A PENA DE MORTE1 Warley Belo2 RESUMO Não se conhece

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A PENA DE MORTE1 Warley Belo2 RESUMO Não se conhece
A PENA DE MORTE1
Warley Belo2
RESUMO
Não se conhece legislação antiga que não tenha a pena de morte.Estava prevista no
Código Criminal do Império do Brasil, de 1830. Hoje, a pena de morte é vedada
como pena, exceto em caso de guerra declarada. Nos Estados Unidos da América,
há aplicação da pena de morte na maioria dos estados como a Califórnia, Texas,
Flórida e Colorado. No Brasil, a pena de morte é prevista na legislação militar. A
pena também encontra árdua oposição que entende por irracionais os argumentos
pró-pena de morte, dos erros judiciários e do caráter desumano, em si, da
penalidade. Nesta concepção não se objetiva nenhum resultado além da morte do
criminoso como consequência jurídica. A pena de morte representa o estereótipo
máximo do simbolismo penal, da busca por uma solução final das violências, dos
problemas sociais, cuja eliminação não existe e nunca advirá do Direito penal. Nos
países onde houve a abolição da pena de morte, seria de se esperar a expansão
dos crimes que passaram a ter pena mais benéfica, o que não ocorreu. É evidente
que a pena de morte também tem seus custos. Há outro argumento derradeiro
contra a pena de morte: o erro. Um, inclusive, que decretou a falência da pena de
morte no Brasil, o caso do fazendeiro Mota Coqueiro. Por fim, concluirá que a pena
de morte é terrível para o criminoso quando da execução, mas não no instante do
cometimento de seu crime.
Palavras-chaves: Pena de morte; História; Legislação; Legislação comparada;
Argumentos pró e contra.
ABSTRACT
The death penalty inherently violates the constitutional ban against cruel and unusual
punishment and the guarantee of due process of law and the equal protection of the
1
Publicado, com adaptações, no livro do mesmo autor Tratado dos Princípios Penais, volume I, Florianópolis:
Bookess, 2012, págs. 85 a 106.
2
Mestre em Ciências Penais / UFMG, Advogado Criminalista, Professor de Pós-graduação da Escola Superior
de Advocacia – OAB/MG e de Graduação da Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato,
Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
laws. The imposition of the death penalty is inconsistent with fundamental values of
our democratic system. The state should not arrogate unto itself the right to kill
human beings, especially when it kills with premeditation. We shall therefore continue
to seek to prevent crimes by others ways and to abolish capital punishment against
this brutal and brutalizing institution.
1. INTRODUÇÃO
O supplicium extremum não é um problema tão somente jurídico. Encerra
discussões longas e profundas na filosofia, ética, religião, política e sociologia.
Envolve emoção e sofre grande influência da opinião pública e da mídia que, muitas
vezes, são levadas a crer que a pena de morte “resolveria” o problema da
criminalidade.
No aspecto jurídico, entretanto, a primeira pergunta é “quem poderia ter
concedido aos homens o direito de fazer degolar seus iguais?”. Firme no
pensamento contratualista, Beccaria, em 1764, responde que “tal direito não tem por
certo a mesma origem que as leis que protegem.”1 É claro que as ideias influentes
de Rousseau acabaram por conduzir o pensamento iluminista majoritário no sentido
da falta de fundamentação da pena extrema, nada obstante o próprio Rousseau
defender a pena de morte para quem “rompesse o contrato”. Mesmo Beccaria
admitiu a pena em raras ocasiões.
Sempre que há, entretanto, um acontecimento criminal grave, de grande
repercussão, surgem políticos e pessoas defendendo a pena capital. Até se
compreende que uma vítima queira se vingar de seu algoz. Mas, o próprio Estado
matando age pior dos que os criminosos porque comete o mais premeditado e
covarde dos assassinatos.
Envolto a várias questões, o tema é muito recorrente, de longa história, de
aplicação prática em vários países no mundo, e algumas certezas.
2. ESCORÇO HISTÓRICO
A pena de morte já foi a penalidade mais comum em outras épocas. Épocas
nas quais não se valorizava o ser humano ou não se concebia, a sacralidade da
vida. Existem relatos da pena máxima entre os babilônios, egípcios, gregos,
romanos, germanos, hunos, astecas, incas dentre outros2. Não se conhece
legislação antiga que não tenha a pena de morte.
A lei de Talião3 surge, a bem da verdade, para proporcionar as penas, mas,
também para limitar a pena de morte que era de intenso uso.
O Código de Hammurabi, o Pentateuco, a mais antiga legislação chinesa,
todas previram a pena de morte. No Livro Êxodos é disposto: “Quem ferir alguém, de
modo que este morra, certamente será morto.”4 No mesmo sentido é o texto de
Apocalipse 13,105. A bíblia apena de morte também a homossexualidade6. O direito
canônico já matou “sem derramar sangue”, através das fogueiras, para “salvar
almas”. Não obstante, o quinto mandamento proclamar o “não matarás”.
Modificavam-se as execuções, ora por crucificação, ora por fogueira, ora por
guilhotina, lapidação7 etc., mas sempre, a pena de morte, foi, na História da punição
e do Direito penal, muito presente.
Externava a vingança privada, a vingança pública, a força do Imperador, do
Rei ou mesmo de instituições políticas como a Inquisição. Já se matou
“humanitariamente”, pois a guilhotina nasceu como um “mecanismo humano” de se
matar.
A pena de morte quase sempre era tida como parte de um espetáculo (autos
da fé)8, prestigiado pela população, quando não obrigados, por curiosidade.
Defendida por filósofos como Platão9, Aristóteles, Sêneca e Erasmo, também
por Luthero e Goethe, por santos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino10,
pensadores modernos como Kant e Locke, iluministas como Rousseau11,
Montesquieu e Beccaria12, juristas como Feuerbach, Bentham e Stuart Mill, Bettiol,
Maggiore e Carnelutti, positivistas como Garofalo, Ferri, Tarde, Rocco e Manzini.
Mas nenhum deles saiu dos argumentos comuns na defesa da pena capital:
segurança coletiva, economia, justa retribuição e intimidação. E sabemos bem que
esses pensamentos, jamais, podem ser superiores ao princípio da inviolabilidade da
vida humana.
3. DISPOSIÇÕES LEGAIS
Nas Ordenações do Reino, que vigorou entre nós de 1500 a 1830, havia
grande influência da religião católica na configuração dos crimes. Havia verdadeiros
pecados penalizados pelo Estado.
Nas Ordenações Filipinas, punia-se com a morte, por exemplo, a feitiçaria
(Título III), falar mal do rei (Título VII), abrir carta dirigida ao rei (Título VIII), cometer
sodomia (Título XIII), dormir com infiel (Título XIV), dormir com freira (Título XV),
dormir com mulher casada (Título XXV), homicídio (Título XXV), falso testemunho
(Título LIV), dentre outros.
Estava prevista no Código Criminal do Império do Brasil, de 183013. Famosa é
a passagem do período imperial protagonisada por Frei Caneca14 que, condenado à
morte pela forca, ficou sem ser executado porque nenhum carrasco se apresentou.
Até mesmo condenados à prisão perpétua e à pena de morte se negaram a enforcar
o Frei. A solução só adveio por um pelotão de fuzilamento.
Legalmente, no Brasil, foi proibida como pena comum com a Constituição
Republicana de 1891 em seu art. 72, § 2115, ressalvado em caso de guerra.
Contudo, a pena de morte, na prática, deixou de existir muito antes de 1891.
Pois, desde a constatação do erro judiciário envolvendo Manoel da Motta
Coqueiro16, Dom Pedro II passou a comutar todas as penas de morte em galés
perpétuas.
Após a Constituição de 1891, todas as Constituições outorgadas previram a
pena de morte. A Constituição de 10 de novembro de 1937 não inseriu em seu texto
original a proibição da pena de morte17, prevendo-a para sete crimes além dos
militares: seis políticos e o homicídio cometido por motivo fútil e com perversidade18.
A pena de morte foi “reintroduzida” no sistema nacional com o ato institucional
no. 14, de 05.09.1969, e pelo decreto-lei 898, de 21.09.1969, mas não chegou a ser
aplicada, sendo ab-rogada pela Emenda Constitucional no. 11 de 18.10.197819.
Hoje, a pena de morte é vedada como pena, exceto em caso de guerra
declarada. O Brasil está quase que isolado no mundo com tal legislação.
Pouquíssimos países nos acompanham, dentre estes o Peru, a Bolívia e o
Cazaquistão.
A Itália20 foi um dos países mais recentes a abolir completamente a pena de
morte de seu ordenamento. Antes da modificação promovida pela G.U., n. 236 de 10
de outubro de 2007, a Itália possuía legislação idêntica à nossa. O Chile a aboliu
completamente em 2001. A Nicarágua em 1987. A França aboliu a pena capital
completamente em 1981, assim como o Canadá e o México em 1974, o Uruguai em
1966, a Venezuela em 1961, a Alemanha em 1949, Grã-Bretanha21 e Portugal
também a aboliram.
Nos Estados Unidos da América há aplicação da pena de morte na maioria
dos estados como a Califórnia, Texas, Flórida e Colorado. A Suprema Corte norteamericana, em 1972, chegou a considerar a pena de morte inconstitucional, todavia,
a decisão foi revista em 1976. Os estudos na América do Norte demonstram que os
índices de criminalidade nesses estados não se diferenciam de outros onde não há
a pena capital.
China, Irã, Egito, Ruanda, Cuba e quase todos os países africanos e
islâmicos são exemplos de legislações que se utilizam da pena de morte em tempo
de paz22.
No Japão, há execuções pela forca. O país havia extinguido a pena em 1989,
mas a retomou em 1993. As execuções ocorrem sem prévio aviso e em segredo,
assim como na China.
No Brasil, a pena de morte é prevista na legislação militar23 onde se
estabelece como pena principal, entre outras, no art. 55, I, CPM24. Tal artigo foi
recepcionado pela atual ordem constitucional, em decorrência do citado art. 5º.,
XLVII, a, CF, nos termos do art. 84, XIX, CF. A pena de morte, portanto, só existe no
Brasil em caso de guerra declarada e é executada por fuzilamento, a única
modalidade de execução prevista25.
A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada logo que passe
em julgado ao presidente da República e não pode ser executada senão depois de
sete dias após esta comunicação, a fim de possibilitar eventual graça (clementia
Principis). Entretanto, se a pena é imposta em zona de operações de guerra26, pode
ser imediatamente executada quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina
militares27.
São vários os crimes militares cometidos em tempo de guerra que permitem a
aplicação da pena capital, dentre eles, a título exemplificativo: traição, coação a
comandante militar, auxílio ao inimigo, covardia qualificada, fuga em presença de
inimigo, rendição, insubordinação e deserção.
4. FUNDAMENTOS
A pena de morte encontra muitos defensores. Os argumentos invariavelmente
giram em torno da pretensa retribuição proporcional ao mal cometido, na eficácia
preventiva geral negativa (ameaça), na prevenção especial negativa (inocuização) e
na economia da punição.
A pena também encontra árdua oposição que entende por irracionais os
argumentos pró-pena de morte, nos recordandodos erros judiciários e do caráter
desumano, em si, da penalidade.
A retaliação (Vergeltung) ou retribuição (punitur quia peccatum est) é a mais
antiga concepção penal, seja vista por um caráter divino, moral, religioso ou jurídico.
Grandes juristas como Kant, Hegel e Binding defenderam essa concepção. Quem
mata deve morrer, pensava Kant.
Pagar o mal com o mal, desde os primórdios, faz parte da ideia de Justiça do
Homem. Apoiada na lei de Talião (Lex Talionis quer dizer lei parelha, “tal qual”) ou
pena de Talião, que chegou-nos até os dias atuais através do Código de
Hammurabi, o Código de Manu, o Pentateuco e tantos outros documentos escritos.
A par de termos na Lex Talionis um importante caráter de proporcionalidade28 na
aplicação da pena (olho por olho, dente por dente), não resta dúvida que expressa
em si também a vingança, na mais cristalina busca da reciprocidade na prática do
crime. Nesta concepção não se objetiva nenhum resultado além da morte do
criminoso como consequência jurídica. Por isso mesmo, é uma proposição irracional,
encerrando em si a sua mais veemente crítica.
Tem-se a vantagem da busca de uma rigorosa reciprocidade entre o crime e a
pena. Por outro lado, força convir, que só os crimes contra a vida seriam capazes
desta retaliação, qualquer outro crime se mostraria desproporcional. Logo, a
retribuição objetiva é um conceito muito limitado quando se busca conceber que só
os crimes contra a vida seriam passíveis da pena de morte.
A pena de morte representa o estereótipo máximo do simbolismo penal, da
busca por uma solução final das violências, dos problemas sociais, cuja eliminação
não existe e nunca advirá do Direito penal.
Mas a pior consequência deste pensamento é a divulgação, a aceitação e a
propulsão da vingança ilimitada. Cremos que essa pena como retribuição traz em si
uma carga ideológica tão massiva que é capaz de gerar verdadeiras fissuras de
valores sociais a que o Direito não busca, mas que alcança pela indireta
desvalorização do ser humano. A solidariedade social, por exemplo, é gravemente
afetada, o respeito ao próximo que errou praticamente deixa de existir, já que, o bem
maior que lhe apetece, a sua própria vida, lhe será tirada pelo Estado. Se fosse
possível, no Brasil, a instituição da pena de morte, agravar-se-ia a insensibilidade
com as desigualdades sociais, com as crianças de ruas, com os problemas de
convivência humana porque se incutiria no imaginário coletivo a ideia de que certas
pessoas – antes do necessitar – merecem e eventualmente estarão no corredor da
morte.
O argumento predileto pela instituição da pena capital é a segurança coletiva
que seria alcançável através da forte intimidação (prevenção geral negativa) que faz
parte da teoria relativa, prevencionista (punitur ut ne peccetur). O sujeito pensaria
“duas vezes” antes de cometer o crime. Todavia, é de se observar que os criminosos
que mais “precisariam” dessa pena, como o terrorista, o homicida, o traficante de
drogas, o estuprador, o latrocida, o sequestrador, são criminosos de ímpeto ou
profissionais ou habituais. Como tais, esses criminosos não se intimidam com
nenhum tipo de pena. Se nem mesmo as altas penas privativas de liberdade em
presídios brasileiros intimidam, quem o dirá a pena de morte... Não se duvida até
que haja criminosos presos que preferissem a morte a cumprir pena em alguma de
nossas instituições carcerárias.
Da mesma forma, é uma ilusão acreditar que um terrorista, um homembomba, irá se deter pela pena. Um traficante, com um fuzil na mão, em um morro
carioca, não pensará em abandonar o tráfico de drogas porque há uma pena de
morte para a sua atividade ilegal. Crê-se, ao contrário, que esse terrorista, esse
traficante faria de tudo para não ser preso. Apostaria na impunidade, na melhor
estratégia, na corrupção, na violência extrema, na eliminação de testemunhas, já
que nada teria a perder. Não se pode esquecer também que muitos terroristas têm a
finalidade de ganho extraterreno, “no paraíso”, quer dizer, são suicidas, cuja própria
vida está, desde já, entregue à sua causa.
Sócrates29, Jesus de Nazaré30, Tiradentes, Che Guevara são só alguns
exemplos do que a pena de morte pode fazer com a causa do executado. Nesse
sentido, morrer como um mártir, entrar para a história como um herói, se apresenta
como algo mais atrativo do que repulsivo. Nem é preciso ir muito longe. Nos EUA, os
condenados viram celebridades, personagens de livros e filmes. Por muito menos se
apresentam pessoas confessando falsamente crimes de repercussão na mídia,
chamando para si a responsabilidade de atos que nunca praticaram por uma
mórbida vaidade criminal31.
Os criminosos de ímpeto, como é o caso de quase todos os homicidas
passionais, a penalidade é irrelevante porque a última coisa que se pensa no
momento do crime passional é na consequência jurídica. Matam sob os olhos das
testemunhas, sob os holofotes de câmeras de segurança e nem se preocupam em
destruir as imagens.
Também já se sabe que o valor intimidante da pena se perde com o tempo32.
Pode ter uma eficácia por um curto prazo inicial, mas, depois, todos se acostumam
com a penalidade. Está aí, analogamente, a rigorosa lei dos crimes hediondos que,
após sua vigência, não conseguiu reduzir crime algum.
Por derradeiro e por via reflexa, nos países onde houve a abolição da pena de
morte, seria de se esperar a expansão dos crimes que passaram a ter pena mais
benéfica. Todavia, isso nunca ocorreu. Não houve mais homicídios, sequestros, atos
de terrorismo ou estupros onde a pena de morte deixou de existir para esses crimes.
Relata Barbero33 que, na Alemanha, em 1948 foram 521 assassinatos. Em 1949
suprimiu-se a pena de morte. Em 1950 houve 301 assassinatos e em 1960, 355. Em
Estados vizinhos dos EUA, onde há pena de morte e onde não há, não verifica-se
nenhuma diferença acentuante34.
A prevenção especial negativa significa a pura eliminação do sujeito, sua real
inocuização. Como se o Homem fosse um animal bravio ou um aparelho
eletrodoméstico defeituoso. A sua dignidade exige respeito pela própria condição de
ser humano que nega as concepções utilitárias de seleção. O argumento utilitarista
parte do pressuposto que existem criminosos natos, instintivos e, por isso,
incorrigíveis. Motivou a defesa da pena em Lombroso, mas também em Hooter,
Galton e Hitler. Sobre este argumento, Nelson Hungria asseverou que “com a pena
capital, o governo da sociedade imita a criança inconsequente e insofrida: não
podendo compreender o brinquedo que tem em mãos, desconjunta-o e inutiliza-o.”35
Quanto à economia da punição, é um argumento que pretende traduzir-se
proporcional dois valores absolutamente diferentes. A vida humana não pode ter um
preço, uma mensuração valorativa, nem mesmo em tempo36, como é o nosso atual
sistema de individualização da pena. Com muito mais razão, não se poderia
quantificar monetariamente a vida de uma pessoa. Entretanto, engana-se quem
pensa que executar é a pena mais barata. É evidente que a pena de morte também
tem seus custos. O preso deverá ter um processo especial, normalmente mais
longo, com mais recursos, um cárcere com proteção separada, individualizada, se
gastará com o carrasco etc. O custo de uma execução nos EUA, por exemplo, é de
milhões de dólares por cada condenação37. Mas, de qualquer modo, é um valor
menor do que a vida humana em uma sociedade de princípios, séria,
compromissada com os valores éticos e morais.
Também não se pode esquecer que a pena de morte é institucionalizada
entre nós através dos grupos de extermínio, pela banda da polícia mal-treinada ou
mal-intencionada, pelas guerras entre traficantes e entre estes e a polícia ou por
linchamentos38. Essas “penas de morte”, praticadas diuturnamente no Brasil,
possuem um custo financeiro muito baixo, quando não gratuitas, são rápidas e sem
maiores formalidades. Entretanto, produzem um valor negativo social muito intenso,
descaracterizam a unidade social, produzem um severo revés na hierarquia das
prioridades individuais, coletivas e estatais, geram insegurança, demonstram a
fraqueza do Estado e do Direito, assim como é ineficiente e absurdamente
inaceitável em qualquer Estado que se preze.
Há outro argumento contra a pena de morte. O sistema penal é seletivo, quer
dizer, a pena capital fatalmente recairia sobre aqueles que já sofrem opressão racial
e econômica.
Não há de se olvidar igualmente dos erros judiciários. Um, inclusive, que
decretou a falência da pena de morte no Brasil, o caso já comentado do fazendeiro
Mota Coqueiro. E se chame sempre à baila o escandaloso, vergonhoso e tremendo
erro que cercou os irmãos Naves39 quando se fala de erro judiciário no Brasil para
que sirva sempre de exemplo a destemperar ímpetos mais afoitos que creem na
infalibilidade da justiça humana. E tantos outros erros famosos: caso da Escola
Base40, Jesus de Nazaré, Joana D’Arc, Galileo Galilei, Maria Popescu, Alfred
Dreyfus, Pierre Jaccoud, John Demjanjuk, Anna Göldi... Bastasse um erro e já seria
motivo mais do que suficiente para se extirpar dos anais jurídicos a pena capital.
5. CONCLUSÃO
O homicídio institucionalizado é sempre uma opção inconcebível em um
Estado que ufane os princípios democráticos mais caros. Felizmente, a nossa Carta,
proibiu, de maneira definitiva, a pena capital, salvo em caso de guerra,
anacronicamente. Tratando-se de cerne fixo, tal disposição limitativa, em nenhum
momento e sob nenhuma hipótese, poderá ser ampliada.
A pena de morte é, em si, contraditória, pois se busca proteger a vida das
pessoas, matando algumas delas. O princípio humanitário exige que se busque a
recuperação do condenado e não sua eliminação. Crer no ser humano é o melhor
caminho para se diminuir o número de vítimas. Não se pode igualar a atuação de um
bárbaro criminoso à de um Estado que pode refletir e creditar razão às suas feituras.
Deve-se procurar eliminar o crime e não o criminoso. Sabemos que o crime
encontra origem em vários, em múltiplos fatores, dentre os quais, muitas vezes
relevam-se os sociais como a baixa escolaridade, a violência branca, a desestrutura
familiar. São também causas de muitos crimes o abuso de drogas como o álcool e o
crack, a falta de policiamento e a ausência de uma política criminal mais eficiente.
Ao se combater essas causas, se combaterão também muitos crimes, não todos,
mas muitos. Pensar que o ser humano é um criminoso nato, um animal bravio é ferir
a dignidade humana e acreditar em uma doce ilusão do crime como produto
exclusivamente individual.
Sobre a pena de morte, concluiu Nelson Hungria41, o criminoso sempre
apostará na impunidade. A pena de morte lhe será terrível na execução, mas não no
instante do cometimento do crime.
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1
2
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, s/d, p. 45.
Ver SANTOS, Marino Barbero. Pena de muerte (el ocaso de um mito). Buenos
Aires: Depalma, 1985.
3
Ver princípio da proporcionalidade.
4
Êxodo 21, 12 in http://www.bibliaonline.com.br/acf/ex/21, acessado em 4 de março
de 2010.
5
“... se alguém matar à espada, necessário é que à espada seja morto.”
http://www.bibliaonline.com.br/acf/ap/13, acessado em 4 de março de 2010.
6
“Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher,
ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.”
Levítico 20,13 Disponível em: <http://www.bibliaonline.com.br/acf/lv/20>. Acesso em:
4 mar. 2010.
7
É famosa a passagem bíblica referente à Madalena: "3 E os escribas e fariseus
trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; 4 E, pondo-a no meio, disseramlhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando 5 E na lei nos
mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? " (João 8:3-5)
Disponível em: <http://www.bibliaonline.com.br/acf/lv/20>. Acesso em: 04 mar. 2010.
8
Ver BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. São Paulo: Cia. das
Letras, 2000.
9
“Por exemplo, relativamente à depuração civil, deveria ser feita da maneira
seguinte: dentre os muitos modos de depuração possíveis, alguns são mais
brandos, outros mais severos; um legislador que fosse simultaneamente um
monarca despótico poderia utilizar os mais severos, que são os melhores, mas um
legislador que não dispusesse de poder despótico poderia muito bem contentar-se,
ao estabelecer uma nova constituição e nova legislação, com a possibilidade de
efetuar as mais brandas das depurações. A melhor depuração é dolorosa, como
todos os medicamentos efetivamente eficazes [são amargos]: é aquela que arrasta
as punições por meio da justiça associada à vingança, esta coroando com o exílio
ou a morte; essa depuração, via de regra, afasta os maiores criminosos que são
irrecuperáveis e causadores de sérios danos ao Estado. Uma forma mais suave de
depuração é a seguinte: quando devido à escassez de alimento os carentes se
predispõem a seguir líderes que os conduzem ao saque das propriedades dos ricos,
o legislador pode considerá-los como um mal inerente à cidade e despachá-los para
o exterior o mais delicadamente possível, usando o eufemismo emigração para
designar sua evacuação”. (PLATÃO. A República, s/d, págs. 211 e 212).
10
Como se observa da Suma Teológica no Tratado da Justiça II, IIae, Q. 64, a.2,
São Tomás justifica o poder de vida e morte dos governantes porque esses
receberam a missão de Deus para governar: “Article 2. Whether it is lawful to kill
sinners? Objection 1. It would seem unlawful to kill men who have sinned. For our
Lord in the parable (Matthew 13) forbade the uprooting of the cockle which denotes
wicked men according to a gloss. Now whatever is forbidden by God is a sin.
Therefore it is a sin to kill a sinner. Objection 2. Further, human justice is conformed
to Divine justice. Now according to Divine justice sinners are kept back for
repentance, according to Ezekiel 33:11, "I desire not the death of the wicked, but that
the wicked turn from his way and live." Therefore it seems altogether unjust to kill
sinners. Objection 3. Further, it is not lawful, for any good end whatever, to do that
which is evil in itself, according to Augustine (Contra Mendac. vii) and the
Philosopher (Ethic. ii, 6). Now to kill a man is evil in itself, since we are bound to have
charity towards all men, and "we wish our friends to live and to exist," according to
Ethic. ix, 4. Therefore it is nowise lawful to kill a man who has sinned. On the
contrary, It is written (Exodus 22:18): "Wizards thou shalt not suffer to live"; and
(Psalm 100:8): "In the morning I put to death all the wicked of the land." I answer that,
As stated above (Article 1), it is lawful to kill dumb animals, in so far as they are
naturally directed to man's use, as the imperfect is directed to the perfect. Now every
part is directed to the whole, as imperfect to perfect, wherefore every part is naturally
for the sake of the whole. For this reason we observe that if the health of the whole
body demands the excision of a member, through its being decayed or infectious to
the other members, it will be both praiseworthy and advantageous to have it cut
away. Now every individual person is compared to the whole community, as part to
whole. Therefore if a man be dangerous and infectious to the community, on account
of some sin, it is praiseworthy and advantageous that he be killed in order to
safeguard the common good, since "a little leaven corrupteth the whole lump" (1
Corinthians 5:6). Reply to Objection 1. Our Lord commanded them to forbear from
uprooting the cockle in order to spare the wheat, i.e. the good. This occurs when the
wicked cannot be slain without the good being killed with them, either because the
wicked lie hidden among the good, or because they have many followers, so that
they cannot be killed without danger to the good, as Augustine says (Contra Parmen.
iii, 2). Wherefore our Lord teaches that we should rather allow the wicked to live, and
that vengeance is to be delayed until the last judgment, rather than that the good be
put to death together with the wicked. When, however, the good incur no danger, but
rather are protected and saved by the slaying of the wicked, then the latter may be
lawfully put to death. Reply to Objection 2. According to the order of His wisdom, God
sometimes slays sinners forthwith in order to deliver the good, whereas sometimes
He allows them time to repent, according as He knows what is expedient for His
elect. This also does human justice imitate according to its powers; for it puts to
death those who are dangerous to others, while it allows time for repentance to those
who sin without grievously harming others. Reply to Objection 3. By sinning man
departs from the order of reason, and consequently falls away from the dignity of his
manhood, in so far as he is naturally free, and exists for himself, and he falls into the
slavish state of the beasts, by being disposed of according as he is useful to others.
This is expressed in Psalm 48:21: "Man, when he was in honor, did not understand;
he hath been compared to senseless beasts, and made like to them," and Proverbs
11:29: "The fool shall serve the wise." Hence, although it be evil in itself to kill a man
so long as he preserve his dignity, yet it may be good to kill a man who has sinned,
even as it is to kill a beast. For a bad man is worse than a beast, and is more
harmful, as the Philosopher states (Polit. i, 1 and Ethic. vii, 6).” Disponível em:
<http://www.newadvent.org/summa/3064.htm>. Acesso em: 10 mar. 2010.
11
O malfeitor seria um traidor do contrato social. No texto, entretanto, na linha do
pensamento de Rousseau, vamos apontar que a liberdade concedida ao Estado não
é ilimitada ao ponto de ceder, ao Estado, o direito de vida e de morte.
12
Admitia a pena capital em crimes políticos de grande repercussão e para
desestimular o crime organizado.
13
No art. 38, CCI/1830 previa assim: “A pena de morte será dada na forca”. Ver
também GARCIA, Basileu. Instituições de Direito penal, 1.o volume, tomo 1., ed.
1952, pág. 121 e 122; Luiz Vicente CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA, Paulo
José da.. Direito Penal na Constituição. 1990, pág. 109, e PATROCÍNIO, José do..
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte, 1. d., 1877, reedição 1977.
14
VILAR, Gilberto. Frei Caneca: gesta da liberdade. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
15
“Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) § 21 - Fica, igualmente, abolida a pena de
morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra.”
16
O fazendeiro teve, em sua propriedade, o assassinato de uma família de oito
colonos. Houve indícios contra ele endossados pela polícia e pelos inimigos
políticos. A principal testemunha foi Balbina, ex-líder espiritual dos escravos e exescrava de Motta. Segundo a acusação, o crime fora motivado pela vingança à
suposta oposição aos ilícitos amores que Mota Coqueiro manteria com uma das
filhas do colono. Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o réu, popularmente
conhecido como "Fera de Macabú", veio a ser condenado à morte apesar dos
reiterados e veementes protestos de inocência. A sentença foi executada, pela forca,
em 6 de março de 1.855, na cidade de Macaé / RJ. Posteriormente, entretanto, por
confissão dos próprios escravos, indiciados como co-autores, não encontrados pela
Justiça, ficou demonstrado a completa inocência de Mota Coqueiro. Sua mulher,
movida por desvairado ciúme, é quem armara o braço dos dois escravos. "Foi tal o
abalo que o caso produziu na opinião pública, e tal clamor suscitado contra a pena
de morte, por sua irreparabilidade quando resulta de equívoco da Justiça, que o
Imperador Dom Pedro II, usando de seu "poder moderador", passou a comutar,
sistematicamente, a pena capital na de galés (trabalhos forçados por toda a vida),
apegando-se, para tanto, a qualquer circunstância favorável ao condenado, ainda
que sem maior comprovação. Desde então até a queda do Império, ninguém mais
subiu à forca.” (A pena de morte no Brasil, em Pena de morte, publicação da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Colóquio Internacional
Comemorativo do Centenário da Abolição da Pena de Morte em Portugal, 11-16 de
setembro de 1967, v. II, p. 176. Ver também Patrocínio, José do. Motta Coqueiro e a
Pena de Morte, Rio, 1887. Marchi, Carlos. Fera de Macabu, Rio, 1998).
17
Ver LUIZI, Luis. Os Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 2003, 2ª. edição aumentada.
18
Art. 122, Constituição de 1937: “13) não haverá penas corpóreas perpétuas. As
penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores.
Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá
prescrever a pena de morte para os seguintes crimes: a) tentar submeter o território
da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro; b) tentar, com auxilio ou
subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a
unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; c)
tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional,
desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra; d)
tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter
internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição;
e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de
apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social; f) o
homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade;”
19
Constituição de 1937 (art. 122, n. 13); Constituição de 1967, modificada pela EC
no. 1 de 1969, em seu art. 153, § 11, depois com nova redação em pela EC 11/78.
Na Constituição do Estado Novo, outorgada em 10 de novembro de 1937 por Getúlio
Vargas, abriu-se a possibilidade de se instituir, por lei, a pena de morte para crimes
comuns, além dos crimes militares cometidos em tempos de guerra. Não
localizamos a referida lei e nem registros de execução. Mas, houve uma
condenação à morte do escritor Gerardo Melo Mourão, em 1942, acusado de
colaborar com os nazistas por ser integralista (crime militar). A pena foi, entretanto,
reduzida a 30 anos de prisão, dos quais não chegou a cumprir seis. Faleceu em
2007.
20
Constituição italiana: “Art. 27. (...) Non è ammessa la pena di morte”.
21
ZAFFARONI e PIERANGELI, op. cit., p. 788.
22
Nos países teocráticos, como o Afeganistão e o Irã, que seguem o Islã, há
também a pena de morte. Aliás, dentre as religiões, a única que admite a pena de
morte é o Islã em interpretação dada ao Alcorão. Todavia, o Profeta disse, mesmo
sobre os dhimmis (os cidadãos não muçulmanos do estado islâmico): "Aquele que
mata um homem sob proteção de um pacto (isto é, dhimmi) não sentirá, sequer, o
perfume do Paraíso." Desta forma, o ser humano, para o Islã, teria um caráter
sagrado. "... Não tireis a vida que Allah tornou sagrada, senão sob a forma da lei e
da justiça: eis o que Ele vos ordena, para que raciocineis." (al-An'am 151) e diz Allah
no Alcorão: "Nem tireis a vida que Allah tornou sagrada, senão por uma justa causa.
E se alguém for morto injustamente, facultamos ao seu parente a represália (exigir
qisas ou perdoar): porém que não se exceda na vinganaça, porque ele está
auxiliado (pela lei)". (al-Isrá 33). A interpretação que se dá é a de que matar uma
pessoa - sem justa causa - é um grande pecado, como se matasse toda a
humanidade, assim como salvar a vida de uma pessoa é uma boa ação que
corresponde a salvar toda a humanidade (al-Máida 32). Todavia, há também no
Alcorão: "Por isso, prescrevemos aos israelitas que quem matar uma pessoa, sem
que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será
considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade."(5:32). A Declaração
Islâmica Universal dos Direitos Humanos, de 1980, consagra, no item I, alínea “a”, o
direito à vida, com ressalva: “A vida humana é sagrada e inviolável e todo esforço
deverá ser feito para protegê-la. Em especial, ninguém será exposto a danos ou à
morte, a não ser sob a autoridade da Lei.” Se fóssemos interpretar ao pé da letra a
Escritura Sagrada, entre nós, católicos, seria possível extrair da Bíblia fundamento
para a pena de morte, como já expusemos alhures, não obstante em Êxodos 20:13,
ex vi: "Quando o Senhor vosso Deus vos introduz na terra que estais prestes a
possuir, e vos livra das várias nações que vos antecederam, os hititas e os
girgashitas e os amoritas e os cananeus e os perizitas e os hivitas e os jebusitas,
sete nações maiores e mais fortes do que vós. E quando o Senhor vosso Deus os
despacha e os derrota antes de vós, então vós os destruireis completamente. Não
fareis pacto algum com eles e não tendes misericórdia deles. (Deuteronômio 7:1-2).
"Quando vos aproximardes da cidade para combatê-la, oferecei vossos termos de
paz. Se eles concordarem em fazer a paz convosco e vos franquearem a cidade,
então todas as pessoas que nela se encontrarem tornar-se-ão escravos e vos
servirão. No entanto, se não aceitarem a paz convosco e preferirem a guerra contra
vós, então cerque-os. Quando o Senhor vosso Deus permitir, esmague todos os
homens com o fio da espada. Somente as mulheres e as crianças e os animais e
tudo o que estiver na cidade, todos os seus espólios, serão tomados como despojos
de guerra por vós; e vós usareis os espólios de vossos inimigos que o Senhor vosso
Deus vos agraciou ... Somente nas cidades dessas pessoas que o Senhor vosso
Deus está vos concedendo como herança, nada que respire será deixado vivo."
(Deuteronômio 20:10-17) "Agora, portanto, matai todo macho entre os pequenos e
matai toda mulher que tenha conhecido um homem intimamente. Mas todas as
meninas que não conheceram um homem intimamente, poupe-as para vós."
(Números 31:17-18) Até no Novo Testamento nós lemos a seguinte afirmação
atribuída a Jesus feita a seus discípulos: "Pois eu vos digo que a qualquer que tiver
ser-lhe-á dado mas ao que não tiver, até o que tem lhe será tirado. E, quanto aos
meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e mataios na minha presença." (Lucas 19:26-27)
23
Decreto-lei no. 1001/69, Código Penal Militar.
24
Penas Principais. “Art. 55. As penas principais são: a) morte; b) reclusão; c)
detenção; d) prisão; e) impedimento; f) suspensão do exercício do posto, graduação,
cargo ou função; g) reforma.”
25
Art. 56, CPM: “A pena de morte é executada por fuzilamento.” Art. 707, CPPM: “O
militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme comum e sem insígnias,
e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no momento em que tiver de receber
as descargas. As vozes de fogo serão substituídas por sinais.”
26
Sentido da expressão "forças em operação de guerra": Art. 709, CPPM: A
expressão "forças em operação de guerra" abrange qualquer força naval, terrestre
ou aérea, desde o momento de seu deslocamento para o teatro das operações até o
seu regresso, ainda que cessadas as hostilidades.
27
Art. 57 e seu parágrafo único, CPM: “A sentença definitiva de condenação à morte
é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode
ser executada senão depois de sete dias após a comunicação. Parágrafo único. Se
a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente
executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares”. A
execução da pena de morte vem disciplinada nos arts. 707 e 708 do CPPM, do
modo seguinte: “O militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme
comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no momento
em que tiver de receber as descargas. As vozes de fogo serão substituídas por
sinais. O civil ou assemelhado será executado nas mesmas condições, devendo
deixar a prisão decentemente vestido. Será permitido ao condenado receber socorro
espiritual. A pena de morte só será executada sete dias após a comunicação ao
presidente da República, salvo se imposta em zona de operações de guerra e o
exigir o interesse da ordem e da disciplina. Da execução da pena de morte lavrar-seá ata circunstanciada que, assinada pelo executor e duas testemunhas, será
remetida ao comandante-chefe, para ser publicada em boletim.”
28
Remetemos, o estimado leitor, ao princípio da proporcionalidade.
29
Para nós, Sócrates não cometeu suicídio, senão condenado que foi à pena de
morte.
30
Evidente que a discussão é jurídica, por isso Jesus de Nazaré e não Jesus Cristo.
31
Ver INGENIEROS, José. A vaidade criminal & a piedade homicida. Campinas:
LZN, 2003.
32
“O rigor do castigo faz menor efeito sobre o espírito do homem do que a duração
da pena, pois a nossa sensibilidade é mais fácil e com mais constância atingida por
uma impressão ligeira, porém frequente, do que por abalo violento, porém
passageiro. Todo ser que tenha sensibilidade está dominado poelo império do
hábito; e, como é este quem ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer as suas
necessidades, também é ele quem inscreve no coração humano as ideias morais
através de impressões reiteradas.” (BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.
Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus Editora, s/d., p. 46).
33
SANTOS, Marino Barbero. Pena de muerte (el ocaso de um mito). Buenos Aires:
Depalma, 1985.
34
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, vol. I, 23ª. Ed., São Paulo: Saraiva,
1985, p. 369.
35
HUNGRIA, Nelson. Um condenado à morte. Revista Jurídica no. 38, p. 5-10,
citado por Vieira da Silva, Alberto José Tavares. A pena de morte e a codificação
penal brasileira. Cartilha jurídica do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região.
Fevereiro de 1992, p. 31.
36
Ver MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: RT, 2003.
37
“It is sometimes suggested that abolishing capital punishment is unfair to the
taxpayer, as though life imprisonment were obviously more expensive than
executions. If one takes into account all the relevant costs, the reverse is true. "The
death penalty is not now, nor has it ever been, a more economical alternative to life
imprisonment." A murder trial normally takes much longer when the death penalty is
at issue than when it is not. Litigation costs - including the time of judges,
prosecutors,public defenders, and court reporters, and the high costs of briefs -- are
all borne by the taxpayer. A 1982 study showed that were the death penalty to be
reintroduced in New York, the cost of the capital trial alone would be more than
double the cost of a life term in prison. In Maryland, a comparison of capital trial costs
with and without the death penalty for the years 1979-1984 concluded that a death
penalty case costs "approximately 42 percent more than a case resulting in a nondeath sentence." In 1988 and 1989 th e Kansas legislature voted against reinstating
the death penalty after it was informed that reintroduction would involve a first-year
cost of "more than $ 11 million." Florida, with one of the nation's largest death rows,
has estimated that the true cost of each execution is approximately $3.2 million, or
approximately six times the cost of a life-imprisonment sentence. The only way to
make the death penalty a "better buy" than imprisonment is to weaken due process
and curtail appellate review, which are the defendant's (and society's) only
protections against the grossest miscarriages of justice. The savings in dollar s would
be at the cost of justice: In nearly half of the death-penalty cases given review under
federal habeas corpus, the conviction is overturned.” (BEDAU, Hugo Adam. The
case
against
the
death
penalty.
Disponível
em:
<http://users.rcn.com/mwood/deathpen.html>. Acesso em: 03 mar. 2010).
38
Linchamentos são “práticas coletivas de execução sumária de pessoas
consideradas criminosas. Sua característica diferenciadora de outros tipos de
execução sumária é o seu caráter de ação única, ou seja, o grupo linchador se
forma em torno de uma vítima, ou grupos de vítimas, e após a ação, se dissolve. Por
isso, diz-se dos linchamentos que são ações espontâneas e sem prévia
organização.” (SINHORETTO, Jacqueline. Os justiçadores e sua justiça:
linchamentos, costumes e conflito. São Paulo: IBCCRIM, 2002, pág. 40). “Brasil está
no topo do ranking de linchamentos”. O Estado de São Paulo, 11.03.2001. (Cidades)
citado por GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito penal na era da
globalização. São Paulo: RT, 2002, pág. 91.
39
Os irmãos Naves (Joaquim Rosa Naves e Sebastião José Naves) foram
brutalmente torturados até confessarem o homicídio do primo Benedito Pereira
Caetano, por móveis financeiros, que não cometeram. Julgados duas vezes e duas
vezes absolvidos pelo júri popular da comarca de Araguari/MG, através da aguerrida
defesa patrocinada pelo Dr. João Alamy Filho, para sempre com o nome lembrado
entre os criminalistas, restaram, por fim, condenados pelo TJMG a 25 anos e 6
meses de reclusão, nos idos de 1939. Após cerca de oito anos, reaparece viva, a
pretensa vítima (Ver PERSON, Luis Sérgio e BERNARDET, Jean Claude. O caso
dos Irmãos Naves. São Paulo: Fundação Padre Anchieta, Imprensa Oficial de São
Paulo, 2004).
40
O caso da Escola Base é outro caso de triste lembrança. Devassaram a vida dos
proprietários, incitou-se a população contra os “pedófilos”, fotografias dos mesmos
foram publicadas em todos os jornais, casa e escolinha destruídos pela população
em fúria, para ao final, descobrir-se que tudo não passara de imaginação de uma
mãe.
41
“É natural que um caçador de feras, ao encontrar um tigre na jungle, o mate sem
hesitação; mas, se o vê reduzido à impotência, entre as grades de ferro de uma
jaula, praticaria um gesto estúpido se o dessangrasse com um golpe de azagaia. A
pena de morte não é necessária, nem mais exemplar ou mais intimidativa que a
longa privação de liberdade. Não se pôde ainda comprovar que a pena de morte
seja mais eficiente que a pena de encarceramento. A criminalidade liga-se a causas
mais profundas que a modalidade da punição ou a intimibilidade desta ou daquela
pena. A exacerbada crueldade das penas no Oriente, a fereza dos suplícios da
Idade Média, todos os requintes já inventados pela arte macabra de tomar vida por
vida não foram capazes de servir de freio aos malfeitores. A coação psicológica
exercida pela pena de morte é, tal como a decorrente da pena de prisão, meramente
relativa. No cálculo do delinquente, nem sempre é dissuasiva a ameaça da pena, por
mais rigorosa que seja, porque ele sabe que só será punido se o seu crime for
descoberto, e tem a esperança de poder escapar à justiça repressiva. Raciocina-se
que, se a pena de morte é terrificante no momento de sua execução, não o é no
momento do crime, por isso mesmo que o delinquente conta com a possível
impunidade, e é certo que grande número de crimes fica impune, por falta de prova
de autoria.” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. III, 3ª. Edição,
Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 323 e 324).