novamente, a discussão sobre a venda ilegal de arma de fogo no

Transcrição

novamente, a discussão sobre a venda ilegal de arma de fogo no
NOVAMENTE, A DISCUSSÃO SOBRE A VENDA
ILEGAL DE ARMA DE FOGO NO BRASIL
André Abreu de Oliveira*
Após o trágico episódio na Escola Tasso da Silveira, em Realengo, na zona Oeste do Rio
de Janeiro, volta à tona a discussão acerca da venda ilegal de arma de fogo e suas implicações
legais. O retorno desse debate ocorreu especificamente depois da prisão de dois suspeitos de
terem vendido uma das armas ao autor da referida tragédia. Desse modo, cumpre então trazer
alguns esclarecimentos a respeito da comercialização clandestina de armas de fogo no Brasil, tema
regulado atualmente pela Lei nº. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto
do Desarmamento.
Inicialmente, vale lembrar que a legislação anterior sobre armas de fogo, Lei nº. 9.437/97,
em seu art. 10, trazia várias condutas relacionadas ao porte ilegal. Esses comportamentos
delituosos, como sempre ocorre nas leis incriminadoras, eram descritos por núcleos verbais, tais
como portar, transportar e vender arma de fogo, sem autorização legal ou regulamentar. Por seu
turno, o Estatuto do Desarmamento repetiu, em seu art. 14, quase todas aquelas hipóteses da lei
revogada, suprimindo, no entanto, a expressão vender desse novo rol de delitos. Por conta disso,
alguns estudiosos do tema passaram a sustentar que a venda ilegal de arma de fogo acabou
*
* Pós-graduando em Ciências Criminais pelo JusPodivm − Instituto de Ensino Jurídico; Pós-graduando em Direito Penal Militar e
Direito Processual Penal Militar pela Universidade Cândido Mendes/Instituto A Vez do Mestre; Bacharel em Direito pela Faculdade
Dois de Julho; Policial Militar, servindo na Corregedoria Setorial do Esquadrão de Motociclistas Águia da PMBA; Instrutor de
Direito Aplicado I, Direito Aplicado II e Direito Militar Aplicado, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da PMBA;
Sócio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
1
descriminalizada, ou melhor, deixou de ser crime. Isso teria ocorrido por um lapso do legislador,
quando este haveria esquecido de incluir o verbo vender entre aqueles que compõem o art. 14 da
Lei nº. 10.826/03. Logo, de acordo com esse argumento, devido a alegada falha legislativa, não
seria possível punir um particular que vendesse ilegalmente uma arma.
Ressalte-se, contudo, que o atual Estatuto do Desarmamento incrimina o comércio ilegal
de arma de fogo, delito previsto em seu art. 17. Porém, esse crime realmente não poderá alcançar
aquele indivíduo que eventualmente venda uma arma de fogo. Isto porque, conforme descrito no
referido dispositivo legal do Estatuto, o delito de comércio ilegal de arma de fogo exige que a
venda ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial, ainda que em comércio irregular
ou clandestino, mas sempre nesse contexto. Ou seja, essa figura delituosa não trata da venda
ocasional de arma por particular, mas sim da venda de armas em forma de atividade comercial ou
industrial, mesmo que exercida em residência e de maneira clandestina. Diante disso, surge a
seguinte pergunta: fora desses casos de comércio ilegal, houve então a descriminalização da venda
de arma de fogo? Evidentemente que não, e isto é o que será demonstrado a seguir.
A despeito de o Estatuto do Desarmamento haver suprimido de seu texto o termo vender,
existe uma outra conduta que compreende perfeitamente a venda ilegal de arma de fogo por
particular. Nesse caso, analisemos um comportamento em particular, dentre aqueles descritos no
supracitado art. 14 do Estatuto, que é o de ceder, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório ou
munição. Sobre o verbo ceder, o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de
Holanda, apresenta: "Ceder. [Do Lat. cedere] V. t. d. e i. 1. Transferir (a outrem) direitos, posse ou
propriedade de alguma coisa (grifo nosso)". Por sua vez, em relação ao verbo vender: "Vender.
[Do Lat. vendere] V. t. d. 1. Alienar ou ceder por certo preço; trocar por dinheiro. 6. Ceder a
outrem, mediante vantagem pecuniária, o direito de usar (grifo nosso)". Logo, a partir dessas
informações, percebe-se que o verbo ceder, incluído entre aqueles que fazem parte do crime de
porte ilegal de arma na Lei vigente, tem também o significado de vender, que é senão ceder
onerosamente.
2
Portanto, há razões suficientes para concluir que a criminalização da venda ocasional de
arma de fogo por particular, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, continua em pleno vigor. Dessa maneira, o indivíduo que efetuar a venda ilegal de
arma de fogo, afora as hipóteses de comercialização, deverá responder pelo crime do art. 14 do
Estatuto, especificamente pela conduta de ceder, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório ou
munição.
3