Fórum Sindical Brasil-México 2013: sem trabalho, não há dignidade

Transcrição

Fórum Sindical Brasil-México 2013: sem trabalho, não há dignidade
“À guerra, cavaleiros
esforçados! Pois os
anjos sagrados em
socorro estão em terra.
À guerra!”
(Gil Vicente)
2 a quinzena de setembro de 2013
Vol.XX, nº 8
Fórum Sindical
Brasil-México 2013:
sem trabalho,
não há dignidade
Entre os dias 16 e 18 de setembro, o Fórum Sindical
Brasil-México 2013 reuniu lideranças sindicais e políticas dos dois países, além de acadêmicos e outras
personalidades, para discutir os problemas que afetam o mundo do trabalho no âmbito da globalização financeira.
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Espionagem:
Brasil precisa
fazer dever
de casa
A resposta à bisbilhotice
da NSA não pode se
limitar à retórica.
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Putin enfatiza
reconstrução
do Estado
nacional
O líder do Kremlin
se mostra como um
raro estadista à altura
da crise global.
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Reserva Federal
imprime
dólares; BRICS
compram ouro
No Fórum Brasil-México, da esq. para a dir., o economista Carlos
Lessa, o deputado Paulo Ramos, o ministro do Esporte Aldo Rebelo,
o presidente da CSB Luiz Sergio da Rosa Lopes, o diretor da
CROC-Jalisco Antonio Álvarez Esparsa e o jornalista Lorenzo
Carrasco (foto Rodolfo Carrasco)
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O banco central dos
EUA insiste em inundar
os mercados com uma
perigosa liquidez.
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Solidariedade Ibero-americana
EDITORIAL
Os leilões do superávit
O afã do governo federal para leiloar o
campo de Libra e o fracasso do leilão da rodovia BR-262, que não teve concorrentes,
são sugestivos dos problemas ensejados
pela questionável prioridade atribuída ao
serviço da dívida pública na formulação da
política econômica. Entre eles, a transferência da responsabilidade pelos investimentos
vitais em infraestrutura energética e viária
para a iniciativa privada – ou, como poderá
ocorrer na exploração do pré-sal, empresas
estatais estrangeiras.
Libra, na Bacia de Campos, é um caso
exemplar, pois trata-se, nada menos, que a
maior descoberta petrolífera já feita no Brasil.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo,
Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), suas
reservas recuperáveis são estimadas entre 8
e 12 bilhões de barris (as reservas totais brasileiras são estimadas em pouco acima de 15
bilhões de barris). Quando atingir o pico da
produção, em torno de 2020, o campo deverá produzir cerca de 1 milhão de barris diários, a metade da produção nacional atual.
De forma emblemática, das 11 empresas
que se candidataram ao leilão, marcado
para 21 de outubro, sete são estatais e, além
da própria Petrobras, cinco encontram-se
entre as dez maiores do setor por valor de
mercado no mundo – o que ressalta a pieguice de certos comentaristas e editoriais
midiáticos, que lamentaram a ausência das
“gigantes anglo-americanas”, ExxonMobil,
Chevron, BP e BG (atualmente, mais interessadas na Golfo do México, à espera da
“flexibilização” do monopólio estatal
prometida pelo novo presidente mexicano, Enrique Peña Nieto).
Para o governo federal, ferreamente
comprometido com o sacrossanto superávit
primário, a oferta de Libra se revelou irresistível. Desde junho, a presidente Dilma
Rousseff e o ministro da Fazenda Guido
Mantega contam com os leilões do pré-sal e
de concessões de rodovias, ferrovias e aeroportos, para gerar algo como R$ 30 bilhões,
para “fechar as contas” do ano (estranhamente, em algum lapso freudiano, ao
anunciar o pacote de concessões, Dilma criticou as privatizações de Fernando Henrique Cardoso, cuja receita também foi para
o serviço da dívida).
Em uma série de manifestações públicas,
o senador Roberto Requião (PMDB-PR)
tem sintetizado a opinião dos muitos opositores do leilão, ao afirmar que “é um crime
contra o Brasil trocar petróleo por meta
contábil de superávit primário”.
Por outro lado, o fracasso da licitação
da BR-262, que liga Minas Gerais ao Espírito Santo, levou o governo a anunciar um
aumento da participação federal nos futuros
leilões, assegurando as intervenções físicas
nas rodovias e concedendo a gestão das
mesmas à iniciativa privada. Ora, se o governo assume a parte do leão dos investimentos, fica difícil justificar tal transferência de atribuições ao setor privado – sem
qualquer preconceito contra este.
Talvez, tenhamos que esperar que um
aprofundamento da crise sistêmica global
neutralize de vez as armadilhas ideológicas
e as pressões políticas que impedem que o
Estado volte a assumir plenamente as suas
responsabilidades nas áreas de infraestrutura e energia.
EDIÇÃO EM PORTUGUÊS
Diretora: Silvia Palacios
Publicado pelo
MSIA – Movimento
de Solidariedade
Ibero-americana
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Conselho editorial: Angel Palacios Zea,
Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco
e Marivilia Carrasco
Projeto Gráfico: Maurício Santos
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CEP 20.031-144
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LEAP: ataques contra
emergentes podem ser grandes
oportunidades (para elas)
Os recentes ataques especulativos contra as
moedas das economias emergentes podem representar para elas uma grande oportunidade
para reduzir as suas exposições ao cambaleante
dólar estadunidense e, ao mesmo tempo, ajudar a catalisar uma mudança sistêmica na economia mundial. A sugestão é do Laboratório
Europeu de Antecipação Política (LEAP),
think-tank europeu que analisa a situação estratégica e econômica mundial sob uma perspectiva europeia e tem mostrado uma grande
precisão em suas análises e prognósticos, divulgados nos boletins mensais GEAB (Global
European Anticipation Bulletin).
Em seu último boletim (GEAB no. 77), divulgado em 16 de setembro, os analistas europeus afirmam que a tendência de fuga do dólar como moeda de referência internacional,
que se manifesta gradativamente desde 2009,
tende a ser contrabalançada com uma regionalização das transações comerciais e monetárias – “de certo modo, uma ‘desmundialização’” [ou “desglobalização”, considerando
que os franceses utilizam o termo “mundialização” como sinônimo de “globalização”].
Um exemplo levantado por eles é o ataque
contra a rúpia indiana, que está levando o
país a recorrer à sua própria moeda nas compras de petróleo e gás natural do vizinho Irã
(com a devida contrapartida do uso do dinar
iraniano). Assim, afirmam, “sai o dólar e os
déficits comerciais destes países não refletem
nada mais que um reajuste de sua produção
para as suas próprias populações (e, consequentemente, menos exportações). Com efeito,
que país ainda quer apostar tudo nas exportações pagas em dólares estadunidenses, quando
estes são impressos pelo ‘Fed’ e, logo, não valerão grande coisa?”.
Em realidade, afirma o boletim, “os problemas dos países emergentes fortalecem os
seus laços e os obrigam a responder de maneira coordenada. Eles têm grandes reservas,
a maior parte em dólares. Para proteger-se dos
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ataques especulativos contra as suas moedas,
se veem obrigados a vender os dólares e comprar sua própria moeda (ou ouro). Que grande pretexto para se desfazer dos dólares acumulados, que, a qualquer momento, podem
não valer nada!”.
Ou seja, “de uma suposta crise dos emergentes, passamos a um fortalecimento dos
laços regionais e do consumo interno, e a uma
oportuna venda dos dólares inúteis que permitem, particularmente, aumentar as reservas
de ouro. Então, trata-se de uma crise ou de
uma oportunidade?”.
E convém prestar bastante atenção aos
parágrafos finais da seção do boletim dedicada ao assunto:
“A mudança sistêmica que mencionamos
é, então, o grande desacoplamento das economias emergentes do Ocidente. Certamente,
as suas economias estão abaladas, mas quem
pode jactar-se de não ter sido afetado pela
crise sistêmica global que reina desde 2008?
Eles têm, realmente, muitas vantagens e um
potencial de desenvolvimento ainda enorme
– o crescimento dos emergentes é irreversível.
Já o dissemos antes: são os grandes ganhadores da atual repartição mundial de cartas.
Não nos equivoquemos de crise. Para os mercados emergentes, a tendência é clara. A sua
influência em âmbito internacional é também
cada vez mais evidente. Já mencionamos a vitória de Putin relacionada à Síria, mas também podemos falar do desejo da Armênia de
unir-se à Rússia para uma associação comercial, afastando-se da União Europeia (possibilidade impensável há alguns anos), da decisão
de Chipre de negar uma base para um ataque
à Síria, já que a intenção é conseguir uma
reestruturação da dívida por parte da Rússia,
e outros exemplos.
“O próprio Japão, finalmente, entendeu
esta tendência reorientadora na direção das
regiões geográficas naturais e tem a intenção
de aproveitá-la.”
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Solidariedade Ibero-americana
Fórum Sindical Brasil-México 2013:
sem trabalho, não há dignidade
Marivilia Carrasco e Silvia Palacios
Entre os dias 16 e 18 de setembro, realizouse no Rio de Janeiro (RJ) o Fórum Sindical
Brasil-México 2013, promovido pela Central de Sindicatos Brasileiros (CSB), com a
colaboração do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e a Central
Revolucionária de Trabalhadores e Camponeses (CROC-Jalisco) mexicana. O objetivo central do encontro foi promover uma
discussão dos problemas que afetam o
mundo do trabalho no âmbito da globalização financeira, como foi levantado no Fórum de Guadalajara, em outubro de 2012.
Na sessão de abertura dos trabalhos, o
jornalista Lorenzo Carrasco, presidente do
MSIa e coordenador-geral do Fórum de
Guadalajara, se referiu à importância da
reunião de 2012: “Naquela ocasião, ressaltamos que a crise global vai além dos seus
aspectos econômicos e financeiros. Ela supera a materialidade e implica em que não
existem direitos inalienáveis, como a liberdade, o progresso e a busca da felicidade,
sem o direito inalienável ao trabalho.”
Referindo-se às recentes declarações do
papa Francisco a respeito, Carrasco destacou “a decadência da civilização do desperdício se mede pela maneira como se descartam os velhos, desprezando a experiência e
a história que representam, e como se descartam os jovens, que hoje enfrentam taxas
de desemprego de 60%, em vários países do
mundo. Com isto, se arrebata o principio da
dignidade humana. Igualmente, entendemos
que, ao defender o direito ao trabalho, se
defende o projeto de nação.”
De forma significativa, o evento foi realizado no auditório do Memorial Getúlio
Vargas, o grande nacionalista que marcou
de forma singular a história do Brasil,
com um ideal de “Pátria Grande” que se
aproximava do nacionalismo mexicano.
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Por isso, o símbolo do Fórum Brasil-México foi uma fusão das duas bandeiras,
unindo-as pelas partes verdes comuns.
Sob o tema geral “Unidade LatinoAmericana pelo Desenvolvimento e a Justiça Social”, os participantes do evento tiveram a oportunidade de ouvir e dialogar
com varias personalidades políticas brasileiras, conhecidas por sua decidida postura
nacionalista, como o senador Roberto Requião (PMDB-PR), o ministro do Esporte
Aldo Rebelo e o economista Carlos Lessa,
ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
e ex-reitor da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).
Em sua palestra, Requião assinalou
que “as primeiras vítimas da globalização
foram os trabalhadores, que, além de demitidos, tiveram cortados direitos adquiridos em décadas de conquistas (ver texto
nesta edição).
Durante os três dias dos trabalhos, os
líderes sindicais presentes denunciaram a
tenaz e sistemática agressão contra os sindicatos e seus dirigentes, por parte do poder
político-financeiro e dos meios de comunicação ao seu serviço. O ataque aos sindicatos é concomitante com a devastação
dos direitos trabalhistas de amplas massas
de trabalhadores afetados pela globalização, que produz desemprego, redução do
poder aquisitivo dos salários, empobrecimento das famílias dos trabalhadores e
desmantelamento dos seus direitos sociais.
A conclusão generalizada foi a de que
a classe trabalhadora se encontra na fila
de um moderno matadouro. Uma radiografia dos problemas enfrentados por ela
foi feita com grande riqueza de elementos,
na mesa-redonda final do evento. Na ocasião, o diretor da CROC-Jalisco, Antonio
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Álvarez Esparza, afirmou que “há uma infinidade de ataques ao trabalho. O Estado
se encontra em plena retirada. No México,
agora, com a nova reforma trabalhista, se
está dando status ao emprego ‘terceirizado’ ou ‘outsourcing’, embora isto seja
proibido pela Constituição mexicana”.
Em sua exposição, o ministro Aldo
Rebelo secundou o senador Requião, ao
assinalar “os efeitos desastrosos da globalização atual, em que se reduziram todos
os direitos sociais, não só os sindicais”.
Ao longo da História, disse, “houve várias globalizações, em momentos e com
efeitos diferentes. Desde a globalização
positiva, que significou a migração do
Homo sapiens ao longo dos vários continentes, até a criação do Império Britânico, passando pelo império de Alexandre e
os gregos. A atual é uma globalização financeira, que impõe uma agenda de mercado e não permite uma agenda nacional.
Diante dela, é bom que o Brasil e o México se unam, pois são duas grandes civilizações. Existem razões e condições para
uma cooperação e necessitamos estar juntos, sob a perspectiva de que somente uma
nação soberana e independente pode oferecer direitos trabalhistas e sociais aos
seus trabalhadores e à sua população”,
ressaltou o ministro.
Por sua vez, Carlos Lessa proporcionou uma verdadeira aula de economia, assinalando o papel perverso que a globalização destina aos trabalhadores da periferia explorados contra as condições dos
trabalhadores das principais economias,
usando os baixos salários de uns contra os
altos salários de outros. Ele proporcionou
uma minuciosa análise da expansão da
economia da China, onde não há qualquer
força sindical: “Os trabalhadores chineses não se sentam à mesa para negociar,
pois não há negociações capital-trabalho.”
Portanto, “podem oferecer produtos a
preços muito baixos, que, atualmente, dominam os mercados dos EUA e de outros
países. Em troca disto, empregam o superávit comercial com os EUA para comprar
títulos do Tesouro estadunidense, esquema
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com o qual se sustenta o valor do dólar e
seu papel de moeda de reserva internacional. Isto não vai durar para sempre, mas,
hoje, é um grande problema.”
Lessa afirmou que “isso não é um ataque à China, mas uma forma de enfatizar
que nem o Brasil nem o México merecem
ter perdido a sua soberania em alimentos
e outros processos industriais. Comer milho estadunidense, por exemplo, é escandaloso para o México. Aí se acabou com
o excelente modelo de procurar a autossuficiência alimentícia”.
Para ele, está claro que “ou nos integramos ou nos entregamos. Me aflige que
a integração não seja tratada com a seriedade que merece. Quando os EUA eram
apenas as 13 colônias europeias, Simón
Bolívar foi premonitório ao observar que a
América Latina precisaria se unir, ou seria
dominada pelo colosso do Norte. E assim
aconteceu”. Lessa concluiu com uma efusiva
saudação à iniciativa de realização do Fórum, ao qual vaticina uma rápida expansão.
No painel “O neoliberalismo no Brasil
e no México: efeitos e estado atual”, o coordenador do Foro de Guadalajara no
México, Ángel Palacios Zea, juntamente
com a autora Marivilia Carrasco, descreveram o papel pioneiro do Tratado de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA),
ao devastar a industria, a agricultura e as
empresas estratégicas do Estado mexicano. As reações da plateia foram de assombro e indignação, diante dos números que
comprovam a deterioração socioeconômica do México, depois de três décadas de
políticas neoliberais - que, em vários aspectos, não é muito distinta da do Brasil.
No México, entre outros dados, o PIB
se encontra estagnado; o emprego informal representa 60% da população economicamente ativa; os salários perderam
72% do poder aquisitivo; e há um incessante crescimento da dívida pública, tanto
interna como externa, acompanhada de
uma crise fiscal, entre outros processos
que demonstram a desindustrialização
do país e o aumento do empobrecimento
da população.
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Solidariedade Ibero-americana
As primeiras vítimas da
crise global são os direitos
dos trabalhadores
Senador Roberto Requião
Fórum Sindical Brasil-México, Rio de Janeiro, 16 de setembro de 2013.
Parodiando o dramaturgo grego Ésquilo,
segundo o qual “a primeira vítima da
guerra é a verdade”, diria que a primeira
vítima da crise financeira global são os
direitos dos trabalhadores. É o gesto impulsivo, inevitável dos capitalistas: cortar
gastos para não ter reduzidos os lucros.
E cortar gastos não significa tão-somente
cortas vagas, afinal a máquina não pode
parar. Cortar gastos quer dizer principalmente cortar direitos.
É a tal da “flexibilização dos direitos
trabalhistas”, eufemismo malandro, esperto para a cassação dos direitos conquistados ao longo dos últimos 200 anos
pelos trabalhadores de todo o mundo.
Vejam: na origem da crise financeira
global, está o descompasso entre o aumento
da produtividade e os aumentos dos salários dos trabalhadores norte-americanos.
À medida que o aumento da produtividade não é incorporado aos salários, temos um achatamento dos ganhos. Ora, com
os salários arrochados, os trabalhadores
não têm como pagar as hipotecas de suas
casas, a escola de seus filhos, o carro e desmorona-se toda a engenharia financeira
do subprime.
E quando explode a crise, provocada
pela irracionalidade da financeirização da
economia, pela avidez pelos especuladores, no lombo de quem desabam as consequências? Elementar, senhores.
Isso acontece não porque os empresários, os financistas, o FMI sejam maldosos, diabólicos. Não. Isso acontece porque
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essa é lógica do sistema. Foi sempre assim,
vai ser sempre assim. A conciliação possível – se é que é possível – não se faz sob
as regras – ou falta delas – do capitalismo
liberal. O neoliberalismo vive em permanente estado de antagonismo com os direitos dos trabalhadores.
A opção da senhora Merkel, do senhor
Cameron e do ex-presidente Sarkozy por
salvar o sistema financeiro, gangrenado
pela crise do subprime, cortando pernas e
braços dos trabalhadores, não foi uma escolha ditada pela maldade, pelo sadismo.
Não se tratava de uma questão moral ou
ética, já que esses valores não são levados
em conta, no caso.
Estado mínimo e terceirizado, esse o
ideal dos neoliberais. Agora, se somarmos
à precarização da mão-de-obra a desqualificação do trabalho provocada pela crise
econômica, com o fechamento de fábricas,
de laboratórios de pesquisas e desenvolvimento de produtos e de empresas de uso
intensivo de tecnologia, temos uma mistura altamente corrosiva, avançando como
câncer sobre o futuro de países em desenvolvimento, principalmente. Vamos a alguns
dados, no que toca o Brasil.
Na década de 80, a produção industrial brasileira era superior à produção industrial somada da China, Coréia do Sul,
Malásia e Tailândia. Hoje, a nossa produção não alcança 15% da produção desses
países. Em apenas 15 dias de funcionamento, apenas as fábricas chinesas produzem o equivalente à produção anual da indústria brasileira.
A globalização neoliberal, à que o Brasil aderiu gostosamente nos anos 80 e 90,
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desnacionalizou e desindustrializou a produção industrial nacional.
Nos anos FHC, o setor mais avançado
da indústria brasileira, o de autopeças, foi
miseravelmente abatido no exato momento
que chegava ao apogeu. A Metal Leve, a
Cofap, a Freios Varga, cuja qualidade dos
produtos era internacionalmente respeitada, não suportaram a diminuição radical
das tarifas de importação, que desabaram
para apenas 2%! Com a quebra do setor
de autopeças, foram de cambulhada 250
mil empregos industriais, de altíssima qualificação, com o fechamento de 3.200
fábricas da área. Os fantásticos laboratórios de pesquisas e de desenvolvimento de
produtos que as fábricas mantinham, fecharam-se e foram transferidos para os
países que absorveram essas industriais.
Esse rápido e crudelíssimo processo de
desindustrialização, com o fechamento de
fábricas e a ociosidade do parque industrial brasileiro, bombardeado pela abertura e pela submissão colonial, acumulou
um passivo estimado à época em 250 bilhões de dólares; 250 bilhões de dólares
em máquinas, em tecnologia, em pesquisas,
em mão-de-obra especializada. A valores
de hoje, mais de 500 bilhões de dólares,
muito mais que as nossas decantadas reservas cambiais.
Em meados da década de 80, o produto industrial brasileiro representava 36%
do PIB. No ano passado, caiu para 13,3%.
E o número de metalúrgicos empregados
sofreu um corte de 34%.
A desqualificação do emprego industrial nos anos da adesão sabuja, servil, colonial à globalização neoliberal não foi recuperada nesses 12 anos de governo do PT.
O esvaziamento do setor industrial, com a
consequente degradação do trabalho qualificado, não foi estancado .
A entrada da China no mercado, a partir
dos anos 2000, como grande consumidora
de commodities, atenua os efeitos econômicos da desindustrialização e desnacionalização do Brasil e da América do Sul. Lenitivo
agora que se dissolve com a diminuição da
voracidade compradora dos chineses.
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Vejam esses dados do passado recente.
Em 2006, o déficit da balança comercial
dos manufaturados era de 6 bilhões de dólares. Em 2011, decorridos apenas cinco
anos, portanto, esse déficit pulou para 96
bilhões de dólares! Hoje, segundo as últimas estatísticas ultrapassa 100 bilhões de
dólares. Enfim, os empregos industriais
altamente qualificados foram exportados maciçamente.
Insisti no tema desqualificação do emprego porque quanto mais desqualificada
a mão-de-obra, menor a proteção ao trabalhador, menor o poder dos sindicatos,
menor a influência do trabalho nas relações sociais. Hoje, os sindicatos dos metalúrgicos, que associam os trabalhadores
mais qualificados e, em consequência,
mais organizados e mais politizados, não
têm o mesmo peso que nos anos 70/80,
quando um certo barbudo punha de joelho a indústria automobilística e em xeque
o regime ditatorial.
O desaparecimento do emprego altamente especializado e o sucateamento de
laboratórios e de centros de pesquisas industriais fazem mal ao Brasil, atentam
contra o desenvolvimento nacional, tornam
a nossa economia menos competitiva, limitam o nosso futuro, amarra-nos ao subdesenvolvimento e ao neocolonialismo.
Para os defensores dos acordos bilaterais, que reservam ao Brasil apenas a produção de minérios, carnes e grãos, tudo
bem. Afinal não é tão complexo assim formar um valoroso piloto de colheitadeira ou
o condutor de uma escavadeira em Carajás.
Enfim, parece existir uma incompatibilidade de origem entre a globalização neoliberal e a manutenção dos direitos trabalhistas e do emprego industrial nos países
em desenvolvimento.
Logo, a defesa dos direitos trabalhistas
e do emprego faz parte da grande luta de
nossos países pelo desenvolvimento, pela
industrialização, pelo avanço tecnológico,
pelo estancamento da sangria da remessa
de lucros e juros, pela independência,
prosperidade, justiça e grandeza de nosso
continente.
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Solidariedade Ibero-americana
Espionagem: fazendo
o dever de casa
Geraldo Luís Lino
A carraspana dada pela presidente
Dilma Rousseff no governo dos EUA,
na abertura da Assembleia Geral das
Nações Unidas, foi oportuna e simbólica, pois não é todo dia que os EUA se
veem confrontados ali por um país considerado amigo. Em meio aos desdobramentos do escândalo de espionagem
deflagrado pelo ex-analista de inteligência Edward Snowden – que ainda estão
distantes de um fim –, a dura cobrança
da presidente brasileira está recebendo
no exterior, em geral, uma relevância
bem mais significativa que muitas avaliações – algumas quase depreciativas –
de comentaristas nacionais, principalmente, daqueles vinculados aos setores econômicos com interesses internacionais. Um exemplo é o comentário
do sítio franco-belga De Defensa, publicado em 25 de setembro e intitulado
“Roussef: líder anti-Sistema na ONU”.
Evidentemente, o uso da palavra “líder” é retórico e os analistas do sítio
não estão rotulando Dilma como uma
versão de saias do falecido incendiário
venezuelano Hugo Chávez (que, no
mesmo lugar, equiparou George W.
Bush a Satanás), entregando-lhe a liderança da reação mundial contra o que
chamam o “Sistema BAO” – britânicoamericano-ocidental. Não obstante,
habituados a inserir suas análises no
contexto da crise civilizatória global,
eles atribuem ao discurso um caráter
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“excepcional”: “(...) O caso da NSA,
tal como nos é revelado, é de outra têmpera, é um caso à parte, único em sua
dimensão ontológica; ele é ‘excepcional’, como pretende ser a nação que o
instrumenta, e é isto o que assinala a
intervenção de Rousseff. E, como estamos neste campo, é assim que esta intervenção deve ser igualmente apreciada, como ‘excepcional’.”
Não obstante, vale insistir, para ser
coerente com a retórica, Dilma terá que
iniciar imediatamente o dever de casa,
deixando para trás o descaso atávico
com que as questões de segurança nacional, inteligência inclusive, costumam
ser tratadas pelas autoridades e lideranças brasileiras. Por exemplo, a tramitação da Política Nacional de Inteligência, que deve orientar e regulamentar a
atuação dos órgãos de inteligência do
governo, encontra-se aguardando a
chancela presidencial desde o final de
2010. Em abril deste ano, a Associação
Nacional dos Oficiais de Inteligência
(AOFI) divulgou uma nota cobrando a
aprovação do texto legal, reiterando a
urgência de uma definição mais clara das
atribuições da inteligência de Estado.
Da mesma forma, os recursos previstos
para a rubrica “Implantação do Sistema de Defesa Cibernética” no Projeto
de Lei Orçamentária Anual para 2014
foram reduzidos em relação aos já parcos números de 2013, caindo de R$ 90
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milhões para R$ 70 milhões (Monitor
Mercantil, 25/09/2013). Aparentemente,
nada consegue demover as autoridades
brasilienses da sua adesão pétrea à
agenda de prioridade máxima para a
formação do superávit primário e o serviço da dívida pública.
Ainda assim, as autoridades e empresas estatais brasileiras podem recorrer a algumas medidas de custo relativamente baixo para se proteger da bisbilhotice dos ciberespiões da Agência de
Segurança Nacional (NSA), desde que
se disponham a dar um pequeno recuo
tecnológico em suas comunicações.
Uma delas é isolar da internet as redes
intranet dos órgãos de governo e das estatais. No caso dos ministérios, não seria
difícil estabelecer uma intranet coletiva
com redes de fibra ótica, na qual operassem apenas equipamentos fisicamente
isolados da internet; para os trabalhos
que requeressem o acesso à rede mundial, usar-se-iam outros equipamentos.
Outro recurso é evitar ao máximo as ligações telefônicas para assuntos sensíveis – lição que, de resto, já era ensinada há décadas por importantes políticos brasileiros, como Tancredo Neves
e outros. Como as repartições ficam a
pouca distância entre si, na Esplanada
dos Ministérios, o uso de malotes e mensageiros pode resolver boa parte das necessidades. O mesmo recurso pode ser
empregado pelas estatais, com os devidos cuidados com as empresas responsáveis pela circulação dos malotes. Até
mesmo uma empresa como a Petrobras
poderia usar este recurso para a transmissão de informações como os dados
de produção de suas plataformas, em
vez de utilizar a internet, pelo menos,
enquanto um serviço de correio eletrônico nacional mais seguro não estiver
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disponível. Dá mais trabalho, mas pode
ser mais seguro, no caso de informações
que não se deseje que cheguem a olhos
e ouvidos indiscretos.
Antes que se pense que tais sugestões
são pueris, vale lembrar que o governo
da Rússia está comprando máquinas de
escrever na Alemanha, para a redação
de documentos sigilosos. Igualmente
relevante é a lição da milícia libanesa
Hisbolá durante a guerra de 2006 contra Israel, que driblou as sofisticadas
capacidades de inteligência eletrônica
israelenses utilizando mensageiros em
motocicletas, ao mesmo tempo em que
utilizava com grande eficiência os seus
não menos capazes recursos eletrônicos obtidos junto ao Irã, cujas sofisticação e eficiência nada ficam a dever
às das potências ocidentais (e também
seria conveniente tomar nota deste
fato, agora que o Irã está se reaproximando do Ocidente).
Nada disso, evidentemente, pode
dispensar providências de maior alcance,
como a disponibilidade, no prazo mais
curto possível, de satélites de comunicações estratégicas, de redes de fibra
ótica interligando os países sul-americanos e, possivelmente, os parceiros do
grupo BRICS, o sistema e-mail gerenciado pelos Correios e outras. Algumas
delas já estão sendo implementadas,
mas é preciso que todas, efetivamente,
saiam do papel.
Seja como for, o fato é que o País
não pode mais esquivar-se de investimentos sérios em segurança nacional,
escudando-se na velha ilusão de que
“não tem inimigos externos”. Nunca é
demais repetir o velho – e mais que
nunca atual – refrão de que não se pode
improvisar um sistema de defesa e inteligência eficiente.
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Solidariedade Ibero-americana
EUA: promiscuidade
inteligência-empresas é (bem)
mais antiga do que parece
A revelação de que as grandes operadoras
da Internet e de telefonia, como a Google,
Microsoft, Facebook, YouTube, AT&T,
Verizon e outras, mantêm acordos com a
Agência de Segurança Nacional (NSA), para
facilitar o acesso às comunicações e informações dos usuários dos serviços das empresas, escancarou para o mundo a extensão da cooperação entre o aparato de inteligência e o setor privado, que tem sido um
dos pilares do “complexo de segurança
nacional” estadunidense. Não obstante, embora este complexo tenha adquirido a sua
forma atual no pós-guerra, a cumplicidade
ativa de empresas de telecomunicações com
os serviços de inteligência de sinais estadunidenses é uma prática que remonta aos
primórdios de tais operações, ainda na década de 1920, quando a inteligência militar
já tinha acesso aos telegramas enviados, recebidos e retransmitidos pelos EUA.
A primeira agência estadunidense
dedicada à interceptação de telecomunicações em tempos de paz foi a chamada Câmara Negra (Black Chamber), criada em
1919 a partir de uma reorganização de uma
seção especializada do Exército, que havia
desempenhado a função durante a I Guerra
Mundial. Dirigida por um virtuose da criptografia, Herbert O. Yardley, a sua primeira
façanha foi decifrar o código de comunicações utilizado pelo governo do Japão, o que
permitiu aos EUA conhecer antecipadamente as posições japonesas durante a Conferência Naval de 1920, que negociou as
proporções entre as frotas das cinco principais potências vencedoras da guerra – EUA,
Grã-Bretanha, França, Itália e Japão. No ano
seguinte, Yardley pressionou as empresas telegráficas estadunidenses, entre elas a Western Union e a Postal Telegraph, a permitir o
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acesso de sua agência aos telegramas transmitidos por elas. Como afirma o jornalista
James Bamford, autor de três livros sobre a
NSA, “ao final de 1920, a Câmara Negra
tinha a cooperação secreta e ilegal de quase
toda a indústria telegráfica estadunidense”.
Em 1929, a Câmara Negra, vinculada
ao Departamento de Estado, foi fechada por
pressão do então secretário de Estado
Henry Stimson (notabilizado pela declaração de que “cavalheiros não leem a correspondência de outros”), mas suas atividades
foram apenas transferidas para outra repartição, o Serviço de Inteligência de Sinais
(SIS) do Exército. A despeito das restrições
da Lei de Comunicações de 1934, que estabelecia penalidades para a interceptação de
comunicações privadas, a eclosão da II
Guerra Mundial levou o presidente Franklin
Roosevelt, em 1940, a autorizar a cooperação das empresas telegráficas com o SIS.
Ao término do conflito, a agência tinha
mais de 10 mil funcionários.
Durante a guerra, tanto os EUA como a
Grã-Bretanha desenvolveram extraordinárias capacidades de inteligência de sinais
(Sigint, no jargão de inteligência), que se revelaram cruciais para o desfecho favorável
aos Aliados e, no pós-guerra, se tornariam
os embriões do vasto aparato de espionagem
que está sendo exposto ao mundo, com a
defecção do ex-analista Edward Snowden.
Longe de ser reduzido, o advento da Guerra
Fria proporcionou o pretexto para a sua
ampliação constante, tanto física como
quanto ao escopo da sua utilização, que,
além da luta contra o comunismo soviético,
passou a ser empregado em toda sorte de
atividades clandestinas de interesse dos seus
controladores, situados na cúpula do Establishment oligárquico anglo-americano.
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Em 1947, foi estabelecido o Acordo
UKUSA, envolvendo os serviços de inteligência de sinais dos EUA, Reino Unido,
Canadá, Austrália e Nova Zelândia, também chamado ”Five Eyes” (Cinco olhos),
que possibilita uma divisão de trabalho e
um intenso intercâmbio entre as respectivas
agências, mantendo-se até os dias de hoje.
Ainda em 1945, as três grandes empresas telegráficas estadunidenses – Western
Union, RCA e ITT – foram persuadidas a
manter o esquema de cooperação que havia
prevalecido durante a guerra, em um programa secreto que passou a ser chamado Operação Trevo (Operation Shamrock). Na RCA,
o entendimento foi facilitado pelo fato de um
de seus diretores, Sidney Sparks, havia acabado de deixar a chefia do Corpo de Sinais
do Exército, que ocupara durante o conflito
(um prenúncio da promiscuidade entre o serviço público e as atividades privadas, que,
nas décadas seguintes se tornaria uma marca
registrada do “complexo de segurança nacional”). O arreglo, autorizado pelo presidente Harry Truman (1945-1953), foi herdado
pela NSA, fundada em 1952. Além de fazer
parte da operação, a RCA forneceu grande
parte dos equipamentos para a nova agência.
Sem qualquer fiscalização do Congresso
ou do Judiciário, a Operação Trevo passou
a incluir entre os seus alvos quaisquer cidadãos e organizações que se opusessem às
políticas governamentais, inclusive, os militantes do movimento de direitos civis – uma
operação paralela estabelecida a pedido do
FBI, que, em 1969, recebeu o nome Minarete (Operation Minaret).
Na década de 1960, as empresas de comunicações passaram a gravar os seus dados
em fitas magnéticas, que, combinadas com
computadores, proporcionaram à NSA o
que Bamford qualifica como “um salto quântico em sua capacidade de bisbilhotar”.
Com o uso de palavras-chave, o trabalho de
rastreamento das mensagens de interesse da
agência foi consideravelmente facilitado.
No início da década de 1970, entre os milhões de mensagens interceptadas mensalmente, cerca de 150 mil eram selecionadas
para exame pelos analistas da agência.
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Quando Richard Nixon assumiu a presidência, em janeiro de 1969, ele nomeou
um Comitê Interagências sobre Inteligência, o qual recomendou que a NSA expandisse o seu programa de vigilância a todos
os cidadãos estadunidenses que usassem
os serviços de empresas internacionais, incluindo vigilância eletrônica, quebra de sigilo postal e buscas clandestinas em escritórios e residências.
As operações Minarete e Trevo foram
encerradas em 1975, depois de serem reveladas por um comitê do Senado dirigido
pelo senador Frank Church, que investigava denúncias de abusos do aparato de inteligência contra cidadãos nacionais. Na ocasião, quando os presidentes da ITT, RCA e
Western Union foram convocados a depor
ao comitê, o então presidente Gerald Ford
(1974-1977), instigado pelo chefe de gabinete Dick Cheney e o secretário de Defesa
Donald Rumsfeld (depois, respectivamente,
vice-presidente e secretário de Defesa de
George W. Bush), fez uma inédita extensão
do dispositivo do “privilégio executivo” a
indivíduos privados e recomendou-lhes que
não atendessem à convocação. No entanto,
os três decidiram depor, depois que o comitê ameaçou enquadrá-los por “desprezo ao
Congresso”. Os depoimentos selaram o destino das operações clandestinas.
Em 1976, Ford emitiu uma ordem executiva, proibindo a NSA de interceptar ligações telefônicas e telegramas domésticos.
Em 1978, o Congresso consolidou a proibição com a aprovação da Lei de Supervisão de
Inteligência Estrangeira (FISA), que restringia a agência a investigar cidadãos e grupos
estrangeiros. Não obstante, tais restrições
passariam a ser contornadas com uma crescente tendência à “terceirização” e “privatização” das atividades de inteligência, tanto
internas como externas, iniciadas nos governos de Ronald Reagan (1981-1989) e George H.W. Bush (1989-1993) e elevadas a um
paroxismo no período pós-11 de setembro
de 2001. Portanto, a “cooptação” das empresas da Internet pela NSA não constitui
qualquer surpresa, mas representa apenas a
continuidade de uma longa tradição.
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Solidariedade Ibero-americana
Putin fala sobre a reconstrução do
Estado nacional no Fórum de Valdai
Elisabeth Hellenbroich, de Wiesbaden
A 10ª reunião anual do Fórum de Discussões de Valdai, ocorrida entre 16-19 de setembro, foi um evento verdadeiramente extraordinário, em especial, pelas considerações ali apresentadas pelo presidente russo
Vladimir Putin. Fundado em 2004, em uma
iniciativa conjunta da agência noticiosa
Novosti e o Conselho Russo de Assuntos
Estrangeiros e de Defesa, dirigido pelo especialista em segurança Sergei Karaganov, o
fórum (também chamado Clube Valdai) tem
reunido todos os anos especialistas em segurança e defesa, acadêmicos, jornalistas,
empresários e funcionarios de governo, da
Rússia, Europa, China e outros países, para
intensas discussões privadas e públicas, centradas no papel e perspectivas da Federação
Russa no cenário global. Nos últimos anos,
Putin tem participado das discussões, fazendo a palestra de encerramento do evento, o
qual considera como uma importante plataforma para um intercâmbio de ideias franco e frutífero entre o Ocidente e o Oriente.
Este ano, o tema central do evento foi
“A diversidade da Rússia para o mundo
moderno”. Em seu discurso, Putin fez uma
abordagem crucial sobre os princípios essenciais do que rotulou como o “estadismo
russo” – e, não menos, traçou uma “linha
vermelha” sobre as características fundamentais do Estado nacional. De forma representativa do formato do fórum, ele compartilhou o painel final com o ex-ministro da
Defesa alemão Volker Rühe, o ex-primeiroministro francês François Fillon, e ex-premier italiano Romano Prodi e o presidente
do Centro para o Interesse Nacional estadunidense, Dimitri K. Simes.
Putin falou sobre a necessidade de fazer
da Rússia uma nação de “criadores”, uma
nação de indivíduos e cidadãos que se considerem como construtores da nação, a partir
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do recurso mais essencial da Rússia: a sua
história secular, seus valores cristãos e a sua
extraordinária literatura. Para uma “sociedade cívica” funcional, como a definiu, em
que cada indivíduo seja consciente de suas
responsabilidades e tome decisões autônomas, é importante atentar para as lições da
História e ser consciente das suas partes
boas e ruins. A sua visão combina uma sociedade criativa mais complexa e a ideia de
que a Rússia deve se engajar, simultaneamente, em um esforço renovado para construir a União Econômica Eurasiática e promover mais ativamente o desenvolvimento
da infraestrutura econômica da região.
Observando que o Fórum de Valdai está
sediado na região de Novgorod, que considerou como “um berço do estadismo russo”,
Putin delineou os princípios fundamentais
de tal orientação, que está vinculada ao futuro do mundo globalizado e o papel que a
Rússia poderá desempenhar nele. Na sociedade russa, afirmou, ocorre uma intensa discussão sobre a questão “quem somos e o que
queremos ser”. Ele deixou claro que não haverá um retorno à ideologia soviética e que
os conservadores que idealizam o período
pré-1917 são tão alheios à realidade como
os liberais “globalizantes” pró-ocidentais.
Os princípios básicos da nacionalidade
russa foram assim descritos:
• “Não se pode progredir sem uma autodeterminação spiritual, cultural e nacional”; sem ela, não há como se resistir
aos competidores.
• “Cada país tem que ter a sua força militar, tecnológica e econômica, mas a chave para uma nação e o que determina o
seu sucesso é a qualidade dos cidadãos;
a qualidade da sociedade é a sua força
intelectual, espiritual e moral.”
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• “Se os cidadãos de um dado país se consideram como uma nação, isto irá depender de até onde eles se identificam
com a sua própria história, valores e
tradições, e se eles estão unidos por
objetivos e responsabilidades comuns.
Realmente, a questão de se encontrar e
fortalecer a identidade nacional é fundamental para a Rússia.”
Na visão de Putin, o catastrófico século
XX representou um grande golpe nos códigos nacionais e espirituais do povo russo,
deixando atrás de si “um déficit de confiança e de responsabilidade” na sociedade.
Por conseguinte, o princípio crucial do
estadismo, atualmente, é desenvolver em
cada cidadão um sentido de “responsabilidade própria perante à sociedade e à lei”.
Putin enfatizou que, no período posterior a
1991, não foi feito um esforço suficiente
para se promover um debate amplo sobre o
tema da identidade nacional russa. A identidade nacional não se desenvolve de acordo com as regras do mercado, nem é um
modelo que possa ser imposto de fora para
dentro. “O desejo de independência e soberania nas esferas espirituais, ideológicas e de
política externa constitui uma parte integral
do nosso caráter nacional”, disse ele.
“Nós precisamos de criatividade histórica, uma síntese das melhores ideias, um
entendimento das nossas tradições culturais, espirituais e políticas, de diferentes
pontos de vista, e entender que ela [a identidade nacional] não é uma coisa rígida que
irá durar para sempre, mas um organismo
vivo”, ressaltou.
Para tanto, disse Putin, é necessário um
amplo debate na sociedade, envolvendo pessoas com diferentes pontos de vista políticos, promovendo uma cultura de diálogo livre: “Todos nós – os chamados neoeslavófilos e neoocidentalizantes, estatistas e os
assim chamados liberais – toda a sociedade
deve trabalhar em conjunto para criar metas de desenvolvimento comuns.”
O líder do Kremlin ressaltou que quer
ajudar a criar uma sociedade criativa e vibrante, em que cada indivíduo seja capaz
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de ouvir os outros e se deixe de lado os hábitos de ouvir apenas os que pensem igual e
de reagir raivosamente a qualquer outro
ponto de vista – isto é, deve haver um amplo debate na sociedade, no qual os liberais
aprendam a conversar com representantes
da esquerda e, igualmente, os nacionalistas
entendam que a Rússia foi formada especificamente como um país multiétnico e
multiconfessional.
Ao mesmo tempo, Putin se mostrou bastante crítico do fato de que, em vários países
do Ocidente, muitas pessoas reneguem os
valores e raízes cristãos de suas identidades,
enraizadas na Civilização Ocidental, negando a identidade tradicional ocidental e
promovendo excessivamente os preceitos da
“correção política”, que enfraquecem a família: “Sem os valores basilares do cristianismo e das outras religiões mundiais, sem
os padrões de moralidade configurados ao
longo de milênios, as pessoas, inevitavelmente, perdem a sua dignidade humana.
Nós consideramos que é natural e correto
defender estes valores.”
Por conseguinte, o papel da Rússia na
política global se orienta pelo desenvolvimento de uma nação baseada na diversidade,
harmonia e equilíbrio. A Rússia, como colocou Putin, tem evoluído como uma “complexidade florescente”, uma civilização de
Estado reforçada pelo povo, a língua e a
cultura russos, pela Igreja Ortodoxa Russa
e pelas outras tradições religiosas do país.
Putin finalizou, enfatizando que o povo
russo deve desenvolver uma identidade cívica de uma maneira nova, com base em
valores compartilhados e na participação
ativa dos cidadãos na vida da sociedade.
“A principal força da Rússia, neste século e
nos vindouros, se baseará menos nos recursos naturais, e mais na educação, criatividade e saúde física e espiritual do seu povo”,
afirmou. “Os cidadãos russos devem sentir
que são os proprietários responsáveis do
seu país, de sua região, de sua cidade, de
suas propriedades e bens, e de suas vidas.
Os governos locais e organizações de cidadãos autorreguladas funcionam como a melhor escola para a consciência cívica.”
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Solidariedade Ibero-americana
A Reserva Federal
imprime dólares; (alguns)
BRICS compram ouro
Mario Lettieri e Paolo Raimondi, de Roma
Se bastasse criar liquidez a partir do
nada para fomentar a economia e superar a crise, estaríamos há tempos na
terra da abundância, especialmente, no
caso dos EUA. Infelizmente, as coisas
não são tão simples.
Portanto, a recente decisão do Sistema da Reserva Federal de manter as maciças injeções mensais de liquidez no sistema financeiro revela, simplesmente,
que o banco central estadunidense não se
mostra mais capaz de interromper a sua
função de fornecedor de “morfina” a um
sistema cada vez mais “viciado”. É certo
que as bolsas de valores têm respondido
de uma maneira bastante animada com
a elevação dos índices, mas não se pode
dizer que isto seja um sinal positivo real.
Na verdade , o próprio “Fed” , após
a reunião do seu Comitê de Mercado
Aberto, teve de admitir que “se fôssemos
continuar com o aperto das condições
financeiras (com o aumento das taxas
de juros), observado nos últimos meses,
o processo de melhora da economia e do
mercado de trabalho poderia se tornar
mais lento”. A consequência inevitável
desta “filosofia” é que os EUA continuarão a praticar a sua “política monetária acomodatícia” , injetando 85 bilhões de dólares por mês na compra de
novos títulos do Tesouro e derivativos
baseados em ativos.
O presidente do banco, Ben Bernanke, cujo mandato está prestes a expirar,
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reiterou que a “facilitação quantitativa”
(quantitative easing, em inglês) continuará enquanto os níveis de desemprego
nos EUA não caiam abaixo de 6,5 %.
Como se espera que isto não aconteça
antes do final de 2014, até lá, teremos
cerca de 1,5 trilhão de dólares novos nos
mercados internacionais.
Porém, a edição de setembro do boletim trimestral do Banco de Compensações Internacionais (BIS) levanta sérias dúvidas sobre os “benefícios” da
“facilitação”, detalhando as suas repercussões desastrosas, especialmente, nas
economias emergentes. O boletim lembra que, em maio último, quando o
“Fed” apenas ventilou a hipótese de uma
mudança na sua política monetária, os
juros dos títulos de dívidas dispararam,
deflagrando uma cascata de efeitos negativos em muitos setores financeiros de
várias partes do mundo. Houve uma corrida para a venda de títulos, com a consequente queda nos preços. Nos mercados
emergentes, a retirada de capitais provocou uma forte desvalorização de algumas
de suas moedas.
A análise do BIS ressalta que, mesmo
depois das garantias dadas pelo “Fed”,
pelo Banco Central Europeu (BCE) e
pelo Banco da Inglaterra, em julho, o
aumento dos juros de longo prazo se
manteve, enquanto os mercados esperavam um aperto na situação financeira em
todo o mundo.
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A situação é extremamente volátil. o Brasil é a exceção do grupo, pois suas
Apesar deste aumento já por si desesta- reservas, ao final de 2012, não chegavam
bilizador, os juros de longo prazo perma- a 70 toneladas e o Banco Central brasinecem baixos e empurram os investidores leiro não parece estar engajado em aquipara produtos e operações financeiras de sições importantes do metal.
Isto não configura uma súbita atração
alto risco. Consequentemente, crescem a
emissão de títulos e de empréstimos nos pelo metal precioso, mas uma estratégia
setores financeiros mais expostos e arris- de política monetária e geoeconômica
cados – da mesma forma como ocorreu coerente. Em todo o mundo, a maioria
pouco antes da eclosão da crise global de dos países está consciente de que o dólar
2007-2008. Por exemplo, a proporção estadunidense se enfraquece e se torna
de “empréstimos alavancados”, crédi- mais instável a cada dia, por conta da
tos bastante parecidos com as hipotecas criação descontrolada de moeda nova
subprime – ou seja, concedidos a credo- pelo “Fed”.
Estaremos chegando ao momento do
res já altamente endividados e de confiabilidade duvidosa –, já atinge 45 % do ajuste de contas? Será chegada a hora da
mercado de financiamentos “in pool”, adoção da célebre “cesta de moedas” e
distribuídos entre um grupo de bancos. de ouro, proposta pelos BRICS para
Observe-se que este percentual é 10% substituir o dólar? E a Europa, o que tem
superior aos níveis até então recordes re- a dizer a respeito?
gistrados antes do colapso do
Lehman Brothers.
Contra a corrente, vale registrar que as políticas monetárias de alguns membros do
grupo BRICS e outros países
emergentes importantes têm
como uma das metas principais o aumento das suas reservas de ouro. Estima-se
que, este ano, apenas a
China deve comprar pelo
menos 1.000 toneladas do
metal, o que duplica as
suas reservas. Em conjunto, China, Rússia e Índia
poderão responder pela
compra de cerca de 70%
de todo o ouro produzido
em 2013. Em 2012, a Rússia aumentou as suas reservas do metal em 8,5%,
levando-as para um total
aproximado de 1.000 toneladas. A Índia fechou
2012 com cerca de 560 toO Brasil deveria seguir o exemplo de seus parceiros no BRICS
neladas. Neste particular,
e aumentar as suas reservas de ouro
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