal distribution of wealth is the natural and inevitable consequence of risk taking in a market economy: It provides the incentive structure
necessary to motivate entrepreneurs and investors. Others believe that too much
inequality can undermine democracy and lead to social conflict. Many of the
arguments for and against income redistribution, (…), apply equally well to
wealth redistribution.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a possibilidade de adoção de alíquotas diferenciadas460 em diversas hipóteses no que
se refere aos impostos incidentes sobre o patrimônio, como, por exemplo, no
artigo 153, §4º, inciso I, relativamente ao Imposto Territorial Rural (ITR);
no artigo 155, §6º, em relação ao imposto sobre a propriedade de veículo
automotor (IPVA) e no artigo 156, §1º, alterado pela Emenda Constitucional nº 29/2000, e no artigo 182, §4º, II, no que se refere ao Imposto sobre a
propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Não há disciplina expressa
quanto ao imposto estadual incidente sobre a transmissão causa mortis e doação (ITCMD ou ITD), nem em relação ao imposto municipal incidente
sobre a transmissão onerosa de bens imóveis entre vivos (ITBI). A jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal sempre foi no sentido da
impossibilidade de utilização dos impostos incidentes sobre o patrimônio
com fins extrafiscais, salvo expressa previsão constitucional. Nesse sentido
aponta a Súmula 668 do STF:
É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda
Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada
a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.
Saliente-se, quanto à parte final do enunciado, que o poder constituinte
originário já havia previsto a possibilidade do IPTU progressivo para o alcance da função social da propriedade, nos termos do citado artigo 182, §4º, II.
Em que pese o exposto, parece que a jurisprudência do STF está sendo alterada, haja vista o desenrolar da votação no Recurso Extraordinário 562045461,
que diz respeito ao ITCMD, para o qual não há autorização constitucional
460
A expressão alíquota diferenciada
aqui esta sendo utilizada como gênero,
compreendendo tanto a progressividade, que significa aumentar a alíquota na medida em que a base de cálculo
acresce, como a alíquota diferenciada
em sentido estrito, incluindo as diversas situações em que as alíquotas
podem ser alteradas para alcançar
algum objetivo de política tributária
específica, como tributar de forma diversa os imóveis localizados em regiões
ou localizações distintas ou estabelecer
incidência diferenciada se o automóvel
for utilizado em determinado segmento de atividade ou possuir características peculiares, como os vários tipos de
combustíveis disponíveis.
461
Pedido de vista do ministro Carlos
Ayres Britto interrompeu o julgamento
pelo Plenário do STF do referido RE, e
de outros dez processos versando sobre
o mesmo assunto, nos quais se discute a hipótese da progressividade da
alíquota do ITCMD, para o qual não há
até o momento previsão constitucional
expressa da possibilidade de adoção
da progressividade. O governo do Rio
Grande do Sul contesta a decisão do
Tribunal de Justiça daquele estado
(TJ-RS), que declarou inconstitucional
a progressividade da alíquota do ITCD,
prevista no artigo 18 da Lei gaúcha nº
8.821/89 (com alíquotas variáveis de
1% até 8%), e determinou a aplicação
da alíquota de 1% aos bens envolvidos
no espólio de Emília Lopes de Leon,
que figura no pólo passivo do Recurso
Especial em causa. Conforme noticiado no sítio do STF ( http://www.stf.
jus.br ), acesso em 22/01/2009, “No
momento em que ocorreu o pedido de
vista, quatro ministros haviam admitido a progressividade e, portanto,
se pronunciaram pelo provimento do
RE, enquanto um, o ministro Ricardo
Lewandowski, apresentou voto pelo
não-provimento”. Caso o tribunal mantenha o entendimento majoritário até o
momento ocorrerá uma mudança radical da jurisprudência até agora seguida
pelo STF sobre o assunto.
FGV DIREITO RIO
216
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
específica relativamente ao imposto estadual incidente sobre as transmissões
a título gratuito e causa mortis.
11.2 A EXTRAFISCALIDADE COMO INSTRUMENTO PARA ESTIMULAR OU
DESESTIMULAR COMPORTAMENTOS E AFETAR A ORDEM ECONÔMICA
O intervencionismo estatal na e sobre a ordem econômica pode se realizar
de forma direta ou indireta. A criação de empresas estatais, sociedades de
economia mista e empresas públicas (artigo 37, XIX e XX, da CR-88), para
a exploração de atividade econômica, as quais podem estar submetidas ao
regime de monopólio (artigo 177 da CR-88) ou não (artigo 173 da CR-88),
consubstanciam a atuação do denominado Estado Empresário de forma direta na economia, matéria que foge ao escopo do curso. Ainda, além da prestação de serviços públicos (artigo 175 da CR-88), cuja titularidade é do poder
público, realizados diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão,
o Estado pode intervir indiretamente no domínio econômico tanto pela regulação462, matéria que também está fora do âmbito desta disciplina, como
por meio da extrafiscalidade, isto é, utilizando-se de determinados ingressos
especiais de natureza não tributária ou mesmo por meio de tributos que são
instituídos não apenas para arrecadar, mas, também, ou preponderantemente, como instrumentos de regulação e de implementação de política econômica e de incentivo ao comportamento das pessoas (físicas e jurídicas), em
especial no que se refere ao perfil e a intensidade das decisões de consumir,
investir e poupar.
O quadro abaixo sumariza as lições de Eros Grau463 acerca das múltiplas
faces da atuação estatal, as quais podem ocorrer na ordem econômica, quando o Estado atua em regime de monopólio de determinada atividade ou
participa diretamente de um segmento econômico por meio de suas estatais,
ou quando intervém sobre o domínio econômico, nos termos sintetizados
por Mario Gomes Shapiro464, “ao buscar influir nos processos de mercado,
todavia, sem desempenhar diretamente um papel de agente econômico”, o
que pode ocorrer pela regulação direta da atividade — Estado normatizador
e regulador — ou pela direção indireta de determinado segmento. A direção indireta pode ser realizada por intermédio: (1) de estímulos/desestímulos
a determinados comportamentos que influenciam as decisões de consumir,
investir e poupar, todas elas políticas de indução que podem ser exercidas,
conforme já salientado, por meio (1.1) de exações especiais autônomas,
qualificadas ou não como tributos dependendo do regime constitucional e
da doutrina, ou (1.2) de impostos de caráter extrafiscal; ou, ainda, (2) de
comandos disciplinadores da atividade privada, o que insere elementos de
poder de polícia465 na seara do poder de tributar, como os regimes especiais
462
ARAGÃO, Alexandre Santos de.
Agências Reguladoras e a evolução do
direito administrativo econômico. Rio
de Janeiro: Forense, 2004.
463
GRAU. Op. cit.
464
SCHAPIRO, Mario Gomes. Estado, direito e economia no contexto desenvolvimentista: breves considerações sobre
três experiências — governo Vargas,
Plano de Metas e II PND. In: SANTI,
Eurico Marcos Diniz de (coordenador).
Curso de Direito Tributário e Finanças
Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 83-84. O autor apresenta quadro
sintético semelhante, sem diferenciar,
entretanto, a indução de comportamento ou da atuação dos particulares
por meio de tributos ou de exações de
natureza não tributária.
465
Ver conceito legal do poder de polícia
no artigo 78 do Código Tributário Nacional a ensejar a instituição de taxa.
FGV DIREITO RIO
217
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de tributação e de recolhimento de impostos (ex: a sistemática de retenção
na fonte do IR ou de substituição tributária para frente do ICMS, os quais
objetivam inviabilizar a possibilidade de redução, pela evasão ou elisão, do
pagamento dos impostos).
Atuação estatal na Ordem Econômica e Financeira
Atuação no domínio econômico
Absorção — Estado guarda para
si a titularidade
de determinadas
atividades
Estado atua com
exclusividade em
determinado setor
–monopoliza a
atividade (artigo
177 da CR-88)
Participação
direta na atividade
econômica em
sentido lato
Estado atua diretamente por meio
das empresas públicas e sociedades de economia
mista em segmento econômico
específico ou,
ainda, prestando
serviços públicos,
quando o mesmo é qualificado
como subespécie
do gênero atividade econômica
(artigo 173 c/c 175
da CR-88)
Intervenção sobre o domínio econômico
Regulação
Estado dirige a
atividade econômica diretamente,
atuando como
agente normativo
e regulador das
condutas dos particulares (artigo
174 da CR-88)
Indução ou disciplina do comportamento dos particulares visando restringir e
limitar a liberdade, direito ou interesse,
ou induzir determinado comportamento (consumo, investimento e poupança)
tendo em vista o interesse público:
(1) através da
instituição de
exações especiais,
categoria autônoma de ingressos
públicos não
qualificados como
tributos. Modelo
não utilizado no
Brasil mas existente, por exemplo,
na Alemanha e na
Itália.
No Brasil, desde a Emenda Constitucional nº 1/69, o que foi ratificado
pela Constituição de 1988, as exações especificamente voltadas para intervir
na ordem econômica são enquadradas e qualificadas como tributos (vide artigo 149 c/c 177, §4º, da CR-88), ao contrário do que ocorre em diversos países, como a Itália e a Alemanha, conforme ensina Ricardo Lobo Torres466:
Na Alemanha as contribuições econômicas ou ingressos especiais (Sonderabgaben) não se confundem com os tributos (impostos, taxas ou contribuições —
(2) por meio:
(2.1) da instituição de tributos
específicos (art.
149 e 177, §4º, da
CR-88), ou
(2.2) da utilização
de impostos de
caráter extrafiscal
(ex: arts. 150, §1º,
153, §1º, e §3º, I,
155, §2º, III da CR88, etc.), ou
(2.3) da adoção de
regimes tributários especiais
como a substituição tributária ou a
retenção na fonte
visando reduzir a
possibilidade de
evasão e elisão
fiscal.
466
TORRES, Ricardo Lobo. A política industrial da Era Vargas e a Constituição
de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz
de (coordenador). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 262-263.
FGV DIREITO RIO
218
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Steuern, Gebühren, Beiträge), eis que são cobrados com base no dispositivo constitucional que autoriza a intervenção indireta na economia. As contribuições especiais
não são exigidas com fundamento nos dispositivos constitucionais que distribuem
a competência tributária (art. 105 da GG), mas com apoio na competência concorrente para legislar sobre ‘Direito Econômico (minérios, indústria, energia, artesanato, pequena indústria, comércio, regime bancário, bolsa e seguros de direito
privado)’ prevista no art. 74, item XI, da Constituição alemã, tudo de conformidade com a distinção entre competência de legislar sobre tributos (Steuergesetzgegungskompetenz) e competência legislativa genérica (Gesetzgebungskompeten).
Os adversários dessa interpretação vêm-na acusando de criar uma Constituição
Tributária apócrifa (eine aporkryphe Steuerverfassung). É considerado de natureza
excepcional o Sonderabgaben, e, por isso, necessita sempre de justificativa”.
Para o eminente autor, transformar as contribuições de intervenção no
domínio econômico em tributos ou qualifica-las com tal, significa dar à intervenção estatal um caráter de permanência e essencialidade que não possui no
Estado Fiscal, mas que no Brasil foi uma opção em torno da maior estatização
da economia e, portanto, um enfraquecimento do Estado Fiscal e da liberdade.
Considerando que essas exações foram situadas e qualificadas pelo constituinte originário brasileiro de 1988 como receitas tributárias, essas contribuições interventivas no domínio econômico (CIDE) se submetem ao mesmo
regime jurídico dos tributos, o que pode significar sob determinados aspectos
maior segurança ao sujeito passivo da obrigação legal constitucionalmente
disciplinada e limitada.
Além de regular o comportamento dos particulares por meio dessas contribuições tributárias específicas de intervenção na ordem econômica (CIDE),
também os impostos podem ser utilizados como instrumentos para disciplinar467 a atividade privada e estimular e desestimular as decisões e as ações dos
particulares visando implementar determinada política econômica, o que se
efetiva por intermédio da elevação da carga tributária em situações específicas
ou através da concessão de incentivos e benefícios fiscais (vide art. 165, §6º
c/c 174 da CR-88), os quais podem estar direta ou indiretamente vinculados
à tributação, conforme será examinado a seguir.
Antes, entretanto, importante repisar que a adoção dessas políticas indutivas eleva sobremaneira a complexidade da tributação, criando múltiplas exceções e tratamentos diferenciados que suscitam novas alterações para atender
outras particularidades decorrentes das previsões anteriormente expedidas,
criando uma verdadeira colcha de retalhos e um ciclo vicioso, o que amplia
as brechas (loopholes) que facilitam a evasão e a elisão fiscal, dificultando de
forma acentuada a administração dos tributos, o que demanda muito investimento na Administração Tributária para que esta obtenha receita, objetivo
primário quando da criação dos tributos.
467
TORRES. Op. Cit. p. 257. “Os tributos,
ao lado de sua função de fornecer recursos para as despesas essenciais do
Estado, exercem o papel de agentes do
intervencionismo estatal na economia,
de instrumentos de política econômica:
é o intervencionismo fiscal de que fala
Neumark. Os tributos já não se apresentam apenas como fruto do poder
de tributar, mas simultaneamente
como emanação do poder de polícia,
ou melhor, o poder de tributar absorve
o poder de polícia na tarefa de regular a
economia; só heuristicamente se pode
falar de um poder tributário ao lado de
um poder de polícia, pois o tributo juridicamente emana do poder tributário.”
FGV DIREITO RIO
219
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
A tributação sobre o consumo468 de bens e serviços é amplamente utilizada com objetivos extrafiscais, seja por meio da ampliação ou da redução da
carga tributária.
O incremento das alíquotas dos impostos incidentes469 sobre os bens e
serviços importados, por exemplo, pode reduzir a demanda por aqueles estrangeiros e ampliar o mercado interno para os similares nacionais, o que
estimula a indústria e a produção local. No mesmo sentido, pode ser elevada
a imposição sobre determinados produtos que o poder público deseja desestimular o consumo, como ocorre, em geral, com o cigarro e a bebida alcoólica,
produtos que aumentam de forma exponencial a possibilidade de doenças
graves e os acidentes que tanto prejudicam as pessoas atingidas diretamente
e oneram sobremaneira o sistema público de saúde, o que aumenta drasticamente as despesas do setor público, que devem ser financiadas de alguma forma, a gasolina — combustível altamente poluente o qual tem como origem
o petróleo, produto fóssil não renovável, e etc.
Por outro lado, a redução desses impostos usualmente denominados de
indiretos, haja vista que o encargo financeiro do tributo não recai diretamente sobre aquele designado em lei como o sujeito passivo da obrigação tributária (comerciante, industrial atacadista e etc.) e sim sobre o consumidor final,
o qual não possui relação jurídica tributária com o Estado, é muito utilizada
como instrumento de política econômica para estimular a economia e elevar
a demanda agregada em fases recessivas ou de baixo crescimento, o que seria
preferível se comparado ao incremento de gastos no caso brasileiro atual, de
acordo com a tese do economista Rubens Penha Cysne470:
São várias as razões pelas quais, no Brasil, o estímulo à demanda através da
elevação da renda pessoal líquida obtida por meio da redução de impostos indiretos pode ser preferível à elevação de gastos. Primeiro, reduções de impostos
indiretos levam diretamente à queda dos preços finais ao consumidor, o que
pode amenizar o concomitante impacto altista de fomento à demanda (decorrente da majoração da renda disponível do setor privado). Segundo, impostos
indiretos menores compensariam também as recentes pressões altistas do câmbio
sobre os preços. No jargão macroeconômico isto equivaleria a dizer que choques
de oferta adversos (aumento do preço do dólar) combatem-se com choques de
oferta positivos (redução de impostos). O que os empresários gastam a mais
com insumos importados, ou com a elevação das demandas salariais daí decorrentes, compensam com menores transferências ao governo, sem necessidade de
maiores elevações de preços. Terceiro, a carga tributária nacional tem aumentado
sobremaneira desde os anos 1980 (de 26% para algo em torno de 35% do PIB),
o que tem ocorrido a taxas superiores àquelas da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). A se manter a trajetória atual, em breve
o Brasil estará alcançando os 36,5% da OCDE. O problema com estes números
468
O principal instrumento utilizado nos
impostos incidentes sobre o consumo
para alcançar objetivos de natureza extrafiscal é a seletividade, a qual se efetiva por meio da adoção de alíquotas
diferenciadas para os diversos bens e
serviços de acordo com a essencialidade dos mesmos — alíquotas menores
para aqueles essenciais e maiores para
os supérfulos ou não essenciais (vide
artigo 153, §3º, I da CR-88, no que se
refere à obrigatoriedade de aplicação
do princípio ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), imposto de
competência privativa da União, e o
artigo 155, §2º, III da CR-88, quanto à
facultatividade para o Imposto sobre
a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Comunicação e de
Transporte Interestadual e Intermunicipal — ICMS, imposto de competência
privativa dos Estados e do Distrito Federal). Apesar da citada facultatividade, o
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, considerando
a essencialidade da energia elétrica, na
Argüição de Inconstitucionalidade nº
2008.017.00021, declarou a inconstitucionalidade do art. 14, VI, “b”, da Lei nº
2.657/96, que institui o ICMS no Estado
do Rio de Janeiro, com a nova redação
dada pela lei 4.683/2005, que fixava
em 25% ( vinte e cinco por cento ) a
alíquota máxima de ICMS sobre operações com energia elétrica. O Tribunal
considerou que a lei ordinária viola os
princípios da seletividade e da essencialidade assegurados no art. 155, § 2º,
da Carta Magna de 1988, devendo-se
aplicar, portanto, a alíquota geral de
18% (dezoito por cento). Saliente-se
que os benefícios fiscais também são
amplamente adotados nos impostos
incidentes sobre o consumo com objetivos outros que não exclusivamente
fomentar e incrementar a arrecadação
futura, como, por exemplo, facilitar o
consumo de determinados bens e serviços essenciais ou obstar a aquisição
daqueles considerados prejudiciais ou
se visa desestimular.
469
Importante destacar a necessária
adequação desses aumentos na carga
tributária dos bens e serviços de origem
estrangeira com os condicionamentos
fixados nos tratados firmados em âmbito local, regional ou internacional,
multilaterais ou não, como é o caso, por
exemplo, dos acordos da Organização
Mundial do Comércio (OMC), que sucederam aqueles do GATT (General Agreement on Trade and Tariffs), do tratado
que disciplina o Mercosul, os quais limitam ou estabelecem parâmetros para a
política tributária nacional unilateral,
matéria a ser examinada na parte final
do semestre.
470
CYSNE, Rubens Penha. Reação à Crise. Conjuntura Econômica. Jan 2009.
Vol. 63. nº 01. Fundação Getúlio Vargas.
p. 18-19.
FGV DIREITO RIO
220
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
não é apenas sua magnitude. Mas o fato de não se observarem, no Brasil, serviços públicos com a qualidade e amplitude daqueles providos, na média, pelos
30 países da OCDE (que engloba Estados Unidos, Alemanha, França, e vários
outras economias de liderança tecnológica mundial). Quarto, porque no Brasil o
pagamento de salários das três esferas da administração pública, somado à compra de bens e serviços a empresas, apresenta valores injustificadamente superiores
àqueles de outras economias (...)
Cumpre salientar que países com elevada dívida pública e alto volume
de despesas de baixa mutabilidade no curto prazo, como é o caso brasileiro,
possuem inevitáveis restrições quanto à redução de impostos de forma ampla
e abrangente em situações de crise econômica. Por outro lado, a redução pontual e discriminada impostos deve ser combatida se violadora do princípio da
igualdade. No sentido inadequação da redução do IPI incidente sobre veículos para o combate à crise no início de 2009 assevera Gustavo Loyola471:
“(...) Aliás, no campo fiscal, um dos equívocos freqüentes é a redução temporária de impostos, como ocorreu com o IPI incidente sobre a produção de veículos. Esse tipo de medida, além de discriminatória, não tem como condão aumentar a demanda, mas apenas antecipa o consumo que seja de qualquer modo
realizado no futuro. Havendo espaço fiscal, o correto seria, no Brasil, buscar-se
uma menor carga tributária, por meio de quedas de tributos que beneficiam a
economia como um todo, e não apenas setores eleitos pelo poder do príncipe”.
Considerando a possibilidade de utilização desses impostos e de outros
tributos para a realização de política econômica, bem como para estimular
e desestimular comportamentos dos agentes econômicos, a Constituição de
1988 estabelece regime jurídico especial para várias espécies tributárias, excepcionando, por exemplo, a aplicação do princípio da legalidade, no que
se refere à exigência de lei em caráter formal para aumentar a alíquota de
determinados impostos, a teor do artigo 153, §1º, ou ainda, ao ressalvar a
aplicabilidade do princípio da anterioridade para determinadas exações, nos
termos do artigo 150, §1º, ou, ainda, ao prever a seletividade, através da qual
os bens não essenciais são tributados mais gravosamente (artigo 153, e §3º, I,
e 155, §2º, III da CR-88) e etc.
Também a concessão de benefícios e incentivos fiscais, isto é, a desoneração de determinados bens e serviços, por meio da redução das alíquotas,
criação de isenções, de reduções de base de cálculo, de créditos presumidos
e etc., são amplamente utilizadas pelo Estado como instrumento para modificar e induzir o comportamento dos particulares e das empresas em geral.
Pode ser reduzida a carga tributária de uma mercadoria específica objetivando aumentar ou facilitar o seu consumo por questões de ordem sanitária, de
471
LOYOLA, Gustavo. Resposta à Crise
não pode ser recuo. Jornal Valor. Segunda feira, 30 de março de 2009.p.A13.
FGV DIREITO RIO
221
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
saúde pública ou de planejamento familiar, como é o caso, por exemplo, dos
preservativos e etc.
Salvo a concessão de subsídios de natureza financeira, vinculados à tributação, a possibilidade de utilização de incentivos tributários nos impostos
incidentes sobre o consumo para afetar decisões sobre investimentos dos
agentes econômicos pressupõe que na sua base de incidência sejam também
incluídos os bens de capital, o que de certa forma desnatura a exação como
um verdadeiro consumption tax. A maioria dos países do mundo que adota o
citado Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA ou VAT) exclui da respectiva
base de tributação os bens destinados a compor o ativo fixo imobilizado do
investidor, ou seja, não há fato gerador e cobrança de imposto na saída da
máquina ou do equipamento destinada a ampliar a capacidade produtiva
do adquirente, posto estar essa hipótese fora do campo de incidência. Dessa
forma, esses impostos formulados para incidência sobre o consumo não são
utilizados para realizar política tributária visando incentivar ou desestimular investimentos. No Brasil, entretanto, ao contrário da maioria dos países
que adotam a tributação exclusivamente sobre esse substrato econômico, as
aquisições para o ativo imobilizado estão inseridas no campo de incidência
de diversos impostos e contribuições, como é o caso do IPI e do ICMS, além
da PIS e da COFINS, razão pela qual esses tributos são amplamente utilizados com fins extrafiscais, tanto por meio de benefícios de natureza tributária
como através de incentivos financeiros que se vinculam à tributação. Assim,
é possível no Brasil incentivar certos investimentos por meio de impostos
usualmente formulados para incidir sobre o consumo, com vistas, por exemplo, a facilitar472 a aquisição de bens de capital para aumentar a capacidade
produtiva de determinado setor da economia, como a produção de biocombustíveis, que são renováveis e não são poluentes.
Já a utilização do imposto incidente sobre a renda, da pessoa física (IRPF)
ou da pessoa jurídica (IRPJ), como instrumento regulatório, tem como objetivo precípuo alterar as decisões quanto à modalidade e a intensidade dos investimentos e da poupança, e não propriamente incentivar ou desestimular
diretamente o consumo de determinado bem ou serviço, o que pode ocorrer
de maneira subsidiária. Nesse sentido destaca o professor Reuven Avi-Yonah473 quanto ao caráter regulatório e indutor de crescimento e desenvolvimento econômico do imposto de renda nos Estados Unidos:
The income tax, and in particular the corporate income tax, had been seen as
a potential regulatory tool from the beginning. President Taft, in proposing the
corporate tax in 1909, had emphasized its regulatory potential: By adopting the
tax, he said, the government can achieve “supervisory control of corporations
which may pre- vent a further abuse of power.” [FN118] And in adopting and
developing the reorganization provisions from 1918 onward, [FN119] the Uni-
472
Em sentido contrário, pode o poder
público desejar desestimular a ampla
automação em determinado setor
econômico, objetivando resguardar a
utilização de mão de obra ao invés de
máquinas.
473
AVI-YONAH. Op. Cit. p.12-14.
FGV DIREITO RIO
222
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
ted States began a long series of measures designed to reward some forms of corporate activity and deter others. The heyday, however, of using the income tax as
a regulatory tool was in the post World War II period. This was part of a general
tendency to entrust regulatory powers to the state--the so-called “golden period
of the nation state.” [FN120] In the 1960’s and 1970’s, in particular, hundreds
of provisions were added to the Code to influence investment and spending decisions by both individuals and corporations. The problem, of course, was that
these regulatory provisions (“tax expenditures”) clashed with the other goals of
taxation--they made the income tax less effective in both raising revenue and as
a redistributive tool, since most of the tax expenditures were aimed at the rich.
In addition, the tax expenditures made the Code far more complex. The result
was a backlash led by academics like Stanley Surrey, who wanted to restore the
tax law to its “pure” functions of revenue raising and redistribution and achieve
regulatory aims directly by subsidies and direct regulation. [FN121] (…) Some
private activities can best be regulated by consumption taxes--consumption activities. In fact, if the goal of the government is to deter consumption of certain
items (for example, tobacco, alcohol or gasoline), excise taxes on these items are
the most effective way of achieving this aim--far better than denying an income tax deduction. General consumption taxes are also widely used (although
this use is more controversial) to impose extra taxes on some items (luxuries)
and lower taxes on others (food and medicine). (It should be noted, however,
that the aim of these provisions frequently is to abate regressivity, which can be
achieved better by spending programs.) But most of the regulatory function of
taxation relates not to consumption, but to investment and saving behavior. The
biggest tax expenditures in all countries tend to be those that encourage individuals to invest for certain goals (for example, retirement, housing or education).
[FN131] Other important ones are designed to encourage corporate investments (for example, accelerated depreciation, investment tax credits). [FN132]
These types of regulation can be achieved only in the context of a system that
taxes individual and corporate income, not consumption.
A utilização de benefícios e incentivos fiscais do imposto incidente sobre a
renda para alterar as decisões econômicas e induzir uma política de crescimento econômico tem sido amplamente utilizada em diversos países, inclusive o
Brasil, o que evidentemente eleva sobremaneira a complexidade do sistema.
Ademais, a concessão indiscriminada de benefícios fiscais é um mal que assola
diversas nações, razão pela qual os especialistas em finanças públicas Stanley
S. Surrey474 e Paul R. McDaniel, conforme já destacado na aula pertinente às
receitas públicas, instituíram o conceito que se denominou de “tax expenditure”, ao equiparar o incentivo fiscal implementado pela via da receita ao gasto
fiscal, isto é, passou a qualificar e registrar os benefícios fiscais (renúncia de
receita) como despesas públicas, o que eleva o grau de transparência da políti-
474
SURREY, Stanley. Tax Expenditures.
Cambridge: Harvard University Press,
1985.
FGV DIREITO RIO
223
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
ca fiscal realizada com os recursos públicos. Nesse sentido, o artigo 165, § 6º,
da CR-88 estabelece que o “projeto de lei orçamentária será acompanhado de
demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente
de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira,
tributária e creditícia”. Ressalte-se, no entanto, que se por um lado a Constituição estabelece o princípio da transparência das mencionadas renúncias
de receitas visando a reduzir o uso indiscriminado dos benefícios fiscais, por
outro lado institui o princípio do desenvolvimento regional e prestigia a redução das desigualdades, nos termos dos artigos 3º, III e 174, § 1º, razão
pela qual parece adotar o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico das
diferentes regiões do país (artigo 151, I, da CRFB) como hipótese excepcional
e justificável para a adoção dos incentivos na seara tributária.
No que se refere à tributação sobre o patrimônio, conforme já mencionado, a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a possibilidade de
adoção de alíquotas diferenciadas em diversas hipóteses como instrumento indutivo de política urbana, rural e de incentivo ou desestímulo ao comportamento dos
agentes econômicos e das famílias, como, por exemplo, no artigo 153, §4º, inciso
I, relativamente ao Imposto Territorial Rural (ITR); no artigo 155, §6º, em relação
ao imposto sobre a propriedade de veículo automotor (IPVA) e no artigo 156, §1º,
alterado pela Emenda Constitucional nº 29/2000, e no artigo 182, §4º, II, no que
se refere ao Imposto sobre a propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Por fim, cumpre destacar que a doutrina nacional aponta a possibilidade
de utilização de determinadas técnicas de tributação, que alteram a sistemática básica de operacionalização da exação, o que caracterizaria e qualificaria
o uso extrafiscal do tributo, como mecanismo para disciplinar o comportamento dos agentes econômicos, restringindo a sua liberdade de atuação, de
forma a evitar a possibilidade de redução intencional de impostos, por meios
lícitos ou ilícitos (a denominada elisão e a evasão tributária). Nessa hipótese,
são adotados determinados regimes tributários e procedimentos especiais de
pagamento do imposto, como, por exemplo, a substituição tributária para
frente do ICMS ou a retenção na fonte pagadora do imposto incidente sobre
a renda daquele que recebe os pagamentos e aufere renda. Deve-se ressaltar a
necessária razoabilidade e proporcionalidade desses instrumentos, tendo em
vista que a facilidade administrativa e o objetivo de reduzir a possibilidade de
evasão ou elisão não podem justificar eventual violação à capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária, seja ele contribuinte ou o
responsável, nem descaracterizar a essência e a natureza de incidência.
O regime de substituição tributária do ICMS em relação às operações e
prestações subseqüentes da cadeia de circulação de mercadorias e da prestação de serviços (substituição para frente) é um exemplo de utilização de medidas simplificadoras do procedimento fiscalizatório, que reduzem os custos
da Administração Tributária, mas que restringem a liberdade e interesse do
FGV DIREITO RIO
224
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
contribuinte, ao determinar o pagamento de imposto relativo a transações
que ainda não ocorreram. Nessa hipótese, o industrial ou fabricante, além de
pagar o imposto pertinente à própria operação que realiza (ICMS próprio),
é o responsável pelo recolhimento do tributo incidente sobre toda a cadeia
circulatória posterior de forma antecipada (ICMS retido ou ST), isto é, antes
da ocorrência do fato econômico que fundamenta a exigência do imposto. A
razão de ser dessa sistemática é, naturalmente, a adequação administrativa da
exação, o que reduz os custos operacionais, haja vista a extrema dificuldade
que teria o Poder Público se tivesse que fiscalizar o elevado número de contribuintes varejistas (bares, restaurantes, farmácias, ambulantes e etc.) para
verificar a correção ou não do recolhimento do ICMS sobre as suas vendas.
Dessa forma, ao determinar o pagamento antecipado na etapa inicial de circulação, é medida que disciplina o comportamento dos agentes econômicos
por meio de regimes especiais de pagamento, os quais objetivam diminuir o
volume de despesas com a máquina administrativa, tendo em vista reduzir a
possibilidade de elisão e evasão tributária.
11.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto nesta aula conclui-se que as características e as razões
de ser da exigência dos tributos modificam-se ao longo da história, pois, se
o fundamento dos impostos na vigência do denominado patrimonialismo
são as “razões de Estado” e as necessidades da nobreza e do clero, no Estado
de Liberal de Direito a igualdade e a liberdade do indivíduo contra a opressão do precedente absolutismo monárquico figura como a sua matriz. Já no
denominado Estado de Bem-Estar Social que preponderou desde a segunda
metade do século XX até o início dos anos oitenta, é o intervencionismo na
ordem social e econômica que denota e qualifica o tributo não somente por
seus aspectos arrecadatórios, mas, também, por suas finalidades extrafiscais e
parafiscais. Essa crescente demanda e pressão sobre a política fiscal como um
todo, incluindo a vertente das despesas, é intensificada na realidade atual, em
que se apresenta o duplo desafio estratégico do desenvolvimento econômico
sustentável e inclusivo sob o ponto de vista social harmonizado com o meio
ambiente no qual se realizam e processam as atividades humanas.
A extrafiscalidade se exterioriza de forma intencional em pelo menos cinco
vertentes distintas: (1) pela utilização das exações tributárias com o objetivo
de reduzir desigualdades sociais e transformar o tributo em instrumento de
redistribuição de renda e riqueza; (2) por meio de exações específicas para
disciplinar e dirigir os agentes privados, como as contribuições para a intervenção no domínio econômico (CIDE), que podem ter ou não natureza tributária dependendo do regime constitucional; (3) através do uso dos próprios
FGV DIREITO RIO
225
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tributos, diretos ou indiretos, como mecanismos de regulação e indução da
atividade econômica e do comportamento social, (4) beneficiando e incentivando a atividade econômica visando elevar o nível de desenvolvimento por
meio dos benefícios e incentivos fiscais ou reduzindo a carga tributária como
ferramenta indutora das demandas e ações dos agentes econômicos, e (5) disciplinando a atividade ou a forma do recolhimento do imposto, objetivando
a facilidade na administração do tributo.
Por fim, importante destacar que vários são os argumentos a favor e contrários à adoção da incidência sobre o consumo, a renda ou o patrimônio,
bem como para a utilização da proporcionalidade ou da progressividade, a
qual pode comportar diversos graus e intensidades distintas.
11.4 QUESTIONÁRIO
1) O que significa extrafiscalidade?
2) Qual a diferença entre regressividade, proporcionalidade e progressividade?
3) É conveniente e adequado utilizar o sistema tributário com outros
objetivos que não apenas o de arrecadar para os cofres públicos?
4) Com fundamento no que foi decido pelo Superior Tribunal de Justiça no RESP 704.917/RS, 1ª Turma, decida se o Poder Executivo da
União, objetivando beneficiar exclusivamente os produtores de canade-açúcar dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e aqueles das
Regiões Norte e Nordeste, poderia editar Decreto estabelecendo a redução da alíquota do IPI incidente sobre a industrialização desse produto apenas nos mencionados estados. Saliente-se que o Estado de São
Paulo é o maior produtor de cana de açúcar do país, cujos produtores
não alcançados pela alíquota reduzida sentiram-se gravemente prejudicados e violados quanto ao seu direito de tratamento isonômico.
QUESTÕES DE CONCURSO
1) Em nosso sistema tributário, é correto afirmar que
a) alguns impostos federais não precisam observar o princípio da legalidade para aumento das respectivas alíquotas.
b) o imposto aumentado em determinado ano pode ser cobrado no
mesmo exercício financeiro.
c) todas as receitas tributárias devem observar o princípio da legalidade.
d) os tributos e multas são prestações pecuniárias compulsórias de caráter sancionatório.
FGV DIREITO RIO
226
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
e) o princípio da capacidade contributiva é inaplicável às multas fiscais e tarifas.
(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região )
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
ANDREWS, William D. Basic Federal Income Taxation. Little, Brown and
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 12 – A PARAFISCALIDADE COMO TÉCNICA ADMINISTRATIVA
PARA DESENVOLVER ATIVIDADES DE INTERESSE PÚBLICO E O
TRIBUTO NA CR-88
Cumpre, de pronto, destacar que não existe consenso na doutrina quanto
ao sentido e o alcance da expressão “parafiscalidade”, conforme será visto
adiante ao debruçarmos sobre o tema.
O termo “parafiscalidade”, segundo apontam alguns estudiosos475, tem sua
origem no campo financeiro, tendo sido empregado pela primeira vez no Inventário de Schumann, em 1946, na França, conforme preleciona Misabel Derzi476:
“a expressão ‘parafiscalidade’se consagrou a partir do inventário Schumann
(...), que levantou e classificou os encargos assumidos por entidades autônomas
e depositárias de poder tributário, por delegação do Estado, como parafiscais.
O inventário incluiu, como encargos de natureza parafiscal, não só os encargos
sociais, inclusive seguros sociais e acidentes do trabalho, como as taxas arrecadas
pelas administrações fiscais para certas repartições e estabelecimentos públicos
financeiramente autônomos ( Câmara da Agricultura, de Comércio, Fundo Nacional de Habitat etc. ), como os profissionais ( Associação Francesa de Padronização, Associações Interprofissionais e órgãos de classe)”.
Como se observa no texto acima, a expressão parafiscalidade era utilizada na França para designar algumas contribuições e taxas, cuja arrecadação
era delegada pelo Poder Público a certas entidades privadas autônomas477,
as quais utilizavam o produto arrecadado para fazer face às suas atividades
dotadas de interesse público, bem como a determinados órgãos públicos, que
detinham autonomia financeira.
A partir da Constituição mexicana de 1917 e da alemã Weimar de 1919,
os direitos sociais passaram a ser consagrados pelo ordenamento jurídicoconstitucional, visando a aprimorar as condições de vida dos indivíduos e
promover meios para diminuir as desigualdades provocadas, em grande escala, pela esfera econômica478. Desta feita, o Estado passou a atuar de forma
mais significativa no campo econômico e social, o que se denominou de
Estado Social ( também chamado de Estado do Bem-estar Social, Estado
Intervencionista ). Essa mudança se deu em razão do reconhecimento de
que certas demandas coletivas devem ser incorporadas à atuação de um novo
Estado, no qual os problemas sociais passavam a ser questões de interesse
público — configurando necessidades públicas.
Para ajudar na efetividade da atuação social, o Estado passou a delegar a
entidades especiais autônomas — de natureza pública ou privada — a função
de arrecadar determinadas contribuições para fazer face às despesas oriundas
de atividades de interesse público confiadas o seu exercício às referidas pessoas
jurídicas. Isso ocorreu porque o Estado não conseguiria, sem aumentar dema-
475
Vide DERZI, Misabel Abreu Machado.
A causa final e a regra-matriz das contribuições. In: DE SANTI, Eurico Marcos
Diniz ( coordenador ). Curso de Direito
Tributário e Finanças Públicas- do
fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,
2008, pp. 626-666; ROSA JR. Luiz
Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15. ed.
Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001;
e BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdução
à Ciência das Finanças. 11. ed. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 1976.
476
DERZI. Op. Cit. p. 632.
477
Entende-se por entidade, toda
pessoa jurídica de natureza pública ou
privada ( p. ex., sociedade, fundação e
associação): na Administração Indireta
tem-se as autarquias, as fundações,
as sociedades de economia mista e as
empresas públicas, consoante o disposto no art. 4º do Decreto-lei 200/67. No
setor privado encontram-se as sociedades em geral, as associações, e as fundações., nos termos do art. 44 do CC/02.
Vale realçar que não se deve confundir
entidade com órgão, porquanto este
não tem personalidade jurídica ( por
ex., os Ministérios, as Casas Legislativas, os Tribunais de Contas etc.)
478
BARROSO, Luis Roberto. O Direito
Constitucional e a Efetividade de
suas Normas. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002. pp. 100/101.
FGV DIREITO RIO
229
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
siadamente a máquina administrativa, concretizar diretamente tais funções,
precisando “criar braços” que ultrapassassem seu núcleo administrativo.
Nesse cenário, cabe analisar a parafiscalidade a partir de, pelo menos, três
perspectivas, as quais se interpenetram, conforme a seguir apresentado de
forma sistemática para melhor comprensão:
A PARAFISCALIDADE
1.quanto ao orçamento à que se vincula
as respectivas receitas e despesas;
2.relativamente à entidade responsável pela
arrecadação e o exercício da atividade que ensejou
a permissão da cobrança da contribui ção; e
3.no que alude à exação ser ou não qualificada
como tributo
12.1. A PARAFISCALIDADE E O ORÇAMENTO
Para alguns doutrinadores a parafiscalidade está correlacionada com o
orçamento, isto é, está associada à ideia de que o produto arrecadado por
entidades autônomas, as quais exercem atividade de interesse público, não
integra o orçamento fiscal do Estado, sendo tal receita cobrada diretamente
pelas referidas entidades.
Nessa linha de intelecção, destacam-se Misabel Abreu Machado Derzi479
e Luiz Emygdio F. da Rosa Jr480. Para este autor, “a parafiscalidade significa,
desde a sua origem, uma finança paralela, no sentido de que a receita decorrente das contribuições não se mistura com a receita geral do poder público”.
Já Misabel Derzi, ao se debruçar sobre o tema, professa que:
“semanticamente, pois, a palavra ‘parafiscalidade’ nasceu para designar a arrecadação por órgão ou pessoa paraestatal, entidades autônomas, cujo produto,
por isso mesmo, não figura na peça orçamentária única do Estado, mas é dado
integrante do orçamento do órgão arrecadador, sendo contabilizado, portanto,
em documento paralelo ou ‘paraorçamentário’”.
Tal posicionamento tem relevância e merece ser considerado quando se
analisa o conteúdo e o alcance do instituto da parafiscalidade. De tal sorte
que o estudo dos tributos a partir de suas múltiplas funções se faz necessário, especialmente quando enfeixam tarefas não meramente arrecadatórias
para o cofre do Tesouro, com vistas a custear as despesas gerais da máquina
administrativa, indo além, servindo de instrumento financeiro viabilizador
de atividades delegadas a terceiros pelo Poder Público, bem como de outras
479
DERZI, Misabel Abreu Machado. A
causa final e a regra-matriz das contribuições. In: DE SANTI, Eurico Marcos
Diniz ( coordenador ). Curso de Direito
Tributário e Finanças Públicas- do
fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,
2008, pp. 626-666.
480
ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual
de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2001.. p. 415.
FGV DIREITO RIO
230
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
finalidades pré-definidas a ensejar a instituição da exação que visa a financiar
intervenções na ordem social e econômica pelo próprio Estado.
Nesse contexto, “ser parafiscal é apenas não integrar o orçamento fiscal
da União, não ser receita própria dela, podendo não obstante ser tributo”,
assevera Misabel Derzi481 ao discorrer sobre o alcance semântico da palavra
fiscal, que segundo a autora, não se confunde com o termo tributo, uma vez
que, ao observarmos o orçamento fiscal da União, verificaremos que estão
nele incluídas as receitas tributárias e as não-tributárias, como, por exemplo,
as receitas patrimoniais e as industriais do Estado.
12.1.1. A SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL E A PARAFISCALIDADE
A partir da Constituição de 1988, a Seguridade Social ganhou novas feições, a começar por dispor de capítulo próprio, ter seu orçamento incluído
na lei orçamentária da União, estando assim sujeita ao controle do Poder Legislativo. Diversamente, na Constituição de 1969, consoante dispunha o art.
62, §1°, o orçamento da Seguridade Social não estava inserido na lei orçamentária da União, era aprovado por simples ato do Poder Executivo, isto é,
escapava do crivo do Poder legiferante, podendo ser alterado ou remanejado
por decreto do Chefe do Executivo482.
Nesse contexto, Misabel Derzi483 tem defendido a parafiscalidade necessária para todas as contribuições que servem de base econômica para desenvolver as atividades ligadas à Segurança Social, isto é, manter em (1) orçamento
e (2) caixa próprios todos os valores arrecadados com vinculação específica
para a Seguridade, por razões óbvias, entre elas, evitar o uso desses recursos
para outras finalidades que não àquelas que deram origem ao nascimento das
contribuições sociais, quais sejam: fazer face às despesas com o sistema da
Seguridade Social, o qual abarca a saúde, a assistência e a previdência sociais.
No dizer da autora “o que a Constituição de 1988 pretendeu fazer e, de fato,
fez, foi submeter os orçamentos da Seguridade e de investimentos das empresas estatais à apreciação do Poder Legislativo, de modo que os desvios de
recursos e o estorno sem prévia anuência legal, ficassem vedados ( art. 167,
VI e VIII )”.
Na realidade, as contribuições sociais para a Seguridade Social já se submeteram a diversos regimes. De tal sorte que, as contribuições previdenciárias, por exemplo, antes da Carta de 1988, eram arrecadadas diretamente
por uma autarquia, o Instituto Nacional de Seguro Social ( INSS ), ou seja,
eram contribuições parafiscais ou paraorçamentárias, visto não integrarem
nem o orçamento da União, tampouco o caixa do Tesouro Nacional. Por
outro lado, outras contribuições sociais para a Seguridade Social — não previdenciárias — eram arrecadas pela União diretamente ( ex. a FINSOCIAL
481
DERZI. Op. Cit. p. 633.
482
DERZI. Op. Cit. p. 635.
483
Idem. Ibidem. pp. 635-641.
FGV DIREITO RIO
231
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
— hoje COFINS -, o PIS, e a contribuição sobre o lucro ), e repassadas para
o INSS. Essa situação jurídica recebeu o aval do STF, conforme se verifica no
RE 138284-8/92:
“EMENTA: Constitucional. Tributário. Contribuições sociais. Contribuições incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei 7.689, de 15.12.88.
IV. Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União.
O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade social ( Lei
7.689/88, art. 1º )”.
A partir do referido julgado, é possível inferir que o STF refutou a tese
esposada por Misabel Derzi acerca da parafiscalidade necessária em sede de
contribuições sociais para a Seguridade Social484, ou seja, a Suprema Corte
brasileira considerou legítima a cobrança e arrecadação da contribuição sobre o lucro das pessoas jurídicas por parte da União e só depois repassada ao
INSS e destinadas à segurança social.
Ocorre que recente reforma legislativa (Lei 11.457/2007) alterou novamente a sistemática das contribuições sociais para Seguridade Social, pelo
menos sob o aspecto da capacidade ativa, no que concerne à legitimidade da
União para cobrar diretamente, por meio da Secretaria da Receita Federal
do Brasil, tais contribuições, as quais serão creditadas ao Fundo do Regime
Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar
101/2000, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 11.457/2007.
A Lei 11.457, de 16 de março de 2007, criou a Secretaria da Receita Federal do Brasil, antes denominada Secretaria da Receita Federal, órgão da Administração Direta subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda, e extinguiu a
Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social485.
Isso significa, conforme se depreende do art. 2º, do mencionado diploma
legislativo, que as funções antes desempenhadas pela Secretaria da Receita
Previdenciária agora estão a cargo da “Super-Receita Federal”, senão vejamos
o dispositivo em tela:
“Art. 2º. Além das competências atribuídas pela legislação vigente à Secretaria da Receita Federal, cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar,
executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fiscalização,
arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991,
e das contribuições instituídas a título de substituição”486.
Diante desse novo panorama, é possível inferir que a parafiscalidade dentro da estrutura geral da Administração Pública, em especial, no que se refere
às contribuições sociais para a Seguridade Social, assumiu feição híbrida, por-
484
DERZI, Misabel. A ‘SuperReceita’pode levar à redução da nossa
já combalida Previd ência Social. In: I
SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E PREVIDÊNCIA
SOCIAL. São Paulo: UNAFISCO, jan.
2007, pp.34-40. Aponta a autora que
até a edição da Emenda Constitucional
42/2003, a desvinculação de receitas de
que trata o art. 76 do ADCT não atingia
as contribuições previdenciárias. O ataque a tais contribuições ocorreu com
o advento da mencionada emenda,
que colocou no mesmo cesto todas
as contribuições sociais, inclusive as
previdenciárias, somente excluindo o
salário-educação. Nesse sentido, estão
sujeitas ao patamar de 20% de desvinculação todas as receitas tributárias
para a seguridade social. Acrescenta,
ainda, a autora: “(... ) não adianta a lei
que criou a fusão das receitas dizer que
a receita será arrecadada pela União e
destinada imediatamente ao fundo ‘X’,
ao fundo ‘A’ ou ‘B’. Porque existe uma
norma na Constituição que permite a
desvinculação. É uma exceção à regra.
Fica desvinculada de órgão, fundo ou
despesa, a importância de 20% da
arrecadação da União de impostos,
contribuições sociais e de intervenção
no domínio econômico”.
485
DERZI. Op. Cit. pp. 635-641.
486
O art. 3º da mesma lei prevê as atribuições previstas no art. 2º também
para outras contribuições, como, por
exemplo, as contribuições destinadas
ao Fundo Aeroviário, à Diretoria de
Portos e Costas do Comando da Marinha , aquelas destinadas ao INCRA, e o
salário-educação ( vide art. 4º, § 6º ).
FGV DIREITO RIO
232
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
quanto mudou a sistemática de arrecadação e fiscalização dessas contribuições, que agora são da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil:
ao INSS cabe, no entanto, as funções de emissão de guia para pagamento,
de certidão relativa a tempo de contribuição, o cálculo dos valores a serem
pagos, gerir o Fundo do Regime Geral da Previdência Social, entre outras atividades, como, por exemplo pagar os benefícios de que trata a Lei 8212/91,
nos termos do art.5º do novo diploma legal, a Lei 11.457/2007.
Saliente-se, também, que, apesar do artigo 56487 da Lei nº 4.320/1964
estabelecer o denominado princípio da unidade de tesouraria, conforme já
destacado alhures, a Lei de Responsabilidade Fiscal criou uma exceção ao
aludido preceito, fixando que a disponibilidade de caixa da previdência, espécie do gênero seguridade social, deve ser separada do sistema de caixa único
no âmbito de todos os entes federados, conforme se infere da literalidade do
artigo 43 da LRF:
Art. 43. As disponibilidades de caixa dos entes da Federação serão depositadas conforme estabelece o § 3o do art. 164 da Constituição488.
§ 1o As disponibilidades de caixa dos regimes de previdência social, geral e
próprio dos servidores públicos, ainda que vinculadas a fundos específicos a que se
referem os arts. 249 e 250 da Constituição, ficarão depositadas em conta separada
das demais disponibilidades de cada ente e aplicadas nas condições de mercado,
com observância dos limites e condições de proteção e prudência financeira.
Dessa forma, as outras disponibilidades da seguridade social, salvo aquelas
relacionadas à previdência, tais como as pertinentes à saúde e a assistência
social, seguem a regra geral da unidade de tesouraria.
Além desse primeiro plano de projeção — vinculado à questão orçamentária
e financeira em sentido estrito-, a parafiscalidade também pode ser compreendida a partir da legitimidade de determinadas entidades, que exercem atividades
de interesse público e social, para arrecadar ou receber certas contribuições.
12.2. A PARAFISCALIDADE E AS ENTIDADES PÚBLICAS OU PRIVADAS
QUE FICAM COM OS RECURSOS DE DETERMINADAS CONTRIBUIÇÕES
Cabe, inicialmente, esclarecer que a estrutura administrativa varia de acordo com o modelo de Estado que se estabelece. Nesse ponto, devemos avaliar,
a priori, as características de determinado Estado, para somente depois tentar
entender a sua organização funcional-administrativa.
Nesse contexto, ensina Hely Lopes Meirelles489que a organização administrativa está intimamente vinculada à “estrutura do Estado e a forma de
governo adotadas em cada país”.
487
Artigo 56. O recolhimento de todas
as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragentação
para criação de caixas especiais.
488
O dispositivo constitucional se refere
ao Banco Central do Brasil relativamente à União e às instituições financeiras
oficiais no casos dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.
489
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro. 26 ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo,
Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Editora
Malheiros, 2001, pp.692-694.
FGV DIREITO RIO
233
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Conforme já exaustivamente salientado, no Brasil temos como forma de
Estado a federação, a qual é formada pela união indissolúvel dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal, nos termos do art. 1º da CRFB/88: ainda
dispõe o seu art. 18, que “a organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
Cumpre ressaltar que a estrutura de Estado que temos, malgrado detenham os Estados-membros, o DF e os Municípios, autonomia, consoante
dispõe o citado art. 18, é significativo o poder centralizador nas “mãos” da
União. Tal fato é visível ao verificarmos no texto constitucional de 1988 a
sua ampla prerrogativa tributária em comparação aos demais entes, além de
sua competência privativa para legislar sobre diversas matérias ( art. 22 ) e,
no tocante à competência concorrente com os Estados-membros, o DF, e os
Município, a União tem a prerrogativa de ditar as normas gerais ( vide arts.
24 e 30 ). Conforme dispõe o Decreto-lei 200/67, a organização administrativa federal se subdivide em Administração Direta e Administração Indireta (
sistema que se irradia para os entes políticos estatais e municipais ).
Ainda, segundo lições de Hely Lopes Meirelles490:
“a Administração Pública Direta é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa da União, e a Administração Indireta é o conjunto dos entes
( personalizados ) que, vinculados a um Ministério, prestam serviços públicos
ou de interesse público. Sob o aspecto funcional, a Administração Direta é a
efetivada imediatamente pela União, através de seus órgãos próprios, e a Indireta
é realizada mediatamente, por meio dos entes [ também denominados entidades
] a ela vinculados”.
490
A vinculação das entidades que compreendem a Administração Indire491
ta , ou seja, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as autarquias e as fundações públicas, se dá em razão do sistema de controle interno
da Administração Direta, denominado de tutela, ou como ensina Hely Lopes
Meirelles492, supervisão ministerial, ou seja, tais entidades não estão ligadas
à Administração Direta por meio do regime de subordinação, e sim de vinculação de suas respectivas atividades com os Ministérios ( p. ex. o INSS
está vinculado ao Ministério da Previdência Social, a Caixa Econômica está
vinculada ao Ministério da Fazenda etc ).
Nesse passo, além das pessoas jurídicas criadas ou autorizadas pelo Poder
Público para integrarem a Administração Indireta, e assim desenvolverem
certas atividades de interesse público, o Estado precisou descentralizar ainda
mais suas atividades, de tal sorte que o apoio de outras entidades, fora da Administração Pública, se fez necessário493. Dessa forma, criou-se a parafiscalidade envolvendo outras pessoas jurídicas — as quais podem ser de direito pú-
Idem. Ibidem. pp.694-696.
491
Decorrência lógica do processo de
descentralização das atividades de interesse público.
492
Idem. Ibidem. p. 696.
493
Ver, por exemplo, na CRFB/88, a título de ilustração: art. 8º que prevê a
contribuição sindical, o art. 149, o qual
elenca, dentre outras, as contribuições
de categorias profissionais, as contribuições para o custeio do Sistema S (
SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE etc ). Na
realidade, o constituinte de 1988 buscou, por meio de entidades privadas,
efetivar determinadas atividades de
interesse público, tais como, a fiscalização e controle de certas atividades
profissionais, a tutela de direitos trabalhistas por meio dos sindicatos e o
fomento ao desenvolvimento tecnológico com o apoio do Sistema S: as quais
se desenvolvidas diretamente pelo
Poder Público contribuiria de forma
significativa para o inchaço da máquina
administrativa.
FGV DIREITO RIO
234
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
blico ou direito privado, como, por exemplo, os sindicatos ( natureza privada
) e as entidades de classe ( autarquias especiais de natureza pública). Aqueles
( sindicatos ) defendem interesses das classes de trabalhadores e coordenam
as negociações e acordos entre empregados, empregadores, e com o próprio
Poder Público, enquanto as entidades de classe ou de categorias profissionais
tem o mister de regular e fiscalizar determinadas profissões ( ex.CREA, CRM
). No tocante a estas entidades, cumpre trazer à baila a decisão plenária, em
sede de ADI, proferida pelo STF, no qual se enfrentou a questão da natureza
jurídica das autarquias fiscalizadoras de atividades profissionais regulamentadas. Na ADI 1717/DF, o STF julgou inconstitucional o art. 58 e parágrafos
da Lei 9.649/98, a qual, entre outras regras, consagrava a natureza privada
dos conselhos de fiscalização profissionais, tendo como um dos fundamentos
o disposto no art. 119 do CTN, que dispõe no sentido de que somente pessoas jurídicas de direito público podem ter sujeição tributária ativa, conforme
se extrai de excertos do acórdão:
ADI 1717-DF — Relator(a):
Min. SYDNEY SANCHES
Julgamento: 07/11/2002
Órgão Julgador: Tribunal Pleno — Publicação
DJ 28-03-2003 — PP-00061 — EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649,
DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE
PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto
ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário,
quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos
§ 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação
conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e
175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade,
a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder
de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades
profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3.
Decisão unânime.
A Ordem dos Advogados do Brasil, por sua vez, apesar de também realizar a fiscalização de atividade profissional, se diferencia das demais entidades disciplinadoras de atividades profissionais, pois, segundo entendimento jurisprudencial do STF: “a OAB não está voltada exclusivamente
a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional”494. De fato, tal
entidade é considerada uma autarquia sui generi, pois, a atividade que
disciplina e fiscaliza tem escopo constitucional e é reconhecida como essencial à Justiça, nos termos do art. 133 da CRFB/88, o que já determina
494
Vide ADI 3026/DF. Julgamento em
08/06/2008. Relator Min. Eros Grau.
Nesta ação o STF se pronunciou no
sentido de que a OAB compreende
“categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito
brasileiro”.
FGV DIREITO RIO
235
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
a existência de regime diferente das demais autarquias que fiscalizam profissões regulamentadas.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também se refere à Ordem
dos Advogados do Brasil como “uma autarquia sui generis”495. Ainda, no tocante à contribuição cobrada de seus membros, tem se manifestado o Tribunal da Cidadania no sentido de que não teria natureza tributária, não se
submetendo, desta forma, a execução aos ditames da Lei 6.830/80 ( lei de
execução fiscal ). Nesse sentido, vale trazer à luz ementa de acórdão, em sede
de Recurso Especial, prolatado pela Corte Superior de Justiça:
REsp 755595 / RS RECURSO ESPECIAL
2005/0090354-4 — SEGUNDA TURMA — Relator MIN. CARLOS
FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) —
Data do Julgamento: 08/04/2008 — DJe 02/05/2008.
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO.
OAB. ANUIDADE. NATUREZA JURÍDICA. NÃO-TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. Não se conhece, em recurso especial, de violação a dispositivos constitucionais, vez que se trata de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102 da Constituição.2.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que as contribuições cobradas pela OAB não seguem o rito disposto pela Lei nº 6.830/80, uma
vez que não têm natureza tributária, q.v., verbi gratia, EREsp 463258/SC, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 29.03.2004 e EREsp
503.252/SC, Rel. Ministro Castro Meira, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 18.10.2004.3.
Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.
Nessa perspectiva, quanto à legitimidade de entidades públicas ou privadas para cobrar tributos para suprir as demandas decorrentes das atividades
de interesse público a elas incumbidas, cabe destacar, pelo menos, duas correntes doutrinárias:
Corrente 1:
Para alguns autores, como por exemplo, Geraldo Ataliba496 e Luciano
Amaro497, a parafiscalidade está vinculada a entidades delegadas que estão
fora do Estado.
Consoante o pensamento de Geraldo Ataliba498, o conceito de parafiscalidade importa “no fenômeno pelo qual a lei atribui a titularidade de tributo
a pessoas diversas do Estado, que as arrecadam em benefício das próprias
finalidades”.
Luciano Amaro499, corroborando com a linha de intelecção do mencionado autor, assevera:
495
Vide EREsp 462273 / SC — Julgamento em 13/04/2005. Rel.Min. João
Otavio de Noronha.
496
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 3 ed. São Paulo:
Editora Malheiros, 1992, p. 83.
497
AMARO, Luciano. Direito Tributário
Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, pp. 2-3.
498
ATALIBA ( 1993). p.80-82.
499
AMARO. Op. Cit. p. 3.
FGV DIREITO RIO
236
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
“(...).Em verdade, ao lado das prestações coativas arrecadadas pelo Estado,
outros ingressos financeiros, também instituídos por lei e absorvidos pelo conceito genérico de tributo, são coletados por entidades não estatais, de que são
exemplos os sindicatos e os conselhos de fiscalização e disciplina profissional.
Esse campo, dito da parafiscalidade, é paralelo ao da fiscalidade, ocupado pelo
ingressos destinados ao Fisco ou Tesouro Público, esses tributos dizem-se parafiscais” ( grifo nosso ).
Corrente 2:
Para esta corrente doutrinária, a parafiscalidade é decorrência da atribuição
do Poder Público a outras entidades, sejam públicas ou privadas, integrantes
ou não da Administração Pública500, para arrecadar contribuições a fim de suprir objetivos de natureza pública. Cabe destacar, nessa linha de intelecção,
entre outros autores, Marco Aurélio Greco501, Aliomar Baleeiro502, Roque A.
Carrazza503, e Hamilton Dias de Souza504. Este último, ao enfrentar o tema, se
refere a órgãos especializados desvinculados da Administração Direta, ou seja,
ele incluiu a Administração Indireta. Vale a pena trazer excertos de seu estudo
sobre as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas:
“(...) tendo em vista serem distintos e peculiares os interesses de cada uma das
categorias econômicas e profissionais envolvidas, a atuação do Estado geralmente se faz por intermédio de órgãos especializados e específicos, desvinculados da
Administração Direta (...). É o caso, por exemplo, dos sindicatos e das entidades
de fiscalização de profissões liberais ( OAB, CRM, CREA )”. ( grifo nosso ).
Marco Aurélio Greco505, ao discorrer sobre a evolução do Estado Fiscal
para o Estado Intervencionista ( Bem-estar social ), preleciona:
“a partir do reconhecimento de determinadas necessidades sociais ou visando
a atingir certos resultados ou objetivos econômicos, o Estado passou a atuar positivamente nestes campos, criando entidades específicas, fora de sua estrutura
básica, que ficariam responsáveis pelo exercício de atividades pertinentes. Por
sua vez, estas estruturas necessitavam de recursos financeiros para sobreviver.
Estas começaram a cobrar da coletividade certas quantias que se justificavam em
função das finalidades buscadas e que eram diretamente arrecadadas por estas
entidades que se encontravam “ao lado”do Estado ( as entidades “paraestatais”)”.
( grifo nosso ).
Aliomar Baleeiro506 entende que a capacidade tributária ativa pode ser
delegada tanto às entidades públicas como às privadas, cujas funções estão
atreladas a uma finalidade pública. Apresenta o autor quatro elementos que
delineiam a parafiscalidade:
500
Vale repisar que, nos termos do
Decreto-lei 200/67, a Administração
Pública se subdivide em Administração
Direta e Indireta. Enquanto aquela (
direta ) “se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa do
Poder Executivo e seus ministérios ( em
âmbito federal ), e do Poder Executivo
e secretarias ( em âmbito estadual e
municipal ), a Administração indireta
compreende as seguintes entidades
autônomas, com personalidade jurídica: as autarquias, as empresas públicas,
as sociedades de economia mista e as
fundações públicas.
501
GRECO, Marco Aurelio. Contribuições
( uma figura “sui generis” ). São Paulo:
Editora Dialética, 2000, p.57.
502
BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdução
à Ciência das Finanças. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1976, pp.569-571.
Aponta os Institutos de Aposentadoria e
Pensões e as Caixas de Aposentadoria e
Pensões como as primeiras entidades a
arrecadar as chamadas contribuições parafiscais. Hodiernamente “há pulverização
de receitas outras para manutenção de
vários órgãos autárquicos e paraestatais,
como a Ordem dos Advogados, o SENAI, o
SENAC, o SESC, o SESI etc”.
503
CARRAZZA, Roque A. O sujeito da
obrigação tributária. São Paulo, Resenha
Tributária, 1977, p. 40.
504
SOUZA, Hamilton Dias de. Contribuições Especiais. In: MARTINS, Ives Gandra
da Silva(coordenador). Curso de Direito
Tributário. 10. ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Saraiva, 2008. pp. 667-705.
505
GRECO, Marco Aurelio. Contribuições
( uma figura “sui generis” ). São Paulo:
Editora Dialética, 2000, p.57. Aponta o
autor que “no campo econômico, a ‘atuação’ da União pode consistir numa atuação
material ou numa atuação de oneração
financeira. Se a atuação for material a
contribuição servirá para fornecer recursos
para o exercício das atividades pertinentes
e para suportar as despesas respectivas;
se a atuação for no sentido de equilíbrio
ou equalização financeira, a contribuição
será o próprio instrumento da intervenção”
(este aspecto será abordado na aula sobre
a extrafiscalidade dos tributos ).
506
BALEEIRO, ALiomar. Uma Introdução
à Ciência das Finanças. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1976, pp.569-571.
Aponta os Institutos de Aposentadoria e
Pensões e as Caixas de Aposentadoria e
Pensões como as primeiras entidades a
arrecadar as chamadas contribuições parafiscais. Hodiernamente “há pulverização
de receitas outras para manutenção de
vários órgãos autárquicos e paraestatais,
como a Ordem dos Advogados, o SENAI, o
SENAC, o SESC, o SESI etc”.
FGV DIREITO RIO
237
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
“a) delegação do poder fiscal do Estado a um órgão oficial ou semi-oficial
autônomo; b) vinculação especial ou ‘afetação’ dessas receitas aos fins específicos
cometidos ao órgão oficial ou semi-oficial investido daquela delegação; c) em
alguns países exclusão dessas receitas delegadas no orçamento geral (seriam então
‘para-orçamentárias’...); e d) consequentemente, subtração de tais receitas à fiscalização do Tribunal de Contas ou órgão de controle da execução orçamentária”.
Roque Carrazza507, a seu turno, apresenta a parafiscalidade como:
“a atribuição, pelo titular da competência tributária508, mediante lei, da capacidade tributária ativa, a pessoas públicas ou privadas ( que persigam finalidades públicas
ou interesse público ), diversas do ente imposto que, por vontade desta mesma lei
passam a dispor do produto arrecadado, para a consecução de seus objetivos”.
Por fim, merece repisar o fato de que a Lei 11.457/07, ao criar a Receita
Federal do Brasil, atribuiu a esta — órgão vinculado ao Ministério da Fazenda — e não ao INSS — autarquia federal vinculada ao Ministério da
Previdência Social, as funções de fiscalizar e arrecadar as contribuições sociais
destinadas ao custeio da Seguridade Social. Desta feita, pode-se reconhecer
que a parafiscalidade, sob a perspectiva da capacidade ativa de quem arrecada
o tributo, somado à possibilidade de desvinculação de 20% dessas receitas
por parte da União, nos termos do artigo 76 do ADCT da CR-88, teve parte
substancial de seu conteúdo diluído na fiscalidade.
Outra perspectiva que merece relevo, ao se enfrentar o complexo instituto
da parafiscalidade, diz respeito à análise da natureza jurídica509 das contribuições de que trata o art. 149 da CRFB/88.
12.3. A PARAFISCALIDADE E A NATUREZA JURÍDICA DA EXAÇÃO (TRIBUTÁRIA OU NÃO-TRIBUTÁRIA).
Ab initio, no direito comparado, merece destaque a doutrina de E. Morselli510, para quem a teoria da parafiscalidade encontra amparo:
“na distinção das necessidades públicas em fundamentais e complementares.
As primeiras correspondem às finalidades do Estado, de natureza essencialmente
política. As segundas correspondem às finalidades sociais e econômicas, as quais,
sobretudo recentemente, assumiram grandes proporções e novas determinações
financeiras. Trata-se principalmente de necessidades de grupos profissionais econômicos e de grupos sociais. Assim, às necessidades fundamentais correspondem
uma finança fundamental ( de entes públicos territoriais ). A teoria da parafiscalidade explica a finança complementar”.
507
CARRAZZA ( 1977 ). Op. Cit. p. 40
508
Embora a competência já tenha sido
tratada em outra aula, merece, todavia,
relembrar seu perfil, segundo as lições
de Misabel Derzi: “competência é norma constitucional, atributiva de poder
legislativo a pessoa estatal, para criar,
regular e instituir tributos”. In: DERZI,
Misabel Abreu Machado. A causa final
e a regra-matriz das contribuições. In:
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz ( coordenador ). Curso de Direito Tributário e
Finanças Públicas- do fato à norma, da
realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 632.
509
Oportuno ressaltar que a análise da
natureza jurídica de um instituto diz
respeito ao seu enquadramento dentro
do sistema ( ou sistemas ) a que está
vinculado.
510
MORSELLI, E. Compendio di scienza
delle finanze. Padova: Milani, 1967.
FGV DIREITO RIO
238
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
O mencionado jurista italiano, ao enfrentar o tema da natureza jurídica
de certas contribuições (as quais denominou de contribuições parafiscais),
concebeu-as como exações regidas por regime próprio, não tendo natureza
tributária como os tributos em geral, porquanto estes têm origem no poder
essencialmente político, ao passo que as “contribuições parafiscais” têm como
fundamento fazer face as necessidades de caráter econômicosociais511.
Para E. Morselli512, a fiscalidade se diferencia da parafiscalidade na sua
essência, uma vez que a fiscalidade — amparada nos tributos em geral —
visa precipuamente a conseguir recursos para suprir as atividades fundamentais do Estado, tendo como base a capacidade contributiva, enquanto
a parafiscalidade encontra sua ratio essendi no princípio da solidariedade513. A receita parafiscal, na linha de pensamento do referido autor, procura fazer frente às despesas não essenciais, relacionadas, em regra, com
a seguridade social e outros interesse de grupos específicos, como os de
categorias profissionais e econômicas.
A propósito, no tocante ao princípio da solidariedade, o STF, ao enfrentar a sistemática das contribuições sociais criadas pela União, desenvolveu o
princípio estrutural da solidariedade, o qual se afasta um pouco do princípio
da solidariedade do grupo para se firmar com norma-princípio estruturante
das contribuições sociais. Segundo entendimento da Suprema Corte brasileira, no acórdão proferido em sede de ação direta de inconstitucionalidade
( ADI 3105/DF e ADI 3128/DF de 18.08.2004 ), “o regime previdenciário
visa a garantir condições de subsistência, independência e dignidade pessoais
ao servidor idoso por meio de pagamento de proventos de aposentadoria
durante a velhice e, nos termos do art. 195 da CF, deve ser custeado por toda
a sociedade, de forma direta e indireta, o que se poderia denominar de princípio estrutural da solidariedade”514.
Dito de outra maneira, enquanto a solidariedade de grupo consiste no
binômio, encargo financeiro e benefício de determinado grupo de pessoas, o
princípio estrutural da solidariedade em sede de regime previdenciário tem
como escopo a garantia de um sistema forte em que todos, indistintamente,
colaboram, ou seja, por meio deste princípio social a sociedade se une por
uma causa maior, que é a tutela de vários valores fundamentais, como a vida
digna e a saúde.
Na mesma trilha de E. Morselli parece caminhar Ricardo Lobo Torres515,
para quem as contribuições sociais, interventivas e corporativas, não teriam,
sob o critério científico, natureza tributária, malgrado reconheça que parte
da doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal são no sentido
de que tais exações têm natureza tributária: adota-se, na realidade, o critério
topográfico, uma vez que as mencionadas contribuições foram inseridas dentro do capítulo do Sistema Tributário Nacional ( art. 149, CRFB/88 ) pelo
constituinte originário.
511
ROSA JR. Op. Cit. p. 415.
512
MORSELLI 1960 apud TORRES, 2007,
p. 527.
513
Aponta Ricardo Lobo Torres, in:
TORRES ( 2007 ). Op. Cit. p. 554, “a solidariedade, como assinala a doutrina
germânica, cria o sinalagma não apenas entre o Estado e o indivíduo que
paga a contribuição, mas entre o Estado
e o grupo social a que o contribuinte
pertence”.
514
TORRES ( 2007 ). Op. Cit. p. 556-557.
515
TORRES, Ricardo Lobo. A política industrial da Era Vargas e a Constituição
de 1988. In: DE SANTI, Eurico Marcos
Diniz ( coordenador ). Curso de Direito
Tributário e Finanças Públicas- do
fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,
2008, pp.254-271. Ainda, do mesmo
autor, Curso de Direito Financeiro e
Tributário. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004.
FGV DIREITO RIO
239
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Na visão do referido autor brasileiro, as contribuições em tela teriam conteúdo diferente dos tributos, na medida em que não estão afetadas a serviços
essenciais do Estado Fiscal, e preleciona que a parafiscalidade, com o advento da Carta de 1988, desapareceu no direito brasileiro, amalgamando-se no
conceito de fiscalidade516. Nesse passo, preleciona o autor que:
“Enquanto a fiscalidade se caracteriza pela destinação dos ingressos ao Fisco,
a parafiscalidade consiste na sua destinação ao PARAFISCO, isto é, aos órgãos
que, não pertencendo ao núcleo da administração do Estado, são paraestatais,
incumbidos de prestar serviços paralelos e inessenciais por meio de receitas paraorçamentárias. A parafiscalidade, portanto, não deveria se confundir com a
fiscalidade, nem as prestações parafiscais com os tributos, uma vez que constituiria autêntica contradictio in terminis falar em ‘tributos paratributários’ou em
‘fiscalidade parafiscal’: o que é para-tritbutário não pode ser tributário e o que é
fiscal não pode ser ao mesmo tempo parafiscal” ( grifo do autor )517.
Argumenta ainda Ricardo Lobo Torres que a diluição da parafiscalidade na fiscalidade, a partir da normativa constitucional de 1988, fica clara
especialmente no tocante às contribuições sociais “que deixaram de ser paraorçamentrárias ( para-budgetaires, off budget ) para se tansformarem em
fontes orçamentárias”518. Vale ressaltar que a Carta Constitucional de 1988
adotou o princípio da unidade orçamentária, e o orçamento da Seguridade
Social passou a integrar a lei orçamentária da União, ex vi do at. 165, § 5º,
da CRFB/88: vale dizer que tal modelo só encontra paralelo no Direito português, aponta Ricardo Lobo Torres.
Nesse passo, cumpre destacar que a parafiscalidade tem como forte referência histórica o período que se segue pós- 2ª Guerra Mundial, cujo principal propósito era carrear recursos para fazer face às despesas com a previdência social e outras atividades de caráter intervencionista do Estado delegadas
a órgãos paralelos ao núcleo central da administração pública519.
No Brasil, assim como na Itália, França, Espanha e Argentina, a concepção de parafiscalidade que emergiu de forma mais acentuada “foi considerada
como fenômeno fiscal e as prestações parafiscais como tributos”, pondera
Ricardo Lobo Torres520. Ainda, importante destacar que a Emenda Constitucional nº 1/69 inseriu no rol dos tributos as contribuições sociais, o que
fez com que parte significativa da doutrina e jurisprudência admitissem a
natureza tributária daquelas exações.
Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 8/77 retirou as contribuições sociais do capítulo dos tributos, o que ensejou novamente a discussão em torno da
natureza jurídicas dessas exações, e passou-se a entender que não eram tributos.
Nesse quadro de inconstâncias, o constituinte na Carta de 1988, por fim,
decidiu colocar as contribuições em geral no capítulo dedicado ao Sistema
516
Idem. Ibidem. p.270.
517
Idem. Ibidem. p.269. Para o autor,
as despesas para tutelar direitos sociais
que não garantem o mínimo existencial são consideradas não essenciais e
assumidas de forma subsidiária pelo
Estado.
518
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de
Direito Constitucional Financeiro
e Tributário. Vol. IV. Os Tributos na
Constituição. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2007, pp. 526-530.
519
TORRES ( 2007 ). p. 529. Segundo
Ricardo Lobo Torres, “a crise mundial
surgida na década de 1970, com reflexos dramáticos no Brasil, fez com que se
reavaliasse o papel do Estado Social de
Direito e se extirpassem, do rol das suas
funções essenciais, aquelas que só lhe
deveriam caber em caráter supletivo e
subsidiário, como sejam a propriedade
de empresas, a intervenção no mercado e a previdência social. Ao mesmo
tempo recuperou-se a consciência de
que a categoria tributo possui entre os
seus elementos característicos a destinação às despesas essenciais do Estado,
inconfundível com a arrecadação a este
ou àquele órgão, que realmente não
tem influência para a elaboração do
conceito”.
520
TORRES ( 2007 ). Op. Cit. pp. 526527.
FGV DIREITO RIO
240
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Tributário Nacional, inspirando a doutrina majoritária e a jurisprudência do
STF no sentido de efetivamente considerar tais exações como tributo, ainda
que discutível aludida solução sob o critério científico ou do desenvolvimento histórico de um conceito unitário dos tributos.
Para ilustrar, vale transcrever excertos da decisão do STF, na qual a Corte
enfrentou a questão da natureza jurídica das contribuições. Em sede de Recurso Extraordinário de n° 13884-CE, o Ministro Carlos Velloso classificou
as contribuições sociais da seguinte maneira.521:
“As contribuições sociais desdobram-se em: ( a.1 ) contribuições de seguridade social, disciplinadas no artigo 195, I, II, e III da CF/88, compreendendo as
contribuições previdenciárias, as contribuições do FINSOCIAL ( hoje COFINS
), as da Lei 7689, o PIS, e o PASEP ( art. 239 ). Não estão sujeitas à anterioridade
( art. 149, art. 195, parágrafo 6° ); (a.2) outras de seguridade social ( art. 195,
parágrafo 4° ): não estão sujeitas à anterioridade ( art. 149, art. 195, parag. 6° ).
A sua instituição, todavia, está condicionada à observância da técnica da competência residual da União, a começar, para a sua instituição, pela exigência de lei
complementar ( art. 195, parág. 4°, art. 154, I ); ( a.3 ) contribuições sociais gerais
art. 149 : o FGTS, o salário-educação ( art. 212, parág. 5° ), as contribuições do
SENAI, SESI, SENAC ( art. 240 ). Sujeitam-se ao princípio da anterioridade”.
Depois de longa discussão acerca do elenco das espécies tributárias, o STF
firmou entendimento, com base na Teoria Quinquipartite, de que são modalidades de tributos: os impostos, as taxas, a contribuição de melhoria, elencadas no artigo 145 da CF/88, cuja competência para instituí-las é concorrente;
o empréstimo compulsório, art.148; as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de categorias
profissionais e econômicas, disciplinadas no artigo 149 da CF/88.
Apenas a título de ilustração, cabe mencionar a posição de Sacha Calmon
Navarro Coelho522, para quem todas as contribuições elencadas no art. 149
da CRFB/88 estão inseridas no conceito de exações parafiscais, ou seja, todas
as contribuições sociais (gerais, de seguridade social ou outras de seguridade
social), as de intervenção no domínio econômico, das categorias profissionais
ou econômicas, independentemente de quem as arrecada, se pessoa jurídica
de direito público ou privado, estariam abrangidas na parafiscalidade.
No que se refere especificamente às contribuições sociais, cumpre destacar
trecho do voto do Ministro Cesar Peluzo do Supremo Tribunal Federal na
ADIN 3105-8, o qual esclarece:
(...) Salvas raras vozes hoje dissonantes sobre o caráter tributário das contribuições sociais como gênero e das previdenciárias como espécie, pode dizerse assentada e concorde a postura da doutrina e, sobretudo, desta Corte em
521
BRASIL. Poder Judiciário. Supremo
Tribunal Federal. RE n° 13884-CE. Disponível no sítio: < www.STF.jus.br>.
Pesquisa realizada em 12/02/2009.
522
COELHO, Sacha Calmon Navarro.
Manual de Direito Tributário. 2. ed.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002,
pp. 51-54. Tais contribuições, segundo
o autor, são “impostos afetados a finalidades específicas ( raramente são
taxas )”.
FGV DIREITO RIO
241
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
qualificá-las como verdadeiros tributos (RE nº 146.733, rel. Min. MOREIRA
ALVES, RTJ 143/684; RE Nº 158.577, REL. Min. CELSO DE MELLO, RTJ
149/654), sujeitos a regime constitucional específico, assim porque disciplinadas
as contribuições no capítulo concernente ao sistema tributário, sob referência
expressa aos art. 146, III (normas gerais em matéria tributária) e 150, I e III
(princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade), como porque corresponderiam à noção constitucional de tributo construída mediante técnica de
comparação com figuras afins.
Assim sendo, ressalvada a destinação das suas receitas, as quais são vinculadas aos fins para os quais foram criadas, as contribuições sociais tem natureza tributária, submetendo-se, dessa forma, às normas previstas no sistema
tributário nacional, isto é, conformam-se e se subordinam a todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, excepcionadas, naturalmente, pelas
as disciplinas particulares especificamente traçadas na própria Constituição,
como é o caso da noventena ou anterioridade nonagesimal523, matéria a ser
apresentada na aula pertinente ao princípio da anterioridade.
Pelo exposto nesse item, pode-se concluir que a parafiscalidade possui
pelo menos duas acepções de acordo com a doutrina: (1) a primeira restringindo o fenômeno às cobranças realizadas por entidades delegatárias
autônomas, de natureza jurídica pública ou privada, que exerçam atividades de interesse público, como, por exemplo, os sindicatos dos trabalhadores e categorias profissionais, nos termos do artigo 8º, IV, da CR-88, as
entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas
ao sistema sindical, o denominado sistema “S”, SESI, SESC SENAI, consoante o disposto no artigo 240 da CR-88, as entidades que exercem a
fiscalização e a regulamentação das categorias profissionais e econômicas,
a teor do artigo 149 da CR-88, como o CREA e o CRM, à exceção da
OAB, pelas razões já expostas,e etc., e (2) a segunda englobando, também,
as exações criadas com o objetivo de financiar a denominada segurança
ou seguridade social, as denominadas contribuições sociais, vinculadas à
saúde, assistência ou previdência social, disciplinadas nos artigos 149 e
195 da CR-88.
12.4 QUESTIONÁRIO
1) O Congresso Nacional editou lei instituindo novas alíquotas das
contribuições da União destinadas ao financiamento da seguridade
social, criando um sistema notadamente progressivo (alíquotas mais
altas quanto maior fosse a base de cálculo). Poderia o legislador ordinário federal instituir aludido sistema progressivo (ADC 8)?
523
Dispõe o artigo 195, § 6º, da CR88, relativamente às contribuições de
seguridade social: “As contribuições
sociais de que trata este artigo só
poderão ser exigidas após decorridos
noventa dias da data da publicação da
lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto
no art. 150, III, “b”. Ou seja, afasta-se
o princípio da anterioridade clássica,
segundo o qual é vedado a cobrança
de tributo instituído ou aumentado
no mesmo exercício financeiro em que
haja sido publicada a lei que o criou ou
incrementou, aplicando-se, tão somente, a noventena.
FGV DIREITO RIO
242
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
2) Discorra acerca da noção de parafiscalidade a partir das correntes
doutrinárias e, objetivamente, escolha aquela que considera mais
relevante e condizente com o sistema jurídico brasileiro.
QUESTÕES DE CONCURSO
1. O orçamento da seguridade social
a) está compreendido na lei orçamentária federal, junto com o orçamento fiscal e o orçamento de investimento das empresas da
União.
b) somente estima receita e prevê a despesa da previdência social federal.
c) estima a receita e prevê a despesa em saúde, educação e assistência
social.
d) é elaborado de forma idêntica ao orçamento fiscal.
(Ministério Público do DF — 23º concurso)
2. As contribuições sociais, em nosso sistema tributário,
(A) não precisam observar os princípios da legalidade e da anterioridade.
(B) não têm natureza tributária.
(C) somente podem ser instituídas pela União.
(D) podem ser instituídas pelos Estados e Municípios, para custeio do
sistema de previdência de seus servidores.
(E) previdenciárias aumentadas num exercício, só podem ser cobradas
no primeiro dia do exercício seguinte.
(Juiz do Tribunal Regional federal da 5ª Região)
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 13 – A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA, OS ELEMENTOS E AS
DIVERSAS FASES DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA.
As relações entre as pessoas constituem-se por fundamentos variados,
desde os laços familiares e de amizade despretensiosos sob o ponto de vista
patrimonial até aquelas levadas a efeito por interesse individual ou coletivo
de caráter exclusivamente pecuniário, em que há inequívoca manifestação
de vontade das partes — sejam elas convergentes a determinado objetivo,
como ocorre nos pactos conveniais, ou simplesmente contrapostas, como nas
relações contratuais-. Por outro lado, há vínculos que surgem por força e em
decorrência do próprio sistema jurídico, como é o caso da relação jurídica
tributária, sem que haja a necessidade de manifestação de vontade das partes,
bastando, tão somente, o enquadramento do caso concreto — o fato da vida
— na hipótese genérica e abstrata prevista em lei, seguindo a lógica e a racionalidade524 da subsunção que caracteriza a aplicação da norma no Estado
de Direito Liberal, marcadamente influenciado pela demanda por liberdade
e segurança jurídica do cidadão ou, ainda, em função da necessidade de se
atingir determinados objetivos socialmente desejados, de acordo com a racionalidade dos fins, típica do denominado Estado de Bem Estar Social de
caráter interventivo, o qual confere relevo a valores sociais como a igualdade
material, solidariedade e justiça distributiva.
A natureza de toda relação é definida por seu fundamento, sua razão de
ser mediata, e pelo seu objeto, que é o elemento material em torno do qual
as pessoas se vinculam.
No campo obrigacional privado a prestação do devedor, que é o objeto da
relação, consistente sempre em uma ação humana, compreende um dar, um
fazer ou não fazer algo, razão pela qual não se confunde com a coisa em que
se especializa,525 consoante o disposto no Título I, do Livro I, da Parte Especial
do Código Civil (art. 233 a 285). Caso descumprido o dever jurídico vinculado ao fazer, em suas duas modalidades não expressas em unidades monetárias,
converte-se o objeto em uma prestação de dar o equivalente em pecúnia526 a
título de perdas e danos, caso o devedor culposamente der causa, ainda que
não tenham as partes “cogitado do seu caráter econômico originário”.527
A relação jurídica tributária, por sua vez, é multifacetada, na medida em
que a mesma se constitui, de acordo com o disposto no Código Tributário
Nacional (CTN), por três causas ou fundamentos distintos, abaixo descritos,
e se desdobra nos três modais supracitados (dar, fazer ou não fazer), envolvendo, ao mesmo tempo, prestações de caráter patrimonial e pecuniário assim como outras de cunho não patrimonial.
O tributo e as prestações a ele vinculadas — essas últimas existentes para
garantir a higidez e solidez do sistema528 — caracterizam a natureza pública
da relação tributária, o que determina a aplicabilidade de um regime jurídico
524
GRECO, Marco Aurélio. Contribuições
(uma figura “sui generis”). São Paulo:
Dialética, 2000, p. 43-44. Essa questão
será aprofundada nas aulas pertinentes
à interpretação e aplicação da legislação tributária.
525
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 10 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1990. p.2-5.
526
SILVA, De Plácido e. Vocabulário
Jurídico. Rio de Janeiro, 2002. Forense.
Rio de Janeiro, 2002. p. 596. “Pecúnia
— Do latim pecunia, de ecus, sempre
foi empregado em sentido técnico do
Direito ou da Economia, para designar o
dinheiro ou a moeda. Dele, com a mesma significação, forma-se o pecuniário,
para qualificar tudo o que concerne ao
dinheiro ou à pecúnia.”
527
PEREIRA. Op. Cit. p.17. Daí a patrimonialidade da obrigação na seara privada, conforme será examinado a seguir.
528
De fato, no mundo ideal não seria
necessária a exigência de que o sujeito passivo cumprisse as denominadas
obrigações acessórias, que em última
instância objetivam garantir o correto
pagamento dos tributos, nem a previsão de sanções objetivando desestimular ou coibir a possibilidade de
infração.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
diferenciado. Conforme será examinado abaixo, a relação jurídica tributária
pode possuir três causas remotas529 distintas, de acordo com o CTN: (1)
o dever de pagar (1.1) o tributo ou (1.2) a penalidade expressa em moeda
corrente, o que faz nascer uma relação de caráter patrimonial, qualificada
como obrigação de dar e denominada de principal pelo CTN; (2) a obrigação do sujeito passivo de realizar prestações positivas e negativas (“fazer” ou
“não fazer”), de natureza não patrimonial, nomeada de obrigação acessória
pelo mesmo Codex, as quais garantem o correto cumprimento da obrigação
principal e possibilitam o controle do sistema tributário pelo Fisco e, por fim,
(3) a relação constituída em função e em decorrência do descumprimento
do dever de pagar o tributo (item 1.1) ou de realizar as prestações positivas e
negativas anteriormente citadas (item 2).
A terceira modalidade de constituição da relação jurídica tributária somente ocorre no caso de infração imputável ao sujeito passivo da obrigação
tributária, de natureza primariamente administrativa e de caráter sancionatório, a qual redundará, de acordo com o determinado em lei, em penalidade
pecuniária de cunho patrimonial, consubstanciada em uma obrigação de dar,
nos termos acima citados.
Saliente-se, ainda, que o descumprimento530 da legislação tributária pode
ter ou não implicações criminais, dependendo do enquadramento do fato em
algum tipo penal531 bem como de seus desdobramentos em âmbito administrativo532 e judicial. Assim sendo, da mesma forma que o estudo jurídico da
extrafiscalidade pressupõe a compreensão da correlação entre o denominado
poder de polícia e o poder de tributar, a análise dessa terceira forma por meio
da qual a relação jurídica tributária se constitui, requer o exame da interface
entre esses poderes e o poder de punir.
Cumpre realçar que várias são as teorias que tentam explicar a essência ou
a natureza da relação tributária, desde a sua qualificação como simples relação de poder, destituída de qualquer outra fundamentação, sendo a norma
impositiva do tributo no Estado de Direito simples ordem sem a real natureza de lei533, até as teses que incorporam estruturas e disciplinas do direito
obrigacional privado para o Direito Tributário. Pode-se ainda destacar aquela
mais moderna, que vincula e estuda a relação jurídica tributária a partir do
enfoque e perspectiva constitucional, malgrado também qualificá-la e definila como modalidade de obrigação ex lege, não obstante deslocar o foco e
ênfase para o seu fundamento de validade, ao invés de se direcionar para o
instrumento ou o veículo normativo por meio do qual se manifesta.
Alcides Jorge Costa534 ao abordar o tema esclarece:
Antes de se iniciar o estudo da obrigação tributária é útil ter em mente que, no
Estado-Polícia, no qual o soberano tinha poder absoluto, o patrimônio público,
chamado Fisco, foi concebido como um ente dotado de personalidade, sujeito
529
Em sentido diverso, a causa próxima
ou imediata é a própria lei do ente político competente para instituir o tributo
e regulamentá-lo por meio de seu poder legislativo.
530
Conforme destaca Ricardo Lobo Torres, “Inconfundíveis o poder de punir e
o poder de tributar. Estremam-se pela
natureza e objetivo. O poder de punir,
atribuído ao Estado no pacto constitucional, destina-se a garantir a validade
da ordem jurídica. O poder de tributar,
restringindo a propriedade privada,
procura garantir ao Estado o dinheiro
suficiente para atender às necessidades
públicas. Aproximam-se entretanto,
por terem sede constitucional e por
se constituírem no espaço aberto pela
liberdade.” In. TORRES, Ricardo Lobo.
Curso de Direito Financeiro e Tributário.
11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
p. 231.
531
A Lei nº 8.137/90 tipifica os crimes
contra a ordem tributária e os artigos
168-A, 334 e 337-A do Código Penal
tipificam, respectivamente, o crime de
apropriação indébita previdenciária, os
crimes de contrabando e descaminho e
o de sonegação de contribuição previdenciária.
532
O Supremo Tribunal editou a Súmula
Vinculante nº 24 com o seguinte teor:
“Não se tipifica crime material contra
a ordem tributária, previsto no art. 1º,
incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes
do lançamento definitivo do tributo”.
De fato, de acordo com a jurisprudência tradicional do STF, HC 81.611,
HC 85185, HC 86120, HC 83353 e HC
85463, entre outros, falta justa causa
para ação penal na hipótese de lançamento do tributo pendente de decisão
definitiva em âmbito administrativo,
ou seja, enquanto estiver em curso o
contencioso administrativo não pode
ser proposta a ação penal.
533
Nesse sentido assevera Oto Mayer,
citado por Ricardo Lobo Torres, que “o
dever geral de o sujeito pagar impostos
é uma fórmula destituída de sentido
e valor jurídico”. In. TORRES. Op. Cit. p.
231.
534
COSTA, Alcides Jorge. Obrigação Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva. (Coordenador). Curso de Direito
Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 191.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
às regras de Direito Privado e, portanto, aos tribunais comuns. Essa concepção
protegia os cidadãos, pois lhes dava o direito de discutir, perante os tribunais
comuns, as questões patrimoniais que pudessem ter com o Estado. Assim, nessas
questões não havia mera submissão ao poder absoluto do soberano. Com o fim
do Estado-Polícia e o advento do Estado de Direito, o que não aconteceu em todos os países ao mesmo tempo e que sucedeu por caminhos variados, a chamada
doutrina do Fisco não podia mais prevalecer, por ter desaparecido o poder absoluto com o qual contrastava. Mas ainda era necessário proteger o contribuinte.
Os administrativistas alemães da parte final do século XIX e início do século
XX inclinavam-se por ver uma relação de poder entre o Estado e o contribuinte
quando se tratava da cobrança de tributos. Da mesma forma, na Itália houve
quem visse na relação tributária uma simples sujeição do contribuinte ao poder
do Estado. Foi o caso de Orlando, que concebia as leis instituidoras de impostos
como simples ordem, sem real natureza de lei. Foi também o caso de Lolini,
cujos escritos a respeito datam de 1912 e 1920 e, mais tarde, Di Paolo. A reação
a essa concepção veio por meio da assimilação da relação Estado-contribuinte à
relação obrigacional, conceito haurido no Direito Privado. Dessa maneira, não
prevaleceu a idéia de mera relação de poder, mas de uma relação obrigacional,
na qual os sujeitos de encontram em pé de igualdade. Dessa forma, novamente
o recurso a instituto do direito privado é utilizado como meio de proteção do
contribuinte. Hoje a noção de obrigação tributária está tão arraigada que sua
origem histórica é esquecida.
Na mesma linha, Hugo de Brito Machado535, ressalta que a relação entre o
Estado e as pessoas sujeitas à tributação não é uma simples relação de poder,
mas uma relação jurídica de natureza obrigacional, pois:
No Direito Tributário inegavelmente encontram-se as características do Direito Obrigacional, eis que ele disciplina, essencialmente, uma relação jurídica
entre um sujeito ativo (fisco) e um sujeito passivo (contribuinte ou responsável),
envolvendo uma prestação (tributo).
Ao explicitar essa doutrina, que conceitua o tributo como objeto de uma
relação obrigacional criada por lei, isto é, que desloca o núcleo da definição
da natureza da relação jurídica tributária para o vínculo obrigacional, ao invés do enfoque exclusivo na lei ou no poder que possibilita a sua imposição,
Ricardo Lobo Torres536 assevera e alerta que:
O núcleo da definição passou a ser o vínculo obrigacional, pois a relação
jurídica se firmava entre dois sujeitos — credor e devedor do tributo — que
se subordinavam à lei em igualdade de condições. O tributo, portanto, tinha
na lei a sua fonte ou causa, mas se definia principalmente em função do fato
535
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
Direito Tributário. 21 ed. rev. atual.
e ampl. São Paulo: Editora Malheiros,
2002. p. 54.
536
TORRES. Op. Cit. p. 231 a 233.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
gerador que dava nascimento à obrigação tributária, nova estrela na constelação
financeira (...). Corolário da tese central é a exacerbação formalista do poder
tributário, com a sua redução ao momento legislativo, vedada à Administração
qualquer parcela de discricionariedade; (...). A teoria da relação obrigacional
trouxe, contudo, algumas perplexidades. Não explicava, diante da questão da
soberania, como o Estado poderia, no ato de legislar, se colocar em relação de
igualdade com o contribuinte. Além disso, confundia o plano da norma e da
definição abstrata do fato gerador com o plano do contingente e da ocorrência
do fato gerador (vide p. 240). Finalmente, afastava o fenômeno tributário de
suas matrizes constitucionais, reduzindo-o ao campo da legislação ordinária e
confundindo-o com outras figuras de direito privado, mercê de sua absorção na
idéia de vínculo obrigacional.”
Em linha de pensamento diversa, Alcides Jorge Costa enfatiza:
A discussão sobre se a obrigação de direito privado e obrigação tributária se
identificam ou diferem não é meramente acadêmica. Se há identidade, as normas de direito privado aplicam-se à obrigação tributária. Caso contrário, não se
aplicam. A resposta a essa indagação é alcançada considerando-se existir, entre
obrigações de direito privado e obrigação tributária, identidade estrutural, mas
não funcional. Daí decorre que, em princípio, as normas legais concernentes à
obrigação de direito privado aplicam-se à obrigação tributária, exceto se, à vista
da diferença funcional, a aplicação não puder ou não dever ser feita. A isso se
acrescente o óbvio: se a lei tributária contiver regras específicas (o que ocorre
com freqüência em vista da diferença de função), aplicam-se estas e não as de
direito privado. A obrigação tributária é uma obrigação ex lege. Que significa
isso? A resposta liga-se à classificação das fontes das obrigações, assunto que
tem sido, desde os juristas romanos, objeto de controvérsia ainda não pacificadas. Não interessa, aqui, aprofundar esse debate. Basta dizer que se chamam de
fontes das obrigações os fatos que a produzem. A obrigação é uma relação jurídica e há de ter por fonte mediata sempre a lei. Mas não se fala em fonte nesse
sentido, porque, se o fizesse, não existiria qualquer dificuldade, uma vez que
sempre haveria uma só fonte, a lei. Acontece que entre a lei abstrata e geral por
natureza e a obrigação, relação jurídica particular, há sempre um fato, um ato
ou uma situação jurídica a cuja a lei liga o nascimento da obrigação. Quando se
fala de fonte da obrigação está se fazendo referência a esse fato, ato ou situação.
É nesse contexto que se busca classificar as fontes das obrigações. Como foi dito,
a matéria é controversa.
Após explicitar outras teses que enfatizavam o ato ou o procedimento administrativo de lançamento como o núcleo central da imposição, as quais
fundamentam a relação jurídica tributária em teorias procedimentais, maté-
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ria que será examinada na disciplina de Direito Tributário e Finanças Públicas III, Ricardo Lobo Torres537 esclarece que:
A doutrina mais moderna e mais influente estuda a relação jurídica tributária a partir do enfoque constitucional e sob a perspectiva do Estado de Direito,
estremando-a das relações jurídicas do direito privado: a sua definição depende
da própria conceituação do Estado. Assim pensam, entre outros, K. Tipke e Birk
na Alemanha e F. Escribano na Espanha.
Claro que, apesar da abordagem constitucional do problema, a relação jurídica tributária continua a se definir como obrigação ex lege. Mas sua origem
legal se complementa e se equilibra com os momentos ulteriores do exercício do
poder de administrar e do poder de julgar as controvérsias surgidas da aplicação
da lei, sem os quais não se forma, na vida real, o vínculo de direito. (...)
A imbricação constitucional da relação tributária orienta a sua problemática
para o campo das conexões entre a receita e os gastos públicos, dado importantíssimo na atual fase das finanças públicas. A relação jurídica tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais declarados
na Constituição. Nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela
liberdade individual ao poder impositivo estatal.
A relação jurídica tributária qualificada nos termos apontados por Ricardo
Lobo Torres permitem, por um lado, (1) a contenção do exercício do poder
de tributar, que já surge subordinado aos direitos e garantias fundamentais,
o que confere relevância aos aspectos essenciais da liberdade do cidadão e da
segurança jurídica visando neutralizar a superioridade da parte mais forte
da relação, matéria a ser examinada a partir da Aula 14, quando se inicia o
estudo das denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar, e,
ao mesmo tempo, (2) afasta o formalismo normativista, que limita e restringe de forma extremada e exacerbada a atuação e o papel do Estado Juiz na
interpretação e aplicação do Direito e do Estado Administração no exercício
dessas mesmas funções e, ainda, em especial, na realização de sua função
normativa regulamentar.
Nesse momento é oportuno destacar que o enquadramento e a aplicação
da disciplina jurídica das relações obrigacionais de direito privado às relações
tributárias, sem temperamentos e adaptações, abrem amplo espaço ao cometimento de abusos por parte daqueles sujeitos passivos que praticam atos e
negócios jurídicos sem o essencial propósito negocial. Nesse passo, agindo
com o objetivo único de evitar ou obstar538 a ocorrência do fato gerador da
obrigação tributária ou de seus elementos constitutivos, não pagar impostos
de acordo com as respectivas capacidades contributivas e em consonância
com a desejável justiça fiscal entre aqueles que se encontram em situação econômica equivalente, o que sobrecarrega a carga tributária daqueles que não
537
TORRES. Op. Cit. p. 233.
538
O parágrafo único do artigo 116 do
Código Tributário Nacional utiliza a
expressão dissimular, dispositivo que
para alguns doutrinadores representa
verdadeira norma geral antielisiva enquanto para outros apenas a aplicação
no campo tributário da vedação à simulação, tão conhecida no âmbito direito
privado, matéria que será examinada
ao longo do curso.
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podem ou não se dispõem a praticar atos que visam exclusivamente à redução
do ônus tributário.
A matéria é complexa e controvertida, haja vista a inquestionável necessidade de garantir igualdade material e justiça fiscal ao mesmo tempo em que
seja também assegurada a adequada segurança jurídica, amplo estímulo e
elevado grau de liberdade na escolha da melhor estrutura para o exercício da
atividade econômica, razão pela qual a questão merece novas abordagens ao
longo de todo o curso.
13.1 A ESTRUTURA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E OS ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Nos mesmos termos de qualquer outra relação jurídica, que une pessoas em face de um objeto, a relação jurídica tributária liga o sujeito ativo
e o sujeito passivo em torno três espécies de prestações (dar, fazer ou não
fazer ou tolerar algo), por três fundamentos distintos, conforme já salientado acima.
De acordo com o CTN, a relação jurídica tributária pode ter caráter patrimonial — ou não — e possuir como causas remotas: (1) o dever de pagar
(1.1) o tributo ou (1.2) a penalidade de caráter pecuniário; (2) a obrigação
de fazer ou não fazer, isto é, de realizar prestações positivas ou negativas de
caráter não patrimonial, exigidas com o objetivo de garantir o adimplemento
das prestações pecuniárias, ou (3) o descumprimento do dever de pagar o
tributo (item 1.1) ou de realizar as prestações positivas e negativas anteriormente citadas (item 2).
A primeira forma em que se manifesta a relação jurídica tributária, que
tem por objeto o dever de pagar o tributo ou a penalidade pecuniária, é designada pelo §1º do artigo 113 do Código Tributário Nacional (CTN) como
obrigação principal. A característica fundamental dessa primeira modalidade
em que se consubstancia e se desdobra a relação jurídica tributária é a sua
natureza patrimonial e pecuniária, atributos tanto do pagamento do tributo,
que é uma das formas de extinção do crédito tributário, nos termos do art.
156, I, do CTN, como do pagamento da penalidade expressa em unidades
monetárias, seja ela decorrente de inadimplemento do dever de pagar o tributo como aquela incidente em função do descumprimento das denominadas
obrigações acessórias, a serem abaixo explicitadas.
Dessa forma, o conceito de obrigação principal não se confunde com
aquele utilizado pelo próprio CTN539 para definir o tributo, o qual não compreende a prestação pecuniária compulsória que constitua sanção de ato ilícito. De fato, apesar de não se enquadrar no conceito do artigo 3º do CTN a
multa fiscal é um dos objetos da obrigação principal, ao lado do pagamento
539
Dispõe o art. 3º do CTN: “Tributo é
toda prestação pecuniária compulsória,
em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção
de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada”. Ricardo Lobo
Torres entende que a Carta de 1988
constitucionalizou a definição fixada
pelo CTN, não podendo a legislação
infraconstitucional modificar o seu
conceito, ressaltando o jurista, no
entanto, que: “nem por isso se poderá
considerá-la imune a complementações. A grande utilidade da definição
consiste justamente em servir de pauta
de interpretação para o conceito constitucional, pelo que necessita ela própria
de interpretações e de contacto com
outras definições e conceitos tributários. Ademais, a definição do nosso
Código Tributário tem origem doutrinária, pois se baseou fundamentalmente
em conceitos positivistas, inteiramente
superados. E, ainda mais, apresenta o
defeito imenso de se apegar ao critério
de definir segundo o gênero próximo,
sem atentar para as diferenças específicas: os elementos da compulsoriedade
e da atividade vinculada, por exemplo,
embora sejam essenciais à noção de
tributo, pertencem a outras categorias
de entrada, como os preços públicos e
multas.” In. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. IV. Os Tributos
na Constituição. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2007. p.22. Dessa forma, o artigo 3º não apresenta todos os elementos do tributo, apesar de todos aqueles
por ele apontados serem essenciais.
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do tributo, possuindo, ambos, portanto, caráter patrimonial e pecuniário,
características essenciais da denominada obrigação principal.
Não obstante os distintos fundamentos de validade, do poder de punir e
do poder de tributar, conforme salientado em nota acima, e apesar da multa
fiscal não ser tributo, consoante o disposto no artigo 3º do CTN, a obrigação
de pagar a penalidade pecuniária (a multa fiscal) tem natureza tributária. Essa
opção do CTN, uma aparente contradição, visa a submeter tanto a cobrança
do tributo como a das multas ao mesmo regime jurídico tributário, seja a
penalidade pecuniária exigível em decorrência do inadimplemento do dever
de pagar o próprio tributo seja em função do descumprimento das denominadas obrigações acessórias, o que permite a aplicabilidade de diversas regras
favoráveis aos denominados créditos fiscais.
A segunda modalidade em quê se constitui e desdobra a relação jurídica
tributária tem natureza instrumental, viabilizadora do correto pagamento do
tributo e da higidez do sistema tributário, denominada de obrigação acessória,
pelo §2º do mesmo artigo 113 do CTN. Incluem-se no conceito de obrigação
acessória tanto as denominadas prestações positivas, assim qualificadas por
consistir num fazer (ex: emitir a nota ou o cupom fiscal, preencher e encaminhar a declaração de rendimentos anualmente ou das operações e prestações
realizadas, etc), como as obrigações de não fazer algo, designadas como prestações negativas (ex: não rasurar os documentos fiscais, a vedação de realizar
importações proibidas, o que aproxima a relação jurídica tributária atinente
ao imposto de importação ao poder de polícia expresso por meio da denominada pena de perdimento, a proibição de transportar mercadorias sem os
respectivos documentos fiscais, o dever de tolerar o exame em livros, arquivos
e documentos comprobatórios da atividade econômica realizada etc).
Repise-se, ainda, que o não cumprimento da obrigação principal (deixar
de pagar o tributo) assim como o inadimplemento pelo sujeito passivo de
obrigação acessória (não emitir nota ou cupom fiscal, não escriturar os livros
fiscais, não prestar as informações exigidas etc), impõe ao Fisco o dever de
propor as penalidades cabíveis, por meio da lavratura do denominado auto
de infração ou de notificação de lançamento de ofício540, inclusive no que se
refere àquela de natureza pecuniária prevista como sanção ao descumprimento da obrigação acessória. Nessa hipótese não há espaço para a realização de
juízo de conveniência e de oportunidade, característica dos atos discricionários, pois a atividade da Administração Tributária é plenamente vinculada à
lei, nos termos do parágrafo único do artigo 142 do CTN, razão pela qual a
causa motivadora da já citada terceira modalidade em que a relação jurídica
tributária se constitui, de natureza sancionatória, pressupõe o descumprimento de alguma das prestações tributárias exigíveis, de natureza patrimonial
e pecuniária (o pagamento do tributo) ou de caráter instrumental (obrigação
acessória). Pelo exposto, constata-se que essa terceira modalidade de cons-
540
O Código Tributário Nacional prevê
nos seus artigos 147 a 150 três modalidades de lançamento: 1) lançamento
por declaração (Art. 147 CTN); 2) lançamento de ofício (Art. 148 e 149), efetuado nas hipóteses descritas no artigo
145 c/c 149, abrangendo a revisão do
lançamento anteriormente efetuado
(Art. 149) e o arbitramento (Art. 148) e ,
por fim, 3) lançamento por homologação (Art. 150). A jurisprudência gaúcha,
como será visto adiante, procurando
adequar as modalidades de lançamento previstas no CTN, formuladas para a
realidade brasileira das décadas de 60
e 70, à realidade do Brasil moderno,
caracterizado por elevado números de
contribuintes e grande velocidade na
troca de informações e registros eletrônicos, prevê, também, na hipótese de
imposto caracterizado por fato gerador
periódico, consubstanciado em uma situação jurídica, uma outra sub-espécie
de lançamento: “lançamento ¨direto¨,
periódico e rotineiro” (Apelação cível
nº 70002607448- Relator: Des. Roque Joaquim Volkweiss — Primeira
Câmara Cível- Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul)
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tituição da relação jurídica tributária somente ocorre no caso de infração
imputável ao sujeito passivo da obrigação tributária, de natureza primariamente administrativa e de caráter sancionatório.
Conforme já explicitado, a relação jurídica tributária, da mesma forma
que as outras relações jurídicas, surge quando ocorre na realidade concreta
aquela hipótese genérica (indeterminada quanto às pessoas a que se dirige) e
abstrata (indeterminação quanto aos casos a que se aplica) prevista na norma
jurídica. Nesse sentido, a lei tributária estabelece (plano normativo tributário) determinado evento, por meio do qual se exterioriza capacidade econômica (patrimônio, renda ou consumo), como condição necessária e suficiente
para constituir a relação, a qual se consubstancia e concretiza juridicamente
caso verificada a sua ocorrência, o que pode ser uma situação de fato ou uma
situação jurídica, a teor do artigo 116 do CTN.
A relevância da diferenciação entre as duas situações (“de fato” ou “jurídica”) decorre dos diferentes momentos em que se considera ocorrido o fato
gerador, isto é, “a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua
ocorrência”, nos termos do artigo 114 do CTN. A identificação temporal
do fato gerador, o momento de sua ocorrência, é, por sua vez, essencial para
determinar o regime jurídico (ex: alíquota, base de cálculo etc) aplicável à
obrigação tributária principal correspondente, haja vista a possibilidade de
alteração da norma ao longo do tempo. De fato, o lançamento, que será objeto de breve análise abaixo, de acordo com o disposto no caput do artigo 144
do mesmo CTN, reporta-se à data da ocorrência do fato gerador e rege-se
pela lei então vigente, ainda que posteriormente a lei tributária disciplinadora seja modificada ou revogada (tempus regit actum). Assim, a identificação do
momento em que ocorre o fato gerador é requisito à determinação do regime
jurídico aplicável ao lançamento do tributo.
No que se refere à obrigação principal, parece-nos que se enquadra como
situação de fato, a que se refere o inciso I, do citado artigo 116, por exemplo,
“a saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro
estabelecimento do mesmo titular”, a ensejar incidência do ICMS, nos termos
do artigo 12 da Lei Complementar nº 87/96, a “entrada” de produtos estrangeiros em território nacional, situação que determina a incidência do imposto de importação, nos termos do artigo 19 do CTN, o “faturamento” da sociedade empresaria, hipótese de incidência da COFINS e do PIS, nos termos
do artigo 195, I, “b” da CR-88, etc. Nesse sentido, aponta o Dicionário De
Plácido e Silva, 541 ao definir as expressões fatura, faturar e faturamento.
Repise-se, a relação jurídica tributária também pode surgir com a ocorrência no mundo real daquele ato, fato, negócio ou situação jurídica542 prévia e
genericamente prevista em lei abstrata, constitucionalmente fundamentada,
a qual juridiciza determinado evento que, posteriormente, a norma tributária, por sua vez, identifica como manifestação de riqueza (capacidade con-
541
SILVA. Op. Cit. p. 230. “Fatura. Do
latim factura, de facere (fazer) significando feitio, quer indicar todo ato de
fazer alguma coisa. Desse modo fatura
e feitura equivalem-se, pois que ambos
exprimem o ato ou ação de fazer ou
executar alguma coisa. Fatura. Na técnica jurídico-comercial, no entanto, é
especialmente empregado para indicar
a relação de mercadorias ou artigos
vendidos, com os respectivos preços
de venda, quantidade e demonstrações
acerca de sua qualidade e espécie, extraída pelo vendedor e remetida por ele
ao comprador. A fatura, ultimando a
negociação, já indica a venda que se realizou. Na técnica mercantil a fatura se
distingue da conta-corrente, do pedido
de mercadorias e das notas parciais. A
fatura é o documento representativo
da venda já consumada ou concluída, mostrando-se o meio pelo qual o
vendedor vai exigir do comprador o
pagamento correspondente, se já não
foi paga e leva o correspondente recibo
de quitação. E quando a venda se estabelece para o pagamento a crédito ou
em prazo posterior, a fatura é elemento
necessário para extração de duplicata
mercantil, desde que caso de sua feitura obrigatória. (...) Faturar. Derivado
de fatura, quer significar o ato de se
proceder à extração ou formação da
fatura, a que se diz propriamente de
faturamento.”
542
BARROSO, Luis Roberto. O Direito
Constitucional e a Efetividade de
suas Normas. 6. ed. Rio de Janeiro:
Editora Renovar, 2002. p. 81. Após
apresentar a teoria tridimensional
do Direito de Miguel Reale, aponta o
professor fluminense: “As regras de direito, portanto, consistem na atribuição
de efeitos jurídicos aos fatos da vida,
dando-lhes um peculiar modo de ser.
O direito elege determinadas categorias de fatos humanos ou naturais e
qualifica-os juridicamente, fazendo-os
ingressar numa estrutura normativa.
A incidência de uma norma legal sobre
determinado suporte fático converte-o
em um fato jurídico. Identificam-se, por
conseguinte, como realidades próprias
e diversas o mundo dos fatos e o mundo
jurídico. Os fatos jurídicos resultantes
de uma manifestação de vontade denominam-se atos jurídicos. Cifrando o
objeto de nosso estudo, tem-se que os
atos jurídicos — e, ipso facto, os atos
normativos de todo grau hierárquico
— comportam análise científica em
três planos distintos e inconfundíveis:
o da existência, o da validade e o da
eficácia.”
FGV DIREITO RIO
252
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tributiva). Nesse caso, a lei tributária, em circunstâncias específicas por ela
determinada, qualifica os mesmos atos, fatos, negócios ou situações jurídicas
como hipóteses de incidência de tributo, o que faz nascer a relação tributária
entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, como ocorre, por exemplo, na hipótese da propriedade de determinados bens, situação jurídica ou instituto
qualificado e disciplinado pelo Código Civil (ex: propriedade de um veículo
automotor, de um imóvel predial territorial urbano ou de imóvel territorial
na zona rural) ou a sua transmissão causa mortis ou entre vivos, a título
gratuito ou oneroso, hipóteses também reguladas pelo mesmo Codex (ex: a
transmissão da propriedade em decorrência de um fato natural causa mortis
ou de um ato voluntário a título gratuito entre vivos fazem nascer a obrigação
tributária relativamente ao ITCMD), etc. Nessas hipóteses, a lei tributária
se utiliza de situações previamente qualificadas e disciplinadas pelo ordenamento jurídico para identificar e caracterizar o fato gerador da obrigação, o
que, como visto, é essencial para a definição do seu aspecto temporal, o qual,
por sua vez, fundamenta a mencionada fixação do regime jurídico aplicável
(tempus regit actum).
Com o surgimento da relação jurídica, por força da ocorrência do fato gerador, nasce a obrigação tributária543 correspondente, a qual possui múltiplas
significações possíveis segundo a doutrina.544 Em termos gerais, é possível
identificar duas grandes linhas de pensamento, com variantes em relação aos
seus desdobramentos, tanto na seara privada como pública.
A primeira, em acepção ampla, fundamenta-se na dicotomia entre o Direito de um lado e a obrigação de outro, razão pela qual, conforme ensina o
professor Washington de Barros Monteiro545:
Direito e obrigação constituem realmente, os dois lados da mesma medalha,
o direito é o avesso do mesmo tecido. Sob esse aspecto, numa imagem feliz,
houve quem afirmasse que as obrigações são como as sombras que os direitos
projetam sobre a vasta superfície do mundo.
Ressalta o mesmo autor, no entanto, que sob o ponto de vista técnico,
no âmbito do Direito Obrigacional, o seu conceito é diverso, e após salientar a existência de vários sentidos e características, conclui que “efetivamente, obrigação é a relação jurídica de caráter transitório”546, já que não pode
“ocorrer a perpetuidade”, mas sempre estabelecida “entre duas pessoas, credor e devedor”, razão pela qual tem natureza pessoal, com a peculiaridade
de, no caso de inadimplemento, “induzir responsabilidade patrimonial do
devedor” 547, já que o objeto da obrigação — a prestação — “há de ser sempre
suscetível de aferição monetária; ou ela tem fundo econômico, pecuniário,
ou não é obrigação, no sentido técnico legal”. Ao lado do duplo sujeito (elemento subjetivo) e do objeto (elemento material — prestação de dar, fazer
543
Nos termos a seguir salientados, parte da doutrina entende que o surgimento da obrigação tributária dependeria
da pratica de um ato complementar,
o denominado lançamento do tributo,
fundamentando-se na premissa de que
caso a obrigação existisse seria possível
pagá-la desde o seu nascimento, sem
a necessidade da pratica de qualquer
outro ato. Em contraposição a doutrina
majoritária entende que obrigação tributária que nasce com o surgimento da
relação jurídica tributária encontra-se
em sua fase ilíquida, ou seja, a obrigação já existiria, mas pendente de liquidação para tornar o crédito tributário
exigível.
544
Sobre o assunto vide, entre outros:
AMARO, Luciano. Direito Tributário
Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Saraiva, 2005.p. 243245; COSTA, Regina Helena. Curso de
Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo:
Editora Saraiva, 2009. pp. 172-177.
545
MONTEIRO, Washington de Barros.
Curso de Direito Civil. Direito das
Obrigações. 10 ed. São Paulo: Saraiva,
1975. p. 3.
546
MONTEIRO. Op. Cit. p.8.
547
MONTEIRO. Op. Cit. p.9.
FGV DIREITO RIO
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
ou não fazer), o vínculo jurídico comporia o terceiro elemento essencial da
obrigação, posto unir os dois sujeitos em torno ou por causa da prestação, e
fixar, ao mesmo tempo, o dever de a pessoa obrigada cumprir ou realizar a
prestação (debitum), bem como estabelecer a sua responsabilidade, em caso
de inadimplemento (obligatio), isto é, a submissão de seu patrimônio como
garantia de última instância.
Nesse sentido a obrigação, estabelecida entre o devedor e o credor, seria,
para o Washington de Barros Monteiro 548, a própria relação jurídica, sempre
de caráter patrimonial, transitória, cujo objeto consistiria em uma prestação
pessoal econômica, positiva ou negativa, sendo o patrimônio do devedor a
garantia do seu adimplemento. Percebe-se, desde já, que a obrigação assim
qualificada, inviabiliza ou pelo menos causa perplexidade diante do que se
disse anteriormente quanto ao determinado pelo CTN (no artigo 113), especificamente no que se refere aos denominados deveres instrumentais do
contribuinte (ex: a emissão da nota fiscal etc.), posto qualificá-los como obrigações — tributárias acessórias -, apesar da não possuírem caráter patrimonial nem serem expressas em unidades monetárias.
Inúmeros autores549, entretanto, apesar de mantida a patrimonialidade
e a estrutura dos elementos constitutivos, dissociam o conceito de relação
daquele aplicável à obrigação, ao caracterizá-la, a obrigação, como vínculo
jurídico, fundamentando o argumento a partir da etimologia da palavra:
O recurso à etimologia é bom subsídio: obrigação, do latim ob + ligatio,
contém uma idéia de vinculação, de liame, de cerceamento da liberdade de ação,
em benefício de pessoa determinada ou determinável (...)
É certo que alguns se insurgem contra o laço ou o vínculo, ali referido,
preferindo substituir-lhe “relação ou situação jurídica”. Inevitável retorno
faz, entretanto, sentir na obrigação a idéia de vinculação, acentuada nas
Institutas: (...) obrigação é o vínculo jurídico ao qual nos submetemos coercitivamente, sujeitando-nos a uma prestação (...) A predominância do
vinculum iuris é inevitável. Cremos que as tentativas de substituí-lo pela
idéia de relação não passam de anfibologia, já que na própria relação obrigacional ele revive (...)
Também nós, procurando um meio sucinto, definimo-la, sem pretensão de
originalidade, sem talvez elegância do estilo e sem ficarmos a cavaleiro das críticas: obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir
de outra uma prestação economicamente apreciável.(...)
Por outro lado, e numa segunda ordem de idéias, a vida social conhece números atos cuja realização é indiferente ao direito. Se a obrigação pudesse ter
por objeto prestação não-econômica, faltaria uma separação nítida entre ela e
aqueles atos indiferentes, e é precisamente a pecuniariedade que extrema a obrigação em sentido técnico daqueles deveres que o direito institui, numa órbita
548
MONTEIRO. Op. Cit. p.3-10.
549
PEREIRA, Op. Cit. p.2-5 e 17.
FGV DIREITO RIO
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
diferente, como exempli gratia, a fidelidade recíproca dos cônjuges, imposta pela
lei, porém exorbitante da noção de obrigação.
Caracterizada como a própria relação jurídica, como visto anteriormente,
ou como o vínculo jurídico, a obrigação de natureza privada sempre gira em
torno de uma prestação de caráter patrimonial passível de ser expressa em
unidades monetárias.
Assim sendo, pode-se concluir que, ou o CTN qualifica indevidamente o
dever instrumental como obrigação acessória, posto envolver exigência não
patrimonial, ou, em sentido diverso, não há vinculação necessária entre o
conceito de obrigação atribuído pelo direito privado àquele aplicável na seara
tributária, haja vista que no direito tributário a patrimonialidade não consubstancia elemento ou requisito necessário à constituição do vínculo obrigacional, seja por que: (1) a Constituição da República de 1988, fundamento
de validade de todo ordenamento jurídico, por meio de seu artigo 146, III,
“b”, autorizou a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de
legislação tributária, especialmente sobre “obrigação tributária”, e o CTN definiu o instituto para efeitos tributários de forma distinta daquele construído
no campo privado, ou (2) pelo fato de que a obrigação não constitui uma
categoria jurídica axiomática da Teoria Geral do Direito, aplicável a todos
os seus ramos indistintamente, mas sim um instituto cujas características e
contornos são fixados pelo próprio Direito positivo em cada circunstância específica. Essa questão é controvertida na seara tributária, conforme identifica
Regina Helena Costa550:
Lembraremos primeiro, os ensinamentos da doutrina que leva em consideração as construções teóricas laboradas no âmbito do Direito Civil, a qual salienta
a patrimonialidade do vínculo obrigacional. Assim é que, invocando a clássica
lição civilista, “obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa
pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável.
De acordo com tal ótica, pode-se vislumbrar, no âmbito tributário, duas
espécies de relações jurídicas.
A primeira delas é a relação jurídica obrigacional ou obrigação tributária,
consubstanciada no vínculo abstrato que surge pela imputação normativa, mediante o qual o sujeito ativo ou credor — o Fisco — pode exigir do sujeito
passivo ou devedor — o contribuinte — uma prestação de cunho patrimonial
denominada tributo.
A segunda modalidade de relação jurídica é a relação de cunho não obrigacional, vale dizer, o vinculo abstrato que surge pela imputação normativa mediante o
qual o sujeito ativo ou o Fisco pode exigir do sujeito passivo ou contribuinte uma
prestação consistente na realização de um comportamento, positivo ou negativo,
destinado a assegurar o cumprimento da obrigação tributária. Essa modalidade
550
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código
Tributário Nacional. São Paulo: Editora
Saraiva, 2009. pp. 172-177.
FGV DIREITO RIO
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
de relação jurídica diz com expedientes destinados à fiscalização da conduta dos
contribuintes, mediante a imposição de deveres instrumentais ou formais.
José Souto Maior Borges, no entanto, não vê desse modo os vínculos existentes
em matéria tributária, construindo doutrina distinta. Ensina que a obrigação não
constitui uma categoria lógico-jurídica, mas jurídico-positiva, e, portanto, incumbe
ao direito positivo definir os requisitos necessários à identificação de um dever jurídico qualquer como sendo um dever obrigacional. Daí que a patrimonialidade será
ou não um requisito da obrigação, conforme esteja pressuposta ou não em norma
de direito obrigacional. Segundo seu raciocínio, portanto, a obrigação é um dever
jurídico tipificado no Código Tributário Nacional e, assim, terá o perfil que este traçar, não cabendo aplicar-se o regime jurídico das obrigações em outros quadrantes
do Direito, revestidas que estão das características próprias desses domínios, como
é o caso, por exemplo, da patrimonialidade. Revendo a orientação que vínhamos
adotando, entendemos que tal pensamento expressa de modo mais adequado o
modo pelo qual o direito positivo trata da obrigação tributária. (...) Lembre-se, também, não incidir na hipótese a vedação contida no art. 110, CTN, segundo a qual
a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente pela
Constituição da República, uma vez que o texto fundamental não utiliza o conceito
de obrigação apenas com o perfil que lhe atribui o direito privado.
De fato, consoante o disposto no artigo 110 do CTN, pode o Direito
Tributário alterar o conceito de obrigação porventura cristalizado no Direito
Privado, considerando que o mesmo não foi utilizado, expressa ou implicitamente, pelas leis tributárias dos entes políticos para limitar ou definir
competências tributárias, conforme se extrai do dispositivo por meio de uma
interpretação a contrario sensu.
Nesse passo, pode-se concluir que o CTN, com fundamento no indigitado artigo 146, III, “b” da CR-88, utiliza a expressão obrigação como
gênero, podendo a relação jurídica e, por conseguinte, o vínculo obrigacional
tributário, assumir caráter patrimonial ou não patrimonial. No primeiro caso
o objeto da prestação é o pagamento de tributo ou a penalidade pecuniária
(obrigação principal), nos termos do citado artigo 113, §1º, do CTN, já na
segunda hipótese trata-se de ato comissivo ou omissivo, prestações positivas
ou negativas (fazer ou não fazer), denominada de obrigação acessória.
Assim sendo, as expressões obrigação principal e obrigação acessória são utilizadas de formas distintas se comparados os seus conteúdos e conseqüências
no âmbito do Direito Privado Obrigacional e do Direito Tributário.
Para os civilistas, a coisa acessória pressupõe a existência de uma principal,
e aquela sempre segue o destino dessa última (“o acessório segue o principal”).
Caso determinada obrigação principal seja nula, na seara privada, o mesmo
destino é reservado à respectiva cláusula penal, expressão da multa exigível,
FGV DIREITO RIO
256
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
pois se não há obrigação principal ou esta é nula, não subsiste a obrigação
acessória a ela correlata.
Em Direito Tributário, de forma diversa, conforme já salientado acima,
a penalidade pecuniária, inclusive os seus consectários, juros (moratórios ou
não) e a correção monetária, ao lado do próprio tributo exigível, é considerada obrigação tributária principal, assim qualificada tão somente por ser sempre obrigação de dar dinheiro. Portanto, o simples descumprimento de uma
obrigação acessória, a ensejar a lavratura de auto de infração e a cobrança de
multa fiscal, pode dar nascimento à obrigação principal, a qual compreende,
também, a penalidade pecuniária. Nesse sentido, a qualificação de determinada obrigação tributária como principal depende apenas de sua natureza
pecuniária e patrimonial. De fato, da mesma forma que a obrigação principal
pode nascer direta e exclusivamente em função do inadimplemento do dever
de cumprir a obrigação acessória, a exigibilidade desta pode nascer independentemente da existência de obrigação principal que lhe dê causa, razão pela
qual o CTN distingue, nos artigos 114 e 115, o fato gerador da obrigação
principal daquele a ensejar o nascimento da obrigação acessória. Essa última
hipótese mencionada, de exigibilidade de obrigação acessória desvinculada e
independente de obrigação principal ocorre, por exemplo, no caso de imunidade, matéria a ser analisada a partir do estudo das denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar. Nesse caso não há dever jurídico
da pessoa imune pagar tributo, pois o mesmo não chega a existir haja vista
não haver hipótese de incidência ou fato gerador para fazer nascer obrigação
principal. No entanto, o §1º do artigo 9º do CTN551 determina a indispensabilidade do cumprimento das obrigações acessórias assecuratórias do cumprimento de obrigações tributárias por terceiro, isto é, pode haver exigibilidade
do adimplemento de obrigação acessória por parte da pessoa imune sem que
haja a correspondente obrigação principal para a mesma pessoa.
Hugo de Brito Machado552 sintetiza as diversas etapas entre a criação do
tributo e o nascimento da obrigação tributária, bem como o problema de sua
natureza jurídica, nos seguintes termos:
A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato
gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de
alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária). O dever e o direito (no sentido de direito subjetivo)
são efeitos da incidência da norma. A obrigação tributária pode ser principal ou
acessória. O objeto da obrigação tributária principal, vale dizer, a prestação à qual
se obriga o sujeito passivo, é de natureza patrimonial. É sempre uma quantia em
dinheiro. Na terminologia do Direito privado diríamos que a obrigação principal
é uma obrigação de dar. Obrigação de dar dinheiro, onde dar obviamente não
551
Analogamente, relativamente ao
dever de cumprir a obrigação acessória,
prevê o parágrafo único do artigo 175
no que se refere à isenção, a qual, no
entanto, diversamente da imunidade, é
tratada pelo CTN como hipótese de exclusão do crédito tributário, ou seja, em
tese haveria o nascimento da relação
jurídica e da obrigação tributária, assim
como a constituição e a suspensão do
crédito tributário.
552
MACHADO. Op. Cit. p.109-113.
FGV DIREITO RIO
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tem sentido de doar, mas de adimplir o dever jurídico. O objeto da obrigação
acessória é sempre não patrimonial. Na terminologia do Direito privado diríamos
que a obrigação acessória é uma obrigação de fazer. Fazer em sentido amplo (...)
Quanto ao objeto, as obrigações em geral podem ser de dar e de fazer, compreendidas nestas últimas as positivas e negativas, isto é, as obrigações de fazer,
não fazer e tolerar. Esta é a classificação feita pela doutrina privatista. A obrigação tributária principal corresponde a uma obrigação de dar. Seu objeto é o
pagamento do tributo, ou da penalidade pecuniária. Já as obrigações acessórias
correspondem a obrigações de fazer (emitir uma nota fiscal, por exemplo), de
não fazer (não receber mercadoria sem a documentação legalmente exigida), de
tolerar (admitir a fiscalização de livros e documentos). Mas é conveniente lembrar o que se disse sobre o conceito de obrigação tributária e de sua distinção do
crédito tributário. A rigor, o que corresponde a uma obrigação de dar do direito
obrigacional comum é o crédito tributário. Tem-se, portanto, dificuldade na
determinação da natureza jurídica da obrigação tributária, que na verdade assume característica incompatível com os moldes do Direito Privado. Não chega a
ser uma obrigação, em rigoroso sentido jurídico privado, mas uma situação de
sujeição do contribuinte, ou responsável tributário, que corresponde ao direito postetativo do fisco de efetuar o lançamento. Quem admitir esse raciocínio
dirá que a obrigação tributária, quer principal ou acessória, e simples situação
de sujeição. Quem preferir ficar com o pensamento geralmente difundido nos
compêndios da matéria dirá que a obrigação tributária principal e obrigação de
dar, enquanto a acessória é obrigação de fazer, não fazer e tolerar.
Destaque-se que a doutrina em geral ao se referir ao plano normativo
denomina o evento previsto de forma genérica e abstrata de hipótese de incidência e, ao evento já ocorrido no mundo dos fatos, qualifica-o como fato
gerador. O CTN, por outro lado, não estabelece aludida diferenciação.
De forma gráfica pode-se sintetizar a questão nos seguintes termos:
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Importante destacar que a lei em sentido formal, expedida pelo Poder Legislativo, deve prever e disciplinar os denominados elementos da obrigação tributária,
os quais se subdividem em dois grandes grupos: os subjetivos e os objetivos.
Os sujeitos da relação jurídica tributária, aqueles que ocupam os dois pólos da relação, são qualificados pelo CTN, respectivamente, como sujeito
ativo (artigo 119), o qual pode exigir a prestação pecuniária e não pecuniária
e tem o dever de manter sigilo das informações a que tem acesso (artigo 198
do mesmo CTN), e o sujeito passivo553, (artigo 121 a 138), o qual deve cumprir com as prestações pecuniárias exigidas em lei e, também, com aquelas
não pecuniárias, já apresentadas e denominadas de obrigações acessórias ou
deveres instrumentais, as quais são fixadas na legislação tributária554, conceito mais amplo do que o de lei em sentido formal. Nesse sentido já firmou
jurisprudência o Superior Tribunal de Justiça ao decidir o Resp 724779:
REsp 724779 / RJ. RECURSO ESPECIAL. 2005/0023895-8
Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador T1 — PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento 12/09/2006
Data da Publicação/Fonte DJ 20/11/2006 p. 278
Ementa
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA. CONSOLIDAÇÃO DE BALANCETES MENSAIS NA DECLARAÇÃO ANUAL
DE AJUSTE. CRIAÇÃO DE DEVER INSTRUMENTAL POR INSTRUÇÃO NORMATIVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. COMPLEMENTAÇÃO
DO SENTIDO DA NORMA LEGAL.
1. A Instrução Normativa 90/92 não criou condição adicional para o desfrute do benefício previsto no art. 39, § 2º, da Lei 8.383/91, extrapolando sua
função regulamentar, mas tão-somente explicitou a forma pela qual deve se dar
a demonstração do direito de usufruir dessa prerrogativa, vale dizer, criando
o dever instrumental de consolidação dos balancetes mensais na declaração de
ajuste anual.
2. Confronto entre a interpretação de dispositivo contido em lei ordinária —
art. 39, §2º, da Lei 8.383/91 — e dispositivo contido em Instrução Normativa
— art. 23, da IN 90/92 -, a fim de se verificar se este último estaria violando o
princípio da legalidade, orientador do Direito Tributário, porquanto exorbitante
de sua missão regulamentar, ao prever requisito inédito na Lei 8.383/91, ou, ao
revés, apenas complementaria o teor do artigo legal, visando à correta aplicação
da lei, em consonância com o art. 100, do CTN.
3. É de sabença que, realçado no campo tributário pelo art. 150, I, da Carta
Magna, o princípio da legalidade consubstancia a necessidade de que a lei defi-
553
Conforme será estudado posteriormente, o sujeito passivo é qualificado
como gênero pelo CTN que compreende duas espécies: o contribuinte, o qual
possui relação pessoal e direta com o
fato gerador da obrigação tributária,
e o responsável, a quem a lei atribui o
dever de cumprir com as prestações,
apesar de não realizar pessoalmente o
ato, fato, negócio ou situação jurídica
descrita na norma como ensejadora da
exigência do tributo, pois pratica ou se
enquadra, apenas, no evento descrito
na norma como caracterizador da sujeição passiva indireta. Essa matéria será
examinada ao longo do curso.
554
O conceito de legislação tributária, a
teor do artigo 96 do CTN, abrange além
das leis em sentido formal também os
atos administrativos normativos, como
os decretos do chefe do Poder Executivo
e as normas complementares.
FGV DIREITO RIO
259
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
na, de maneira absolutamente minudente, os tipos tributários. Esse princípio
edificante do Direito Tributário engloba o da tipicidade cerrada, segundo o qual
a lei escrita — em sentido formal e material — deve conter todos os elementos
estruturais do tributo, quais sejam a hipótese de incidência — critério material,
espacial, temporal e pessoal -, e o respectivo conseqüente jurídico, consoante
determinado pelo art. 97, do CTN,
4. A análise conjunta dos arts. 96 e 100, I, do Codex Tributário, permite
depreender-se que a expressão “legislação tributária” encarta as normas complementares no sentido de que outras normas jurídicas também podem versar sobre
tributos e relações jurídicas a esses pertinentes. Assim, consoante mencionado art. 100, I, do CTN, integram a classe das normas complementares os atos
normativos expedidos pelas autoridades administrativas — espécies jurídicas de
caráter secundário — cujo objetivo precípuo é a explicitação e complementação
da norma legal de caráter primário, estando sua validade e eficácia estritamente
vinculadas aos limites por ela impostos.
5. É cediço que, nos termos do art. 113, § 2º, do CTN, em torno das relações jurídico-tributárias relacionadas ao tributo em si, exsurgem outras, de
conteúdo extra-patrimonial, consubstanciadas em um dever de fazer, não-fazer
ou tolerar. São os denominados deveres instrumentais ou obrigações acessórias,
inerentes à regulamentação das questões operacionais relativas à tributação, razão pela qual sua regulação foi legada à “legislação tributária” em sentido lato,
podendo ser disciplinados por meio de decretos e de normas complementares,
sempre vinculados à lei da qual dependem.
6. In casu, a norma da Portaria 90/92, em seu mencionado art. 23, ao determinar a consolidação dos resultados mensais para obtenção dos benefícios da
Lei 8.383/91, no seu art. 39, § 2º, é regra especial em relação ao art. 94 do mesmo diploma legal, não atentando contra a legalidade mas, antes, coadunando-se
com os artigos 96 e 100, do CTN.
7. Deveras, o E. STJ, quer em relação ao SAT, IOF, CSSL etc, tem prestigiado as portarias e sua legalidade como integrantes do gênero legislação tributária, já que são atos normativos que se limitam a explicitar o conteúdo da lei
ordinária.
Recurso especial provido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino
Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr.
Ministro Relator. Sustentou oralmente a Dra. MONICA ALBUQUERQUE
DE OLIVEIRA, pela parte recorrida.
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Assim sendo, a expressão “legislação tributária” é abrangente, compreendendo, não apenas a lei em sentido formal, expedida pelo Poder Legislativo,
de acordo com o processo legislativo constitucionalmente previsto para disciplinar as relações jurídicas em geral, mas também o regulamento e demais
atos normativos expedidos pela própria Administração Tributária que compõe o Poder Executivo. Dessa forma, a expressão lei tributária corresponde à
lei em sentido formal, ao passo que o termo legislação tributária corresponde
ao conceito amplo de lei em sentido material, isto é, engloba também o ato
administrativo normativo, o qual dispõe sobre relações jurídicas em caráter
genérico e abstrato, sem determinação das pessoas ou de caso específico a que
se aplica, ao contrário do ato de efeitos concretos.
Já o fato gerador ou hipótese de incidência, a base de cálculo e a alíquota
são os elementos objetivos da obrigação tributária, todos essenciais à identificação se há ou não relação jurídica tributária bem como para determinar o
quantum devido.
A qualificação de determinada relação como tributária — ou não — tem
relevância sob diversos aspectos, conforme já destacado na aula pertinente às
receitas públicas, pois define o regime jurídico aplicável ao caso concreto. Os
tributos, receita pública derivada, submetem-se a um regime jurídico especial que os diferencia daqueles aplicáveis às receitas públicas de natureza meramente contratual (pagamento de preço público ou tarifa), em especial no
que se refere à natureza do ato necessário para aumentar ou reduzir a carga ou
o preço da exigência (se qualificada como tributo exige-se a edição de lei, em
cumprimento ao princípio constitucional da legalidade), aos prazos de ações
de cobrança (prazo prescricional etc.), a disciplina da execução (aplicabilidade ou não da Lei nº 6.830/80 — Lei de Execução Fiscal) etc. Nesse sentido
merece destaque a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 447.536555:
555
Já o Superior Tribunal de Justiça
possui decisões em sentido diverso relativamente à cobrança a título de água
e esgoto, tais como no Resp 164489,
127960, 416383 e etc. De fato, a Súmula nº 412 do STJ estabelece: “A ação de
repetição de indébito de tarifas de água
e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil”. Rel.
Min. Luiz Fux, em 25/11/2009.
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13.2 AS DIVERSAS FASES DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA: NOÇÕES GERAIS
SOBRE O LANÇAMENTO E O CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Fixados os delineamentos essenciais da relação jurídica tributária bem
como dos elementos constitutivos da obrigação tributária, impõe-se agora
analisar de forma sucinta suas diversas fases.
Com visto, com a ocorrência do fato gerador — concretização da hipótese
abstrata e genérica prevista em lei — nasce a relação jurídica tributária. Entretanto, diverge a doutrina quanto à necessidade — ou não — de realização
de ato complementar para constituir a obrigação tributária e tornar o crédito
tributário exigível. Nesse sentido Reis Friede556, aponta as duas duas vertentes
doutrinárias:
(...) duas correntes doutrinárias destacam-se. A primeira, cujo principal expoente, em nosso entender, é Berlini, encara o lançamento como um ato constitutivo da obrigação tributária, sem o qual deixa de existir a mesma. A segunda
corrente, liderada pelo também italiano Giannini, defende a tese de ser o lançamento um ato de natureza meramente declaratório, que se reporta sempre, ao
momento da ocorrência do fato gerador.
Nesse toada, alguns autores sustentam a existência de duas modalidades
de tributos, os quais denominam de tributos com imposição e tributos sem
imposição. Nesse sentido, Estevão Horvath557 sustenta:
(...) existem tributos em que o ato de lançamento é meramente eventual (...)
tributos sem lançamento ou, como quer a doutrina estrangeira, tributos sem
imposição. Por isso parece mais apropriado denominar tributos com relação
aos quais o ato de lançamento é obrigatório aos “tributos com imposição”, e
tributos em relação aos quais este ato é eventual a aqueles cuja obrigação de pagar existe independentemente de qualquer atuação da Administração (tributos
sem imposição).
Nessa linha de intelecção, posicionou-se o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação e Reexame Necessário nº
70005314612, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, julgado em 20/11/02, Relator: Des. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS,
conforme acórdão abaixo transcrito:
“DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. LANÇAMENTO ANUAL ROTINEIRO,
COM DATA DE PAGAMENTO PREVISTA EM LEI: DESNECESSIDADE
DE SUA NOTIFICAÇÃO PESSOAL AO DEVEDOR. CDA QUE ENGLOBA,
NUM ÚNICO VALOR DÉBITOS RELATIVOS A VÁRIOS LANÇAMENTOS,
556
FRIEDE. R. Reis. Medidas Liminares
em matéria tributária. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1994. p.332
557
HORVATH, Estevão. Lançamento
Tributário e Autolançamento. São
Paulo: Dialética, 1997.
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E QUE OMITE A INDICAÇÃO DO LIVRO E DA FOLHA DA INSCRIÇÃO
DA DÍVIDA: NULIDADE.
1. Não se exige a notificação pessoal do sujeito passivo quando se tratar de lançamento anual rotineiro, com data de pagamento prevista em lei, como nos casos de
IPTU e de IPVA, já que o contribuinte não é tomado de surpresa quanto à efetivação
do seu lançamento. Em casos tais, a eventual remessa de carnês de pagamento ou
convocação geral pela imprensa (edital), constitui mera cortesia e lembrete do sujeito
ativo ao devedor, no interesse da agilização e efetivação da arrecadação. Diferentemente, quando se trata de lançamento de ofício, previsto no art. 149 do CTN, em
que o contribuinte é sempre tomado de surpresa, a notificação pessoal se faz absolutamente necessária, não podendo ser presumida. Voto divergente na fundamentação.
2. A CDA, constituindo título de crédito executivo autônomo, deve bastar-se a si
mesma, não admitindo, pois, valor único, representativo da soma de créditos relativos
a mais de um lançamento tributário, sob pena de nulidade, não só do título executivo,
mas também da respectiva ação de cobrança. Da mesma forma, dela deve constar a
indicação do livro e da folha da inscrição do crédito tributário, para que se tenha a
certeza de que houve seu prévio lançamento, tal como exigido pelo art. 142 do CTN,
e sua conseqüente inscrição em dívida ativa, para que não constem eles, apenas, de
anotações ou fichas internas da repartição. A necessidade de inscrição prévia da dívida
é exigência contida no § 3º do art. 2º da Lei nº 6.830/80, pela qual se faz o controle
administrativo da legalidade do lançamento havido. A não-observância dessas determinações afronta o art. 202 do CTN e os §§ 5º e 6º da Lei nº 6.830/80.
RECURSO DESPROVIDO E SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME, PELA CONCLUSÂO.
ACÓRDÃO
Acordam, à unanimidade, os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, negar provimento ao apelo e confirmar, a
sentença, em reexame necessário, pela conclusão.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Presidente/Revisor, e Irineu Mariani.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2002.
Des. Roque Joaquim Volkweiss,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Roque Joaquim Volkweiss (Relator) — Trata-se de apelação e de reexame necessário, aquela interposta pelo MUNICÍPIO DE SANTANA DO LIVRAMENTO, à sentença de fls. 100/105, que julgou procedente o pedido deduzido
por HUMBERTO RIBEIRO PEDROSO E OUTRA, deduzido nos embargos que
estes opuseram à execução fiscal que lhes move aquele, tendo por objeto IPTU e taxas
correlatas, relativos a 1988, 1990, 1991 e 1992 (cf. CDA substitutiva, de fl. 91
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dos autos da execução), extinguindo o feito executivo por falta de notificação dos
embargantes em relação aos lançamentos havidos, com a conseqüente condenação do
exeqüente ao pagamento das custas procesuais e honorários advocatícios, estes fixados
em R$ 500,00.
Aos embargos, ajuizados em 23/02/01, foi atribuído o valor de alçada.
Sustentam os embargantes, em sua inicial, carência de ação executiva por parte
do Município, por falta de regular notificação dos lançamentos havidos, prescrição relativa aos exercícios sob cobrança (de 1988, 1990, 1991 e 1992), pelo fato de
ter sido sua citação promovida somente em 06/02/96 (cf. fl. 22, verso, dos autos da
execução em apenso). No mérito, sustentam que a CDA incluiu num único valor os
débitos de todos os exercícios, tornando-a nula de pleno direito, além de não condizerem eles com a realidade, havendo, pois, excesso de execução e cobrança de juros
além dos limites legais.
Em impugnação, sustenta o Município ter havido regular notificação dos lançamentos, inocorrência de prescrição e legalidade na cobrança.
Inconformado, apela o Município da sentença, afirmando ter havido regular
notificação dos lançamentos, via edital afixado à porta do edifício da Prefeitura.
Em contra-razões, pedem os embargantes-apelados a manutenção da sentença.
Sem manifestação do MP de 1º e 2º graus, vieram-me os autos.
É o relatório, que submeto à douta revisão.
VOTOS
Des. Roque Joaquim Volkweiss (Relator) — Tem esta Câmara reiteradamente
entendido que, tratando-se de lançamento direto, sem a necessidade de participação do sujeito passivo respectivo, como nos casos de IPTU e de IPVA, a notificação respectiva é feita via própria lei, que já prevê a época do pagamento do
tributo, e que a publicação desse dia em jornais, ou a remessa de carnês, é mera
cortesia, ainda que direcionada a uma arrecadação mais rápida. Quanto ao lançamento de ofício, este sim, por tomar o devedor de surpresa, exige prévia notificação
(na verdade, intimação). Cita-se, como exemplo, a apelação cível nº 70002607448,
da qual fui relator, com a seguinte ementa:
”DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. LANÇAMENTO DE OFÍCIO: NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL. Exige-se a notificação pessoal
do sujeito passivo sempre que se tratar de lançamento ¨de ofício¨, como o efetuado por força de inclusão do imóvel no cadastro fiscal em razão de sua consideração como urbano, já que, em casos tais, o sujeito passivo é sempre tomado
de surpresa quanto à efetivação do lançamento, diferentemente do que ocorre
quando se trata de lançamento ¨direto¨, periódico e rotineiro, com data de pagamento legalmente prevista, caso em que, por estar o contribuinte já ciente
de que seu imóvel se encontra cadastrado como urbano, sujeito, portanto, ao
IPTU, a notificação pessoal se torna absolutamente desnecessária, constituindo,
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tanto ela como a eventual remessa de carnês de pagamento ou convocação geral
pela imprensa (edital), mera cortesia e lembrete do sujeito ativo, no interesse da
agilização e efetivação da arrecadação”.
Cita-se ainda, como exemplo, o precedente da AC nº 70004347860, julgado em
29/05/02, sendo relator o eminente Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick.
Pela razão acima, tenho que não cabia ao magistrado de 1º grau extinguir
o feito executivo.
Há, todavia, outras duas razões para a extinção do feito, em razão da nulidade
da CDA substitutiva (introduzida à fl. 91 dos autos da execução): de um lado, englobou ela, num único valor, os lançamentos de vários exercícios, e, de outro, omite
ela a indicação do livro e da folha da inscrição da dívida. Tais defeitos afetam irremediavelmente a validade do título, nos termos do art. 202 do CTN.
Este Tribunal já teve oportunidade de se manifestar a respeito da irregularidade
consistente em englobar dívidas, impedindo seu exame individual, citando-se o acórdão a seguir, proferido na apelação cível nº 70003046588:
“DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. CDA QUE ENGLOBA, EM
ÚNICO VALOR, MAIS DE UM LANÇAMENTO RELATIVO AO
MESMO TRIBUTO, E QUE, ADEMAIS, OMITE A INDICAÇÃO
DO LIVRO E DA FOLHA DA INSCRIÇÃO DA DÍVIDA: NULIDADE. A Certidão de Dívida Ativa (CDA), constituindo título de crédito executivo autônomo, deve bastar-se a si mesma, não admitindo,
pois, valor único, representativo da soma de créditos relativos a mais de
um ¨lançamento tributário¨, devendo cada ¨lançamento¨ corresponder a
uma inscrição própria, com a extração da respectiva certidão, sob pena
de nulidade, não só desta, mas também da respectiva ação de cobrança, por clara afronta ao disposto no art. 202 do CTN. Ademais, deve a
CDA indicar, nos termos do parágrafo único desse artigo, sob pena de
nulidade, além dos requisitos previstos em seu ¨caput¨, também o livro
e a folha da inscrição da dívida. Interpretação que se dá à Súmula nº 19,
deste Tribunal”.
Por outro lado, exige o parágrafo único do art. 202 do CTN que da CDA conste
a indicação do livro e da folha da inscrição do valor sob cobrança em dívida ativa,
precisamente para que se tenha a certeza de que houve seu prévio lançamento, tal
como exigido pelo art. 142 do CTN e sua conseqüente inscrição em dívida ativa,
para que não constem eles, apenas, de anotações ou fichas internas da repartição.
A necessidade de inscrição prévia da dívida é exigência contida no § 3º do art. 2º
da Lei nº 6.830/80, pela qual se faz o controle administrativo da legalidade do
lançamento havido. A falta desses elementos pode levar, inclusive, à presunção de
que sequer tenham tais tributos sidos previamente lançados. A respeito também já
decidiu este Tribunal (processos nºs 70003046588, 70002226801, 70001625334
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
e 70003571841), decretando a nulidade dos títulos nessas condições, e da ação de
cobrança respectiva.
Por essas razões, nego provimento ao apelo e declaro nula, de ofício, por fundamentos diversos dos utilizados pela sentença recorrida, a CDA juntada aos autos da
execução em apenso, bem como da ação de execução respectiva, prejudicado o apelo
do Município, restando confirmada, no mais, a sentença, em reexame necessário.
É o voto.
Des. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK (PRESIDENTE/REVISOR): De acordo.
Des. IRINEU MARIANI: A data prevista em lei para o fato gerador e, por
conseguinte, do lançamento, como acontece com os impostos periódicos, como
são o IPTU e o IPVA, não é igual à data para pagamento. Por outro lado, não
é o contribuinte que informa ao Fisco a matéria tributável. O contribuinte de
IPTU não sabe, por exemplo, qual a base de cálculo de que se valeu o Fisco, qual
a taxa aplicada, etc. Não dispõe sequer dos elementos para eventual impugnação
administrativa. Como admitir em tais circunstâncias que esteja fluindo o prazo
contra o contribuinte? A ser assim, no dia 02 de janeiro de cada ano, todos os
contribuintes de IPTU devem-se dirigir às Secretarias da Fazenda dos Municípios, bem assim os contribuintes do IPVA às Secretarias da Fazenda dos Estados.
Isso, à evidência, é impraticável. Como será, por exemplo, em São Paulo, Rio,
Porto Alegre, enfim, em todas as grandes cidades?Por isso, sempre entendi, com
a vênia do eminente Relator, que devemos distinguir fato gerador e lançamento
de data para o pagamento. A data para o pagamento e, por conseguinte, a data
para eventual impugnação começa com o recebimento do carnê, que também
funciona como notificação. Não há mora ex re que se baseia no princípio dies interpellat pro homine. A mora é ex persona. E imprescindível à notificação. Ora,
sabidamente, a emissão desse carnê-notificação é automática. É sempre expedido até
porque é do interesse do credor.
Portanto, impunha-se provar em contrário, e não fazer simples alegação.
Por outro lado, em tais casos, não há necessidade de um ato formal ou material do lançamento. Ele acontece automaticamente, por força de lei, ou como
está na moda dizer, acontece em “termos virtuais”.
Outra vez, é impraticável lavrar auto de lançamento em relação a cada imóvel e
a cada automóvel, respectivamente, IPTU e IPVA.
Note-se que são dezenas de milhões. Apenas a inscrição em dívida ativa é
que exige a lavratura de um ato material, diria não obra automática da lei,
extraindo-se daí a CDA, com os requisitos, inclusive do processo administrativo,
quando for o caso.
Na hipótese, conforme diz o eminente Relator, a CDA é omissa em relação aos requisitos essenciais, como a indicação do livro e da folha da inscrição em dívida ativa.
Então, por este fundamento, exclusivamente por este, nego provimento e confirmo
a sentença em reexame.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO
À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO E CONFIRMARAM, A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO, PELA CONCLUSÃO.”
Ressalte-se, entretanto, que essa não é a posição da doutrina e da jurisprudência nacional majoritária, as quais entendem que apesar de a relação jurídica tributária nascer com a ocorrência do fato gerador, a obrigação tributária que surge
nesse momento é ilíquida, sendo sempre necessária a realização do lançamento
para torná-la líquida bem como para conferir exigibilidade ao crédito tributário.
De fato, há várias correntes nesse grupo, sustentando diversas posições no que se
refere ao momento do nascimento do crédito e dos efeitos do lançamento.
Para alguns autores, conforme será abaixo apontado, a obrigação tributária e
o crédito tributário nascem e se extinguem conjuntamente, com fundamento no
disposto na parte final do §1º do artigo 113 e no artigo 139 do CTN, os quais
estabelecem, respectivamente:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória
§1.º A obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador,
tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade e extingue-se juntamente
com o crédito dela decorrente.
Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma desta.
Nesse sentido entende Ricardo Lobo Torres,558 ao afirmar que:
A obrigação e o crédito não só se extinguem como também nascem juntamente. Nada obstante, o Código reserva o termo “crédito” à obrigação que
adquire concretitude ou visibilidade e passa por diferentes graus de exigibilidade;
assim, o “crédito” se “constitui” pelo lançamento (art. 142), torna-se definitivamente constituído na esfera administrativa tanto que decorrido o prazo de 30
dias do lançamento ou da decisão irrecorrível (arts. 145, 174) e se transforma em
dívida ativa, adquirindo presunção de liquidez e certeza pela inscrição nos livros
de dívida ativa (art. 204 CTN). A técnica utilizada pelo Código deve ser empregada com cautela, pois obrigação e crédito não se distinguem em sua essência,
como declara o próprio CTN no art. 139. (...)
Como já advertimos antes (p.235) e adiante voltaremos a fazê-lo (p. 275), a ‘constituição’ deve ser entendida aí como o primeiro grau de concreção do crédito, eis que
este a rigor, se constitui com a ocorrência do fato gerador e não com o lançamento.
Outros autores, no entanto, entendem que o lançamento é declaratório da
existência da obrigação e constitutivo do crédito tributário, com fundamento
no disposto nos artigos 142 e 173 do mesmo CTN que assim dispõem:
558
TORRES. Op. Cit. p. 235 e 272.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Art. 142 Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o
crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar
o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por
vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido
iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo,
de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Nesse sentido aponta Hugo de Brito Machado559 ao considerar a natureza
mista do lançamento:
Em primeiro lugar a lei descreve a hípótese em que o tributo é devido. É
a hipótese de incidência. Concretizada essa hipótese de incidência pela ocorrência do fato gerador, surge a obrigação tributária,..... A natureza jurídica do
lançamento tributário já foi objeto de grandes divergências doutrinárias. Hoje,
porém, é praticamente pacífico o entendimento segundo o qual o lançamento
não cria direito. Seu efeito é simplesmente declaratório. Entretanto, no Código
Tributário Nacional o crédito tributário é algo diverso da obrigação tributária.
Ainda que, em essência, crédito e obrigação sejam a mesma relação jurídica, o
crédito é um momento distinto. É um terceiro estágio na dinâmica da relação
obrigacional tributária. E o lançamento é precisamente o procedimento administrativo de determinação do crédito tributário Antes do lançamento existe a
obrigação. A partir do lançamento surge o crédito.
O lançamento, portanto, é constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente.
Independentemente da tese adotada, é indiscutível que o crédito tributário, surgido em conjunto com a obrigação tributária ou constituído pelo
lançamento, possui diversos momentos de eficácia distintos, desde o seu nascimento até a sua extinção.
Após a sua constituição e exigibilidade, o que somente ocorre após o lançamento, o crédito tributário pode ser: (1) alterado (art. 145 do CTN); (2)
559
MACHADO. Op. Cit. p. 153.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
suspenso (art. 151 do CTN); (3) excluído (art. 175 do CTN); e (4) extinto
(156 do CTN). Somente após a constituição definitiva, o que ocorre na hipótese de decisão administrativa irrecorrível ou após 30 dias do lançamento, se
não houver impugnação, o crédito tributário pode ser inscrito em dívida ativa,
momento em que atinge presunção de certeza e liquidez (art. 204 do CTN),
tornando-se exeqüível, isto é, pode ser ajuizada a ação de execução fiscal.
Os aspectos específicos desse tema — o lançamento e as diferentes fases do
crédito tributário, inclusive o processo administrativo e judicial — serão examinados nos próximos semestres (Direito Tributário e Finanças Públicas II e III).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
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Paulo: Editora Saraiva, 2005.
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas
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COSTA, Alcides Jorge. Obrigação Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra
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COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
GRECO, Marco Aurelio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo:
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HORVATH, Estevão. Lançamento Tributário e Autolançamento. São Paulo: Dialética, 1997.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21 ed. rev. atual.
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MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das
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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e
Tributário. Vol. IV. Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007.
FGV DIREITO RIO
273
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
AULA 14 – AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO PODER DE
TRIBUTAR. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS.
A LEGALIDADE E A NECESSÁRIA PONDERAÇÃO ENTRE OS
PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA JUSTIÇA FISCAL.
Enquanto a Constituição Federal utiliza a expressão “limitações do poder
de tributar” ( vide o título da Seção II do Capítulo I do Título VI da CR-88
— art. 150 a 152 ), o CTN lança o termo “limitações à competência tributária” ( cf. art. 9º ), o que não tem maior relevância sob o ponto de vista prático.
Parece, contudo, mais apropriada a expressão adotada pelo constituinte originário (“limitações do poder de tributar”), porquanto tais limites são conexos
à prerrogativa impositiva do Ente Político, sendo a competência tributária
instrumento por meio do qual se espraia tal poder entre todos os legitimados
para instituir tributos, isto é, os entes políticos autônomos.
Segundo Hugo de Brito Machado560, a limitação ao poder de tributar em
sentido amplo compreende “toda e qualquer restrição imposta pelo sistema
jurídico às entidades dotadas desse poder”. Já em sentido estrito, consiste “no
conjunto de regras estabelecidas pela Constituição Federal, em seus artigos
150 a 152, nos quais residem princípios fundamentais do Direito Constitucional Tributário, a saber:
a) legalidade (art. 150, I);
b) isonomia (art. 150, II);
c) irretroatividade (art. 150, III, ‘a’);
d) anterioridade (art. 150, III, ‘b’);
e) proibição do confisco (art. 150, IV);
f ) liberdade de tráfego (art. 150, V);
g) outras limitações (arts 151 e 152)”.
Complementa, ainda, o autor: “o legislador infraconstitucional de cada
uma das pessoas jurídicas de Direito Público, ao criar um imposto, não pode
atuar fora do campo que a Constituição Federal lhe reserva561”. Assim sendo,
as limitações qualificadas pelo mencionado autor em sentido amplo decorrem da conjunção das normas que conferem a prerrogativa de instituir tributo, a qual já contém em si os delineamentos de sua contenção, os referidos
princípios fundamentais do Direito Constitucional Tributário, assim como
as denominadas imunidades.
Já Luciano Amaro562 assevera que as limitações ao poder de tributar “integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a
intensidade de atuação do poder de tributar”. De fato, a Constituição, ao
estabelecer a competência legislativa tributária dos Entes Políticos estabelece,
paralelamente, certas premissas que devem ser de observância obrigatória por
parte desses entes tributantes, as quais, no entendimento do referido autor,
consistem em limitações ao poder de tributar.
560
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de
Direito Tributário. 21 ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Malheiros,
2002. pp. 236-137.
561
MACHADO. Op. Cit. p.255.
562
AMARO, Luciano. Direito Tributário
Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 107.
FGV DIREITO RIO
274
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Nesse sentido também é a lição de José Afonso da Silva563 para quem “embora a Constituição diga que cabe à lei complementar regular as limitações
constitucionais do poder de tributar (art. 146, II), ela própria já as estabelece
mediante a enunciação de princípios constitucionais da tributação”. Ou seja,
independentemente da edição de lei complementar específica para disciplinar e regular as limitações, a própria Carta constitucional de 1988 já realiza
aludido objetivo diretamente em seus principais contornos, pois a mesma
possui força normativa564 própria e suficiente para conformar a interpretação e aplicação da legislação tributária bem como o legislador ordinário e o
poder constituinte derivado, inclusive no que se refere a outros dispositivos
constitucionais de natureza impositiva, de forma a adequar a exação às suas
possibilidades constitucionalmente conferidas.
Ricardo Lobo Torres565, por sua vez, aponta as limitações ao poder de tributar566 — da seguinte forma:
“a) as imunidades ( art. 150, itens IV, V, e VI );
b) as proibições de privilégio odioso ( arts. 150, II, 151 e 152 );
c) as proibições de discriminação fiscal, que nem sempre aparecem explicitamente no texto fundamental;
d) as garantias normativas ou princípios gerais ligados à segurança dos direitos fundamentais, como sejam a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade e
a transparência ( art. 150, I, III, e §§ 5º e 6º )”.
Por outro lado, ensina Marco Aurélio Greco567 que as limitações ao poder
de tributar se diferenciam dos princípios tributários, pois, enquanto estes ( os
princípios ) “veiculam diretrizes positivas a serem atendidas no exercício do
poder de tributar, indicando um caminho a ser seguido pelo legislador; pelo
aplicador e pelo intérprete do Direito”; as limitações, por outro lado, “tem
função negativa, condicionando o exercício do poder de tributar e correspondem a barreiras que não podem ser ultrapassadas pelo legislador infraconstitucional”. Nesse sentido, assentam-se funções distintas para os princípios e para
as limitações constitucionais ao poder de tributar. Isto é, enquanto os princípios ditam as diretrizes a serem seguidas pelos operadores do Direito e pelos
cidadãos-contribuintes na interpretação e aplicação da norma impositiva, as
limitações apontam elementos objetivos que afastam a imposição tributária.
Vale, ainda, destacar as lições de Humberto Ávila568 acerca das limitações
do exercício da competência tributária, in verbis:
“Na perspectiva da sua dimensão enquanto limitação ao poder de tributar, as
regras de competência qualificam-se do seguinte modo: quanto ao nível em que
se situam, caracterizam-se como limitações de primeiro grau, porquanto se encontram no âmbito das normas que serão objeto de aplicação; quanto ao objeto,
563
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed.
São Paulo. Malheiros, 2000. p.689.
564
HESSE, Konrad. A Força Normativa da
Constituição. Tradução Gilmar Mendes,
Editora Sergio Fabris, 1991.
565
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004. p. 62.
566
As limitações não se limitam ao art.
150 da Constituição de 1988, uma vez
que é possível visualizar outras hipóteses em normas espalhadas ao longo do
texto constitucional.
567
GRECO, Marco Aurelio. Contribuições
( uma figura “sui generis”). São Paulo:
Editora Dialética, 2000, pp.165-166.
568
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Editora
Saraiva, 2004.
FGV DIREITO RIO
275
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
qualificam-se como limitações positivas, na medida em que exigem, na atuação
legislativa de instituição e aumento de qualquer tributo, a observância do quadro
fático constitucionalmente traçado; quanto à forma, revelam-se como limitações
expressas e materiais, na medida em que, sobre serem expressamente previstas
na Constituição Federal (arts. 153 a156, especialmente), estabelecem pontos de
partida para a determinabilidade conteudística do poder de tributar”.
Por todo o exposto até aqui é possível reconhecer que o instituto da competência tributária desempenha múltiplas funções dentro da estrutura do sistema tributário, vez que produz efeitos de natureza dúplice, positiva e negativa, concomitantemente, isto é, a mesma norma constitucional que atribui
prerrogativas ao poder legislativo do ente político competente, consubstancia
contenção e limite à atuação. É possível, dessa forma, limitar e controlar o
poder de tributar em duas vertentes, vez que encontra também na Constituição outros elementos de conformação à sua realização e extensão, como são
as denominadas limitações constitucionais do poder de tributar, nos termos
em que será detalhado a seguir. De fato, essas limitações podem também
ser encaradas como instrumentos definidores da própria prerrogativa exatora, haja vista que o poder de tributar “nasce, por força de lei, no espaço
previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo estatal”,
conforme assevera Ricardo Lobo Torres569 nos termos já explicitados na aula
anterior. Assim, não é o Estado que se auto-limita no seu poder, pois suas
possibilidades já nascem conformadas pelas liberdades fundamentais.
14. 1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA TRIBUTAÇÃO.
Ab initio, cabe frisar que as limitações ao poder de tributar — por conseguinte, do exercício da competência tributária — tem como parâmetros
normativos, além dos princípios, das imunidades e outras regras específicas
de status constitucional, também outras regras que estão fixadas fora do texto
da Carta de 1988: ainda que nele fundamentado. Nesse sentido preleciona
Luciano Amaro570:
“(...) a Constituição abre campo para a atuação de outros tipos normativos ( lei
complementar, resoluções do Senado, convênios ), que, em certas situações, também balizam o poder legislador tributário na criação ou modificação de tributos”.
Seguindo a linha de intelecção do mencionado autor, pode-se concluir
que a conformação dos limites do poder de tributar não se limitam às regras
expressas na Constituição — embora encontrem nelas os seus fundamentos
de validade -, na medida em que enfeixam também normas infraconstitucio-
569
TORRES( 2004.a ). Op. Cit. p. 233.
570
AMARO. Op. Cit. pp.106-107.
FGV DIREITO RIO
276
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
nais, inclusive nas Constituições estaduais, nas leis orgânicas municipais e
etc. Apenas a título de ilustração, podemos destacar exemplos como: o ISS ou
ISSQN ( imposto incidente sobre a prestação de serviços da competência dos
Municípios ), cuja especificação do campo de incidência é determinado por
lei complementar ( vide art. 156, III, CR-88 ); o ICMS ( imposto da competência dos Estados ), o qual tem a reserva de lei complementar para definir
seus contribuintes, além de outros elementos essenciais à incidência ( cf. art.
155, §2º, XII, CR-88 ); ainda, nas hipóteses de operações interestaduais,
cabe ao Senado Federal a fixação das alíquotas do ICMS a serem aplicadas (
nos termos do art. 155, §2º, IV, CRFB/88 ).
Segundo José Afonso da Silva571, “as limitações ao poder de tributar do Estado exprimem-se na forma de vedações às entidades tributantes”, podendose segmentá-las em:
(a) princípios gerais, porque referidos a todos os tributos e contribuições do sistema tributário;
(b) princípios especiais, previstos em razão de situações especiais;
(c) princípios específicos, porquanto atinente a determinado tributo;
(d) imunidades tributárias.
Seguindo essa categorização, os:
1. princípios gerais, conforme destacado, seriam aplicáveis a todos os
tributos de forma geral, tais como: princípio da reserva de lei ( legalidade estrita ); princípio da igualdade tributária; princípio da
personalização dos impostos e da capacidade contributiva; princípio da irretroatividade tributária ( ou princípio da prévia definição
legal do fato gerador ); princípio da proporcionalidade ou razoabilidade; princípio da ilimitabilidade do tráfego de pessoas ou bens;
princípio da universalidade; e princípio da destinação pública dos
tributos;
2. princípios especiais seriam aqueles vinculados apenas a determinadas situações. Nesse passo, destacam-se: o princípio da uniformidade tributária; o princípio da limitabilidade da tributação da renda
das obrigações da dívida pública estadual ou municipal e dos proventos dos agentes dos Estados e Municípios; o princípio de que o
poder de isentar é intrínseco ao poder de tributar; e o princípio da
não-diferenciação tributária; e, por fim,
3. princípios específicos, os quais se referem a determinados impostos. Cumpre mencionar: o princípio da progressividade ( ex. IR ); o
princípio da não-cumulatividade do imposto ( ex. ICMS e IPI ); e
o princípio da seletividade obrigatória572 do imposto ( ex. IPI ).
4. imunidades tributárias, a seu turno, atuam como óbice ao próprio
exercício do poder de tributar, na medida em que afastam determi-
571
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2000. p.689.
572
Cabe destacar que a seletividade
em sede de ICMS é facultativa, conforme expressa o art. 155, par. 2º, III,
CRFB/88.
FGV DIREITO RIO
277
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
nadas situações do campo da incidência do tributo. A ratio essendi
da instituição das imunidades encontra respaldo em diversos elementos tanto em razão de privilégios como por questões de interesse social, econômico, religioso ou político.
Segundo Ricardo Lobo Torres573, as imunidades tributárias “consistem na
intributabilidade absoluta ditada pelas liberdades preexistentes. A imunidade
fiscal erige o status negativus libertatis, tornando intocáveis pelo tributo ou
pelo imposto certas pessoas e coisas”.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já se pronunciou, por diversas
vezes, acerca do conteúdo das imunidades tributárias. Vale trazer à luz excertos do RE 509279, no qual se discutia o alcance e a extensão da regra disposta
no art. 150, VI, d, da CRFB/88, que prevê a imunidade para livros, papéis e
periódicos, o qual será estudado detalhadamente posteriormente:
RE 509279 / RJ — RIO DE JANEIRO -Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO -Julgamento: 27/08/2007.
“(...) O instituto da imunidade tributária não constitui um fim em si mesmo. Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado,
na medida em que esse postulado fundamental, ao inibir, constitucionalmente,
o Poder Público no exercício de sua competência impositiva, impedindo-lhe a
prática de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas.”
Ainda no que se refere aos princípios tributários, aponta Flávio Bauer
Novelli574 que eles “expressam um número de normas proibitivas que constituem no seu conjunto a chamada limitação constitucional ao poder de tributar.” Tais limitações, analisadas sob o aspecto subjetivo, consistem deveres
negativos, impostos a todos os Entes Políticos. Desta feita, são os sujeitos
ativos do poder tributário os destinatários das limitações, e, de outro lado,
são titulares das garantias decorrentes das limitações os sujeitos passivos da
obrigação tributária, contribuintes e os responsáveis. São exemplos de instrumentos de proteção: os princípios da reserva legal, da igualdade perante
a lei, da irretroatividade, da anterioridade, da capacidade contributiva e do
não-confisco, matéria a ser detalhada nas próximas aulas.
O rol dos princípios constitucionais tributários é significativo, o que revela inequívoca preocupação do constituinte de 1988 em garantir a defesa das
liberdades públicas ( dos direitos humanos fundamentais ) diante do poder
tributário do Estado.
A determinação da correta natureza jurídica, sentido e extensão das chamadas limitações ao poder de tributar — princípios e imunidades — perpassa, necessariamente, pela análise do conteúdo dos direitos e garantias cons-
573
TORRES ( 2004.a ). p. 63.
574
NOVELLI, Flávio Bauer, “Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito
do art. 2º, § 2º, da Emenda Constitucional nº3/93”. In: Revista de Direito
Administrativo. V.199. Rio de Janeiro,
Renovar, 1995.
FGV DIREITO RIO
278
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
titucionais, tendo em vista que algumas são protegidas pela Constituição de
1988, consoante o disposto no art. 60, § 4º. De fato, algumas das limitações
constitucionais ao poder de tributar são consideradas insuscetíveis de afastamento sequer por Emenda Constitucional produzida pelo constituinte derivado, consoante o disposto pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 939, cuja
ementa ressalta.
ADI 939 / DF — DISTRITO FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES
Julgamento: 15/12/1993
Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO
Publicação
DJ 18-03-1994 PP-05165
EMENT VOL-01737-02 PP-00160
RTJ VOL-00151-03 PP-00755
Parte(s)
REQTE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES
NO COMÉRCIO
ADVDOS.: BENON PEIXOTO DA SILVA E OUTRO
REQDO. : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQDO. : CONGRESSO NACIONAL
Ementa
EMENTA: — Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira — I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par.
4., incisos I e IV, 150, incisos III, “b”, e VI, “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição
Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte
derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda
da Constituição (art. 102, I, “a”, da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de
17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em
vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que,
quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e VI”, da Constituição,
porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual
do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da
Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da
Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, “a”, da C.F.); 3. - a norma que,
FGV DIREITO RIO
279
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III)
sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimônio, renda ou serviços dos
partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei
Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que
determinou a incidencia do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d” da C.F. (arts. 3., 4.
e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade
julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do
Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a
medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.
Nesse contexto, analisaremos a seguir alguns aspectos do princípio da legalidade, o qual teve como arcabouço inicial a Carta Magna inglesa de 1215,
conforme já mencionado em aulas anteriores.
O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
Ensina Ricardo Lobo Torres575que o princípio da legalidade se expressa por
meio de dois dispositivos constitucionais: 1. art. 5º, II, da CR-88, que dispõe:
“ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; e 2. art. 150, I, CR-88 ( artigo que trata das limitações ao poder de
tributar ), o qual expressa a vedação aos Entes Políticos de exigir ou aumentar
tributo sem que a lei previamente o estabeleça. Na primeira hipótese, estamos
diante da legalidade ampla576, a qual todas as pessoas se submetem. Já no segundo caso, nos deparamos com o princípio da legalidade tributária, o qual se
desdobra em duas faces: por um lado vincula o Poder Público, uma vez que sua
conduta está atrelada aos limites da lei; de outro lado, impõe aos cidadãos-contribuintes o dever de agir dentro dos limites da razoabilidade, a fim de impedir
possíveis abusos no planejamento fiscal-tributário e evitar os fins almejados
pelo ordenamento jurídico. Dispõe o artigo 150, I, CR-88, in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça”.
Conforme aponta o supracitado tributarista577, o princípio da legalidade
tributária enfeixa alguns subprincípios, destacando-se entre eles: 1. o princípio da supremacia da Constituição; 2. o princípio da superlegalidade. 3.
575
TORRES, Ricardo Lobo. A legalidade
tributária e os seus subprincípios constitucionais. In: Revista de Direito da
Procuradoria Geral do Estado do Rio
de Janeiro, vol. 58, 2004.b, pp.193-219.
576
Importante realçar também o princípio da legalidade, previsto no art. 37
da CRFB/88, o qual representa um dos
princípios norteadores das atividades
da Administração Pública, tendo conteúdo hermenêutico diferente do princípio da legalidade de que trata o art.
5º, II, porquanto este tem como destinatários os cidadãos, os quais podem
fazer tudo que não está vedado em lei.
Já o princípio da legalidade esculpido
no art. 37 é dirigido à Administração
Pública, e indica que o Poder Público só
pode agir dentro ditames, pressupostos
e dos limites impostos pela lei.
577
TORRES ( 2004.b )
FGV DIREITO RIO
280
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
o princípio do primado da lei; e 4. o princípio da reserva de lei, todos eles
muito interligados e interdependentes.
O princípio da supremacia da Constituição consiste no fato de que todo
o ordenamento jurídico encontra seu fundamento de validade na Carta Magna. De fato, consoante leciona Luís Roberto Barroso578:
“duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência
do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A
supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro
do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o
fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia,
nenhuma lei ou ato normativo — na verdade, nenhum ato jurídico — poderá
subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição”.
O princípio da superlegalidade, por sua vez, o qual “indica estar a lei
formal vinculada às normas superiores da Constituição Tributária, devendo
o legislador respeitar o sistema de discriminação de rendas e os princípios
gerais de imposição fiscal”, pontua Ricardo Torres579, encontra forte sintonia
e conexão com o princípio da supremacia da Constituição, haja vista que a lei
formal deve se conformar às normas constitucionais. Dessa forma, havendo
incompatibilidade entre as regras tributárias e aquelas do texto fundamental
abre-se espaço ao controle jurisdicional.
O princípio do primado da lei, o qual é corolário do princípio da reserva
de lei, sintetiza a ideia de que a lei formal constitucionalmente fundamentada e compatibilizada “ocupa o lugar superior no ordenamento infraconstitucional, limitando e vinculando os atos da Administração e do Judiciário”,
preleciona Ricardo Lobo Torres580.
O princípio da reserva de lei, ainda segundo o mesmo autor581, “significa
que só a lei formal ( ou medida provisória, quando cabível ) pode exigir ou
aumentar tributo”, isto é, há determinadas matérias na seara tributária cuja
disciplina jurídica fica reservada ao legislador infra-constitucional, não havendo espaço para a deslegalização ou normatização secundária pelo Poder
Executivo . Assim, além de se expressar por meio de um comando abstrato,
impessoal e geral (reserva de lei material), a legalidade tributária pressupõe
que a disciplina seja formulada por órgão titular de função legislativa — Poder Legislativo (reserva de lei formal). Saliente-se, entretanto, que tal princípio, como qualquer outro, não deve ser interpretado e aplicado de modo
absoluto e sem ponderação com outros princípios e regras constitucionais,
porquanto a própria Constituição de 1988 o excepciona quando permite que
o Poder Executivo crie normas complementares de natureza tributária. Nessa
linha pode-se citar o exemplo dos impostos com características extrafiscais
expressos no art. 153 e seus incisos ( II, IE, IPI, e IOF ), os quais podem ter
578
BARROSO, Luís Roberto. O Controle
de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1-2.
579
TORRES ( 2004.a ). p. 105.
580
TORRES ( 2004.b ). p.208.
581
TORRES ( 2004.b). pp. 105 e 200-201.
FGV DIREITO RIO
281
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
suas alíquotas aumentadas ou reduzidas por decreto do chefe do Poder Executivo, e não ato proveniente do Parlamento. De fato, ressalvada a hipótese
de edição de Medida Provisória, conforme será adiante explicitado, o princípio da legalidade tributária não comporta exceções no que tange à exigência
e criação de tributos, admitindo-se, contudo, hipóteses em que as alíquotas
podem ser majoradas por instrumentos que não lei em caráter formal. Nesse
sentido dispõe o artigo 153 e seu §1º:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
[...]
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores
mobiliários;
[...]
§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I,
II, IV e V. [...]”
Conforme já explicitado, essa possibilidade de edição de ato administrativo normativo expedido pelo Executivo existe em função da extrafiscalidade que caracteriza tais impostos, isto é, além de suas funções arrecadatórias
(função fiscal), também servem como instrumento de atuação e intervenção da União na ordem econômica, objetivando influenciar, por exemplo, o
mercado de câmbio, a balança comercial, o nível da atividade industrial, de
consumo e etc.
Apesar ser apontado e considerado em geral como exemplo de exceção ao
princípio da legalidade, no que se refere ao aumento da carga tributária (da
alíquota), deve-se salientar que o §1º do artigo 153 estabelece que o ato do
Poder Executivo deve observar “as condições e os limites estabelecidos em
lei”, ou seja, a Constituição permite que a lei em caráter formal estabeleça os
parâmetros e o decreto efetiva o aumento da alíquota. Destaque-se, ainda,
que além dessas exceções previstas no artigo 153, a Emenda Constitucional
33/2001 criou mais uma hipótese que foge à regra geral, ao introduzir o §
4º ao artigo 177, por meio do qual é permitida a redução e o restabelecimento da alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
(CIDE) relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e
seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool combustível por ato do
Poder Executivo.
Importante salientar ainda que os tributos, em regra, são instituídos por
lei ordinária, salvo as exceções previstas na própria Constituição Federal, den-
FGV DIREITO RIO
282
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
tre elas a instituição de empréstimos compulsórios (art. 148 da CR-88); impostos instituídos na competência residual da União (art. 154 da CR-88) e,
as outras contribuições sociais (art. 195, §4º, da CR-88), as quais dependem
da edição de lei complementar.
Conforme já mencionado, importante destacar que o Supremo Tribunal
Federal se posicionou no sentido de que a Medida Provisória, por ter força
de lei, também supre a exigência constitucionalmente firmada, como, entre
outros, no RE-AgR 511581 e na ADI 1417, cuja ementa dispõe:
ADI-MC 1417 / DF — DISTRITO FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI
Julgamento: 07/03/1996
Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO
Publicação DJ 24-05-1996 PP-17412 EMENT VOL-01829-01 PP- 60
Parte(s) REQUERENTE : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDUSTRIA-CNI
REQUERIDO: PRESIDENTE DA REPUBLICA
EMENTA: — 1. Medida Provisoria. Impropriedade, na fase de julgamento
cautelar da aferição do pressuposto de urgencia que envolve, em última analise,
a afirmação de abuso de poder discricionario, na sua edição. 2. Legitimidade, ao
primeiro exame, da instituição de tributos por medida provisória com força de
lei, e, ainda, do cometimento da fiscalização de contribuições previdenciarias a
Secretaria da Receita Federal. 3. Identidade de fato gerador. Argüição que perde
relevo perante o art. 154, I, referente a exações não previstas na Constituição, ao
passo que cuida ela do chamado PIS/PASEP no art. 239, além de autorizar, no art.
195, I, a cobrança de contribuições sociais da espécie da conhecida como pela sigla
COFINS. 4. Liminar concedida, em parte, para suspender o efeito retroativo imprimido, a cobrança, pelas expressões contidas no art. 17 da M.P. no 1.325-96.
Saliente-se, entretanto que, após a edição da EC nº32/2001, a qual alterou
o artigo 62 da CR-88, a majoração ou a instituição de impostos por meio de
Medida Provisória somente produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte
se houver sido convertida em lei até o último dia do ano em que foi editada
expedição, matéria a ser detalhada na parte final do semestre582.
Além de positivado na Constituição, no supra transcrito artigo 150, I, o
princípio da reserva de lei também está expresso no Código Tributário Nacional, em seu art. 97. De acordo com o dispositivo, análogamente à regra de
que somente é possível criar ou majorar tributos por meio ato do parlamento,
também somente por meio de lei em caráter formal é cabível a diminuição ou
isenção tributos, perdão de débitos, a especificação e descrição de infrações
582
O §3º do artigo 62 da CR-88 exige
que as MP’s sejam convertidas em lei
no prazo de 60 dias de sua publicação,
prorrogáveis uma vez por igual perído,
sob pena perda da sua eficácia. Ao contrário da limitação da eficácia prevista
no §2º, relacionado à conversão em lei
no próprio exercício financeiro da sua
edição, condição aplicável tão somente
aos impostos, a exigência da conversão em lei no prazo máximo de 120 dias
aplica-se aos tributos em geral.
FGV DIREITO RIO
283
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
bem como a cominação de sanções. Cabe, ainda, ressaltar que nos termos do
mesmo dispositivo do CTN (artigo 97), a lei criadora do tributo deve trazer
todos os denominados elementos da obrigação tributária, tais como: o fato
gerador; a base de cálculo; a alíquota; o sujeito ativo e o passivo, consoante
já examinado. Tal situação caracteriza o sub-princípio da tipicidade, o qual é
corolário da legalidade e diz respeito especificamente ao conteúdo da norma,
isto é, refere-se à definição dos elementos que devem necessariamente estar
expressos de forma exaustiva na lei em caráter formal expedida diretamente
pelo Poder Legislativo. Aludido sub-princípio está positivado em nosso ordenamento jurídico nos seguintes termos:
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos
21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou
de dispensa ou redução de penalidades.”
Dessa forma, a lei deve delinear ou especificar todos os aspectos típicos
do tributo, os citados elementos da obrigação tributária, tais como o evento
ou o fato cuja ocorrência faz surgir o dever de pagar o tributo (hipótese de
incidência); estabelecer a base de cálculo; fixar a alíquota; além de indicar o
sujeito passivo da obrigação tributária.
Segundo a doutrina, o princípio da tipicidade pode agasalhar duas vertentes distintas: o da tipicidade fechada ou cerrada, defendida por Alberto
Xavier, Luciano Amaro e outros, ou o da tipicidade aberta, sustentada por
Ricardo Lobo Torres, Marco Aurélio Grecco, Ricardo Lodi e outros.
A tipicidade fechada consagra a ideia de que “todos os elementos necessários à tributação do caso concreto se contenham e apenas se contenham na
lei”, assevera Alberto Xavier583, conferindo forte preponderância à segurança
jurídica e partindo da premissa de uma rígida divisão de funções entre os Poderes e da possibilidade de que o tipo seja fechado. Assim sendo, não basta à
lei delinear os contornos e os elementos gerais da obrigação tributária, deve o
ato parlamentar ser minucioso e minudente, de modo a especificar de forma
exaustiva e completa todos os requisitos e condições necessárias à imposição do tributo. Não haveria, portanto, espaço à deslegalização, utilização de
583
XAVIER, Alberto. Os princípios da
legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1978, p. 91.
FGV DIREITO RIO
284
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais ou abertas nem a possibilidade de utilização de interpretações extensivas ou do recurso à analogia
para determinar a incidência tributária. Aludido posicionamento certamente
possui a vantagem de conferir maior certeza e precisão quanto aos efeitos
e conseqüências das normas tributárias, o que acresce consideravelmente a
certeza jurídica e propicia um ambiente favorável à assunção de riscos empresariais e a realização de investimentos, considerações e fundamentos de
natureza extrajurídica. No entanto, deve-se destacar que essa é a tese majoritária e tradicional na seara tributária no Brasil e tem como uma de suas fontes
inspiradoras a disciplina clássica do Direito Administrativo, na qual se considera inviável o exercício de prerrogativas regulamentares, ínsitas ao Poder
Executivo, de forma a estabelecer “inovação na ordem jurídica”, conforme
pontua Maria Sylvia Di Pietro584.
No que tange à possibilidade de deslegalização ou redução do grau hierárquico necessário à disciplina jurídica, o que confere maior amplitude à
atuação normativa do Executivo, importante apresentar as lições do constitucionalista português Gomes Canotilho, apresentadas pelo Ministro Ilmar
Galvão, relator do RE 140.669:
584
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na Administração Pública. São
Paulo: Atlas, 3ª ed., 1999. p.134.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
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288
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
A dificuldade, portanto, se refere, inicialmente, à identificação das matérias passíveis — ou não — de serem deslegalizadas ( degradadação de seu grau hierárquico).
Mas não é somente isso! Será realmente possível que as leis tributárias contenham,
de forma exaustiva e suficiente, todo o conteúdo necessário a sua aplicabilidade em
todos os casos da realidade concreta, sem a inevitável utilização de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais e abertas? E se a lei contiver tão somente os
parâmetros necessários e o ato do Poder Executivo, com base e no direcionamento
legal, fixe a norma específica a ser aplicada? Seria considerado inconstitucional?
Segundo a doutrina mais tradicional do país, além da exigência de reserva
de lei formal e da vedação ao discricionarismo por parte da administração,
deve preponderar a legalidade estrita (RE 186.359) associada ao denominado
“princípio da tipicidade fechada”, através do qual se exalta o valor segurança
jurídica e prioriza-se o fechamento normativo, utilizando-se uma visão clássica da separação dos poderes e de suas funções, combinado com a tese de que a
atividade do intérprete pode se desenvolver por via de um processo dedutivo,
de mera subsunção do fato à norma, em culto exagerado à lógica formal.
Nessa linha pontua a doutrina de Samantha Meyer-Plufg585:
“De outra parte há também, certas searas do Direito que não admitem o tipo
aberto, uma delas é o Direito Tributário. Nessa área deve-se fazer uso do tipo
cerrado, que, ao contrário do tipo aberto, exige que a lei contenha de maneira
minunciosa e exaustiva todos os elementos do tipo tributário, bem como os seus
traços característicos. O tipo cerrado está a exigir a subsunção do fato à norma jurídica. Isso implica corresponder a todos os elementos previstos na lei, do contrário
a norma não poderá incidir no fato em tela. O tipo cerrado é exigível em matéria
tributária levando-se em consideração a necessidade de se atribuir maior segurança
e certeza ao contribuinte em face do poder de tributar do Estado. O nosso sistema
adotou o tipo cerrado, uma vez que também adotou o princípio da reserva absoluta de lei. Portanto, cabe à lei tratar exaustivamente dos elementos e características
do tipo tributário, Pode-se afirmar, assim, que não é possível o uso da analogia
quando da falta de um elemento na lei, é dizer, a ausência desse elemento não
implica a criação de um novo tributo e não pode ser suprida pelo uso da analogia.
Não há falar aqui na possibilidade de o Poder Judiciário integrar a lei para colmatar a lacuna. Cabe à lei disciplinar o fundamento da decisão, como também o
critério de decidir, vinculando assim o Poder Judiciário. (...) Ademais, O Código
Tributário Nacional é explícito ao dispor, em seu art. 108, §1º, que ‘o emprego da
analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei’. (...) Em
síntese, o princípio da tipicidade, ao exigir que os tipos tributários sejam traçados
de maneira minunciosa e detalhada pela lei, acaba por contribuir com o princípio
da segurança jurídica do contribuinte, na exata medida em que todos os elementos
necessários do tipo tributário constam da própria lei, não havendo, assim, margem
para discricionariedade seja do Fisco, seja do Poder Judiciário.”
585
MEYER-PLUFG, Samantha. Do Princípio da Legalidade e da Tipicidade. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coordenador). Curso de Direito Tributário.
São Paulo: Saraiva, 2008. pp. 141-.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Assim, tem-se tradicionalmente afirmado a necessidade de que a norma
expedida pelo poder legislativo contenha de forma exaustiva e completa todos
os elementos que compõem a obrigação tributária, uma tentativa de obstar a
inevitável utilização de conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais e
tipos abertos, o que tem como premissa a possibilidade de restrição extremada da função do intérprete e do aplicador da lei bem como da função normativa do Poder Executivo. Exemplos de fundamentação jurisprudencial com
base na denominada tipicidade fechada ou tipicidade estrita estão expressos,
por exemplo, nas decisões dos Recursos Especiais 662992, 724779 e 511390
do Superior Tribunal de Justiça, ainda quando considerada a possibilidade
de deslegalização ou de degradadação de grau hierárquico, como é o caso da
disciplina das obrigações acessórias ou instrumentais:
REsp 662882 / RJ
RECURSO ESPECIAL
2004/0072922-5
Relator(a)
Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador
T1 — PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento
06/12/2005
Data da Publicação/Fonte
DJ 13/02/2006 p. 672
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.
IMPORTAÇÃO. REIMPORTAÇÃO. ATIVIDADES DISTINTAS. TIPICIDADE.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.
1. (...)
2. A importação e a reimportação de mercadorias são atividades distintas,
cabendo, portanto, à legislação tributária prever quais as hipóteses de incidência
de IPI para cada uma das mesmas respeitando-se suas especificidades.
3. O princípio mor da legalidade exige tipicidade estrita em sede tributária.
Inocorrendo a hipótese de incidência, tal como prevista na lei, inexigível é a exação, e por isso mesmo, qualquer punição administrativa decorrente da obrigação
tributária.
FGV DIREITO RIO
290
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
REsp 724779 / RJ
RECURSO ESPECIAL
2005/0023895-8
Relator(a)
Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador
T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento
12/09/2006
Data da Publicação/Fonte
DJ 20/11/2006 p. 278
Ementa
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA. CONSOLIDAÇÃO DE BALANCETES MENSAIS NA DECLARAÇÃO ANUAL
DE AJUSTE. CRIAÇÃO DE DEVER INSTRUMENTAL POR INSTRUÇÃO NORMATIVA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. COMPLEMENTAÇÃO
DO SENTIDO DA NORMA LEGAL.
1. (...)
2. Confronto entre a interpretação de dispositivo contido em lei
ordinária — art. 39, §2º, da Lei 8.383/91 — e dispositivo contido em Instrução Normativa — art. 23, da IN 90/92 -, a fim de se verificar se este último
estaria violando o princípio da legalidade, orientador do Direito Tributário,
porquanto exorbitante de sua missão regulamentar, ao prever requisito inédito
na Lei 8.383/91, ou, ao revés, apenas complementaria o teor do artigo legal,
visando à correta aplicação da lei, em consonância com o art. 100, do CTN.
3. É de sabença que, realçado no campo tributário pelo art. 150, I, da Carta
Magna, o princípio da legalidade consubstancia a necessidade de que a lei defina, de maneira absolutamente minudente, os tipos tributários. Esse princípio
edificante do Direito Tributário engloba o da tipicidade cerrada, segundo o
qual a lei escrita — em sentido formal e material — deve conter todos os elementos estruturais do tributo, quais sejam a hipótese de incidência — critério
material, espacial, temporal e pessoal -, e o respectivo conseqüente jurídico,
consoante determinado pelo art. 97, do CTN,
4. A análise conjunta dos arts. 96 e 100, I, do Codex Tributário,
permite depreender-se que a expressão “legislação tributária” encarta as normas complementares no sentido de que outras normas jurídicas também podem
versar sobre tributos e relações jurídicas a esses pertinentes. Assim, consoante
mencionado art. 100, I, do CTN, integram a classe das normas complementares os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas — espécies
jurídicas de caráter secundário — cujo objetivo precípuo é a explicitação e com-
FGV DIREITO RIO
291
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
plementação da norma legal de caráter primário, estando sua validade e eficácia
estritamente vinculadas aos limites por ela impostos.
5. É cediço que, nos termos do art. 113, § 2º, do CTN, em torno das relações jurídico-tributárias relacionadas ao tributo em si,
exsurgem outras, de conteúdo extra-patrimonial, consubstanciadas em um
dever de fazer, não-fazer ou tolerar. São os denominados deveres instrumentais
ou obrigações acessórias, inerentes à regulamentação das questões operacionais
relativas à tributação, razão pela qual sua regulação foi legada à “legislação tributária” em sentido lato, podendo ser disciplinados por meio de decretos e de
normas complementares, sempre vinculados à lei da qual dependem.
6. In casu, a norma da Portaria 90/92, em seu mencionado art. 23, ao determinar a consolidação dos resultados mensais para obtenção dos benefícios da Lei
8.383/91, no seu art. 39, § 2º, é regra especial em relação ao art. 94 do mesmo
diploma legal, não atentando contra a legalidade mas, antes, coadunando-se
com os artigos 96 e 100, do CTN.
7. Deveras, o E. STJ, quer em relação ao SAT, IOF, CSSL etc, tem prestigiado
as portarias e sua legalidade como integrantes do gênero legislação tributária, já
que são atos normativos que se limitam a explicitar o conteúdo da lei ordinária.
8. Recurso especial provido.
REsp 511390 / MG
RECURSO ESPECIAL
2003/0003249-1
Relator(a)
Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador
T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento
19/05/2005
Data da Publicação/Fonte
DJ 19/12/2005 p. 213
Ementa
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. SERVIÇOS PRESTADOS PELOS
PROVEDORES DE ACESSO A INTERNET. SERVIÇO DE VALOR
ADICIONADO. ART.
61, § 1º, DA LEI N. 9.472/97. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS.
1. A Lei nº 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, em seu art. 61, caput, prevê: “Serviço de valor adicionado é a
atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e
FGV DIREITO RIO
292
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”.
2. O serviço de conexão à Internet, por si só, não possibilita a
emissão, transmissão ou recepção de informações, deixando de
enquadrar-se, por isso, no conceito de serviço comunicacional. Para ter acesso à Internet, o usuário deve conectar-se a um sistema de telefonia ou outro meio
eletrônico, este sim, em condições de prestar o serviço de comunicação, ficando
sujeito à incidência do ICMS. O provedor, portanto, precisa de uma terceira
pessoa que efetue esse serviço, servindo como canal físico, para que, desse modo,
fique estabelecido o vínculo comunicacional entre o usuário e a Internet. É esse
canal físico (empresa de telefonia ou outro meio comunicacional) o verdadeiro
prestador de serviço de comunicação, pois é ele quem efetua a transmissão, emissão e recepção de mensagens.
3. A atividade exercida pelo provedor de acesso à Internet configura na realidade, um “serviço de valor adicionado”: pois aproveita um meio físico de comunicação preexistente, a ele acrescentando elementos que agilizam o fenômeno
comunicacional.
4. A Lei n° 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações ao definir, no art. 61,
o que é o serviço de valor adicionado, registra: “Serviço de valor adicionado a
atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicação, que lhe dá suporte
e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de mensagens”. E dessa
menção ao direito positivo já se percebe que o serviço de valor adicionado, embora dê suporte a um serviço de comunicação
(telecomunicação), com ele não se confunde.
5. A função do provedor de acesso à Internet não é efetuar a comunicação,
mas apenas facilitar o serviço comunicação prestado por outrem.
6. Aliás, nesse sentido posicionou-se o Tribunal: “O serviço prestado pelo
provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de telecomunicação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União
(artigo 21, XI, da Constituição Federal). Tampouco oferece prestações onerosas
de serviços de comunicação (art. 2º, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir
o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação
ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações. Trata-se, portanto, de mero serviço de valor adicionado, uma vez
que o prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte para
viabilizar o acesso do usuário final à Internet, por meio de uma linha telefônica,
atuando como intermediário entre o usuário final e a Internet. Utiliza-se, nesse
sentido, de uma infra-estrutura de telecomunicações preexistente, acrescentando
ao usuário novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações (artigo 61 da Lei Geral de
Telecomunicações). “O provimento de acesso não pode ser enquadrado, (...),
FGV DIREITO RIO
293
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
como um serviço de comunicação, pois não atende aos requisitos mínimos que,
técnica e legalmente, são exigidos para tanto, ou seja, o serviço de conexão à Internet não pode executar as atividades necessárias e suficientes para resultarem na
emissão, na transmissão, ou na recepção de sinais de telecomunicação. Nos moldes regulamentares, é um serviço de valor adicionado, pois aproveita uma rede
de comunicação em funcionamento e agrega mecanismos adequados ao trato do
armazenamento, movimentação e recuperação de informações” (José Maria de
Oliveira, apud Hugo de Brito Machado, in “Tributação na Internet”, Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, p.
89).” (RESP nº 456.650/PR, Voto Vista Ministro Franciulli Netto)
7. Consectariamente, o serviço de valor adicionado, embora dê
suporte a um serviço de comunicação (telecomunicação), com ele não se
confunde, pois seu objetivo não é a transmissão, emissão ou recepção de mensagens, o que, nos termos do § 1º, do art. 60, desse diploma legal, é atribuição do
serviço de telecomunicação.
8. Destarte, a função do provedor de acesso à Internet não é efetuar a comunicação, mas apenas facilitar o serviço comunicação prestado por outrem,
no caso, a companhia telefônica, aproveitando uma rede de comunicação em
funcionamento e a ela agregando mecanismos adequados ao trato do armazenamento, movimentação e recuperação de informações.
9. O serviço de provedor de acesso à internet não enseja a tributação pelo
ICMS, considerando a sua distinção em relação aos serviços de telecomunicações, subsumindo-se à hipótese de incidência do ISS, por tratar-se de serviços de
qualquer natureza.
10. Registre-se, ainda, que a lei o considera “serviço”, ao passo
que, o enquadramento na exação do ICMS implicaria analogia
instituidora de tributo, vedado pelo art. 108, § 1º, do CTN.
11. Deveras, é cediço que a analogia é o primeiro instrumento de integração da legislação tributária, consoante dispõe o art. 108, § 1º do CTN.
A analogia é utilizada para preencher as lacunas da norma jurídica positiva,
ampliando-se a lei a casos semelhantes. Sua aplicação, in casu, desmereceria
aplausos, uma vez que a inclusão dos serviços de internet no ICMS invadiria,
inexoravelmente, o terreno do princípio da legalidade ou da reserva legal que,
em sede de direito tributário, preconiza que o tributo só pode ser criado ou
aumentado por lei.
12. Consectariamente, a cobrança de ICMS sobre serviços prestados pelo
provedor de acesso à Internet violaria o princípio da tipicidade tributária, segundo o qual o tributo só pode ser exigido quando todos os elementos da norma jurídica — hipótese de incidência, sujeito ativo e passivo, base de cálculo e
alíquotas — estão contidos na lei.
13. Precedentes jurisprudenciais.
14. Recurso especial provido.
FGV DIREITO RIO
294
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Em outra linha de raciocínio, mas em consonância com a doutrina e a
jurisprudência internacional, concluiu Ricardo Lobo Torres586, ao apresentar detido trabalho sobre o princípio da tipicidade e a sua aplicabilidade no
Direito Tributário, que “o tipo e a tipicidade são necessariamente abertos” e
que a “tipificação pode se fazer na via administrativa, pelo regulamento tipificador ou pela tipificação casuística”. Em outro estudo sobre a interpretação
e integração do Direito Tributário587 salienta ainda o professor:
“No Brasil o positivismo tem procurado minimizar a importância da interpretação administrativa com defender a existência da ‘tipicidade fechada’, que
é contradictio in terminis, e da legalidade absoluta. (...) Mas na verdade o lançamento tributário não é mero ato lógico de subsunção, senão que, informado
por valores, se abre para a interpretação e a ponderação de princípios. Campo
extremamente propício para o desenvolvimento da interpretação administrativa
é o da consulta. Respondem-na os órgãos da administração ativa, envolvidos
na fiscalização de rendas e na arrecadação, e não os da administração judicante, eis que a resposta à consulta está em íntima relação com a política fiscal. A
interpretação do direito tributário ocorre ainda no bojo do processo tributário
administrativo, de rito contraditório. Firmam-se os órgãos da administração judicante. Tais decisões administrativas, quando proferidas por alguns Conselhos
de Contribuintes e pelo Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo,
por exemplo, gozam de grande prestígio diante dos tribunais do país, coisa que
ocorre também no estrangeiro.”
Na mesma toada assevera o professor Ricardo Lodi588 em importante trabalho sobre Justiça, Interpretação e Elisão Tributária que:
“Após a demonstração de que o princípio da legalidade tributária não constitui uma peculiaridade brasileira, e nem apresenta conteúdo particular em nosso
direito, é imperiosa a análise da possibilidade, em face dele, da legislação tributária utilizar-se, na definição do fato gerador da obrigação tributária, de conceitos
jurídicos indeterminados. (...) A atribuição pelo legislador de uma valoração
pelo intérprete vai se dar pelo afrouxamento do vínculo que prende o aplicador
à lei, por meio da utilização de fenômenos como os conceitos indeterminados,
os conceitos discricionários e as cláusulas gerais. Os conceitos jurídicos, com
bem assinala Engisch, são predominantemente indeterminados, sendo os absolutamente determinados muito raros no direito. Destes, temos, por exemplo os
conceitos numéricos, tais como, 50 km, prazo de 24 horas, 100 marcos. A confusão entre as três categorias leva o formalismo positivista a identificar qualquer
forma de valoração pelo aplicador do direito como discricionariedade violadora
do princípio da legalidade tributária. Para Garcia de Enterría, os conceitos determinados delimitam o âmbito de realidade a que se referem, de forma inequívoca
586
TORRES, Ricardo Lobo. O Princípio
da Tipicidade no Direito Tributário.
Revista de Direito Administrativo nº
235, Jan/Mar de 2004, p. 232. c
587
TORRES, Ricardo Lobo. Normas de
Interpretação e Integração do Direito
Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
PP. 73-75. d
588
RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 44- 50.
FGV DIREITO RIO
295
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
e precisa. É o que ocorre quando o legislador utiliza-se de um numeral para
quantificar a medida de determinada situação. Exemplifica Garcia de Enterría
com a fixação de idade ou do prazo para a prática de determinados atos. O
contrário se dá com os conceitos indeterminados, situação em que a lei se refere
a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem precisados em seu
enunciado. Estamos nos referindo a expressões como incapacidade permanente,
boa-fé e improbidade. Nos conceitos indeterminados não há exatidão quanto
a uma quantificação ou determinação rigorosa; neles estão presentes conceitos
de experiência ou de valor. Porém, não obstante a imprecisão conceitual a indeterminação se extingue no momento da aplicação. Convém não olvidar que o
conceito indeterminado distingue-se substancialmente do conceito discricionário. Neste último, o legislador atribui ao aplicador da norma a possibilidade de
escolher entre os vários caminhos a seguir a partir de uma valoração subjetiva, de
acordo com suas convicções pessoais. A discricionariedade confere à autoridade
administrativa o poder de determinar, de acordo com o seu próprio modo de
pensar, o fim de sua atuação. Quando a lei estabelece o conceito de interesse
público ou de bem comum, o seu alcance será determinado por aquilo que a
autoridade considerar como sendo de interesse público concernente ao bem comum. Por sua vez, nos conceitos indeterminados, a lei não abre espaço para uma
escolha subjetiva do aplicador, muito embora careçam eles sempre de um preenchimento valorativo, Não que exista uma única solução legal, mas nos conceitos
indeterminados há, como explica Engisch, uma valoração objetiva, a partir das
concepções dominantes no corpo social. A vinculação do conceito jurídico indeterminado à lei é garantida pelo caráter objetivo da valoração, a quel alude
Engiisch. No entanto, há, se comparado ao conceito determinado, uma redução
do grau de vinculação do aplicador à literalidade da lei, autorizada pelo próprio
legislador que, ao utilizar-se da indeterminação conceitual, atribui ao intérprete
o exame a respeito do chamado halo do conceito, representado por uma zona
intermediária entre uma região de certeza sobre a existência do conceito (núcleo
do conceito), e outra sobre a sua inexistência. Por halo conceitual se entende
uma certa margem de apreciação por parte da administração, onde esta, a partir
de uma valoração objetiva, vai interpretar a norma de acordo com as concepções
morais dominantes na sociedade, que não se confunde com a moral pessoal do
juiz. (...) A estrutura tipológica adotada no direito penal e no direito tributário,
embora avessa à discricionariedade, não é incompatível como os conceitos indeterminados. Bem ao contrário. Como bem destacado por Engisch, os tipos constituem subespécies dos conceitos indeterminados, apresentando toda fluidez que
caracterizam estes. (...) Embora a adoção de conceitos indeterminados seja tabu
para a maioria da doutrina brasileira, não são poucos os autores que defendem a
sua possibilidade aqui e alhures. (...)
Ao lado dos conceitos indeterminados, a lei utiliza-se ainda, como técnica
desvinculadora, as chamadas cláusulas gerais, que se traduzem na formulação
FGV DIREITO RIO
296
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
da hipótese legal que, dada sua grande generalidade, abrange todo um domínio
de casos subordinados a seu tratamento jurídico. São conceitos multisignificativos, que se contrapõem a uma elaboração casuística das espécies legais. A sua
utilização pelo legislador não significa uma opção por conceitos abstratos, discricionários ou indeterminados, uma vez que não possuem qualquer estrutura
própria, embora quase sempre resultem em um conceito indeterminado. (...)
Vale mais uma vez trazer a posição de Engisch, desta feita, a respeito da utilização de cláusula geral como instrumento destinado a evitar as lacunas. Segundo o
referido autor, as cláusulas gerais, em razão de sua generalidade ‘tornam possível
sujeitar um mais vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com possibilidade
de ajustamento, a uma conseqüência jurídica. O casuísmo está sempre exposto
ao risco de apenas fragmentária e provisoriamente dominar a matéria jurídica.
Além da definição genérica do fato gerador, as cláusulas gerais também utilizadas
como instrumentos de combate à evasão e á elisão pela adoção de fatos geradores
supletivos ou suplementares, ao lado do fato gerador típico, como sustentou
Amílcar Falcão. Para Ricardo Lobo Torres, a utilização das cláusulas gerais na
definição do fato gerador do tributo é inevitável diante da ambigüidade da linguagem no direito tributário, não sendo afastada pelo princípio da tipicidade.
(...) Deste modo, fica evidenciado que os tipos no direito tributário, como em
qualquer ramo da ciência jurídica, são abertos, e que a maior ou menor abertura
do tipo e determinada pelo legislador, na definição do fato gerador do tributo,
não sendo vedada a utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais.”
O Supremo Tribunal Federal ao examinar a possibilidade de o regulamento
editado pelo Poder Executivo integrar e condensar a lei que apenas delineou
os parâmetros necessários à aplicação da norma tributária se pronunciou no
RE 343446, cuja ementa dispõe:
RE 343446 / SC — SANTA CATARINA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 20/03/2003
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 04-04-2003 PP-00040
EMENT VOL-02105-07 PP-01388
Parte(s)
RECTE.
: MORETTI AUTOMÓVEIS LTDA
ADVDOS. : JOÃO CARLOS CASSULI JÚNIOR E OUTROS
RECDO.
: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL —
INSS
ADVDA.
: PATRÍCIA HELENA BONZANINI
FGV DIREITO RIO
297
DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
Ementa
EMENTA: — CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO — SAT. Lei 7.787/89,
arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos
612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º,
II; art. 150, I. I. - Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do
Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação
no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica
da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei
complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. - O art. 3º,
II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o
art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais. III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem,
satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação
tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio
e grave”, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art.
5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. - Se o regulamento vai
além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de
ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. - Recurso extraordinário não conhecido.
O refluxo do positivismo e do formalismo dos exegetas, bem com o resgate dos valores éticos na interpretação e aplicação do Direito, combinado com
aumento do intercâmbio do país com o resto do mundo aliado à necessária
aproximação da ciência jurídica com os aspectos econômicos da tributação,
reforçam a necessidade do afastamento ou pelo menos drástico abrandamento da citada tipicidade fechada, rompendo-se o isolamento do Direito Tributário nacional.
Nesses termos, impõe-se a ponderação entre os ideais de segurança jurídica e clareza, essenciais à estabilidade do ordenamento jurídico e à formação
de um ambiente propício aos investimentos privados, elemento gerador de
desenvolvimento e riqueza, considerando argumentos e elementos de natureza extrajurídicos, com a necessidade de valorizar a justiça e a igualdade,
sem ocultar o inevitável caráter criador inerente às sucessivas etapas entre a
interpretação e a aplicação da norma.
Na próxima aula examinaremos os princípios da igualdade ou da isonomia e seus consectários, as anterioridades, que se subdividem em anterioridade clássica e nonagesimal.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
QUESTÕES DE CONCURSO
1. Questão:
a) Com base no art.146 da Constituição de 1988, é correto afirmar
que as limitações ao poder de tributar encontram-se exaustivamente dispostas em Lei Complementar?
2. Questões de Concurso
Julgue os seguintes itens, acerca das limitações do poder de tributar.
a. __ Em que pese o princípio da legalidade, a medida provisória pode
instituir e aumentar tributos, ressalvados aqueles que demandem lei
complementar para sua instituição.
b. __ O princípio da anterioridade, por assegurar a integridade do
próprio Estado federativo, aplica-se a todas as espécies tributárias,
impedindo a Constituição da República que haja qualquer exceção
à incidência de seu comando normativo. Empréstimos compulsórios, desde que por lei complementar.
c. __ Pelo princípio da legalidade, os elementos essenciais de todos os
tributos são fixados por lei, inclusive as bases de cálculo e as alíquotas, não havendo exceção. princípio da anterioridade.
d. __ A União pode instituir tributo que não seja uniforme em todo o
território nacional, desde que se trate de incentivo fiscal destinado
a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre
as regiões do país.
e. __ Em virtude da autonomia de que gozam as entidades federativas, é vedado à União conceder isenção de tributos da competência
dos estados, do DF ou dos municípios.
(Consultor Legislativo do Senado Federal)
3. Questões da OAB ( 3.1.36 EXAME — CESPE ) ( 3.2.37 EXAME —
CESPE )QUESTÃO 63
3.1.O princípio da progressividade tributária não se aplica ao imposto:
A) territorial rural.
B) sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
C) predial e territorial urbano.
D) sobre a transmissão onerosa de bens imóveis.
3.2. Para que um município crie um tributo, é necessário, além da competência para fazê-lo, o atendimento às normas limitadoras, que lhe
são impostas:
A) pela CF, pela constituição do respectivo estado, pelas normas gerais
tributárias e pela lei orgânica do próprio município.
B) pela CF e pela constituição estadual, apenas.
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C) pela CF e pela lei orgânica do próprio município, somente.
D) pela CF, apenas.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DA AULA
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Paulo: Editora Saraiva, 2005.
BALEEIRO, Aliomar, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7º edição. Rio de Janeiro, Forense, 2001.
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São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
LEONARDO DE ANDRADE COSTA
Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP)/International Tax Program – Harvard Law School, Cambridge
(USA), pós-graduado em Contabilidade pela Fundação Getúlio Vargas,
Rio de Janeiro (FGV-Rio), Bacharel em Direito e Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Professor do curso
de graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
(FGV Direito-Rio), da pós-graduação da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e da pós-graduação da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UFRJ). Consultor Tributário na Superintendência de Tributação da
Secretaria de Estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro.
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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I
FICHA TÉCNICA
Fundação Getulio Vargas
Carlos Ivan Simonsen Leal
PRESIDENTE
FGV DIREITO RIO
Joaquim Falcão
DIRETOR
Fernando Penteado
VICE-DIRETOR DA GRADUAÇÃO
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO
Luiz Roberto Ayoub
PROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO
Ronaldo Lemos
COORDENADOR CENTRO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE
Evandro Menezes de Carvalho
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
Rogério Barcelos Alves
COORDENADOR DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO
Lígia Fabris e Thiago Bottino do Amaral
COORDENADORES DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Wania Torres
COORDENADORA DE SECRETARIA DE GRADUAÇÃO
Diogo Pinheiro
COORDENADOR DE FINANÇAS
Milena Brant
COORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO
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