John Krizanc acto i

Transcrição

John Krizanc acto i
John Krizanc
acto i
não resistir nem a uma ideia nova nem a um vinho velho
t de LempicKa (acto i)
John Krizanc
tradução
carLos carvaLheiro
revisão de regina redinha e de cláudia Gomes
tradução das personagens de expressão francesa de Jean pierre taillade
revisão de Fernando rodrigues e de raquel Baião
edição 2010
Fatias de cá
apartado 140 • 2304-909 tomar • portugal
tlm 960 303 991 • [email protected] • www.fatiasdeca.net
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
the accuracies i deal in are the accuracies of my
impressions. if you want factual accuracies you must go
to… but no, don’t go to anyone, stay with me
o rigor com que eu lido é o rigor das minhas impressões. se queres rigor factual tens
de ir… não, não vás, fica comigo
Ford madox Ford
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4
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dramatis personæ
por ordem de entrada
dante Fenzo, mordomo de d'annunzio, ex-gondoleiro
aldo Finzi, polícia fascista
Gian Francesco de spiGa, compositor boémio, diletante
emiLia pavese, criada, cleptómana
Gabriele d'annunzio, grande poeta italiano, patriota e
herói da 1ª Guerra mundial
aéLis mazoyer, governanta e confidente de d'annunzio
carLotta Barra, bailarina à espera da recomendação
de d'annunzio para diaghilev
mario pagnutti, misterioso novo chauffer de d'annunzio
Luisa Baccara, pianista e ex-amante de d'annunzio
tamara de Lempicka, aristocrata, pintora polaca de
expressão francesa
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
t de LempicKa
John Krizanc
a estreia de t de LempicKa (tamara no original) realizou-se na strachan house em
trinity-Bellwoods, toronto, ontario, canadá em 8 de maio de 1981. a produção original foi feita pela necessary angel theatre company de toronto com encenação
de richard rose. Foi depois estreada em Los angeles, usa e depois em novembro
de 1987, em nova iorque, sempre encenada por richard rose e produzida por moses
znaimer e Barrie Wexler (e ainda Larry dykun em nova iorque).
tradução
carlos carvalheiro
revisão de regina redinha e de cláudia Gomes
tradução das personagens de expressão francesa de Jean pierre taillade
revisão de Fernando rodrigues e de raquel Baião
estreada em portugal pelo Fatias de cá no convento de cristo, em tomar, parceria
com mc-ippar-convento de cristo, em 12 de setembro de 1998 (carreira 1998-1999)
reposição no mosteiro de s. Jorge de milréus, em coimbra, parceria com
universidade vasco da Gama (carreira 2000-2001)
reposição no convento de cristo, em tomar, parceria com mc-igespar-convento
de cristo (carreira 2003-2007)
reposição no palácio sotto-mayor, Figueira da Foz, parceria com casino da
Figueira (carreira a partir de 2009)
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t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
índice
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prólogo
aLBerto manGeL
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introdução
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Ficha dos espectáculos
23
acto i
secção a
24
arrivo • salão • dante, de spiGa, Finzi
o público é introduzido no il vitorialle.
26
a 1 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, dante, de spiGa emiLia, Finzi, mario
dante e Finzi apresentam as personagens e explicam as regras ao público.
secção B
33
B 2 • salão • de spiGa
de spiga monologa ao piano sobre música.
34
B 3 • Quarto de Luisa • Luisa
Luisa monologa sobre as amantes de d'annunzio.
35
B 4 • corredor • carLotta, Finzi
Finzi encontra carlotta e conversam sobre a ligação deste com Luisa.
38
B 5 • corredor • Finzi
Finzi monologa sobre Luisa.
39
B 6 • Quarto de d'annunzio • d’annunzio
d'annunzio monologa sobre tamara e recebe um telefonema de mussolini.
41
B 7 • suite • emiLia
emilia monologa sobre si.
43
B 8 • suite • carLotta, emiLia
carlotta e emilia falam de vestidos, criados e histórias horríveis.
46
B 9 • sala de Jantar • aéLis
aélis monologa sobre tamara e d'annunzio.
48
B 10 • salão • dante, de spiGa
dante e de spiga conversam sobre ópera.
51
B 11 • Quarto de d'annunzio • d’annunzio, Luisa
Luisa vai ao quarto de d'annunzio e conversam sobre a sua ligação.
secção c
53
c 12 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
todos esperam tamara.
61
c 13 • corredor • aéLis, carLotta, emiLia, Finzi, Luisa
emilia, aélis, carlotta e Luisa transportam os presentes para tamara.
63
c 14 • suite • carLotta, dante , emiLia, Luisa
carlotta, dante, Luisa e emilia preparam a suite para tamara.
secção d
65
d 15 • átrio • d’annunzio , dante, emiLia, Finzi, mario , tamara
d'annunzio recebe tamara.
69
d 16 • sala de Jantar • emiLia, Finzi
Finzi solicita emilia.
70
d 17 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio , de spiGa, Luisa, tamara
apresentações.
78
d 18 • cozinha • emiLia, Finzi
emilia e Finzi falam sobre mario.
82
d 19 • suite • dante, mario
mario e dante conversam sobre ser-se criado.
secção e
85
e 20 • Quarto de carlotta • aéLis, carLotta
aélis dá um vestido a carlotta.
92
e 21 • salão • de spiGa, Luisa
Luisa e de spiga conversam sobre si, d'annunzio e Finzi.
97
e 22 • suite • d’annunzio, tamara
d'annunzio assedia tamara.
101
e 23 • suite • tamara
tamara monologa sobre o assédio de d'annunzio.
103
e 24 • Quarto de d’annunzio, escritório de Finzi e Quarto de mario • mario
mario rouba a pistola de d'annunzio e revista o escritório de Finzi.
105
e 25 • cozinha • dante, emiLia, Finzi, mario
Finzi e dante discutem. Finzi interroga mario.
secção F
114
F 26 • sala de Jantar • dante, emiLia
emilia e dante resmungam com a falta de criados.
116
F 27• sala de Jantar • aéLis, carLotta, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, tamara
sobremesa.
127
F 28 • Quarto de d'annunzio • aéLis, d’annunzio
aélis escolhe um poema de d'annunzio para tamara.
131
F 29 • suite • mario, tamara
tamara apanha mario a revistar-lhe a bagagem.
138
F 30 • corredor • emiLia, mario
mario encontra emilia aflita.
secção G
140
G 31 • cozinha • aéLis, d’annunzio , mario
d'annunzio encontra mario na cozinha. e faz uma omelete para aélis.
148
G 32 • sala de Jantar • emiLia
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emilia faz um pequeno monologo a lamentar-se.
149
G 33 • corredor • emiLia
emilia continua a lamentar-se.
150
G 34 • salão • carLotta, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, tamara
de spiga, tamara, carlotta, Finzi e Luisa dançam.
158
G 35 • átrio • Luisa, tamara
Luisa e tamara retocam a maquilhagem.
secção h
160
h 36 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, tamara
d'annunzio tenta seduzir tamara.
162
h 36a • salão • de spiGa, Luisa
conversa sobre tamara.
165
h 36B • salão • aéLis, carLotta, emiLia
conversa sobre as pessoas da casa.
168
h 36c • salão • d’annunzio, tamara
conversa sobre Luisa.
170
h 36d • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, de spiGa, Luisa, tamara
conversa sobre debussy.
173
h 37 • sala de Jantar • Finzi
Finzi resmunga contra d'annunzio.
174
h 38 • sala de Jantar • emiLia, Finzi
Finzi interroga emilia sobre mario.
secção i
176
i 39 • salão • d’annunzio , de spiGa Luisa
d'annunzio quer falar sobre tamara com Luisa.
178
i 40 • corredor • aéLis, carLotta, de spiGa
aélis beija carlotta.
183
i 41 • escritório de Finzi • Finzi
Finzi telefona para mandar cercar il vittoriale e prender defelice.
184
i 42 • Quarto de emilia • emiLia, Finzi
Finzi e emilia falam de ser-se pobre.
187
i 43 • Quarto de emilia • emiLia
emilia reza.
188
i 44 • Quarto de mário e cozinha • dante, emiLia, Finzi, mario
dante e mario embebedam-se e “passeiam” por venezia.
202
i 45 • corredor • emiLia, Finzi , mario
emilia faz jogo duplo.
204
i 46 • cozinha e corredor • dante
dante leva o público a jantar.
205
i 47 • salão • d’annunzio, de spiGa
d'annunzzio discursa.
207
i 48 • salão • aéLis, d’annunzio
aélis vai buscar d'annunzio.
208
intermezzo • refeitório • dante
Jantar-Buffet
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L empicKa (acto i) • Fdc
próLoGo da edição inGLesa de “tamara”
(títuLo oriGinaL de “t de LempicKa”)
n
o verão de 1980, dois estudantes com um vago inte-
resse teatral discutiam personagens de uma peça de
tchekhov. John Krizanc, que pretendia ser autor dramático, argumentava que o que mais lhe interessava eram os
criados, as ressentidas criadas russas e os mordomos
que diziam uma frase aqui e outra ali e depois desapareciam para a cozinha. eles, sentia Krizanc, eram os únicos
a conhecer o reverso do tecido social; eles eram os únicos que Krizanc queria seguir. richard rose sugeriu
então que talvez pudesse ser escrita uma peça que fosse
posta em cena de uma tal forma que ao público era per-
mitido, de facto, seguir os criados. Krizanc disse que iria
tentar.
Krizanc estava menos interessado em seguir um esquema
dramático engenhoso do que em explorar um tema que
sempre o tinha intrigado. durante a sua vida, o assunto
aparecera de diversas maneiras: ou como um conflito
entre cidadãos e a coisa pública (a política era um assunto habitual à mesa de jantar dos Krizanc, sendo o pai um
ardente nacionalista jugoslavo), ou como uma luta entre
o artista e a sociedade (a qual Krizanc via ilustrada na
sua tentativa diária de sobreviver, vendendo livros na
baixa de toronto), ou como o choque de responsabilidades cívicas e oficiais (sempre presente em temas que
apareciam diariamente pedindo a adesão a todo o tipo
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de causas, canadianas e internacionais). em resumo, o
assunto de Krizanc tinha sido sempre o do indivíduo
perante o estado.
a peça que resultou da conversa sobre tchekov foi moldada por várias circunstâncias. uma delas era uma história de família: o pai de Krizanc, um liberal convicto, quando era estudante em itália, andou a colar cartazes do
partido fascista para ganhar algum dinheiro. pode a
fome justificar o lapso moral do pai? outra foi um livro: o
editor italiano Franco maria ricci deu à estampa a sua
luxuosa série segni dell’uomo e num dos volumes era
reproduzida a obra de tamara de Lempicka, uma pintora retratista polaca que, nos anos 20 e 30 se tornou a
menina bonita da aristocracia europeia. pode uma artista valer pelos retratos que faz dos poderosos ou terá ela
responsabilidades cívicas que deveria ter assumido? uma
terceira foi um filme: o conformista de Bertolucci, com a
sua implacável descrição da vida burguesa sob o fascismo. como conseguiam as pessoas normais viver debaixo
de uma tão extrema falta de liberdade?
o livro de ricci sobre tamara de Lempicka incluia, para
além das reproduções dos quadros de tamara, extractos do diário de aélis mazoyer, uma mulher que foi amante e governanta do grande poeta italiano Gabriele
d’annunzio. Krizanc leu o diário, em seguida leu a obra
de d’annunzio e, depois, d’annunzio tornou-se, ele próprio, no cerne da peça de Krizanc. d’annunzio era a personagem ideal para os objectivos de Krizanc. Foi considerado um herói de guerra pelo povo italiano depois da
sua tentativa de preservar para o seu país o porto de
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Fiume em 1919 e foi o autor italiano mais vendido do seu
tempo. a sua voz teria feito a diferença no establishment
do estado fascista, mas talvez pela sua sede de conforto e de cocaína que lhe era fornecida, permitiu que
mussolini o encerrasse até ao fim da vida no il vittoriale,
o palacete de d’annunzio no lago de Garda. d’annunzio,
que tinha tanto a força de um grande poeta, como o
registo de um grande guerreiro e que optou pelo silêncio
perante a desgraça social, foi para Krizanc o exemplo
extremo do artista que, primeiro cria uma compreensão
do mundo e, depois, se submete às suas convenções.
onde quer que estejamos, actor ou espectador, movemo-nos para lá e para cá das convenções. primeiro construímo-las, quais laboriosos Babéis, para chegar a uma
forma superior de compreensão. depois, minamo-las,
dividimos os trabalhadores por inúmeras linguagens diferentes, o que acaba por banir qualquer ilusão de conhecimento. mascaramos as nossas invenções dizendo “era
uma vez, aconteceu realmente que” mas revolvemos tudo
ao dizer “esta história que começa com ‘era uma vez’”.
andamos de um lado para o outro, entre acreditar e não
acreditar.
o teatro, a representação de acontecimentos “como se
eles acontecessem diante dos nossos olhos”, começa
por uma convenção comum a todos os espectáculos: a
divisão da realidade. há um espaço destinado ao público, o passivo espectador, que observa sentado; e um
outro onde decorre a peça e onde os actores representam. algumas vezes na história do teatro o objectivo do
dramaturgo é conseguir manter tanto quanto possível a
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barreira entre estes dois espaços; noutros casos, o
talento do dramaturgo é medido pela sua capacidade de
derrubar esta barreira e quão completamente permite a
mistura dos dois espaços. racine pertence aos primeiros, Brecht aos segundos. d’annunzio (enquanto personagem, não enquanto dramaturgo), começa com
Brecht e acaba com racine.
desde sempre, o teatro proclama a tirania do dramaturgo. mesmo quando o texto sofre as adaptações do
encenador ou do colectivo ou de uma prima donna, quem
manda no palco manda nas regras do evento. seja o que
for que tenha sido retirado ou incluído no texto original,
o público tem de seguir o enredo que foi pré-determinado pelo autor, aquilo que o autor determinou que deveria ser visto por todos.
o estado fascista funcionava com base no mesmo princípio. o cognome de mussolini, il duce, significa “chefe”
mas também “condutor”, “o que conduz”, “o que é responsável”. como qualquer dramaturgo (no âmbito de um
grande palco), il duce determinava o que se iria passar e
o que seria visto, porque só aquilo que ele escolhesse é
que podia ser visto pelo seu público. o popolo, o povo,
não tinha possibilidade de escolher e deveria contentarse em obedecer e desistir da auto-determinação. de
eurípides a pinter, é esta a única exigência que um dramaturgo faz,
a pergunta feita por Krizanc foi esta: pode o público,
submetido ao capricho de um autoritário dramaturgo ser
suficientemente livre para estabelecer contra a sua pró-
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L empicKa (acto i) • Fdc
pria liberdade uma estupidificação trazida pelo fascismo? pode o público, agarrado ao seu assento como
d’annunzio no il vittoriale, começar a perceber que tem,
de facto, a possibilidade de escolher? Krizanc encontrou
a sua resposta no desafio sugerido por rose. ele tinha
de “libertar o público”, permitir-lhe que acompanhasse a
personagem ou a história que quisesse, a dos criados ou
a dos patrões. o dramaturgo —o próprio Krizanc— limitar-se-ia a ser o fornecedor de material. o construtor
das situações, aquele que escolhe o ponto de vista, seria
o público. como acabou por acontecer, a cada espectador, seria permitido escolher a sua personagem e seguila efectivamente através da casa onde se representa
tamara. nunca antes um público de teatro tinha tido este
tipo de liberdade. neste sentido, tamara tornou-se a
primeira peça democrática.
Borges refere que cada escritor cria o seu próprio percurso. com tamara, Krizanc constroi vários caminhos de
liberdade. o romance infinito de Kafka, o castelo, permite ao leitor adicionar mais obstáculos para dificultar a
busca sem fim do herói; na composição 1960 número 5 do
compositor americano Lamonte Young, o bater das asas
de uma borboleta libertada num auditório, determina o
espaço de tempo de uma secção de silêncio; a sombria
peça de ayn rand, a noite de 16 de Janeiro, onde o
público decide se o acusado é culpado ou inocente; e o
mais óbvio de todos, hopscotch de Julio cortazar, onde
os capítulos são comutáveis, permite ao leitor construir a
sua própria sequência de acontecimentos. À excepção
do romance de Kafka, os outros apenas exemplificam o
artifício —não a necessidade do artíficio— como uma
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parte intrínseca do significado da própria obra. o
castelo tem de ficar inacabado porque K. nunca poderá
chegar ao seu destino; tamara tem de permitir ao público a escolha da sua história porque o mundo retratado
por Krizanc é um mundo onde a escolha é recusada.
infelizmente, porque o esquema é tão eficiente, ele é
quase superior às nossas forças, e quem assistir a uma
representação de tamara tende a tomar as árvores pela
floresta. tamara não é uma peça engenhosa na qual
deambulamos por onde queremos; é quase uma infinita
série de peças —uma por cada possível sequência de
cenas— nas quais observamos personagens cuidadosamente definidas quer pelas suas acções, quer pela sua
linguagem. especialmente pela sua linguagem. porque em
tamara a liberdade das personagens, coarctada pelo
estado omnipresente, é expressa exclusivamente através
das palavras.
Quem quer que sigamos, vimos a descobrir que todos
são vítimas do mesmo conjunto de circunstâncias.
patrões e criados, poderosos e fracos, a determinada
governanta aélis ou o alcoólico de spiga, a louca Luisa
Baccara ou o irritante aldo Finzi, cada um deles é o que
as palavras lhes permitem ser. mesmo tamara, cuja
expressão repousa em formas e cores e cujo francês (ou
a convenção de “inglês como se fosse francês” quando
fala com d’annunzio) é impessoal, a língua franca da
europa, encontra nas palavras a resolução dos seus
conflitos: “a paixão do artista tem de ser tão grande
como a paixão do modelo” refere. e depois, divagando
acerca da responsabilidade do artista, diz: “para um
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
artista, o mundo inteiro é o seu país e o seu país é a sua
arte. é um país chamado liberdade.” e a seguir, diz ainda:
“monsieur d’annunzio julga que é livre. ele está encurralado, não pelos seus guardas, mas pelas suas próprias
palavras”. as personagens de Krizanc tecem uma teia de
palavras que, paradoxalmente, tanto os prendem às suas
ideias como lhes oferecem uma liberdade de escolha.
dificilmente algum deles aproveitará essa liberdade.
d’annunzio, prisioneiro e guarda da sua cela, mantém-se
no centro do labirinto; tamara, que quer pintá-lo e subir
de estatuto social, fica à porta; e, pelo meio, aí está
emilia, a criada, que joga com o maior número de escapadelas ou de decisões possíveis. Krizanc retratou-a como
uma terrivelmente real cinderela, condenada às cinzas do
coração, não apenas pelo seu estatuto social como também pelo seu sexo, emergindo triunfalmente sobre a condenação de ambos. ela é, de facto, a criada tchekoviana
que Krizanc queria ter seguido; ela é uma melhor, uma
mais sensata heroína, que todos aqueles que ela serve.
devido à multiplicidade de peças, tamara precisa de ser
vista várias vezes. nada substitui a experiência de ter
estado em palco no meio de uma representação ou nos
diversos palcos que a peça exige. certamente não lendo
o livro. uma peça no papel é simplesmente um elemento
da criatura complexa e polimórfica que é sempre outra
em cada noite e para os olhos de cada espectador. mas
ler tamara permite-nos um luxo que o palco nos nega: a
concentração do leitor no texto e na escrita do texto.
aqui, neste livro, o leitor pode fazer uma de duas escolhas: tanto pode ser omnipresente e ler um conjunto de
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de
L empicKa (acto i) • Fdc
cenas simultâneas, podendo assim aperceber-se dos
diversos enquadramentos, das várias perspectivas; como
pode escolher uma personagem e segui-la do princípio
ao fim, respeitando um desenrolar linear que imita a vida
real. em qualquer dos casos, o leitor é responsabilizado
pela realidade resultante. em último caso, tamara, quer
no papel, quer no palco, assume-se como a exacta antítese do fascismo, uma vez que condena o público à insustentável liberdade de ser uma testemunha comprometida
e activa.
aLBerto manGeL
toronto
março de 1988
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
introdução
t
de
LempicKa passa-se em 10 e 11 de Janeiro de 1927,
no norte da itália, na cidade de Gardone, no il
vittoriale degli italiani (o memorial das vitórias italianas),
a casa de campo de Gabriele d’annunzio.
as cenas são representadas pelas salas de uma casa
grande. numa situação ideal haverá uma sala de música,
uma sala de jantar e uma cozinha suficientemente grandes para permitirem a acomodação dos espectadores.
três personagens tem o seu quarto, para além do estúdio de d’annunzio e de um escritório de Finzi.
o público observa a acção da peça seguindo os actores
que entram e saem das diversas salas. as cenas acontecem simultaneamente, com os diferentes actores nas
diferentes salas, chegando a haver 8 cenas simultâneas.
cada espectador acompanha a personagem ou a trama
que quiser. as escolhas que cada um fizer determinam a
peça que cada um verá.
para facilitar a leitura da peça e a compreensão dos seus
vários níveis de representação, a versão foi dividida em
20 secções diferentes —de a a u—, sendo cada secção
aproximadamente uma unidade de tempo na qual um
dado número de cenas ocorre simultaneamente. a peça é
composta por dois actos e cada um deles passa-se em
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L empicKa (acto i) • Fdc
cada um dos dias. as cenas são numeradas consecutivamente desde o início do acto i, mas a numeração das
cenas não reflecte a ordem pela qual elas ocorrem. essas
cenas com o seu número de ordem, a sua localização e as
personagens intervenientes são listadas de forma a permitir que o leitor possa seguir a acção ou as personagens
que escolheu.
a duração da peça, cerca de 2 horas, metade para cada
acto, pode ser afectada pela quantidade de espectadores que se movimentam pelo il vitoriale. por isso, o tempo
de duração de cada representação também será variável.
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L empicKa (acto i) • Fdc
t de LempicKa
John Krizanc
estreia em
no
12 de setemBro de 1998
convento de cristo em tomar
(carreira 1998-1999, epectácuLos #1 a #62)
produção:
protocoLo:
Fatias de cá — tomar
mc/ippar/convento de cristo
versão, direcção de produção e encenação:
música:
carlos carvalheiro
carlos dâmaso, chopin, debussy, strauss, verdi
coreoGraFia e FiGurinos: ana
paula eusébio
personæ
dante — José salvado
Finzi — paulo moura
de
spiGa — marques arede, > Luis martins, > eusébio paulino, > carlos dâmaso
emiLia — Gabriela de azevedo ou mané ribeiro
d ’annunzio
— humberto machado
aéLis — ana de carvalho ou isabel passarito
carLota — Joana Jacob ou margarida moleiro
mario — carlos carvalheiro
Luisa — ana paula eusébio
tamara — Filomena oliveira ou preciosa amaral
decoração do espaço cénico: margarida
oliveira, costa e silva, Fátima mota,
Galvão Lucas, José menezes, miguel pereira, paula almeida
reprodução dos Quadros de tamara de LempicKa:
decoração do BuFFet: maria
adereços:
montaGem:
paula almeida
João Franco, maria Leonor Franco
Joana Jacob, margarida moleiro
ana paula eusébio, isabel alarcão, Joana Jacob, paulo moura
ana de carvalho, ana raquel eusébio, antónio calhau, catarina Borges, célia
costa, Filipe Lopes, Filomena oliveira, Guadalupe Gomes, idália aparício, isabel
passarito, João veríssimo, José nunes, Laura Lopes, Luis martins, maria antónia
coelho, maria augusta Lopes, nely, nuno nazário, pedro soares, telmo vital, tiago
costa pinto
costureiros:
Bastidores:
abílio pereira, maria helena moleiro, maria Justino, silvina Luis
ana casaca, antónio calhau, célia costa, Filipe lopes, inês oliveira,
isabel alarcão, isabel castelão, João martins, João mendes, João paulo morais,
Laura Lopes, Liliana Fontes, Luis martins, mafalda milhões, manuel João
Laurentino, maria José Jacob, marta soares, nuno ribeiro, octávio Janeiro, pedro
19
20
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
soares, pedro Laurentino, pedro soares, ricardo santos, vera alberto
ementa:
augusto Gemelli (massima culpa)
cozinha : José
Garçons:
nunes, nely
ana catarina Borges ou maria João Franco
amélia Laurentino, ana Lopes, ana marques, arlindo cardoso, armindo Bento,
catarina Borges, claudia Lopes, emanuel silva, Filipe seixas, helena marques, Luis
pereira, manuela vieira, marina Branco, sara cunha
apoios:
aviários de santa cita, câmara municipal de tomar, cp-caminhos de Ferro
portugueses, crisal Glass, cutipol, escola profissional de tomar, estalagem de
santa iria, hotel dos templários, instituto politécnico de tomar, instituto português
da Juventude de santarém, ippar-instituto português do património
arquitectónico, massima culpa, mBv-design, ministério da cultura, spaL, teatro
nacional de d. maria ii, teatro nacional de s. carlos, velpor
apoio promocionaL:
antena 1, rádio paris Lisboa, rtc
aGradecimentos a pessoas coLectivas: câmara
municipal de constância, câmara
municipal de torres novas, encadernador Júlio Godinho (entroncamento), escola
c+s manuel de Figueiredo (torres novas), escola secundária nun’alvares
(tomar), Governo civil de santarém, Gráfica de tomar, Lopes estofador (tomar),
plácido & patrício, Lda (tomar), poltrona usada (Barquinha), regimento de
infantaria de tomar, vinhos diamantino (tomar), vinhos pateo das Freiras (tomar)
aGradecimentos a pessoas individuais:
amilcar Graça, antónio sérgio santos,
antónio valente, carlos antunes, cristina martins, Francesco marconi, iria caetano,
isabel silva dias, Luis mourão, manuel carvalheiro, maria do carmo arede, maria
José Jacob, miguel arede, patrícia Borges, pedro arede, preciosa amaral,
sebastião maurício, teresa Borges
reposição no
mosteiro de s. JorGe de miLréus
(universidade vasco da Gama), coimBra
(carreira 2000-2001, espectácuLos #63 a #82)
co-produção: Fatias
de cá • associação cognitária de s. Jorge de milréus
decoração do espaço cénico : ana
adereços:
paula eusébio
Bruno Guerra, Filipe seixas
personæ
dante — José salvado ou mouzinho
Finzi — paulo moura
de
spiGa — carlos medeiros
emiLia — alexandra santos ou Gabriela de azevedo ou mané ribeiro
d’annunzio
— humberto machado
aéLis — ana de carvalho ou isabel passarito
carLota — Joana Jacob ou maria João Bastos
mario — carlos carvalheiro
Luisa — ana paula eusébio ou preciosa amaral
tamara — mané ribeiro ou patrícia almeida ou preciosa amaral
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Bastidores
catarina Ferreira, Filipe seixas, José nunes
alice Brandão, ana maria cortesão, Bruno Guerra, dora martinho, enrique martin,
Fernanda seixas, inês cúrdia, isabel alarcão, Joaquim margarido, Kauita, Laura
Lopes, manuela cabrita, maria remédio, nely, nuno seixas, ricardo zeferino,
sabrina martinho, sónia homem, teresa Graça,
reposição no
convento de cristo em tomar
(carreira até 2003-2007, espectácuLos # 83 a # 187)
protocoLo:
mc / ippar / convento de cristo
direcção de produção:
montaGem:
ana paula eusébio, > Filipe seixas
ana de carvalho, Bruno Guerra, Filipe seixas, Gabriela de azevedo, inês
cúrdia, João mourão rosa
personæ
dante — José salvado ou menino Jesus
Finzi — paulo moura
de
spiGa — carlos carvalheiro ou carlos medeiros ou Fernando rodrigues
emiLia — alexandra santos ou Gabriela de azevedo
d ’annunzio
— carlos medeiros ou humberto machado
aéLis — ana de carvalho ou isabel passarito
carLota — célia matias ou Joana Jacob ou sabrina martinho
mario — Bruno Guerra ou carlos carvalheiro ou Fernando rodrigues
Luisa — ana paula eusébio ou maria João rodrigues
tamara — dora martinho ou manuela teixeira ou patrícia almeida
Bastidores:
Filipe seixas
alberto almeida, Bruno Guerra, catarina Graça, célia matias, cristina Lopes, dora
martinho, Fernando rodrigues, inês cúrdia, manuel almeida, marta rodrigues,
philipe dias, ricardo zeferino, tiago mendes
acoLhimento : Gabriela
de azevedo
Ângelo pintado, cidalina carvalheiro, henrique calvet, isabel alarcão, José manuel
martins, Laura Lopes, Ligia silva, Luis Lopes, Luisa margarido, manuel carvalheiro,
margarida schiappa, maria José Jacob, mariana salvado, marta rodrigues, paula
salvado, sebastião maurício
acomodação:
catarina Ferreira > manuela teixeira
adriano milho cordeiro, alberto almeida, andreas mourão, ana cristina Bernardo,
ana Fragoso, ana maria Lebre, carla cotrim, carlos Graça, catarina cogumelo,
catarina Graça, catarina soares, cátia oliveira, cristophe Godinho, daniel
mourão, dulce antónio, elsa rodrigues, enrique martin, Francisco Graça,
Frederico martins, Fernanda seixas, Filipe santos, Filomena cúrdia, Francisco
Graça, helena Garcia, helga oliveira, João mourão rosa, José nunes, Julieta
Graça, Liliana silva, Luis Lopes, Luisa pereira, mafalda nascimento, manuel João
21
22
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
valério, margarida schiappa, maria João rodrigues, menino Jesus, nascimento
costa, noémia Brinquete, nuno rodrigues, patrícia Borges, patrícia senra, paula
Fonseca, ricardo Ferreira, sabrina martinho, sandro Gavazzi
ementa:
manuela teixeira • caterinG: assim se Fazem as coisas, catering & bastidores • cozinheiros: carla cotrim, Filomena cúrdia
reposição no
paLácio sotto-maYor, FiGueira da Foz
(carreira a partir de 2009, espectácuLos #1 88 a # ?)
parceria de rodução
Fatias de cá de tomar • casino da Figueira da Foz
personæ
dante — João damasceno
Finzi — paulo moura > João oliveira
de
spiGa — Fernando rodrigues
emiLia — alexandra santos (ou Gabriela de azevedo)
d’annunzio
— carlos medeiros
aéLis — manuela teixeira
carLota — inês Fouto > Joana Jacob
mario — carlos carvalheiro > ricardo zeferino
Luisa — patrícia almeida
tamara — alexandra carvalho ou paula pires
Bastidores: ana
Bárbara Queirós, ana marta Graça, Bruno Queirós, marta
rodrigues
acoLhimento:
adelaide precatado, diana Lucas, Fátima pessoa, Graça oliveira,
Judite Lucas, maria João varela, paula Queirós
acomodação:
nascimento costa > Filomena cúrdia
ana Lucas, augusto cúrdia, Beatriz silva, carolina Lucas, eduardo alves,
Francisco Graça, Gabriela de azevedo, helena cláudio, inês cúrdia, inês
damasceno, João santos oliveira, madalena damasceno, maria oliveira, marta
varela rodrigues
caterinG :
Fatias de cá — mãe
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
acto
i
23
24
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
arrivo • salão
dante • de spiGa • Finzi
o público é introduzido no il vitorialle.
dante: [À
porta de iL vittoriaLe, receBe o púBLico]
Buona sera, signore e signori! il comandante está à
vossa espera, mas primeiro tenham a gentileza de ir falar
com o capitano Finzi. ele porá o visto nos vossos passaportes e explicar-vos-á a importância deles. capisce? [o
púBLico é encaminhado para Finzi]
Finzi: [para
cada espectador]
passaporte. [oBserva
passaporte e devoLve-o ao espectador]
o
assine aqui.
deverá guardar isto sempre consigo. se lhe for pedido o
visto, deverá mostrá-lo e está intimado a saber o qie isto
contém. Leia-o. Quem quer que seja encontrado sem
passaporte, será preso e deportado. tome também
atenção à data de hoje: 10 de Janeiro de 1927. [carimBa o
visto de entrada no passaporte e devoLve-o ao espectador] este visto é válido por 48 horas. [os espectadores são encaminhados para o saLão onde de spiGa está
a tocar no piano uma misceLÂnea de chopin e deBussY e
onde está a ser servido um aperitivo]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
a 1 • salão
aéLis, carLotta, d’annunzio, dante , de spiGa emiLia, Finzi, mario
dante e Finzi apresentam as personagens e explicam as
regras ao público.
dante: [Quando tudo está pronto para começar, emiLia entra para deitar pétaLas de rosa no chão e dante
soBe para uma cadeira]
spiga. [de
Bravo! Bravo! Grazie, signor de
spiGa pára de tocar]
Buona sera, signore e
signori. [repete várias vezes o “Buona sera” de Forma
a encoraJar o púBLico a responder. Quando o conseGue, continua] Bene. sois muito bem vindos a il vittoriale
degli italiani, a casa de Gabriele d'annunzio. como
podem ver é uma casa maravilhosa. Foi um presente de
mussolini, il duce, a Gabriele d'annunzio, il comandante.
d ’a nnunzio :
[entra
vestindo um háBito de monGe]
dante, está tudo pronto para a chegada de madame de
Lempicka?
dante: si, comandante.
d’annunzio:
ah, a emilia está a pôr a passadeira de
rosas. muito bem.
emiLia: si, comandante.
d ’a nnunzio :
nunca se deve subestimar uma mulher
socialmente importante no momento de a receber; para
elas, o supérfluo é tão necessário como… respirar. não
a desapontemos. [sai
para o seu Quarto,
B6
páG.
39.
25
26
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Quando emiLia acaBar de pôr as pétaLas de rosa sai e
estará na suite no FinaL de
a 1 páG. 32]
dante: il comandante, nestas últimas semanas, raramente tem descido cá abaixo. sabem, é que ele é um homem
muito importante e anda sempre muito ocupado. é por
isso que a tarefa de vos receber recai sobre mim, dante
Fenzo, um vosso humilde criado. espero que tenham
feito boa viagem. Bene. é bom ver tantas caras sorridentes. [vendo Finzi] mas não se esqueçam de que estamos
sob um governo fascista. não é, capitano?
Finzi: si, dante. [pausa] se querem apreciar a vossa
estadia aqui, têm de obedecer às nossas leis.
de
spiGa: as leis foram feitas para serem quebradas.
Finzi: no, signore, os homens é que foram feitos para
serem quebrados.
[aéLis entra no saLão carreGando várias caixas de presentes por emBruLhar]
de
spiGa: aélis, como é que está a Luisa?
aéLis: dei-lhe mais medicação.
Finzi: era preciso?
aéLis: tem de estar boa quando tamara de Lempicka
chegar.
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: e se tamara nunca chegar?
aéLis: dante, onde é que está a emilia? disse-lhe para
me vir ajudar.
dante: ainda agora estava aqui a pôr as pétalas de rosa.
talvez tenha ido à cozinha tratar da sobremesa.
de
spiGa: Julgava que a emilia é que era a sobremesa.
aéLis: tenho de ser eu a fazer tudo.
carLotta: [entrando] capitano Finzi, não me quer
acompanhar num passeio?
aéLis: estamos para ir comer a sobremesa, carlotta.
Finzi: Fica para a próxima, signorina Barra.
aéLis: ainda há imensos presentes para embrulhar.
carLotta: eu tenho de ir ensaiar a minha dança, aélis.
[sai e espera até B 4 páG. 35. aéLis sai, reentrando com
os presentes emBruLhados na saLa de Jantar, no FinaL
de
a 1 páG. 31]
dante: era a signora aélis mazoyer, a governanta aqui
do il vitoriale.
Finzi: uma estrangeira.
dante: [para mario, Que entrou] mario, já te disse para
27
28
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
saires pela porta de serviço. não tens nada de sair por
aqui.
mario: [vai para sair] mi scusi, dante.
Finzi: mario, pensei que ias à estação buscar a tal polaca.
mario: estou a ir, capitano, estou a ir. [sai e espera até
d 15 páG. 65, Quando da entrada de tamara]
dante: era o mario, o novo chofer. não tem muito de
chofer… na verdade, não tem muito de nada.
Finzi: não, ele tem muito de alguma coisa… tenho a certeza.
dante: Bom, então para começar—
Finzi: espera! para vossa própria segurança, sugiro que
oiçam cuidadosamente as normas respeitantes às movimentações dentro desta casa. primeira: há dez pessoas
a viver aqui. devem seguir apenas uma delas.
dante: isso é uma ordem, capitano?
Finzi: não, é uma boa sugestão, se gostarem de ordem.
se forem do tipo volúvel, podem andar a saltar de pessoa
para pessoa.
dante: é muito amável, capitano.
Finzi: segunda: se deixarem de seguir alguém, infringem a
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
lei.
dante: por exemplo, se seguirem a emilia até à sala de
jantar e, deus queira que não, o capitano Finzi entrar —
zás!— foi feita uma ligação. e então, depois, tanto
podem passar a seguir a emilia como podem passar a
seguir o capitano.
Finzi: todos os que forem encontrados a deambular por
conta própria, serão deportados.
dante: pode acontecer que estejam na cozinha e que um
barulho no corredor vos desperte o interesse. se sairem
da cozinha, por vossa iniciativa, e forem para o corredor—
Finzi: infringem a lei!
dante: e o que acontece é o seguinte: ficam sem saber
como é que a conversa na cozinha acaba, e não vão perceber a conversa no corredor porque não sabem como
começou. e ainda por cima vão incomodar os outros
convidados que respeitaram a lei. capisce?
Finzi: terceira: se alguém vos fechar uma porta na cara,
não o sigam.
dante: podiam aleijar-se, não é, capitano?… mas na
verdade, o capitano tem razão. para vossa própria
segurança e para segurança das pessoas que aqui vivem,
por favor, não abram nenhuma porta fechada. Bom, e
mais uma coisa… nós movemo-nos rapidamente e em
29
30
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
silêncio através do il vittoriale, pelo que os senhores também se devem deslocar rapidamente e em silêncio.
Finzi: e só falam quando falarem convosco. capisce?
[para
o siLencioso púBLico]
capisce? [o
púBLico dirá
“sim”]
dante: uma última recomendação: quando entrarem
numa sala, os que vão à frente devem aproximar-se da
parede do fundo. Fiquem junto das paredes, não se
metam no caminho, e não fiquem à frente das portas.
[sorrindo] nunca se sabe se não vem alguém que a abre
a pontapé.
Finzi: eu também tenho algumas recomendações, dante.
como homem que já supervisionou um serviço de informações, sugiro que, se estão aqui acompanhados por
amigos, se separem, uma vez que duas informações são
mais valiosas que uma.
dante: aqui não há informadores, capitano.
Finzi: [sorrindo] claro, dante. eu disse amigos.
dante: [pausa] Bom, vamos começar. vou dividir-vos em
três grupos. a senhora com o vestido verde [ou
eLa vestir]
o Que
não se importa de levantar uma mão, per
favore? Grazie. toda a gente dali para trás levanta uma
mão, per favore. ah, grazie. vocês são o Grupo número
um. o senhor de casaco creme [ou
o Que eLe vestir]
não se importa de levantar as duas mãos, por favor?
Grazie. todos os que estão até ali, levantam as duas
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mãos. está a ver, capitano, renderam-se a mim sem precisar de lhes apontar uma arma. Grazie. vocês são o
Grupo número dois. a senhora de… bom, o resto das
pessoas são o Grupo número três. então, o Grupo
número um vai com o capitano Finzi. ao Grupo número
dois levo-o eu para o andar de cima. Quanto ao Grupo
número três— o senhor, desculpe, não se importa de me
fazer um favor, si? não deixe que nenhum dos convidados do Grupo número três saia daqui até eu voltar, sim?
Grazie. Grupo número dois, andiamo. [dante
diriGe-se
com o Grupo número dois para o Quarto de Luisa e
continua em
a 1 páG. 32. o Grupo número três permane-
ce no átrio com de spiGa, para
B 2 páG. 33]
Finzi: Grupo número um, andiamo. [o Grupo número um
sai com Finzi para o corredor. Finzi manda entrar um
terço do Grupo para a saLa de Jantar]
esperem aqui
pela signora mazoyer. [apontando para os Quadros de
tamara de LempicKa expostos]
podem ver as decaden-
tes pinturas da polaca enquanto esperam.
aéLis: [entra na saLa de Jantar vinda de a 1 páG. 27, carreGada com diversos presentes emBruLhados]
Finzi,
não devia ter dado aquela pistola à Baccara.
Finzi: Fomos às compras à cidade e ela pediu-me para lha
comprar. Que mal é que tem? [sai
para o corredor
Fechando a porta da saLa de Jantar. aéLis continua na
saLa de Jantar em
B9
páG.
46.
Finzi Leva o resto do
Grupo número um para a suite. emiLia surGe À porta da
suite]
ah, emilia. mostra a suite a estes convidados.
31
32
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
emiLia: [vinda
de
a 1
páG
26] si, capitano Finzi. [Finzi
entreGa a emiLia metade do Que resta do Grupo número um. emiLia Fecha a porta da suite e começa o seu
monóLoGo, em
B7
páG.
41.
Finzi Leva o Que resta do
Grupo número um para a porta do saLão, onde encontra carLotta e começa a
dante: [Leva
Luisa. Bate.]
B 4 páG. 35. entretanto…]
o Grupo número dois para o Quarto de
signora Baccara? [ninGuém
entra com metade do Grupo]
nua sem resposta]
responde.
signora Baccara? [conti-
muito bem, deixo-vos aqui. tenho a
certeza que ela vai voltar já. [Fecha a porta do Quarto
de Luisa, deixando os espectadores sozinhos À espera
do monóLoGo de Luisa, B 3 páG. 34. Leva o Que resta do
Grupo número dois para o Quarto de d’annunzio]
vão
ter o privilégio de virem comigo ao quarto do patrão.
[pára
À porta a escutar]
shh! il comandante está a
rezar. têm de entrar no quarto do patrão em silêncio. [o
púBLico entra e d’annunzio começa o seu monóLoGo em
B6
páG.
39.
dante Fecha a porta do Quarto de d’an-
nunzio e reGressa sozinho ao saLão, onde encontra de
spiGa em
B 10 páG. 48]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 2 • salão
de
spiGa
de spiga monologa ao piano sobre música.
de
spiGa: [sentado ao piano, toca “canção para Luisa”
de carLos dÂmaso. continua de
a1
páG.
31] melodias
simples. acabo sempre por tocá-las. nos meus concertos de piano, nas minhas óperas, tanto faz que tente ser
moderno, use acordes atonais, [toca
piano]
um acorde de
ritmos excêntricos, politonalidade, a base é sem-
pre a mesma: uma canção infantil ou uma popular, esquecida no tempo. Foi a Luisa Baccara quem me deu coragem para fazer as coisas de uma forma simples. Levavame a passear pela campo e onde quer que houvesse uma
taberna, parávamos para falar com os aldeões. em poucos minutos punha os velhotes a cantar as antigas canções tradicionais. e enquanto eu as transcrevia rapidamente, ela ficava sentada… a brincar com os miúdos.
compus muito nessa altura. e foi bom. depois, tudo
mudou. deixámos de ir passear ao campo. [pausa] a
Luisa encontrou o Gabriele d'annunzio… em casa dos
meus pais, o palazzo de spiga, no Grande canal em
venezia… tornou-se sua amante… por um tempo… e
eu… oh meu deus, em que é que eu me tornei? [toca e
escreve música até À entrada de dante, em
48]
B 10
páG.
33
34
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 3 • Quarto de Luisa
Luisa
Luisa monologa sobre as amantes de d'annunzio.
Luisa: [aBre
a porta do Quarto Lentamente, estica o
Braço e deixa cair aLGumas pétaLas de rosa para o
chão]
…malmequeres. o lugar das balas é dentro do
coração. a Luisa está a tornar-se mórbida, a Luisa está
a tornar-se em nada, em ninguém. a Luisa esteve a vestir-se para se encontrar com madame tamara de
Lempicka. [oLha para a pistoLa e para as seis BaLas ao
Lado]
Balas. [carreGa
a pistoLa com BaLas, uma por
cada um dos nomes seGuintes]
sarah Bernhardt, emma
visconti, ida rubenstein, isadora duncan, eleanora
duse. e Luisa. Luisa Baccara. todas se foram embora.
só eu fiquei. porque quis o amor em vez da arte. [vendose ao espeLho]
veste-te, bang. penteia-te, bang. tenho
de me mostrar calma e agradável. direi: “muito prazer em
conhecê-la, madame de Lempicka”. Balas. uma bala
pelos seus pensamentos. [aponta a arma] Bang. dentro
de cada mulher [põe
a sexta BaLa no carreGador]
encontrarás o corpo do homem que a matou. [tira
uma
rosa da Jarra e diriGe-se ao Quarto de d’annunzio.
pára À entrada] shh! ele ainda está a dormir. shh! Basta
de choradeira. shh! não bater à porta. shh! pára de
falar. [entra no Quarto de d’annunzio para B 11 páG. 51]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 4 • corredor
carLotta • Finzi
Finzi encontra carlotta e conversam sobre a ligação
deste com Luisa.
Finzi: [vindo da suite de a 1 páG. 32, para carLotta Que
está a apanhar as contas do terço peLo chão, vinda de
a 1 páG. 27] signorina Barra!
carLotta: parti o meu terço. cuidado com os pés,
capitano.
Finzi: deixe-me ajudá-la. [aJuda a apanhar as contas]
carLotta: de repente, partiu-se.
Finzi: eu arranjo-o, não se preocupe.
carLotta: Foi a nana que mo deu. não sei como é que se
partiu.
Finzi: talvez reze demais, signorina Barra; nunca a vemos
durante o dia.
carLotta: sentiu a minha falta, capitano? mais ninguém
sentiu, nem mesmo a aélis.
Finzi: il comandante tem mantido toda a gente muito ocupada a preparar a recepção à sua pintora.
carLotta: a mim não me pediu nada.
35
36
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: pediu sim, carlotta. posso tratá-la por carlotta?
carLotta: [acenando com a caBeça] até prefiro.
Finzi: em geral, as convidadas ficam instaladas no Grande
hotel.
carLotta: a não ser que ele planeie seduzi-las. [Leva o
poLeGar À Boca e Faz o sinaL da cruz]
perdoe…
Fizeram-me a reserva para o hotel, mas aélis insistiu que
eu ficasse aqui. não me sinto bem por ter cá ficado.
desde que cheguei que tenho pensamentos estranhos.
Finzi: é porque aqui não há disciplina; ninguém tem horário, os criados não cumprem ordens… por isso a mente
vagueia… Bem, tenho de ir às minhas obrigações. tenho
de enviar uns relatórios. [descoBre
apanha-a e dá-a a carLotta]
a cruz do terço,
aqui tem a sua cruz. Logo
à noite arranjo-lhe isto.
carLotta: Grazie. [Finzi
aJuda-a a Levantar-se]
ainda
bem que está cá, capitano. tirando-o a si e à aélis, não
há mais ninguém com quem falar.
Finzi: e a Luisa?
carLotta: não tenho a certeza se ela gosta de mim… e
sei que gosta dela.
Finzi: como é que sabe?
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
carLotta: porque me ignora quando ela entra na sala.
Finzi: eu amei Luisa Baccara durante muito tempo. Às
vezes penso que ela me ama. ou ama aquilo que fui e
ainda posso vir a ser.
carLotta: eu continuo a achar que o capitano é um
heroi.
Finzi: você o quê? porque é que está a dizer isso?
carLotta: Li tudo sobre o seu envolvimento no caso
matteotti… il duce não fez bem em o culpar… além do
mais esse matteotti era um socialista, não era?
Finzi: si.
carLotta: e eles não são inimigos do fascismo?
Finzi: como eu gostava que fosse assim tão simples.
carLotta: mas é, capitano. o papá diz que eles lhe
deviam ter dado uma medalha por nos ter libertado
daquela ameaça socialista.
Finzi: e o que é que ele diz mais?
carLotta: Que um dia il duce vai voltar a precisar de si
porque o país precisa de homens decididos. eu sei que o
senhor vai voltar a ser o secretário de estado do
ministério do interior. é só esperar. [BeiJa-o
para a suite,
e corre
B 8 páG. 43. Finzi continua em B 5 páG. 38]
37
38
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B5 • corredor
Finzi
Finzi monologa sobre Luisa.
Finzi: [continua no corredor, de B 4 páG. 37] esperar.
estou à espera há anos… à espera de voltar para roma,
à espera da Luisa… Quando nos encontrámos pela primeira vez ela compreendeu-me. ela ainda estava com o
d'annunzio e eu era sub-secretário de estado no
ministério do interior… nunca tinha ido a nenhuma festa
e ela pegou-me no braço e foi dar uma volta comigo no
jardim. eu ouvia as pessoas a rirem-se de nós. Quando
disse à Luisa que estavam todos a olhar para nós, ela
respondeu, “sim, mas os olhos deles não vêem”. ela compreendia-me. [diriGe-se ao saLão para c 12 páG. 53]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 6 • Quarto de d’annunzio
d’annunzio
d'annunzio monologa sobre tamara e recebe um telefonema de mussolini.
d’annunzio:
[está
aJoeLhado no centro do Quarto,
incLinado para a espada e seGurando numa mão uma
carta de tamara. veio do átrio,
a 1 páG. 25] onde está
ela? onde está a mulher capaz de me salvar desta horrível orgia nocturna de silêncio; aquela que me poderá
mostrar ainda, talvez pela última vez, uma faceta desconhecida do amor? [Lê
a carta]
“vou no comboio de
Firenze, que sai de verona às 12 e 45 e que chega a
Gardone às 18 horas. peço-lhe, em nome do seu clarividente amor que não destrua este maravilhoso estado de
meio envenenamento, meio abandono em que estou submergida”. meio isto, meio aquilo, vê o que fizeste ao meu
fradezinho. está tudo menos a meio. [voLta
“espero, desejo, quero. tamara”. [põe
Lado]
a Ler]
a carta de
uma mulher que escreve um final destes, com-
preende a essência do desejo. [o
tamara! [Levanta-se,
teLeFone toca]
arruma a espada, diriGe-se ao
teLeFone e deita-se na cama]
tamara… […] se eu qui-
sesse falar com uma autoridade, limitava-me a olhar para
o espelho. [rindo] sim, sim, é um bocadinho… é minha…
Benito, não ma roubes. uma graça infeliz revela o caracter de um homem. […] eu não diria “dirigir” um país e sim
arrastá-lo. […] o meu assunto signor “conductore” diz
respeito a uma pessoa minha amiga. […] naturalmente
que me refiro a uma mulher. […] vem no comboio que
saiu de verona às 12h45 e que chega a Gardone às
39
40
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
18h00. sabes que horas são? […] para mim é um assunto de interesse nacional, se fazes favor… […] eu sei, eu
sei… […] arranja alguém para tratar disso. […] sim.
[…] não… […] nada disso. […] eu não fiz… […] eu
disse que queria outro editor. […] espera— […]
espera— […] tu prometeste-me a edição da minha
obra completa— […] esquece as minhas promessas—
[…] espera, a obra completa— […] trinta e seis volumes. […] sim, mas… […] eu quero que os artigos de
foro político sejam publicados já. […] eu sei que eles
adoram a minha poesia… […] venderam-se sete milhões
de exemplares e não seis. mas… […] claro que te estou
a ouvir. e depois de morrer, mando cortar as orelhas e
bronzeá-las para ti. eu não sou— […] mas o povo quer
ouvir a minha voz. eu quero falar para o povo… […] o
quê? […] está bem, para a próxima… […] arranja-me é
outro editor… […] alguém que ao menos saiba soletrar.
[…] sim… […] sim… […] olha, a aélis diz para mandares mais dinheiro… […] ciao. [pousa
o teLeFone,
Levanta-se e arranJa-se ao espeLho até Luisa entrar
em
B 11 páG. 51]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 7 • suite
emiLia
emilia monologa sobre si.
emiLia: [À entrada da suite, vinda de a 1 páG. 32. Fecha a
porta]
eu, como e calo. e il comandante ainda precisa
de mandar vir a polaca. Às vezes serve-se de mim; mas
nunca aqui, na suite. não. este luxo é só para elas. para
as senhoras de brincos e de colares de diamantes. esta
que está para vir parece que é pintora. da última vez foi
uma escultora. il comandante diz que eu sou a melhor.
então porquê? porque é que ele precisa de mandar vir
outras? [mete
o vestido de tamara À sua Frente e
rodopia peLa suite]
com um vestido destes, num quarto
destes, eu saberia o que fazer… o mario, o novo chofer,
sabe como se faz; a noite passada fui ao quarto dele…
não. há coisas que não se devem contar. “emilia, o teu
coração é tão grande como a tua boca”, como o dante
costuma dizer. e é verdade. [arruma
o vestido]
Às
vezes, bem, uma vez, fiz as malas. eu sou boa… merecia
melhor. tudo o que tenho, foi à minha custa… não é
como essa polaca. Quando ela chegar, o dante que se
desenrasque a descarregar-lhe as malas… ele quer
casar comigo, “poveri, siamo poveri”. o dante só pensa
em venezia, nunca em dinheiro. não se podem comer os
sonhos. o mundo precisa de muito mais. temos de roubar para recuperar o que é nosso. [mete
a caixa dos
Brincos no BoLso] sou demasiado pobre para casar por
amor. não me importava de ir com um homem de carteira
recheada e com um título… il comandante prometeu-me
41
42
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
que me arranjava um marido. mas nenhum homem aqui
vem, tirando o Gian Francesco de spiga, e esse não
conta. il comandante diz que todos os seus amigos estão
mortos. eu acho que ele tem medo de os enfrentrar…
não, não é bem isso que eu quero dizer… ainda tenho
tanto que fazer. [continua na suite em B 8 páG. 43]
t
de
43
L empicKa (acto i) • Fdc
B 8 • suite
carLotta • emiLia
carlotta e emilia falam de vestidos, criados e histórias
horríveis.
carLotta: [vem
do corredor de
B4
páG.
37.
entra na
suite a correr e atira-se para cima da cama] eu dei-lhe
um beijo! eu dei-lhe um beijo!
emiLia: [continua na suite de B 7 páG. 42. Fecha a porta]
a quem é que deu um beijo, signorina?
carLotta: [aperceBendo-se
Que não está sozinha]
o
que é que estás aqui a fazer?
emiLia: estou a arrumar o quarto, signorina.
carLotta: [reparando
no vestido de tamara]
é outro
presente?
emiLia: não é lindo?
carLotta: [põe
espeLho]
o vestido À sua Frente e oLha-se ao
poderia o capitano Finzi sentir-se atraído por
quem usasse um vestido como este?
emiLia: esse vestido fá-la parecer uma mulher a sério,
signorina. ele ia sentir-se muito atraído.
carLotta: uma mulher a sério?
44
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
emiLia: si, signorina, uma mulher adulta.
carLotta: em casa só tenho três vestidos. a mamã diz
que não é bom ter-se mais. Faz os criados invejosos.
[deixa cair o vestido. emiLia apanha-o] e agora sou eu
que estou invejosa. meu deus, perdoa-me pelos meus
maus pensamentos. [vai
Junto da teLa em Branco do
cavaLete e aGarra num Lápis]
este quarto precisa de um
cruxifixo. [desenha uma cruz e vai para sair]
emiLia: [tentando
Limpar os traços do carvão]
de
cada vez que pedem perdão é a emilia que tem mais trabalho.
carLotta: [voLta-se,
Junto da porta]
eu ouvi. não
ficavas nem um dia em minha casa, nem um dia, emilia.
emiLia: tenho a certeza que não, signorina.
carLotta: em nossa casa os criados não falam, nem
sequer fazem barulho.
emiLia: o velho conde Leoni tinha um criado que era tão
calado que as pessoas diziam que ele era invisível. uma
noite, o criado estrangulou o conde quando ele estava a
dormir, com a condessa ao lado.
carLotta: não me contes essas histórias horríveis.
emiLia: il comandante diz que as histórias horríveis são as
únicas que vale a pena contar.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
carLotta: ainda um dia hão-de ser ilegais. [sai
saLão para
para o
c 12 páG. 55. emiLia sai para a saLa de Jantar,
até Que o som de um tiro a Faz correr para o átrio em
c 12 páG. 56]
45
46
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 9 • sala de Jantar
aéLis
aélis monologa sobre tamara e d'annunzio.
aéLis: [vem
de
a 1 páG. 31] ahh! excusez moi. estou tão
feliz que tenham podido estar connosco esta noite.
[recupera
o FôLeGo e Fecha a porta]
devo dizer-vos
que houve alguns problemas com roma. eles não queriam que il comandante recebesse convidados, mas felizmente reconsideraram. [vê
mesa]
pratos suJos em cima da
emilia! estou tão embaraçada. [Levanta
tos e prepara a mesa]
os pra-
tento governar esta casa o
melhor que posso, mas como é que o Gabri quer que eu
faça o meu trabalho se nunca repreende a emilia nem o
dante por eles não fazerem o que lhes compete?
enquanto ele fica para ali no quarto a olhar para o umbigo, como um monge numa cela, a planear uma nova grande sedução, emilia não lava a loiça e o dante… bem, o
dante nunca precisa de desculpas para não fazer nada.
talvez a culpa seja minha. [põe os pratos no aparador
e prepara a mesa para a soBremesa]
devo confessar
que a carlotta me tem mantido bastante distraída ultimamente. Lembram-se da carlotta? a jovem bailarina?
concerteza que sim. não acham que ela tem a frescura
dos morangos? a Baccara diz que ela é ingénua, e talvez
tenha razão, mas eu acho que, depois da Grande Guerra,
isso é uma característica bastante rara e sedutora. de
certa maneira é o que eu penso que o Gabri está à espera de encontrar nessa pintora, madame tamara de
Lempicka. mas a verdade é que eu não o via tão obceca-
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
do por uma mulher desde que viu a eleonora duse pela
primeira vez em palco, há muitos anos atrás. e ele ainda
nem sequer conhece tamara. deixem-me explicar. há
alguns meses, numa das raras viagens que fez a milão, o
Gabri foi a uma exposição dela e viu o seu auto-retrato.
e desde então não fazia outra coisa senão falar-me de
tamara, da sua beleza, da sua sensualidade. e, uma vez
que ele estava tão enamorado por ela e, cada vez mais
deprimido com o seu trabalho, eu sugeri-lhe que a convidasse a vir aqui ao il vittoriale para que ela lhe pintasse o
retrato. e assim começou uma troca de —mon dieu,
como é que posso dizer isto sem ofender o pudor— correspondência altamente erótica. acreditem-me, quando
ele finalmente a conseguir, todos nós teremos por fim
motivo para rir. e agora terei muito gosto em que me
acompanhem, embora ainda tenha de tratar duns últimos
pormenores antes da chegada de tamara. [sai
saLão,
c 12 páG. 53]
para o
47
48
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 10 •
salão
dante • de spiGa
dante e de spiga conversam sobre ópera.
dante: [entra no saLão vindo do Quarto de d’annunzio
de
a 1 páG. 32.
de spiGa continua no saLão, de
B 2 páG.
33] não conheço essa ópera. [de spiGa pára de tocar]
de
spiGa: ainda não existe, dante. encomendaram-me
uma ópera sobre venezia e quando penso que vivi lá
metade da minha vida e não tenho nada para dizer… Já
tenho algumas árias baseadas em canções tradicionais,
mas quanto a libretto… nada.
dante: precisa de uma história. [de spiGa acena aFirmativamente]
escrever sobre venezia é escrever sobre o
amor.
de
spiGa: Já foi feito: “othello”.
dante: não, eu tenho outra história, muito triste. posso?
de
spiGa: estou a ouvir.
dante: é a história de um homem que espera pela mulher
que ama. [LonGa pausa]
de
spiGa: e?
dante: é tudo.
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: para três actos?
dante: para dois. no terceiro, ele mata o criado.
de
spiGa: porquê?
dante: porque não há esperança.
de spiGa : o patrão mata o criado porque perdeu a espe-
rança? então porque é que ele não se suicida?
dante: oh no, signore. ele tem-se em demasiado boa
conta.
de spiGa: então ele perdeu a esperança porque a mulher
não o amava?
dante: ela não o podia amar e ele não a podia amar,
porque ambos tinham perdido a esperança. Já tinha dito
que, no final do segundo acto, mesmo quando eles estavam quase a ficar juntos, chegaram os fascistas?
de
spiGa: não. mas as pessoas apaixonam-se sem se
ralarem com quem está no poder.
dante: no, signore. estes só pensavam era em sobreviver… é por isso que o patrão mata o criado. entrega-o
aos fascistas.
de
spiGa: o que é que o criado fez? era comunista?
49
50
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: no, signore, o criado era um pobre veneziano; só
que ele punha o patrão nervoso porque andava sempre a
sorrir.
de
spiGa: essa história nunca daria uma ópera italiana.
alemã, talvez. tu deprimes-me, dante. não fazia ideia
que o teu mundo era tão desolado.
dante: não é. como pode ver, eu sorrio. mas o signore
não sorri.
de
spiGa: então eu sou o homem da tua história.
dante: para bem do criado, espero que não. permesso.
de spiGa: [rindo] si, dante. [dante vai espreitar À JaneLa a cheGada de tamara e de spiGa continua a tocar
piano até À entrada de aéLis. continuam em
c 12 páG. 53]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
B 11 • Quarto de d’annunzio
d’annunzio
• Luisa
Luisa vai ao quarto de d'annunzio e conversam sobre a
sua ligação.
[Luisa,
vinda do seu Quarto de
B3
páG .
34,
entra no
Quarto de d’annunzio e aponta uma pistoLa a d’annunzio, Que continua de
d’annunzio:
B 6 páG. 40]
Luisa, tu aborreces-me. não tinhamos con-
cordado que a nossa ligação—
Luisa: relação.
d’annunzio:
era para esquecer?
Luisa: não posso—
d’annunzio:
acabou-se. ponto final, parágrafo. nem
agora, nem nunca, nunca mais, nunca. Quando madame
de Lempicka chegar, tocas piano, e é tudo. Quero uma
música suave aí pelas onze horas. pode ser “La
cathédrale engloutie” do debussy.
Luisa: ela não vai ser como as outras. eu vi o trabalho
dela: é inovador.
d’annunzio:
a juventude vem ter comigo! cada dia que
passa fico mais velho, torno-me lenda. [virando-se para
Luisa]
mas tu, Luisa, tu ficaste esquecida. ninguém se
lembra de ti, nem se rala contigo e eu depressa me esque-
51
52
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
cerei de ti se não esqueceres o passado. [diriGe-se
saLão para
ao
c 12 páG. 55]
Luisa: [Fica para trás, com a arma mão]
dentro do corpo do homem que me matou
encontrarão um coração
e dentro do coração encontrarão uma bala
e a minha arte. [diriGe-se ao corredor para c 12 páG. 55]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
c 12 • salão
aéLis • carLotta • d’annunzio • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa
todos esperam tamara.
[de spiGa toca piano e dante espreita peLa JaneLa, continuando de
B 10 páG. 50. entra aéLis trazendo aLGuns
presentes, vinda da saLa de Jantar de
entra vindo do corredor de
B 9 páG. 47. Finzi
B 5 páG. 38]
aéLis: Quando é que teremos sossego?
de
spiGa: se houvesse sossego os fascistas não eram
precisos.
Finzi: aélis, uma mulher precisa de uma arma. vivendo
nesta casa, a Luisa corre perigo. pode ser raptada pelo
comunistas, para pedirem um resgate.
de
spiGa: mas nós já somos reféns.
Finzi: signor de spiga, eu fui convidado para esta casa a
pedido de il comandante o que exclui claramente as suas
insinuações de que foi o oposto. [encaminha-se
para a
JaneLa]
aéLis: Francesco, venha-me ajudar. e não quero ouvir
falar mais de armas, já tenho trabalho que chegue.
de
spiGa: mas eu sou um convidado.
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54
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: ao fim de dois meses, não é um convidado, é um
parasita. e agora, ajude-me.
de
spiGa: se tu o mantivesses afastado da Luisa, eu ia-
me embora em menos de uma semana. é difícil defender o
nosso amor com aquele anjo da guarda negro sempre
atrás dela .
Finzi: não acham que o mario já devia ter voltado?
aéLis: [para
de spiGa]
sempre que o mario sai, lá per-
gunta ele, “onde foi o mario? Quando é que ele
volta?”… sempre a mesma coisa, sempre a mesma coisa.
dante: [da JaneLa] não há sinal dele.
de
spiGa: e há sinal de sobremesa?
aéLis: estamos à espera de “La polonaise”.
de
spiGa: aélis, por favor, deixa-me comer bolo.
aéLis: pare com isso, Francesco.
de
spiGa: privado de amor, privado de sobremesa.
Queres que eu me torne num Finzi?
aéLis: [rindo] ele não é privado, ele é depravado.
Finzi: você pode mandar nesta casa, aélis, e eu posso ser
aqui um convidado, mas não se esqueça que é francesa,
e por isso é uma hóspede do governo italiano, do meu
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
governo. [carLotta entra aos saLtos, vinda da suite de
B 8 páG. 45]
aéLis: carlotta, já lhe pedi para não andar a saltar por aí.
ainda parte alguma coisa.
carLotta: desculpe, aélis. estou tão excitada, sintome… sempre que estou feliz tenho de dançar.
Finzi: [rápido,
para de spiGa]
Francesco, posso dar-lhe
uma palavra?
de
spiGa: no.
d’annunzio: [entra vindo do seu Quarto de
B 11 páG. 52]
aélis!
aéLis: oui, comandante.
d’annunzio:
a suite está pronta?
aéLis: oui, comandante.
d’annunzio:
dante, eu fico à espera; vai ajudar aélis. tu
também Luisa. e a emilia.
carLotta: também posso ajudar, comandante?
d’annunzio:
com certeza.
carLotta: Grazie, comandante. [som
de disparo no
corredor produzido peLa pistoLa de Luisa, Que veio
55
56
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
do Quarto de d’annunzio de
B 11 páG. 52. Finzi corre de
pistoLa em punho para o corredor.]
emiLia: [vem a correr da saLa de Jantar de B 8 páG. 45]
o que é que aconteceu?
Luisa: [dispara outro tiro] está vivo.
Finzi: [aGarra Luisa] Luisa, eu tinha-lhe dito para nunca
fazer isso… Quer matar-se?
carLotta: ela está… ela está doente, aélis?
de
spiGa: estás a ver? há pessoas que são capazes de
matar por uma sobremesa! aélis, não me tortures mais…
eu sou guloso.
d’annunzio:
Luisa, leva a tua arma e esse pistoleiro
[aponta Finzi] para longe da minha vista. [aéLis, carLotta, emiLia, Finzi e Luisa continuam no corredor em
páG.
de
c 13
61]
spiGa: tanta coisa por causa de uma polaca.
d’annunzio:
sabes como é que são as polacas? [Faz
sinaL a de spiGa Que Quer cocaína]
de
spiGa: no. [puxa
da caixa de cocaína e mete um
pouco na mão esQuerda de d’annunzio]
d’annunzio:
nem eu, mas tenciono descobri-lo. uma
mulher como tamara é rara. ela é uma senhora, e no
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
entanto não fala com a boca, mas com o sexo. poderá
desapontar…
de
spiGa: é o Gabriele d'annunzio que eu estou a ouvir?
a falar de fracasso?
d’annunzio:
não, mas tenho imaginado tantas coisas
acerca dela, que posso ficar decepcionado; os sonhos
matam a realidade. [inaLa a cocaína]
de
spiGa: as senhoras de sociedade, são todas iguais:
falinhas mansas e perfume caro.
d’annunzio:
aélis! emilia!
aéLis: [entra vinda do corredor de c 13 páG. 62, entreGa um presente a dante]
Leva isto.
dante: ainda há mais? não era melhor se voltássemos
para venezia?
d’annunzio:
não nos vamos mexer daqui! esta é a minha
casa, a minha criação, por isso pára de falar de venezia,
nós não vamos voltar. e calça umas meias, já deixaste de
ser gondoleiro.
dante: si, comandante. [sai para a suite para c 14 páG.
63]
d ’annunzio:
incenso?
[para
aéLis]
arranjaste as flores?… o
57
58
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: oui, comandante.
d’annunzio:
eu não devia dar-lhe um colar?
aéLis: vai dar-lhe um lindo; está junto dos brincos, na
suite.
d’annunzio:
então o quê? …uma coisa elegante— para
quando ela entrar.
aéLis: talvez este anel… [tira o aneL de marFim Que tem
no dedo]
d’annunzio: [oBserva o aneL]
aélis, tu és uma maravilha.
aéLis: está a ver, Gabri, arranja toda esta confusão por
causa dessa senhora de sociedade, mas são mulheres
como aélis e emilia que lhe facilitam a vida.
d’annunzio:
emilia! não me fales nela. continua a fazer-
me aquela cara de pau. sim senhor, sim senhor, mas não
deixa que eu lhe toque.
aéLis: ela está ciumenta.
d’annunzio:
de
eu não lhe pago para ela ser ciumenta.
spiGa: tu não pagas a ninguém.
d’annunzio:
de qualquer maneira, há uma diferença. a
emilia é puta.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: é uma criada, Gabri.
de
spiGa: é uma especialista. Faz a cama e deita-se nela.
d’annunzio:
tamara é uma artista.
aéLis: puta, artista… que diferença faz? e eu, o que é
que eu sou?
d’annunzio:
dá-me os teus lábios. não consigo resistir a
uma boca como a tua.
de
spiGa: [oLhando
peLa JaneLa]
acabou de chegar.
está ali com o Finzi.
d’annunzio:
Filho da puta! a primeira pessoa que ela viu
tinha de ser aquele fascista! Francesco, não fiques aí
parado, leva as senhoras para o salão. [despe o háBito
de monGe e apresenta-se em uniForme miLitar Branco]
Luisa: [entra vinda da suite de c 14 páG. 64] onde está
a minha pistola? [entram
dos da suite de
d’annunzio:
carLotta, emiLia e dante, vin-
c 14 páG. 64]
[para
Luisa]
pum. [para
emiLia]
emilia, se
não tiras essa cara de pau, fecho-te no teu quarto. e
fazes favor de ser simpática com madame de Lempicka.
[atira-Lhe o háBito de monGe]
Luisa: [para
de spiGa, recusando-Lhe o Braço]
está a minha pistola?
onde
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60
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: [aGarra no Braço de carLotta] vamos, aélis,
vamos Luisa. vamos para o salão. a Luisa vai tocar piano
para nós, não vais Luisa? [diriGe-se
para o saLão com
carLotta, seGuido por aéLis e Luisa]
d’annunzio: [estaLa os dedos para dante]
dante, abre
a porta. [dante aBre a porta da rua. d’annunzio, dante
e emiLia continuam no átrio para
d 15 páG. 65]
Luisa: [no corredor, para aéLis] onde está a minha pistola?
aéLis: não consigo dirigir esta casa contigo a cirandar
com uma pistola!
de
spiGa: [À
porta do saLão, para Luisa]
pensa só
naquelas teclas como oitenta e oito gatilhozinhos à espera de serem premidos. [aéLis, carLotta, de spiGa e Luisa
entram no saLão para a
d 17 páG. 70]
t
de
61
L empicKa (acto i) • Fdc
c 13 • corredor
aéLis • carLotta • emiLia • Finzi • Luisa
emilia, aélis, carlotta e Luisa transportam os presentes
para tamara.
[aéLis,
carLotta, emiLia, Finzi e Luisa estão no corre-
dor, vindos de
c 12 páG. 56]
Finzi: Luisa, dê-me a pistola. pode aleijar-se. [tira-Lhe a
pistoLa e esconde-a na sua secretária. sai para a rua,
Fechando a porta atrás de si, À espera da cheGada de
tamara em
d 15 páG. 65]
aéLis: [dando uma caixinha com uma puLseira a carLotta]
La petite pour la petite!
carLotta: Grazie… oh, nunca me deram coisas destas.
emiLia: está a ganhar mais do que a última.
aéLis: emilia, fecha essa boca!
emiLia: a signorina Barra não tem de andar a carregar
nada. porque é que não deixa isso para mim?
carLotta: si, eu também sou uma convidada. [põe
a
caixa da puLseira em cima da piLha de presentes Que
emiLia Leva. emiLia vai para Guardar a caixa no BoLso]
não tenho de andar a carregar nada.
aéLis: eu estou a ver, emilia.
62
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
emiLia: signora mazoyer, eu não roubo.
carLotta: tem razão, aélis, não devemos confiar nos
criados. [tira
a emiLia a caixa da puLseira. carLotta,
emiLia e Luisa vão para a suite para
voLta ao saLão para
c 12 páG 57]
c 14
páG.
63.
aéLis
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
c 14 • suite
carLotta • dante • emiLia • Luisa
carlotta, dante, Luisa e emilia preparam a suite para
tamara.
[carLotta, emiLia e Luisa entram na suite vindas do corredor de
c 13 páG. 62 e dante do átrio de c 12 páG. 57]
dante: sente-se bem, signora Baccara?
Luisa: [Baixo] este era o meu quarto… ele ainda me vai
mandar para o sotão.
dante: não, signora, il comandante não faz isso.
Luisa: e vou acabar no telhado como os pombos. porque
é que eu não sei voar…? [para os presentes] para cada
uma a sua caixa… o papel de embrulho… o laço… a
dedicatória… sempre a mesma coisa. [empurra
sentes. dante Levanta-os.]
os pre-
tudo o que era nosso…
porque é que ele não me deixa ficar com as minhas recordações?… para poderem murchar…
emiLia: [tomando
conta dos presentes]
não mexas
nisso, dante. estive toda a tarde a arranjar esses presentes.
carLotta: porque é que disparou aquela pistola, Luisa?
dante: a signora Baccara não se está a sentir bem.
63
64
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
carLotta: eu falei contigo?
dante: no, signorina.
Luisa: eu estou bem. [sai para o atrio para c 12 páG. 59]
carLotta: [seGue Luisa] é deste quarto. está cheio de
maus pensamentos. [voLta a teLa no cavaLete de Forma
a reveLar a cruz e sai para o atrio para
c 12 páG. 59]
dante: [para emiLia, Que vai para rouBar uma puLseira]
eu estou a ver, emilia. [emiLia
deixa a puLseira, vai voL-
tar de novo a teLa ao contrário e sai para o atrio para
c 12 páG. 59]
t
d 15 •
d ’annunzio
de
L empicKa (acto i) • Fdc
átrio e entrada
• dante • emiLia • Finzi • mario • tamara
d'annunzio recebe tamara.
[d’annunzio, vindo de c 12 páG. 60 Fica visiveLmente irritado ao avistar Finzi Que veio de
espera, vinda de
c 13
páG.
61.
emiLia
c 12 páG. 60. dante espera À porta da
páG.
60.
mario entra seGuindo Finzi,
depois de ter saído em
a1
páG.
rua, vindo de
c 12
28,
trazendo as maLas
de tamara]
Finzi: [para
mario]
mario, porque é que se demoraram
tanto?
mario: as malas dela perderam-se na estação.
Finzi: [para
tamara, BLoQueando-Lhe a entrada]
os
seus documentos, por favor.
tamara: Je ne comprends pas l'italien, monsieur. (eu
não falo italiano, monsieur.)
d’annunzio:
ela não percebe uma palavra do que tu
estás a dizer… não é necessário, Finzi.
Finzi: eu é que decido—
d ’a nnunzio:
embora.
nada! percebes? nada. e agora vai-te
65
66
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: [ao
passar por d’annunzio, Faz-Lhe a saudação
Fascista. Quando passa por emiLia, ordena]
vamos!
[emiLia seGue À Frente de Finzi para a saLa de Jantar, d
16 páG. 69. dante Fecha a porta da rua]
tamara: monsieur d'annunzio.
d’annunzio:
tamara.
tamara: pardonnez-moi, mon frère, nous avons été retenus à la gare. (perdoe-me, meu irmão, ficamos retidos na
estação.)
d’annunzio: Je
ne suis pas votre frère. Les liens qui nous
attachent sont plus forts que le sang. (eu não sou seu
irmão. os laços que nos prendem são mais fortes que os
do sangue.) dante, mario, levem as malas de madame.
[dante e mario vão para a suite, d 19 páG. 82, carreGando as maLas]
vous êtes chez vous. (espero que se sinta
em sua casa.) [coLoca a tamara um aneL de marFim]
tamara: superbe! (soberbo!)
d’annunzio:
il y a si peu de couleurs dont la pureté n’ait
pas encore été sali. (há tão poucas cores cuja pureza
não tenha ainda sido conspurcada.) [oLhando
de muito perto]
tamara
Le graveur est excellent. travailler
l’ivoire doit être une art difficile. (o gravador é excelente. trabalhar em marfim deve ser uma arte difícil.)
tamara: porquoi cet homme est-il ici? (porque é que
aquele homem está cá?)
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Lequel? (Quem?)
tamara: celui qui est en noir. (o de preto.)
d’annunzio:
ahhh! Finzi. c’est un cadeau de il duce.
(ahhh! Finzi. Foi um presente de il duce.) [ri] il y a ceux
qui offrent des livres, vous offrez peut-être des
tableaux. signore mussolini offre des personnes.
capitano Finzi est là pour nous protéger des invités indésirables. (algumas pessoas dão livros, talvez você dê
quadros. o signore mussolini dá pessoas. o capitano
Finzi está cá para nos proteger de convidados indesejáveis.)
tamara: Je pensai que la police surveillait les prisonniers.
(pensava que os polícias guardavam presos.)
d’annunzio: non. non. un écrivain a besoin de deux cho-
ses: la solitude et la beauté. et avec vous c’est deux en
une. et maintenant voici le moment désagréable: les présentations. ensuite je vous montrerai votre suite. (não.
não. um escritor precisa de duas coisas: solidão e beleza. e elas, consigo, são uma só. vamos então à parte
desagradável: as apresentações. depois vou mostrarlhe a sua suite.)
tamara: mais je ne peux pas me montrer dans cet état. il
faut que je me change. (mas eu não posso aparecer a
ninguém nesta figura. tenho de me ir mudar.)
d’annunzio: [tira-Lhe o casaco e pendura-o num caBi-
67
68
t
de]
de
L empicKa (acto i) • Fdc
c’est déjà fait: vous m’avez rencontré. tout le reste
n’a aucune importance. seront-ils jamais capables de
vous voir? des yeux communs pourront-ils percevoir
votre lumière angélique? [tamara
ri]
veriFica a sua aparência no espeLho]
venez. [tamara
venez. (mas já
mudou: encontrou-me. o resto não é importante.
conseguirão vê-la alguma vez? poderão olhos comuns
perceber tanta incandescência angélica? [tamara
venha. [tamara
ri]
veriFica a sua aparência no espeLho]
venha.)
tamara: Quand on a perdu mes valises à la gare j’ai
pensé un instant que c’était un signe et que je ne devais
pas venir. (Quando as minhas malas se perderam na
estação, por um momento pensei que era um sinal e que
não deveria vir.)
d’annunzio:
mais porquoi? (mas porquê?)
tamara: ce fut un moment d’hésitation, vous comprenez? (Foi um momento de hesitação, percebe?)
d’annunzio:
mais vous êtes venue quand même… c’est à
cause de l’argent? (mas veio na mesma… foi por causa
do dinheiro?)
tamara: pourquoi m’avez vous invité? pourquoi est-ce
que quelque chose —bizarre— me dit que au delà de
cette porte il n’y a plus de avenir? (porque é que me convidou? porque é que algo —curioso— nos diz que o
futuro acaba para cá desta porta?) [d’annunzio
tamara para o saLão para
d 17 páG. 72]
Leva
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
d 16 • sala de Jantar
emiLia • Finzi
Finzi solicita emilia.
[emiLia e Finzi vieram do átrio de d 15 páG. 66]
Finzi: anda…
emiLia: agora? tem dinheiro?
Finzi: tenho.
emiLia: no escritório?
Finzi: no teu quarto.
emiLia: deixe-me ir servir a sobremesa. depois logo lha
sirvo a si. [retira a Louça suJa da saLa de Jantar e diriGe-se À cozinha, seGuida por Finzi,
d 18 páG. 78]
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70
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
d 17 • salão
aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • Luisa • tamara
apresentações.
[aéLis, carLotta, de spiGa e Luisa entram no saLão vindos do átrio de
c 12 páG. 60. Luisa senta-se ao piano e
toca a “vaLsa op.
de
70 #2” de chopin.]
spiGa: Já vos falei do piano-caixão do meu amigo
agideo?
carLotta: oh, signor de spiga, está a querer arreliarnos.
aéLis: [para
Luisa]
estás bem? [Luisa
acena Que sim.
aéLis massaJa-Lhe os omBros e concentra a atenção
em carLotta]
de
spiGa: vivi numa cidade chamada asolo, que era mais
um ajuntamento de doidos que uma cidade. nada de
comentários, aélis. vivi lá porque as pessoas me divertiam. é verdade. por exemplo, o agideo. vivia num caixote de lixo. até os restos que deitavam fora no mercado
ele aproveitava.
carLotta: mas, signor de spiga, agora as coisas estão
a ficar muito melhores. monsignore disse-me a semana
passada que a minha geração vai fazer em vinte anos o
que demoraria cem. a vida é excitante. e deus abençoa
a nova italia.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Luisa: aparentemente em asolo, não.
aéLis: sempre tão negativa, Luisa.
de
spiGa: Querem ouvir a minha história ou não?
aéLis: temos escolha?
de spiGa: não. agideo era um melómano. muitos italianos
amam a ópera, mas o agideo tinha uma paixão secreta
pelo piano. naturalmente que ele não podia aspirar a
comprar um, e então decidiu construir um [pausa] a partir dum caixão. Juro que é verdade! eu tinha-lhe dito que
um piano tem oitenta e oito teclas—
carLotta: [rindo] e ele pô-las dentro do caixão?
de
spiGa: sim! dizia que só tinha espaço para três oita-
vas, mas que o pagnucco, o vendedor de spagetti, lhe ia
vender o caixão da sogra, que tinha a largura de cinco
oitavas.
carLotta: e dava para tocar?
de
spiGa: tinha uma acústica surpreendente. havias de
gostar, Baccara.
Luisa: vivo há três anos num caixão. aélis, não deixes que
ele me enterre. Quero ser cremada. Fogo.
de spiGa: oh, esta tão italiana obsessão pelo melodrama.
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72
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: [para
Luisa]
ela vai cá estar só alguns dias, não
mais.
Luisa: e depois vem a próxima… e tudo recomeça.
carLotta: a igreja não aprova a cremação, Luisa,
excepto no caso dos heréticos.
de
spiGa: podes ir embora quando quiseres, Luisa. o
automóvel está à porta. o mario leva-nos onde quiseres.
aéLis: estou a avisá-lo, Francesco. se aborrecer o
Gabri, acabaram-se as suas vindas cá a casa. e agora
vamos falar de outras coisas. [pausa] Já repararam
como a carlotta tem uns olhos lindos?
de
spiGa: Quanto a isso, minha cara aélis, estamos de
acordo embora notando que há outros… aspectos dela
que parecem exercer sobre ti um fascínio maior. [Luisa
toca a “vaLsa op.
70#2” de chopin. pára aBruptamente
Quando entram d’annunzio e tamara, vindos do átrio
de
d 15 páG. 68]
d’annunzio:
minhas senhoras e meus senhores, tenho a
honra de vos apresentar madame tamara de Lempicka:
artista e obra de arte.
de
spiGa: magnífica!
d ’a nnunzio :
Francesco.)
en français, Francesco. (em francês,
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: a beleza é a sua própria linguagem.
d’annunzio:
puis-je vous présenter Gian Francesco de
spiga, compositeur? (posso apresentar-lhe Gian
Francesco de spiga, compositor?)
de
spiGa: enchanté. (encantado.)
tamara: Bon soir. J'aimerais vous entendre jouer votre
musique. (Boa noite. Gostava de o ouvir tocar a sua
música.)
de
spiGa: Gabriele ne me permet pas de jouer ma musi-
que; plutôt ce sont ces chiens qui ne le permettent pas,
mais aprés le dessert, je vous jouerai du chopin.
(Gabriele não me permite que eu toque a minha música;
na verdade são os cães dele que não permitem, mas
depois da sobremesa tocar-lhe-ei chopin.)
tamara: Je préfère debussy. (prefiro debussy.)
d’annunzio: non, tamara. cet honneur reviendra à notre
chère Luisa Baccara. (não, tamara. essa honra caberá
à nossa querida Luis Baccara.)
tamara: Luisa Baccara—
de
spiGa: primeiro a sobremesa! [ninGuém responde]
Luisa: [para
d’annunzio]
ela é mais bonita do que eu
imaginava. [d’annunzio acena a sua concordÂncia]
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74
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
tamara: J'ai tellement entendu parler de vous, madame
Baccara. Je vous admire beaucoup. Je vous ai vue jouer
une fois à zurich. (ouvi falar tanto de si, madame
Baccara. admiro-a muito. vi-a tocar uma vez em
zurique.)
Luisa: o que é que… ela disse?
aéLis: Que te viu tocar em zurique.
Luisa: diz-lhe que acabei com as digressões. Finito, finito.
aéLis: elle dit qu'elle ne fait plus de tournées, et cela la
choque qu'il y ait quelqu'un qui s'en souvienne. (ela diz
que já não faz tournées e não gosta que lhe recordem
isso.) [d’annunzio mostra-se aBorrecido com a tradução]
d’annunzio:
et voici carlotta… (e eis carlotta…)
aéLis: Barra.
d’annunzio:
elle espère aller à paris et danser pour
diaghilev. (ela ambiciona ir para paris para dançar para
o diaghilev.)
tamara: [Faz uma Festa a carLotta] Bonsoir, ma petite.
(Boa noite, minha menina.)
carLotta: Quando o diabo te faz festas, é porque quer
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
a tua alma.
tamara: êtes-vous une jeune pavlova? [carLotta oLha
para aéLis, À espera de tradução]
aéLis: é uma jovem pavlova?
carLotta: [aBruptamente] no, maria taglione. eu sou
italiana. [sai a chorar para o seu Quarto para e 20 páG.
85]
aéLis: carlotta!
tamara: ah! vous, les italiens, vous avez une telle passion. (ah! vocês, os italianos, têm cá uma paixão.)
d ’annunzio:
aélis, salva-me. há demasiados artistas
nesta sala.
aéLis: tous les artistes ont une telle passion! (todos os
artistas têm cá uma paixão!)
d’annunzio:
Faz-me lembrar tu quando eras nova, Luisa.
sempre a sair tempestuosamente das salas.
Luisa: Foste tu que me ensinaste que a má criação era um
sinal de talento.
d’annunzio: [para tamara]
Je vous présente aélis. c'est
ma femme de charge. si vous avez besoin de quelque
chose, vous pouvez le demander à elle. (deixe-me apresentar-lhe aélis. é a minha governanta. se tiver necessi-
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t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dade de alguma coisa, pode pedir-lha a ela.)
aéLis : a votre service, madame. (ao seu serviço,
madame.)
tamara: Quel nom étrange, aélis. (Que nome estranho,
aélis.)
aéLis: en vérité je m'apelle amélie, mais le comandant
préfère aélis, alors, c'est aélis. (na realidade eu chamome amélie, mas o comandante prefere aélis, portanto, é
aélis.)
tamara: Je l'aime bien. (eu gosto.)
aéLis: merci, madame. (obrigado, madame.) desculpe,
comandante, gostava de ir ver o que é que se passa com
a carlotta. [antes de sair, para tamara] nous prenons le
dessert en quelques minutes. voulez-vous nous joindre?
(tomamos a sobremesa daqui a uns minutos. Quer juntar-se a nós?)
tamara: avec plaisir. (com todo o prazer.) [aéLis
para o Quarto de carLotta para
de
sai
e 20 páG. 85]
spiGa: outra gulosa.
d’annunzio: vou mostrar a madame de Lempicka o quar-
to dela, e depois viremos ter convosco para a sobremesa. [antes de sair] talvez.
de
spiGa: Luisa, vamos até ao piano para falarmos sobre
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
as virtudes da sétima menor.
d ’annunzio:
[saindo
com tamara peLo Braço]
não
devias falar do que não tens, meu amigo.
de
spiGa: a sétima menor?
d’annunzio:
suite,
de
virtude. [sai
a sorrir, com tamara, para a
e 22 páG. 97]
spiGa: [para si próprio] as coisas que não temos são
as únicas de que vale a pena falar.
Luisa: [senta-se
ao piano]
pobre rapariga. [toca “La
pLus Que Lente” de deBussY. continua com de spiGa no
saLão em
e 21 páG. 92]
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L empicKa (acto i) • Fdc
d 18 • cozinha
emiLia • Finzi
emilia e Finzi falam sobre mario.
Finzi: [seGue
emiLia Que entra na cozinha de
d 16
páG.
69] então… ela é bonita. [emiLia não diz nada e Lava os
pratos]
a pele dela é macia e branca como a farinha.
emiLia: Quero lá saber…
Finzi: é muito mais atraente que tu. cuida-se.
emiLia: se eu não tivesse mais que fazer, podia parecer
muito melhor do que ela. só que eu trabalho.
Finzi: o mario também ficou apanhadinho por ela.
parece que vieram a conversar, no carro.
emiLia: o mario gosta de mulheres a sério. ele não é—
Finzi: não é o quê? o que é que o mario não é?
emiLia: só as crianças brincam com bonecas. a carlotta
disse-me que lhe deu um beijo.
Finzi: um beijo inocente, nada mais. eu não sou como o
teu mario que se atira a tudo o que tenha saias.
emiLia: não atira nada.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: é engraçado, emilia, que eu esteja nesta casa há
quase dois anos e que nunca te tenha ouvido falar do teu
primo mario —uma vez que o conheces tão bem que até
sabes as suas preferências no que diz respeito a mulheres.
emiLia: os homens da minha familia são todos iguais. o
meu pai escolheu a minha mãe e a mulher do irmão dele é
como a minha mãe. é fácil perceber que tipo de mulheres
eles gostam.
Finzi: e tu? Gostas de homens como o mario?
emiLia: eu não tenho tempo para homens.
Finzi: a não ser que paguem.
emiLia: e a polaca, acha que ela é diferente? não viu os
vestidos, as jóias —todas aquelas coisas que levámos
para a suite? ela é paga. Bem demais…
Finzi: não levaste dinheiro ao dante.
emiLia: há nove anos, o que se arranjava de graça, custa
agora um dinheirão. [Baixo] e além disso, eu tenho despesas.
Finzi: ah, sim. a tua filha caterina.
emiLia: o senhor faz perguntas, é o seu trabalho, eu respondo. o senhor dá-me dinheiro, eu meto-o na minha
cama. não somos amigos, capisce? não fale da caterina.
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L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: Fui ao teu quarto na noite passada.
emiLia: ah sim? vi-o ir para o quarto da Baccara.
precisava das duas?
Finzi: estiveste no quarto do mario.
emiLia: Às vezes conversamos. nunca mais o tinha visto
desde a Guerra. temos muitas coisas para falar.
Finzi: ele fez perguntas acerca de il comandante?
emiLia: e quem não faz?
Finzi: perguntas políticas?… “o que é que il comandante
pensa de il duce?”… coisas assim?
emiLia: ele é novo, ele pensa é em raparigas.
Finzi: sabes o que é que eu acho estranho, emilia? é que
o Josko, o antigo motorista, foi de férias no natal e
nunca mais disse nada.
emiLia: tinha saudades de Fiume.
Finzi: não, eu confirmei com a polícia de lá; nunca lá chegou. na realidade mandei telegramas para toda a italia e
ninguém sabe dele.
emiLia: a mãe dele vive em Fiume.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: eu sei onde é que a mãe dele vive. o que me intriga
é como é que o teu primo há tanto tempo desaparecido,
aparece aqui à porta como um motorista qualificado, sem
mais nem menos.
emiLia: é a “zimbracca”.
Finzi: [aceitando
a mentira]
ah… sim. aquilo a que il
comandante chama a quem lê os pensamentos, a “zimbracca”.
emiLia: sim. o mario esteve no Grande hotel com a
principessa d'avignon e quis vir ver-me. ela queria ir para
capri e o mario detesta o calor; e então ficou com o
emprego. e agora já chega. Basta.
Finzi: da próxima vez que voltarem a ter uma conversa
nocturna, quero que lhe digas que eu ando a vigiá-lo.
emiLia: diga-lhe o senhor.
Finzi: eu sei que não preciso de repetir as coisas, pois
não?
emiLia: no.
Finzi: Bene. [continuam em e 25 páG. 105]
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L empicKa (acto i) • Fdc
d 19 • suite
dante • mario
mario e dante conversam sobre ser-se criado.
[mario e dante, vindos do átrio de d 15 páG. 66 Levam as
duas maLas de tamara para a suite. mario aBre uma das
maLas e espreita Lá para dentro]
dante: não sei porque é que estas senhoras da alta trazem tanta roupa. tu vê, mario. il comandante vai trazê-la
para aqui em cinco minutos, despe-a em dez, e é assim
que ela vai ficar até tu a levares de volta à estação. il
comandante costuma dizer, “uma mulher como aquela
usa a sua nudez como um uniforme”. e é verdade. eu
também uso um uniforme e ele assenta-me bem. Bom, talvez não tão bem como o meu fato de gondoliere, mas eu
gosto dele. sinto-me bem com ele. mas mario, tu… não
pareces bem.
mario: [apontando] para onde é que dá esta porta?
dante: para os aposentos de il comandante. Josko, o
antigo motorista, costumava usar o… [aJeita o Boné de
mario]
não. é melhor não. Ficavas bem demais.
mario: Grazie.
dante: os patrões não gostam de quem parece bem
demais. [Fecha a maLa Que mario aBriu] mario! os choferes não desfazem as malas das senhoras. deixa isso
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
para a emilia.
mario: mi scusi.
dante: hás-de aprender… com o tempo.
mario: todas as mulheres de il comandante ficam aqui?
dante: só as da alta. as putas ficam no Grande hotel e,
evidentemente, ainda há a aélis e a emilia. é um homem
ocupado.
mario: a emilia?
dante: não fiques chocado, mario. ela pode muito bem
ser tua prima, mas antes de mais é a mulher que eu amo.
habitua-te à dor.
mario: mas como é que ela pode?
dante: comida, um telhado, onde é que tens andado,
mario? os criados não fazem só o serviço, os criados são
o serviço. capisce?
mario: mas se tu a amas porque é que não a levas daqui
para fora?
dante: e pensas que eu não quero? ouve, mario, vocês
são primos, talvez pudesses dar-lhe uma palavrinha…
mario: si, dante.
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de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: ela não me ouve. é como quando estamos num
tunel, há luz lá ao fundo mas a emilia não segue para lá;
está convencida que há aqui um tesouro, que se continuar a procurar acaba por encontrá-lo. vestidos, pérolas; como nos contos de fadas. o que me entristece em
vocês, católicos, é que são capazes de cometer não
importa que pecado para encontrar a salvação.
mario: eu não sou praticante.
dante: [BeBe
de uma GarraFa de vodKa escondida.
mario não vê, está entretido a inspeccionar o Quarto]
não? Quando eu perguntei à emilia porque é que ias
tanto a Gardone, ela disse-me que ias à missa.
mario: [rindo] Às putas. dante, aquela puta… a que o
d'annunzio usa, a defelice?… onde é que eu a posso
encontrar?
dante: ouve, mario, três coisas: primeiro, tu não podes
dar-te a esse luxo; segundo, ela não gosta de homens
que fazem perguntas, e terceiro—
mario: dante, o que eu queria—
dante: e terceiro, ha molto lavoro a fare. Bene, depois
de eu servir a sobremesa bebemos um copo?
mario: combinado. [dante vai para a cozinha, e 25 páG.
105.
103]
mario vai para o Quarto de d’annunzio,
e 24
páG.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
e 20 • Quarto de carlotta
aéLis • carLotta
aélis dá um vestido a carlotta.
[carLotta está a chorar na cama vinda do saLão, d 17
páG.
75. aéLis entra. vinda do saLão, d 17 páG. 76]
aéLis : carlotta, como é que me pôde envergonhar
assim… [vendo
carLotta a chorar, vai Junto deLa]
oh… carlotta, eu não percebo o que é que lhe deu.
carLotta: estou aqui há seis dias e ele ainda nem me viu
dançar.
aéLis: vai ver em breve. prometo.
carLotta: toda a gente diz “em breve”. eu tenho pressa. estou a ficar velha, aélis. il duce diz que temos de
construir as coisas, já. tenho de iniciar a minha carreira.
aéLis: carlotta, tem dezassete anos!
carLotta: a minha irmã é freira desde os dezasseis.
aéLis: é tão querida. deixe-me fechar a porta. [Fecha a
porta]
tão querida.
carLotta: porque é que ele lhe dá tanta atenção?
aéLis: ela acabou de chegar. ele só está a ser bem edu-
85
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t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
cado.
carLotta: todos aqueles presentes. ele foi esperá-la à
porta, aélis. a mim não me fez isso.
aéLis: viu o seu presente?
carLotta: onde?
aéLis: [mostra-Lhe um vestido] comprei-o esta manhã
em Gardone.
carLotta: é para mim? oh… aélis! obrigado. [aBraçaa. aéLis proLonGa o aBraço]
é tão boa para mim, aélis.
todos os outros…
aéLis: eles gostam de si.
carLotta: não como a aélis. posso vesti-lo? vou ficar
melhor que aquela polaca! estou tão contente. [começa
a despir-se]
aéLis: deixe-me ajudá-la. as suas pernas são tão bonitas. [toca nas coxas de carLotta] como é que consegue ter umas coxas tão fortes?
carLotta: exercício.
aéLis: il comandante gosta de firmeza.
carLotta: acha que ele me vai passar a recomendação?
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: depende. [senta-se] mostre-me alguns exercícios, carlotta. eu fico aqui sentada.
carLotta: [Fazendo
pLiés em roupa interior]
Faço
oitenta todas as manhãs.
aéLis: oitenta?
carLotta: Às vezes penso que quando parar de fazer
exercícios e de dançar, deixo de ser bonita. se parar,
sinto-me tão feia como uma vassoura.
aéLis: tem namorado?
carLotta: não. a minha mãe diz que eu ainda não tenho
idade para ter pensamentos românticos.
aéLis: e com que idade os poderá ter?
carLotta: Quando casar.
aéLis: pode ser demasiado tarde.
carLotta: não são coisas que me preocupem.
aéLis: mas se tivesse alguém que a amasse, que tomasse
conta de si, [vai Buscar-Lhe o vestido] que lhe comprasse presentes, que a levasse a sítios bonitos, talvez não se
sentisse… como é que disse?… “feia como uma vassoura” quando parar de dançar.
carLotta: alguma vez o sentiu, aélis? sentiu o amor?
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L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: só uma vez…
carLotta: Às vezes penso que eu… bem, na verdade
aqui no il vittoriale eu pensei que o sentia… quer dizer,
senti da mesma maneira que aquela mulher que eu li num
livro chamado “a madrugada do amor” quando ela o viu
pela primeira vez. o papá disse que eu não devia ter lido
o livro… sabe, deixaram-no no banco do comboio e eu
não sabia de que era o livro… mas quando saí na estação
em padua tinha uma data de perguntas e… [pausa] a
vida tornou-se mais complicada depois de o ter lido.
[veste-se]
aéLis: eu tinha exactamente a sua idade quando me
apaixonei pela primeira vez. pelo menos era o que eu
pensava; até que um dia o comte de la Bretonne me perguntou se eu queria ser dama de companhia da sobrinha,
a isabelle.
carLotta: [voLta-se de costas para aéLis Lhe apertar
o Fecho do vestido] e abandonou o homem que amava?
aéLis: oui. mas desde que cheguei à Bretanha, nunca
mais pensei nele.
carLotta: não lhe escrevia?
aéLis: a isabelle ocupava-me o tempo todo. dia e noite.
carLotta: era doente?
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: não. na verdade ela era tão nova e tão saudável
como a carlotta…
carLotta: dançava?
aéLis: nem sequer a valsa. a vida dela eram os cavalos.
as coxas dela eram tão firmes como as suas por causa
das horas que passava a montar… a sua linda égua
malhada. sabe o que é que ela queria ser, carlotta? um
cowboy. Queria vender o castelo e ir para a américa.
talvez se tem ido, ainda hoje fosse viva.
carLotta: morreu?
aéLis: Quando fez vinte anos, o tio deu-lhe um enorme
garanhão. eu pedi-lhe para ela não o montar… ele deitou-a abaixo… e ela partiu o pescoço.
carLotta: e a aélis?
aéLis: Fui para inglaterra por uns tempos —fiquei destroçada—, e depois voltei para França, onde conheci il
comandante.
carLotta: então deixou o homem que amava para se
tornar uma criada, para servir outros.
aéLis: o quê?
carLotta: o padre Lotti diz que os que servem os
outros servem primeiro deus.
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L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: não era exactamente isso o que eu queria dizer.
carLotta: então o que é que queria dizer?
aéLis: oh, carlotta. Já chega de lembranças. vamos
comer a sobremesa.
carLotta: a polaca também lá vai estar?
aéLis: sim.
carLotta: então não quero ir.
aéLis: carlotta, por favor. Faça isso por mim.
carLotta: não disse se o vestido me fica bem.
aéLis: é… incrível.
carLotta: isso é bom?
aéLis: o melhor que há.
carLotta: estou bem?
aéLis: [arranJando o caBeLo de carLotta] voilá. vous
êtes parfaite. [vão
para sair do Quarto]
não consigo
perceber porque é que não gostou, logo assim de repente, de madame de Lempicka.
carLotta: não gosto de estrangeiros. não percebo o
que ela diz, e toda a gente anda à volta dela e eu fico
t
de
91
L empicKa (acto i) • Fdc
esquecida. até o capitano Finzi foi lá fora recebê-la.
aéLis: eu sou estrangeira, carlotta.
carLotta: mas fala italiano e preocupa-se comigo. sabe
ouvir. somos amigas.
aéLis: sim… somos amigas. [saem do Quarto] tenho de
ir dizer a il comandante que a sobremesa está a ser servida.
carLotta: aélis, não me deixe sozinha.
aéLis: os anjos acompanham-na, carlotta. vá. eu volto
já. [carLotta
vai para a saLa de Jantar,
aéLis vai para o Quarto de d’annunzio,
F 27
páG.
119
F 28 páG. 127]
e
92
t
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L empicKa (acto i) • Fdc
e 21 • salão
de
spiGa • Luisa
Luisa e de spiga conversam sobre si, d'annunzio e Finzi.
Luisa: [toca “La
pLus Que Lente” de deBussY e spiGa
começa a acariciá-La, de
d 17
páG.
77] Francesco, nós
estamos aqui para tocar piano.
de
spiGa: se a música fosse o alimento do amor…
Luisa: Francesco!
de
spiGa: …toca.
Luisa: Francesco, pára!
de
spiGa: pensa só no que eles estão a fazer agora!
[Luisa pára de tocar] esqueceste-te do refrão.
Luisa: não há refrão.
de
spiGa: porque é que não deixas o d'annunzio? a
minha casa é grande. posso dar-te tudo o que tu quiseres. e asolo é um sítio tão bonito. como é que o podes
amar? ele não te ama. pára de esperar, Luisa. aqueles
dias já passaram. ele não quer uma relação de compromisso.
Luisa: Quer.
de
spiGa: sim, com a morte. porque é que não lhe dás a
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
tua pistola? pelo menos dava-lhe uso.
Luisa: Que mórbido.
de
spiGa: esta casa tornou-se um mausoléu.
Luisa: il vittoriale é um museu para o povo italiano.
de
spiGa: [Faz
saudação
Fascista ]
d'annunzio!
d'annunzio!
Luisa: [aGarra num punhaL] mas tu não és amigo dele?
de
spiGa: do homem, sim. do artista, sim. do coleciona-
dor, não. Gabriele leva o seu papel de faraó egípcio um
bocadinho longe demais para o meu gosto. e quando
morrer vai querer levar-nos a todos com ele. nesse dia,
tenciono estar longe, em asolo. Luisa, olha para mim.
desde a altura em que ele foi governador de Fiume, há
sete anos, envelheceu uns trinta. o que é que queres
fazer? o que é que vais fazer quando ele morrer?
Luisa: o nome d'annunzio morrerá algum dia?
de
spiGa: e quem é que se vai lembrar de Luisa Baccara?
começaste com toscanini, nem mais nem menos, e prestas-te a isto. com um velho!
Luisa: pensas que não sei o preço? Francesco, tu és
muito meigo mas não percebes as mulheres. algumas de
nós pensam. [pausa] algumas sonham. algumas têm
esperança e esperam. mas todas nós queremos, e con-
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94
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
seguiremos, vingarmo-nos. [pousa o punhaL]
de
spiGa: são assim as venezianas. Quem podia imaginar
que por debaixo desse peito de alabastro pode haver um
tão negro coração? a vingança é tão burgeois, Luisa.
agora, o assassínio —”le crime passionelle”— para esse,
eu poderia escrever uma ópera.
Luisa: [no piano, carreGa uma tecLa] está desafinada.
de spiGa: és tu que estás desafinada. distante, dispersa,
sem visão, sem alma. Luisa, vem para asolo. há nove
semanas que me rojo a teus pés; tenho de dar um concerto no mês que vem e ainda nem sequer o compus. tu
estás viva, Luisa. viva. podias ir embora!
Luisa: não posso… tenho medo.
de
spiGa: porquê? concerteza que não é o Gabri. ele
está demasiado velho para te assustar. de quem?
Luisa: de mim, só de mim.
de
spiGa: não. do Finzi. na noite passada ele foi ao teu
quarto. [Luisa tapa os ouvidos] eu vi-o. eu ouvi. [aGarra-Lhe as mãos]
não tapes os ouvidos. eu não tapei os
meus. é dessa maneira que tu gostas? À bruta? também
queres que eu seja assim?
Luisa: [pausa] esta casa tem qualquer coisa minha e eu
quero… quero… reavê-la.
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: não há nada aqui! tudo o que esta casa apa-
nha, suga. eu compreendo-te.
Luisa: não, não compreendes.
de
spiGa: pelo menos tento. mas não consigo compreen-
der como é que podes fornicar com o Finzi.
Luisa: não quero ser insultada.
de
spiGa: o viveres debaixo deste teto e respirares este
ar putrefacto já é insulto que chegue, para ti e para mim.
por favor, vem comigo, para longe do Gabri e desse filho
da puta do camisa negra Finzi…
Luisa: não digas isso tão alto.
de spiGa: Luisa, só há duas coisas na vida que me interes-
sam: a música e tu.
Luisa: numa prisão não há música.
de
spiGa: prisão? por dizer que ele é—
Luisa: sim. todos os dias desaparecem pessoas por
menos do que isso. não estiveste em veneza? ou em
milão? eles estão por toda a parte. talvez ainda não nas
lindas montanhas de asolo, mas lá chegarão. Brevemente
Francesco.
de
spiGa: tu não levas o Finzi a sério, pois não? parolos
de uniforme—
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t
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L empicKa (acto i) • Fdc
Luisa: há cinco anos. mandam em italia há cinco anos.
de
spiGa: é como se tivessem cinco anos de idade.
Luisa: não digas isso. algumas pessoas ainda podem
dizer graças. o Gabriele d'annunzio—
de
spiGa: amen. [Benze-se]
Luisa: sim, ele pode dizê-las. desde que o faça em privado. e ele sabe quando deve parar. mas tu, Francesco, tu
nem devias começar.
de
spiGa: um indício de preocupação. afinal ela preocu-
pa-se comigo! porque é que dizes o nome dele sempre
dessa
maneira
—”Gabriele
d'annunzio”,
“il
comandante”— não percebo porque é que o veneras.
isso é veneração. este sítio é como um santuário. [pausa]
porque é que, se amas o Gabri, fornicas com o Finzi?
Luisa: [conFessando] porque o Gabri quer! ele quer
saber como é que ele é nisso.
de
s piGa: a mim não me interessa o que é que o
d'annunzio quer. o que me interessa é o que é que tu
queres, Luisa. o que é que tu queres? o que é que eu te
posso dar, o que é que eu te posso oferecer?
Luisa: vamos comer a sobremesa.
de spiGa: [pausa] vamos. [saem para a saLa de Jantar,
27 páG. 116]
F
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L empicKa (acto i) • Fdc
e 22 • suite
d’annunzio
• tamara
d'annunzio assedia tamara.
[tamara e d’annunzio vieram do saLão, de d 17 páG. 77 e
diriGem-se para a suite]
d’annunzio:
il faut que je vous dise qu’on a déjà essayé
de faire mon portrait, mais il semble que c’est impossible
de le réduire a deux dimensions. Je serai surpris de savoir
ce qu’un artiste voit en moi. (tenho de a avisar que já
muitos tentaram fazer o meu retrato; mas parece que ele
não pode ser limitado a duas dimensões. intriga-me tentar perceber o que é que um artista vê em mim.)
tamara: comment vais-je vous peindre, c’est ce que vous
me demandez? (como é que eu o vou pintar? é isso que
está a perguntar?) [d’annunzio
acena aFirmativamente]
est ce que je vais vous peindre en poète, en homme brillant qui a enflammé la conscience d’une nation, en guerrier qui a permi la fin de la guerre, en créateur de la
republique de Fiume, celui qui a gagné le territoire promis à l’italie si elle declarait la guerre? non, ces aspectslà ne m’intéressent pas. (irei eu pintá-lo como o poeta,
como o homem brilhante que inflamou a consciência de
uma nação, ou o guerreiro cujas acções ajudaram a acabar a guerra, ou o criador do estado Livre de Fiume, o
homem que ganhou para a italia o território que lhe tinha
sido prometido se entrasse na guerra? não, esses aspectos não me interessam.)
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L empicKa (acto i) • Fdc
d’annunzio:
alors qu’est-ce que— (então o que—)
tamara: Je veux le grand seducteur. oui, je sais tout sur
vous. et je pense que tous les portraits que j’ai vu de vous
n’arrivent pas à vous saisir. (eu quero o grande sedutor.
sim, sei tudo acerca de si. e acho que todos os retratos
seus que vi, não conseguem captar a sua essência.)
d’annunzio: et
cela parce que… quelle est la phrase que
vous avez l’habitude d’écrire dans vos lettres? (isso é
porque… qual era a frase que costumava usar nas suas
cartas?)
tamara: La passion de l’artiste doit être aussi grande
que celle du modèle. Qu’est-ce que vous diriez si je vous
peignais nu? Je veux vous peindre détendu— il vous arrive… d’être détendu? (a paixão do artista tem de ser tão
grande como a paixão do modelo. como é que se sente a
posar nú? Quero pintá-lo num momento descuidado—
costuma ter… momentos descuidados?)
d ’a nnunzio :
Laissez-moi vous montrer votre suite.
(deixe-me mostrar-lhe a suite.) [BeiJa-a num movimento
repentino. aBre a porta da suite e incLina-se para
tamara passar]
s’il vous plait. Faites moi ce plaisir. (se
faz favor. tenha a bondade.) [aduLando-a] Je sais que
vous avez eu une grande journée, mais pas aussi grande
que mon désir. (eu sei que teve um dia comprido, mas não
tão comprido como o meu desejo.) [aBraça-a
BeiJá-La]
e tenta
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L empicKa (acto i) • Fdc
tamara: attendez, je… (espere, eu…) [rindo] monsieur
d'annunzio, vous m’avez fait venir dans ce bordel mais je
vous rapelle que je suis payée pour faire votre portrait.
ce qui nous arrivera en plus, au cas où quelque chose
arrive, ne se fera pas sans un certain rituel. Je suis une
artiste, pas une prostituée. (monsieur d'annunzio, conseguiu trazer-me a este bordel, mas devo lembrar-lhe
que me está a pagar para pintar o seu retrato. o que
acontecer para além disso, mesmo que nada, não é coisa
a que eu dispense alguma cerimónia. sou uma artista, não
uma prostituta.)
d’annunzio: Je sais trés bien faire la différence entre une
artiste et une prostituée. Les prostituées sont mieux élevées. (sei muito bem distinguir uma artista de uma prostituta. as prostitutas são mais bem educadas.)
tamara: Je sais que je suis toujours trop sur la défensive. mais ce n’est pas ce que j’avais imaginé… une femme
souhaite un amant qui l’emmène en promenade, qui lui
écrive des poèmes pour qu’elle soit heureuse… elle ne
veux pas un autre mari. excusez-moi. (eu sei que me
ponho demasiado à defesa. mas não é o que eu tinha
imaginado… uma mulher quer um amante que a leve a
passear, lhe escreva poemas para a fazer sentir-se especial… não para ser como um marido. desculpe.)
d ’annunzio:
Bien sûr. Je vous ai fait des presents.
(claro. comprei-lhe presentes.) [vai Junto dos presentes]
est-ce que vous pourriez me pardonner en portant
ce collier pendant que nous prendrons le dessert? cela
ira bien avec… où sont-ils? il y avait une boite avec des
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boucles d’oreille. (será capaz de me perdoar usando
este colar para a sobremesa? Ficava bem com… onde é
que eles estão? havia uma caixa com uns brincos.)
[pausa] du parfum, un bracelet, il y a des chapeaux…
vous aimez les chapeaux? (perfume, uma pulseira, há aí
chapéus… gosta de chapéus?)
tamara: non, non. Je ne peux pas. c’est trés gentil,
mais… (não. não. não posso. é muito simpático mas…)
d’annunzio: [Leva-Lhe o coLar]
Laisse-moi vous regar-
der avec ceci— (deixe-me vê-la com isto—) [começa a
acariciar-Lhe o peito]
tamara: monsieur d'annunzio, qu’est-ce que vous faites? (monsieur d'annunzio, o que é que está a fazer?)
[dá-Lhe uma BoFetada. o coLar cai. d’annunzio sai para
o seu Quarto para
suite em
F 28
e 23 páG. 101]
páG.
127.
tamara continua na
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
e 23 • suite
tamara
tamara monologa sobre o assédio de d'annunzio.
tamara: [continua
de
e 22
páG.
100] Je l’ai insulté…
aprés toutes ces lettres… je ne suis pas lá depuis cinq
minutes et je l’ai déjà insulté. mais aussi… “mon nom c’est
Gabriele d'annunzio, allons faire l’amour?” a paris tout
semblait diffêrent. Je lui écrivait en lui racontent mes
pensées les plus intimes et c’était aussi naturel qu’écrire
mon journal. ses lettres arrivaient par courrier-exprès,
aux heures les plus incroyables, et c’était comme s’il
savait exactement à quoi je pensais à ce moment là. pour
la première fois depuis des années je n’etait pas seule
avec mes pensées. Finalement quelqu’un m’aidait à lutter
contre le vide de l’abstraction. et puis j’arrive et lui
m’améne dans cette chambre, dans ce bordel. où est la
sensibilité de Gabriele d’annunzio? m’aurait-il mal compris? peut être est-ce ma faute. il voulait que je vienne la
semaine dernière et je lui ai écrit en disant “je ne peux pas
venir à cause des lois de la nature”. ce que j’aurais voulu
qu’il pense? parler de ces choses avec… oui, c’est un
inconnu. Qu’est-ce qu’il pense de moi? La maison est
pleine de véritables artistes. Luisa Baccara —probablement elle pense que je suis un passetemps. ah, ma tête!
analyser, analyser, toujours en speculant… content-toi
de peindre son portrait. tu ne reussiras pas a commencer si tu est toujours en train de revivre le passé et rêver
l’avenir. tu est la et c’est ce que tu voulais, une opportunité de travail. peint cette connerie de tableau. va-t-il se
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passer quelque chose entre nous? on vera bien. cette
maison est remplie d’images e de possibilitées. (insulteio… depois daquelas cartas… ainda não cheguei há
cinco minutos e já o insultei. mas também— o meu nome
é Gabriele d'annunzio, vamos para a cama? em paris
tudo parecia diferente. escrevia-lhe a revelar-lhe os
meus mais íntimos pensamentos e foi tão natural como
escrever o meu diário. as cartas dele chegavam por correio especial, às horas mais estranhas, e era como se ele
soubesse exactamente qual era o meu estado de espírito. pela primeira vez desde há anos, não me sentia sózinha com os meus pensamentos; finalmente aparecia
alguém para me ajudar a lutar contra o vazio da abstracção. e depois eu chego e ele, abruptamente, traz-me
para este quarto— para este prostíbulo. onde é que
está a sensibilidade de Gabriele d’annunzio? será que
ele me interpretou mal? talvez a culpa seja minha. ele
queria que eu viesse a semana passada e eu escrevi-lhe a
dizer: “estou impedida pelas leis da natureza”. o que é
que eu queria que ele pensasse? Falar destas coisas com
um… sim, ele é um estranho. o que é que ele pensará de
mim? a casa está cheia de artistas a sério, Luisa Bacarra
—ela provavelmente pensa que eu sou uma diversão
nocturna. ah, este cérebro! analisar, analisar, sempre a
especular… Limita-te a pintar-lhe o retrato. não vais
conseguir começá-lo se estás sempre a reviver o passsado e a sonhar com o futuro. estás aqui e isso era o que
tu querias; uma oportunidade para trabalhar. pinta o raio
do quadro. se vai acontecer alguma coisa entre nós, logo
se verá… esta casa está cheia de imagens e de possibilidades. [muda de vestido e continua em F 29 páG. 131]
t
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L empicKa (acto i) • Fdc
e 24 • Quarto de d’annunzio, escritório de Finzi e
Quarto de mario
mario
mario rouba a pistola de d'annunzio e revista o escritório de Finzi.
mario: [vem
da suite de
d 19
páG.
84.
Bate À porta do
Quarto de d’annunzio] il comandante? [não há resposta . entra .]
provavelmente está lá em baixo com
tamara… [encontra
uma pistoLa na secretária de
d’annunzio, esconde-a e sai para o seu Quarto. na passaGem peLa secretária de Finzi, vascuLha os papéis e
descoBre o rascunho de um teLeGrama. Lê.] “Janeiro 9,
1927. General Foscarinni, ministro do interior: solicito
informação paradeiro natural sérvio Josko petranelli,
motorista
serviço
Gabriele
d'annunzio.
stop.
desaparecido dezembro 30. stop. investigações locais
feitas. stop. mãe vive supostamente Fiume. stop.
também toda ou alguma informação sobre mario
pagnutti, primo emilia pavese, criada aqui no il vittoriale,
ver ficheiro po 07371. stop.” [vai ao seu Quarto, esconde a pistoLa deBaixo do coLchão, tira o Boné e as
Luvas Que deixa em cima da cama]
se eles descobrem o
corpo de Josko… se… se… é sempre se! recebes uma
ordem, executa-la e esperas, e esperas. estou aqui há
uma semana e ainda não aconteceu nada. eles disseram
dois dias: fica, vai, sim ou não. estava tudo planeado. o
Finzi ou sabe ou vai saber. e agora, tamara de Lempicka,
a mulher que pintou o retrato da minha mãe chega de
repente. porquê? será só uma coincidência? ou… e se
ela encontra as instruções da defelice… se… se…
[pausa] Quartos velhos e corredores escuros. Quando
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L empicKa (acto i) • Fdc
eu era miúdo, costumava explorar todos os velhos quartos. o meu pai não conseguia imaginar que se pudesse
viver numa casa onde se conhecessem todos os quartos.
estes eram deixados para as crianças e para os criados.
por onde quer que fosse, todos os corredores davam
para a cozinha. se tivesse fome —ou medo, havia sempre
uma criada para me mimar. a noite passada a emilia veio
ter comigo ao meu quarto. não houve palavras; o silêncio
aproximou-nos. tentei resistir. mas rendi-me. por um
momento não houve medos. nem mentiras. nem política.
Foi como se tivesse sido libertado. [vai
para
e 25 páG. 109]
para a cozinha
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
e 25 • cozinha
dante • emiLia • Finzi • mario
Finzi e dante discutem. Finzi interroga mario.
[Finzi e emiLia, Que Lava a Loiça, estão na cozinha de d
18 páG. 81. dante entra vindo da suite de d 19 páG. 84]
dante: estou a tentar perceber que género de homem
daria uma pistola a uma mulher.
Finzi: um homem sensato.
dante: não, os homens sensatos dão ouro, incenso… e
que mais, emilia?
emiLia: dante, eu não—
dante: mirra. é isso, mirra.
emiLia: se os dois vão começar, vão lá para fora. eu
tenho mais que fazer.
dante: você dá armas a todas as mulheres da sua vida?
À sua mãe, por exemplo? [Finzi
mas este escapa-se]
vai para aGarrar dante
pé de gondolieri. rápido. ágil.
temos de ter pé ligeiro no nevoeiro, um barco a motor
pode abalroar-nos. também te deram uma arma, emilia?
emiLia: estiveste a beber. é sempre assim. começas por
falar de caim e de abel e—
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t
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L empicKa (acto i) • Fdc
dante: não digas o que eu digo. eu vi-te… [vai Junto de
emiLia, aBraça-a e enFia-Lhe a mão no BoLso do aventaL
enQuanto canta]
emilia, emilia, flor do meu coração,
emilia, emilia, nunca nos separaremos.
emiLia: Larga-me.
dante: ahhh! o que é isto? [tira a caixa dos Brincos do
BoLso do aventaL]
emiLia: dante, dá cá isso!
dante: estou rodeado de gangsters e de ladrões. emilia,
prometeste-me que paravas com isto.
emiLia: dante, dá cá isso! ela não precisa deles. eu trabalhei para eles. dá cá isso.
Finzi: dante, entrega-mos.
dante : pertencem a madame de Lempicka. il
comandante tem bom gosto. nem sempre o teve, mas
depois de viver cinco anos em venezia, teve o bom senso
de dar diamantes a uma mulher em vez de armas.
Finzi: tens de perceber, emilia, que há dois tipos de
judeus: os práticos e os românticos.
dante: e agora os fascistas! não, aldo, não diga que é
judeu. eu sou judeu. sou pobre e estou a ficar velho. vi
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
muitas mudanças e talvez tenha mudado mas ainda há
algumas coisas a que eu continuo apegado. você não
precisa de se preocupar porque, sim, eu tenho medo de
si. tenho medo da maneira como se pavoneia na cozinha
quando ninguém está por perto, porque eu sei que também está assustado. Juntou-se aos fortes. eu costumava deitar fora as lapas do meu barco. são pequenas mas
podem atrasar-nos. como você atrasou il duce. aldo
Finzi, secretário de estado do ministério do interior e
judeu. e eles deitaram-no fora. nós nunca seremos como
eles.
Finzi: a minha demissão foi uma medida temporária, brevemente me verás voltar a roma. Lapas. ainda um dia
quererás estar agarrado a mim!
dante: o preço é demasiado alto.
emiLia: tanta conversa. dante, dá-me uma ajuda no
bolo.
Finzi: porque é que o mario se demora tanto?
dante: [para emiLia] vais deixar de roubar?
emiLia: tiro o que preciso.
dante: se casasses comigo nunca mais precisavas de
roubar.
emiLia: casar contigo? tinha de roubar para três bocas.
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dante: podia tomar conta de ti e da caterina.
emiLia: não, não podias. tira isso da ideia. eu tomo
conta dela. sózinha.
dante: há um emprego em venezia para uma criada e um
mordomo, marido e mulher. a mamma recortou o anúncio
do jornal. é uma oportunidade única. pagam bem e dãonos um apartamento por cima da casa do barco.
emiLia: eu disse não.
Finzi: Já repararam como o mario fala? o sotaque dele é
de milão e no entanto ele diz que é de roma.
dante: vou voltar a pôr isto no sítio. é a última vez que
eu te encubro, emilia. se a aélis te apanha, estás feita.
Finzi: não se o teu comandante falhar com a polaca
aquela. se falhar, vai querer aélis; aélis dirá que está
com dor de cabeça e vai ser a tua querida emilia que será
chamada ao serviço de il comandante.
dante: cabrão! [tenta
Bater-Lhe mas Finzi estava
atento e dá-Lhe um murro. dante cai]
emiLia: [correndo para dante] é todos os dias a mesma
coisa. [para
dante]
estás bem? [dante
acena Que sim]
deixa-me ver. não deitou sangue.
dante: eu nunca sangrarei. não como quando eles
puseram o meu pai a sangrar. eu não vou sangrar.
t
mario: [entra
de
L empicKa (acto i) • Fdc
vindo do seu Quarto de
e 24
páG.
104]
dante?…
Finzi: ah, mario, ainda agora estava a perguntar por ti.
mario: a correia da ventoinha estava solta. tive de a
apertar. dante, o que é que aconteceu?
emiLia: caiu. não te rales
mario: não, levou um murro.
Finzi: os sinais da violência são-te familiares.
dante: não é nada, mario. Já estou bom.
Finzi: Fui eu que o esmurrei. é importante que nos entendamos, mario. não sou um homem mau, mas não recusarei a violência quando é a única solução.
mario: eu estive na guerra. conheço os homens do seu
género. [aGarra numa Faca como se Fosse para atacar
Finzi mas diz dispLicente]
dante, queres uma fatia de
bolo?
emiLia: mario, não é para nós.
Finzi: [virando-se para mario] ainda bem que nos entendemos. Quando duas pessoas sabem onde é o seu lugar,
uma delas pode vencer mais facilmente.
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mario: só um bocadinho.
emiLia: não lhe toques. é o preferido de il comandante.
Finzi: com a polaca lá em cima, ele não vai querer bolo.
emiLia: estou farta de ouvir falar dela.
dante: é muito bela. tem uma pele—
emiLia: acaba com isso. pele macia, mãos macias, se eu—
mario: [seGurando
as mãos de emiLia]
emilia, mãos
calosas vêm do trabalho honesto.
emiLia: as tuas mãos são macias.
mario: [emBaraçado] Grazie.
emiLia: ela não faz nada. porque é que ele a quer?
mario: porque ela não o quer.
dante: sabes porque é que as senhoras de sociedade
andam sempre de nariz empinado?
emiLia: não.
dante: para que os miolos não lhes caiam em cima das
mamas. [até Finzi ri]
emiLia: Já chega de graças. ajudas-me a servir, dante?
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mario, trazes o vinho? [Leva o BoLo, dante os pratos e
mario a BandeJa do vinho]
Finzi: [comentando
sarcasticamente Quando emiLia e
dante passam por eLe]
ele gosta de ti, emilia.
emiLia: somos primos [emiLia
de Jantar para
e dante saem para a saLa
F 26 páG. 114]
Finzi: [Fazendo mario parar] mario, um momento.
mario: sim?
Finzi: estou com um problema.
mario: il capitano fez alguma coisa errada?
Finzi: eu não. a Luisa está encarregue dos empregados.
eu sou muito amigo da Luisa; não gostava de ver o lugar
dela em risco. estás a ver, mario, a Luisa esqueceu-se de
pedir o teu registo criminal antes de assinar o teu certificado de emprego.
mario: o que é que o capitano quer dizer com isso?
Finzi: Quero as tuas referências confirmadas e já.
mario: como eu sou primo da emilia—
Finzi: católico?
mario: sim.
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Finzi: Julgava que os católicos desaprovavam o incesto.
vamos ser claros. esta noite estive à escuta à porta do
teu quarto. vocês os dois não estiveram a rezar.
mario: capitano, nós somos amantes.
Finzi: tantas chatices só para “chiavare”.
mario: um homem precisa de uma mulher.
Finzi: parece que as tuas precisões são maiores que o
normal.
mario: é que… eu estou apaixonado.
Finzi: como homem, posso perceber o teu pequeno truque. mas roma não vai perceber.
mario: roma?
Finzi: a coisa é séria, mario. eles podem pensar que tu
tens outros motivos para estar aqui. não seria a primeira
vez que um comunista se tenta infiltrar aqui para falar
com il comandante.
mario: eu só quero saber do automóvel.
Finzi: o motorista que cá estava, o Josko, era um bom
profissional. curioso ter desaparecido. tiveste muita
sorte em teres estado no sítio certo à hora certa.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mario: eu tenho sorte com as mulheres.
Finzi: também conseguiste o teu último emprego por
dormir com uma criada?
mario: não. o meu capitano na guerra era um visconti e
era amigo da principessa de avignon.
Finzi: esse visconti era de…
mario: milano. tenho de ir, capitano.
Finzi: espera. [mario
estaca]
deJa do vinho a mario]
eu levo isso. [tira
a Ban-
il comandante não gosta de ver
os criados novos na sala de jantar. sugiro que fiques por
aqui… para continuarmos a nossa conversa depois. [sai
para a saLa de Jantar para
F 27 páG. 119. mario espera um
pouco e sai para a suite para
F 29 páG. 131]
113
114
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
F 26 • sala de Jantar
dante • emiLia
emilia e dante resmungam com a falta de criados.
[emiLia e dante vieram da cozinha, e 25 páG. 111]
dante: porque é que o Finzi disse aquilo?
emiLia: o quê?
dante: Que o mario gosta de ti? vinha a propósito de
quê?
emiLia: dante, ele é meu primo. o Finzi só quer chatearte.
dante: porque é que ele faz tantas perguntas ao mario?
emiLia: [impaciente] é o trabalho dele.
dante: emilia, se há alguma coisa que tu não me estejas a
contar… ele mentiu nas referências que deu?
emiLia: não.
dante: eles confirmam os pormenores todos.
emiLia: ele é da família. é tudo o que sei e é tudo o que
me interessa.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: só estou a tentar proteger-te.
emiLia: preocupas-te demais. [dá-Lhe um BeiJo]
dante: eu vou manter o Finzi afastado do mario mas tu
dizes ao teu primo que ele não tem nada de andar por aí,
a não ser que o chamem. cá em casa só há um mordomo… ele é só o chofer… e se ele pensa que me tira o
lugar…
emiLia: dante, ele adora o automóvel, ele não quer trabalhar dentro de casa.
dante: o lugar dele é lá fora na garagem.
emiLia: Fui eu que lhe pedi para ele me ajudar esta noite.
desculpa. precisamos de outra criada.
dante: era capaz de jurar que il comandante continua a
construir mais quartos só para ver até quanto é que os
fascistas pagam pelo seu silêncio. o terceiro andar está
vazio e o quarto… quem irá para lá quando eles acabarem? não sou eu que vou subir aquelas escadas. nos últimos cinco anos il comandante duplicou o tamanho da
casa mas continua a recusar-se a contratar mais empregados. [a cena continua Quando de spiGa e Luisa entram
na saLa de Jantar em
F 27 páG. 116]
115
116
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
F 27 • sala de Jantar
aéLis • carLotta • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • tamara
sobremesa.
[emiLia e dante estão na saLa de Jantar de F 26 páG. 115]
Luisa: [entra vinda do saLão com de spiGa de e 21 páG.
96] com o que é que estás a refilar, dante?
dante: signora Baccara, só estava a dizer que a casa
está a ficar muito grande.
de
spiGa: talvez sejamos nós que estamos a ficar mais
pequenos.
emiLia: il comandante continua a acrescentar quartos…
spiGa: é a forma de algumas pessoas ganharem
de
importância, emilia.
emiLia: Quando para cá viemos havia só dez quartos.
agora há trinta.
de
spiGa: Luisa, lembras-te desse primeiro fim-de-sema-
na?
Luisa: Foi… estavamos só nós os quatro.
de
spiGa: pois foi.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
emiLia: il comandante ficou à espera em venezia e o signore de spiga trouxe-nos para prepararmos a casa.
dante: não houve patrão nesse fim-de-semana.
Luisa: Lembro-me que toquei piano e que dancei.
de
spiGa: dançámos pela primeira vez em muitos anos. e
o dante embebedou-se tanto—
emiLia: não embebedou nada, signore.
de
spiGa: Bem, eu embebedei-me.
dante: uma viagem pelo campo e sem bombas! claro que
me embebedei.
emiLia: [para
Luisa]
deixou-me vestir aquele vestido,
com… todo ele luzia.
Luisa: o vermelho, com lantejoulas?
emiLia: si, signora.
Luisa: e descemos à cidade e eles pensaram que eras a
principessa de monte neveso.
emiLia: si!
de
spiGa: Foi nesse fim-de-semna que viste o fantasma,
Luisa?
117
118
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Luisa: eu disse-te que vi Frans Lizst e vi. o piano era o
dele e ele apareceu naquele fim-de-semana.
de
s piGa : Bem, seguramente que nunca ouvi uma
“pelerinage” tão bem tocada.
dante: durante um ano, em 1921… fui feliz. a guerra tinha
acabado, Fiume tinha ficado para trás, pensámos que
íamos finalmente ter paz… e então em 1922, o meu papá
foi morto. il comandante—
de
spiGa: [notando
uma mudança em Luisa]
Já chega,
dante. ainda podíamos voltar a ser felizes…
Luisa: 1922. odiei esse ano.
de
spiGa: podíamos escapar os quatro para minha casa.
[ninGuém responde]
emiLia: tudo mudou depois de il comandante ter caído
da varanda.
dante: alguém o empurrou!
Luisa: eu estava a tocar piano!
de
spiGa: nós sabemos. ninguém te está a acusar.
Luisa: o meu ano preferido foi o ano antes de eu ter
nascido.
de
spiGa: emilia, a tua sobremesa tem de ser particular-
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mente doce para arrancar a Luisa da sua depressão prénatal.
emiLia: da quê, signore?
de
spiGa: nada. dá-me vinho, dante.
dante: está a chegar, signore. [carLotta
do seu Quarto de
entra, vinda
e 20 páG. 91]
Luisa: carlotta, foi falta de educação ter virado as costas a madame de Lempicka.
carLotta: o meu papá ensinou-me que se nós achamos
que alguém ou alguma coisa está errada devemos fazê-lo
saber. [senta-se]
Luisa: o meu pai dizia a mesma coisa. pensava que só ele
é que tinha razão. morreu antes de eu lhe poder dizer
que estava errado.
de spiGa: muito bem, fico satisfeito por ver que alguém se
preocupa com a formação moral das nossas ballerinas.
[vê Finzi entrar vindo da cozinha de e 25 páG. 113] há uma
nuvem negra no horizonte.
Luisa: aldo, não devia estar aqui.
Finzi: como o mario é novo cá, achei que era melhor ser
eu a trazer o vinho. não a vi praticamente durante todo o
dia, Luisa. [dá a BandeJa a emiLia. dante serve de spiGa]
119
120
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: Já se pode ir embora, Finzi.
carLotta: não vá, capitano, por favor.
de
spiGa: tenho a certeza que o capitano tem coisas
mais importantes para fazer do que comer bolo.
Finzi: melhor bolo que migalhas, não é Luisa? [não
há
resposta]
carLotta: aqui, capitano. sente-se ao pé de mim.
Finzi: com todo o gosto, signorina Barra. [senta-se]
de
spiGa: Luisa, perdi o apetite. [não há resposta]
Finzi: dante, dá-me vinho. [dante
enche-Lhe o copo
depois de um sinaL de Luisa]
dante: começo a servir, signora Baccara?
Luisa: espera. il comandante deve estar a chegar.
emiLia: [indo para sair] vou chamá-lo?
Luisa: não.
de
spiGa: o mais certo é o Gabri estar a comer a sobre-
mesa na suite.
carLotta: a aélis foi falar com ele.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: então tem duas razões para não se juntar a
de
nós. [oLhando para Finzi] e eu tenho uma para me juntar
a ele.
Finzi: não quer um pouco de vinho, signorina Barra?
carLotta: eu não costumo… porque não?
Finzi: dante. [dante deita vinho no copo de carLotta]
de
spiGa: ele vai corrompê-la, carlotta.
Luisa: Francesco.
carLotta: se acha que ser amável para outra pessoa é
corrupção, signore, então eu também o vou corromper.
de
spiGa: vai deixar uma data de mulheres sem trabalho
se começar a confundir sexo com amabilidade, carlotta.
Finzi: [Levantando-se Bruscamente] peça desculpa!
carLotta: [aGarrando
na mão de Finzi]
por favor,
capitano. eu não fui ofendida pelo signor de spiga. Fico
triste quando as pessoas não conseguem ver a virtude
nos outros porque elas próprias não a têem; mas não fico
ofendida.
de
spiGa: aceito a censura, carlotta: ela ajudar-me-á a
ser uma pessoa mais humilde e melhor. sente-se, Finzi,
ainda acaba a ser aplaudido. [Finzi
te]
senta-se Lentamen-
121
122
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
carLotta: o papá diz que as piadas são o último refúgio
dos fracos.
de
spiGa: é só porque somos os únicos que compreen-
demos as piadas, carlotta.
carLotta: homens como aldo fazem-lhe ciúmes; por
isso é que diz essas coisas.
de
spiGa: o que é que achas, Luisa? tenho ciúmes do
Finzi? devia ter?
Luisa: podes servir, dante. [dante
começa a servir a
soBremesa, as senhoras primeiro.]
Finzi: está encantadora, carlotta.
carLotta: Grazie, aldo.
Finzi: é um vestido novo?
carLotta: Gosta?
Finzi: Fica-lhe muito bem.
carLotta: Foi a aélis que mo deu.
de
spiGa: Foi muito corrupto da parte dela… desculpe,
queria dizer amável.
tamara: [entra vinda da suite de F 29 páG. 137. emiLia sai
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
para o corredor para encontrar mario em
F 30
páG.
138] Bonsoir. (Boa noite)
de
spiGa: [Levanta-se
Quando eLa entra]
Bonsoir,
madame. voulez-vous… (Boa noite, madame. tenha a
bondade…) [indica-Lhe o LuGar para se sentar. dante
apressa-se a aFastar-Lhe a cadeira]
Luisa: ela é muito bonita.
de
spiGa: elle dit que vous êtes trés belle. (ela disse que
é muito bonita.)
tamara: [indicando
o vestido]
un cadeau de monsieur
d'annunzio. (um presente de monsieur d'annunzio.)
de
spiGa: ela disse—
Luisa: eu percebi. podes servi-la, dante.
tamara: est-ce que monsieur d'annunzio est toujours si
impacient de faire l'amour? (o monsieur d'annunzio está
sempre impanciente para fazer amor?)
de
spiGa: oui. toujours. (sim. sempre.)
tamara: une femme a besoin de connaître un homme
avant de penser à ces choses-là. (uma mulher precisa de
conhecer um homem antes de pensar nessas coisas.)
Luisa: o que é que ela disse?
123
124
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
tamara: [comendo o BoLo com as mãos] même alors, je
ne sais pas si je le ferais. il se peut. (por enquanto não sei
se o farei. talvez sim, talvez não.)
carLotta: dante, ela precisa de um garfo. [dante Leva,
mas Já havia um GarFo na mesa]
de
spiGa: vous devez suivre votre coeur dans ces affai-
res-là, madame. (deverá seguir o seu coração nesses
assuntos, madame.)
carLotta: ela não sabe nada de italiano?
de
spiGa: nada.
Luisa: o que é que ela esteve a dizer acerca do Gabri?
de
spiGa: ela disse que não sabe se deve ou não… —
como poderei dizê-lo duma forma delicada?— se deve ou
não aceder às investidas do Gabri. [Luisa
chora em
siLêncio.]
carLotta: as estrangeiras não têm moral. [Benze-se]
de
spiGa: o tempo se encarregará de lhe ensinar,
carlotta, que em assuntos amorosos nada é branco ou
preto.
aéLis: [entra
páG.
vinda do Quarto de d’annunzio de
F 28
130] estão todos a gostar da sobremesa? [entreGa
a tamara um poema numa BandeJa]
c'est pour vous,
madame de Lempicka. monsieur d'annunzio descendra
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dans un instant. (é para si, madame de Lempicka.
monsieur d'annunzio descerá em breve.) volto já,
carlotta. Finzi, saia desta sala. [sai para a cozinha para
G 31 páG. 141. tamara Lê o poema]
Luisa: não tenho fome. [empurra o prato]
de spiGa: alguém quer a segunda? não? Bem, é uma pena
se isto se estraga. [Fica com a soBremesa de Luisa]
Finzi: Já reparou que o signor de spiga fica sempre com
as segundas? Foi na segunda posição que ficou no
Festival de música de Genova, no mês passado, não foi?
de
spiGa: é difícil ficar na primeira posição quando a
orquestra só sabe tocar o hino nacional.
Luisa: eu vou para o salão.
de
spiGa: sentes-te bem, Luisa? [Luisa não responde]
Finzi: [para
saLão para
Luisa]
toca para mim? [Luisa
sai para o
G 34 páG. 150. Finzi para de spiGa] não preci-
sava de traduzir aquilo… é mesmo filho da puta. [sai
para o saLão, seGuido por carLotta e tamara,
páG.
G 34
150]
dante: café, signore?
de spiGa: não, cognac. no salão. [sai para o saLão,
páG.
150]
G 34
125
126
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: [para emiLia, Que entretanto tinha reGressado
do corredor de
F 30 páG. 139] onde está o cognac?
emiLia: o mario disse que o trazia. homens. tenho de
ser eu a fazer tudo?
dante: eu vou buscar… aliás, esse é o meu trabalho,
não é o dele. [sai para a cozinha para i 44 páG. 188. emiLia continua em
G 32 páG. 148]
t
de
127
L empicKa (acto i) • Fdc
F 28 • Quarto de d’annunzio
aéLis • d’annunzio
aélis escolhe um poema de d'annunzio para tamara.
d’annunzio: [entra no seu Quarto vindo da suite de
e
22 páG. 100 e senta-se À secretária a tentar escrever
com uma pena]
…como é que ela quer que eu lhe escre-
va um poema se ela me rejeita? Julgará que eu sou um alemão masoquista?… eu sou latino!… o sucesso é a minha
inspiração. nunca falhei com nenhuma mulher. se é verdade que aprendemos com os nossos falhanços… então
eu não sei nada de nada. [pausa. Levanta-se e vai ver-se
ao espeLho]
estes dentes apodreceram com o doce do
sucesso. dentes que morderam e hipnotizaram e inspiraram multidões nem sequer conseguem… nem sequer conseguem… silêncio! Já não há nada que me inspire? nem
mulher, nem olhos, nem lábios, nem seios? Já não há
nenhuma causa que ainda queira palavras e não canhões
para ser exaltada? ou já não haverá… simplesmente…
palavras?… as minhas amantes, os meus companheiros,
foram-se, todos.
aéLis: [entra vinda da saLa de Jantar de e 20 páG. 91] a
sobremesa está a ser servida, comandante.
d’annunzio:
odeio doces.
aéLis: mas é a sua sobremesa favorita. [pausa] Bem, o
que é que eu vou dizer a “La polonaise”? é uma situação
embaraçante.
128
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
d’annunzio:
estás a pressionar-me, aélis. diz-lhe o que
quiseres. não, não, espera. diz-lhe que il comandante
não deseja vê-la. nada mais.
aéLis: eu podia talvez dizer que—
d’annunzio:
não! diz apenas isto. ela só compreende
grosserias.
aéLis: as coisas não correram bem?
d’annunzio:
é como o vento frio que sopra do norte.
aéLis: então vai passar todo o serão a escrever? a
carlotta queria dançar para si.
d’annunzio:
todas querem dançar. a questão é quem é
que guia. nos anos noventa, as mulheres usavam três
corpetes. agora, usam uma combinação de renda.
porque é que é mais difícil tirar a renda?
aéLis: ela é muito frágil.
d’annunzio:
não deixes que aquela fragilidade te enga-
ne; aquilo é folha de ouro a envolver uma pedra. ela é da
nova raça. mulheres que parecem mulheres mas que têm
uma alma de homem. não, já vêm de Gomorra, com a
mulher do Lot. Foi transformada em pedra.
aéLis: pensava que tinha sido em sal.
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Que seja sal. sim, sal, para esfregar nas
costas de um homem.
aéLis: comandante, faça o seu poema. entretanto, se
precisar de alguém, eu mando chamar a sua preferida, a
defelice.
d’annunzio:
tamara… este poema… nunca conseguirei
acabar nada? aélis, não me ocorre uma simples estrofe…
uma simples palavra.
aéLis: naturalmente que não… não comeu nada durante
todo o dia… Gabri, não se atormente dessa maneira.
venha, vamos comer.
d’annunzio:
as mulheres esperam dos poetas que eles
escrevam poemas. elas esperam… e eu não tenho nada
para dar.
aéLis: este quarto está cheio de poemas. [procura nas
pastas]
há poemas dedicados a heróis, a edifícios, não
muitos, vejamos… água… ah, mulheres: actrizes, bailarinas… hei-de mostrar estes à carlotta.
d’annunzio:
eu sei o que escrevi.
aéLis: ah! este é bom. este é muito bom. Fê-lo para
romaine Brooks, outra pintora.
d’annunzio: [suBitamente interessado]
aéLis: não. e está em francês.
está datado?
129
130
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
d’annunzio: [hesitando]
eu não posso fazer isso.
aéLis: ela não saberá. não foi publicado. e quando tiver
sucesso com tamara, poderá escrever sobre ela.
d’annunzio: [BeiJa aéLis] Leva-lho… depois vai ter comi-
go à cozinha.
aéLis: mas Gabri, e a sobremesa?
d’annunzio: aélis,
não me fales em doces. vou fazer-te a
melhor fritatta da tua vida. sinto a inspiração a voltar.
[sai do Quarto seGuido por aéLis]
aéLis: mas, Gabri…
d’annunzio:
shh! eles podem ouvir. onde é que eles
estão? na sala de jantar?
aéLis: sim, mas Gabri, sabe bem como a emilia odeia que
lhe remexam a cozinha. vou chamá-la—
d’annunzio:
Quem é que manda nesta casa?
aéLis: o senhor, comandante.
d’annunzio: então eu digo que por certo estou autoriza-
do a partir alguns ovos. e agora vais à sala de jantar dar
a tamara o poema. vai. allons, marchez, mon petit soldat. [vai para a cozinha cantando ópera para G 31 páG.
140. aéLis vai para a saLa de Jantar para F 27 páG. 124]
t
de
131
L empicKa (acto i) • Fdc
F 29 • suite
mario • tamara
tamara apanha mario a revistar-lhe a bagagem.
[mario
entra na suite vindo da cozinha,
e 25
páG .
113
e
revista a BaGaGem de tamara]
tamara: [estava na suite de e 23 páG. 102] vous n’auriez
pas vu mon collier par hasard? (por acaso não viu o meu
colar?)
mario: [recuperando
do espanto]
permesso, signora.
[Faz uma vénia e vai para sair]
tamara: n’y allez pas, marchese visconti. et arretez s’il
vous plaît de faire semblant de ne pas comprendre. (não
vá, marchese visconti. e por favor pare de fingir que não
me percebe.)
mario: vous vous trompez madame. (a madame está
enganada.)
tamara: J’ai êté à zurique— (estive em zurique—)
mario: moi je n’y ai jamais êté. (nunca lá estive.)
tamara: il y a quatre ans. (há quatro anos.)
mario: nous ne nous sommes jamais rencontrés. (nós
nunca nos encontrámos.)
132
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
tamara: non. mais votre mère a votre photo sur sa table
de nuit. (não. mas a sua mãe tem a sua fotografia na
mesinha de cabeceira.)
mario: Les mères font toujours ça. (todas as mães
fazem isso.)
tamara: J’ai peint, de mémoire, beaucoup de visages.
vous êtes le fils d’emma visconti. (pintei muitas caras de
memória. você é filho da emma visconti.)
mario: c’est un visage que je vous demande d’oublier.
(esta é uma cara que eu sugiro que esqueça.)
tamara: un beau visage, avec de la personalité, c’est difficile de l’oublier. (uma cara bonita, com personalidade,
é difícil de esquecer.)
mario: alors vous avez fait le portrait ma mère? (então
pintou o retrato da mãe?)
tamara: oui, et elle est partie de marienbad sans me
payer. (sim, e ela foi-se embora de marienbad sem me
pagar.)
mario: elle vous a parlé de moi? (ela falou-lhe de mim?)
tamara: elle m’a parlé de son fils… (Falou-me do
filho…) [suBitamente apreensiva, corre para a BaGaGem
e começa a procurar]
c’est pour cela qu’on a perdu
mes valises à la gare. vous les avait aussi mise dans mes
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
valises? (Foi por isso que as minhas malas se perderam na
estação. pôs-mos nas malas, também?)
mario: Quoi? (o quê?)
tamara: Les bombes! elle m’a raconté que vos amis
cachaient des bombes dans ses valises. (explosivos! ela
contou-me que os seus amigos escondiam explosivos na
bagagem dela.) [encontra
uma mensaGem]
Qu’est que
c’est ça? (o que é isto?)
mario: [aGarra na mensaGem e Lê] “Barco helena deixa
Genova Janeiro doze, dezoito horas, destino marselha.
se ele não vier, elimina-o.” [Queima o papeL] il est domage que ma mère vous ait raconté cette histoire. et je dois
aussi vous demander pardon de m’avoir servi de vous
comme facteur. (é pena que a mãe lhe tenha contado
essa história. e também tenho de lhe pedir desculpa por
me ter servido de si como correio.)
tamara: Qu’est-ce qu’il y avait sur ce papier? (o que é
que o papel dizia?)
mario: voici votre collier. (aqui está o seu colar.) [Levanta-o do chão]
un autre cadeau de d'annunzio? (outro
presente de d'annunzio?)
tamara: oui. (sim.)
mario: vous permetez? (dá-me licença?) [vai
coLocar o coLar]
para Lhe
tournez vous. (volte-se.) [tamara
voLta-se e mario aperta-Lhe o pescoço com o coLar]
133
134
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
tamara: vous essayez de m’intimider? (está a tentar intimidar-me?)
mario: porquoi le ferais-je? (porque o faria?)
tamara: vous avez utilisé votre mère et maintenant vous
m’utilisez, moi, une étrangère innocente— (usou a sua
própria mãe e agora usa-me a mim, uma estrangeira inocente—)
mario: en italie personne n’est innocent. La fermeture
est usée. (em italia ninguém é inocente. o fecho está
moído.)
tamara: aprés la revolution russe il n’y a plus d’innocents. (depois da revolução russa deixou de haver inocentes.)
mario: ça y est. (aí está.) [prende o coLar]
tamara: il n’y a plus que des assassins. (só assassinos.)
mario: vous avez survécu. (você sobreviveu.)
tamara: et je n’ai plus rien par la faute de vos camarades. plus de maison, plus d’argent. et la moitié de ma
famille est morte. (e fiquei sem nada por causa dos seus
camaradas. sem casa. sem dinheiro. com metade da
família morta.) [esBoFeteia-o]
mario: [seGurando-Lhe a mão] vous êtes vivante. (você
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
está viva.)
tamara: Je me suis êchappée! (escapei-me!)
mario: pour fuir? (para fugir?)
tamara: oui. (sim.)
mario: et vous avez cherché la liberté en France? (e foi
procurar a liberdade em França?)
tamara: oui. (sim.)
mario: comprenons nous bien: je lutte pour la liberté ici,
ici où je suis né, dans mon pays, l’italie. et je ferai ce qu’il
faut pour conquérir cette liberté pour nous tous. même si
je dois faire des choses désagréables. nous nous sommes bien compris? (entendamo-nos: eu luto pela liberdade aqui, na minha terra, no meu país, italia. e farei o
que tiver de ser feito para conquistar essa liberdade,
para todos nós. por muito desagradável que seja a tarefa. estamos entendidos?)
tamara: oui… ( sim…)
mario: nous nous sommes bien compris? (estamos
entendidos?)
tamara: oui. (sim.)
mario: toute allusion à mon nom ou au messaje serait
compromettante pour vous et pour quelqu’un encore
135
136
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
plus innocent que vous. (Qualquer menção ao meu nome
ou àquela mensagem vai implicá-la a si e a outra pessoa
ainda mais… inocente.)
tamara: La politique, je m’en fous! Laissez-moi faire ce
portrait et je m‘en vais. s’il vous plait. J’ai besoin de cet
argent. (eu não quero saber da política para nada!
deixe-me só pintar o retrato dele e ir-me embora. por
favor. eu preciso deste dinheiro.)
mario: combien ma mère devrait-elle vous payer pour le
portrait? (Quanto é que a mãe lhe ficou a dever pelo
retrato?)
tamara: vous êtes en train d’essayer d’acheter mon
silence? (está a tentar comprar o meu silêncio?)
mario: non. même moi je crois que la discrétion est une
des rares vertus que les aristocrates possèdent. Je veux
tout simplement payer une dette. combien? (não. até eu
acredito que a discrição é uma das poucas virtudes que
os aristocratas possuem. estou simplesmente a oferecer-me para lhe pagar uma dívida. Quanto?)
tamara: en lires… peut-être cinquante mille. (em liras…
talvez cinquenta mil.)
mario: il y en aura cent mille dans votre valise. (haverá
cem mil na sua mala.)
tamara: et quand? (e quando será isso?)
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mario: Quand vous voudriez. ne devriez-vous pas être
en ce moment dans la salle a manger pour le dessert,
quand même? (Quando quiser. não devia estar neste
momento na sala de jantar a comer a sobremesa, quand
même?)
tamara: personne ne va pas se blesser? vous n’êtes
qu’un serviteur et je ne suis q’une invité, c’est bien cela?
(ninguém se vai aleijar? você é simplesmente um criado e
eu sou uma convidada, correcto?)
mario: si, signora.
tamara: [diriGe-se para a porta, voLta-se e sorri] eh
bien, faites ma chambre. (então, arrume o meu quarto.)
[sai
para a saLa de Jantar para
F 27
páG.
122.
mario sai
para a cozinha e encontra emiLia no corredor em
páG.
138]
F 30
137
138
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
F 30 • corredor
emiLia • mario
mario encontra emilia aflita.
emiLia: [vindo da saLa de Jantar de F 27 páG.123 encontra mario Que veio da suite de
F 29
páG.
137] mario,
abraça-me. não aguento mais.
mario: [aBraçando-a] calma…
emiLia: o Finzi continua a fazer perguntas…
mario: shh! calma. ele não pode fazer nada.
emiLia: e se ele descobre porque é que aqui estás?
mario: e porque é que eu aqui estou?
emiLia: eu… não sei.
mario: para te abraçar. para beijar os teus lábios, os
teus olhos. diz-lhe apenas a verdade— encontrámo-nos
em Gardone, eu dei-te uma boleia no automóvel da
principessa, falaste-me do emprego e tornámo-nos
amantes. a verdade.
emiLia: mas não é, tu—
mario: [o
aBraço transForma-se num aperto]
é sim!
só isso… acredita que sim emilia e vamos safar-nos
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
todos. um beijo? [BeiJo] devias voltar lá para dentro. o
dante ficou sozinho no meio dos índios.
emiLia: [ri] posso ir ter contigo depois?
mario: com certeza.
emiLia: tenho de ir buscar cognac para de spiga.
mario: deixa, eu levo-to já.
emiLia: [indo
para a saLa de Jantar para
F 27
espero que tenha sobrado algum. [mario
cozinha para
G 31 páG. 140]
páG.
126]
vai para a
139
140
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
G 31 • cozinha
aéLis • d’annunzio • mario
d'annunzio encontra mario na cozinha. e faz uma omelete para aélis.
mario: [entra na cozinha vindo de F 30 páG. 139. servese de um coGnac.]
1891… Foi um ano tão mau que a única
coisa que os Franceses podiam fazer era vendê-lo aos
italianos. [ouve-se cantar no exterior.]
d’annunzio: [entrando na cozinha vindo do seu Quarto,
F 28 páG. 130. mario não dá conta] eu julgava que os
meus criados me faziam uma vénia quando eu entro numa
sala.
mario: mi scusi, comandante! [Faz uma vénia]
d’annunzio:
oBedece]
[rispidamente] mãos para baixo. [mario
deixa cair o copo. [o
óptimo. [apertando-Lhe
amiGáveL]
copo despedaça-se]
a Bochecha de uma Forma
és tu o novo chauffer?
mario: si, comandante.
d’annunzio:
mario, não é?
mario: si, comandante.
d’annunzio:
então… diz-me: como é que um chauffer
sabe tanto de cognac?
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mario: eu… na Guerra havia um tal capitano visconti…
eu era ordenança dele. a mãe dele costumava mandarlhe cognac para o ajudar a esquecer o barulho dos
canhões.
d’annunzio:
a mãe desse visconti chamava-se emma?
mario: si. comandante, estava à espera de uma oportunidade para lhe falar de um assunto de extrema importância.
d’annunzio:
Limpa essa porcaria.
aéLis: [entra
vinda da saLa de Jantar de
F 27 páG. 126]
mario, o que é que estás aqui a fazer?
mario: [varrendo os cacos do copo] vim buscar o cognac.
aéLis: e… aí o tens.
mario: permesso.
d’annunzio:
arranja-me zucchini, aélis. estou prestes a
fazer uma das maiores obras da minha carreira: uma frittata com zucchini. sabias, aélis, que aqui o mario conhece o filho da emma visconti? Lembras-te da emma, os
dedos mais rápidos da europa?
aéLis: Lembro-me de quanto a emma lhe custou: um mês
em Baden-Baden. ainda andamos a pagar as dívidas de
jogo dela.
141
142
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
d’annunzio:
a mulher gostava de casinos.
aéLis: podes ir embora, mario. [mario vai para sair]
d’annunzio:
espera. Que assunto importante era esse
de que me querias falar?
mario: era… por causa do automóvel, comandante.
pode esperar. permesso. [Faz
uma vénia e sai para o
corredor, Levando a GarraFa de coGnac para
i 44 páG.
188. d’annunzio Faz a Frittata e aéLis põe a mesa.]
d’annunzio:
um encanto de rapaz.
aéLis: porque é que toda a gente está tão interessada no
mario? a emilia bajula-o; o Finzi anda completamente
obsecado por ele.
d’annunzio:
[corta
o zucchini e Bate os ovos]
dormem juntos?
aéLis: Quem?
d’annunzio:
o mario e a emilia!
aéLis: não seja ridículo.
d’annunzio:
vigia o quarto dele.
aéLis: o quê?
eles
t
d’annunzio:
de
L empicKa (acto i) • Fdc
desde que ele chegou, a emilia tem tido
dores de cabeça. reparaste? todas as noites tem uma
dor de cabeça. se eles dormem juntos, despede-o. sal.
há sal?
aéLis: Gabri, até eu poderia apreciar a virilidade do
mario; mas eles são primos.
d’annunzio:
ele quer alguma coisa. o quê, não tenho a
certeza. repara como ele olha para ti. os olhos. sempre
com olhos de amor ou de morte. espera e vais ver.
aéLis: se ele é um ladrão, eu devia—
d’annunzio:
não, aélis. espera só.
aéLis: espero. diz-me sempre para esperar. como é que
eu posso fazer o meu trabalho? tento pagar as contas e
diz-me para esperar. não posso agendar nada porque
está sempre a alterar tudo. Já passou quase uma semana e ainda não viu a carlotta dançar.
d ’annunzio:
tamara tem-me mantido à espera… há
quantos meses, há quantas cartas? a um homem só resta
esperar. a sedução é uma arte precisa.
aéLis: como cozinhar. talvez devesse cozinhar para ela.
d’annunzio:
para mostrar o meu lado suave, é isso? não,
uma mulher daquelas gosta de ser conquistada. ela tem
um marido para lhe suavizar a vida.
143
144
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: pensa ir ter com ela esta noite? [pausa] acho que
ela gostou do poema.
d’annunzio:
vamos ter com eles ao salão. ponho a Luisa
a tocar um debussy suave, e depois, enquanto todos a
ouvem, fala com a tamara de música e do paris dos
velhos tempos; e do trabalho com o debussy antes da
Guerra; é o tipo de histórias com que os jovens gostam de
sonhar.
aéLis: não. tudo isso soa a velho, como se já estivesse
acabado. ela é moderna. Fale com ela de igual para igual.
não, faça assim: fale-lhe das cartas dela, como elas
mexeram consigo.
d’annunzio:
Ler as cartas dela é como ver uma mulher a
despir-se.
aéLis: muito bem. diga-lhe isso.
d’annunzio:
Ler as suas cartas é como ver uma mulher a
despir-se.
aéLis: oh, não Gabri, assim é horrível. tem de ser mais
directo, forte, masculino, másculo.
d’annunzio:
Ler as suas cartas é como ver uma mulher a
despir-se.
aéLis: Foi muito. relaxe. deve ser erótico e misterioso.
d’annunzio:
Ler as suas cartas é como ver uma mulher a
t
de
145
L empicKa (acto i) • Fdc
despir-se.
aéLis: sim, Gabri, assim está bem. um pouco de vinho,
Gabri? água mineral?
d’annunzio:
água. Quero ter a cabeça clara quando for
ter com tamara.
aéLis: [Fazem
um Brinde]
Bonne chance, mon ami! (Boa
sorte, meu amigo!)
d ’annunzio:
a toi aussi. (igualmente.) [Queima-se
a
comer]
aéLis: cuidado, Gabri. não se queime.
d’annunzio:
Bom, estive inspirado?
aéLis: mmm… encore un petit soupçon de sel. (falta uma
pedrinha de sal.)
d’annunzio:
disparate; está perfeita. só porque tens
tido mais sorte do que eu, ultimamente, a seduzir mulheres, aélis, isso não te torna uma perita em gastronomia.
hah! nunca perceberás o que um homem sofre à espera
de uma mulher.
aéLis: pensa que para uma mulher é mais fácil?
d’annunzio:
tenho a horrível sensação de que, qualquer
que seja a forma como eu responda às tuas perguntas,
acabas sempre por voltar à carlotta. nem mesmo tu acre-
146
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
ditas que ela se renda.
aéLis: ela gostou do vestido que eu lhe comprei; deu-me
uma abraço muito meigo.
d’annunzio:
Já foste mais longe do que eu.
aéLis: Gabri, ambos vamos conseguir. a tamara só precisa de um pequeno empurrão. ela deseja-o. é verdade
ou não? [não
há resposta]
Bien donc, Gabri. ela não
veio cá só para lhe pintar o retrato. ela sabia o que pretendia.
d’annunzio:
é o que ela pretende que é a questão. a
carlotta não veio cá só para conseguir arranjar uma
cunha?
aéLis: se a visse dançar, eu talvez conseguisse o que
quero. por favor.
d’annunzio:
em breve.
aéLis: diz sempre em breve. Quando é em breve?
d’annunzio:
amanhã. com uma condição.
aéLis: Qual?
d ’annunzio:
se a conseguires, eu quero ver. [aéLis
Levanta-se zanGada] o que foi? o que é que eu disse de
mal?
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: sabe muito bem.
d’annunzio:
elucida-me.
aéLis: o seu coração é tão escuro como—
d’annunzio: digamos… mas tu não te importaste quando
eu te estive a ver com a defelice.
aéLis: isso foi espectáculo. reles e feio. Fizémos isso
para si e a puta foi paga. [vira as costas a d’annunzio.]
d’annunzio:
[conseGue
pará-La]
aélis, desculpa… eu
não te queria ofender. tu és a única mulher com quem eu
posso ser directo. eu—
aéLis: Gabri, eu… talvez eu tenha exagerado mas tem de
me deixar ter alguma privacidade.
d’annunzio: mas claro. se é privacidade o que tu queres,
porque é que não vais passear com a carlotta? eu
pago… onde quiseres.
aéLis: e não se esconde no armário?
d’annunzio: prometo. mas não tapes o buraco da fecha-
dura. [riem] pareço bem?
aéLis: [compondo
a Gravata de d’annunzio]
[saem para o saLão, h 36 páG. 160]
assim.
147
148
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
G 32 • sala de Jantar
emiLia
emilia faz um pequeno monologo a lamentar-se.
emiLia: [continua
na saLa de Jantar de
F 27
páG.
126]
como é que o mario pode estar tão calmo? olha para
isto, estou toda a tremer. não era suposto ser assim. a
defelice disse que ele só cá ficava em casa três dias e já
lá vai uma semana, e agora meti-o na minha cama. isto tem
de acabar. vou-lhe dizer que ele tem de se despedir, e se
ele não quiser, ameaço-o que conto tudo ao Finzi e
depois peço ao Finzi para me perdoar. se eu lhe devolvesse o dinheiro de volta, talvez ele se fosse embora…
mas eu gastei-o todo no colégio da caterina… emilia,
desta vez arranjas-te-la bonita. desta vez não vai acabar
em bem. [vai À procura de dante ao corredor em i 44
páG.
189]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
G 33 • corredor
emiLia
emilia continua a lamentar-se.
emiLia: [traz o coGnac, vinda do corredor de i 44 páG.
189] porque é que eu não lhe disse para ele se ir embora?
vai-te embora. era só dizer assim… eu queria, mas… o
dante estava lá. desculpas. coitado do dante, a culpa é
sempre dele… eu estive quase a dizer, mas depois o
mario olhou para mim com aquele olhar magoado, com
aqueles olhos terríveis, lindos… e pronto, caldo entornado… o que é que eu podia fazer?… oh emilia, o teu
coração ainda vai dar cabo de ti. [BeBe um GoLo de coGnac e vai para o saLão para
G 34 páG. 153]
149
150
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
G 34 • salão
carLotta • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • tamara
de spiga, tamara, carlotta, Finzi e Luisa dançam.
[Luisa
de
diriGe-se para o saLão, vinda da saLa de Jantar
F 27 páG. 126]
Finzi : [para
carLotta, enQuanto caminham para o
saLão, vindos da saLa de Jantar de
F 27
páG.
126]
signorina Barra, deixe-me felicitá-la pela forma como
respondeu aos crueis comentários do signor de spiga.
carLotta: as pessoas pensam que eu ainda sou uma
adolescente, aldo, mas na verdade tenho mais maturidade do que pode parecer.
Finzi: é uma jovem única.
carLotta: Grazie. [Finzi e carLotta entram no saLão]
de
spiGa: [para
tamara, enQuanto se encaminham para
o saLão, vindos da saLa de Jantar de
F 27
páG .
126]
veuillez nous suivre, madame? peut-être nous pouvons
persuader Luisa à jouer le piano. (Quer acampanharnos, madame? talvez consigamos persuadir a Luisa a
tocar piano.)
tamara: cela me desole énormement de ne pas réussir à
comuniquer avec Luisa. il y a toute une histoire dans ses
mains. ça me ferai tellement plaisir de les peintre. (é tão
t
de
151
L empicKa (acto i) • Fdc
frustante não conseguir comunicar com a Luisa. há toda
uma história nas suas mãos. dar-me-ia tanto prazer
pintá-las.) [de spiGa e tamara entram no saLão]
de
spiGa: [para Luisa] tamara esteve a dizer que adora-
va pintar as tuas mãos.
Luisa: diz-lhe que estão amarradas às de Gabri.
Finzi: [para
carLotta]
com licença. [vai
Junto de de
spiGa]
de
spiGa: Luisa, por favor, vamos passar uma noite tran-
quila.
Finzi: Francesco, preciso de falar consigo.
de
spiGa: [para Luisa] o Finzi não devia estar aqui.
Luisa: il comandante não vai descer. deixa-o estar.
carLotta: a Luisa tem que tocar. eu quero dançar!
[começa a dançar]
Luisa: não, eu não quero.
Finzi: si. Luisa, toque para mim.
de
spiGa: tenho a certeza que madame de Lempicka
quer ouvir-te tocar novamente. [Luisa
de
“suBmerGed
toca um acorde
cathedraL” de deBussY e depois
vaLsa do imperador” de Johann strauss]
“a
152
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
carLotta: [aproximando-se
de Finzi]
capitano Finzi,
dança comigo?
Finzi: não, eu—
carLotta: por favor!
Finzi: muito bem, vou tentar. [Finzi e carLotta dançam]
de
spiGa: aldo, isto não é para marchar.
carLotta: ele dança muito bem.
de
spiGa: o aldo tem bom ritmo mas mau tempo.
Luisa: shhhh.
de
spiGa: [tamara
coLoca-se em Frente de de spiGa e
dá-Lhe a mão para dançarem]
muito bem, vou dançar.
não por obrigação, mas pela beleza. [começam
çar. de spiGa pára.]
a dan-
est-ce que je vous serre un peu
trop? tout est serré en italie, n'est-ce pas? (estou a
apertá-la? em itália é tudo apertado, não é?) [tamara
acena Que sim]
ici nous sommes “tutto in famiglia”. (aqui
estamos “tutto in famiglia”.)
Finzi: não sabe dançar, Francesco?
de
spiGa: [recomeça
a dançar]
a família nem sempre
está feliz. alguns dos filhos passaram das marcas.
vestem-se de preto. estão de luto pela morte da razão
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
deles.
Luisa: [pára
de tocar]
Francesco, toca-nos aquela
música americana.
de
spiGa: se é jazz que queres, preciso de um gin.
Luisa: esta noite só há cognac.
de
spiGa: Bom, farei de conta que é gin, se fizeres de
conta que isto é jazz. [senta-se ao piano e toca. tamara
dança viGorosamente com a música . ri enQuanto
dança.]
carLotta: ela está bem, Luisa?
Luisa: é o “ridicolo”. toda a paris dança assim.
Finzi: é muito invulgar.
carLotta: não é natural. [Luisa
começa a dançar com
tamara]
emiLia: [entra com o coGnac vinda do corredor de G 33
páG.
149] o que é que elas estão a fazer?
Finzi: tudo e nada. [para
carLotta]
está a ver os res-
quícios do último governo, carlotta. em breve o fascismo
nos trará uma nova ordem.
emiLia: está-me a assustar, capitano.
153
154
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: só os culpados têm medo, emilia; vem nas escrituras.
de
spiGa: [vendo
mento. [Luisa
emiLia, pára de tocar]
ah, abasteci-
e tamara param de dançar. Luisa parece
exausta.]
Luisa: há anos que não vou a paris. venha, madame de
Lempicka, vamos-nos retocar.
tamara: [para de spiGa] monsieur?
de spiGa: elle a dit que nous ne sommes pas tous “pasta”.
(ela diz que nem todos são “pasta”.) [tamara ri] veuillez
la suivre au boudoir. (Queira segui-la ao boudoir.)
tamara: d'accord. (muito bem.)
Luisa: Francesco, a carlotta fica ao teu cuidado. [Luisa
e tamara saem para o átrio para
de
spiGa: [aGarrando
G 35 páG. 158]
carLotta]
nenhum mal lhe vai
acontecer!
carLotta: é mesmo tolo, signore de spiga.
de
spiGa: em italia confunde-se sempre os homens sen-
satos com os tolos e os tolos com os homens sensatos.
carLotta: [para Finzi] tem um trabalho difícil, capitano
Finzi.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: ele não diz o que pensa. os aristocratas odeiam
simplesmente obedecer. um deles só bebe cognac com
vários anos de casco. o nosso governo—
de
spiGa: regime.
Finzi: o nosso governo é jovem, mas vai crescer e amadurecer. com o tempo, o signor de spiga vai achar o gosto
a Fascismo muito saboroso.
de spiGa: para o caso de as senhoras não terem percebi-
do o que o vosso amigo disse, eu explico. o que é isto?
ah! cognac… [BeBe] o cognac leva anos a envelhecer, e
o Fascismo também. é por isso que o Fascismo é presentemente difícil de engolir. mais ou menos como o óleo de
figado de bacalhau. Beba um cognac, carlotta.
carLotta: um copo de vinho é mais do que suficiente
para mim.
de
spiGa: Que disparate, você é uma bailarina. uma des-
cendente das bacantes, adoradoras do vinho!
carLotta: não sei nada dessas “bacanas” mas acho que
o que disse é mau. pode-me insultar, signore, mas não
admito que insulte o nome da minha família. o meu pai é
banqueiro. e o pai dele também foi.
de
spiGa: não quis—
carLotta: como o meu bisavô e o meu trisavô. na minha
terra, todos sabem que a família Barra adora nosso
155
156
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
senhor Jesus cristo. o meu pai foi o presidente da
comissão que comprou os bancos para a igreja de santa
catarina.
de
spiGa: Foi só uma graça, doce carlotta, nada mais.
vamos dizer amen a isto, está bem?
carLotta: eu perdoo-lhe, signor de spiga.
Finzi: por não saber o que faz.
de
spiGa: se as senhoras não estivessem presentes—
carLotta: eu acho que o senhor é uma pessoa que não
acredita; é por isso que bebe.
emiLia: o meu pai dizia que se queres ver o buraco deita
água no saco.
de
spiGa: Que significa…?
emiLia: não sei bem, signore.
de
spiGa: a única razão para beber é não haver razão.
parafraseando santo anselmo, “bebo porque é absurdo”.
carLotta: acho que tem medo. é por isso que bebe.
de
spiGa: não tenho medo de nada.
emiLia: então, ou é uma mulher ou é um segredo.
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: uma vez que me dás à escolha, fico com a
mulher. [carLotta e emiLia riem] Bebe um copo, emilia.
emiLia: estou de serviço, signore.
de
spiGa: também o Finzi.
emiLia: nunca provei… [BeBe] é forte. [continuam
saLão para
h 36 páG 160]
no
157
158
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
G 35 • átrio
Luisa • tamara
Luisa e tamara retocam a maquilhagem.
[Luisa
e tamara saem do saLão de
G 34 páG. 154 e
vão
Junto do espeLho do átrio]
tamara: Le voyage m'a tellement fatiguée. demain, j'espère avoir assez d'énergie pour commencer le portrait de
monsieur d'annunzio. (a viagem fatigou-me tanto.
espero ter energia para começar o retrato do senhor
d’annunzio amanhã.)
Luisa: não compreendo.
tamara: Le portrait, vous comprenez? portrait. Je
déteste cette barrière entre nous. Je parle quatre langues mais pas l'italien. (o retrato, compreende? o retrato. detesto esta barreira entre nós. Falo quatro línguas
mas não o italiano.) [com o Baton, desenha uma caricatura de d’annunzio no espeLho]
portrait. (retrato.)
Luisa: si, si. [repara no coLar Que tamara tem ao pescoço e tira-Lhe o medaLhão para Fora do vestido]
tamara: ça vous plaît? monsieur d'annunzio vient de me
l’offrir. il veut que je le porte avec cette robe. Je l'aime
bien. il choisit des cadeaux très originaux! (Gosta? o
senhor d’annunzio ofereceu-mo. Quis que eu o usasse
com este vestido. Gosto muito. ele oferece presentes
t
muito originais!) [Luisa
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mostra o medaLhão do seu
coLar, idêntico ao de tamara. depois de uma pausa,
tamara sai para o saLão. enQuanto sai, repara Que
Luisa BeiJa a caricatura Que eLa Fez no espeLho. Luisa
e tamara reGressam ao saLão para
h 36 páG. 160]
159
160
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 36 • salão
aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • tamara
d'annunzio tenta seduzir tamara.
[emiLia,
de
de spiGa, carLotta e Finzi continuam no saLão
G 34 páG. 157. emiLia é apanhada a BeBer coGnac por
d’annunzio e aéLis Que vieram da cozinha de G 31 páG. 147
e por Luisa e tamara Que vieram do átrio de
G 35 páG.
159]
Luisa e aéLis: [ao mesmo tempo] emilia!
Luisa: uma senhora não bebe bebidas alcoólicas.
emiLia: [para Luisa] era só para provar… eu…
d’annunzio: [rindo] Bebe… vais ter uma noite difícil pela
frente…
emiLia: Grazie, comandante.
Finzi: [pondo-se em sentido] se me dão licença…
carLotta: não vá, capitano, por favor.
Finzi: até amanhã.
d’annunzio:
sai, sai!
carLotta: Buona notte, capitano. [Finzi sai para a saLa
t
de Jantar para
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 37 páG. 173]
d’annunzio: [diriGe-se a emiLia e dá-Lhe uma paLmada no
raBo]
talvez precise de ti esta noite, meu cabozinho.
[diriGe-se a tamara para h 36c páG. 168. Luisa e de spiGa
conversam Junto ao piano em
aéLis e emiLia conversam em
h 36a páG. 162. carLotta,
h 36B páG. 165. a cena passa
outra vez a cena de conJunto em
h 36d páG. 170]
161
162
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 36a • salão
de
spiGa • Luisa
conversa sobre tamara
de spiGa: [diriGe-se a Luisa, na continuação de h 36 páG.
161] o que eu não consigo perceber é como é que uma
freira bailarina como a carlotta pode ficar apanhadinha
pelo Finzi.
Luisa: ela não está.
de
spiGa: não a ouviste à sobremesa?… defende-o com
o zelo de uma mártir… não que eu me rale… eles estão
muito bem um para o outro.
Luisa: Quando eu tinha a idade dela tembém gostava de
homens fardados.
de
spiGa: e agora?
Luisa: agora… fazem-me pesadelos.
de
spiGa: suponho que todos nós temos os nossos
demónios contra quem lutar. [Luisa ri. de spiGa oBserva
d’annunzio a FaLar com tamara]
como é que o Gabri
está com a tamara? o processo de sedução está avançado?
Luisa: talvez ela só o queira pintar.
t
de
de
L empicKa (acto i) • Fdc
spiGa: como é que podes dizer isso depois do que ela
disse à sobremesa?
Luisa: eu só ouvi o que tu disseste que ela disse. [pausa]
viste o trabalho dela?
de
spiGa: não.
Luisa: mulheres nuas em frente de edifícios.
de
spiGa: aélis deve gostar.
Luisa: tamara é muito boa. muito boa.
de
spiGa: ciumenta?
Luisa: não dela.
de
spiGa: depois destes anos todos, como é que podes
ter algum sentimento por ele?
Luisa: ele vai conseguir?
de
spiGa: com aquela expressão de cara e aquela língua
arrogante, é o mais certo. mas deixemos de falar deles.
[pausa] preciso de uma bebida.
Luisa: também eu.
de
spiGa: mas tu não bebes nunca…
163
164
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Luisa: todos temos alguma coisa que foi fechada por
alguém. presa. [pausa] Francesco, quando bebes continuas a sentir? consegues ver, ou fica tudo turvo?
de
spiGa: ele nunca se irá embora, Luisa. tens de ser tu
a ir embora.
Luisa: como é que se diz “diga não” em francês?
de
spiGa: dites non.
Luisa: dites non.
de
spiGa: não se pronuncia o “s”.
Luisa: [correctamente] dites non.
de
spiGa: isso. [a conversa é interrompida por d’annun-
zio,
h 36d páG. 170]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 36B • salão
aéLis • carLotta • emiLia
conversa sobre as pessoas da casa.
aéLis: [diriGe-se
páG.
a carLotta, na continuação de
h 36
161] sentiu a minha falta, carlotta?
carLotta: sim, mas o capitano Finzi foi uma boa companhia. aélis, agora que il comandante está aqui, não podia
dançar? eu tenho de dançar se quero ter a minha recomendação.
aéLis : ele tem muito para falar com madame de
Lempicka. [emiLia
dá uma risada]
mas prometeu que a
via dançar amanhã.
emiLia: além doutras coisas…
aéLis: engordaste, emilia. estás grávida?
carLotta: [rindo] aélis, como é que podia ser? ela não
é casada.
aéLis: a carlotta sabe um exercício muito bom para as
coxas.
carLotta: Quer que eu lhe mostre?
emiLia: eu não preciso de exercício, eu trabalho para
viver. permesso?
165
166
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: va t'en. (vai.) [emiLia
para
sai para a saLa de Jantar
h 38 páG. 174]
carLotta: nós ofendemo-la?
aéLis: é só um jogo que ela gosta de jogar.
carLotta: eu acho que esta casa está cheia de jogos.
aéLis: porquê?
carLotta: o signor de spiga insultou-me.
aéLis: o que é que ele disse?
carLotta: chamou-me bacana. disse que era uma
graça. [até aéLis ri] não lhe achei graça nenhuma, aélis.
aéLis: é pela forma como o diz. desculpe, carlotta, é tão
querida… mas não leve a mal… de spiga insulta toda a
gente.
carLotta: especialmente o capitano Finzi.
aéLis: eles odeiam-se um ao outro.
carLotta: eu acho que o signore de spiga finge odiar
aldo. é outro jogo, aélis.
aéLis: Já chega de jogos. vamos falar de coisas sérias.
[senta-se
no Braço da cadeira de carLotta]
vamos
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
falar de nós. Quer que eu vá fazer exercícios consigo
amanhã?
carLotta: eu começo muito cedo.
aéLis: o seu corpo inspira-me. haverá alguma esperança para o meu?
carLotta: a minha mãe tem dois segredos para se manter jovem: exercício e oração.
aéLis: outra vez a sua mãe. deve ser uma pessoa muito
sensata.
carLotta: sim, e linda. amanhã vou-me levantar cedo.
se quiser vir, venha, mas olhe que amanhã os meus exercícios vão ser particularmente duros. Quero estar preparada para a minha dança. [a
por d’annunzio,
conversa é interrompida
h 36d páG. 170]
167
168
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 36c • salão
d’annunzio
• tamara
conversa sobre Luisa.
d’annunzio:
[diriGe-se
a tamara, de
h 36
páG.
161] Lire
vos lettres c’est comme regarder une femme a denuder.
(Ler as suas cartas é como ver uma mulher a despir-se.)
[tamara voLta-se] vous m’en voulez encore? (continua
zangada comigo?) [tamara
Fixa Luisa]
puis que “qui ne
dit mot consent”, j’en déduis que vous êtes d’accord.
Quand je vous ai laissé tout à l’heure, pendant un
moment, j’ai souhaité que vous ne soyiez pas venue. Les
graines du désir sont profondement enfoncés chez
l’homme. Les racines entourent le corps, de la tête aux
hanches, interceptant les veines de la raison et arrétant
le flux de ce que nous appellons la vie. elles creant un
corps parallèle, un corps dont nous partageons la respiration, un corp qui ne se libère que par l’union à un autre.
mais pourquoi est-ce que je parle? Je sais trés bien que
ce sont vos propres mots. (uma vez que “quem cala, consente”, deduzo que concorda. Quando a deixei à bocado, desejei por um momento que não tivesse vindo. as
sementes do desejo são plantadas fundo num homem. as
raízes enredam o corpo, da cabeça aos quadris, interseptando as veias da razão e parando o fluxo daquilo a
que se chama vida. criam um corpo paralelo, um corpo
cuja respiração neste anseio partilhamos, um corpo que
só se liberta pela união com outro corpo. mas porque é
que eu estou a falar? sei muito bem que estas palavras
são suas.)
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
tamara: [voLtando-se para d’annunzio] J’étais en train
de penser à Luisa. vous êtes amants, n’est-ce pas?
(estava a pensar na Luisa. vocês são amantes, não são?)
d ’annunzio:
nous l’avons été il y a trés longtemps.
(Fomos já há muito tempo.)
tamara: elle vous aime encore. (ela ainda o ama.)
d’annunzio:
et qu’est-ce que vous voulez que j’y fasse?
Que je la chasse? croyez-vous que son malheur ne me
fais pas souffrir? notre amour est mort et je ne peux pas
le ressusciter. mais je n’abandonne pas non plus une
amie. au moins, ici, elle a une maison, un piano. et moi, j’ai
sa musique qui m’accompagne dans ma solitude. (e o que
é que quer que eu faça? ponho-a na rua? acha que a
tristeza dela não me doi na alma? o nosso amor morreu e
eu não posso ressuscitá-lo. mas também não abandono
uma amiga. pelo menos aqui ela tem uma casa, um piano.
e eu tenho a música dela para me acompanhar na minha
solidão.) [pausa. continua em h 36d páG. 170]
169
170
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 36d • salão
aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • Luisa • tamara
conversa sobre debussy.
d’annunzio: [diriGe-se a Luisa, o Que interrompe a conversa entre esta e de spiGa,
e carLotta ,
h 36B
h 36a páG. 164 e entre aéLis
páG .
167] esquecemo-nos do
debussy.
de
spiGa: o que é que queres ouvir?
d’annunzio: não, a Luisa toca. o Francesco tem tendên-
cia para o tocar como se ele fosse um chulo italiano.
[Luisa
toca cerca de seis compassos da tocata de
deBussY “pour Le piano” duma Forma rápida e espaLhaFatosa] Luisa! [Luisa pára, interroGativa] é muito tarde
para isso.
Luisa: e para nós? [começa
a tocar “suBmerGed cat-
hedraL” de deBussY muito Lentamente. todos estão
atentos. de spiGa Fica Junto do piano a BeBerricar o
seu coGnac e a oBservar Luisa. carLotta e aéLis Ficam
sentadas a ouvir.]
d’annunzio: [senta-se em cima do seu Futuro túmuLo e
começa a FaLar para si próprio. tamara vai-se aproximando de d’annunzio]
a música dele persegue-me sem-
pre… como uma voz que se ouve do outro lado dum lago.
tornámo-nos íntimos em paris… Lembro-me de quando
eles me deram a notícia da morte dele… o meu esquadrão
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
tinha acabado de sair para ir fazer um raid aéreo sobre
pola… e pela primeira vez na minha vida não me interessava se vivia ou morria. pus o avião a pique, mil pés em
queda livre, as bombas das antiaéreas explodiam à minha
volta e eu pensava que era um boa altura para morrer.
morrer em combate, é essa a única morte honrosa, e eu
estava preparado para ela; para que servia um mundo
sem o debussy?… devia ter deixado cair o meu avião…
a morte não veio… esperei e esperei mas mesmo assim…
ela não veio… só ouvia… as vozes dos meu companheiros… ao longe… ao cima da água… [tamara aJoeLha-se
Junto de d’annunzio. este Levanta-Lhe GentiLmente o
Queixo e começa a BeiJá-La]
de
spiGa: [vendo o Que se passa, seGreda ao ouvido de
Luisa]
a sedução está a avançar. [de spiGa senta-se ao
piano e continua a tocar a peça, permitindo Que Luisa
se Levanta e a peça não seJa interrompida. Luisa vai
Junto de d’annunzio Que começou a Brincar com o
coLar de tamara. carLotta tamBém esteve atenta a
d’annunzio e tamara, reaGe siLenciosamente mas horrorizada e sai para o corredor, no Que é seGuida por
aéLis para
i 40 páG. 178]
tamara: [oLha para cima e vê Luisa. FaLa para d’annunzio]
une autre fois. Bonne nuit. Bonne nuit, Luisa. (Fica
para a próxima. Boa noite. Boa noite, Luisa) [sai
intervaLo. reaparece no acto
d ’a nnunzio :
para
ii, K54]
[Levanta-se] Fiasco! Fiasco! Fiasco!
[senta-se] é a última vez que eu sigo os conselhos de
aélis.
171
172
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Luisa: tamara não é como as outras.
d’annunzio:
não, é estúpida! Faz-me falar até só me sai-
rem parvoíces pela boca fora.
Luisa: como numa caricatura, poeta?
d ’a nnunzio :
como o barulho dum cano de esgoto.
aquela mulher põe-me doido. [Luisa
contorna Lenta-
mente o túmuLo e vai Buscar um punhaL Que está pousado num pedestaL. peGa neLe e voLta para Junto de
d’annunzio. de spiGa continua com “suBmerGed cathedraL” e passa para “La pLus Que Lente”. os três continuam no saLão em
i 39 páG. 176]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 37 • sala de Jantar
Finzi
Finzi resmunga contra d'annunzio.
Finzi: [vindo do saLão, h 36 páG. 161] sai, sai! sai, sai, diz
ele como se eu fosse um miúdo da escola ou o cão que
mijou o tapete. eu hei-de pô-lo a lamber o tapete, e
muito em breve. [pausa] mario! é ele a chave. se ele não
for quem diz que é… se o d'annunzio sabe… se… [aGarra na Faca do BoLo e sorri enQuanto pensa nas conseQuências da sua LóGica. continua em
h 38 páG. 174]
173
174
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
h 38 • sala de Jantar
emiLia • Finzi
Finzi interroga emilia sobre mario.
Finzi: [continua
na saLa de Jantar,
entra vinda do saLão,
h 37
páG.
173.
emiLia
h 36B páG. 166. não dá peLa pre-
sença de Finzi e começa a Levantar os pratos suJos]
esta noite vais ter de o gramar. [diriGe-se
a emiLia,
escondendo a Faca]
emiLia: ah sim? e o dinheiro?
Finzi: não há mais dinheiro, emilia.
emiLia: não há mais emilia. [continua
Finzi aGarra-a peLo caBeLo.]
a Limpar a mesa.
está-me a aleijar.
Finzi: tu mentiste. o mario não é teu primo! [mete-Lhe a
Faca no pescoço]
Quem é ele?
emiLia: [em pÂnico] não sei.
Finzi: porque é que me estás a mentir? Quanto é que ele
te pagou?
emiLia: dez mil liras.
Finzi: dez mil liras! nome? ele tem um nome?
emiLia: não sei!
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: como é que ele te contactou?
emiLia: defelice.
Finzi: a puta do d'annunzio. para quem é que ela trabalha?
emiLia: não sei.
Finzi: o que é que eles querem do d'annunzio?
emiLia: aldo, por favor, eles não me disseram nada. Juro!
Finzi: [satisFeito peLa resposta, soLta-a e atira a Faca
para cima da mesa]
escritório,
i 41
vai-te preparando. [sai
páG.
183.
para o seu
emiLia mete a Loiça suJa num
taBuLeiro e sai vaGarosamente para o seu Quarto,
páG.
184]
i 42
175
176
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 39 • salão
d ’annunzio
• de spiGa • Luisa
d'annunzio quer falar sobre tamara com Luisa.
[Luisa, d’annunzio
36d
páG.
172.
e de spiGa continuam no saLão de
de spiGa toca
“La
h
pLus Que Lente” de
deBussY enQuanto Luisa e d’annunzio conversam.]
d’annunzio:
Falaste com ela?
Luisa: [empunhando
para d’annunzio]
d’annunzio:
o punhaL, diriGe-se Lentamente
estivémos a retocar a maquilhagem.
ela disse-te alguma coisa?
Luisa: não sei o que é que ela esteve a dizer, era francês.
d’annunzio:
nada acerca de nós? tentaste—
Luisa: nada.
d’annunzio:
o que é que tu pensas dela?
Luisa: isso é de muito mau gosto. Fala sobre ela com a
aélis mas não tenhas a indelicadeza de falar dela comigo!
d ’annunzio:
a Barracuda zangada? Faz-me lembrar
velhos tempos. tivémos as nossas melhores noites
depois de um dia de zanga. [tenta BeiJá-La]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Luisa: [usa o punhaL para o aFastar] Lembra-te que eu
estou aqui para tocar piano.
d’annunzio:
Luisa, vem cá ao Gabri, vem cá.
Luisa: dantes gatinhava mas agora aprendi a andar, e um
dia, quando me equilíbrar, hei-de ser capaz de correr.
d’annunzio:
Luisa, não me deixes neste estado.
Luisa: porque não? deixaste-me nele durante três anos.
d’annunzio:
um homem precisa—
Luisa: eu sei o que tu precisas. mas também sei o que a
Luisa quer. vai ter com a emilia. ela faz-te o serviço.
d’annunzio:
há mulheres que dizem não ao amor, mas
nunca conheci nenhuma que dissesse não ao dinheiro.
Luisa: ainda me lembro do tempo em que elas é que te
pagavam a ti… quando eras tu quem recebia presentes.
[coLoca o punhaL no peito de d’annunzio] Boa noite…
poeta. [vai para sair]
d ’a nnunzio:
Lembras-te de quando me deste este
punhal?
Luisa: Foi no dia de s. sebastião em 1920. nessa altura
eu ainda acreditava em santos. [sai para intervaLo. reaparece no acto ii, K 54. d’annunzio e de spiGa continuam
para
i 47 páG. 205]
177
178
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 40 • corredor
aéLis • carLotta • de spiGa
aélis beija carlotta.
aéLis: [seGuindo carLotta, vindas do saLão, h 36d páG.
171] carlotta, não se vá—
carLotta: eles estavam a beijar-se, aélis.
aéLis: mas isso não devia ofendê-la. Quando duas pessoas se sentem atraídas uma pela outra—
carLotta: aquilo assustou-me, aélis.
aéLis: um beijo não deve assustar; se dissesse que aquilo a tinha feito corar, que a tinha feito arrepiar…
carLotta: é isso que é horrível… é que fez, aélis…
tentei manter-me firme e… é esta casa… sabe que
depois de jantar eu, bem… passou-me um pensamento
pela cabeça… um que não era saudável, e para lutar contra ele, tive de começar a rezar o terço. o padre Lotti diz
que não há nada que consiga resistir a um terço… mas
aqui… antes de ter conseguido acabar a primeira avémaria o terço partiu-se… tenho estes pensamentos
todos os dias, sinto sensações estranhas e… eu se
calhar devia-me ir embora.
aéLis: carlotta, não se vá já deitar. não quero que tenha
um sono atormentado. vamos sentar-nos e falar disto a
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
sério. sente-se. [carLotta senta-se num soFá Junto de
aéLis]
carlotta, parece uma corda toda emaranhada.
deixe-me fazer-lhe uma massagem. vai ajudá-la a adormecer. amanhã é um dia importante.
carLotta: rezar é tudo o que eu preciso.
aéLis: disparate. o seu corpo está completamente
tenso.
carLotta: aélis, eu tento relaxar, mas esta é a primeira
vez que ando sem dama de companhia, tudo aqui é diferente… isto é o oposto daquilo a que eu estou habituada.
aéLis: deite-se de barriga para baixo. [carLotta
dece]
isso mesmo. [aéLis
começa a massaJá-La]
oBe-
não
precisa de se preocupar por as coisas serem diferentes
aqui. devia pensar nesta estadia como se fosse uma
aventura.
carLotta: estou cheia de medo.
aéLis: mas porquê? porque as coisas são diferentes?
porque comemos quando nos apetece? ou porque dizemos o que pensamos?
carLotta: não é bem isso… sou eu… quando vi il
comandante a beijá-la tive vontade de abraçar uma pessoa e—
aéLis: dar-lhe um beijo?
179
180
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
carLotta: eu devia ir dormir.
aéLis: Quem é que queria beijar, carlotta?
carLotta: porque é que não se pode ser cristã e dizer
sim aos nossos sentimentos? deus não quer que a gente
seja feliz?
aéLis: se tivesse beijado essa pessoa, como é que se
sentia? não depois, mas enquanto o estava a fazer?…
carLotta: as pessoas são sempre felizes enquanto
estão a pecar, aélis, é depois…
aéLis: não tem de haver um depois; pode continuar a
sentir-se feliz.
carLotta: não podia—
aéLis: Beije-me.
carLotta: o quê?
aéLis: eu disse para me beijar.
carLotta: eu—
aéLis: [BeiJa carLotta proFundamente] aí está.
carLotta: Que beijo engraçado.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: então, foi pecado?
carLotta: [emBaraçada] nós somos amigas.
aéLis: então não se sente culpada?
carLotta: e porquê? Foi só um sinal de amizade.
aéLis: não tem mal nas amigas?
carLotta: aélis, eu sei que me quer ajudar mas eu acho
que não percebe certas coisas.
aéLis: eu acho que sim.
carLotta: há uma diferença entre a amizade e aquilo
que eu sinto.
aéLis: paixão? é essa a palavra?
carLotta: nunca pensei que eu… todos estes anos no
colégio das freiras… toda a gente dizia que eu era uma
santa… e era… eu acho que deus me deve estar a castigar por ter sido… eu era arrogante, aélis. arrogante
por pensar que não tinha pensamentos impuros.
aéLis: a carlotta é simplesmente humana. não há nada
de errado no que está a sentir.
de
spiGa: [sai do saLão, i 47 páG. 205. está a retirar-se
para ir dormir]
Fantástico. absolutamente fantástico. e
eu que pensava que as virgens estavam fora de moda.
181
182
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
aéLis: [para
carLotta]
não ligue, ele está bêbado!
[para de spiGa] Boa noite, Francesco.
carLotta: rezarei por si esta noite, signore.
de spiGa : e eu vou beber à sua saúde, santa carlotta. [ri
e sai para intervaLo. o púBLico não deve seGui-Lo. reaparece no acto
ii, K 52]
carLotta: tenho de ir para a cama. sempre vem fazer os
exercícios comigo?
aéLis: claro. o que é que eu levo vestido?
carLotta: nada. Às vezes o corpo também precisa de
respirar.
aéLis: Às oito?
carLotta: Às seis. não há ninguém levantado. Buona
notte, aélis. e… e… oh, estou-lhe tão agradecida. [BeiJa
aéLis e sai para intervaLo. o púBLico não deve seGui-La.
reaparece no acto
ii para K 54]
aéLis: [FaLando para si própria] Foi isto um beijo amigável ou um beijo apaixonado? [para o púBLico] com esta
conversa sobre exercício fiquei cheia de fome. vamos.
vamos comer. [Leva o púBLico para o reFeitório, onde
está a ser servido um BuFFet. de seGuida vai ao saLão
para
i 48 páG. 207]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 41 • escritório de Finzi
Finzi
Finzi telefona para mandar cercar il vittoriale e prender
defelice.
Finzi: [vindo
teLeFone]
da saLa de Jantar,
h 38
páG.
175.
peGa no
Quartel de Garda, por favor… cabo tittoni.
[pausa] tittoni, capitano Finzi… preciso de três pelotões no il vittoriale imediatamente. três… o quê? não.
não posso dizer. diz-lhes que é um exercício. arranja
maneira de os pôr cá pela meia-noite. si, si, do lado de
fora do portão e escondidos. ninguém entra. ninguém,
sem a minha autorização. e tittoni, vai ter com aquele
polícia, o capitano mutti e manda-o prender a defelice,
a puta. ela pode estar envolvida numa conspiração…
Que coisa é essa de ela ter desaparecido?… encontraa, preciso dela… não tenho tempo para as tuas graças,
cabo tittoni. encontra-a. Buona notte. [desLiGa.
para o Quarto de emiLia,
i 42 páG. 184]
sai
183
184
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 42 • Quarto de emilia
emiLia • Finzi
Finzi e emilia falam de ser-se pobre.
[emiLia, vindo da saLa de Jantar, h 38 páG. 175, entra no
seu Quarto e LiGa o rádio. ouve-se o preLúdio de “La
traviata” de verdi, Que continuará até o púBLico ir Jantar. despe-se e espera por Finzi]
Finzi: [entra vindo do seu escritório, i 41 páG. 183 e diriGe-se a emiLia]
traíste-me.
emiLia: não, aldo. não.
Finzi: navalhas. pistolas. murros. pensas que me agradam? olha para as minhas botas. nunca tive nenhumas
até ir para a tropa.
emiLia: eu também sou pobre, aldo!
Finzi: não, tu não percebes. tinha dezoito anos quando
finalmente decidi que ninguém mais me chamaria “kike” e
ficava a rir-se. se eles me dessem um pontapé com sapatos calçados, o meu pontapé com o pé descalço seria
mais forte. costumava andar aos pontapés às portas até
os dedos sangrarem, depois embrulhava os pés com trapos e continuava aos pontapés, outra vez e outra vez até
partir a porta. Quando entrei para o partido e me disseram para bater, para bater com força, bati. eu. aldo
Finzi. Foi a única maneira, emilia. é sempre dessa manei-
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
ra para quem é pobre.
emiLia: você usa o seu corpo, eu uso o meu. pobres de
nós.
Finzi: Quando levámos o socialista matteotti a dar um
passeio, disseram-me para lhe dar um abanão. eu abanei-o e o patife morreu. disseram que eu era demasiado
bruto para roma; ensinam-te a agir e depois mudam as
regras. agora faço relatórios. e faço-os bem, nada me
escapa. o Generale Foscarinni diz que a minha promoção está iminente mas tu não queres que isso aconteça…
emiLia: aldo, quero!
Finzi: …porque trouxeste o mario para aqui! Quiseste
criar-me problemas! depois de tudo o que eu—
emiLia: aldo, eu precisava do dinheiro para pagar o colégio das freiras para a caterina.
Finzi: para que ela seja uma senhora, não é? tu não queres que ela saiba que é filha de um gondoleiro e de uma
puta. o que é que eu sou, emilia?
emiLia: o que quer dizer com isso?
Finzi: um fascista? um judeu? não, sou pobre. eu sei o
que sou e tenho orgulho em dizê-lo. sou pobre…
Quando fui secretário de estado no ministério do
interior, continuava pobre —da mesma forma que
mussolini continua pobre. sempre esperei que me fosses
185
186
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
leal.
emiLia: e sou, aldo.
Finzi: não, tu queres ser rica, ter criadas, ter—
e miLia: si, quero ser uma senhora como madame
Lempicka. é uma coisa assim tão má? Quer que eu acabe
como a mãe do dante que morria de fome enquanto o
marido era cabecilha de uma greve de gondoleiros?
Finzi: o pai do dante era o cabecilha da greve?
emiLia: e ele tinha escolha? os barcos a motor punham
todos os gondoleiros na miséria se eles não fizessem
nada.
Finzi: dante? onde é que está o dante?
emiLia: ele… acho que ele está com o mario.
Finzi: o dante está com o mario!
emiLia: [aGarra
Finzi peLas costas e seGura-o]
não,
não! shhh! descanse. mistura tudo com política… vocês
homens e os vossos jogos.
Finzi: [LiBertando-se
de emiLia]
é o dante. o dante
também. são todos vocês! [sai para a cozinha, i 44 páG.
200.
emiLia seGue Finzi mas este empurra-a de voLta
para o seu Quarto]
no seu Quarto,
não saias daqui! [emiLia
i 43 páG. 187]
continua
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 43 • Quarto de emilia
emiLia
emilia reza.
emiLia: [continua no seu Quarto de i 42 páG. 186. vestese]
ó meu deus, protege o dante e o mario do Finzi —
eu sei que não vou à igreja tantas vezes como devia e…
mas porque é que eu estou a dizer estas coisas? —tu
conheces o meu coração. meu deus, perdoa-me o pecado que eu vou fazer. por favor percebe que eu só o faço
por amor e por favor perdoa-me todas as minhas mentiras e dá-me forças para que eu sobreviva. eu só quero
sobreviver. [Fica À porta de acesso ao corredor onde
encontra mario para
i 45 páG. 202]
187
188
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 44 • corredor, Quarto de mário e cozinha
dante • emiLia • Finzi • mario
dante e mario embebedam-se e “passeiam” por
venezia.
mario: [vindo da cozinha com o coGnac de G 31 páG. 142]
perguntas. toda a gente faz perguntas. a emilia acaba
por falar se o Finzi continuar a fazer perguntas. e eu…
porque é que eu insisto? o que é que vamos ganhar com
o d'annunzio? aprender a fazer melhor as omeletes? é
por essa revolução que eu ando a lutar? [BeBe] o pai
ficava furioso quando eu dizia que para cada pergunta
tinha de haver uma resposta… e afinal, onde é que elas
estão?
dante: [vindo
da saLa de Jantar de
F 27
páG.
126] Já
estás a beber um copinho, mario? tu foste à guerra, não
foste?
mario: porquê?
dante: dentro de momentos, a emilia vai perceber que
falta cognac na garrafa. se ela for ter com a Luisa ou com
aélis, elas vão rebentar contigo como um canhão de
70mm. Boom! acabou-se o mario. se, e devias rezar para
que seja isso que aconteça, se a emilia vier para aqui
directamente, não será tão mau para ti, a emilia é uma
granadazita comparada com as outras. mas as mulheres
são todas umas cabras.
mario: salute! [BeBe]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: [cheira o coGnac] tu bebes disso?
mario: não é lá grande coisa.
dante: Queres uma coisa a sério? vais beber da minha
reserva estritamente pessoal.
emiLia: [vinda
da saLa de Jantar de
G 32
páG.
148] cá
estão vocês. estão a arranjar maneira de me despedirem?
dante: emilia, ele só estava a tirar o pó à garrafa.
mario: desculpa. a última coisa que eu quero é arranjarte problemas, prima emilia.
emiLia: [depois
de uma pausa]
tenho de ir. [aGarra
no
coGnac e vai para o saLão, parando no corredor para
G 33 páG. 149]
dante: estás a ver? uma porradinha e aí vai ela. vamos
ao teu quarto. [entram
no Quarto de mario]
e agora
volta-te que eu arranjo-te uma bebida a sério. [vai Buscar uma GarraFa escondida no Quarto de mario]
presto. eu já te tinha avisado, misterioso mario. não
confies em ninguém que esteja acima ou abaixo de ti.
mario: porquê?
dante: não te assustes, meu amigo. é apenas um conselho. estás a ver, tu és chauffeur e eu sou gondoliere.
189
190
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
somos iguais, não?
mario: si.
dante: não o bastante. mas falamos disso depois.
Queres um copo?
mario: também os tens por aí escondidos?
dante: não é preciso. vamos brindar ao meu patrono.
mario: il comandante.
dante: esse nem o ordenado me paga.
mario: então quem é?
dante: ao ministro dos negócios estrangeiros soviétivo.
mario: o chicherin?
dante: ah, conhece-lo? [aBre a GarraFa]
mario: Li no jornal que veio cá.
dante: eu também leio jornais. um brinde ao ministro
chicherin? [dá a GarraFa a mario]
mario: [BeBe
enGasGa-se]
e não contando Que Fosse tão Forte,
vodka! Bene! Quem és tu?
dante: és tu é que és o mistério. eu não sou comunista,
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
se é isso que queres dizer. este vodka foi-me dado por
lhe ter salvo a vida.
mario: onde? na rússia?
dante: cá. Bebe. há três ou quatro anos, ele veio cá jantar. depois de jantar, il comandante levou o russo para
o salão, onde há uma enorme espada que os italianos de
nova iorque lhe deram por ele ter libertado Fiume. Já a
viste?
mario: eu conheço-a.
dante: olha que isto é tudo verdade. il comandante
agarra na espada. espada enorme, hãn? o ministro não
sabia o que havia de fazer. il comandante não diz nada
durante… talvez… cinco minutos. e depois diz: “meu
caro amigo”, tu sabes como ele fala, “por razões que não
quero revelar antecipadamente, resolvi cortar-lhe a
cabeça.” é verdade. a sério. o ministro ficou à rasca. Foi
nessa altura que eu entrei. il comandante ficou furioso.
olhou para mim, louco, muito zangado, e então volta-se
para o russo e diz, “é uma pena que eu não esteja em
forma esta noite. receio que tenha de adiar este assunto para outro dia.” e foi assim que eu salvei a vida ao
chicherin. Bebe. claro que foi tudo uma brincadeira, mas
o ministro não lhe achou graça nenhuma. há cinco meses
recebi o vodka. os comunistas são demorados a agradecer, não achas?
mario: os fascistas nunca agradecem.
191
192
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: [conFirma Que não estão a ser viGiados] isso é
verdade, mas há coisas que não devemos dizer.
mario: eu não sei nada de políticas. a minha política é o
automóvel.
dante: automóveis? isso é para velhinhos e velhinhas.
são cadeiras de rodas. um bambino deste tamanho
[indica a aLtura] conseguia guiar a tua maquina.
mario: os pés não lhe chegavam aos pedais.
dante: não é preciso nenhuma habilidade especial para
guiar. Graças a deus, venezia não os tem. venezia tem a
gondola!
mario: nunca lá estive.
dante: ir lá uma vez é nunca mais sair. vamos comparar
automóveis e gondolas. estou a guiar a tua maquina. não
é preciso habilidade nenhuma para guiar esta coisa estúpida. e enquanto estou a guiar consigo ouvir os pássaros
a cantar nas árvores?
mario: si.
dante: [respondendo
simuLtaneamente]
no. consigo
sentir o maravilhoso cheiro do campo?
mario: si.
dante: [idem] no. posso falar com alguém que venha em
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
sentido contrário?
mario: si.
dante: [idem] no. mario, não estamos a concordar.
olha, estamos a ir para venezia. a estrada é apertada e
outra maquina vem para cá. eu grito “primeiros”, “segundos”, ou quê?
mario: primeiros.
dante: eu não digo nada, ele não diz nada, e o mundo é
um lugar ainda pior. vamos. [saem para a cozinha. mario
Leva o vodKa]
ora cá estamos. estaciono a maquina e
apanhamos um comboio para venezia. [põe
um chapeu
de GondoLeiro]
mario: o que é que estás a fazer?
dante: vou-te mostrar venezia de gondola. [no corredor]
ah! a ponte. trezentos metros de comprido, qua-
renta e oito câmaras secretas de explosivos para demolição rápida. contei os arcos uma vez, são duzentos e
vinte e dois. estás a ver, mario? Foi feita em 1846 pelos
austríacos. nós os venezianos nunca pensámos nisso. o
meu pai, esse odiava-a, mas o progresso é uma coisa
boa. assim os turistas podem cá vir. [À
nha]
porta da cozi-
ora cá estamos. stazione venezia - santa Lucia.
como tudo o resto em venezia, a estação foi contruída
em cima das ruínas de uma igreja. esta casa é o que resta
da de santa Lucia. Foi condenada à morte por se ter
recusado a casar.
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t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
mario: como a emilia.
dante: sant'emilia.
mario: da cama de solteiro.
dante: [esvazia
a mesa da cozinha enQuanto mario
come o resto da omeLete deixada na mesa]
há uns
anos tivemos uma cama de casal. a sério. está tudo no
guia turístico. para se ser um gondoliere é preciso conhecer o guia turístico.
mario: dante, este jogo é engraçado, mas eu não consigo ver venezia.
dante: Bebe. Quando eles esvaziam os canais, não os
vês, cheira-los. mas continua a ser maravilhosa. venezia.
La mia venezia.
mario: il comandante põe demasiado perfume.
dante: não é demasiado para venezia. o Grande canal.
três quilómetros de comprido, profundidade média de
dois metros e meio, três no rialto. não olhes para esse
lado. é a doca dos barcos a motor. Quase nos arruinaram quando apareceram. società vaporetti omnibus de
venezia; era duns franceses. Foi duro. o meu pai chefiou
a greve, os católicos rezaram à nossa senhora. ela foi
simpática. não fomos completamente exterminados. a
minha gondola! não é como a tua maquina. olha para ela!
nove metros de comprido, metro e meio de bojo. olha
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
como ela se inclina, está bêbada como nós. são feitas
assim para poderem levar o remador com o seu remo.
[aGarra na vassoura]
mario: dante, já chega. como é que eu posso falar com
il comandante?
dante: não podes. daqui a um ano talvez ele te diga olá.
daqui a três anos és um primo afastado. daqui a dez,
famiglia.
mario: Quando é que ele está sozinho?
dante: Quando anda no teu automóvel.
mario: estou cá há uma semana e ele ainda não saiu.
dante: mario, tens algum problema? vai falar com aélis
ou com a signora Baccara.
mario: tenho de falar com il comandante.
dante: anda, eu levo-te a ele. embarca na minha gondola. [mete
um Banco em cima da mesa e soBe para cima
deLa Ganhando a posição de um GondoLiere]
mario: [soBe para cima da mesa e senta-se no Banco] e
se eu fosse ao escritório dele…?
dante: ele dava-te porrada.
mario: ele já—
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L empicKa (acto i) • Fdc
dante: me bateu? como um pai bate num filho, mais
nada. ora aqui vamos nós. estás ver os meus pés? é
como quem dança. o remo tem de estar pela cintura, e
depois roda-se o corpo na direcção oposta. olha.
estamos no canal. ali à direita é a igreja dos sclazi.
Barroca, acho eu.
mario: há quanto tempo estás com il comandante?
dante: Quando é que foi caporetto?
mario: outubro de 1917.
dante: caporetto!
mario: então conheceste-lo em caporetto?
dante: não. o meu regimento foi mandado para venezia.
Ficámos aquartelados no palazzo de spiga. o signor de
spiga, sendo o italiano dos italianos, foi esconder o rabinho para roma.
mario: ninguém se poderia esconder lá agora.
dante: é verdade. tem piada. talvez não tenha tanta
piada como isso, mas é verdade. o de spiga tinha um
gondoleiro. tinha um nome inglese. chamava-se andrew
e…
mario: si…
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: é chato de dizer, porque eu também sou gondoleiro. ele era… como é que se diz… omosessuale.
mario: um “frocio”? [mario está BêBado]
dante: si. e ele tinha um amigo. costumavam fazer aquilo um com o outro. o pai do amigo era dos “amici”.
mario: mafioso?
dante: si. eles não gostam daquelas coisas. Foi encontrado empalado num “bricole” na lagoa. completamente
nudo. eu era o único gondoliere no regimento e assim
fiquei eu com o emprego. Grazie, andrew.
mario: “não quero ver a areia da clepsidra a cair
Quero pensar em planícies e em pântanos
e ver o meu saudoso andrew enterrado na areia.”
dante: [rindo] shakespeare.
mario: conheces?
dante: destesto “o mercador de veneza”. vês o campanário? san Fosca. a minha família vive na porta a
seguir. isto não, não olhes, é feio, o palazzo Barbarigo.
os austriacos bombardearam-no, mas ele continua em
pé. é muito feio. “o mercador de veneza”, é uma peça
feia. antes da guerra, em 1907, 1908, conheci um americano, um poeta, não tão bom como il comandante, mas eu
achava graça à forma como ele falava italiano, e por isso
falávamos às vezes. chamava-se ezra pound. estava
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L empicKa (acto i) • Fdc
farto, dizia que queria ser gondoliere. ensinei-lhe alguns
truques. estás a sentir o cheiro a peixe?
mario: é da lota.
dante: e aqui é a erberia, o melhor mercado de hortaliças da italia.
mario: não é nada. Genova tem um muito melhor. até o
de milano…
dante: está bem, não é. mas neste é mais fácil roubar.
mario: e isso tem alguma coisa a ver?
dante: Quando se tem fome, sim. e eu tenho sempre
fome. a igreja mais antiga de venezia, san Giacomo di
rialto. século quinto.
mario: ezra pound?
dante: ele dizia que gostava do “mercador de veneza”
porque o judeu tinha o que merecia. ora cá está, o sítio
mais fundo do canal, três metros. esta é a ponte rialto.
as lojas são horríveis e os miúdos cospem-te em cima. é
feia. Foi construída em 1588.
mario: o que é que tu disseste?
dante: Foi construída em 1588.
mario: ao pound.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
dante: disse: eu sou judeu e exijo desculpas.
mario: ou uma “pound” de carne. e ele pediu?
dante: atirei-o à água antes dele conseguir abrir a boca.
[mario
ri-se]
palazzo papadopoli, construído por Gian
Giacomo dei Grigi. renascença. século xvi.
mario: tu sabes muitas coisas.
dante: eu não sou chauffeur. palazzo Grimani, actualmente o tribunal de apelação.
mario: como é que se apela a um fascista?
dante: de joelhos.
mario: e implorando.
dante: [dando a mario a vassoura e aGarrando a GarraFa] vamos, rema. olha, o palazzo ducale. o meu bisa-
vô trabalhou lá, na cozinha. a contessa recebeu Byron,
shelley, Keats e muitos outros. homens brilhantes com
ideias puras.
mario: o Fascismo é para as pessoas que têm medo de
se suicidar. é uma doença para liberais que não conseguem apontar a arma. tira as liberdades, uma de cada
vez. uma espécie de morte. morte com moderação.
dante: mario, estás a balançar a gondola. palazzo Balbi,
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de
L empicKa (acto i) • Fdc
o mais bonito de venezia. contruído por vittoria em 1582.
napoleão viu a regata da varanda. o actual governo quer
fazer um atalho para a estação, com o ca Foscari, aqui, e
fazendo um novo canal. não gosto de atalhos.
mario: tudo é—
dante: mantém-no em baixo, mario. este é o palazzo
Giustiniani, onde Wagner escreveu o terceiro acto do
“tristão”. sabes, o lamento da flauta do pastor? Foi inspirado no pregão dos gondoliere. [cantaroLa] “premi”.
“stali”. e aqui está o palazzo de spiga. a hora da violência chegou.
mario: a hora da violência?
dante: il comandante tinha tantas mulheres a procurálo que teve de declarar as nove da noite “a hora da violência”! se uma mulher chegava depois das nove, tinha
vindo para “chiavare”. [Faz um Gesto sexuaL] era lindo.
mulheres a sério. uma vez, uma única vez, fiquei com uma.
il comandante fez uma marcação dupla e então mandou
uma para o meu quarto e…
Finzi: [vindo do Quarto de emiLia, i 42 páG. 186] o que é
que estão a fazer?
dante: a passear na minha gondola.
Finzi: de que é que estavam a falar?
dante: não estávamos a falar, estávamos a ouvir.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: estavam a falar, dante.
dante: olha, mario! como é que ele faz aquilo? o
capitano está a caminhar sobre as águas.
Finzi: [para mario] desce! [mario desce cuidadosamente]
dante: [para
mario]
ainda não te falei dos crocodilos
do canal.
Finzi: sai, mario. Falo contigo depois. [mario sai para o
seu Quarto e encontra emiLia em
i 45 páG. 202] o que é
que queres dizer com isso? isto não é… a tua gondola.
desce daí, dante.
dante: eu não nado lá muito bem. [desce] Quer um
copinho, capitano? [BeBe um GoLo de vodKa e cospe-o
nas Botas de Finzi. este dá-Lhe uma JoeLhada nas viriLhas. dante cai e continua na cozinha para
i 46
páG.
204. Finzi sai para o Quarto de mario e encontra emiLia
em
i 45 páG. 202]
201
202
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 45 • corredor
emiLia • Finzi • mario
emilia faz jogo duplo.
[mario vem da cozinha de i 44 páG. 201 e encontra emiLia, vinda do seu Quarto de
i 43 páG. 187]
emiLia: tinhas razão! eu… eu contei ao Finzi… aquilo—
mario: o quê?
emiLia: aquilo, aquilo de sermos amantes. [mario
a]
BeiJa-
posso ir ter contigo?
mario: dá-me uma hora… acho que bebi demais.
e miLia: tenho de arranjar uma desculpa para il
comandante.
mario: escolhe: ele ou eu!
emiLia: espera por mim. [mario sai para o seu Quarto e
só voLtará a aparecer no acto
Finzi: [aparece
ii K 51]
vindo da cozinha de
encontra emiLia]
i 44
páG.
201
e
emilia, vai-me buscar o óleo de fígado
de bacalhau. chegou a altura do mario aprender uma
lição.
emiLia: não, aldo.
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
Finzi: vai buscá-lo.
emiLia: e eu? a minha lição? hoje já é a segunda vez que
me deixa pendurada. vamos. esta noite é de borla.
venha.
Finzi: [sorri e entra no Quarto de emiLia] vais ter de o
gramar, olá se vais. [emiLia
Fecha a porta e impede o
púBLico de os seGuir. Finzi reaparece no acto
reFeitório em
ii
no
J 49 e emiLia no Quarto de mario em K 51.
o púBLico Fica sozinho até À cheGada de dante]
203
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t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 46 • cozinha e corredor
dante
dante leva o público a jantar.
dante: [está esticado no chão da cozinha de i 44 páG.
201. Levanta-se vaGarosamente e aGarra na GarraFa de
vodKa]
signore, signori. Gostava de vos propor um brin-
de… está vazia… [atira a GarraFa ao chão o Que a Faz
partir. encaminha-se Lentamente para o reFeitório]
andiamo. tenho lá em cima um reforço secreto. shhh.
não digam a ninguém. se o senhor de spiga nos ouvisse,
não sobrava nada para nós. [Quando se Junta ao púBLico deixado sozinho por emiLia, Finzi e mario, diz]
comer? [Leva
no acto
vamos
o púBLico para o reFeitório. reaparece
ii, J 49]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 47 • salão
d ’annunzio
• de spiGa
d'annunzzio discursa.
[d’annunzio
continua de
i 39
páG.
177.
de spiGa pára de
tocar piano. d’annunzio Faz sinaL a de spiGa para Lhe
trazer cocaína. de spiGa oBedece e Faz um carreiro de
cocaína]
de spiGa: mulheres, amor —ninguém é verdadeiro e nada
é puro; excepto isto… nisto pode-se confiar. [enQuanto
d’annunzio cheira a cocaína, de spiGa sai para o corredor,
i 40 páG. 181]
d’annunzio: [oLha para o punhaL]
sim… a Luisa disse,
“para ti, que foste escolhido por deus para irradiar a luz
da nova liberdade pelo mundo inteiro, nós, as mulheres
de Fiume e de italia, humildemente te oferecemos esta
arma sagrada, esta adaga abençoada, para que com ela
possas marcar a palavra vitória na carne dos nossos inimigos.” [parece
chorar ]
e eu pensei em são
sebastião… e falei à multidão das mulheres que ampararam o seu corpo, o lavaram, lhe tiraram as setas dos seus
inimigos, uma a uma, e disse, “Quero acreditar, meus
irmãos, minhas irmãs, que esta lâmina foi feita das pontas
de metal das setas que atingiram são sebastião. porque
ele gritou o que sentia, 'morro para não morrer'. Gritou
enquanto sangrava, 'não basta! outra!' oh! a imortalidade do amor, a eternidade do sacrifício, o sangue do
herói é inesgotável. é este o significado deste presente!
205
206
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
estão preparados para se juntarem a mim, para sacrificar
as vossas vidas nesta grande empresa? então, não é
tempo de falar, mas sim de fazer, não é tempo de pensar
mas sim de agir, e de agir à romana. [cheira mais cocaína]
se é crime incitar cidadãos à violência então eu…
aqui… agora… orgulho-me desse crime. se em vez de
palavras eu pudesse distribuir armas a todos vós, não
hesitaria! e fá-lo-ia sem remorso! porque o uso da violência é permitido se com ele impedirmos a nossa pátria
de cair. vocês podem e devem impedir que um punhado
de rufias e de zés-ninguém ponham em perigo e façam
cair a italia! Qualquer que seja a acção necessária, ela é
absolvida pelas verdadeiras leis de roma. oiçam-me!
escutem-me! a traição está entre nós. não só o seu cheiro nauseabundo mas também o seu infamante peso. a
traição vive em roma. na cidade da alma, na cidade da
luz!” [é
interrompido por aéLis, Que entra, vinda do
reFeitório de
i 40 páG. 182. continuam em i 48 páG. 207]
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
i 48 • salão
aéLis • d’annunzio
aélis vai buscar d'annunzio.
aéLis: [vem do reFeitório, i 40 páG. 182 e interrompe o
discurso de d’annunzio, Que tem estado no saLão,
páG.
i 47
206] prometeu que não haveria mais discursos.
d’annunzio: [Baixo]
não era um novo.
aéLis: isso é irrelevante—
d’annunzio:
é mais relevante do que nunca.
aéLis: a nossa casa depende do seu silêncio!
d’annunzio:
shhh! Fiz um voto de silêncio… pelo menos
por esta noite. [sai para intervaLo. reaparece no acto
ii, K 53]
aéLis: [para o púBLico] minhas senhoras e meus senhores, depois do que testemunharam, estou certa de que
perceberão que il comandante precisa de alguma privacidade. se tiverem a gentileza de me seguirem, poderão
partilhar do que pedi ao dante para preparar para todos
vós. [conduz
o púBLico para o reFeitório e sai para
intervaLo. reaparece no acto
ii, K 53]
207
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t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
intermezzo • refeitório
dante
Jantar-Buffet
[enQuanto
os espectadores saBoreiam a reFeição,
têm oportunidade de trocar inFormações entre si.
dante, Que veio de
i 46
páG.
204,
estará À disposição
do púBLico para escLaecimentos adicionais. no FinaL do
Jantar, continua em
J 49 páG. 210]
il vittoriale degli italiani
10 Gen 1927
em honra da visita de tamara de Lempicka
vinda de paris (França) e varsóvia (polónia)
antipasto
primi piatti
dolci
Bibide
t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
repertório
 1. Fatias de cá com nini Ferreira • autores vários, 1979
 2. Fatias de cá no aniversário da naBantina • autores vários, 1979
 3. o con(s)certo • Karl valentim, versão carlos carvalheiro, 1981
 4. Gente séria • autores vários, 1981
 5. hãn? • a partir dos monólogos “a hunGara” de mario Frati, “eu, uLriKe, Grito!”
de dario Fo e Franca rame e do conto “passam os saLtimBancos” de pitigrilli, 1982
 6. a Festa da memória Que é curta • autores vários, versão carlos carvalheiro,
1983
 7. o Farmacêutico
a
cavaLo • a partir de conto de pitigrilli, versão carlos
carvalheiro, 1983
 8. Fatias de cá Bar é… • autores vários, 1984; autores vários, 2009;
 9. a menina inês pereira • a partir de Gil vicente, versão carlos carvalheiro, 1984,
1992, 1996
 10. por trás daQueLa JaneLa • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1985
 11. a FuGa de WanG-Fô • a partir do conto de marguerite Yourcenar, versão carlos
carvalheiro, 1987
 12. hamLet • a partir da peça de William shakespeare e da peça “a máQuinahamLet” de heiner müller, versão carlos carvalheiro e Graça afonso, 1987; versão
carlos carvalheiro, 2006, 2009
 13. homLet • a partir da banda desenhada de Gotlib e alexis, versão carlos
carvalheiro, 1988
 14. Queremos aprender teatro (sonho de uma noite de verão • William
shakespeare, 1988 e oFicina de teatro, Fatias de nataL, Fatias de carnavaL)
 15. crónica dos Bons maLandros • a partir do romance de mário zambujal, versão
carlos carvalheiro, 1986
 16. a sapateira prodiGiosa • Frederico Garcia Lorca, 1990
 17. carmen • a partir da ópera de mérimée e Bizet, versão ana paula eusébio, 1990
 18. a Fera amansada • William shakespeare, 1990
 19. a comédia da marmita • a partir da peça de plauto, versão carlos carvalheiro,
1991
 20. a FLauta máGica • a partir da ópera de mozart e shikaneder e do romance
“FiLha da noite” de marion z. Bradley, versão carlos carvalheiro, 1991
 21. timor • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1991
 22. a menina Feia • a partir da peça de manuel Frederico pressler, versão carlos
carvalheiro, 1992
 23. conFusões • alan ayckbourn, 1994
 24. a comissão de Festas • alan ayckbourn, 1995
 25. as LiGações periGosas • a partir do romance de choderlos de Laclos e da peça
“Quarteto” de heiner müller e com os contributos da peça “the
danGerous
Liaisons” de cristopher hampton e do filme “vaLmont”de milos Forman com argumento de Jean carrière, versão carlos carvalheiro, 1996
 26. taneGashima • a partir das narrativas “pereGrinação”de Fernão mendes pinto
e “teppo-Ki” de nampo Bunshi, versão carlos carvalheiro e isabel passarito, 1997;
taneGashima-hoi! • autores vários, 1998; taneGashima • carlos carvalheiro, 2004
 27. xanana Gusmão - LiBerdade , LiBerdade! • autores vários, versão carlos
carvalheiro, 1997
209
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t
de
L empicKa (acto i) • Fdc
 28. t de LempicKa • John Krizanc, 1998
 29. as árvores morrem
de
pé • a partir da peça de alejandro casona, versão
carlos carvalheiro, 1999
 30. tannhäuser • carlos carvalheiro a partir da ópera de richard Wagner e dos
romances “os FiLhos
do
GraaL” de peter Berling e “o Guardião
do
tempLo” de
Gabriela morais e dos contributos de isabel passarito, 1999; tannhäuser -
o
tesouro dos tempLários • carlos carvalheiro, 2003; o tesouro dos tempLários •
carlos carvalheiro, 2007
 31. viriato • a partir do romance “a voz
dos
deuses” de João aguiar, versão
carlos carvalheiro e Filomena oliveira, 1999
 32. sonho de uma noite de verão • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro, 2000
 33. corto maLtese - concerto em o’menor para harpa e nitroGLicerina • a partir da banda desenhada de hugo pratt, versão carlos carvalheiro, 2001
 34. a tempestade • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos
carvalheiro, 2001
 35. astérix
no
criptopórtico • a partir da banda desenhada de Goscinny e
uderso, versão carlos carvalheiro, 2002
 36. aLcacer KiBir • carlos carvalheiro, 2002
 37. inês • a partir do romance “inês
de
portuGaL” de João aguiar, versão carlos
carvalheiro, 2003
 38. diáLoGo das compensadas • a partir do romance de João aguiar, versão carlos
carvalheiro, 2003
 39. a morte
do
Lidador • a partir da narrativa de alexandre herculano, versão
carlos carvalheiro, 2004
 40. rapariGa com Brinco de péroLa • a partir do romance de tracy chevalier, versão carlos carvalheiro, 2004
 41. o nome
da
rosa • a partir do romance de umberto eco, versão carlos
carvalheiro, 2004
 42. a Festa
de
BaBette • a partir do conto de Karen Blixen, versão carlos
carvalheiro, 2005
 43. o eQuador
passa em
s. tomé
e
príncipe • carlos carvalheiro e ana de
carvalho, 2005
 44. tomar em revista • carlos carvalheiro, 2006
 45. as peGadas dos draGões (contos do Fascínio 3) • a partir do universo de
ursula le Guin, versão carlos carvalheiro, 2006
 46. o perFume • a partir do romance de patrick süskind, versão carlos
carvalheiro, 2007
 47. arthur • carlos carvalheiro, 2008
 48. auto da Barca do inFerno • Gil vicente, 1999
 49. o aneL QueBrado (contos do Fascínio 2) • a partir do universo de ursula le
Guin, versão carlos carvalheiro, 2009
 50. richard iii • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro,
2010

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