Monografia Jurídica, 2013
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Monografia Jurídica, 2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO MONOGRAFIA JURÍDICA PROJETO DE LEI 3.500/2008: A COBRANÇA POR EXECUÇÃO FISCAL DAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO CRÉDITO RURAL ORIENTANDA: LARA CARNEIRO COSTA ORIENTADORA: PROFª. TATIANA SANTANA CUNHA GOIÂNIA 2013 ORIENTANDA: LARA CARNEIRO COSTA PROJETO DE LEI 3.500/2008: A COBRANÇA POR EXECUÇÃO FISCAL DAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO CRÉDITO RURAL Monografia Jurídica apresentada à disciplina de Trabalho de Curso II, do Departamento de Ciências Jurídicas, curso de bacharel em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC– GOIÁS Orientadora: Cunha GOIÂNIA 2013 Prof.ª Tatiana Santana LARA CARNEIRO COSTA PROJETO DE LEI 3.500/2008: A COBRANÇA POR EXECUÇÃO FISCAL DAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO CRÉDITO RURAL Data da Defesa: ___ de _____________ de 2013 BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________ Orientadora: Prof.ª Tatiana Santana Cunha nota: ______________________________________________________________ Examinadora Convidada: Prof.ª Maria Cecília Gonçalves Kayal nota: Aos meus pais, Carla Maria Santos Carneiro e João Domingos da Costa Filho, e aos meus irmãos, Thaís Carneiro Costa e Leandro Marmo Carneiro Costa, dedico este trabalho na esperança de poder merecer o sentimento de orgulho pelo esforço alcançado. 5 À Deus, por permitir a jornada de estudos. À Professora Tatiana Santana Cunha, pela experiência paciência e dedicação, fatores essenciais que motivaram a conclusão do trabalho e que sem eles, não conseguiria chegar ao fim. A todos aqueles que, de uma ou outra forma, caminharam comigo, transmitindo-me serenidade e concedendo-me o apoio da amizade, imprescindível no convívio acadêmico. 6 RESUMO O presente estudo pretende fazer um apontamento crítico da cessão de crédito das dívidas rurais, das instituições financeiras para a União, autorizadas pela Medida Provisória n. 2.196-3, de 2001. A transferência é entendida por muitos, como fator de transformação da natureza do crédito, alterando seu prazo prescricional e sua forma de cobrança que se tornou mais rígida. Esta, por sua vez, é o foco da análise desta monografia, posto existir o Projeto de Lei n. 3.500/2008, que visa coibir esta prática, regulamentando sua cobrança exclusivamente por execução civil. Dentro dessa perspectiva de análise, este estudo procurou analisar os julgados pertinentes ao tema, mostrando as divergências, e o entendimento. Com essas informações, observou-se que apesar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter sedimentado o entendimento quanto à possibilidade de utilizar a execução fiscal, há perspectiva da alteração do cenário jurídico com a aprovação do Projeto de Lei. Palavras-chave: Crédito rural. Execução fiscal. Cessão de crédito. 7 ABSTRACT This study aims to make an appointment critic of credit assignment of debts rural financial institutions for the Union, authorized by Provisional. 2196-3, 2001. The transfer is seen by many as a factor in changing the nature of credit, changing its statute of limitations and its way of collecting that has become more rigid. This, in turn, is the focus of analysis in this thesis, since there is a Bill no. 3.500/2008, which aims to curb this practice, regulating its collection exclusively for civil enforcement. Within this framework of analysis, this study sought to observe the trial relevant to the topic, showing divergences of understanding that have been spoken and exposing the prevailing understanding current. With this information, it was observed that despite being the orientation of the Superior Court of Justice (STJ) and the possibility of using tax enforcement, no prospect of changing the legal scene with the adoption of the Draft Law. Keywords: Rural credit. Tax enforcement. Credit assignment. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.........................................................................................8 CAPÍTULO I - HISTÓRICO.....................................................................10 1.1 BREVE ANÁLISE DO CRÉDITO RURAL NO BRASIL...................................10 1.2 DA ORIGEM DO CRÉDITO EXIGIDO PELA UNIÃO NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO FISCAL.......................................................................................13 CAPÍTULO II – DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL...................................................19 2.1 DA MEDIA PROVISÓRIA N. 2.196-3 – AUTORIZAÇÃO PARA CESSÃO DO CRÉDITO...................................................................................................................19 2.2 DA ALTERAÇÃO DA NATUREZA DO CRÉDITO...............................................20 2.3 DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA)...............................21 2.4 DA ALTERAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL...............................................24 CAPÍTULO III – DA EXECUÇÃO FISCAL DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL E O PROJETO DE LEI N. 3.200/2008: ASPECTOS POLÊMICOS.............................................27 3.1 DO EQUIVOCADO ENTENDIMENTO PACIFICADO PELOS TRIBUNAIS.........27 3.2 DO PROJETO DE LEI N. 3.200/2008..................................................................33 CONCLUSÃO.........................................................................................37 REFERÊNCIAS......................................................................................38 ANEXOS.............................................................................................. 9 INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é analisar o posicionamento dos Tribunais e o Projeto de Lei n. 3.500/2008, quanto à cobrança por via de execução fiscal, dos créditos rurais oriundos da cessão de crédito dos bancos para a União. O crédito rural foi implantado com o objetivo de apoiar as práticas agrícolas, quer servem com base da economia brasileira. Como pioneira e principal instituição, destaca-se o Banco do Brasil, que teve prioridade na permissão para disponibilizar este crédito. Esses financiamentos foram feitos por meio de cédulas de produtor rural, título de crédito utilizado pelos bancos para liberar os valores aos agropecuaristas, regida por leis especiais, e passíveis de cobrança por execução cível. Na década de 90, as crises financeiras e a quebra de safra, aumentaram o inadimplemento entre os agropecuaristas, fazendo com que o governo intervisse na economia. Para tanto, foi feita uma renegociação do crédito. Esse processo que foi chamado de Securitização alongou as dívidas em até 20 anos. Posteriormente, foi editada a Medida Provisória n. N. 2.196-3 que autorizou a cessão de crédito dos bancos, para a União. Desta forma, os bancos não teriam que arcar com o custo do não pagamento das dívidas, e as mesmas foram inscritas como dívida ativa da União. A partir desse momento, a relação que até então era entre particulares, adotou status de uma dívida não tributária, em alguns casos com o prazo prescricional alterado, e tendo agora, maior rigidez na sua forma de cobrança. 10 Causando prejuízos e dificultando a resolução dos contratos por parte dos devedores. E assim, como uma possível solução para o caso, o projeto de Lei 3.500/2008, apresentado com o intuito de alterar a Lei 6.830, deixando claro, a impossibilidade de se utilizar a execução fiscal, para o recebimento do crédito rural. Com base na descrição do tema, pretende-se realizar uma abordagem legal, doutrinária e jurisprudencial, apontando a problemática que envolve a utilização da execução fiscal para a cobrança desses créditos. 11 CAPÍTULO I – HISTÓRICO 1.1 – BREVE ANÁLISE DO CRÉDITO RURAL NO BRASIL Desde os tempos mais remotos, a atividade agrária é utilizada como meio de subsistência de muitas famílias. Aqueles que conseguem se desenvolver tornam-se grandes produtores que, além de custearem a sobrevivência, aquecem a economia. Ocorre que para iniciar este desenvolvimento foi necessário investimento do governo, disponibilizando linhas especiais de crédito para alavancar a produção. O crédito rural é um financiamento destinado a produtores, cooperativas ou associações de produtores rurais. Seu objetivo é estimular os investimentos e ajudar no custeio da produção e comercialização de produtos agropecuários. Antes da instituição da Reforma Agrária pelo Estatuto da Terra (BRASIL, 1964), não existia previsão de títulos de crédito rurais, todas as operações negociais e creditícias eram realizadas na forma do Código Civil de 1916 e o Código Comercial de 1850. O Estatuto da Terra cuidou em definir o que chamou de Política Agrária, conforme consta no parágrafo 2º do art. 1º, com a seguinte redação: Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do País (BRASIL, 1964). A política agrária é caracterizada fundamentalmente por princípios, planejados e executados pelo Poder Público tendo em vista o interesse social, como afirma Benedito Ferreira Marques (Direito Agrário Brasileiro, 2001, p.153), sobre o crédito rural: 12 Tão importante é a sua função, que se pode dizer, sem receios da crítica especializada, que ele está para a política agrícola, como a Função Social está para o Direito Agrário. [...] (...) Isso significa que a política agrária é atribuição do Poder Público, ao qual compete planejar o futuro no setor agropecuário, propiciando ao produtor o crédito suficiente e oportuno. O renomado doutrinador acima citado, Benedito Ferreira Marques, aduz ainda que sem o crédito rural não se pode falar em assistência técnica ou outras ferramentas para o produtor rural, já que “tudo gira em volta do crédito rural”. Sendo assim, vê-se o caráter essencial desse instituto para o desenvolvimento das atividades no campo (MARQUES, 2001). O marco inicial do crédito rural se deu com a Lei n. 454 de 1937, que autorizou o Poder Executivo a conceder ao Banco do Brasil a permissão para prestar assistência financeira à agricultura, à criação e às indústrias. O doutrinador Benedito Ferreira Marques assim prossegue dispondo que: A alvissareira “Lei institucionalizadora do Crédito Rural”, que se constitui num marco histórico para essa linha especializada de crédito. Não se pode abstrair o papel que desempenharam várias leis editadas ao longo do tempo, destacando- se a Lei. 492 de 30 de agosto de 1937, que deu nova regulamentação ao Penhor Rural, e o Decreto n. 22. 626 de 7 de abril de 1933 (Lei de Usura), que fixou a taxa de juros para 6% a.a, nos empréstimos de natureza agrícola. Também não se pode olvidar o papel conscientizador desempenhado pela MOVEC (Unidade de Crédito Móvel) concebida pelo Governo Jânio Quadros, (...) programa que atingiu as camadas mais distantes do País. O que causou imenso prejuízo, visto que os empréstimos eram feitos sem burocracia e levados os recursos a produtores que não dispunham de conhecimento (MARQUES, 2001,p. 44) Logo após o Estatuto da Terra, surgiu o Sistema Nacional de Crédito criado pela Lei n. 4.595, de 1964 e pela Lei n. 4.829, de 1965 (BRASIL, 1965) que institucionalizou o crédito rural. Posteriormente, foram instituídas outras leis e decretos regulamentando o financiamento de crédito rural. No dia14 de fevereiro de 1967, com o Decreto n. 167, foram criados e normatizados os títulos de crédito rural, por meio dos quais seriam constituídos os créditos e as garantias inerentes a essa modalidade de financiamento (BRASIL, 1967). De acordo com art. 3º da Lei 4.829, de 1965: Art. 3º São objetivos específicos do crédito rural: I - estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos 13 agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural; II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários; III - possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; IV - incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo (BRASIL, 1965). Sobre a disponibilização deste crédito, o Governo Federal assim divulgou no site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: Ano a ano, o governo Federal tem alocado cada vez mais recursos para o crédito rural. A maior parte do dinheiro destina-se a créditos de custeio para cobrir os gastos rotineiros com as atividades no campo. Esse dinheiro é tomado diretamente nos bancos ou por meio das cooperativas de crédito (BRASIL, 2012). Toma–se conhecimento então, dos investimentos e da mobilização do Estado na tentativa de estimular a produção rural, disponibilizando crédito para produtores que, em sua grande maioria, não possuía discernimento econômico a altura para lidar com tamanhas atividades financeiras e todo conhecimento que isso requeria. Nesse sentido, Gonçalves Neto (2002, p.40): (...) de 1960 a 1966 o crescimento dos recursos destinados ao financiamento agrícola foi moderado. A partir de 1967, isto é, após a institucionalização do crédito e com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), o aumento é acelerado. De 1967 a 75 o aumento ocorre de maneira constante e em percentuais muito altos. Os dois anos seguintes assinalaram índices de crescimento bastante baixos em relação ao período anterior, entretanto, ainda resultam em saldos positivos. Já os três últimos anos da década diferem do restante, pois são afetados pela crise econômica vivenciada pelo país, culminando num crescimento negativo dos saldos reais. Observa-se, assim, que o crédito rural foi fundamental no desenvolvimento da atividade agropecuária, agrícola e no crescimento da economia nacional. E isso só foi possível graças à elaboração de normas e à implementação de políticas públicas que permitiam o livre desenvolvimento do instituto. Isto posto, após tamanha liberação de valores vieram os declínios e as irregularidades no processo. Os autores Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino (Contratos de Crédito Bancário e de Crédito Rural, 2010, p.25), discorrem sobre o assunto: Porém, mesmo com todas as leis citadas, inspiradas em preceitos sociais e em benefício dos produtores rurais tomadores dos empréstimos, a aplicação e a 14 concessão dos recursos do crédito rural foram desvirtuadas ao longo dos anos em benefício do Sistema Financeiro Nacional – o que ocorre novamente na atualidade, com a cessão dos créditos para a União Federal. De fato, as ilegalidades praticadas foram inúmeras e geraram consequências desastrosas para a agricultura nacional. Conforme exposto, diante de toda a importância do crédito para o produtor rural, assim como de todas as crises já enfrentadas por estes trabalhadores, eis que surge uma situação relativamente nova e prejudicial aos produtores rurais, além de tudo, tutelado pelo judiciário, que é a cessão à União das dívidas rurais, de natureza eminentemente civil, transformando-se em dívidas fiscais, e cobrados através de execuções fiscais, através de procedimentos administrativos abusivos, escusos e ilegais. Assim, aquele crédito originado de normas elaboradas para maior beneficiamento do ruralista, teve seus objetivos desviados, causando-lhes, em verdade, enormes prejuízos. 1.2 – DA ORIGEM DO CRÉDITO EXIGIDO PELA UNIÃO DAS AÇÕES DE EXECUÇÃO FISCAL (DE DÍVIDAS AGRÍCOLAS) Ao permitir o aumento do crédito rural ofertado, o Governo Federal e as instituições bancárias não se preocuparam com a educação financeira dos adquirentes, nem com a administração dos riscos como a perda de safras e outros fatores que poderiam auxiliá-los na utilização do montante disponibilizado. Desta forma, com sucessivas perdas das safras, ocorreu o aumento da inadimplência, com elevado nível de endividamento e no estágio que o país se encontrava, no começo da década de 90, requeria a ação governamental para sua estabilização. O momento vivido àquela época é retratado por André Dressano Silvestrini (2010, p.7), quando mostra a ausência de alternativas para os produtores rurais e as primeiras soluções apontadas: No começo da década de 90, produtores rurais estavam endividados e não conseguiriam pagar seus financiamentos se não tivesse havido a renegociação desses débitos, a denominada securitização de dívidas rurais. O Banco do Brasil tinha impactos negativos nos seus resultados ocasionados pela inadimplência dos produtores, principalmente por ser a instituição mais importante em termos de crédito rural. Após um longo processo de negociações, foi aprovada a Lei n. 9.138, de 1995, que deu início à denominada securitização das dívidas. A partir da interpretação das leis sobre a securitização e da análise dos dados contidos nos relatórios 15 contábeis-financeiros do Banco do Brasil, fez-se uma análise detalhada sobre o comportamento econômico-financeiro dessa instituição e constatouse que a securitização foi essencial para o banco reverter seus prejuízos em lucros. O endividamento tornou-se então, assunto de preocupação para o Governo, que começou então, a tomar algumas medidas. Sobre o assunto, Del Grossi, Graziano da Silva e Del Potro (2008, p.2) relatam que: A situação era de tal gravidade que motivou, em 1993, a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) “destinada a investigar as causas do endividamento do setor agrícola, o elevado custo dos seus financiamentos e as condições de importação de alimentos nos exercícios de 1990 a 1993”. Em seu relatório final a comissão destacava que: “A situação de endividamento é grave e toma contornos sociais tão sérios que passa a preocupar a sociedade pelos seus reflexos em futuro imediato. Não há como fechar os olhos para esta realidade expressa pelas legiões dos produtores que são compelidos a transferirem-se da agricultura para o meio urbano, acelerando o êxodo rural, registrado com menor intensidade em outros países adiantados”. Assim, tornando-se fato público e notório, a “quebra das safras”, após a criação da CPMI, foi aprovada a Lei 9.138, em 29 de novembro de 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, que adotou duas medidas como forma de solucionar o inadimplemento: a securitização das dívidas agrícolas e o Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA). A securitização é uma prática financeira que consiste em agrupar passivos financeiros convertendo-os em títulos para o mercado de capitais, tendo a vantagem do risco de perda ser transferido para o investidor e ter o portfólio ilíquido transformando para líquido. Entretanto, a securitização em comento, diz respeito ao alongamento de dívidas advindas do crédito rural. Sobre o instituto da securitização, no sentido literal da palavra, aduz Luiz Ferreira Xavier Borges (Securitização como parte da Segregação de Risco, 1999, p.256): A securitização é o termo utilizado para identificar aquelas operações em que o valor mobiliário emitido, de alguma forma, está lastreado ou vinculado a um direito de crédito, também denominado de direito creditório ou simplesmente recebível. Uma receita, que é uma expectativa de resultado, torna-se um recebível quando surge uma relação jurídica que lhe dê respaldo, originada de um contrato ou de um título de crédito. Os produtores que outrora se viam com enormes possibilidades de crescimento, pela quantidade de crédito disponibilizada e possíveis regalias, 16 entraram em declínio de forma geral. Com o descumprimento de suas obrigações, já que não conseguiam quitar os inúmeros débitos que aumentavam a cada dia devido aos encargos financeiros exorbitantes, qualquer solução que lhes fosse apresentada, teria grandes chances de ser aceita. A necessidade de estabilidade e crescimento econômico foi justificativa para o governo naquele momento, considerando também o imenso incômodo que se instaurava nos bancos, por terem que executar cada um dos seus devedores. As medidas propostas se davam com as seguintes condições: a securitização para as dívidas de valores em contrato originalmente menores de R$ 200.000,00 (Duzentos Mil Reais) por CPF e o PESA para dívidas de valores em contrato originalmente maiores de R$ 200.000,00 (Duzentos Mil Reais). Estas medidas não visavam a transformação do capital em títulos de mercados capitais, logo, o que se percebe é que não houve uma real securitização, tão pouco existiu uma verdadeira ajuda aos produtores, mas sim somente um alongamento das dívidas. Desta forma, posiciona André Dressano Silvestrini (2010, p. 96): Mesmo prevendo alguma espécie de comercialização no mercado financeiro, esses títulos ficaram sob custódia do Tesouro Nacional, colocando essa securitização apenas como uma renegociação com três agentes: o Estado, as instituições financeiras e os produtores rurais. Após a conclusão do processo de securitização, as negociações ocorreram somente entre o Tesouro Nacional e as instituições financeiras, descartando qualquer possibilidade de negociabilidade dos títulos que deram garantia àquela renegociação. Infere-se que a securitização, assim como a extinta conta-movimento, foram dois artifícios que ajudaram o Banco do Brasil a atravessar diversos momentos de dificuldade financeira. Os índices utilizados mostraram o impacto que a securitização teve sobre os resultados trimestrais e anuais do Banco do Brasil, ressaltando o quanto ela foi importante para a sua recuperação econômica. No entanto, não se trata de uma solução definitiva nem para o banco nem para produtores rurais, tratando-se apenas de uma etapa da renegociação de dívidas. Em sua tese de mestrado, André Dressano Silvestrini (2010, p.96), demonstrou a evolução da securitização, mostrando o desvio de finalidade ocorrido: Em síntese, esta operação corresponde a uma compra de títulos do Tesouro Nacional por parte dos mutuários do crédito agrícola, ativos estes próprios a satisfazerem o principal dessa dívida junto à instituição financeira, ficando o mutuário com a obrigação de pagamento dos juros acessórios durante a vigência da renegociação (20 anos). [...] 17 Apesar de ter envolvido a compra de títulos, essa securitização foi apenas um alongamento das dívidas rurais. Para ter acontecido em sua forma completa, deveria ter ocorrido a comercialização dos títulos no mercado financeiro, fato que não se concretizou, até porque não haveria interesse comercial em adquirir títulos com poucas garantias de recebimento. Ocorre que através de medidas emergenciais de solução, resolveramse os problemas das instituições financeiras sem, contudo, atingir seu objetivo final, que era a ajuda aos produtores. As renegociações/securitização em que se dará ênfase são aquelas transmitidas do Banco do Brasil para União, que atualmente são cobradas por meio de execuções fiscais, consoante explicam os autores Del Grossi, Graziano da Silva e Del Potro (2008, p. 176): Cabe destacar que, nas últimas renegociações da Securitização (2001e 2002), o risco das dívidas agrícolas passou para o Tesouro Nacional, sendo doravante tratadas como dívidas públicas e, portanto, não obedecendo às normas do Manual de Crédito Rural. Dessa forma, os inadimplentes passaram a obedecer aos trâmites normais de cobrança de dívidas públicas, por meio da atuação da PGFN, o que possibilita a inclusão do débito junto à Dívida Ativa da União e até ao Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (CADIN). Esse procedimento deu-se a partir de Medida Provisória nº 2.196/2001, a qual desonerou o Banco do Brasil do risco operacional das operações securitizadas e cedeu à União as operações contratadas na forma da Lei nº 9.138/1995. Os autores Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino (2010, p.27) também demonstram a realidade das renegociações com o acúmulo de taxas e outras condições que a tornaram extremamente onerosas: É importante notar que, conforme a disposição anterior, os devedores cujos débitos excederam o teto fixado foram obrigados a renegociar toda a dívida, sob pena de não poderem fazer sequer o alongamento do quantum inferior ao limite (R$ 220.000,00). Ora, a (re) negociação, portanto, tornou-se compulsória. O mais desastroso, porém, é que, os termos do alongamento do valor excedente eram livres, vale dizer, não havia previsão específica das taxas, prazos, índices e fórmulas de cálculos utilizados. Com isso, ficou fácil para os agentes financeiros exigir e cobrar encargos acessórios e taxas que “compensassem” eventuais perdas que seriam sofridas com o alongamento dos débitos inferiores ao teto da resolução. O maior gravame, se assim pode ser chamado, neste processo, se deu com a finalização, momento pelo qual o banco, conforme o art. 1º da Resolução n, 2.433, de 1997, deveria apresentar, imediatamente após a solicitação do produtor, todos os contratos desde as operações originais. 18 Os juristas Ezequiel de Morais e Diogo Bernardino (2010, p.26) pontuam que havia a necessidade da clareza das informações, como a apresentação do saldo devedor, que seriam essenciais para a licitude das operações realizadas, todavia, mesmo sendo exigidas por lei, não ocorreram: Vale ressaltar que, para garantir a lisura dos cálculos, exigiu-se que a dívida fosse apurada desde a operação original. Afinal, muitas vezes o débito apontado pelas instituições financeiras já estava “inchado” desde o primeiro contrato; e o que é pior: pretensamente ratificado, legitimado por meio de instrumentos unilateralmente confeccionados pelas instituições financeiras nos quais o produtor era obrigado a “confessar a dívida” (mediante a emissão de escrituras públicas) ou “aditar” as cédulas ou pactos originais sem possibilidade de discussão do valor devido. Essas operações são conhecidas como “mata-mata” ou composições de cálculo e tratam da simulação de um financiamento que não liberava o dinheiro ao produtor, apenas utilizava os recursos para quitar débitos anteriores. Os autores Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino (2010, p.28) pontuam a necessidade da clareza de informação, como a apresentação do saldo devedor, essencial para a licitude das operações realizadas que, mesmo sendo exigidas por lei, não ocorreram: Recorda-se que, tanto no que tange às dívidas alongadas na “Seção I” quanto na renegociação da “Seção II” (PESA), a apuração do saldo devedor deveria (frisamos: deveria!) ser realizada de forma transparente e de maneira a possibilitar ao devedor a exata compreensão e a prévia impugnação dos valores debitados a títulos de juros, taxas exigidas, acessórios cobrados. Ocorre que a apresentação do saldo devedor nunca foi efetivada pelas instituições financeiras, fazendo com que os produtores, no caso, devedores, não tivessem sequer conhecimento da descrição da dívida que teriam que pagar. Em resumo, Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino (2010, p.29) dizem: Em suma, a Lei de Securitização e o PESA foram meros paliativos. As dívidas do crédito rural não diminuíram; pelo contrário, aumentaram. Aumentaram muito! As estatísticas mostram que os bancos aproveitaram a necessidade premente do ruralista para inserir nas prorrogações valores indevidos e abusivos. Com isso, legitimaram créditos que, muitas vezes, não possuem respaldo legal. Contudo, não se pode negar que a produção também teve o seu crescimento e o governo federal, aproveitando tal fato, divulga, todos os anos, que as safras são recordes; porém “esquece” de dizer a qual custo. 19 Destarte, o alongamento das dívidas que obtinha a função principal em ajudar os produtores endividados, foi ponto de colaboração somente para o Banco que teve o seu crédito ressarcido pela União. 20 CAPÍTULO II – DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL 2. 1 – DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.196-3 – AUTORIZAÇÃO PARA CESSÃO DO CRÉDITO A Medida Provisória é um ato pessoal do Presidente da República que, conforme o art. 62 da Carta Magna deverá ser utilizada em casos de relevância e urgência, terá força de lei e será apresentada de imediato ao Congresso Nacional. A Medida Provisória n. 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, tratando do “Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais”, autorizou a cessão dos créditos das instituições financeiras para a União. Ocorre que esta matéria – sistema financeiro nacional – é matéria específica de Lei complementar, como aduz o art. 192 da CF, não podendo ser alvo de Medida Provisória: Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. As irregularidades existentes começam então pela violação do princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88), por ter havido indiscutível ilegalidade de iniciativa do Poder Executivo em matéria que só competia ao Congresso Nacional. Havendo neste caso patente inconstitucionalidade de forma. Outro princípio confrontado foi o princípio da ilegibilidade de atribuições, já que a matéria em comenta não é passível de regulamentação por Medida Provisória. Da mesma forma também o art. 48, IV, XIII da CF/88 diz que: 21 Art. 48 - Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações. Não sendo compatível, portanto, a edição desta Medida Provisória para tratar assuntos de Lei Complementar. Em um segundo momento, nota-se que não estavam presentes os dois requisitos essenciais para a sua formação, quais sejam, a relevância e urgência. Destacando-se ai uma das irregularidades neste ato. Posto que existiam outras formas de se resolver a situação que não infringissem normas e princípios. 2.2 – DA ALTERAÇÃO DA NATUREZA DO CRÉDITO A cédula de crédito rural é um título de crédito destinado a instrumentalizar o financiamento de atividades agrícolas e pecuárias. Constitui-se em uma promessa de pagamento em dinheiro, com garantia por hipoteca, penhor ou alienação fiduciária e são firmadas por pessoas de direito privado e regidas por normas especiais, como o Decreto-Lei n. 167/67, de 14 de fevereiro de 1967 e a Lei Uniforme de Genebra. Este foi o título de crédito utilizado para o financiamento dos produtores rurais com os bancos. Esses títulos posteriormente foram cedidos para a União, a qual por sua vez os inscreveu na dívida ativa, em Certidões de Dívida Ativa submetidas a Lei 9.830. Assim, com a aquisição do crédito pela União, a mudança de sua titularidade alterou de forma considerável as bases do contrato de cédula de crédito rural contida na Lei nº 4.829/65. A Certidão de Dívida Ativa (CDA) não possui e nem leva em consideração os requisitos inerentes ao título de crédito rural, apenas visa proceder a execução, tendo limitado alguns direitos dos produtores, e imposto novos encargos. Ignorando assim, o art. 5. XXXVI da Constituição Federal, onde diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Entretanto, mesmo com a cessão de crédito, a obrigação deveria ser a mesma, estando presentes os mesmos acessórios que haviam sido pactuados. 22 O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves assim explica sobre a cessão de crédito (2012, p.218): Cessão de crédito é negócio jurídico bilateral, pela qual o credor transfere a outrem seus direitos na relação obrigacional. [...] A cessão de crédito distingue-se, também, da novação subjetiva ativa, porque nesta, além da substituição do credor, ocorre a extinção da obrigação anterior, substituída por novo crédito. Naquela, porém subsiste o crédito primitivo, que é transmitido ao cessionário, com todos os seus acessórios (CC, art. 287), inexistindo o animus novandi. Desta forma, o contrato firmado inicialmente entre particulares se transformou, adquirindo novo formato, com nova forma de cobrança e diferentes peculiaridades. Foi enquadrada, como dívida não tributária. Contudo, para que fosse englobada neste conceito, seria necessário que a obrigação fosse referente ao Direito Público, o que não é o caso. Neste contexto, Ezequiel de Moraes e Diogo Bernardino: As dívidas não – tributárias devem ser entendidas como aquelas que decorrem de relações jurídicas referentes ao Direito Público, assim entendidos apenas os débitos oriundos de contratos administrativos firmados pela administração ou das penalidades aplicadas em razão do exercício do poder de polícia que lhe é conferido. O uso dos privilégios inerentes ao Direito Público, pela Fazenda Pública, somente deve ser autorizado quando ela atua a favor do interesse da coletividade, e não quando a natureza da relação é estritamente particular. Por fim, é evidente a inadequação da via eleita pela União ao cobrar crédito oriundo de dívida rural por meio de execução fiscal (MORAES; BERNADINO, 2010,p.44). Sendo assim, mesmo havendo alteração da titularidade do crédito, não poderia para tanto, alterar sua natureza civil, muito menos sendo considerada dívida não tributária, já que não provém de relação jurídica entre particular e o poder público. 2.3 – DA FORMAÇÃO DA CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA (CDA) De acordo com a Lei de Execuções Fiscais, a Certidão de Dívida Ativa (CDA) abrange todas as receitas da Fazenda Pública, sendo elas de natureza tributária ou não. 23 A certeza da existência da liquidez e do objeto da obrigação são elementos que acompanham a CDA. Entretanto, a mesma encontra-se eivada de vícios, como o erro, ignorância em relação ao desconhecimento dos procedimentos tomados e coação, já que grande parte dos devedores não possuía outra opção que não fosse a renegociação e, portanto, foram obrigados. De modo que os cálculos que serviram de base a inscrição na dívida ativa já estavam portanto “inchados”, sem que os produtores tivessem a oportunidade de discutir de revisionar o valor total da dívida que estava sendo peremptoriamente inserido na CDA como líquido e certo. Quanto à liquidez, temerário é dizer que a mesma contém seus cálculos corretos, posto que conforme já demonstrado, antes mesmo da cessão, houve abuso nos encargos financeiros por parte das instituições bancárias e alteração dos juros sem conhecimento do devedor. E de encontro com a legislação tributária em vigor, é nula a CDA que não possui todos os requisitos essenciais previstos em lei, quais sejam: Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente: I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível o domicílio ou a residência de um e de outros; II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado; IV - a data em que foi inscrita; V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito Nota-se então, que o exposto no inciso II do referido artigo, está ausente, a que, conforme dito, os cálculos iniciais não foram apresentados pelos bancos. Não há como identificar também o objeto da obrigação, já que é apenas contrato entre particulares, não se encaixando no contexto de dívida não tributária. Ocorre que há tempos nota-se um excesso de tolerância na formação da CDA, inobstante seja esse um título formado unilateralmente pelo credor. Em decisões proferidas pelo STJ, é demonstrada preocupação, considerando inadmissível o excesso de tolerância com relação à ilegalidade do título executivo, eis que o exequente já goza de tantos privilégios para a execução de seus créditos que não pode descumprir os requisitos legais para a sua cobrança. 24 Como visto anteriormente, as dívidas cedidas para União já se encontravam com vícios, cálculos unilaterais, sem a concordância do devedor. Após a cessão, esses vícios ainda persistirão. Neste contexto, o advogado Nairon Bastos Pereira (2011, p.2), escreve: Neste ponto, já nasce a ilegalidade das inscrições em dívida ativa dos créditos em execução. Isso porque o procedimento da credora União tem por finalidade adaptar o rito executivo fiscal à cobrança do crédito contratual que lhe foi acometido, desviando-se com isso das normas processuais aplicáveis. O correto seria, isso sim, a simples execução do contrato original, nos seus exatos limites, sem qualquer inovação unilateral como a ora comentada. Outrossim, os valores que embasaram a inscrição em dívida ativa foram aqueles fornecidos pela Instituição Financeira, sendo que não passaram pelo crivo do contraditório do processo administrativo fiscal que embasa a cobrança de dívidas tributárias ou não tributárias, e no qual se apura, para efeito de tê-las como dívida ativa, os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade (PEREIRA, 2011, p.2). [...] Não se deve olvidar que CDA é extraída a partir das informações unilaterais transmitidas pelas instituições bancárias à Procuradoria da Fazenda Nacional. Essa procede à inscrição em dívida ativa e move a execução fiscal, tudo sem qualquer possibilidade de defesa. Esse título executivo – CDA – tem presunção de legitimidade, certeza e liquidez, ou seja, toda e qualquer nulidade anterior ao ato de inscrição está albergado pela presunção de legitimidade (PEREIRA, 2011, p.5). Outro ponto a ser suscitado é a ausência de defesa no processo administrativo, visto que não foi possibilitado ao devedor, defender-se administrativamente, como ocorre no procedimento da formação da CDA. A Portaria n. 202/2004 admite a inscrição em Dívida Ativa do valor unilateralmente apresentado pelas instituições financeiras – que cederam créditos à União – sem que fosse possibilitada qualquer discussão prévia pelos devedores. Atentamos para o fato de que, em regra, quando ocorre a cessão civil de uma dívida, o cessionário utilizado o título original para promover a cobrança daquela dívida, no presente caso, todavia, a União, alterou o título, recebeu das instituições financeiras as dívidas instrumentalizadas em cédulas de crédito rural, e lançaram as informações nas CDA’s como bem lhe conviera. Sendo assim, as irregularidades na CDA são motivos que por si mostram-se suficientes para a extinção da execução fiscal. 25 2.4 – DA ALTERAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL A Lei Uniforme de Genebra, em seu art. 70 determina que o prazo prescricional de todas as ações em relação ao aceitante, no que concerne às letras de câmbio, prescreve em três anos, Tendo em vista que as cédulas de crédito rural, origem das dívidas cedidas a União, são regidas por esta lei, este também é o seu prazo prescricional. Forçoso reconhecer que a cédula de crédito rural representativa da dívida securitizada, cujos créditos foram adquiridos pela União, são títulos executivos extrajudiciais, passíveis de ação de execução. Inexiste, então, explicação para transformar a natureza jurídica do crédito rural, ainda que mediante processo administrativo, através de Certidões de Dívida Ativa (CDA), apenas porque sua titularidade foi transferida para a União. Ressalta-se que a União poderia exercer seu direito de ação através da execução civil, conforme o contrato realizado entre as partes, sem ser necessário a mudança do foro e das cláusulas contratuais, contrariando o direito adquirido. A Lei 6.830/1980 que rege as execuções fiscais parâmetros a serem observados. Entre eles, um se destaca por afrontar os direitos do devedor, qual seja, o prazo prescricional. Já as execuções fiscais possuem um prazo de cinco anos, ou seja, com a alteração da natureza do título de crédito, torna-se passível a cobrança da cédula de crédito rural em sede de execução, em até cinco anos e não apenas três como anteriormente. Relevante pontuar então que no momento da aquisição do empréstimo bancário realizado pelo produtor, o prazo prescricional era inferior ao que está atualmente sendo considerado. Neste sentido seguem decisões que apontam a necessidade de se manter o prazo prescricional, do título originário: COMERCIAL. AGRAVO REGIMENTAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. CESSÃO À UNIÃO FEDERAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DISCIPLINADA PELA LEI UNIFORME DE GENEBRA. I. II. A prescrição da cédula de crédito rural, mesmo que cedida à União Federal pelo Banco do Brasil S/A, permanece regida pela Lei Uniforme. Agravo regimental improvido. 26 (AgRg no REsp 1096987/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 28/03/2011) [...] Ressalto, por oportuno, conforme reconhecido pela agravante, na petição dos aclaratórios opostos na origem, "o que se tem são créditos de natureza não-tributária (origem relacionada a financiamentos rurais) e, portanto, a eles se aplicam os prazos gerais de prescrição do Direito Civil (ou Comercial)." (fl. 125) Assim, a União Federal, a despeito de reconhecer não tratar-se de crédito tributário, quer em verdade, obter todas as benesses da Lei n. 6.830/80 e afastar, ainda, o prazo prescricional não só da legislação tributária, mas também da Lei Uniforme de Genebra Ocorre que, o fato da cessão de créditos do Banco do Brasil S/A à União Federal, pela Medida Provisória n. 2.196-3/2001, não criou uma nova modalidade de créditos, que poderiam ser executados como fiscais, porém, com a prescrição regulada pelo art. 177 do antigo Código Civil, ou seja, 20 (vinte) anos. Ora, a cessão do crédito à União não afasta a origem do mesmo, a saber, crédito rural, como reconhecido pela própria agravante. Desse modo, à despeito de poderem ser exigidos via execução fiscal, no que concerne especificamente ao lapso prescricional, não há motivo para afastar a aplicação da Lei Uniforme de Genebra Por outro lado, o STJ, em decisão no Recurso Repetitivo REsp 1123539/RS, entendeu que a prescrição em comento, deverá ser a mesma utilizada nas Certidões de Dívida Ativa, qual seja, cinco anos. Senão, vejamos: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. CRÉDITO RURAL. PRESCRIÇÃO. LEI UNIFORME DE GENEBRA. CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. 1. Esta Turma, ao julgar o REsp 1.175.059/SC, sob a relatoria do Ministro Herman Benjamin, enfrentou situação semelhante à dos presentes autos, ocasião em que determinou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que examinasse a causa com base nas seguintes premissas: a) o art. 70 da Lei Uniforme de Genebra, aprovada pelo Decreto 57.663, de 1966, fixa em três anos a prescrição do título cambial, mas a prescrição da ação cambiariforme não fulmina o próprio crédito, que poderá ser perseguido por outros meios; b) a União, cessionária do crédito rural, não está a executar a Cédula de Crédito Rural (de natureza cambiária), mas, sim, a dívida ativa não-tributária oriunda de contrato, razão pela qual pode se valer do disposto no art. 39, § 2º, da Lei 4.320/1964 e, após efetuar a inscrição na sua dívida ativa, buscar sua satisfação por meio de execução fiscal, nos termos da Lei 6.830, de 1980; c) no sentido da viabilidade da execução fiscal para a cobrança do crédito rural posicionou-se a Seção de Direito Público do STJ, ao julgar, como recurso repetitivo, o REsp 1.123.539/RS; d) a transferência de titularidade do crédito não teria o condão de alterar o regime jurídico da prescrição, porquanto na sub-rogação operada viriam em conjunto os mesmos direitos, ações, privilégios e garantias que o primitivo credor possuía em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores (art. 384 do Novo Código Civil); e) não há, contudo, previsão legal a respeito da prescrição para cobrança de créditos de natureza privada posteriormente adquiridos pela Fazenda Pública e por ela submetidos ao regime jurídico administrativo; f) não se trata de mera alteração do titular do crédito (sujeito de Direito privado para sujeito de Direito público), mas sim de alteração no próprio regime jurídico de cobrança do mencionado crédito; g) se a cobrança do crédito teve alterado o regime jurídico, contra o qual não há direito adquirido, deve-se preservar a harmonia do sistema; h) haveria 27 quebra de unidade – e inclusive a atuação do Poder Judiciário seria equiparável à do legislador positivo – se, na cobrança de crédito submetido a regime jurídico de direito publicista, fosse adotada a norma concernente à prescrição conforme disciplina do Código Civil; i) por não se tratar de execução de título cambial, mas, sim, de dívida ativa da Fazenda Pública, de natureza não-tributária, deve incidir o prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932; j) a inadimplência de parcela do contrato não antecipa o prazo prescricional, prevalecendo a data de vencimento contratualmente estabelecida (DJe de 1º.12.2010). 2. Recurso especial provido, pelas mesmas razões de decidir, para que o Tribunal de origem examine a ocorrência da prescrição com base nas premissas acima fixadas. (REsp 1312506/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 03/05/2012) Sendo assim, vê-se que até mesmo no STJ há divergências sobre o tema. Todavia, é patente a necessidade de se considerar o prazo prescricional do título de crédito que é a cédula de crédito rural, o qual era aplicável quando da emissão da cédula pelo produtor. 28 CAPÍTULO III – DA EXECUÇÃO FISCAL DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA) ORIUNDA DE DÍVIDA RURAL E O PROJETO DE LEI 3.200/2008: ASPECTOS POLÊMICOS 3.1 – DO EQUIVOCADO ENTENDIMENTO PACIFICADO PELOS TRIBUNAIS Sobre o tema ora discutido, o STJ na Primeira Turma, firmou o entendimento em processo julgado pelo rito dos Recursos Repetitivos, de que os créditos rurais originários de operações financeiras, alongadas ou renegociadas, cedidos à União por força da Medida Provisória nº 2.196-3/2001, estão abarcados no conceito de Dívida Ativa da União para efeitos de execução fiscal, não importando a natureza pública ou privada dos créditos em si, conforme dispõem o art. 2º e § 1º da Lei 6.830/90. Ao longo do voto, o MM. Julgador deixou claro que pelo fato de não haver legislação contrária proibindo tal prática, ela torna-se então, possível. O voto se deu nos seguintes termos: Não desconheço a linha doutrinária que pretende excluir do alcance da execução fiscal os créditos não decorrentes do exercício do poder de império da administração ou oriundos de atos típicos da pessoa política (PAUSEN, ÁVILA E SLIWKA. Direito Processual Tributário. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.165), mas onde a lei não restringe não cumpre ao intérprete restringi-la, e esta fala em qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei, o que me leva a defender que é a titularidade do crédito que autoriza a cobrança via execução fiscal. Se o crédito é titularizado pela União (Fazenda Pública Nacional) não vejo como não atribuir à Fazenda Nacional sua cobrança. Por certo não é o cedente quem poderá promover-lhe a cobrança. Embora o art. 12, V, da Lei Complementar n. 73/93 não seja claro, insta interpretá-lo extensivamente, sob pena de declarar-se lacuna inexistente, de forma que esta Corte entende perfeitamente possível a representação judicial da dívida ativa nãotributária da União pela Fazenda Nacional. 29 Mesmo sem observar a inconstitucionalidade do crédito, analisando somente a forma de cobrança, o STJ entendeu que esta forma pode ser utilizada, ignorando os encargos anteriormente pactuados e os termos pactuados pelas partes, como agregando aos débitos maiores garantias que as pactuadas, além de incidir juros de mora não pactuados, como a Taxa SELIC. Assim, segue a ementa do acórdão: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. MP Nº 2.196-3/01. CRÉDITOS ORIGINÁRIOS DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS CEDIDOS À UNIÃO. MP 2.196-3/2001. DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO ART. 739-A DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO C. STF. 1. Os créditos rurais originários de operações financeiras, alongadas ou renegociadas (cf. Lei n. 9.138/95), cedidos à União por força da Medida Provisória 2.196-3/2001, estão abarcados no conceito de Dívida Ativa da União para efeitos de execução fiscal - não importando a natureza pública ou privada dos créditos em si -, conforme dispõe o art. 2º e § 1º da Lei 6.830/90, verbis: “Art. 2º Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. §1º. Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda. 2. Precedentes: REsp 1103176/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2009, DJ 08/06/2009; REsp 1086169/SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJ 15/04/2009; AgRg no REsp 1082039/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2009, DJ 13/05/2009; REsp 1086848/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJ 18/02/2009; REsp 991.987/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 19/12/2008. [...] 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1123539/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010) No julgamento foi destacado o disposto na da Lei 6.830/80, reiterando que não fora observada qualquer mácula na cobrança dos créditos por intermédio da execução fiscal. A execução fiscal, como afirma o julgador, é instrumento de 30 cobrança das entidades referidas no parágrafo 2 do art. 1º da Lei 6.830/80, não importando a natureza pública ou privada dos créditos em si. Art. 2º. Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 1º. Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública. Portanto, em diversos outros julgamentos, bem como neste apresentado de recurso repetitivo, o STJ se posicionou no sentido da possibilidade da cobrança do crédito rural oriunda de contratos firmados com os bancos e posteriormente cedidos à União, por execução fiscal. Por outro lado e podendo assim dizer, com um melhor entendimento, outros julgamentos tiveram uma conclusão diversa dos anteriores, ressaltando que a grande maioria não se discutiu o crédito, mas somente sobre sua forma de cobrança. Não é necessário entrar no debate da questionável constitucionalidade da Medida Provisória n. 2.966-3/2001 (embora a tarefa seja tentadora – é difícil compreender qual a relevância e urgência de se sumarizar a cobrança da dívida de agricultores, em época de crise do agronegócio, pelo lado do devedor, e superávit primário recorde, por parte do credor). O fato de ter sido renegociada no processo denominado securitização não descaracteriza isso, haja vista que o alongamento da dívida importou em aumento de encargo, como em qualquer relação de tomada de crédito. Neste sentido: EXECUÇÃO FISCAL FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. OPERAÇÃO BANCÁRIA DE CARÁTER PRIVADO. IMPROPRIEDADE DO EXECUTIVO FISCAL. PRETENDIDA CONVERSÃO EM EXECUÇÃO COMUM. IMPOSSIBILIDADE. INICIAL NÃO APARELHADA COM TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. O executivo fiscal aparelhado apenas com certidão de inscrição em dívida ativa e que foi julgado inviável nas circunstâncias não é conversível em execução comum diante da ausência de título executivo enquadrável no artigo 585 do Código de Processo Civil. Recurso especial não conhecido. (REsp 106.120/PR, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 16.12.1999, DJ 27.03.2000 p.106) 31 Partindo-se disso, não há como deixar de fora da presente análise o entendimento unânime do STJ quanto à impossibilidade da utilização do procedimento executivo fiscal para a cobrança de créditos de natureza privada, mesmo que pertencentes a entes públicos: PROCESSO CIVIL - CIVIL - CESSÃO DE CRÉDITO RURAL - MP 2.1963/2000 - PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE - CDA REQUISITOS - ART. 349 DOCC/2002 - INOVAÇÃO OBJETIVA DA DÍVIDA - EXECUÇÃO FISCAL - TITULARIDADE DO CRÉDITO - VALIDADE DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA - INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA INCIDÊNCIA DE ENCARGOS DECORRENTES - VALIDADE - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE COTEJO - TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. 2.1963491. Embora o STJ como Corte de Justiça possa declarar a inconstitucionalidade de ato normativo através de seu órgão competente, presume-se constitucional medida provisória validada pela EC 32/2001.2. Cabível a cobrança via execução fiscal de quaisquer créditos titularizados pela Fazenda Pública. Precedentes do STJ. 3. Inexistência de inovação objetiva do crédito cedido pela inscrição em dívida ativa, fato gerador que autoriza a incidência de novos encargos dela decorrentes. 4. É requisito formal da comprovação do dissídio jurisprudencial o confronto analítico entre os julgados em testilha para evidenciar a semelhança fática e a conclusão jurídica diversa. A transcrição de ementas, neste contexto, equivale à deficiência do recurso, nos termos da súmula 284/STF. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. (1121743 RS 2009/0021514-4, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 18/02/2010, T2 - SEGUNDA TURMA. Data de Publicação: DJe 26/02/2010) No mesmo sentido, segue o entendimento: PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATERIA CONSTITUCIONAL DIVIDA NÃO TRIBUTARIA - INCABIVEL O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL. I - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL NÃO SE MOSTRA APTO A REEXAME EM SEDE DE ESPECIAL. II - SE O CONTRATO DE MÚTUO (EMPRÉSTIMO BANCÁRIO), OBJETO DE EXECUÇÃO POR TITULO CAMBIARIFORME, VERSA RELAÇÃO JURIDICO-MATERIAL DE NATUREZA PRIVADA, A CONTROVÉRSIA A RESPEITO DE TAL NÃO PODE SER APRECIADA, QUANDO VEICULADA ATRAVES DA EXECUÇÃO FISCAL, NEM, PARA O CASO, EM HOMENAGEM AO PRINCIPIO DA INSTRUMENTALIDADE, OS ATOS PROCESSUAIS JA PRATICADOS PODEM SER APROVEITADOS, POSTO QUE A CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO FOI EFETIVADA SEM O PROCEDIMENTO REGULAR DA DIVIDA ATIVA, MORMENTE QUANDO ESSE ASPECTO EMBASA O "DECISUM" E O INSTRUMENTO ORIGINAL DA DIVIDA NÃO CONSTA DOS AUTOS. III - REGIMENTAL IMPROVIDO. 32 (AgRg no Ag 24958/RS, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 31/08/1993, DJ 18/10/1993, p. 21872) Nota-se, portanto, que em casos similares, onde o crédito advém de relação jurídica entre particulares, o STJ entendeu que é incabível, a inscrição na dívida ativa, justamente por não seguir o procedimento regular para a constituição da mesma. Desta forma: PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATERIA CONSTITUCIONAL DIVIDA NÃO TRIBUTÁRIA - INCABIVEL O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL. I - ACORDÃO EMBASADO EM RAZÕES CONSUBSTANCIADAS EM MATERIA CONSTITUCIONAL NÃO SE MOSTRA APTO A REEXAME EM SEDE DE ESPECIAL. II - SE O CONTRATO DE MUTUO (EMPRESTIMO BANCARIO), OBJETO DE EXECUÇÃO POR TITULO CAMBIARIFORME, VERSA RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL DE NATUREZA PRIVADA, A CONTROVERSIA A RESPEITO DE TAL NÃO PODE SER APRECIADA, QUANDO VEICULADA ATRAVES DA EXECUÇÃO FISCAL, NEM, PARA O CASO, EM HOMENAGEM AO PRINCIPIO DA INSTRUMENTALIDADE, OS ATOS PROCESSUAIS JA PRATICADOS PODEM SER APROVEITADOS, POSTO QUE A CONSTITUIÇÃO DO TITULO EXECUTIVO FOI EFETIVADA SEM O PROCEDIMENTO REGULAR DA DIVIDA ATIVA, MORMENTE QUANDO ESSE ASPECTO EMBASA O "DECISUM" E O INSTRUMENTO ORIGINAL DA DIVIDA NÃO CONSTA DOS AUTOS.CONSTITUIÇÃOIII REGIMENTAL IMPROVIDO. (24958 RS 1992/0017119-2, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 31/08/1993, T3 - TERCEIRA TURMA. Data de Publicação: DJ 18.10.1993 p. 21872RSTJ vol. 55 p. 391) Os Tribunais caminhavam no sentido de não admitir: ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. EMENDA DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CÉDULAS RURAIS PIGNORATÍCIAS. CRÉDITO DE NATUREZA PRIVADA. NÃO APLICAÇÃO DA LEI N. 6.830/80. 1..... 2. O crédito em questão - cédulas rurais pignoratícias - não podem, e nem mesmo estão inscritos em dívida ativa, o procedimento de sua cobrança não pode ser aquele da Lei de Execuções Fiscais. 3. Versando o feito acerca de créditos de natureza privada cedidos à União Federal, não pode ser utilizado o procedimento da Lei n. 6.830/80 para sua cobrança. O procedimento não corresponde à natureza da causa, embora estejam na titularidade de ente público. Precedentes do STJ. (A.C. 2006.70.06.001983-2/TJ PR) TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. EXECUÇÃO FISCAL. DNER. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. DANO CAUSADO AO PATRIMÔNIO DA AUTARQUIA. INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA. LEI Nº 6.830/1980. [...] 5. Os privilégios da Lei nº 6.830/80 só cabem nos casos em que a dívida ativa tiver natureza tributária (crédito que goza de proteção 33 especial - arts. 183 a 193 do CTN) ou decorra de um ato ou de um contrato administrativo típico. 6. A dívida exeqüenda decorrente de dano causado ao patrimônio do DNER por acidente automobilístico não constitui dívida ativa a ensejar a aplicação do rito da Lei nº 6.830/80, visto que não se trata de débito tributário (art. 201, do CTN) ou não tributário (previsto em lei, regulamento ou contrato). 7. Recurso não provido. (REsp 362.160/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05.02.2002, DJ 18.03.2002 p. 186) Outra decisão importante, igualmente favorável ao produtor rural, foi adotada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2006.04.00.019614-0/RS. Em 11 de julho de 2006, o relator da matéria, Desembargador Federal Edgard Lippmann Jr., deferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao referido agravo de instrumento. Em 12 de junho de 2007, decidiu a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório. A seguir, trechos relevantes do voto do Relator: Não é necessário entrar no debate da questionável constitucionalidade da Medida Provisória 2.196-3/2001 (embora a tarefa seja tentadora - é difícil compreender qual a relevância e urgência de se sumarizar a cobrança da dívida de agricultores, em época de crise do agronegócio, pelo lado do devedor, e superávit primário recorde, por parte do credor). Isso pode ser feito com mais autoridade pelo E. STF, caso provocado pela entidade de classe dos ora agravantes. Ocorre que a citada medida provisória, embora autorize a União a adquirir créditos dos bancos públicos federais, não tem o condão de alterar a natureza da relação jurídica em comento, decorrente de ato particular entre os tomadores do crédito e o Banco do Brasil. Ora, trata-se de dívida egressa de um contrato de financiamento bancário em tudo igual aos demais, e não de previsão legal ou contrato administrativo típico. O fato de ter sido renegociada no processo denominado securitização não descaracteriza isso, haja vista que o alongamento da dívida importou em aumento de encargo, como em qualquer relação de tomada de crédito. [...] Contrariando o dito do imortal Nélson Rodrigues, temos aqui uma unanimidade sábia. Com efeito, milita em relação à dívida ativa regularmente inscrita presunção de liquidez e certeza, nos termos do art. 3o da Lei 6.830/80. Tal privilégio, entre vários próprios do executivo fiscal, é legitimado pelo fato de que a dívida necessariamente deve passar pela fase de lançamento, onde conferidos os requisitos de procedência do crédito fiscal, bem como oferecida a ampla defesa ao devedor. Não é o caso da presente dívida, onde o processo administrativo tão-somente pretende realizar a alquimia de transformar o privado em público, partindo de informações unilaterais da instituição financeira. Temos aí violação clara do prescrito pelo art. 39, §1o, da Lei 4.320/64. Dessa forma, seja por pretender a cobrança de crédito privado, seja por violar os requisitos de exigibilidade, liquidez e certeza, padece de nulidade a CDA apresentada pela Fazenda Nacional. Legítima, por corolário direto, a oposição de exceção de pré-executividade, nos termos do art. 618, I, do 34 CPC, decorrendo isso na extinção da execução fiscal. Quando a defesa, em sede de execução fiscal, for exercida por exceção de pré-executividade, e essa acolhida, é cabível a condenação da parte exeqüente em honorários advocatícios. Assim, pela sucumbência, deve a União arcar com honorários patronais, desde já arbitrados em 10% sobre o valor da causa. Os próprios fundamentos desta decisão, bem como a análise da legislação pertinente à espécie, já são suficientes para o pré-questionamento da matéria junto às Instâncias Superiores, evitando-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão-somente para este fim, o que nitidamente evidenciaria a finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa, nos moldes do contido no parágrafo único do art. 538 do CPC. Em face de todo o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, na forma da fundamentação supra. Desta forma, torna-se claro que apesar de atualmente ser utilizada a via inadequada para a cobrança desses créditos, o STJ e alguns Tribunais Regionais Federais encontram-se em divergência, esboçando em suas decisões motivos suficientes para que não se autorize a execução fiscal. 3.2 – DO PROJETO DE LEI N. 3200/2008 Diante da controvérsia apresentada, o legislativo, por meio do Deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT) apresentou um Projeto de Lei que visa regularizar a cobrança dos créditos que foram secionados para a União. O legislador, reconhecendo as irregularidades existentes, propõe uma alteração na Lei 6.830, de 1980, que dispõe sobre a Execução Fiscal, com o propósito de não ser possível a cobrança da dívida rural em execução fiscal. Com a seguinte justificação, o deputado esclarece a necessidade desta alteração: Para espanto do produtor rural, o credor de seu débito deixou de ser a instituição financeira e passou a ser a União. Seguiram-se a inscrição na Dívida Ativa da União, com todas as penalidades peculiares a tais casos, passando a Procuradoria da Fazenda Nacional a cobrar a dívida, ajuizada segundo o rito da execução fiscal. Trata-se de uma situação absurda, que tem levado centenas de produtores rurais, assim prejudicados, a argüir em juízo a legalidade de utilização do rito da execução fiscal para a cobrança de dívida privada bancária e de crédito rural. Muitas dessas ações têm originado decisões favoráveis aos impetrantes, em diversas instâncias, tendo em vista a jurisprudência existente. O projeto de Lei aponta a seguinte solução: 35 O presente projeto de lei elide, de forma definitiva, qualquer dificuldade de interpretação acerca da forma de execução de dívidas originárias de operações de crédito rural. Desta forma, o produtor rural não mais precisará recorrer ao Poder Judiciário para fazer prevalecer seu direito, eis que restará claro que essas dívidas, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida – inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 2001 –, somente poderão ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal. Altera-se, ainda, a Lei nº 6.830, de 1980, consolidando no texto legal a jurisprudência firmada pelo STJ. O Projeto de Lei já tramitou pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e os pareceres ali emitidos são no sentido da incompatibilidade e inadequação financeira e orçamentária do Projeto de Lei. Informando que a proposição em questão beneficia os produtores rurais, cujos financiamentos foram adquiridos pela União aos bancos oficiais, por força da Medida Provisória nº 2.196-3, de 2001, bem como os que obtiveram financiamentos diretos da União, por intermédio de bancos oficiais, ou que detêm operações cujo risco corre por conta do Tesouro Nacional. No parecer do relator, o Dep. Arnaldo Jardim (PPS-SP) assim expressou: Nesses casos, por se tratarem de créditos da Fazenda Nacional, e não das instituições financeiras, esses valores sujeitam-se à inscrição na Dívida Ativa da União e ao rito da execução fiscal e submetem-se às regras, definidas na Lei nº 6.830, de 1980, estabelecidas para a cobrança de débitos fiscais em atraso. [...] É razoável considerar que, ao dispor que as dívidas originárias de crédito rural, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2196-3, de 2001, somente poderão ser executadas por meio de ações ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, a proposição cria obstáculo, ou ao menos posterga, as possibilidades de recebimento dessas dívidas pela Fazenda Pública. Isto porque intenta aplicar regras menos rigorosas às dívidas originárias de crédito rural do que as estabelecidas para a cobrança de débitos fiscais em atraso, cuja execução se dá mediante inscrição na Dívida Ativa e pelo rito da execução fiscal. Suprime-se a fé pública ínsita à presunção de certeza e liquidez expressa na Certidão da Dívida Ativa, ainda que relativa, mas que propicia objetividade e celeridade à execução fiscal regida pela Lei nº 6830, de 1980. A aprovação do Projeto de Lei poderia, portanto, resultar, se não em frustração, pelo menos, na postergação de receitas financeiras para a união, com impactos sobre o equilíbrio orçamentário e financeiro da União no exercício corrente e nos subseqüentes. [...] 36 Verifica-se que o projeto em tela não traz estimativa do impacto orçamentário e financeiro decorrente da sua aprovação e da conseqüente postergação do ingresso de receitas. Não estão apresentadas, também, medidas que compensem a redução de receitas que seria imputada à União nos exercícios em que se verificasse a referida postergação. Diante do exposto, verifica-se que a proposição em questão não pode ser considerada adequada ou compatível, sob o aspecto orçamentário e financeiro, malgrado os nobres propósitos que orientaram a sua elaboração. Dessa forma, fica prejudicado o exame quanto ao mérito, na Comissão de Finanças e Tributação, em função do disposto no art. 10 da Norma Interna – CFT. Já a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) deu total apoio, optando pela aprovação deste. O parecer do relator Dep. Valdir Colatto (PMDB-SC) teve a seguinte redação: Garantir processo adequado para a cobrança de débitos rurais é medida há muito esperada por inúmeros produtores cujas dívidas em atraso passaram a sujeitar-se à inscrição na Dívida Ativa da União e, consequentemente, à sua cobrança pelo rito fiscal. Uma proposta de emenda ao projeto foi apresentada pelo Dep. Beto Faro (PT/PA) dispõe sobre a execução de dívidas originárias de operações de crédito rural, altera a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, e dá outras providências. Com o seguinte teor: Dê-se a seguinte redação ao art. 2º, do Projeto de Lei nº 3.500, de 2008: “Art. 2º As dívidas originárias de crédito rural oriundas de fontes de recursos não controlados, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, somente poderão ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal.” Para justificar a alteração no Projeto de Lei, o Deputado apresenta as razões a seguir: O dispositivo objeto desta Emenda constitui um estímulo ao calote ainda maior nas dívidas decorrentes de operações de crédito rural. Não parece razoável a pretensão do projeto de impedir, por exemplo, a inscrição na Dívida Ativa da União de operações inadimplidas financiadas com recursos controlados do crédito rural que são equalizados pelo Tesouro Nacional, tratando-se, pois, de recursos da União, portanto da sociedade. Nestes termos, julgamos meritória a proposição desde que extensiva apenas às dívidas originárias de fontes que não se enquadrem no conjunto das fontes com recursos controlados. 37 Entretanto, a CAPADR emitiu parecer rejeitando a emenda, acompanhando o voto do relator Deputado Valdir Colatto, por entender que a mesma significaria a manutenção da atual sistemática injusta de conferir rito fiscal à cobrança das dívidas rurais de que se trata, quando em atraso. Em especial, seriam prejudicados os agricultores do Grupo “A” e Grupo “B” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) que, em sua maioria, encontra nos recursos controlados pelo Governo Federal a única forma de acesso ao crédito rural. Desta forma, caso seja acatado o Projeto de Lei 3.500/2008, as injustiças e irregularidades referentes a este tema, serão pelo menos, parcialmente sanadas. Tendo, ao menos o rito de cobrança regularizado. 38 CONCLUSÃO O presente estudo partiu de uma análise da cessão do crédito rural das instituições bancárias para a União, autorizadas pela Medida Provisória n. 2.1963/2001, a qual alterou entre outros, a sua forma de cobrança, sendo exigidas, quando não pagas, por execução fiscal. Nota-se que as medidas tomadas pelo governo foram meramente paliativas, sem contudo apontar um solução para as crises entre bancos e produtores rurais, que permanecem até os dias de hoje. É notável as divergências jurisprudenciais e doutrinárias a respeito da formação da Certidão de Dívida da Ativa (CDA), que tem como base o crédito rural, a alteração da natureza do título e do seu prazo prescricional e, principalmente, sobre a impossibilidade da utilização da execução fiscal. Sabe-se, por exemplo, que alguns Tribunais decidem a favor do prazo trienal de prescrição, enquanto outros votam pelo prazo quinquenal, bem como as irregularidades contidas na CDA vêm há tempos incomodado os julgadores, posto estar em desconformidade com a lei e favorecendo tão somente o ente público exequente. As premissas lançadas ao longo deste trabalho autorizam afirmar que esta questão, apesar do julgado de Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça, ainda hoje é objeto de controvérsia e discussão entre os vários autores. E partindo destes pressupostos, foi apresentado o Projeto de Lei 3.500/2008, pelo Deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT), o qual, reconhecendo as irregularidades existentes, propõe uma alteração na Lei 6.830, de 1980, que dispõe sobre a Execução Fiscal, com o propósito de não ser possível o enquadramento da dívida em execução fiscal. 39 REFERÊNCIAS BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 6.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. [v.1]. BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Securitização como parte da Segregação de Risco. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v.6, n.12, p.123-36, dez. 1999. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 99.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.218. GONÇALVES NETO, Wenceslau. Estado e agricultura no Brasil: política agrícola e modernização econômica brasileira: 1960-1980. São Paulo: HUCITEC, p.163, 1997. MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. 4.ed. rev. atual. Goiânia: AB, 2001. 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O Congresso Nacional decreta: Art. 1º Esta Lei estabelece a forma de execução de dívidas originárias de operações de crédito rural, em caso de inadimplência. Art. 2º As dívidas originárias de crédito rural, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, somente poderão ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal. Art. 3º O art. 4º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5º: Art. 4º .................................................................................. § 5º O procedimento executivo fiscal não se aplica à cobrança de créditos de natureza privada, mesmo que pertencentes a entes públicos ou que tenham sido adquiridos pela União. (NR) Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO O endividamento do setor agropecuário é um problema antigo, para o qual muitas soluções têm sido tentadas nas últimas décadas. Há mais de doze anos, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, que “dispõe sobre o crédito rural, e dá outras providências”. Essa lei autoriza a renegociação de dívidas originárias de crédito rural e a emissão de títulos, pelo Governo, para garantir essas operações: a chamada “securitização”. Todavia, apenas uma parte das dívidas foi abrangida pela securitização. Outras leis foram aprovadas nos anos que se seguiram, ampliando o rol de beneficiários, dilatando prazos e estabelecendo outras condições. Destacam-se, entre elas, as Leis nº 9.866, de 1999; nº 10.177, de 2001; nº 10.437, de 2002; nº 10.696, de 2003; nº 11.322, de 2006; e nº 11.524, de 2007. Entre as Medidas Provisórias editadas em data anterior à publicação da Emenda Constitucional nº 32, de 2001 que, nos termos do respectivo art. 2º, 43 continuam em vigor, encontra-se a de nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, que "estabelece o Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais e autoriza a criação da Empresa Gestora de Ativos - EMGEA". Entre outras providências, essa Medida Provisória autoriza a União, nas operações originárias de crédito rural, alongadas ou renegociadas com base na Lei nº 9.138, de 1995, a adquirir ou receber créditos de que são credoras instituições financeiras. Um antigo e consagrado princípio do Direito consiste em que o contrato constitui a “lei entre as partes”. No caso das operações de crédito rural, situam-se, de um lado, a instituição financeira e, de outro, o produtor rural. Inexistindo qualquer vício no contrato, este não pode ser unilateralmente alterado, sem a expressa concordância da outra parte, nem pode uma norma legal modificá-lo à revelia das partes, eis que a Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Todavia, à revelia da Constituição e do Direito, e em exclusivo benefício de uma das partes – a instituição financeira credora –, com base na Medida Provisória nº 2.196-3, de 2001, a União assumiu a titularidade daqueles créditos. O produtor rural – parte não consultada – tomou conhecimento do prejuízo decorrente dessa imposição quando, por motivo alheio à sua vontade, mas em consequência de dificuldades inerentes à atividade agropecuária – tais como adversidades climáticas, pragas da lavoura, conjuntura desfavorável de mercado, entre tantos outros problemas –, não teve condições financeiras para pagar em dia as parcelas da dívida renegociada, incorrendo em inadimplemento. Para espanto do produtor rural, o credor de seu débito deixou de ser a instituição financeira e passou a ser a União. Seguiram-se a inscrição na Dívida Ativa da União, com todas as penalidades peculiares a tais casos, passando a Procuradoria da Fazenda Nacional a cobrar a dívida, ajuizada segundo o rito da execução fiscal. Trata-se de uma situação absurda que tem levado centenas de produtores rurais, assim prejudicados, a arguir em juízo a legalidade de utilização do rito da execução fiscal para a cobrança de dívida privada bancária e de crédito rural. Muitas dessas ações têm originado decisões favoráveis aos impetrantes, em diversas instâncias, tendo em vista a jurisprudência existente. Vale lembrar que, em 1993, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidira quanto à impossibilidade de utilização do procedimento executivo fiscal para a cobrança de créditos de natureza 44 privada, mesmo que pertencentes a entes públicos (Agravo Regimental nº 24.958/RS, Relator Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 31 de agosto de 1993, publicado no Diário da Justiça de 18/10/1993, p.21872). Outra decisão importante, igualmente favorável ao produtor rural, foi adotada quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2006.04.00.0196140/RS. Em 11 de julho de 2006, o Relator da matéria, Desembargador Federal Edgard Lippmann Jr., deferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao referido agravo de instrumento. Em 12 de junho de 2007, decidiu a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que fazem parte integrante do julgado. Transcrevemos, a seguir, trechos relevantes do voto do Relator: (...) “Não cabe analisar nessa via estreita a legalidade da cessão do crédito, o que deverá ser feito no julgamento definitivo do recurso. Até lá, todavia, cabe a atribuição do efeito suspensivo, uma vez que, além da plausibilidade do direito alegado, há periculum in mora pelo impedimento da agravante de realizar operações no âmbito do crédito rural, ter acesso a mecanismos de garantia de preços mínimos, bem como obter certidões negativas de débito junto à Receita Federal.” (...) “Ocorre que a citada medida provisória, embora autorize a União a adquirir créditos dos bancos públicos federais, não tem o condão de alterar a natureza da relação jurídica em comento, decorrente de ato particular entre os tomadores do crédito e o Banco do Brasil. Ora, trata-se de dívida egressa de um contrato de financiamento bancário em tudo igual aos demais, e não de previsão legal ou contrato administrativo típico. O fato de ter sido renegociada no processo denominado securitização não descaracteriza isso, haja vista que o alongamento da dívida importou em aumento de encargo, como em qualquer relação de tomada de crédito.” O presente projeto de lei elide, de forma definitiva, qualquer dificuldade de interpretação acerca da forma de execução de dívidas originárias de operações de crédito rural. Desta forma, o produtor rural não mais precisará recorrer ao Poder Judiciário para fazer prevalecer seu direito, eis que restará claro que essas dívidas, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida – inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 2001 – somente poderão ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal. Altera-se, ainda, a Lei nº 6.830, de 1980, consolidando no texto legal a jurisprudência firmada pelo STJ. 45 Esperamos contar com o indispensável apoio de nossos Pares, no sentido de se aprovar o presente projeto de lei, com a urgência que a situação da agricultura nacional está a exigir. Sala das Sessões, em ___ de _________ de 2008. Deputado CARLOS BEZERRA 46 ANEXO 2 – Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural – Projeto de Lei n. 3.500, de 2008. Projeto de Lei n. 3.500, de 2008. Dispõe sobre a execução de dívidas originárias de operações de crédito rural, altera a Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, e dá outras providências. Autor: Deputado CARLOS BEZERRA Relator: Deputado VALDIR COLATTO I – RELATÓRIO Por meio do Projeto de Lei nº 3.500, de 2008, o Deputado Carlos Bezerra propõe que as dívidas originárias de crédito rural, ainda que tenham sido renegociadas ou alongadas, com base na legislação em vigor, ou cujos créditos tenham tido a titularidade transferida, inclusive para a União, nos termos da Medida Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, somente possam ser executadas por meio de ações de execução ajuizadas em Varas Cíveis do Poder Judiciário, que seguirão o rito ordinário, sendo vedadas sua inscrição na Dívida Ativa da União e sua execução pelo rito da execução fiscal. Para evitar incongruência com a legislação vigente, o projeto de lei de que se trata inclui §5º ao artigo 4º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública. O dispositivo incluído proíbe o procedimento executivo fiscal para a cobrança de créditos de natureza privada, ainda que pertencentes a entes públicos ou que tenham sido adquiridos pela União. Em sua justificação, o parlamentar ressalta que a proposição procura solucionar em definitivo qualquer dificuldade de interpretação acerca da forma de execução de dívidas originárias de operações de crédito rural, de forma a que o produtor não mais precise recorrer ao Poder Judiciário para fazer prevalecer seu direito. Nos termos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.500, de 2008, foi distribuído para apreciação conclusiva das comissões, 47 com tramitação inicial nesta Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (mérito) e posterior manifestação das Comissões de Finanças e Tributação (mérito e art. 54) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (mérito e art. 54 RICD). Decorrido o prazo regimental, foi apresentada uma emenda à proposição, nesta Comissão. Referida emenda restringe os benefícios do Projeto de Lei nº 3.500, de 2008, a dívidas oriundas de fontes de recursos não controladas do crédito rural. É o relatório. II – VOTO DO RELATOR Garantir processo adequado para a cobrança de débitos rurais é medida há muito esperada por inúmeros produtores cujas dívidas em atraso passaram a sujeitar-se à inscrição na Dívida Ativa da União e, consequentemente, à sua cobrança pelo rito fiscal. Em especial, dois grupos de produtores beneficiam-se da proposição em análise: aqueles cujos financiamentos foram adquiridos pela União aos bancos oficiais, por força da Medida Provisória nº 2.196, de 2001; e os que obtiveram financiamentos diretos da União, por intermédio de bancos oficiais; ou que detêm operações cujo risco corre por conta do Tesouro Nacional. No primeiro caso, a aquisição das dívidas pela União alterou, de forma unilateral, o rito de cobrança das parcelas em atraso. Por se tratar, agora, de créditos da Fazenda Nacional, e não mais das instituições financeiras, esses valores passaram a sujeitar-se à inscrição na Dívida Ativa da União. Uma vez inscrito em Dívida Ativa, o débito do agricultor é descaracterizado como de crédito rural e passa a submeter-se a regras muito mais rigorosas, definidas em lei e desenhadas para a cobrança de débitos fiscais em atraso. Situação semelhante é enfrentada por produtores familiares que obtiveram financiamentos diretos da União, por intermédio de bancos oficiais, ou que detêm operações cujo risco corre por conta do Tesouro Nacional. Integram esse caso agricultores familiares que obtiveram financiamentos no âmbito dos Grupos “A” e “B” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), 48 constituídos, respectivamente, por egressos da reforma agrária e por indivíduos que se encontram próximos à linha da pobreza. Quanto à emenda oferecida pelo Deputado Beto Faro, entendo-a equivocada. Sua aprovação significaria a manutenção da atual sistemática injusta de conferir rito fiscal à cobrança das dívidas rurais de que se trata, quando em atraso. Em especial, seriam prejudicados os agricultores familiares dos Grupos “A” e “B” do PRONAF que, em sua maioria, encontram nos recursos controlados pelo Governo Federal a única forma de acesso ao crédito rural. Pelas razões expostas, voto pela aprovação do Projeto de Lei nº 3.500, de 2008, e pela rejeição da emenda oferecida pelo Deputado Beto Faro. Sala da Comissão, em ___ de ___________ 2008. Deputado Valdir Colatto Relator
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