Ética no Planejamento Tributário: Elisão Fiscal Versus Evasão Fiscal

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Ética no Planejamento Tributário: Elisão Fiscal Versus Evasão Fiscal
ARTIGO CIENTÍFICO
Encarte da Revista Átomo Nº 2 - SINQFAR
Ética no Planejamento
Tributário: Elisão Fiscal
Versus Evasão Fiscal
por André Peixoto de Souza*
1. Planejamento Tributário
Consiste o planejamento tributário na “organização lícita dos negócios e dos atos do indivíduo e das empresas de maneira a evitar ou
reduzir o peso dos tributos”. Posto que “a liberdade de planejar e praticar atos que não produzam tributação, ou acarretem a redução das obrigações
tributárias, assim como a liberdade de omissão da prática de atos que importem em tributo devido, se apresenta como um direito constitucional” 1.
Posto que a carga tributária muitas vezes pode representar mais do que os custos de produção numa empresa, o planejamento
tributário assume vital importância na estratégia financeira da empresa, pois em verdade gerenciamento tributário é “administração
de custos”. Eis algumas características inerentes ao planejamento tributário:
• Práticas de gerenciamento eficazes para preservar a continuidade do empreendimento;
• Procura de formas lícitas para reduzir o pagamento de tributos;
• Visualização da maximização dos lucros;
• Pretensão de menor impacto no fluxo de caixa da empresa;
• Manutenção do negócio;
• Melhoria dos níveis de emprego (quantidade e qualidade).
No atual cenário econômico brasileiro, o baixo índice de crescimento (2,3% em 2005 em relação ao exercício anterior) que se
dá, em parte, em função da alta carga tributária (37,4% do PIB em 2005)2, consagra à produtividade brasileira (leia-se empresariado) três
vertentes básicas:
1) redução de custos, que em verdade se trata de armamento administrativo, a partir da gestão da própria empresa, de
forma interna ou externa (consultoria em gestão empresarial);
2) planejamento tributário, mediante o aperfeiçoamento de toda a sistemática na prática de recolhimento de tributos,
que se dá também de maneira interna (contabilidade) ou externa (consultoria em planejamento tributário);
3) internacionalização da empresa, buscando fundamentalmente a redução da carga tributária, o diferenciado tratamento
de juros, bem como investimentos e acordos internacionais (consultoria financeira específica, que envolve aspectos de
planejamento tributário internacional e gestão financeira internacional).3
E nessa ótica, o planejamento tributário, propriamente dito, possui como finalidades precípuas o seguinte:
1)
2)
3)
evitar a incidência do tributo: nesse caso adota-se procedimentos com o fim de evitar a ocorrência do fato gerador;
reduzir o montante do tributo: as providências serão no sentido de reduzir a base de cálculo ou alíquota do tributo;
retardar o pagamento do tributo: o contribuinte adota medidas que têm por fim postergar o pagamento do tributo, sem ocorrência da multa.4
1
Ricardo Mariz de Oliveira. Planejamento Tributário: Elisão e Evasão Fiscal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário, pp. 369 e ss.
Dados extraídos da Receita Federal: www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/estatisticas/ctb2005.pdf - acesso em 21/03/2007.
3
Em 2006, segundo dados do Jornal Valor Econômico (12/03/2007, p. F1), as fusões e aquisições pautadas na internacionalização das empresas brasileiras
ultrapassaram investimentos de US$ 118,5 bilhões. Só a Companhia Vale do Rio Doce representou mais de 15% do total das operações (captação de US$ 18 bilhões
para aquisição da mineradora canadense de níquel Inco).
4
Manuel Perez Martinez, em http://www.cosif.com.br/publica.asp?arquivo=20040619elisao - acesso em 21/03/2007.
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2. Obrigação Tributária
É importante destacar algumas noções fundamentais da obrigação tributária, ao menos no que diz respeito
aos seus elementos formativos:
Segundo o art. 114 do Código Tributário Nacional, fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Em geral, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus
efeitos, tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a
que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios (art. 116, I do CTN), e tratando-se de situação jurídica, desde o
momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável (art. 116, II do CTN).
O sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu
cumprimento (art. 119 do CTN). O sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária (art. 121 do CTN), que poderá ser o “contribuinte”, quando tenha relação pessoal e direta com a situação
que constitua o respectivo fato gerador (art. 121, I do CTN), ou o “responsável”, quando, sem revestir a condição de contribuinte,
sua obrigação decorra de disposição expressa de lei (art. 121, II do CTN).
A obrigação tributária nada mais é do que a relação jurídica existente entre o sujeito ativo e o sujeito passivo gerada a partir de um fato do qual decorra a incidência tributária.
3. Evasão Fiscal e Elisão Fiscal
Muito bem nos define o Prof. Martinez acerca da evasão fiscal (redução ilegal da carga tributária), nestes termos:“a
evasão fiscal consiste em toda ação consciente, espontânea, dolosa ou intencional do contribuinte através de meios ilícitos para evitar, eliminar, reduzir ou retardar o
pagamento do tributo devido, não se configurando em hipótese alguma com o planejamento tributário lícito”.
E assim continua:“a evasão causa enormes prejuízos aos negócios, ao governo e por extensão à sociedade como um todo. Trata-se
de procedimentos adotados após o fato gerador ocorrido e nesse campo, por exemplo, destacamos a omissão de registros em livros fiscais próprios, utilização de
documentos inidôneos na escrituração contábil e a falta de recolhimento de tributos apurados”.5
Aliás, a falta de recolhimento de tributos apurados configura crime de sonegação fiscal, previsto na Lei n° 4.729/1965,
que dentre outras determinações, consagra a seguinte tipificação penal:
Art. 1º Constitui crime de sonegação fiscal:
I prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas
jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos,
taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;
II - inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros
exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública;
III - alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública;
IV - fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução
de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis;
V - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida do Imposto sobre a Renda como incentivo fiscal.
Pena: Detenção, de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vezes o valor do tributo.
De outro lado, a elisão fiscal (economia fiscal legítima) é “uma conduta lícita do contribuinte antes da ocorrência do
fato gerador, que ele pratique sem que esteja revestida de nenhuma prática simulatória, com a qual ele obtenha uma menor carga tributária legalmente
possível”. A partir daí,“representa a execução de procedimentos, antes do fato gerador, legítimos, éticos, para reduzir, eliminar ou postergar a tipificação
da obrigação tributária, caracterizando, assim, a legitimidade do planejamento tributário”.6
Em suma, o expediente da Elisão Fiscal “consiste em responder afirmativamente às seguintes indagações:
a economia fiscal decorreu de ato ou omissão anterior à ocorrência do fato gerador?
a economia fiscal decorreu de ato ou omissão praticados sem infração à lei?
A economia fiscal decorreu de ato ou omissão efetivamente ocorridos, tal como refletidos na respectiva documentação e
escrituração, e sem terem sido adulterados nesta?” 7
1)
2)
3)
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Idem.
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4. Norma Antielisiva
A Lei Complementar n° 104/2001, que altera dispositivos da Lei nº 5.172/1966 (CTN), assim dispõe:
Art. 1º A Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, passa a vigorar com as seguintes alterações:
[...]
“Art. 116. [...]
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de
dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados
os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
[...]
Em verdade, essa alteração normativa autoriza o Fisco a desconsiderar atos e negócios jurídicos praticados a partir de simulação. Pretendeu com isso o legislador combater fraudes e simulações praticadas pelo contribuinte. Ou seja, a “norma antielisiva”, como vem
sendo tratada, é “norma antievasiva”, posto que os procedimentos fraudulentos configuram conceitualmente a evasão fiscal. É redundante,
portanto, vez que a evasão fiscal, antes mesmo da Lei Complementar n° 104/01, já era proibida e veementemente combatida.
A elisão fiscal, por sua vez, encontra respaldo na Carta Constitucional, a partir do fundamento da livre iniciativa (art. 1º, IV da CF/88),
do princípio da legalidade (art. 150, I da CF/88) e principalmente do ideal de liberdade, consagrado no art. 5º, II da CF/88:
Art. 5º [...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Desde que a prática que pretende “economizar tributo”, a partir de planejamento tributário, tenha ocorrido sem violação
da lei, não poderá o Fisco desqualificar tal atitude, porquanto não é isso o que determina a Lei Complementar n° 104/01, e sim a desconsideração de “atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária”.
5. Dialética da Elisão Fiscal
Partindo da essência do empresariado, que possui, inevitavelmente, uma condição absorta no capitalismo moderno, verdadeiramente capaz de movimentar a história, qual seja o “fim lucrativo”, pode-se chegar dialeticamente a uma síntese positiva, senão vejamos:
1 – os fins lucrativos:
• Qual o fim (objetivo) de uma empresa comercial? – Lucrativo!
•
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•
O que é lucro? – A diferença positiva entre receita e despesa.
O fim lucrativo exige maximização de receita e minimização de despesa.
Recolhimento tributário configura despesa (conceito de tributo8).
O fim lucrativo exige minimização de recolhimento tributário.
A minimização do recolhimento tributário em aspectos legais configura o planejamento tributário (instrumento para a elisão fiscal).
A elisão fiscal contribui para com a maximização do fim lucrativo.
2 – a responsabilidade social:
•
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•
•
O sistema tributário nacional permite a redistribuição de renda.
A responsabilidade social indireta9 da empresa está diretamente ligada a sua carga tributária e seu conseqüente recolhimento.
Em princípio, a elisão fiscal reduz a capacidade de responsabilidade social da empresa.
Por outro lado, a elisão fiscal permite a maximização do lucro e conseqüentemente viabiliza novos investimentos, projetos,
empregos e contratações, gerando maior quantidade de receita e de incidência tributária.
Proporcionalmente e a posteriori a elisão fiscal gera mais receita pública (a partir dos novos recolhimentos tributários
incidentes das novas demandas).
Em suma, a elisão fiscal aumenta (e não reduz!) a capacidade de responsabilidade social indireta da empresa.
8
CTN, art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
“Para além do capital”, podemos considerar responsabilidade social indireta como o elemento plural intrínseco às empresas capaz de realizar inclusão social a
partir do setor privado. Trata-se de uma contribuição direta, de natureza privada, aos mecanismos de gerenciamento do Estado (a partir do Estado), respaldada
na ética, no princípio da tolerância, na solidariedade e no compromisso com a pragmatização da dignidade humana.
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6. Ética e Planejamento Tributário
Torna-se possível visualizar que o planejamento tributário, respaldado pelo instituto da elisão fiscal, comporta todos os requisitos
de configuração aos preceitos éticos dentro do sistema jurídico.
Abre-se, nesse sentido, outra questão de natureza material que encontra barreira no conceito de ética (ou na sua pragmática): a
utilização da prescrição tributária como elemento de extinção do crédito tributário. Assim determina o art. 156, V c/c 150, § 4º do CTN:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
V – a prescrição e a decadência.
Art. 150. [...]
§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse
prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o
crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormenteefetuado.
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
E ainda, no tocante à recuperação judicial da inadimplência por parte da Fazenda Pública:
Vide, finalmente, o art. 40 da Lei 6.830/80:
Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz
ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento
da execução.
§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda
Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
7. Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
_____. Lei Complementar n° 104 de 2001.
_____. Lei n° 5.172 de 1966 (Código Tributário Nacional).
_____. Lei n° 4.729 de 1965.
MARTINEZ, Manuel Perez. O contador diante do planejamento tributário e da lei antielisiva.
Em www.cosif.com.br/publica.asp?arquivo=20040619elisao, acesso em 21/03/2007.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Planejamento Tributário: Elisão e Evasão Fiscal.
In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. V.1, 4ª ed., Belém: CEJUP, 1995.
RECEITA FEDERAL. Carga tributária no Brasil 2005 – Estudos Tributários 15.
Em www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/estatisticas/ctb2005.pdf, acesso em 21/03/2007.
SERTEK, Paulo.
VALOR ECONÔMICO, 12/03/2007, p. F1 e ss.
* André Peixoto de Souza
Advogado, Historiador, Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela UFPR, Doutorando em Educação pela UNICAMP.
Professor na FCJ/UTP e Radial-Estácio.
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