Meios de Comunicação Comunitários no Brasil e na Venezuela
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Meios de Comunicação Comunitários no Brasil e na Venezuela
IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 Meios de Comunicação Comunitários no Brasil e na Venezuela: Uma Análise das Políticas dos Governos Lula e Chávez1 Rodrigo Braz2 Resumo: A chegada de Chávez (1998) e Lula (2002) ao poder na Venezuela e no Brasil, respectivamente, na esteira do processo de ascensão da esquerda na América Latina, representou a possibilidade de ruptura com as políticas de comunicação adotadas nos governos anteriores. Desse modo, o presente artigo visa fazer um estudo das políticas de comunicação voltadas para os meios de comunicação comunitários na Venezuela e no Brasil, durante os governos Lula e Chávez. O intuito é compreender se as ações implementadas durante esses dois governos alteraram ou não a realidade deste setor. Para tanto, serão relatadas e analisadas as ações governamentais implementadas, os dados e informações relativos ao setor, bem como as alterações que ocorreram (ou não) na regulamentação. Palavras-chave: meios de comunicação comunitários, políticas de comunicação, Brasil, Venezuela. Abstract: The rise of Chavez (1998) and Lula (2002) to the power in Venezuela and Brazil, respectively, during Left ascension process in Latin America, represented the possibility of rupture with the communication policies adopted in previous governments. Thus, this review aims to do an analysis of communication policies adopted to the community media sector in Venezuela and Brazil during Lula and Chavez governments. The goal is to understand whether the actions implemented during these two governments changed or not the reality of this sector. So, it will be reported and analyzed the governmental actions implemented, data and informations about the sector, as well the changes that occurred (or not) in the laws. Keywords: community media, communication policies, Brazil, Venezuela. 1 Trabalho apresentado no GT1 – Políticas de Comunicação, IV Encontro Nacional da ULEPICC-Br. 2 Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Mestre e doutorando em Comunicação, na linha de Políticas de Comunicação e de Cultura, na Universidade de Brasília. Pesquisador do Lapcom/UnB. Bolsista Capes. E-mail: [email protected] IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 1. Introdução A hegemonia mundial das políticas neoliberais, ampliadas após o Consenso de Washington, acarretou o aumento das disparidades sociais, com maior concentração de renda, crescimento da pobreza, do desemprego e das dificuldades de acesso à cultura e à comunicação, sobretudo nos países pobres. Em resposta a esse movimento, a partir da década de 1990 e durante os primeiros anos do século XXI, houve uma forte ascensão dos partidos de esquerda na América Latina, que chegaram ao poder com promessas de maior distribuição de renda e justiça social. De acordo com Moraes (2009), o que se busca agora nesses países é a reconstrução do Estado enquanto espaço institucional e ético-político, capaz de interagir com a sociedade e as comunidades locais e de frear e disciplinar o papel do mercado, adotando medidas definidas em consenso com as classes subalternas e pauperizadas. Na esteira desse processo, chegaram ao comando do Executivo Hugo Chávez na Venezuela (1998) e Luis Inácio da Silva no Brasil (2002)3. A vitória desses candidatos representou a esperança por uma ruptura com políticas adotadas nos governos anteriores. No setor das comunicações, as promessas apontavam para uma maior intervenção estatal no sentido de ampliar a democratização dos meios de comunicação e diluir a forte concentração no âmbito da produção simbólica industrializada que existia nesses países. Com o advento desses governos, os partidos conservadores e direitistas buscaram articular novas estratégias em nível nacional e internacional para frear possíveis mudanças no regime de acumulação que vinha sendo desenvolvido após a década de 1970, como o processo de reestruturação capitalista. Isto provocou um acirramento da luta de classes nesses países. Os meios de comunicação desempenham um papel fundamental nesse processo de disputa, não somente pela ampla capacidade de formação de consensos, mas também para alcançar a soberania nacional, o desenvolvimento cultural, a integração regional e a cooperação internacional (MORAES, 2009, p. 116). Portanto, o controle desses meios é uma estratégia essencial para a manutenção ou alteração da hegemonia. Para tanto, é necessário dispor de capital e de uma regulamentação adequada. 3 Foram eleitos também nessa época Néstor e Cristina Kirchner na Argentina (2003 e 2007), Tabaré Vázquez no Uruguai (2004), Evo Morales na Bolívia (2005), Michelle Bachelet no Chile (2005), Rafael Correa no Equador (2006), Daniel Ortega na Nicarágua (2006) e Fernando Lugo no Paraguai (2008). IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 No Brasil, desde a instituição do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), em 1962, passando pela Constituição de 1988, até as últimas decisões políticas acerca da radiodifusão, as forças hegemônicas empresariais têm conseguido impor seus interesses na definição das políticas de comunicação, apesar da presença histórica de grupos contra-hegemônicos nas discussões sobre o setor. Durante dos dois mandatos do governo Lula (2003), as tentativas do governo de alterar a estrutura e a regulação das comunicações e, em especial, da radiodifusão não lograram êxito, ainda que tenham havido conquistas pontuais como a criação da Empresa Brasil de Comunicação, em 2007, e a realização da I Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009. No que diz respeito à radiodifusão comunitária, também não houve mudanças estruturais no setor. Ao contrário, a política foi de aumento da repressão ao setor. Ao contrário do Brasil, na Venezuela ocorreram importantes mudanças institucionais com impactos sobre o sistema de comunicação. Após a ascensão de Chávez ao Executivo Federal em 1999, aconteceu uma ampla reforma na regulamentação do setor de comunicações venezuelano. No ano 2000, o governo aprovou a Ley Orgánica de Telecomunicaciones (Lotel), que estabeleceu um novo regime de concessão de canais. Entre o objetivos da Lei está o de “promover e incentivar o exercício do direito das pessoas a estabelecer meios de radiodifusão sonora e televisão aberta e comunitárias de serviço público sem fins lucrativos, para o exercício do direito à comunicação livre e plural” (VENEZUELA, 2000). No ano seguinte, o governo sancionou a do Regulamento de Radiodifusão Sonora e TV Aberta Comunitária de Serviço Público, sem fins lucrativos, em 20014. Além disso, o governo tem implementado uma série de medidas que tem fomentado o crescimento do setor. Os meios de comunicação comunitários possuem um relevante papel para o desenvolvimento social das comunidades, sobretudo daquelas mais pobres. Ao estarem destinados a uma comunidade específica, onde pessoas conhecidas fazem os programas, tais meios tornem-se mais próximos e íntimos do cidadãos. Desse modo, o público local sente-se mais livre e menos tímido para participar das discussões sobre os assuntos de interesse local, quebrando assim as barreiras impostas pela estética e pela normatividade do discurso típicos da grande mídia. Além disso, como destaca Peruzzo 4 Decreto N°1.521 03 de novembro de 2001, Gaceta Oficial N° 37.359 de 8 de janeiro de 2002. IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 (2009), os meios comunitários permitem a divulgação da produção cultural local e servem à educação informal em comunicação. Neste caso, a atuação da comunidade junto ao meio pode chamar a atenção para as questões relativas à liberdade de expressão e ao direito à comunicação. De modo geral, os meios comunitários são canais que fomentam o empoderamento, a estima e o reconhecimento social, como também subsidiam, pelos fatores já citados, a ampliação de direitos. No dizer de Leal (2008), nos espaços legitimamente comunitários a um retorno às premissas da esfera pública enquanto espaço formador de cidadania, de indivíduos politicamente ativos, em busca de modelos societários democráticos, igualitários e emancipatórios ou simplesmente de participação de processo da vida social (LEAL, 2008, p. 102). 2. Os meios comunitários no Brasil Os meios comunitários no Brasil tem suas origens nas Rádio Livres, meios que vão ocupar um espaço no espectro de radiofrequências sem autorização, permissão ou concessão dos órgãos governamentais competentes. A primeira que se tem notícia foi a rádio Paranóica, criada em Vitória, no Espírito Santo, e que entrou no ar em outubro de 1970. Na década seguinte, pequenas rádios foram criadas usando ainda ilegalmente ou extraoficialmente o sistema radioelétrico. De acordo com Peruzzo (2009), é a partir das práticas e da atuação das rádios livres que vão consolidar a ideia de meio comunitário de comunicação. Segundo Leal (2008), a movimento e a disseminação das rádios livres ganharam força no começo dos anos 1980, forçando assim a discussão sobre o processo de autorização para a exploração do serviço de radiodifusão no Brasil, além de questionar a concentração dos meios de comunicação nas mãos de grupos privados restritos. O fim da ditadura militar e a criação de uma Assembleia Nacional Constituinte permitiram que as reivindicações por um sistema democrático de comunicação ganhassem espaço na esfera política. Apesar das discussões, as Rádios Comunitárias só passaram a ser reconhecidas oficialmente em 1998, com a aprovação da Lei 9.612, que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária. O texto legal define o serviço como como “radiodifusão sonora, em frequência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço”. A legislação determina ainda que a prestação do Serviço tem como objetivos: I - dar oportunidade à difusão de ideias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade; II - oferecer mecanismos à for- mação e integração da comunidade, estimulando o lazer, a cultura e o convívio social; III - prestar serviços de utilidade pública, integrando- -se aos serviços de defesa civil, sempre que necessário; IV - contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos jornalistas e radialistas, de conformidade com a legislação profissional vigente; V - permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de expressão da forma mais acessível possível (BRASIL, 1998, s/p). Apesar da sanção do marco legal muitas rádios comunitárias permanecem ilegais, sobretudo devido a “lentidão e/ou distorção no âmbito do governo federal quanto às decisões sobre os processos em andamento solicitando autorização para funcionamento” (PERUZZO, 2009, p. 4). Além disso, ainda que tenha criado formalmente este tipo de serviço, a legislação trouxe uma série de limitações a atuação desses meios, a saber: 1. a potência efetiva máxima deve ser de até 25 watts e a cobertura está limitada a um raio igual ou inferior a mil metros a partir da antena transmissora; 2. antena não superior a 30 metros; 3. a operação das rádios comunitárias não tem direito a proteção contra a interferência causadas por emissoras que prestam qualquer outro serviço de telecomunicações; 3. ficou vedada a publicidade nesses meios; 4 canal único na faixa de frequência para todo país; 5. Impossibilidade de transmitir em rede; e. 6. rigoroso sistema de punição para aquelas que não cumprirem a lei. Isto significa que o sistema legal acaba por restringir e dificultar a prestação deste tipo de serviço. Diversas entidades e movimentos sociais pró-democratização das comunicações tem questionado o sistema de concessões, que sofre forte ingerência política, e reivindicado uma nova lei para p setor (PERUZZO, 2009; LEAL, 2008). Apesar da relevância que esses meios de comunicação tem conquistado na vida das comunidades, no Brasil há um descaso histórico do poder público em relação ao setor, seja perseguindo e dificultando a legalização das rádios comunitárias que ainda não possuem autorização, seja mantendo uma legislação que obstaculiza ainda mais a criação, a atuação e a sobrevivência desses meios, ou não criando ações e políticas de curto e longo prazo que visem fomentar esses meios de comunicação. De acordo com Leal (2008), 2.899 municípios brasileiros, dos 5.562 existentes, não contam com IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 radiodifusoras comunitárias. Contudo, no Ministério das Comunicações existiam naquele período 7.180 requerimentos de entidades que ainda aguardam o início da tramitação do processo (aviso de habilitação). Já as TVs comunitárias passaram a existir oficialmente e sob esta denominação após a sanção da Lei do Cabo (Lei n. 8.977) em 1995 Contudo, assim como as emissoras e rádio, as primeiras produções de caráter comunitário no âmbito da televisão tem seu início na década de 1980, com as experiências de algumas repetidoras educativas, com as TVs de Rua ou as TVs Livres, e ainda com as emissoras clandestinas, que utilizavam sem autorização o espectro VHF para emitir produções de grupos sociais específicos, de modo geral, aqueles que reivindicavam maior liberdade de expressão e o reconhecimento do direito à comunicação. A primeira emissora de TV Comunitária surgiu após cerca de um ano da promulgação da Lei do Cabo, com a criação do Canal Comunitário de Porto Alegre em agosto de 1996. A legislação determinou que as operadoras de TV à Cabo deveriam garantir, em cada localidade de prestação do serviço, oito canais de utilização gratuita. Um deles foi destinados às TVs comunitárias. Desse modo, em cada localidade, entidades não governamentais, sem fins lucrativos e regidas por estatuto próprio podem reivindicar a ocupação do espaço (SOUZA, 2011, p. 37). É importante destacar que devido a fragmentada regulação da tv por assinatura no período, os espaços comunitários só estavam garantidos no serviços prestados por cabo. As demais operadoras que prestavam o serviço por MMDS, DTH ou UHF (TVA) estavam submetidas a outros marcos legais. Em setembro de 2011, com a aprovação da Lei de Serviço de Acesso Condicionado (Lei 12.485), o marco legal foi unificado e o espaço comunitário ficou garantido em todas as operadoras, independente da tecnologia utilizada. Um outro avanço da nova lei para o setor foi a destinação de 10% dos novos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para os conteúdos produzidos para Tvs comunitárias e universitárias. Contudo, o impacto deste recurso ainda não foi sentido. IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 3. As Políticas de Comunicações do Governo Lula e os Meios Comunitários De modo geral, a chegada de Lula ao poder não significou alterações no modelo vigente e na hegemonia no setor. As tentativas do governo de elaborar uma nova regulamentação para as comunicações não foram consolidadas. Em 2004, por pressão da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), o governo tentou criar, por meio do Projeto de Lei 3.985, um Conselho Federal de Jornalistas (CFJ). O intuito era criar uma instituição que fizesse o controle do registro dos profissionais de imprensa. Assim, o controle passaria das mãos do governo para um órgão independente, formado pelos próprios jornalistas. A pressão dos meios de comunicação, que acusaram a medida de dirigismo cultural e de tentar criar mecanismo de censura, fez o governo recuar na proposição e arquivar o Projeto de Lei. A outra tentativa, foi a ideia de criação de uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (ANCINAV), que teria atribuições de definir normas para a regulação da indústria audiovisual do país, incluindo a produção e a difusão de conteúdo em cinema, televisão aberta e fechada, satélite, telefonia celular e outros meios de comunicação. O projeto gerou grandes discussões e mais uma vez as grandes corporações da mídia e do setor cinematográfico acusaram o governo de censura e dirigismo cultural. O governo tentou ainda retomar as discussões acerca da chamada Lei Geral de Comunicação de Massa (LGCEM), que regulamentaria os artigos 221 e 222 da Constituição Federal. Tais artigos referem-se à programação das emissoras de rádio e televisão e da propriedade das empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens, levando em consideração as novas tecnologias. Mais uma vez, a retomada do projeto não avançou e o projeto não foi enviado ao Congresso Nacional. Outras decisões importantes tomadas sobre o setor no governo Lula foram a assinatura do Decreto 5.820, em 26 de junho de 2006, que define o padrão japonês (ISDB) para a TV digital brasileira, e a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criando um sistema público de televisão, em abril de 2008, após a reeleição do presidente. Para Bolaño e Brittos (2007), o processo de digitalização foi articulado de modo que acompanhou a dinâmica de desigualdade da sociedade brasileira, privilegiando mais IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 uma vez, como é historicamente recorrente na constituição do marco regulatório, o diálogo com os capitais privados. Para os autores, “a análise atenta da dinâmica de definição da TV digital terrestre no Brasil indica que o movimento de regulamentação não tem sido concebido de forma ampla, [...] não havendo, ademais, uma mudança substancial com relação à tradição brasileira de não incorporação da sociedade civil na discussão e gestão das mídias” (BOLAÑO; BRITTOS, 2007, p.285). No que concerne à criação de uma televisão pública nacional (TV Brasil), Bolaño e Brittos (2008) acreditam que o fato representa um elemento importante para a democratização da comunicação no país, contudo, afirmam que, para ser um elemento importante nesse sentido, é necessário que ela seja pensada de forma mais ampla daquela tradicional da regulação do sistema no Brasil. De acordo com Bolaño (2007), a lógica das políticas de comunicação no Brasil tem sido a de preservar sempre os interesses dos radiodifusores. Ramos (2007) destaca que a força dos empresários de radiodifusão, sobretudo da Rede Globo, sobre a política e os políticos no Brasil, “decorreu sempre muito mais da falta de um ambiente normativo claro e específico do que das ações de um empresário em particular” (RAMOS, 2007, p. 66). No que diz respeito aos meios comunitários, o governo Lula ampliou a repressão às rádios. No seu primeiro ano de governo, a Polícia Federal bateu recorde de apreensão de emissoras em relação aos cinco anos anteriores (foram realizadas 2.579 apreensões) Já a quantidade geral de rádios comunitárias fechadas pela Anatel, em 2002, foi de 3.200, avançando para 4.412 em 2003, e 862 somente nos primeiros três meses de 2004. No início de 2003, o Ministério das Comunicações criou um grupo de trabalho para revisar os procedimentos de outorgas para o setor. O grupo, que tinha três membros do FNDC, propôs mudanças na política de outorgas do Ministério das Comunicações. Contudo, segundo documento divulgado pelo Fórum, o governo negligenciou todas as propostas apresentadas pela equipe (BOLAÑO, 2007, p. 54). Em 2008, o governo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 4.573/08 que aumenta as possibilidades de repressão sobre esses meios de comunicação, embora tenha sido enviado para atender uma reivindicação dos movimentos sociais. O projeto de lei dispõe sobre as penalidades que incidirão sobre a atividade de radiodifusão IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 comunitária. Segundo o que determina o PL, o exercício dessa atividade sem licença deixa de ser punível com prisão, mas permanece sendo uma ação ilegal tipificada como infração gravíssima, passível de ser multada, apreendida e de ter o processo de autorização suspenso. Além disso, o projeto aumenta as penalidade sobre as rádios comunitárias que representarem perigo às comunicações áreas, de segurança e serviços de saúde, com penalidades de dois a cinco anos de reclusão. Em abril, a Anatel destruiu oito mil toneladas de equipamentos apreendidos em operações de fiscalização a rádios não autorizadas. Cerca de um mês depois, foi destruída 1,5 mil tonelada de material apreendido de 132 rádios que não tinham autorização. De acordo com informações do relatório da subcomissão criada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados para avaliar os processos de outorga de concessões de rádio e TV, a morosidade no processo de legalização das rádios comunitárias chega a 3,6 anos. De acordo com Leal (2008), 2.899 municípios brasileiros, dos 5.562 existentes, não contavam com radiodifusoras comunitárias. Contudo, no Ministério das Comunicações existiam 7.180 requerimentos de entidades que ainda aguardam o início da tramitação do processo (aviso de habilitação). Além disso, de acordo com estudo realizado por Lima e Lopes (2007), demostrou que o Governo Lula deu continuidade a política de facilitação de autorizações para aliados políticos. Analisando os pleitos existentes no Ministério das Comunicações nos anos 2003 e 2004, os pesquisadores verificaram que dos 1.822 processos que não tinham um “padrinho político” somente 146 foram aprovados, o que representa uma taxa de 8,01% de aprovação. Já entre os 1.010 pedidos de autorização que contavam com um “apoio político”, 357 foram deferidos, o que significa uma taxa de sucesso de 35,34%. “Entre 2003 e 2004, os processos de outorga de radiodifusão comunitária apadrinhados por políticos tiveram 4,41 vezes mais chances de serem aprovados do que os que não tinham qualquer tipo de apadrinhamento” (LIMA; LOPES, 2007). No que diz as TVs comunitárias, eles foram um setor marginal e desprezado nas políticas de comunicações do Governo Lula. O único avanço tratou-se do entendimento do Ministério das Comunicações, em 2009, de que as TVs comunitárias poderiam receber verbas de publicidade institucional do governo. Desse modo, de acordo com IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 Souza (2010), o governo passou a fazer aportes entre R$ 3 e 4 mil reais para cada emissora. Contudo, esta representou uma medida isolada, pois durante o período eleitoral as TVs ficam sem os recursos. Mais recentemente, com a aprovação da nova lei da tv por assinatura, o publicidade nesses meios de comunicação foi proibida. 4. As Políticas de Comunicações do Governo Chávez e os Meios Comunitários Para compreender a ampla reestruturação engendrada no setor da radiodifusão por Chávez é indispensável entender o contexto em que o líder chega ao governo. Durante as eleições de 1998, o discurso chavista não agradou os meios de comunicação, ainda que o Programa de Governo para o setor fosse generalista e não previsse tipo algum de reestruturação para o setor. De acordo com Luz Neira (2008), durante a campanha, a maioria dos meios de comunicação venezuelanos se opôs a candidatura de Chávez por meio da sua cobertura e beneficiou o candidato oposicionista, Enrique Salas Romer. Ainda sim, Chávez obteve maioria dos votos. Nos dois primeiros anos do novo governo, não houve mudança estrutural no campo das comunicações. Nesse período, havia uma forte concentração oligopólica dos meios. Em 2004, os principais canais privados controlavam 76,6% da audiência, sendo que somente dois controlavam 67%. Até 2007, 78% das emissoras televisivas em VHF eram privadas, as demais eram públicas/estatais; já na banda UHF, 82% eram privadas, 11% eram compreendidos por TV´s Comunitárias e 7% por emissoras públicas/estatais. Nesse mesmo período, as duas principais emissoras concentravam 85% dos investimentos privados em meios de comunicação e representavam 80% da produção de conteúdos difundidos no país (VENEZUELA, 2007, p 10). Os três primeiro anos de governo foi um período de transição, em que o governo consolidou a fundação de uma V República com a promulgação de uma nova Constituição e ter se confirmado no poder por meio de um novo processo eleitoral que aconteceu 2000. Após este período, Chávez passou a implementar uma política mais coerente com as suas promessas de campanha, realizando reformas estruturais em todos os setores. Tais mudanças desagradaram os setores oposicionistas, vinculados aos partidos de direito e aos setores conservadores. López Maya (2006) explica que, a partir de dezembro de 2001, a luta pela hegemonia entrou em uma nova fase, na qual atores políticos oposicionistas começam a empreender táticas insurrecionais com o objetivo IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 forçar o presidente a deixar o cargo. A velha burguesia aliada ao capital transnacional refutava um Estado com forte capacidade reguladora e intervencionista na vida econômica e social do país. Esses movimentos culminaram com a tentativa de golpe de estado, em 11 de abril de 2002, e com a paralisação petroleira entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003. Os grandes grupos empresariais de rádio e televisão cumpriram um papel definitivo nesses movimentos. A lo largo de la fase, no obstante, los medios privados de comunicación, como sector empresarial particular, que actuó con altos niveles de cohésion entre sí, ejerció una influencia determinante sobre las decisiones y acciones de este polo. Usando su enorme poder mediático, transcendió su rol mediador de información para trastocarse en actor política de decisiva influencia (LÓPES MAYA, 2006, p. 260). Segundo Luz Neira (2008) nos quatro primeiros anos do governo Chávez os meios de comunicação que pertenciam ao Estado estavam deteriorados, sendo que a emissora VTV não chegava nem a metade dos estados venezuelanos. Para a pesquisadora o golpe de 2002 serviu para mostrar como o governo tinha dificuldades para dialogar com os cidadãos e comprovar o desmantelamento desses meios. O governo então adotou uma política de investimentos em meios estatais e comunitários, além de fortalecer o órgão executor de políticas de comunicação. Assim, o marco para um redirecionamento nas políticas de comunicações foi a tentativa de Golpe de Estado. Nesse contexto, é importante salientar que o retorno de Chávez ao poder 48 horas após a tentativa de Golpe deveu-se também a atuação dos meios comunitários. Com as emissoras privadas apoiando o movimento golpista e impossibilitado de utilizar o canal estatal, que foi tirado do ar, os canais comunitários foram os responsáveis por divulgar para a população que o presidente não havia renunciado ao poder, como anunciavam as emissoras privadas, mas que ele tinha sido preso por setores oposicionistas. Desse modo, os setores populares ocuparam as ruas de Caracas e passaram a reivindicar o retorno do presidente. No ano 2000, o governo aprovou a Ley Orgánica de Telecomunicaciones (Lotel), que estabeleceu um novo regime de concessão de canais. Entre o objetivos da Lei está o de “promover e incentivar o exercício do direito das pessoas a estabelecer meios de radiodifusão sonora e televisão aberta e comunitárias de serviço público sem fins lucrativos, para o exercício do direito à comunicação livre e plural” (VENEZUELA, 2000). Em dezembro de 2004, o governo aprovou a Ley de IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 Responsabilidad Social en Rádio y Televisión, que estabelece uma série de parâmetros para qualificar os diversos tipos de programação e os horários em que poderão ser transmitidos os programas, além de estabelecer critérios e iniciativas de fomento à produção independente. O governo tem intensificado também ações no sentido de criar e fortalecer um sistema estatal de televisão. Nos últimos anos, criou cinco emissoras de televisão (TVes, Vive, Asamblea Nacional, Ávila TV e Telesur), além de ampliar os investimentos na estruturação dos canais públicos já existentes, como VTV, Rádio Nacional de Venezuela e no circuito YVKE Mundial. Além disso, o governo tem fomentando o surgimento de rádios comunitárias e a produção nacional independente. Segundo a diretora de Meios Alternativos e Comunitários do Ministério para a Comunicação e a Informação (Minci), Ana Sofia Vilori5, a políticas de comunicação do governo venezuelano tem três principais eixos: 1- fortalecimento da plataforma comunicacional estatal e oficial; 2- desenvolvimento e fortalecimento da estratégia comunicacional do Estado; e 3- promover o equilíbrio e a democratização da comunicação. Nesse último eixo, a principal estratégia tem sido o apoio a construção de um sistema público nacional de Meios Alternativos e Comunitários (MAC), com o intuito de fazer frente a grande concentração dos meios privados, que “têm se mostrado contra o Estado venezuelano e as instituições populares”. Mujica (2009) explica que, depois do golpe de estado de 11 de abril, o Estado redimensionou o papel dos meios alternativos e comunitários, iniciando uma política de conversão nesse campo. Segundo Viloria (2009), há 20 anos atrás existiam no país cerca de 20 meios de comunicação de caráter comunitários, mas que eram ilegais por não existia no país uma legislação que os reconhecesse. Com a aprovação da Lei de Telecomunicações, em 2000, e do Regulamento de Radiodifusão Sonora e TV Aberta Comunitária de Serviço Público, sem fins lucrativos, em 20016, o Estado passou a reconhecer e a apoiar esses meios. Até maio de 2009, havia no país 244 rádios e 47 TV´s comunitárias cadastrados no Conatel, além de cerca de 360 periódicos impressos e 117 em formato digital. Alguns membros da oposição afirmam que o Ministério e a Conatel beneficiam as associações que apóiam o governo e que a proposta é ideologizar 5 6 Entrevista realizada em 6 de maio de 2009 no sede do Minci. Decreto N°1.521 03 de novembro de 2001, Gaceta Oficial N° 37.359 de 8 de janeiro de 2002. IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 esses meios. Quando questionada sobre as críticas, Viloria afirma que nem se quisesse o governo conseguiria ter o controle das rádios comunitárias. Ela explica que a estratégia do governo é apoiar e acompanhar essas iniciativas, por meio de capacitação, doações do aparato tecnológico e proporcionando a articulação entre os meios comunitários. Entre maio de 2002 e abril de 2006 foram habilitados 193 meios nesse setor, sendo que 198 deles receberam investimentos públicos na ordem de 108 milhões de bolívares (MUJICA, 2009, p. 20). Tipo de propiedad de televisoras 60% 55,38% (72) 50% 36,15% (47) 40% 30% 20% 5,38% (7) 10% 0% 2,31% (3) 0,77% (1) Total de canales Total televisoras Total de canales Total de canales Total canales de privados comunitarias del Estado de la iglesia la universidad Fuente: Guia de radio y televisión, CONATEL 2008 Gráfico 1: Tipo de propriedade de emissoras de TV Fonte: CONATEL (2008). Guia de radio y televisión. Distribución de emisoras radiales en Venezuela 50% 45% 40% 35% 30% 39,4% (265) 35,0% (235) 24,4% (164) 25% 20% 15% 10% 5% 0% 0,6% (4) Emisoras privadas FM Radio comunitarias Emisoras privadas AM YVKE 0,6% (4) RCN Fuente: CONATEL 2008 Gráfico 2: Distribuição de emissoras de rádio na Venezuela Fonte: CONATEL (2008) IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 O Regulamento de Radiodifusão Comunitária define esse tipo de serviço como meio de comunicação que permite alcançar a comunicação livre e plural dos indivíduos e das comunidades (art. 9 e 10). Diferente do Brasil, o conceito de comunidade é entendido como o conjunto de pessoas que vivem numa mesma localidade e que a Conatel reconheça como sendo vinculado pelo contexto social comum, características históricas, geográficas, culturais e tradicionais. Ou seja, ainda que reconheça os laços sociais como valor central da definição de comunidade, fica outorgada a Conatel a prerrogativa de reconhecer ou não essas características. Além disso, a decisão final sobre a concessão é, segundo o artigo 35 do regulamento, do Ministro de Habitação e Obras Públicas, que analisa o processo de requisição de acordo com o estabelecido na lei, não existindo formas de controle público sobre o processo. Para obter uma concessão de meio comunitário é necessário formar uma fundação “democrática e plural”. O financiamento é feito por recursos estatais, patrocínio cultural e por publicidade comercial de pequenas e médias empresas da localidade ou de empresas de outra localidade, não excedendo, nesse caso, metade do tempo destinado para esse fim, que é de cinco minutos a cada hora de programação. Obrigatoriamente a emissora deve ter uma programação de, no mínimo, seis horas, sendo 70% produzida na comunidade. Essa determinação, de acordo com Kenia Useche, estudante de arquitetura e uma das coordenadoras do canal comunitário “TV Z”7, dificulta o trabalho do canal porque nem sempre se dispõe de recursos para produzir o tempo necessário, já que nem sempre há publicidade comercial. A estudante explica que a emissora começou suas atividades em 2002, e teve como marco definidor para a criação tentativa de golpe de estado de 11 de abril, quando a população ficou sem informações sobre o que teria acontecido com o presidente da república. A emissora iniciou as atividades em 2002, mas só ganhou a habilitação em 2006. O subsídio do governo foi fundamental para aquisição do aparato tecnológico, contudo, de acordo com ela, não existe uma política de financiamento sustentável dos canais, uma vez que os recursos estatais são vinculados a projetos por períodos determinados. A humilde sede da emissora, que possui cerca de 32 metros quadrados, 7 Está vinculada a comunidade “Buena Vista”, da cidade de Maracaibo, Zulia. Entrevista realizada na sede da emissora no dia 2 de maio de 2009. IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 era a antiga casa da estudante e foi doada a comunidade em 2003 por sua mãe, Rosana Rodríguez. 5. Conclusões Se por um lado a chegada do governo Lula representou o avanço de políticas sociais, com maior redistribuição de renda, no âmbito das políticas de comunicações a gestão do ex-presidente não representou mudanças no setor. Todas as tentativas de colocar em prática estratégias que representariam mudanças no setor foram barradas pelo lobby das emissoras privadas, historicamente comandado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Já no setor da radiodifusão comunitária, o período foi marcado por retrocesso, com a ampliação da repressão às rádios comunitárias. Já na Venezuela, as tentativas da oposição, com o uso intensivo dos meios de comunicação privados, para destituir Chávez do poder representaram o marco histórico para que o governo passasse a formular novas políticas de comunicação e um novo modo de regulação para o setor. Assim, o Executivo construiu uma nova e detalhada legislação, além de investir na estrutura e na ampliação dos meios de comunicação estatais, e fomentar o surgimento de emissoras comunitárias e a produção nacional independente. A supremacia dos partidos governistas no Legislativo desde o ano 2000 tem sido essencial para a consolidação do novo modelo. As medidas adotas no governo Chávez alteraram substancialmente o antigo cenário midiático do país. O fomento da radiodifusão comunitária e da produção nacional independente possibilitou que a população pudesse emitir suas opiniões e idéias, gerando, em certa medida, um cenário de maior pluralidade e diversidade, além de incentivar a participação da população na vida política do país. Contudo, as políticas de comunicação e novo marco regulatório gestado fortalecem o Executivo como ente administrativo que detém todo o poder sobre as comunicações. Os mecanismos de controle social da mídia são limitados e dependem do voluntarismo do governo. Críticos do governo acusam-no de beneficiar politicamente os meios comunitários pró-Chávez, argumento que é fortalecido pelos escassos mecanismos de transparência pública. IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012 REFERÊNCIAS BOLAÑO, César. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? 1 ed. São Paulo: Paulus, 2007. ______; BRITTOS, Valério. 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