diretrizes construtivas para origami arquitetônico de 90 graus
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DIRETRIZES CONSTRUTIVAS PARA ORIGAMI ARQUITETÔNICO DE 90 GRAUS Thaís Regina Ueno UNESP – FAAC, Departamento Artes e Representação Gráfica [email protected] Resumo As dobras do origami e os cortes do kirigami se fundiram em uma técnica oriental chamada Origami Arquitetônico, que, assim como essas artes em papel, apresenta relações intrínsecas com a geometria. No entanto, ainda não é muito explorado como recurso didático por falta de parâmetros definidos na sua construção, apesar de suas potencialidades. Existem muitos estudos sobre linguagens computacionais para o desenvolvimento de programas que possam auxiliar na construção de projetos de estruturas pop-up ou em kirigami tridimensional, como o origami arquitetônico também é conhecido. No entanto, poucos são os estudos referentes ao estudo do posicionamento das linhas de corte e vinco, essenciais no processo de criação de um projeto de origami arquitetônico, principalmente no desenvolvimento da percepção espacial da figura. Limitando-se aos modelos com abertura de 90 graus, este artigo trata do estabelecimento de algumas diretrizes iniciais para o desenho de um origami arquitetônico, relacionando-os com elementos visuais como ponto, linha e forma. São apresentados alguns modelos básicos para ilustrar os parâmetros construtivos detectados, além de modelos elaborados pela autora, mostrando a viabilidade das diretrizes estabelecidas. Palavras-chave: origami arquitetônico, diretrizes construtivas, geometria, estrutura pop-up, kirigami tridimensional. Abstract Origami folds and kirigami cuts merged in an oriental technique called Origamic Architecture that has intrinsic relationships with geometry as well as these paper arts. Despite its potential, it is not very used as a didactic resource because of the lack of parameters in its construction. There are many studies about programs development and computational language to help the design of pop-up structures or 3D kirigami, as origami architecture is also known. However, there are few studies concerning the study of positioning the lines and creases, which is essential in the process of creating an origami architecture design, especially in the development of spatial perception of the figure. Limited to the 90o open type models, this article is about the establishment of some initial guidelines for design of an origamic architecture through visual elements as point, line and shape. It is presented some basic models to illustrate the constructive parameters detected as well as some models elaborated by the author, showing the viability of the guidelines established. Keywords: origamic architecture, constructive guidelines, geometry, popup structure, 3D kirigami. 1 Introdução Origami arquitetônico (OA) é a técnica que representa a fusão entre as dobras do origami tradicional, conhecido também como dobradura, e os cortes do kirigami1. Também conhecido como estrutura pop-up ou kirigami tridimensional, no origami arquitetônico ocorre a transformação de desenhos bidimensionais em tridimensionais através de cortes e dobras. O termo original “Origamic Architecture”, que significa “arquitetura do papel dobrado”, foi criado por Masahiro Chatani em 1981 para mostrar beleza, emoção e alegria de se projetar uma construção aos seus alunos de arquitetura (CHATANI, 1983). Percebe-se que o OA trabalha a tridimensionalidade em uma folha de papel e que ele tem grande potencial a ser explorado no estabelecimento de relações geométricas à medida que se faz o planejamento da imagem que se pretende projetar. Além disso, existem diferentes modalidades de origami arquitetônico (CHATANI, 1985), com uma linguagem própria e um procedimento técnico específico de planejamento e execução, que aumentam as possibilidades de estudos de correlações com a geometria e, consequentemente, suas aplicações no ensino. Existem muitos livros publicados apresentando instruções com modelos prontos e ilustrações, mas estes servem apenas para a reprodução de estruturas pré-definidas, não se preocupando com o entendimento das técnicas por trás das construções. Quem, por ventura, quiser se aventurar a criar algum modelo, recorrerá na tentativa e no erro para o ajuste e posicionamento das linhas definidas para corte e dobra. Limitando-se a discussão do origami arquitetônico com abertura em 90 graus, este artigo apresenta então algumas diretrizes que nortearão o início do processo conceptivo de modelos, fazendo um comparativo com a geometria descritiva e procurando uma maior compreensão do seu processo projetual e construtivo a partir de elementos visuais básicos. 1 Fusão do verbo kiru (que significa “cortar”) e da palavra kami (um dos seus significados é “papel”), utiliza dobras e cortes simultaneamente, resultando em formas vazadas. 2 Fundamentação teórica O origami foi usado durante muitos séculos apenas para a criação de enfeites artísticos e religiosos. Entretanto, ao longo do tempo, pesquisadores e educadores começaram a perceber que esta técnica poderia ser explorada em muitos campos, dentre eles, na sua correlação com a geometria. O origami começou a ser aplicado no Japão em meados da Era Meiji2 (1868-1912) nos jardins de infância e nos primeiros anos do primário, sofrendo grande influência de Friedrich Wilhelm August Fröbel (1782-1852), educador alemão que utilizava dobras para desenvolver formas geométricas (YAMAGUCHI, 1996). A famosa escola alemã Bauhaus também utilizou a dobradura como inspiração para o desenvolvimento de trabalhos no campo do desenho industrial e arquitetura (ASCHENBACH, FAZENDA & ELIAS, 1992; YIGIT, 2004), encorajando seus alunos a manipularem o papel, através de cortes e dobras, percebendo então o potencial dessa arte como técnica exploratória de composições geométricas. No mesmo sentido, vários autores estudam a aplicação do origami como recurso didático, principalmente no ensino de geometria (IMENES, 1996; ALMEIDA, LOPES & SILVA, 2000; CIPRA, 2001; CAVAKAMI & FURUYA, 2008). Em relação ao origami arquitetônico, mais especificamente, existem alguns estudos de aplicação em programas de disciplinas que o exploram no aprendizado de conceitos geométricos (OLIVEIRA, OLIVEIRA & ARAÚJO, 2008), dentro da área denominada numerical descriptive geometry3 (ANDO, SHIBATA & CHATANI, 2001), no estudo da gramática e propriedades de formas arquitetônicas (ANDO et al, 2001) e na sua contribuição com o processo de criação e observação de construções arquitetônicas (KUWAIT UNIVERSITY, 2000). Além dessas experiências educacionais com origami arquitetônico, existem também estudos relacionados à linguagem computacional dessa arte. Mitani e Suzuki (2004) desenvolveram um software (3D Card Maker) que permite criar modelos com abertura de 90 graus através de coordenadas de comprimento, largura e profundidade, além de gerar planificações dos mesmos, dentro de uma estrutura modular quadrada. A partir desse primeiro software, eles desenvolveram os programas Pop-Up Card Designer (TAMA SOFTWARE, 2007) e Pop-Up Card Designer PRO (TAMA SOFTWARE, 2008) disponíveis na internet para download. 2 Era Meiji: período do reinado do Imperador Meiji, que apoiou a modernização e ocidentalização do Japão, transformando o sistema feudal em industrialização. 3 Comparado com a geometria descritiva tradicional, a “geometria descritiva numérica” trabalha com coordenadas 3D para lidar com formas tridimensionais, não considerando as projeções em duas dimensões como método de solução, mas como o resultado final. Neste mesmo caminho, Tor, Mak & Lee (2004) e Cheong, Zainodin & Suzuki (2006) estabeleceram relações matemáticas para a compreensão da topologia e geometria de uma estrutura pop-up de abertura 90 graus, visando o desenvolvimento de projetos auxiliados por computador. Pensando em estruturas de origami arquitetônico com abertura de 180 graus, Hara e Sugihara (2009) vêm estudando um método computacional de geração automática de livros pop-up baseados nas dobras mais simples, chamadas de dobras “V”. Ueno e Caldeira (2001) também apresentam relações e diferenças do origami arquitetônico com a geometria descritiva e Cheng (2009) faz uma correlação dessa técnica com o Sistema Bicentral de Teixeira ou Método de Projeções Oblíquas de Denise4. Percebe-se então que o origami arquitetônico, assim como o origami, também vem apresentando relações intrínsecas com a matemática e que programas computacionais vêm sendo desenvolvidos especificamente para ele. Este artigo visa, portanto, estabelecer algumas diretrizes construtivas, propondo uma abordagem gráfica simples e eficiente para o posicionamento das linhas que definem o projeto. Foca-se principalmente em compreender o processo de projeto de uma estrutura pop-up em sua essência e habilitar quem se aventurar nesta arte a ser capaz de planejar, desenhar, cortar e dobrar modelos diversos. 3 Desenvolvimento Em publicações com figuras pré-definidas de origami arquitetônico, normalmente temse duas informações visuais: uma fotografia (ou desenho em perspectiva) do modelo tridimensional e sua planificação. A primeira serve como referência para se chegar ao produto final e a segunda informação contém um conjunto de linhas especificamente projetadas mostrando a localização de onde se deve cortar ou dobrar. Portanto, o passo inicial da construção de um modelo é fazer sua planificação. O estudo a seguir trata então, do ponto de vista geométrico, da determinação de parâmetros para projetar modelos de origami arquitetônico (OA), limitando-se na modalidade de 90 graus, levando em consideração a observação progressiva de ponto, linha e forma, a fim de representar o modelo corretamente em sua planificação. Considerando o modelo de OA de 90 graus aberto, vamos, a princípio, compará-lo com o sistema mongeano e, dentre os quatro diedros, optaremos em localizar o modelo no primeiro diedro. Dessa forma, a dobra central corresponde à linha de terra (LT). Nesse sistema, um ponto localizado no primeiro diedro pode ser representado através de coordenadas como: 4 Sistema composto por duas projeções de centros impróprios em um único plano de projeção, sendo que uma projeção é ortogonal e outra oblíqua (CHENG, 2009, p. 1699). - Abscissa: distância de um ponto ao Plano de Origem das Abscissas. - Cota: distância do ponto em relação ao plano horizontal de projeção. - Afastamento: distância do ponto em relação ao plano vertical de projeção. No origami arquitetônico, o ponto A no espaço também possui essas mesmas coordenadas, como podemos perceber analisando as figuras 1 e 2. Figura 1: Ponto no primeiro diedro do sistema mongeano. o Figura 2: Ponto no OA de 90 . Uma característica interessante dos modelos em origami arquitetônico é que eles não são estáticos, pois a figura se movimenta à medida que os planos vertical e horizontal se abrem ou se fecham. Analisando o movimento de abertura do modelo na sua planificação (figura 3), percebe-se que há uma rotação de 90 graus do ponto A em relação ao ponto A1 (projeção do ponto A no plano horizontal). Figura 3: Perfil da rotação sofrida pelo ponto A ao abrir o modelo. Com isso, na planificação do modelo (figura 4), podemos trabalhar com um sistema de coordenada cartesiana, com eixos X e Y. Figura 4: Localização do ponto A na planificação. Dessa forma, a coordenada resultante dessa operação na determinação da localização do ponto A correspondente pode ser determinada com a seguinte equação (sendo x = Abscissa, c = Cota, f = Afastamento): An = (x, c-f) ...(1) A abscissa no OA passa a ser considerada como a distância da estrutura ao limite do material onde se encontra. A nova coordenada formada pela subtração do afastamento pela cota é que define a localização da mesma na planificação. Se o resultado dessa subtração for maior que zero, ou seja, a cota for maior que o afastamento, o ponto estará localizado na parte superior, acima da dobra central, como na figura 4. Se o resultado for menor que zero (negativo), ou seja, se a cota for menor que afastamento, o ponto estará localizado na parte inferior, abaixo da dobra central (figura 5). E, finalmente, se o resultado for nulo, ou seja, zero (cota e afastamento da mesma dimensão), o ponto coincidirá com a dobra central (figura 6). Figura 5: Cota (c) menor que afastamento (f). Figura 6: Cota (c) igual ao afastamento (f). No OA, uma linha já é capaz de determinar uma construção básica. Tomemos um modelo básico muito utilizado por Chatani para criar composições mais complexas (figura 7). Figura 7: Modelo “Degrau Frontal”. Fazendo a determinação da localização de todos os pontos correspondentes através da equação 1, temos os seguintes resultados para o modelo “Degrau Frontal” na Tabela 1. Tabela 1: Coordenadas do modelo “Degrau Frontal” Ponto Eixo X (x) Eixo Y (c-f) A 5 -4 (0-4) B 8 -4 (0-4) C 8 0 (0-0) D 5 0 (0-0) E 5 -2 (2-4) F 8 -2 (2-4) G 8 0 (2-2) H 5 0 (2-2) I 5 2 (4-2) J 8 2 (4-2) K 8 4 (4-0) L 5 4 (4-0) Para desenhar uma planificação, adotaremos a nomenclatura própria do origami tradicional, que o origami arquitetônico também segue (figura 8) e que Chatani (1985, p. 105) utiliza em todos seus trabalhos. Figura 8: Nomenclatura para a representação gráfica da planificação de modelos em OA. Com as coordenadas obtidas na Tabela 1, a disposição dos pontos do modelo “Degrau Frontal” se apresentará como na figura 9. Figura 9: Planificação do modelo “Degrau Frontal”. Quando comparamos a épura correspondente desse modelo (figura 10) com a sua planificação (figura 11), constatamos que as medidas de cota e afastamento ficam alternadas, conforme detectado em Ueno e Caldeira (2001). Figura 10: Épura do modelo “Degrau frontal”. Figura 11: Planificação do modelo “Degrau Frontal”. Fazendo uma interpretação dos dados obtidos, podemos afirmar que, quando as coordenadas de dois ou mais pontos apresentam a mesma abscissa, eles fazem parte de uma mesma linha vertical e ela possivelmente apresentará corte. No entanto, quando as coordenadas de dois ou mais pontos apresentam o mesmo resultado da subtração da cota pelo afastamento – ou seja, coordenada Y - pode-se afirmar que eles pertencem a uma mesma linha horizontal, possivelmente apresentando dobra ou corte, dependendo do modelo. Outra afirmação que se pode fazer é que as dobras montanha e vale se alternam, e que, seguindo o sentido de baixo para cima do modelo, sempre a primeira dobra de baixo e a última de cima serão vale. Percebe-se também que, à medida que a quantidade de pontos e linhas aumenta e o desenho do modelo fica mais complexo, é necessário tomar como base não mais esses elementos visuais básicos, mas passar a considerar as formas das figuras. Do contrário, ficaria um emaranhado de pontos e cálculos para cada um deles, dependendo do modelo, dificultando o seu processo de determinação de parâmetros e sua execução. Além do mais, o objetivo é tornar o processo construtivo o mais simples possível. Dessa forma, facilita saber que, qualquer que seja a forma desenhada, é necessário que tenha uma linha na base da figura com dobra vale (que a liga ao plano horizontal) e outra linha de dobra vale (que a liga ao plano vertical). Se algumas delas faltar, a figura não terá a interatividade desejada no ato de abrir e fechar. Outra informação importante é que a linha na base dessa forma precisa estar a certa distância da linha de dobra central, para baixo, a fim de que a figura “projete-se para frente” ao abrir o modelo. Essa distância é o afastamento do objeto em relação ao plano vertical. Além disso, deve-se ter atenção ao determinar a dimensão adequada dos limites do modelo para que não fiquem partes da figura para fora ao fechar o cartão. O movimento da figura ao fechar o modelo segue uma rotação com dois pontos fixos, A e B, sendo A o ponto base da figura fixada no plano horizontal, e B o ponto fixado no plano vertical (figura 12). Ao fechar o modelo, podemos perceber que o segmento BO permanece paralelo ao plano horizontal. Figura 12: Processo de fechamento de um modelo em OA. Com o fechamento total, podemos concluir que a dimensão mínima que o modelo dobrado deve ter para que a figura não fique “sobrando”, será a somatória do valor do segmento BO (que corresponde ao afastamento) com o valor do segmento OA (que corresponde à cota) da maior figura que tiver. Para concluir, foram criados alguns modelos com os parâmetros citados anteriormente. No primeiro, foi trabalhada a repetição de uma figura semelhante a uma roseta, formando uma estrutura que alterna dobra montanha e dobra vale, como um “zig-zag” (figura 13). No segundo modelo, a figura inicial sofre uma dilatação constante, do maior para o menor e do fundo para a frente, sempre alinhada à base (figura 14). Figura 13: Planificação e Modelo “Zig-Zag” em detalhe (Foto: Ricardo K. Yamada). Figura 14: Planificação e modelo “Dilatação”. (Foto: Ricardo K. Yamada). 4 Conclusão O origami arquitetônico, apesar de apresentar crescentes estudos teóricos sobre suas correlações com o campo da matemática e da computação, ainda carece de abordagens teóricas sobre seu processo de construção. Através da observação de algumas diretrizes construtivas, pretende-se facilitar a compreensão da construção dos modelos, através do entendimento da essência do origami arquitetônico de 90 graus, evitando, assim, processos baseados em tentativa e erro. Ainda existem algumas dúvidas a serem esclarecidas, como seria o comportamento de cortes oblíquos (não perpendiculares à dobra central do cartão) e de cortes em curva, e se existiriam restrições construtivas de um origami arquitetônico de 90 graus, detectando o que ele é e não é capaz de fornecer em termos de projeção. Para isso é necessário desenvolver mais alguns estudos que consistem em etapas futuras deste trabalho. Também se abrem possibilidades de pesquisas mais aprofundadas em aplicações didáticas dessas diretrizes a fim de compreender melhor seus benefícios na compreensão do espaço e na construção de modelos diversos. Referências ALMEIDA, I. A. C.; LOPES, R. F. P.; SILVA, E.B. O origami como material exploratório para o ensino e a aprendizagem da geometria. In: GRAPHICA 2000 / INTERNATIONAL CONFERENCE ON GRAPHICS ENGINEERING FOR ARTS AND DESIGN, 3., & SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMETRIA DESCRITIVA E DESENHO TÉCNICO, 14., 2000, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: UFOP, 2000. 1 CD. 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