A PENA DE MORTE1 Warley Belo2 RESUMO Não se conhece
Transcrição
A PENA DE MORTE1 Warley Belo2 RESUMO Não se conhece
A PENA DE MORTE1 Warley Belo2 RESUMO Não se conhece legislação antiga que não tenha a pena de morte.Estava prevista no Código Criminal do Império do Brasil, de 1830. Hoje, a pena de morte é vedada como pena, exceto em caso de guerra declarada. Nos Estados Unidos da América, há aplicação da pena de morte na maioria dos estados como a Califórnia, Texas, Flórida e Colorado. No Brasil, a pena de morte é prevista na legislação militar. A pena também encontra árdua oposição que entende por irracionais os argumentos pró-pena de morte, dos erros judiciários e do caráter desumano, em si, da penalidade. Nesta concepção não se objetiva nenhum resultado além da morte do criminoso como consequência jurídica. A pena de morte representa o estereótipo máximo do simbolismo penal, da busca por uma solução final das violências, dos problemas sociais, cuja eliminação não existe e nunca advirá do Direito penal. Nos países onde houve a abolição da pena de morte, seria de se esperar a expansão dos crimes que passaram a ter pena mais benéfica, o que não ocorreu. É evidente que a pena de morte também tem seus custos. Há outro argumento derradeiro contra a pena de morte: o erro. Um, inclusive, que decretou a falência da pena de morte no Brasil, o caso do fazendeiro Mota Coqueiro. Por fim, concluirá que a pena de morte é terrível para o criminoso quando da execução, mas não no instante do cometimento de seu crime. Palavras-chaves: Pena de morte; História; Legislação; Legislação comparada; Argumentos pró e contra. ABSTRACT The death penalty inherently violates the constitutional ban against cruel and unusual punishment and the guarantee of due process of law and the equal protection of the 1 Publicado, com adaptações, no livro do mesmo autor Tratado dos Princípios Penais, volume I, Florianópolis: Bookess, 2012, págs. 85 a 106. 2 Mestre em Ciências Penais / UFMG, Advogado Criminalista, Professor de Pós-graduação da Escola Superior de Advocacia – OAB/MG e de Graduação da Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato, Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. E-mail: [email protected]. laws. The imposition of the death penalty is inconsistent with fundamental values of our democratic system. The state should not arrogate unto itself the right to kill human beings, especially when it kills with premeditation. We shall therefore continue to seek to prevent crimes by others ways and to abolish capital punishment against this brutal and brutalizing institution. 1. INTRODUÇÃO O supplicium extremum não é um problema tão somente jurídico. Encerra discussões longas e profundas na filosofia, ética, religião, política e sociologia. Envolve emoção e sofre grande influência da opinião pública e da mídia que, muitas vezes, são levadas a crer que a pena de morte “resolveria” o problema da criminalidade. No aspecto jurídico, entretanto, a primeira pergunta é “quem poderia ter concedido aos homens o direito de fazer degolar seus iguais?”. Firme no pensamento contratualista, Beccaria, em 1764, responde que “tal direito não tem por certo a mesma origem que as leis que protegem.”1 É claro que as ideias influentes de Rousseau acabaram por conduzir o pensamento iluminista majoritário no sentido da falta de fundamentação da pena extrema, nada obstante o próprio Rousseau defender a pena de morte para quem “rompesse o contrato”. Mesmo Beccaria admitiu a pena em raras ocasiões. Sempre que há, entretanto, um acontecimento criminal grave, de grande repercussão, surgem políticos e pessoas defendendo a pena capital. Até se compreende que uma vítima queira se vingar de seu algoz. Mas, o próprio Estado matando age pior dos que os criminosos porque comete o mais premeditado e covarde dos assassinatos. Envolto a várias questões, o tema é muito recorrente, de longa história, de aplicação prática em vários países no mundo, e algumas certezas. 2. ESCORÇO HISTÓRICO A pena de morte já foi a penalidade mais comum em outras épocas. Épocas nas quais não se valorizava o ser humano ou não se concebia, a sacralidade da vida. Existem relatos da pena máxima entre os babilônios, egípcios, gregos, romanos, germanos, hunos, astecas, incas dentre outros2. Não se conhece legislação antiga que não tenha a pena de morte. A lei de Talião3 surge, a bem da verdade, para proporcionar as penas, mas, também para limitar a pena de morte que era de intenso uso. O Código de Hammurabi, o Pentateuco, a mais antiga legislação chinesa, todas previram a pena de morte. No Livro Êxodos é disposto: “Quem ferir alguém, de modo que este morra, certamente será morto.”4 No mesmo sentido é o texto de Apocalipse 13,105. A bíblia apena de morte também a homossexualidade6. O direito canônico já matou “sem derramar sangue”, através das fogueiras, para “salvar almas”. Não obstante, o quinto mandamento proclamar o “não matarás”. Modificavam-se as execuções, ora por crucificação, ora por fogueira, ora por guilhotina, lapidação7 etc., mas sempre, a pena de morte, foi, na História da punição e do Direito penal, muito presente. Externava a vingança privada, a vingança pública, a força do Imperador, do Rei ou mesmo de instituições políticas como a Inquisição. Já se matou “humanitariamente”, pois a guilhotina nasceu como um “mecanismo humano” de se matar. A pena de morte quase sempre era tida como parte de um espetáculo (autos da fé)8, prestigiado pela população, quando não obrigados, por curiosidade. Defendida por filósofos como Platão9, Aristóteles, Sêneca e Erasmo, também por Luthero e Goethe, por santos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino10, pensadores modernos como Kant e Locke, iluministas como Rousseau11, Montesquieu e Beccaria12, juristas como Feuerbach, Bentham e Stuart Mill, Bettiol, Maggiore e Carnelutti, positivistas como Garofalo, Ferri, Tarde, Rocco e Manzini. Mas nenhum deles saiu dos argumentos comuns na defesa da pena capital: segurança coletiva, economia, justa retribuição e intimidação. E sabemos bem que esses pensamentos, jamais, podem ser superiores ao princípio da inviolabilidade da vida humana. 3. DISPOSIÇÕES LEGAIS Nas Ordenações do Reino, que vigorou entre nós de 1500 a 1830, havia grande influência da religião católica na configuração dos crimes. Havia verdadeiros pecados penalizados pelo Estado. Nas Ordenações Filipinas, punia-se com a morte, por exemplo, a feitiçaria (Título III), falar mal do rei (Título VII), abrir carta dirigida ao rei (Título VIII), cometer sodomia (Título XIII), dormir com infiel (Título XIV), dormir com freira (Título XV), dormir com mulher casada (Título XXV), homicídio (Título XXV), falso testemunho (Título LIV), dentre outros. Estava prevista no Código Criminal do Império do Brasil, de 183013. Famosa é a passagem do período imperial protagonisada por Frei Caneca14 que, condenado à morte pela forca, ficou sem ser executado porque nenhum carrasco se apresentou. Até mesmo condenados à prisão perpétua e à pena de morte se negaram a enforcar o Frei. A solução só adveio por um pelotão de fuzilamento. Legalmente, no Brasil, foi proibida como pena comum com a Constituição Republicana de 1891 em seu art. 72, § 2115, ressalvado em caso de guerra. Contudo, a pena de morte, na prática, deixou de existir muito antes de 1891. Pois, desde a constatação do erro judiciário envolvendo Manoel da Motta Coqueiro16, Dom Pedro II passou a comutar todas as penas de morte em galés perpétuas. Após a Constituição de 1891, todas as Constituições outorgadas previram a pena de morte. A Constituição de 10 de novembro de 1937 não inseriu em seu texto original a proibição da pena de morte17, prevendo-a para sete crimes além dos militares: seis políticos e o homicídio cometido por motivo fútil e com perversidade18. A pena de morte foi “reintroduzida” no sistema nacional com o ato institucional no. 14, de 05.09.1969, e pelo decreto-lei 898, de 21.09.1969, mas não chegou a ser aplicada, sendo ab-rogada pela Emenda Constitucional no. 11 de 18.10.197819. Hoje, a pena de morte é vedada como pena, exceto em caso de guerra declarada. O Brasil está quase que isolado no mundo com tal legislação. Pouquíssimos países nos acompanham, dentre estes o Peru, a Bolívia e o Cazaquistão. A Itália20 foi um dos países mais recentes a abolir completamente a pena de morte de seu ordenamento. Antes da modificação promovida pela G.U., n. 236 de 10 de outubro de 2007, a Itália possuía legislação idêntica à nossa. O Chile a aboliu completamente em 2001. A Nicarágua em 1987. A França aboliu a pena capital completamente em 1981, assim como o Canadá e o México em 1974, o Uruguai em 1966, a Venezuela em 1961, a Alemanha em 1949, Grã-Bretanha21 e Portugal também a aboliram. Nos Estados Unidos da América há aplicação da pena de morte na maioria dos estados como a Califórnia, Texas, Flórida e Colorado. A Suprema Corte norteamericana, em 1972, chegou a considerar a pena de morte inconstitucional, todavia, a decisão foi revista em 1976. Os estudos na América do Norte demonstram que os índices de criminalidade nesses estados não se diferenciam de outros onde não há a pena capital. China, Irã, Egito, Ruanda, Cuba e quase todos os países africanos e islâmicos são exemplos de legislações que se utilizam da pena de morte em tempo de paz22. No Japão, há execuções pela forca. O país havia extinguido a pena em 1989, mas a retomou em 1993. As execuções ocorrem sem prévio aviso e em segredo, assim como na China. No Brasil, a pena de morte é prevista na legislação militar23 onde se estabelece como pena principal, entre outras, no art. 55, I, CPM24. Tal artigo foi recepcionado pela atual ordem constitucional, em decorrência do citado art. 5º., XLVII, a, CF, nos termos do art. 84, XIX, CF. A pena de morte, portanto, só existe no Brasil em caso de guerra declarada e é executada por fuzilamento, a única modalidade de execução prevista25. A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada logo que passe em julgado ao presidente da República e não pode ser executada senão depois de sete dias após esta comunicação, a fim de possibilitar eventual graça (clementia Principis). Entretanto, se a pena é imposta em zona de operações de guerra26, pode ser imediatamente executada quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares27. São vários os crimes militares cometidos em tempo de guerra que permitem a aplicação da pena capital, dentre eles, a título exemplificativo: traição, coação a comandante militar, auxílio ao inimigo, covardia qualificada, fuga em presença de inimigo, rendição, insubordinação e deserção. 4. FUNDAMENTOS A pena de morte encontra muitos defensores. Os argumentos invariavelmente giram em torno da pretensa retribuição proporcional ao mal cometido, na eficácia preventiva geral negativa (ameaça), na prevenção especial negativa (inocuização) e na economia da punição. A pena também encontra árdua oposição que entende por irracionais os argumentos pró-pena de morte, nos recordandodos erros judiciários e do caráter desumano, em si, da penalidade. A retaliação (Vergeltung) ou retribuição (punitur quia peccatum est) é a mais antiga concepção penal, seja vista por um caráter divino, moral, religioso ou jurídico. Grandes juristas como Kant, Hegel e Binding defenderam essa concepção. Quem mata deve morrer, pensava Kant. Pagar o mal com o mal, desde os primórdios, faz parte da ideia de Justiça do Homem. Apoiada na lei de Talião (Lex Talionis quer dizer lei parelha, “tal qual”) ou pena de Talião, que chegou-nos até os dias atuais através do Código de Hammurabi, o Código de Manu, o Pentateuco e tantos outros documentos escritos. A par de termos na Lex Talionis um importante caráter de proporcionalidade28 na aplicação da pena (olho por olho, dente por dente), não resta dúvida que expressa em si também a vingança, na mais cristalina busca da reciprocidade na prática do crime. Nesta concepção não se objetiva nenhum resultado além da morte do criminoso como consequência jurídica. Por isso mesmo, é uma proposição irracional, encerrando em si a sua mais veemente crítica. Tem-se a vantagem da busca de uma rigorosa reciprocidade entre o crime e a pena. Por outro lado, força convir, que só os crimes contra a vida seriam capazes desta retaliação, qualquer outro crime se mostraria desproporcional. Logo, a retribuição objetiva é um conceito muito limitado quando se busca conceber que só os crimes contra a vida seriam passíveis da pena de morte. A pena de morte representa o estereótipo máximo do simbolismo penal, da busca por uma solução final das violências, dos problemas sociais, cuja eliminação não existe e nunca advirá do Direito penal. Mas a pior consequência deste pensamento é a divulgação, a aceitação e a propulsão da vingança ilimitada. Cremos que essa pena como retribuição traz em si uma carga ideológica tão massiva que é capaz de gerar verdadeiras fissuras de valores sociais a que o Direito não busca, mas que alcança pela indireta desvalorização do ser humano. A solidariedade social, por exemplo, é gravemente afetada, o respeito ao próximo que errou praticamente deixa de existir, já que, o bem maior que lhe apetece, a sua própria vida, lhe será tirada pelo Estado. Se fosse possível, no Brasil, a instituição da pena de morte, agravar-se-ia a insensibilidade com as desigualdades sociais, com as crianças de ruas, com os problemas de convivência humana porque se incutiria no imaginário coletivo a ideia de que certas pessoas – antes do necessitar – merecem e eventualmente estarão no corredor da morte. O argumento predileto pela instituição da pena capital é a segurança coletiva que seria alcançável através da forte intimidação (prevenção geral negativa) que faz parte da teoria relativa, prevencionista (punitur ut ne peccetur). O sujeito pensaria “duas vezes” antes de cometer o crime. Todavia, é de se observar que os criminosos que mais “precisariam” dessa pena, como o terrorista, o homicida, o traficante de drogas, o estuprador, o latrocida, o sequestrador, são criminosos de ímpeto ou profissionais ou habituais. Como tais, esses criminosos não se intimidam com nenhum tipo de pena. Se nem mesmo as altas penas privativas de liberdade em presídios brasileiros intimidam, quem o dirá a pena de morte... Não se duvida até que haja criminosos presos que preferissem a morte a cumprir pena em alguma de nossas instituições carcerárias. Da mesma forma, é uma ilusão acreditar que um terrorista, um homembomba, irá se deter pela pena. Um traficante, com um fuzil na mão, em um morro carioca, não pensará em abandonar o tráfico de drogas porque há uma pena de morte para a sua atividade ilegal. Crê-se, ao contrário, que esse terrorista, esse traficante faria de tudo para não ser preso. Apostaria na impunidade, na melhor estratégia, na corrupção, na violência extrema, na eliminação de testemunhas, já que nada teria a perder. Não se pode esquecer também que muitos terroristas têm a finalidade de ganho extraterreno, “no paraíso”, quer dizer, são suicidas, cuja própria vida está, desde já, entregue à sua causa. Sócrates29, Jesus de Nazaré30, Tiradentes, Che Guevara são só alguns exemplos do que a pena de morte pode fazer com a causa do executado. Nesse sentido, morrer como um mártir, entrar para a história como um herói, se apresenta como algo mais atrativo do que repulsivo. Nem é preciso ir muito longe. Nos EUA, os condenados viram celebridades, personagens de livros e filmes. Por muito menos se apresentam pessoas confessando falsamente crimes de repercussão na mídia, chamando para si a responsabilidade de atos que nunca praticaram por uma mórbida vaidade criminal31. Os criminosos de ímpeto, como é o caso de quase todos os homicidas passionais, a penalidade é irrelevante porque a última coisa que se pensa no momento do crime passional é na consequência jurídica. Matam sob os olhos das testemunhas, sob os holofotes de câmeras de segurança e nem se preocupam em destruir as imagens. Também já se sabe que o valor intimidante da pena se perde com o tempo32. Pode ter uma eficácia por um curto prazo inicial, mas, depois, todos se acostumam com a penalidade. Está aí, analogamente, a rigorosa lei dos crimes hediondos que, após sua vigência, não conseguiu reduzir crime algum. Por derradeiro e por via reflexa, nos países onde houve a abolição da pena de morte, seria de se esperar a expansão dos crimes que passaram a ter pena mais benéfica. Todavia, isso nunca ocorreu. Não houve mais homicídios, sequestros, atos de terrorismo ou estupros onde a pena de morte deixou de existir para esses crimes. Relata Barbero33 que, na Alemanha, em 1948 foram 521 assassinatos. Em 1949 suprimiu-se a pena de morte. Em 1950 houve 301 assassinatos e em 1960, 355. Em Estados vizinhos dos EUA, onde há pena de morte e onde não há, não verifica-se nenhuma diferença acentuante34. A prevenção especial negativa significa a pura eliminação do sujeito, sua real inocuização. Como se o Homem fosse um animal bravio ou um aparelho eletrodoméstico defeituoso. A sua dignidade exige respeito pela própria condição de ser humano que nega as concepções utilitárias de seleção. O argumento utilitarista parte do pressuposto que existem criminosos natos, instintivos e, por isso, incorrigíveis. Motivou a defesa da pena em Lombroso, mas também em Hooter, Galton e Hitler. Sobre este argumento, Nelson Hungria asseverou que “com a pena capital, o governo da sociedade imita a criança inconsequente e insofrida: não podendo compreender o brinquedo que tem em mãos, desconjunta-o e inutiliza-o.”35 Quanto à economia da punição, é um argumento que pretende traduzir-se proporcional dois valores absolutamente diferentes. A vida humana não pode ter um preço, uma mensuração valorativa, nem mesmo em tempo36, como é o nosso atual sistema de individualização da pena. Com muito mais razão, não se poderia quantificar monetariamente a vida de uma pessoa. Entretanto, engana-se quem pensa que executar é a pena mais barata. É evidente que a pena de morte também tem seus custos. O preso deverá ter um processo especial, normalmente mais longo, com mais recursos, um cárcere com proteção separada, individualizada, se gastará com o carrasco etc. O custo de uma execução nos EUA, por exemplo, é de milhões de dólares por cada condenação37. Mas, de qualquer modo, é um valor menor do que a vida humana em uma sociedade de princípios, séria, compromissada com os valores éticos e morais. Também não se pode esquecer que a pena de morte é institucionalizada entre nós através dos grupos de extermínio, pela banda da polícia mal-treinada ou mal-intencionada, pelas guerras entre traficantes e entre estes e a polícia ou por linchamentos38. Essas “penas de morte”, praticadas diuturnamente no Brasil, possuem um custo financeiro muito baixo, quando não gratuitas, são rápidas e sem maiores formalidades. Entretanto, produzem um valor negativo social muito intenso, descaracterizam a unidade social, produzem um severo revés na hierarquia das prioridades individuais, coletivas e estatais, geram insegurança, demonstram a fraqueza do Estado e do Direito, assim como é ineficiente e absurdamente inaceitável em qualquer Estado que se preze. Há outro argumento contra a pena de morte. O sistema penal é seletivo, quer dizer, a pena capital fatalmente recairia sobre aqueles que já sofrem opressão racial e econômica. Não há de se olvidar igualmente dos erros judiciários. Um, inclusive, que decretou a falência da pena de morte no Brasil, o caso já comentado do fazendeiro Mota Coqueiro. E se chame sempre à baila o escandaloso, vergonhoso e tremendo erro que cercou os irmãos Naves39 quando se fala de erro judiciário no Brasil para que sirva sempre de exemplo a destemperar ímpetos mais afoitos que creem na infalibilidade da justiça humana. E tantos outros erros famosos: caso da Escola Base40, Jesus de Nazaré, Joana D’Arc, Galileo Galilei, Maria Popescu, Alfred Dreyfus, Pierre Jaccoud, John Demjanjuk, Anna Göldi... Bastasse um erro e já seria motivo mais do que suficiente para se extirpar dos anais jurídicos a pena capital. 5. CONCLUSÃO O homicídio institucionalizado é sempre uma opção inconcebível em um Estado que ufane os princípios democráticos mais caros. Felizmente, a nossa Carta, proibiu, de maneira definitiva, a pena capital, salvo em caso de guerra, anacronicamente. Tratando-se de cerne fixo, tal disposição limitativa, em nenhum momento e sob nenhuma hipótese, poderá ser ampliada. A pena de morte é, em si, contraditória, pois se busca proteger a vida das pessoas, matando algumas delas. O princípio humanitário exige que se busque a recuperação do condenado e não sua eliminação. Crer no ser humano é o melhor caminho para se diminuir o número de vítimas. Não se pode igualar a atuação de um bárbaro criminoso à de um Estado que pode refletir e creditar razão às suas feituras. Deve-se procurar eliminar o crime e não o criminoso. Sabemos que o crime encontra origem em vários, em múltiplos fatores, dentre os quais, muitas vezes relevam-se os sociais como a baixa escolaridade, a violência branca, a desestrutura familiar. São também causas de muitos crimes o abuso de drogas como o álcool e o crack, a falta de policiamento e a ausência de uma política criminal mais eficiente. Ao se combater essas causas, se combaterão também muitos crimes, não todos, mas muitos. Pensar que o ser humano é um criminoso nato, um animal bravio é ferir a dignidade humana e acreditar em uma doce ilusão do crime como produto exclusivamente individual. Sobre a pena de morte, concluiu Nelson Hungria41, o criminoso sempre apostará na impunidade. A pena de morte lhe será terrível na execução, mas não no instante do cometimento do crime. REFERÊNCIAS A pena de morte no Brasil. In: Pena de morte. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Colóquio Internacional Comemorativo do Centenário da Abolição da Pena de Morte em Portugal, 11-16 de setembro de 1967, v. II BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, s/d. BEDAU, Hugo Adam. The case against the death penalty. Disponível em: <http://users.rcn.com/mwood/deathpen.html>. Acesso em: 01 jul. 2014. BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA, Paulo José da. Direito Penal na Constituição. ed. 1990. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito penal. Vol.1, tomo 1., ed. 1952. GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. O Direito penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002. BIBLIA.Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/ex/21>. Acesso em: 01 jul. 2014. NEWADVENT. Disponível Acesso em: 01 jul. 2014. em: <http://www.newadvent.org/summa/3064.htm>. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 3. Ed. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1956. HUNGRIA, Nelson. Um condenado à morte. Revista Jurídica, no. 38, s/d. INGENIEROS, José. A vaidade criminal & a piedade homicida. Campinas: LZN, 2003. LUIZI, Luis. Os Princípios Constitucionais Penais. 2. ed. aumentada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003. MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Rio, 1998. MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: RT, 2003. NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 23. Ed. vol. I. São Paulo: Saraiva, 1985. PATROCÍNIO, José do. Motta Coqueiro ou a Pena de Morte. 1. ed. 1877, reedição 1977. PERSON, Luis Sérgio e BERNARDET, Jean Claude. O caso dos Irmãos Naves. São Paulo: Fundação Padre Anchieta, Imprensa Oficial de São Paulo, 2004. PLATÃO. A República. s/d. SANTOS, Marino Barbero. Pena de muerte (el ocaso de um mito). Buenos Aires: Depalma, 1985. SINHORETTO, Jacqueline. Os justiçadores e sua justiça: linchamentos, costumes e conflito. São Paulo: IBCCRIM, 2002. VIEIRA DA SILVA, Alberto José Tavares. A pena de morte e a codificação penal brasileira. Cartilha jurídica do Tribunal Regional Federal da 1. Região. Fevereiro de 1992. VILAR, Gilberto. Frei Caneca: gesta da liberdade. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual de direito penal brasileiro. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1 2 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, s/d, p. 45. Ver SANTOS, Marino Barbero. Pena de muerte (el ocaso de um mito). Buenos Aires: Depalma, 1985. 3 Ver princípio da proporcionalidade. 4 Êxodo 21, 12 in http://www.bibliaonline.com.br/acf/ex/21, acessado em 4 de março de 2010. 5 “... se alguém matar à espada, necessário é que à espada seja morto.” http://www.bibliaonline.com.br/acf/ap/13, acessado em 4 de março de 2010. 6 “Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.” Levítico 20,13 Disponível em: <http://www.bibliaonline.com.br/acf/lv/20>. Acesso em: 4 mar. 2010. 7 É famosa a passagem bíblica referente à Madalena: "3 E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; 4 E, pondo-a no meio, disseramlhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando 5 E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? " (João 8:3-5) Disponível em: <http://www.bibliaonline.com.br/acf/lv/20>. Acesso em: 04 mar. 2010. 8 Ver BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. 9 “Por exemplo, relativamente à depuração civil, deveria ser feita da maneira seguinte: dentre os muitos modos de depuração possíveis, alguns são mais brandos, outros mais severos; um legislador que fosse simultaneamente um monarca despótico poderia utilizar os mais severos, que são os melhores, mas um legislador que não dispusesse de poder despótico poderia muito bem contentar-se, ao estabelecer uma nova constituição e nova legislação, com a possibilidade de efetuar as mais brandas das depurações. A melhor depuração é dolorosa, como todos os medicamentos efetivamente eficazes [são amargos]: é aquela que arrasta as punições por meio da justiça associada à vingança, esta coroando com o exílio ou a morte; essa depuração, via de regra, afasta os maiores criminosos que são irrecuperáveis e causadores de sérios danos ao Estado. Uma forma mais suave de depuração é a seguinte: quando devido à escassez de alimento os carentes se predispõem a seguir líderes que os conduzem ao saque das propriedades dos ricos, o legislador pode considerá-los como um mal inerente à cidade e despachá-los para o exterior o mais delicadamente possível, usando o eufemismo emigração para designar sua evacuação”. (PLATÃO. A República, s/d, págs. 211 e 212). 10 Como se observa da Suma Teológica no Tratado da Justiça II, IIae, Q. 64, a.2, São Tomás justifica o poder de vida e morte dos governantes porque esses receberam a missão de Deus para governar: “Article 2. Whether it is lawful to kill sinners? Objection 1. It would seem unlawful to kill men who have sinned. For our Lord in the parable (Matthew 13) forbade the uprooting of the cockle which denotes wicked men according to a gloss. Now whatever is forbidden by God is a sin. Therefore it is a sin to kill a sinner. Objection 2. Further, human justice is conformed to Divine justice. Now according to Divine justice sinners are kept back for repentance, according to Ezekiel 33:11, "I desire not the death of the wicked, but that the wicked turn from his way and live." Therefore it seems altogether unjust to kill sinners. Objection 3. Further, it is not lawful, for any good end whatever, to do that which is evil in itself, according to Augustine (Contra Mendac. vii) and the Philosopher (Ethic. ii, 6). Now to kill a man is evil in itself, since we are bound to have charity towards all men, and "we wish our friends to live and to exist," according to Ethic. ix, 4. Therefore it is nowise lawful to kill a man who has sinned. On the contrary, It is written (Exodus 22:18): "Wizards thou shalt not suffer to live"; and (Psalm 100:8): "In the morning I put to death all the wicked of the land." I answer that, As stated above (Article 1), it is lawful to kill dumb animals, in so far as they are naturally directed to man's use, as the imperfect is directed to the perfect. Now every part is directed to the whole, as imperfect to perfect, wherefore every part is naturally for the sake of the whole. For this reason we observe that if the health of the whole body demands the excision of a member, through its being decayed or infectious to the other members, it will be both praiseworthy and advantageous to have it cut away. Now every individual person is compared to the whole community, as part to whole. Therefore if a man be dangerous and infectious to the community, on account of some sin, it is praiseworthy and advantageous that he be killed in order to safeguard the common good, since "a little leaven corrupteth the whole lump" (1 Corinthians 5:6). Reply to Objection 1. Our Lord commanded them to forbear from uprooting the cockle in order to spare the wheat, i.e. the good. This occurs when the wicked cannot be slain without the good being killed with them, either because the wicked lie hidden among the good, or because they have many followers, so that they cannot be killed without danger to the good, as Augustine says (Contra Parmen. iii, 2). Wherefore our Lord teaches that we should rather allow the wicked to live, and that vengeance is to be delayed until the last judgment, rather than that the good be put to death together with the wicked. When, however, the good incur no danger, but rather are protected and saved by the slaying of the wicked, then the latter may be lawfully put to death. Reply to Objection 2. According to the order of His wisdom, God sometimes slays sinners forthwith in order to deliver the good, whereas sometimes He allows them time to repent, according as He knows what is expedient for His elect. This also does human justice imitate according to its powers; for it puts to death those who are dangerous to others, while it allows time for repentance to those who sin without grievously harming others. Reply to Objection 3. By sinning man departs from the order of reason, and consequently falls away from the dignity of his manhood, in so far as he is naturally free, and exists for himself, and he falls into the slavish state of the beasts, by being disposed of according as he is useful to others. This is expressed in Psalm 48:21: "Man, when he was in honor, did not understand; he hath been compared to senseless beasts, and made like to them," and Proverbs 11:29: "The fool shall serve the wise." Hence, although it be evil in itself to kill a man so long as he preserve his dignity, yet it may be good to kill a man who has sinned, even as it is to kill a beast. For a bad man is worse than a beast, and is more harmful, as the Philosopher states (Polit. i, 1 and Ethic. vii, 6).” Disponível em: <http://www.newadvent.org/summa/3064.htm>. Acesso em: 10 mar. 2010. 11 O malfeitor seria um traidor do contrato social. No texto, entretanto, na linha do pensamento de Rousseau, vamos apontar que a liberdade concedida ao Estado não é ilimitada ao ponto de ceder, ao Estado, o direito de vida e de morte. 12 Admitia a pena capital em crimes políticos de grande repercussão e para desestimular o crime organizado. 13 No art. 38, CCI/1830 previa assim: “A pena de morte será dada na forca”. Ver também GARCIA, Basileu. Instituições de Direito penal, 1.o volume, tomo 1., ed. 1952, pág. 121 e 122; Luiz Vicente CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA, Paulo José da.. Direito Penal na Constituição. 1990, pág. 109, e PATROCÍNIO, José do.. Motta Coqueiro ou a Pena de Morte, 1. d., 1877, reedição 1977. 14 VILAR, Gilberto. Frei Caneca: gesta da liberdade. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. 15 “Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 21 - Fica, igualmente, abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra.” 16 O fazendeiro teve, em sua propriedade, o assassinato de uma família de oito colonos. Houve indícios contra ele endossados pela polícia e pelos inimigos políticos. A principal testemunha foi Balbina, ex-líder espiritual dos escravos e exescrava de Motta. Segundo a acusação, o crime fora motivado pela vingança à suposta oposição aos ilícitos amores que Mota Coqueiro manteria com uma das filhas do colono. Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o réu, popularmente conhecido como "Fera de Macabú", veio a ser condenado à morte apesar dos reiterados e veementes protestos de inocência. A sentença foi executada, pela forca, em 6 de março de 1.855, na cidade de Macaé / RJ. Posteriormente, entretanto, por confissão dos próprios escravos, indiciados como co-autores, não encontrados pela Justiça, ficou demonstrado a completa inocência de Mota Coqueiro. Sua mulher, movida por desvairado ciúme, é quem armara o braço dos dois escravos. "Foi tal o abalo que o caso produziu na opinião pública, e tal clamor suscitado contra a pena de morte, por sua irreparabilidade quando resulta de equívoco da Justiça, que o Imperador Dom Pedro II, usando de seu "poder moderador", passou a comutar, sistematicamente, a pena capital na de galés (trabalhos forçados por toda a vida), apegando-se, para tanto, a qualquer circunstância favorável ao condenado, ainda que sem maior comprovação. Desde então até a queda do Império, ninguém mais subiu à forca.” (A pena de morte no Brasil, em Pena de morte, publicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Colóquio Internacional Comemorativo do Centenário da Abolição da Pena de Morte em Portugal, 11-16 de setembro de 1967, v. II, p. 176. Ver também Patrocínio, José do. Motta Coqueiro e a Pena de Morte, Rio, 1887. Marchi, Carlos. Fera de Macabu, Rio, 1998). 17 Ver LUIZI, Luis. Os Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003, 2ª. edição aumentada. 18 Art. 122, Constituição de 1937: “13) não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes: a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro; b) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra; d) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição; e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social; f) o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade;” 19 Constituição de 1937 (art. 122, n. 13); Constituição de 1967, modificada pela EC no. 1 de 1969, em seu art. 153, § 11, depois com nova redação em pela EC 11/78. Na Constituição do Estado Novo, outorgada em 10 de novembro de 1937 por Getúlio Vargas, abriu-se a possibilidade de se instituir, por lei, a pena de morte para crimes comuns, além dos crimes militares cometidos em tempos de guerra. Não localizamos a referida lei e nem registros de execução. Mas, houve uma condenação à morte do escritor Gerardo Melo Mourão, em 1942, acusado de colaborar com os nazistas por ser integralista (crime militar). A pena foi, entretanto, reduzida a 30 anos de prisão, dos quais não chegou a cumprir seis. Faleceu em 2007. 20 Constituição italiana: “Art. 27. (...) Non è ammessa la pena di morte”. 21 ZAFFARONI e PIERANGELI, op. cit., p. 788. 22 Nos países teocráticos, como o Afeganistão e o Irã, que seguem o Islã, há também a pena de morte. Aliás, dentre as religiões, a única que admite a pena de morte é o Islã em interpretação dada ao Alcorão. Todavia, o Profeta disse, mesmo sobre os dhimmis (os cidadãos não muçulmanos do estado islâmico): "Aquele que mata um homem sob proteção de um pacto (isto é, dhimmi) não sentirá, sequer, o perfume do Paraíso." Desta forma, o ser humano, para o Islã, teria um caráter sagrado. "... Não tireis a vida que Allah tornou sagrada, senão sob a forma da lei e da justiça: eis o que Ele vos ordena, para que raciocineis." (al-An'am 151) e diz Allah no Alcorão: "Nem tireis a vida que Allah tornou sagrada, senão por uma justa causa. E se alguém for morto injustamente, facultamos ao seu parente a represália (exigir qisas ou perdoar): porém que não se exceda na vinganaça, porque ele está auxiliado (pela lei)". (al-Isrá 33). A interpretação que se dá é a de que matar uma pessoa - sem justa causa - é um grande pecado, como se matasse toda a humanidade, assim como salvar a vida de uma pessoa é uma boa ação que corresponde a salvar toda a humanidade (al-Máida 32). Todavia, há também no Alcorão: "Por isso, prescrevemos aos israelitas que quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade."(5:32). A Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos, de 1980, consagra, no item I, alínea “a”, o direito à vida, com ressalva: “A vida humana é sagrada e inviolável e todo esforço deverá ser feito para protegê-la. Em especial, ninguém será exposto a danos ou à morte, a não ser sob a autoridade da Lei.” Se fóssemos interpretar ao pé da letra a Escritura Sagrada, entre nós, católicos, seria possível extrair da Bíblia fundamento para a pena de morte, como já expusemos alhures, não obstante em Êxodos 20:13, ex vi: "Quando o Senhor vosso Deus vos introduz na terra que estais prestes a possuir, e vos livra das várias nações que vos antecederam, os hititas e os girgashitas e os amoritas e os cananeus e os perizitas e os hivitas e os jebusitas, sete nações maiores e mais fortes do que vós. E quando o Senhor vosso Deus os despacha e os derrota antes de vós, então vós os destruireis completamente. Não fareis pacto algum com eles e não tendes misericórdia deles. (Deuteronômio 7:1-2). "Quando vos aproximardes da cidade para combatê-la, oferecei vossos termos de paz. Se eles concordarem em fazer a paz convosco e vos franquearem a cidade, então todas as pessoas que nela se encontrarem tornar-se-ão escravos e vos servirão. No entanto, se não aceitarem a paz convosco e preferirem a guerra contra vós, então cerque-os. Quando o Senhor vosso Deus permitir, esmague todos os homens com o fio da espada. Somente as mulheres e as crianças e os animais e tudo o que estiver na cidade, todos os seus espólios, serão tomados como despojos de guerra por vós; e vós usareis os espólios de vossos inimigos que o Senhor vosso Deus vos agraciou ... Somente nas cidades dessas pessoas que o Senhor vosso Deus está vos concedendo como herança, nada que respire será deixado vivo." (Deuteronômio 20:10-17) "Agora, portanto, matai todo macho entre os pequenos e matai toda mulher que tenha conhecido um homem intimamente. Mas todas as meninas que não conheceram um homem intimamente, poupe-as para vós." (Números 31:17-18) Até no Novo Testamento nós lemos a seguinte afirmação atribuída a Jesus feita a seus discípulos: "Pois eu vos digo que a qualquer que tiver ser-lhe-á dado mas ao que não tiver, até o que tem lhe será tirado. E, quanto aos meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e mataios na minha presença." (Lucas 19:26-27) 23 Decreto-lei no. 1001/69, Código Penal Militar. 24 Penas Principais. “Art. 55. As penas principais são: a) morte; b) reclusão; c) detenção; d) prisão; e) impedimento; f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função; g) reforma.” 25 Art. 56, CPM: “A pena de morte é executada por fuzilamento.” Art. 707, CPPM: “O militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no momento em que tiver de receber as descargas. As vozes de fogo serão substituídas por sinais.” 26 Sentido da expressão "forças em operação de guerra": Art. 709, CPPM: A expressão "forças em operação de guerra" abrange qualquer força naval, terrestre ou aérea, desde o momento de seu deslocamento para o teatro das operações até o seu regresso, ainda que cessadas as hostilidades. 27 Art. 57 e seu parágrafo único, CPM: “A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação. Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares”. A execução da pena de morte vem disciplinada nos arts. 707 e 708 do CPPM, do modo seguinte: “O militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no momento em que tiver de receber as descargas. As vozes de fogo serão substituídas por sinais. O civil ou assemelhado será executado nas mesmas condições, devendo deixar a prisão decentemente vestido. Será permitido ao condenado receber socorro espiritual. A pena de morte só será executada sete dias após a comunicação ao presidente da República, salvo se imposta em zona de operações de guerra e o exigir o interesse da ordem e da disciplina. Da execução da pena de morte lavrar-seá ata circunstanciada que, assinada pelo executor e duas testemunhas, será remetida ao comandante-chefe, para ser publicada em boletim.” 28 Remetemos, o estimado leitor, ao princípio da proporcionalidade. 29 Para nós, Sócrates não cometeu suicídio, senão condenado que foi à pena de morte. 30 Evidente que a discussão é jurídica, por isso Jesus de Nazaré e não Jesus Cristo. 31 Ver INGENIEROS, José. A vaidade criminal & a piedade homicida. Campinas: LZN, 2003. 32 “O rigor do castigo faz menor efeito sobre o espírito do homem do que a duração da pena, pois a nossa sensibilidade é mais fácil e com mais constância atingida por uma impressão ligeira, porém frequente, do que por abalo violento, porém passageiro. Todo ser que tenha sensibilidade está dominado poelo império do hábito; e, como é este quem ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer as suas necessidades, também é ele quem inscreve no coração humano as ideias morais através de impressões reiteradas.” (BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus Editora, s/d., p. 46). 33 SANTOS, Marino Barbero. Pena de muerte (el ocaso de um mito). Buenos Aires: Depalma, 1985. 34 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, vol. I, 23ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 1985, p. 369. 35 HUNGRIA, Nelson. Um condenado à morte. Revista Jurídica no. 38, p. 5-10, citado por Vieira da Silva, Alberto José Tavares. A pena de morte e a codificação penal brasileira. Cartilha jurídica do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região. Fevereiro de 1992, p. 31. 36 Ver MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: RT, 2003. 37 “It is sometimes suggested that abolishing capital punishment is unfair to the taxpayer, as though life imprisonment were obviously more expensive than executions. If one takes into account all the relevant costs, the reverse is true. "The death penalty is not now, nor has it ever been, a more economical alternative to life imprisonment." A murder trial normally takes much longer when the death penalty is at issue than when it is not. Litigation costs - including the time of judges, prosecutors,public defenders, and court reporters, and the high costs of briefs -- are all borne by the taxpayer. A 1982 study showed that were the death penalty to be reintroduced in New York, the cost of the capital trial alone would be more than double the cost of a life term in prison. In Maryland, a comparison of capital trial costs with and without the death penalty for the years 1979-1984 concluded that a death penalty case costs "approximately 42 percent more than a case resulting in a nondeath sentence." In 1988 and 1989 th e Kansas legislature voted against reinstating the death penalty after it was informed that reintroduction would involve a first-year cost of "more than $ 11 million." Florida, with one of the nation's largest death rows, has estimated that the true cost of each execution is approximately $3.2 million, or approximately six times the cost of a life-imprisonment sentence. The only way to make the death penalty a "better buy" than imprisonment is to weaken due process and curtail appellate review, which are the defendant's (and society's) only protections against the grossest miscarriages of justice. The savings in dollar s would be at the cost of justice: In nearly half of the death-penalty cases given review under federal habeas corpus, the conviction is overturned.” (BEDAU, Hugo Adam. The case against the death penalty. Disponível em: <http://users.rcn.com/mwood/deathpen.html>. Acesso em: 03 mar. 2010). 38 Linchamentos são “práticas coletivas de execução sumária de pessoas consideradas criminosas. Sua característica diferenciadora de outros tipos de execução sumária é o seu caráter de ação única, ou seja, o grupo linchador se forma em torno de uma vítima, ou grupos de vítimas, e após a ação, se dissolve. Por isso, diz-se dos linchamentos que são ações espontâneas e sem prévia organização.” (SINHORETTO, Jacqueline. Os justiçadores e sua justiça: linchamentos, costumes e conflito. São Paulo: IBCCRIM, 2002, pág. 40). “Brasil está no topo do ranking de linchamentos”. O Estado de São Paulo, 11.03.2001. (Cidades) citado por GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002, pág. 91. 39 Os irmãos Naves (Joaquim Rosa Naves e Sebastião José Naves) foram brutalmente torturados até confessarem o homicídio do primo Benedito Pereira Caetano, por móveis financeiros, que não cometeram. Julgados duas vezes e duas vezes absolvidos pelo júri popular da comarca de Araguari/MG, através da aguerrida defesa patrocinada pelo Dr. João Alamy Filho, para sempre com o nome lembrado entre os criminalistas, restaram, por fim, condenados pelo TJMG a 25 anos e 6 meses de reclusão, nos idos de 1939. Após cerca de oito anos, reaparece viva, a pretensa vítima (Ver PERSON, Luis Sérgio e BERNARDET, Jean Claude. O caso dos Irmãos Naves. São Paulo: Fundação Padre Anchieta, Imprensa Oficial de São Paulo, 2004). 40 O caso da Escola Base é outro caso de triste lembrança. Devassaram a vida dos proprietários, incitou-se a população contra os “pedófilos”, fotografias dos mesmos foram publicadas em todos os jornais, casa e escolinha destruídos pela população em fúria, para ao final, descobrir-se que tudo não passara de imaginação de uma mãe. 41 “É natural que um caçador de feras, ao encontrar um tigre na jungle, o mate sem hesitação; mas, se o vê reduzido à impotência, entre as grades de ferro de uma jaula, praticaria um gesto estúpido se o dessangrasse com um golpe de azagaia. A pena de morte não é necessária, nem mais exemplar ou mais intimidativa que a longa privação de liberdade. Não se pôde ainda comprovar que a pena de morte seja mais eficiente que a pena de encarceramento. A criminalidade liga-se a causas mais profundas que a modalidade da punição ou a intimibilidade desta ou daquela pena. A exacerbada crueldade das penas no Oriente, a fereza dos suplícios da Idade Média, todos os requintes já inventados pela arte macabra de tomar vida por vida não foram capazes de servir de freio aos malfeitores. A coação psicológica exercida pela pena de morte é, tal como a decorrente da pena de prisão, meramente relativa. No cálculo do delinquente, nem sempre é dissuasiva a ameaça da pena, por mais rigorosa que seja, porque ele sabe que só será punido se o seu crime for descoberto, e tem a esperança de poder escapar à justiça repressiva. Raciocina-se que, se a pena de morte é terrificante no momento de sua execução, não o é no momento do crime, por isso mesmo que o delinquente conta com a possível impunidade, e é certo que grande número de crimes fica impune, por falta de prova de autoria.” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. III, 3ª. Edição, Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 323 e 324).