relatório final de pós-doutorado

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relatório final de pós-doutorado
UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
RELATÓRIO FINAL DE PÓS-DOUTORADO
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI:
“do Estado Ético-racional (Hegel e Weber) ao Estado de Exceção".
Vinício Carrilho Martinez
Marília, março de 2015
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A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI:
“do Estado Ético-racional (Hegel e Weber) ao Estado de Exceção".
Vinício Carrilho Martinez
Marcos Del Roio - supervisor
RESUMO: A pesquisa, inicialmente prevista para ofertar uma disciplina introdutória na
graduação em Ciências Sociais, teve um recorte a fim de se (re)alinhar a alguns aspectos
essenciais da forma-Estado – sobretudo no século XXI. Desse modo, o eixo do trabalho
modificou-se do conceito da esfera do Político para, mais especificamente, o Poder
Político. O relatório ainda final foi apresentado como disciplina optativa no curso de
Pós-Graduação em Ciências Sociais, em janeiro de 2015.
JUSTIFICATIVA: As atividades de pós-doutorado requerem o cumprimento de, ao
menos, duas atividades – a pesquisa propriamente dita, confeccionando um relatório
final/formal - a apresentação do mesmo – e a publicação de artigo em periódico
qualificado (Art. 6º e 8º, §1º, respectivamente, da Resolução 49/2013 da UNESP). É
opcional a oferta de disciplina em curso de graduação e de pós-graduação. No caso
desta pesquisa, o relatório foi apresentado sob a forma de um curso único/opcional no
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da UNESP/Marília.
OBJETIVOS: Recontextualizar a chamada Teoria Geral do Estado, a partir do
pensamento clássico original de Jellinek, no século XIX; apresentar as bases jurídicas
da TGE ao longo do século XX; problematizar as “novas” formas-Estado e a doutrina
geral no século XXI.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
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ROTEIRO: O relatório segue a mesma estrutura do curso, em seis módulos/aulas: 1Do Estado Primordial (urstaat) ao Estado Ético; 2 - O Estado Ético de Hegel – a forma
constitucional do “Estado de Justiça”; 3 - Do Estado Moderno ao Estado Racional de
Max Weber; 4 - Do Estado de Direito: Personalidade Jurídica do Estado; 5 Estado
Democrático de Direito Social; 6 - Estado de Exceção Permanente, Global e Exemplar.
O relatório está dividido em três partes gerais: I. A proposta inicial da pesquisa: Do
Político; II. O recorte subseqüente: Do Estado; III. Exposição de conteúdo.
PRÉVIA DO CONCEITO: No primeiro item, apresenta-se a Política como
construtora do Direito e do Poder Político. No segundo, o texto se propõe a analisar
alguns pressupostos clássicos da Teoria Geral do Estado, a partir da concepção de
Jellinek, incidindo-se sobre a institucionalização do Poder Político, bem como por meio
da regulação jurídica do Estado e da teoria do territorium clausum que se verificou com
os fundamentos do Estado Moderno. Portanto, pode-se entender como uma
aproximação à natureza jurídica do Poder Político. No terceiro item, objetiva-se abordar
a exceção – não apenas como parte integrante do ordenamento jurídico do Estado
Democrático –, mas, além disso, como eixo essencial do direito político positivado.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
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Vertù contra furore / Prenderàl’arme, e fia ‘l combatter corto1
Maquiavel
Princeps legibus solutus est
Dante2
Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma
La Boétie3
Que mundo inteiro de prazer e lucro, de grão poder, onipotência e honra,
‘Stá prometido ao estudioso artífice!
Marlowe4
É chamado também de cárcere, pois quem for reprovado estará preso eternamente, pois no
inferno como na prisão eterna a alma é julgada e condenada
e a sentença se pronuncia como em um tribunal público
Historia del Doctor Johann Fausto – anónimo del siglo XVI5
Se o grande cai, não possui mais amigos
Sobe o pobre, e não tem mais inimigos
Shakespeare
Acontecerá à geração humana não se entender ao falar um com o outro.
— Isto é, um alemão com um turco
Da Vinci
---------------He dormido contigo
toda la noche mientras
la oscura tierra gira
con vivos y con muertos,
y al despertar de pronto
en médio de la sombra
mi brazo rodeaba tu cintura.
Ni la noche, ni el sueño
pudieran separarnos.
Pablo Neruda6
1
O valor tomará armas contra o furor; que a luta se espraie bem depressa!
Diferentemente de Maquiavel, para Dante, são virtudes centrais: força, justiça, prudência,
temperança. Além da fé, esperança e caridade. Para o florentino, destacam-se a virtù e a “fortuna”: sorte,
acaso, influência das circunstâncias. Portanto, são virtudes cardeais (virtù) para o bom exercício do
poder, a coragem, o valor, a capacidade e a eficácia política.
3
Em seu Discurso, La Boétie (1530-1563) produziu um hino à liberdade, denunciando a tirania que se
encontrava aposta em um tipo de Estado Teológico.
4
Contemporâneo de Shakespeare, Marlowe retrata o pecado do capital como condição humana que se
põe na acumulação primitiva, às vésperas do Estado Moderno: “Se negamos ter pecado, a nós próprios
nos enganamos e nenhuma verdade existe em nós” (Marlowe, 2006, p. 39). A Razão de Estado não
conhece a moral da nacionalidade.
5
Compilação de uma cópia holandesa, anônima, é considerada a primeira versão da lenda de O Fausto, e
vem assinada pelo editor inglês Johann Spies, em 1587.
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Os versos foram escritos no exílio e se referem tanto à companheira quanto à pátria.
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A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
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I DO POLÍTICO
REFERENCIAL BÁSICO
1) Política é ação e reflexão, propositura e metodologia
Na origem grega, a política constitui a esfera da integralização da condição
humana, esfera de liberdade plena, autônoma, das realizações humanas. São destacados
três pontos: I - A política em si, como prática (Arete7 = adaptação perfeita, excelência,
virtude); II - A elaboração de uma teoria (epistemologia, conhecimento, análise das
ideias); III - A implicação de uma filosofia (moral, virtude, finalidade, escolha dos
meios, ideais e conquistas ou não). De tal modo, a política é uma prática que exige
reflexão de iniciantes ou especialistas, nas grandes e nas pequenas disputas que
envolvam interesses diversos além do poder (Maar, 1984). A política também já foi
definida como a necessidade de se estudar “quem manda, por que manda, como
manda”. Além do esforço que se deve ter em estudá-la com regularidade, como se fora
um “curso prático e elementar, para trabalhadores, estudantes, políticos, donas-de-casa e
o povo em geral” (Ribeiro, 1981). A política, quando consagrada na condição humana,
quando transformada de virtus (virtualidade; possibilidade) em virtù (virtude), será a
própria excelência humana:
A excelência em si, arete como a teriam chamado os gregos,
virtus como teriam dito os romanos, sempre foi reservada à
esfera pública, onde uma pessoa podia sobressair-se e distinguirse dos demais. Toda atividade realizada em público atinge uma
excelência jamais igualada na intimidade; para a excelência, por
definição, há sempre a necessidade da presença de outros, e essa
presença requer um público formal, constituído pelos pares do
indivíduo; não pode ser a presença fortuita e familiar de seus
iguais... (Arendt, 1991, p. 58).
Indubitavelmente, o homem é um animal político, um a priori, com uma vita
activa que requer movimento e ação (Arendt, 1991, p. 15). A vita activa é sinônimo de
ação política e esta estreita relação constitui o “cerne humano”. O homem é um animal
social, de múltiplas relações de convivialidade, conectividade, civilidade, isonomia8,
isegoria: sem liberdade de expressão, não há manifestação pública e todos seriam aneu
logou: sem direitos e sem voz ativa (Arendt, 1998). Limitados nos sentidos, sem a
política, não participamos da ressignificação do mundo exterior.
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Note-se que aríete significa um instrumento de guerra medieval.
O reconhecimento da igualdade formal é essencial ao “reconhecimento do homem político”. O homem
se faz político por meio da isonomia.
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A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
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Por isso é tautologia pregar ética na política; uma vez que, ao contrário da
política, a corrupção subverte a condição humana. A corrupção desumaniza; se a
política produz a ironia – como sintoma da inteligência humana aplicada à realidade dos
fatos –, a corrupção, ao revés, é notável pelo cinismo. Desse modo, a política substitui a
violência e é o princípio essencial ou o mais destacado mecanismo de regulação social.
Portanto, o político é o Kybernets: timoneiro do Estado (vida pública, Pólis). Mas, o
Kybernets pode ser o direito: porque os homens que vivem sozinhos ou são Deuses ou
são brutos — daí a “função civilizatória” do direito9: “O discernimento e o respeito ao
direito formam a base da vida social e os juízes são seus primeiros órgãos” (Aristóteles,
1991, p. 05).
Para o sentido que se quer empregar no texto, ainda é possível combinar duas
expressões: sentido jurídico e sentido político. De certo modo, o bom senso em política
nos guiaria de acordo com o emprego do vocábulo Política nos dois sentidos: reflexão e
ação política. Sentido político se refere ao “ponto de vista relacionado com as atividades
que tem lugar em torno do Poder Público” (Rojas, 2001, p. 1143). Como sentido
jurídico, emprega-se na forma de: “Conglomerado de valores organizados em
determinada direção e com um funcionamento temporal, que garanta a unidade do
acontecimento humano”. (Rojas, 2001, p. 1143).
Portanto, prefiguram como essenciais no desenrolar das atividades humanas e de
sua humanização, visto que o homem é, por excelência, fazedor da política.
Juridicamente, sem bom senso, trata-se do antidireito10. Desse prisma, cabe visualizar o
que é direito. Quando se observa mais estritamente pelo ângulo da organização do Poder
Político, o(s) sentido(s) da política destacados relacionam-se às formas jurídicas de
sistematização, organização estatal, à participação social na definição do Estado e, por
fim, em sentido lato, ao controle do poder pelo direito. Portanto, cabem algumas notas
acerca do direito que se define como controle e como poder.
2) Direito é ficção, ação, fruição
O direito é ficção porque depende de confiança, adesão e convicção – renovadas
regularmente – de que é um meio eficaz. Implica em ação, porque o sujeito de direitos
deve provocar o Poder Judiciário, bem como agir sobre o Legislativo, pressionando-o
como conjunto de eleitores e na forma da opinião pública (ao apresentar-se novas
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Ainda que haja divergências: ubi societas, ibi ius; “onde há sociedade, há direito”.
Martinez, 2014.
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demandas sociais). Por fim, é fruição, porque o poder deve dar respostas concretas (nem
sempre satisfatórias) aos usuários do sistema judicial; por isso se fala em direitos
fundamentais, garantias constitucionais e institucionais (quando há regras reguladoras a
fim de que o Estado efetivamente observe tais direitos e garantias). Toda ação política
que gera um direito extra Estado, ou seja, que não beneficie primeiramente o poder com
mais poder (Poder Extroverso) acaba por limitar o próprio Estado como fonte geradora
do direito (o que também denominou-se de liberdade negativa). Conceder direitos à
sociedade resulta em retirar ou controlar poderes do Estado.
2.1 Fato, Valor e Norma
O que mais é o Direito? Outro tripé associativo envolve Fato, Valor e Norma.
Todo Direito é um fato social (coerção, exterioridade, generalidade); todavia, nem todo
fato social é jurídico (suicídio, Desobediência Civil). Todo Direito é valorativo (não há
Direito sem moral que o preceda); porém, nem toda carga moral constitui-se em Direito
(não-mentir é um mandamento moral, mas a não ser que se minta para o fisco, não
haverá punição/incidência legal). Todo Direito é norma; entretanto, o Direito não é
sinônimo de normatização (a própria lei admite os costumes como fonte do direito).
Obviamente, o Direito implica no acatamento de um imperativo jurídico (dever;
obrigação de fazer ou de não-fazer); contudo, o direito não se basta e nem se explica
unicamente, univocamente, pelo exercício da coerção. Portanto, o Direito é mais a
“força da ideia” (o Direito é uma ficção ou crença na sublimação das ações individuais)
e menos a “ideia da força” (o poder ou força erga omnes – “contra todos” – não
corresponde ao “valor enquanto norma”), ou seja, sem a crença no Direito, não pode
haver “expectativa do Direito” e sem isto não há o próprio Direito. O Direito é uma
ficção em pelo menos seis sentidos complementares:
1) Como crença, acredita-se em sua superioridade moral (como médium: o Direito
supera a violência como mediador das relações sociais). Há uma crença no Direito como
regulador legítimo do controle social.
2) Como ficção jurídica, propriamente dita, surge na exposição de Savigny (criador
da Escola da Exegese): a pessoa jurídica é uma ficção legal para o exercício de Direitos
(“fruição do Direito”) e a realização de determinadas funções. A própria pessoa jurídica
é uma criação artificial, que existe puramente na lei (a exemplo do Estado) e, como a lei
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positivista/positivada11 deriva do Poder Político, carece a lei de concretização; a
objetividade da lei, sua existência, estaria assegurada no cumprimento da finalidade de
“somente” facilitar determinadas funções (a boa-fé creditada nos contratos de compra e
venda). Neste caso, vê-se que a boa-fé, a intenção legítima do contrato, a crença no
compromisso assumido, antecede a lei. A lei figura como coadjuvante, como corolário
posterior à intenção presente nas relações sociais e, como reserva de ação, será um
meio, um instrumento que garante objetividade, regularidade, forma específica, às ações
humanas que a precederam.
3) Como artefato de perfectibilidade social, não basta que o Direito seja preferível; é
necessário que seu aperfeiçoamento leve ao reconhecimento da superioridade moral da
razão (o Direito como razão: Juris pudentia12). Há uma crença na perfectibilidade, isto
é, não se supõe – grosso modo – que o Direito possa retroagir13, como se fora um
Estado de Direito Regressivo14. O Estado Penal – como via de exceção –
trabalha/produz com a (re)produção da miséria humana no quadro do capitalismo de
coalizão brasileiro (Santos, 2009).
4) Como parte ativa do processo civilizatório, o Direito é capaz de (re)dimensionar a
humanização como referência moral e política. Toda Luta pelo Direito (Ihering, 2002) é
uma luta política expansiva, extensiva de direitos. O Direito substitui, subsume a
violência, os costumes atávicos como forma reguladora do convívio social.
5) Os direitos do Estado, como instituição cristalizadora do contrato social, é uma
ficção, uma quimera jurídica que se assenta no aceite do povo dominado.
O povo nunca aliena definitivamente seus direitos. Segue
sendo soberano, e conserva o poder perpétuo de revogar ou abolir
o governo pelo mesmo instituto (contrato), se em qualquer
momento trai seu mandato [...] Assim, pois, o absolutismo de
Hobbes proporciona a Locke a armação para uma teoria
inteiramente distinta do governo limitado e constitucional,
entendido como defensor dos direitos de propriedade, o qual não
vem a ser mais que a versão teórica do fato prático da Revolução
inglesa de 1688 (Cole, 1987, p. 31 – grifos nossos).
11
Reconhecida e validada como requerida, “justa” e aplicável pelo Estado.
Tecnicamente, entende-se jurisprudência como a “uniformização das decisões judiciais”, uma baliza
técnica construída a partir das inúmeras decisões judiciais acerca de casos similares. Mas,
equivocadamente, pouco se cuida para que o Direito seja aplicado com razão, verossimilhança, a fim de
que a Juris prudentia seja a aplicação do Direito conforme a própria Prudência, como método/técnica
jurídica/judicial de se aplicar o Direito com Bom Senso.
13
Juridicamente, o direito só retroage para beneficiar. Por exemplo, abolindo-se um crime, extingue-se
automaticamente a punibilidade que recaia sobre os condenados.
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Veremos na última parte do texto como esta mística se desfaz.
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6) A serviço do controle social legítimo, consensual, consentido, o Direito é uma
construção social (o Direito como fato social15). Ocorre, por fim, uma transformação
dos qualitativos políticos (a Pólis, por exemplo) em conclusões jurídicas (Magna Carta,
Constitucionalismo16). O que nos permite falar do Estado como fenômeno jurídico. A
personalidade jurídica do Estado nada mais é do que uma ficção jurídica e, portanto, se
o Estado requer um mito, o Direito precisa de sua ficção. É preciso acreditar na sua
superioridade e procurar pelos meios de sua eficácia.
O que é o Estado regulado pelo Direito?
 Além do contexto do chamado Estado Ocidental, cabe falar de outras
formas do Poder Político?
 Teria a Pólis grega – em cada cidade-Estado independente – uma
organização na forma de Estado? A Grécia conheceu o Direito como o
conhecemos atualmente?
 Atribui-se a Roma o surgimento do Direito, em boa medida derivado do
esforço formal da reunião/codificação – na forma escrita/formalização –
de um conjunto de leis; e a positivação dessas regras, distinguindo-se
direito e moral e as grandes áreas jurídicas: direito público e direito
privado; direitos do Estado e Direito Civil.
 O due process of law17, estadunidense é mais formal; no entanto, a rule
of law18 britânico, o direito germânico (cultural) incorporam a moral ao
direito. O direito britânico é consuetudinário19 – menos positivista do que
15
Assim, voltamos ao tripé inicial, de que o Direito é fato, valor e norma.
Contexto histórico, social, político e ideológico do surgimento (ou de afirmação) da Constituição como
marco regulador do poder, do Estado e das relações sociais. Apesar de mais claro a partir do século
XVIII, é fato que todo Estado tem uma Constituição que o defina, como uma base legal em que o poder
se desenrola (Aristóteles, 1997).
17
“Mesmo nos Estados Unidos, o due processo f Law, consagrado pela décima quarta emenda em 1868,
será progressivamente entendido não mais somente como impondo às autoridades públicas certa maneira
de agir (procedural due process) – por exemplo, a garantia de um processo justo – mas, ainda, implicando
um certo conteúdo de direito aplicável (substantive due process)” (Chevallier, p. 15, 2013).
18
“A Rule of Law britânica […] inteiramente fundada com a preocupação de proteção dos direitos e
liberdades individuais: o respeito à hierarquia das normas se faz com a afirmação da autoridade suprema e
exclusiva da Lei (o poder absoluto do Parlamento estando, entretanto, limitado pela soberania da Nação, a
existência de ‘convenções da Constituição’ e do peso da ‘opinião pública’); a legislação é obrigada a
apresentar um certo número de qualidades intrínsecas (generalidade, publicidade, não retroatividade,
claridade, coerência, estabilidade e, em primeiro lugar, previsibilidade); enfim, as liberdades individuais
são postas sob a proteção dos tribunais ordinários, o princípio da igualdade diante da Lei exclui todo
privilégio de jurisdição dos agentes da Coroa” (Chevallier, 2013, p. 15).
19
Se pensarmos na ausência de uma Constituição, como Carta Política, e mesmo que aí incida um direito
constitucional.
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o germânico (Cole, 1987) –, todavia, nem por isso, diz-se que há menos
direito aqui ou ali.
Então, por que razão na Grécia não haveria direito e por que motivo na Suméria
(ou na China milenar) não haveria Estado?
Maquiavel e o stato (Estado Ocidental)
Maquiavel, n’O Príncipe (1979), trata do status, stato (do que está firme, forte).
Construindo-se, assim, uma somatória de elementos: Entropia social e cultural +
mitologia + Nomos da Terra + concentração do poder (força centrípeta). A Entropia:
tem suas bases na termodinâmica de Newton20:
Por que existe a entropia? Antes, muitas vezes se admitia que a
entropia não era senão a expressão de uma fenomenologia, de
aproximações suplementares que introduzimos nas leis da
dinâmica. Hoje sabemos que a lei de desenvolvimento da
entropia e a física do não-equilíbrio nos ensinam algo de
fundamental acerca da estrutura do universo: a irreversibilidade
torna-se um elemento essencial para a nossa descrição do
universo, portanto devemos encontrar a sua expressão nas leis
fundamentais da dinâmica [...] De qualquer forma [...] é do caos
que surgem ao mesmo tempo ordem e desordem (Prigogine,
2002, pp. 79-80 – grifos nossos).
Para esta concepção, o Estado nasce do caos. O Estado nasce da necessidade do
regramento normativo impositivo. Para sua efetividade, além da força, é preciso que
haja uma crença na capacidade organizativa do Poder Político. Ou seja, o Estado se
alimenta do mito: é preciso acreditar firmemente que há uma explicação possível, e
ainda que não racionalizada, para os fatos da política que se erigem como Mito (força)
do Estado. Athene é o espírito do povo e o Estado é seu espírito objetivo: “Os penates
são os deuses inferiores e interiores, o espírito do povo (Athene) é o divino que se
conhece e se quer; a piedade é sensibilidade e moralidade objetiva nos limites da
sensibilidade, a virtude política, a vontade do fim pensando como existente em si e para
si” (Hegel, 1997, p. 217). O Estado é o pensamento do povo, pois que é a sua vontade.
Assim também nos relatava Francis Bacon (1561-1626) citando Ifícrates,
quando este sintetizou os principais requisitos da independência e do equilíbrio de poder
essenciais às relações entre o Poder Central e os Estados soberanos:
20
E que Marx conhecia e teria aliançado à dialética que transforma quantidade em qualidade. Entropia e
luta de classes podem estar associadas em analogia, mas como metáforas do ciclo vicioso/virtuoso entre
passado-presente e presente-futuro.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
11
Uma só garantia entre nós, um só compromisso: provai que
pusestes tanto em nossas mãos que não podereis prejudicarnos ainda que o quiserdes’. De fato, quando os meios de lesar
são removidos ou quando uma ruptura de tratado poria em risco
a existência e a integridade do Estado e dos recursos, o pacto
pode ser considerado ratificado, sancionado e confirmado
como que pelo juramento do Estige: há então perigo de ser-se
expelido dos banquetes dos deuses. Com esse nome os antigos
significavam os Direitos, prerrogativas, riqueza e felicidade
do Estado (Bacon, 2002, pp. 30-31 – grifos nossos).
 “Nada de ecos homéricos aqui. / Los mitos llaman a la puerta cuando los
necesitamos. / Nada de ecos homéricos... / Aqui um general excava un Estado
dormido / bajo lãs ruínas de una Troya inminente” (Mahmud, 2002, p. 17).
Esse Estado dormido tanto pode ser o Mito do Estado que resplandece na Razão
de Estado (justificativa institucional) quanto a personificação atávica do poder pessoal:
personalização tão destacada, por exemplo, na figura dos heróis nacionais. Como sugere
o poema, a solução encontrada foi o Estado de Sítio.
Neste sentido, o Estado é um mito. O mito não é uma profecia, uma vez que
repercute uma realidade preexistente. Por sua vez, o mito do Estado é aquele de uma
força movedora e executora de tarefas infatigáveis em razão de objetivos maiores: “O
mito não pode ser descrito como uma simples emoção porque é a expressão de uma
emoção. A expressão de um sentimento não é o próprio sentimento — é a emoção
tornada imagem” (Cassirer, 2003, p. 64). O Estado precisa de uma forte crença em si e
em sua capacidade resolutiva, e isto obriga a que o Direito produza sentidos para a vida
comum do homem médio. O Direito (ainda que criticado) reflete ao menos em parte
essa aspiração, como Nomos da Terra.

Então, o Estado é uma condensação: Povo + Território (Nomos) = Soberania
(Logos: a decisão racional pelo poder de dominação).

Resumidamente: concentração política e uniformização jurídica.

Esses são fatores essenciais, mas não suficientes, pois uma tribo indígena possui
organização de funções sociais e do poder, como Poder Político, ainda que não
conheçam a forma-Estado.
Este longo processo de mudanças profundas na base da sociedade e no
afloramento de um Poder Político centralizado – alem disso – ainda se debatia com a
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
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superação dos pressupostos morais/religiosos do que se pode denominar de concepção
moralista do poder.
Estado Teológico
Por Estado Teológico entenda-se o modelo tradicional da Razão de Estado,
como vista desde antes mesmo das elaborações racionais/realistas de Maquiavel (1979)
que culminaram no clássico Estado Moderno. O Estado Teológico se constitui de uma
avaliação epistemológica em que o soberano constitui uma mediação entre o divino e o
profano. A indústria ou inteligência da direção requer que se afine e aprimore o bom
senso, realçando-se três condições: “Primeira, que a multidão se estabeleça na unidade
da paz. Segunda, ser essa multidão, unida pelo vínculo da paz, dirigida a proceder bem
[...] Terceira, requer-se que, por indústria do dirigente, haja abundância suficiente do
necessário para o viver bem” (Aquino, 1995, 167).
Trata-se de combater a corrupção, a iniqüidade e a dissensão. Por fim, resta ao
governante redobrar esforços e manter em alto tom as ações de empenho na paz social.
Um governo prudente é um governo solidário. Como revelação divina, o soberano
encarna Deus na Terra ou representa o sacro poder. Se Deus constitui a verdade
absoluta (onipresente, onisciente, onipotente) e se o sacro soberano guia seu governo
para o Bem, temos que a soberania é igualmente sagrada; afinal o governo de Deus na
Terra não pode ser questionado. Tal qual o poder divino, a soberania é inquestionável,
indivisível, inalienável; tanto quanto não cabem adjetivos a Deus, não cabe superlativo à
soberania.
Ainda hoje, tradicionalmente, para a soberana vigência do poder constituído, não
há limitações quanto aos meios empregados – uma das principais observações de
Maquiavel, aliar força e astúcia (virtù). A virtude está em saber que “só o uno pode
governar” (Pluribus unum). A soberania é sagrada, pois agir para a sua conservação é
agir para o Bem de Deus na Terra dos homens. Se a soberania é sublime, então, não há
que ter limitações – a exceção é teológica. A Razão de Estado foi erigida como
mecanismo para combater a guerra civil, as rebeliões, as insurreições (crise
institucional); e, se a violência viola a segurança social, para o Estado, a violência viola
a soberania – daí se associar segurança pública com segurança nacional.
O homem é lobo do homem (Homo lupus homini) e por isso a paz tem que ser
conquistada ou imposta pelo Estado (no estado de natureza, sem o controle estatal, há o
reino da beligerância). Portanto, sendo mau naturalmente o indivíduo será inimigo do
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
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outro – e, no limite, fará mal a si mesmo. Desse modo não pode haver nenhuma
associação, aliança ou pacto duradouro sem que haja intervenção direta, precisa e
constante do Estado. Desse modo, com Maquiavel (1979):
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Os príncipes devem alternar severidade e generosidade;
O trabalho sujo deve ser repassado a outros;
Procure fazer com que tudo se pareça com um favor pessoal;
Não anuncie suas ações mais drásticas, para que o inimigo seja pego de
surpresa;
Ações drásticas devem ser rápidas e as benevolentes devem ser pausadas;
Não deve se cercar de servidores excessivamente competentes e
poderosos que possam ameaçá-lo;
O príncipe pode/deve ser violento, mas não deve fraudar suas próprias
leis;
O sucesso cria mais devoção do que amabilidades;
Combine o uso das armas do leão e da raposa;
Faça com que a mentira não compense, pois os homens são falsos e vão
querer enganá-lo, mentindo.
Do mal se faz o bem
Em resumo: em termos públicos, pode-se concluir que só se faz o Bem (maior)
por meio do mal. Maquiavel receita esses remédios amargos porque, na luta por
autoconservação, a nossa total inépcia para a cooperação exigiria a aplicação de uma
violência cuidadosamente administrada. Maquiavel revelou que a razão privada pode
ser beatífica, altruísta (e a isso se louva com estímulos morais), mas a razão pública
(como Razão de Estado), por definição, obrigatoriamente, tem que ser instrumental.
Ao poder soberano cabe ainda o monopólio da coerção moral, para a prática do
bem e também para impingir o mal. Para Hobbes, o Estado é o Leviatã, um monstro
bíblico, uma fortaleza sobre-humana capaz de subjugar a todos os indivíduos, graças a
sua força descomunal. Para representar tal força do Estado, Hobbes utilizou-se de uma
imagem bíblica – um potente, selvagem e indomável crocodilo (Livro de Jô – 40, 41).
O Estado Teológico, portanto, está baseado no poder único e em toda a força
capaz de ser utilizada para manter-se o poder centralizado. Assim, para a teologia do
poder central, soberano é quem determina o uso da força física: uso impositivo (a ser
legitimado) da força política (a própria “máquina” do Estado). A regra é o uso da
norma, a exceção é a manipulação da regra (a ser legitimada). Ironicamente, a política –
no Estado centralizado – equipara-se à violência institucional.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
14
Na configuração do Estado Teológico ou Estado-Força, pois que a força é a sua
ultima ratio, temos em Hobbes que “a defesa da soberania equivale à defesa do corpo
social”, e, em Locke (1994), está na defesa da propriedade para a defesa do sistema
social. No primeiro momento (Hobbes), a marginalidade social é associada à
criminalidade e o criminoso não é tolerado porque ameaça o contrato social; no
segundo, em Locke, a criminalidade é identificada ao “inimigo de Estado”. A ameaça à
ordem sagrada do poder se inicia com a ameaça à propriedade.
Pois aí está a razão de tudo, ou seja, a última razão do poder está na defesa da
propriedade. A propriedade humaniza, afinal, é conseguida a partir do extremo
melhoramento de nossas habilidades e disposições. Portanto, nada mais natural do que o
Estado defender a propriedade como se defende a vida social. O bem maior é a
propriedade porque nada mais expressa do que o humano e, assim, a propriedade é a
responsável pelas principais tipificações no tradicional Estado Moderno. Em Locke, o
sagrado migra à propriedade e sua salvaguarda é o esteio da segurança social; o que,
enfim, assenta a soberania na defesa da propriedade (a realização da divindade no
homem, por meio do seu “próprio” esforço).
Em Rousseau há uma pequena divergência, pois ainda que sagrada (equiparada
ao contrato), a propriedade não reina absoluta: “De qualquer forma que se realize tal
aquisição, o direito que cada particular tem sobre seus próprios bens está sempre
subordinado ao direito que a comunidade tem sobre todos, sem o que não teria solidez o
liame social, nem força verdadeira o exercício da soberania” (Rousseau, 1987, p. 39).
Há uma espécie de função social da propriedade a dirigir a soberania. O que, em si, já
denotaria uma concepção jurídica e não meramente moralista da sociedade e do Estado.
Essa configuração chega ao fim ou a seu desfecho maior, na forma do capital
dissipativo, quando o Estado, a propriedade e o sagrado se encontram e se confundem
na sacralidade do capital e da soberania do poder público (capaz de assegurar este
mesmo status à propriedade privada)21. A soberania tem seu humus na resignação. A
soberania se encontra na solidariedade individual. Com esta univocidade da soberania, a
Razão de Estado evoluiu até o Estado nacional.
Formação societal do Estado Moderno
21
http://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2015/01/19/riqueza-de-1-deve-ultrapassar-a-dos-outros-99-ate2016-alerta-ong.htm.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
15
O Estado Ocidental, descrito por Marx (1977) e Weber (1979 & 1985) ainda
responderia e seria resposta de outros aspectos:
1) Fluxo econômico: além da produção de subsistência, o excedente de
produção permitiria trocas econômicas e simbólicas/culturais.
2) Entropia interna e externa: pressionando-se – em virtude da necessidade de
auto-defesa – a organização de elementos políticos que maximizassem o uso
da força militar (a serviço do Poder Político). Assim, as forças de Segurança
Pública começam a se distinguir – é curioso que para os gregos a polícia
(politia) também deriva da política; na verdade, não se distinguiam.
3) Transferência de autonomia: formação de uma heteronomia (social, política,
normativa) dos indivíduos, grupos, camadas, classes, e dirigida para/por um
corpo administrativo estável que passou a exercer o monopólio do uso
legítimo da força física.
4) Profissionalização das atividades administrativas e da gestão pública:
formou-se a própria noção de espaço público e permitiu estabilidade social;
com destaque, evidentemente, para a profissionalização militar, jurídica,
fiscal, arrecadatória.
5) Crescente institucionalização: assim como a obediência imediata, a
internalização e a aceitação acrítica22 dos meios/recursos empregados ao
controle social (sobretudo, normativos); sem o que se recorreria à resistência
política e ao direito de sedição.
6) Submissão/substituição
do
direito
de
sedição
na
forma
da
resistência/oposição política (normalizada, normatizada) e incorporada pelo
Poder Político23.
7) Normalização da cultura político-jurídica (além da ideologia), no sentido de
que o Estado não apenas é legítimo, como ainda deve ser reconhecido na
forma da Instituição em si, por excelência: a instituição que é superior às
demais e que as subjuga, incluindo-se a família. O Estado é o Espírito da
22
Em favor do controle social heterônomo, Parsons (1977) se apropriou do curso e do impulso individual
do poder (o modelo teleológico) e o elevou à condição de sistema regulador e normativo (é claro,
preservando o intuito instrumental inicial). A disputa individual pelo poder favorece o sistema, uma vez
que seleciona e premia os “melhores” com a vitória — isto estimula os competidores a preservarem o
status quo do sistema.
23
Toda norma – como parte de um processo de normatização – normaliza, isto é, torna “normais”
determinados atos ou situações. Aliás, esta é a função precípua de toda norma escrita (positiva) ou não.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
16
coletividade, a quintessência da Humanidade, no sentido dado por Hegel
(1997).
8) Formalização,
institucionalização
ideológica
predominante
(Poder
Heterônomo, hegemônico): estrutura-se uma corrente doutrinária majoritária
(inclusive nas normativas e decisões judiciais) acerca da necessidade de
fruição dos aparatos repressivos/controlativos do Estado. O contratualismo
no passado mais longínquo, o Constitucionalismo moderno.
Nesse fluxo, a política (como ação individual e/ou coletiva) também se
metamorfoseia em instituição; no caso, o Estado como instituição.
O que é o Estado como instituição
Estado é o “poder monopolizado territorialmente, a existência de uma ordem
jurídica e administrativa organizada como sistema, que descansa sobre disposições
fundamentais, e conta com a existência de um corpo administrativo consagrado a seu
cumprimento” (Rojas, 2001, p. 437-8). Governo coletivo: “Instituição em que o chefe
do Estado está composto por várias pessoas eleitas por um período determinado. Nos
países em que existe, como na Suíça, este corpo está sujeito à Assembleia Federal
(Parlamento) que é a que exerce o poder supremo. O Conselho Federal (governo
coletivo) tem funções somente executivas” (Rojas, 2001, p. 541). Todavia, há definição
mais objetiva: “Uma sociedade organizada com um governo autônomo e que representa
o papel de uma pessoa moral distinta em relação às outras sociedades análogas com as
quais está relacionada [...] Neste sentido, o Estado opõe-se ao departamento, à
província, à comunidade” (Lalande, 1999, p. 341). Também é evidente que, desde a
centralização a principal tarefa seria administrar os interesses dominantes; a principal
função do Poder Político, portanto, seria de execução desses interesses (Chantebout:
1977). O que, em tese, já havia sido diagnosticado por Duguit (s/d), ao condicionar a
construção da ordem jurídica à execução de uma força maior (capacidade de governar)
capaz de separar entre governados e governantes. O limite territorial e o serviço público
atinente ao governo são os pontos em destaque para o exercício do poder e, assim,
surgem como elementos constitutivos do Estado. Sundfeld (2004) resume o
desenvolvimento da ordem jurídica sob o regime do Estado Moderno:
a) O Estado, sendo o criador da ordem jurídica (isto é, sendo
incumbido de fazer as normas), não se submetia a ela, dirigida
apenas aos súditos. O poder Público pairava sobre a ordem
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
17
jurídica. b) o soberano e, portanto, o Estado, era indemandável24
pelo indivíduo, não podendo este questionar, ante um tribunal, a
validade ou não dos atos daquele. c) O Estado era irresponsável
juridicamente: le roi ne peut mal faire, the king can do no
wrong25. d) O Estado exercia, em relação aos indivíduos, um
poder de polícia. Daí referirem-se os autores, para identificar o
Estado da época, ao Estado-Polícia, que impunha, de modo
ilimitado, quaisquer obrigações ou restrições às atividades dos
particulares. e) Dentro do Estado, todos os poderes estavam
centralizados nas mãos do soberano, a quem cabia editar as leis,
julgar os conflitos e administrar os negócios públicos (p. 34).
O Estado Moderno, sobretudo para receber os aportes advindos da Revolução
Industrial, necessitava desenvolver/articular uma natureza jurídica para o poder. De
certo modo, inicialmente, deu-se a este engenho a nomenclatura de Estado de Direito:
Governo das leis (e não de homens!) gerais e racionais,
organização do poder segundo o princípio da divisão de poderes,
primado do legislador, garantia de tribunais independentes,
reconhecimento de direitos, liberdades e garantias, pluralismo
político, funcionamento do sistema organizatório estadual
subordinado aos princípios da responsabilidade e do controle,
exercício do poder estadual através de instrumentos jurídicos
constitucionalmente determinados (Canotilho, 1999, p. 20).
Porém, o próprio Estado de Direito não é só isto, bem como a natureza jurídica
do Poder Político vai além da defesa dos direitos civis.
24
Quer dizer que o indivíduo não demandava contra o Estado, não promovia ações contra o Poder
Público.
25
A regra da bilateralidade da norma jurídica (de que o Estado deve suportar o peso da lei criada por ele
mesmo) seria anunciada no Estado Liberal, mas só se veria atuante na vigência do Estado Constitucional.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
18
II DO ESTADO
PARA UM ESTADO DA ARTE DO PODER POLÍTICO
O Poder Político pode ser definido em uma categoria geral, como se faz com o
poder militar, poder econômico, poder social ou é a instituição do poder que engloba as
demais?
Todo Estado tem projeto político?
Para a mais extensa tradição da Filosofia Política e da Teoria Geral do Estado,
pode-se dizer que o Estado Antigo - germinal vem desde a Suméria (Roberts, 2003):
1. Corresponde à organização centralizada e hierarquizada do Poder Político.
2. É a corporificação, corporação de um povo, assentada num determinado
território e dotada de um poder originário de mando (Jellinek, 2000).
3. É uma ordem da conduta humana (Kelsen, 1998).
4. Para Hegel, o Estado é a síntese dos mais elevados elementos éticos (Bobbio,
1989). O próprio Estado Ético.
5. É o devir da razão (Deleuze, 2005).
Para Aristóteles, a finalidade do Estado é a Polis. Pode-se dizer,
“metaforicamente”, que Aristóteles já se indagava sobre a Razão de Estado:
6. “Em geral, chamamos interesse público tudo o que é regulado pelas leis para a
conservação dos Estados” (Aristóteles, 1991, p. 217-218).
Este assim chamado Estado Ético, como “instância superior da organização
social”, cria uma superestrutura política que “coloniza” e aprisiona as relações sociais
de acordo com os desígnios do poder hegemônico. “Hegel não deve ser censurado por
ter descrito a essência do Estado moderno, como ele é, mas por ter imaginado que
aquilo que é constitui a essência do Estado” (Reichelt, 1990, p. 15).
Como Estado Ético, Hegel desenvolve essa perspectiva estatal atribuindo ao
Poder Político uma instância ou nível superior às classes sociais e aos conflitos sociais
inerentes. Um Estado Ético “paira” sobre a realidade, pois deve ser imparcial,
irredutível às contradições sociais e suas demandas classistas antagônicas e excludentes.
Por isso, pode-se dizer que é um modelo de Estado que se quer indiferente às diferenças
sociais e, assim, promove-se como intervencionista no âmbito moral. De todo modo,
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
19
esse ideal ético precisa se materializar em poder e em norma – ou apenas em poder de
normatizar.
Então, juridicamente, o que é o Estado?
O Estado como construção jurídica
A ideia do Direito, como consciência da necessidade de se regular – controle
social – é uma das invenções da Humanidade no longo processo civilizatório. A
Antropologia Jurídica é farta na demonstração de que o Direito corresponde à passagem
da mitologia, ingenuidade, à regulação/normatização:
A passagem dos comportamentos pelo crivo da inocência e da
culpabilidade foi separada da gestão das almas e do
policiamento das leis de Deus para ser confiada às instituições
de uma justiça humana responsável pelo direito criado por
cidadãos para reger suas interações; pode-se qualificar essa
passagem de secularização (Assier-Andrieu, 2000, p. 305).
A processualística, como rotinização dos procedimentos judiciais corresponde a
um rito social de iniciação jurídica, no dizer de Assier-Andrieu:
O processo é o teatro institucional encarregado de resolver a
equação formulada pela cultura jurídica ocidental entre
liberdade e responsabilidade [...] o ritual judiciário é, assim
como todo ritual, um meio de mostrar ao sujeito que ele
pertence a uma cultura em comum [...] Esse corpus é a
referência normativa em cujo nome se julga, ou seja, o conteúdo
cultural que se trata de inculcar a fim de introduzir de novo o
culpado, em virtude de sua culpabilidade, na família dos sujeitos
cujas relações são orquestradas pelas instituições (2000, pp.
302-303).
Juridicamente, o Poder Político é uma constante no conhecimento da
Humanidade, sua marca de animal social advém, pois, da capacidade de ser “fazer
política”:
Qualquer contexto em que a consideremos; na horda primitiva,
personificada num chefe ou grupo de anciãos; na cidade, com o
chefe de família; nos grandes países modernos, considerada no
conjunto mais ou menos complexo de grupos — príncipes,
regentes, reis, imperadores, presidentes, parlamentos, etc. —, a
autoridade sempre constitui um fato social da mesma ordem. Há
diferença de grau, mas não de natureza (Duguit, 2006, p. 32).
O processo – como meio e procedimento jurídicos – permite maior objetividade
ao Direito; no direito público, especificamente, corresponde ao equilíbrio entre
liberdade e autoridade; assegurando aos cidadãos a contrapartida jurídica, uma vez que
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
20
o Estado os atinge, com o monopólio legislativo, de forma unilateral (erga omnes: para
todos, de cima para baixo)26.
•
A Razão de Estado nada mais seria do que o Mito do Estado convertido em
justificativa real, legal, objetiva da existência do Poder Político.
•
A Razão de Estado seria a capacidade organizativa dos esforços políticos,
culturais, sociais, econômicos em prol de um poder que se apresenta como
mediador das relações e dos conflitos sociais.
•
Portanto, implica na força necessária para impor as regras de submissão ao povo
(poder erga omnes), em determinado território (territorium clausum).
A Teoria Geral do Estado data do século XIX, mas tem o Estado Moderno como
base empírica, utilizando-se do método indutivo e dedutivo. De um caso concreto,
demarcado juridicamente com os elementos essenciais, parte-se à generalização da
forma-Estado.
Alicerces jurídicos da fundação do Estado Moderno
Somente com a Paz de Vestfália27, em 1648, é que o Estado foi reconhecido
pelo tripé Povo-Território-Soberania e assim passou, na doutrina, de uma Filosofia do
Estado para a real constituição de uma Teoria Geral do Estado (TGE). A Paz de
Vestfália deu início, juridicamente falando, ao Estado Moderno28 (ou Ocidental, como
modelo a ser seguido pelo mundo colonizado) e à ciência inaugural da Teoria Geral do
26
Neste ponto, o Mito do Estado comutou-se: quando se acreditava que o direito revelava a moral, os
costumes, os anseios sociais, o Estado era o direito. Hodiernamente, sob o positivismo jurídico, o direito
válido é aquele professado pelo poder soberano. Logo, o direito é o Estado.
27
Conjunto de tratados de paz, reconhecendo-se a Confederação Suíça e pondo fim à Guerra dos Trinta
Anos, estabeleceram as respectivas regiões limítrofes e assim passaram a indicar o território como um
elemento ou componente formal de dois Estados contíguos. Esta pode ser entendida como a data de
nascimento do Estado Moderno, pois houve a fixação formal do território e da soberania do povo ali
rezidente (territorium clausum): “O que na verdade o Estado detém sobre o território é a sua jurisdição,
da qual este serve como limite, e qualquer alteração territorial de um Estado é sempre um fato de grande
relevância, perante si próprio e até perante a ordem internacional” (Bastos, 1994, p. 209). Trata-se do
Imperium: o poder de mandar.
28
Nosso modelo de Ciência Política e de Teoria Geral do Estado, tirando-se as “atualizações” e a
historicidade, permanece copiando a fórmula do Renascimento: “Só tem o direito de considerar
completada sua educação quando se puder falar que ele — como diz Ofélia a respeito de Hamlet —
conseguiu bem combinar ‘o olho do cortesão, a língua do letrado, o gládio do guerreiro” (Skinner, 1996,
p. 112). Com Hamlet vemos a submissão do homem político como devotado servo da Razão de Estado –
um homem que deve abrir mão da sua vontade pela vontade política: “LAERTES / Ele é um nobre, e
assim sua vontade / Não lhe pertence, mas à sua estirpe / Ele não pode, qual os sem valia / Escolher seu
destino: dessa escolha / Dependem segurança e bem do Estado / Assim, o seu desejo se submete / À voz e
ao comando desse corpo / Do qual ele é a cabeça. Se ele afirma / Que tem ama, cabe a ti acreditar /
Somente no que possam permitir / A sua posição e a Dinamarca” (Shakespeare, 2004, p.163).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
21
Estado. É certo que se pode falar de vários Estados e de suas interpretações ideológicas
– como se fosse obrigado a se render às Teorias do Estado –; contudo, sob a marcação
histórica do territorium clausum29, formou-se – com validade epistemológica – uma
nova Teoria Geral do Estado. Por fim, pode-se dizer que não é uma ciência derivada, de
objeto filosófico ou especulativo; constitui-se em ciência social autônoma e com objeto
por demais definido: a articulação historicamente analisada e na precisa ordem em que
se constitui como Povo, Território e Soberania30. Por delimitação epistemológica das
grandes áreas do conhecimento, rendeu-se mais às atribuições do Direito e dos juristas,
do que à Ciência Política e aos cientistas sociais. A real diferença entre as hordas do
passado, das comunidades primitivas e/ou indígenas e o Renascimento que deu vida
nova ao Poder Político, está na fabricação do intitulado Poder Extroverso pelo Estado
Moderno:
O Estado produz seus atos no uso de poder extroverso. No
entanto, o poder político seria arbitrário e despótico se os
interessados não pudessem expor suas razões, opiniões,
interesses, antes de serem afetados pelos atos estatais. Os
comerciantes fazem seu lobby no Parlamento; autor e réu
apresentam suas pretensões e provas ao juiz; a empresa se
defende da suspeita de sonegação. São os processos legislativo e
judicial e o procedimento administrativo que permitem essa
desejável “participação” dos interessados nas decisões de
autoridades públicas (2004, p. 94).
Com a nova forma-Estado instituída, era necessário ter a Ciência do Direito uma
correspondência na teoria e na doutrina do Poder Político. A TGE trata da formaEstado sob uma estrita demarcação jurídica. O que, em Kant (1990), desde a Paz de
Westfália, ressurgiu como Estado Jurídico:
(...) A minha liberdade exterior (jurídica) deve antes explicar-se
assim: é a faculdade de não obedecer a quaisquer leis externas
senão enquanto lhes pude dar o meu consentimento. —
Igualdade, a igualdade exterior (jurídica) num Estado é a
29
“No campo jurídico-político, o Estado Absolutista é a primeira manifestação do territorium clausum,
dentro do qual o monarca possui o monopólio da violência” (Cotarelo, 2004, p. 19).
30
Tal como estabelece a chamada Convenção de Montevidéu (1933). Artigo 1 - O Estado como pessoa
de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos. I. População permanente. II. Território
determinado. III. Governo. IV. Capacidade de entrar em relações com os demais Estados.
Artigo 2 - O Estado federal constitui uma só pessoa ante o Direito Internacional.
Artigo 3 - A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos demais Estados.
Ainda antes de reconhecido, tem o Estado o direito de defender sua integridade e independência, prover a
sua conservação e prosperidade, e conseguintemente, organizar-se como achar conveniente, legislar sobre
seus interesses, administrar seus serviços e determinar a jurisdição e competência dos seus tribunais
(grifos nossos).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
22
relação entre os cidadãos segundo a qual nenhum pode vincular
juridicamente outro sem que ele se submeta ao mesmo tempo à
lei e poder ser reciprocamente também de igual modo vinculado
por ela (1990, p. 128).
Retrata-se um mito (lógico) do Estado que não pode prejudicar ao povo que lhe
deu origem. O Estado não pode agir contra os princípios gerais do direito: honeste
vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudicar ao próximo), suum
cuique tribuere (dar a cada um o que lhe pertence).
Teoria Geral do Estado
A Teoria Geral do Estado nasceu a partir da necessidade de se analisar o
surgimento do Estado Moderno, como novo fenômeno jurídico-político da maior
grandeza; como doutrina, foi sistematizada no século XIX, na Alemanha, por Jellinek
(2000). Comparativamente, a Ciência política corresponde à investigação empírica do
poder, já no clássico Renascimento italiano do século XVI e iniciada por Maquiavel. A
Teoria Geral do Estado (TGE) se apoiaria nas análises do chamado realismo político,
mas com o objetivo de superar as restrições impostas pela Filosofia do Estado. Como
Filosofia do Estado se entenda, muitas vezes, a definição meramente moral das
instituições de poder, sem que se avaliasse com realismo a condução das mesmas.
Com isso, a Teoria do Estado passaria a observar os elementos de permanência e
de constância na formação do Estado. Epistemologicamente, são abordagens muito
distintas e isso se observa desde a formação do objeto científico de pesquisa: o poder,
para a Ciência Política; o próprio Poder Político (Estado), para a Teoria Geral do
Estado. No início, o Estado como sociedade política organizada é visto como indutor do
direito. Por fim, especialmente no pós-Segunda Grande Guerra, a tese de que o direito
deve regular o Estado – limitar o poder – ganha muita força, inclusive com amplo
reflexo no direito internacional, com a criação do ONU (1946) e a proclamação da
Declaração dos Direitos Humanos, em 1948. Por esta construção teórica e conceitual
que vem se afirmando há um século e meio podemos compreender as primeiras noções
acerca do aparelho estatal:
o Historicamente, o Estado manifesta continuamente duas de suas atividades ou
características mais atuantes: ora se presta à dominação ora se volta à opressão.
o Estado é uma organização institucional específica que sistematizou, centralizou
o Poder Político.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
23
o O Estado é a instituição mais forte (status) que preside a organização social.
Além dessas características, ainda podemos dizer que o Estado:

Exerce o monopólio do uso legítimo da força física;

Está baseado no centralismo e no monismo jurídico (monopólio da produção
legislativa);

É a instituição política por excelência.
De modo simplificado, para muitos, o Estado se limita à União, uma vez que só
a União tem soberania – os demais entes da Federação teriam apenas uma autonomia
limitada e residual: o que não interessa à União compete ao Estado-membro e assim,
sucessivamente, ao Município. Para Deleuze (2005): o Estado é a soberania. No entanto,
constitucionalmente limitada, a União não pode decidir pela desintegração territorial.
Entretanto, a observação de que o Estado – além de ser uma instância privilegiada de
poder – deve ser estudado como artefato científico foi entrelaçada por Jellinek.
A Teoria do Estado em Georg Jellinek
Quando o objeto de análise é especificamente o Poder Político, a Teoria Geral
do Estado (TGE) entrelaça poder e direito, com destaque para os direitos (assim como
competências) e obrigações estatais. Sob este enfoque, a TGE seria composta por três
fontes distintas: as doutrinas políticas; a história das instituições políticas e o
ordenamento jurídico. O estudo sistemático das doutrinas clássicas, por exemplo,
permite que se entenda como teoria geral. O que ainda a caracteriza como disciplina
cognitiva e axiológica; trazendo como métodos a indução, a dedução, a analogia, a
história. A investigação de sua tipologia, em outro exemplo, parte de modelos adotados
indutivamente, em que se identificam características e processos comuns, instituições e
procedimentos regulares. Por isso, não se resume ao tipo ideal de Weber (1999), uma
vez que se procura por suas regularidades de ocorrência no próprio fenômeno empírico
– que é o Estado em suas aparições. O método proposto à Teoria Geral do Estado
procura demonstrar a unificação de fenômenos comuns.
Mesmo antes da publicação de Jellinek (2000), a Alemanha procurava respostas
para o controle do poder: era necessário controlar tanto a produção quanto a
interpretação das leis. Já no final do século XVIII foi escolhida, inicialmente, a ciência
jurídica. Entretanto, outro problema se apresentou: a Alemanha não estava unificada
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
24
como Estado nacional. Foi preciso aguardar a passagem entre os séculos XIX e XX para
ver a entrada em cena da nova ciência do poder e do direito – derivada do positivismo
jurídico – e para se verificar a conversão do poder de fato em poder de direito. Com
isso, a Teoria Geral do Estado se desenvolveu ao mesmo tempo em que se observava a
institucionalização do Estado como ente jurídico (Estado de Direito). Como exemplos
simples destacam-se a noção jurídica de povo e o conceito jurídico de território: base
material de validação e de aplicação da norma jurídica.
Definindo-se a personalidade jurídica do Estado, operou-se uma análise
sistêmica capaz de diagnosticar e diferenciar o político do jurídico no interior do próprio
Estado, bem como seus elementos constitutivos e sua natureza jurídica. Neste caso, o
problema enfrentado seria a satisfação conceitual a partir das pressuposições
unicamente positivistas do Estado. Por sua vez, o positivismo jurídico se reforçaria com
o monismo jurídico: o único direito válido é aquele produzido pelo Estado (Ranieri,
2013). Portanto, o Estado de Direito surgiu como artefato da modernidade: um
paradigma contraditório. Além de um precursor teórico do Estado, Georg Jellinek
(2000) foi jurista alemão e filósofo do direito. Ainda é preciso lembrar que, para o
jurista alemão, a soberania recai sobre o Estado e não exatamente sobre a nação
(Bonavides 2012).
Jellinek, Schmitt, Heller, Kelsen e Burdeau
Para o jurista alemão Kurt Stontheimer, no século XIX, a Ciência Jurídica estatal
esteve limitada ao conhecimento legisferante e dogmático, muitas vezes restrito ao
Direito Civil. A personalidade jurídica do Estado, contudo, precisaria ser alçada à
condição já preestabelecida pela soberania, como deixou outro jurista alemão, Carl
Friedrich Gerber31:
Segundo Gerber, quando se quer abranger o Estado na sua
dimensão especificamente jurídica, a vida “orgânica do Volk e
os seus conteúdos ético-espirituais não são relevantes enquanto
tais, mas somente enquanto transfundidos e realizados no
Estado. O Estado como capacidade de querer, como
“personalidade jurídica”, é o guardião e o revelador de todas as
“forças do povo”, “a suprema personalidade do direito”,
“realização da potência ética de um povo que tomou consciência
31
Gerber, H. (1823-1891) Jurista alemão do período bismarckiano, pertence à “escola da jurisprudência
dos conceitos”: o direito público é direito do Estado (direito público positivo); o Estado é uma pessoa
jurídica titular de direitos subjetivos. Entende que o Estado é o único detentor da soberania, e não se
confunde com o governo e nem com a nação.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
25
de si, “forma social da humanidade”: nenhum poder concorrente
pode limitar e ameaçar do interior essa soberania (Costa & Zolo,
2006, p. 129).
Quase como em resposta a visão unilateral da soberania, ainda na Alemanha,
debatia-se a necessária fixação dos direitos individuais como esteio do Estado de Direito
– até porque, sem garantias mínimas, o próprio sistema produtivo se ressentiria dos
cidadãos aptos ao consumo ou, ao contrário, de clientes abertos à cidadania:
Para Gierke, uma vez anulada a dimensão “orgânica” e
comunitária do Estado, torna-se impossível compreender tanto a
relação de cidadania quanto o fundamento e o alcance dos
direitos individuais. A relação entre indivíduo e comunidade
política deve ser, antes, entendida valorizando como
complementares o momento do pertencimento à totalidade, à
comunidade político-estatal, e a tutela da esfera individual
(Costa & Zolo, 2006, p. 131).
Este entrechoque é ainda revelador da instabilidade política alemã, o que acabou
por influenciar a formação do Império Alemão e culminou nas duas grandes guerras. O
cenário da análise jurídica se modificou apenas com Jellinek (2000), ao somar a
consideração social à jurídica; formando-se um dualismo gnosiológico e metodológico
ao entendimento do Direito e do Estado (“teoria dos dois lados”: ciência do ser e ciência
das normas). Isto gerou duas relações opostas: a) Escola Normativa de Kelsen (1998);
b) plêiade antipositivista (Heller, Smend). Desse modo, a Ciência do Estado
mergulharia nas ciências sociais auxiliares: sociologia e filosofa. Heller (1998)
superaria o positivismo jurídico propondo uma dialética para a análise estatal: i) o
Estado como relação social (análise fática, do “ser estatal”); ii) o Estado como relação
de sentido (do “querer a norma32”). Donde também se conclui que a Teoria Geral do
Estado é uma parte da Ciência Política – e mesmo que esta não sobreviva sem aquela.
De acordo com Stontheimer, para Hermann Heller (1998), o eixo fundamental
do político é a dialética entre o poder (a realidade) e o direito (ou norma). De outro
modo, Carl Schmitt converte-se a uma sociologia positivista: Teoria do Estado como
ciência normativa e dogmática e Ciência Política como ciência da realidade. Tratar-seia, portanto, de um positivismo sociológico restaurador da “teoria dos dois lados”. A
Ciência Política foi institucionalizada e cada vez tornou-se mais difícil haver uma teoria
puramente jurídica do Estado (como requeria o positivismo jurídico); do mesmo modo
32
No sentido weberiano da dominação racional-legal.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
26
que a Ciência Política não se esgota no objeto do poder: o governo do poder deve ser
auditado e julgado.
A Ciência Política viu-se, então, debruçada na análise do próprio Estado, de sua
Constituição (constitucionalização) e arregimentação/controle do Poder Político. Tanto
a Ciência Política quanto a Teoria Geral do Estado debruçaram-se sobre o caráter
jurídico-normativo. Por fim, a Ciência Política não poderia se limitar ao conjunto de
normas constitucionais de um único Estado, mas sim lograr efeito na avaliação
universalizadora desses mesmos pressupostos constitucionais (como universalizáveis).
Além de observar os “juízos de valor político”, preteridos de certa forma por Max
Weber (1985); a Ciência Política se apresentaria em novo status jurídico, como ciência
da fundamentação, especialmente quando se analisa o Bem Público, a virtude (como
componente do Princípio da Responsabilidade Pública) e sua relação com o Todo (na
forma da Constituição Programática), além dos quesitos de comando, legitimidade e
representação. Mais do que verificar as formas do poder, é preciso controlar o poder e
regular seus efeitos, no ensinamento de Carl Popper (Bobbio, 1986), sem o que a
política de Estado é uma mera aventura. E é exatamente isto que se propõe a Teoria
Geral do Estado, com base na análise constitucional da institucionalização do poder. No
clássico livro A ciência política alemã na fundação do Estado de Direito, outro
jurista alemão, Robert von Mohl, trataria da Teoria do Estado na forma-jurídica do
Estado de Direito, como uma forma-Estado em que o poder é controlado/regido pelo
Direito (Canotilho, 1999). Mais precisamente, para von Mohl, deve haver um espaço de
ação entre o Estado e os indivíduos:
O Estado de Direito é propriamente um tipo de Estado capaz de
avaliar exatamente a medida e os limites de sua intervenção,
decidido a não compometer a autonomia das escolhas e das
iniciativas individuais, mas também pronto a suster o indivíduo
removendo os obstáculos que as suas forças não sejam
suficientes para auperar (Costa & Zolo, 2006, p. 124).
O italiano Alexandre Groppali (1968), no clássico Doutrina do Estado,
reordenou vários dos pressupostos de Jellinek, a começar da necessidade de subordinar
a soberania do poder decisório à Constituição Federal. Após duas guerras mundiais não
poderia ser diferente. Por esse feito, Groppali é tido como um dos grandes
sistematizadores da Teoria do Estado no século XX, mas denominada pelo jurista
italiano de Doutrina do Estado. Também a considera uma ciência autônoma, histórica,
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
27
geral e explicativa. Hoje há necessidade de que deveria ser crítica e propositiva, além de
reflexiva.
Sob o esforço da sistematização, Groppali dividiu a obra em três grandes eixos:
a) teoria sociológica do Estado (gênese e evolução histórica); b) teoria jurídica do
Estado (organização e personificação do Estado); c) teoria significativa do Estado
(fundamentos e fins do Estado). Outra contribuição destacada do autor italiano está na
divergência diante das concepções mais tradicionalistas da origem do Estado: i)
concepção patriarcalista da gênese do Estado: da família patriarcal às gens, das gens à
tribo, da tribo à cidade-estado e daí ao Estado nacional ou plurinacional; ii) concepção
matriarcal acerca da origem do Estado: da horda ao clã, da família matriarcal à família
patriarcal e, finalmente, ao Estado.
Com base na suposição de que a guerra (de defesa ou de conquista) seria o motor
do surgimento e afirmação do aparato estatal, Groppali acentuou o fato de que o poder
central seria derivado de grupos étnicos da mesma estirpe; reunidos num comando
unificado, das tribos unidas por/pelo Estado. As bases da coesão social ainda seriam
fortalecidas pela necessidade de se manter sob domínio os grupos rebelados. Esta
concepção de que o Estado deriva da guerra foi bastante questionada pelas pesquisas
antropológicas de Balandier (1969).
Com a primeira edição datada de 1953, o livro de Machado Paupério – Teoria
Geral do Estado – mantinha o Brasil no cerne do debate internacional, sobretudo na
relação entre Estado e direito. Pois que: “O Estado é uma realidade de ordem jurídica; a
nação, de ordem sociológica” (p. 36). Como afirmativa desse prisma, acentua que na
linguagem jurídica moderna, o Estado é uma instituição (p. 72). Paupério ainda segue a
tradição ao afirmar os elementos de formação do Estado: população, território e
governo. Não cabe aprofundar esse debate, contudo, tanto se diferencia povo de
população (o conjunto integral dos indivíduos de um país ou agrupamento político: por
exemplo, povos sem território) quanto se distanciam governo e soberania (visto que
soberano é o Estado e não o governo: transitório).
Kelsen (1998) distinguiu entre Teoria Geral do Estado e Ciência Política; assim
como demarcou terreno entre Estado e sociedade, nação e governo. Em meados do
século XX, com o autor germânico, o Estado foi equiparado ao direito. Mais
precisamente: Estado é direito (ubi societas, ibi jus). O Estado é uma ordenação jurídica
e, de certo, modo, não se poderia pensar com divergência, porque, se não há sociedade
humana conhecida que não apresente regramento social, mais ainda o Estado – como a
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
28
instituição mais complexa – nao teria sentido se o direito (como norma jurídica ou regra
social positivada) não o precedesse. Para este positivismo jurídico, o Estado é uma
corporação. A naturez jurídica do Estado – pessoa jurídica – dará precisão ao conceito.
A real diferença está na ordem normativa que constitui a corporação do poder central:
“O Estado é uma comunidade criada para uma ordem jurídica nacional” (Kelsen, 1998,
p. 261-2). Portanto, para este jurista, a Teoria do Estado é apenas um ramo (auxiliar,
derivado) da Teoria do Direito.
O direito criado pelo Estado nacional regula ao próprio Estado legislador,
concebido como um supra-homem. O conceito jurídico de pessoa equivale ao conceito
sociológico de Estado. Contudo, como um tipo específico de comunidade política e
jurídica, o Estado só existe mediante uma ordem jurídica que, por seu turno, normatiza
as relações sociais e as condutas recíprocas (toda sociedade possui regras). O termo
comunidade (e que pode ser comunidade política, a exemplo do Estado) só é possível
porque a conduta recíproca dos indivíduos é regulada por uma ordem normativa. Vejase que não se trata do contratualismo – derivado de um suposto contrato social –, mas
sim da imperatividade da ordem jurídica fundadora (ou direito positivo) que atua como
medium regulador das relações sociais.
Especificação jurídica que ainda afasta a concepção metafórica (ou idealista) do
Estado: indivíduos só são indivíduos enquanto membros de uma sociedade. Dá-se
proveito à concepção positiva do Estado: “O Estado é sua ordem jurídica”. Vê-se aqui a
afirmação do direito positivo em face do direito internacional. Do mesmo modo, o
conceito sociológico pressupõe o conceito jurídico (não abstrato) de Estado – e não o
contrário. Fato que a Antropologia já demonstrou fartamente, posto que não há grupo
social humano sem densidade de ordem, normatividade e demais requisitos de
comportamento. Neste caso, a norma jurídica e a regra social (positivada) têm o mesmo
efeito: organização jurídica do social.
Num exemplo direto, basta-nos pensar que o Estado Democrático de Direito só
passou a ter vigência política, institucional, jurídica, após a vigência da Constituição
Federal de 1988, ao conceber-lhe os contornos de um Poder Político que ampara o
ideário de Justiça Social e de democracia no direito (um direito que, por sua vez, por
força da lógica, deve ter como propositura de legitimidade a própria democracia e o
ideal de Justiça). Em função disso, pode-se ter uma discussão bastante avançada no
conjunto das garantias constitucionais.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
29
No também denominado Estado Democrático Social de Direito (Araújo, 2009),
as ações afrimativas têm a natureza jurídica de direito fundamental (consoante art. 3º da
CF/88), devendo-se zelar/efetivar a densificação do valor-igualdade, uma vez que a
igualdade mantém uma inequívoca hierarquia hermenêutica. Além de assegurar a
imperatividade do Princípio da Igualdade Jurídica Formal (art. 5º, XLI, XLII da CF/88).
Ou seja, as ações afirmativas constituem-se, por sua natureza jurídica, em cláusulas
pétreas (art. 60, § 4º, IV).
Na década de 1970, o jurista francês Georges Burdeau, no livro O Estado,
recuperou a temática do Estado como ficção, fabricação humana ou Ideia. Para Burdeau
(2005), o Estado é uma ideia sob a qual projetamos para o poder as grandezas e
fraquezas humanas: generoso ou avaro; engenhoso ou estúpido; cruel ou discreto. Para o
qual também dirigimos nossos sentimentos: confiança ou ódio; temor ou admiração.
Sua constância no presente parece garantir o futuro. Portanto, a existência do Estado
não se limita às regras ou ao território e seu povo: é da lógica do Espírito. O Estado é
uma ideia. Só existe porque é pensado; mas, não é uma ideia preexistente e destinada a
imprimir uma realidade política. O Estado é uma ideia que, em si, exprime toda a
realidade política. Concretamente, os homens inventaram o Estado para não ter que
obedecer a outros homens. Dessa forma, o Estado enobrece a obediência. Pois, não se
inclina à pessoa, mas à autoridade que representa.
Seja como ideia, seja como ideologia, o Estado congrega o real. O Estado não
cria a realidade política, ele a representa; não cria a obediência (se é forçada, não se
sustenta), mas vive dela. É uma crença encarnada. Juridicamente, detém o poder quem
tem o direito de criar regras de direito. Porém, quando uma forma específica de controle
se degenera, o mito se reverte em misticismo. Enquanto ideia, a força tanto está no
Estado de Direito (presunção legal) quanto na propositura soviética: “O Estado é de
todo o povo”. O que, em tese, também anula a concepção de que o Estado seja o poder
central que diferencia governados e governantes33. Aqui, o Poder Político surge como
técnica específica que permite a sociabilidade a partir da socialização de valores por
intermédio de um comando central34. Mas, este vínculo político não é só instrumental; é
igualmente existencial para o grupo. Pois, credita-se a isto os meios de sobrevivência.
33
O nível de enraizamento do poder na sociedade é uma de suas principais características: a rigor, o
adensamento cultural cerificado na formação do Estado-Nação (Martinez, 2015).
34
Esta seria a definição de Razão de Estado ou, mais restritamente, de governo e não exatamente do
Estado enquanto formação privilegiada do Poder Político.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
30
O Estado surge como condição de existência do ser coletivo. É uma consciência
comum. Da necessidade à razão de ser de um grupo social: aceitação, consenso. Ou
seja, o Estado desenvolve como projeto a edificação/conservação de uma ordem social
desejável. Uma Ideia com Força. Por fim, pode-se dizer que este é o substrato que,
desde o século XV, vem instigando o Estado. Digamos, então, que há duas grandes
correntes historicistas: I) o Estado como condição humana (desde o Estado Primitivo);
II) o Estado como fruto do Renascimento (nesta se enquadra o pensamento de Burdeau).
Em boa parte dessa abordagem, no entanto, o que vemos não é propriamente a
caracterização do Estado como Poder Político; mas sim da Razão de Estado: a
identificação política e jurídica do indivíduo/cidadão com os aparatos estatais, pois que
esses assegurariam a perenização dos laços sociais. De certo modo, Burdeau confunde
Estado com Razão de Estado (justificativa plausível para a própria existência e
necessidade do Estado). O desejo pelo pertencimento, o anseio pela sobrevivência, a
necessidade da socialização não explicam o Estado como organização do poder, mas
sim a justificativa que lhe emprestamos para garantir a vida social, a coletividade unida,
mais ou menos harmônica e funcional. Por isso, cabe reinvestigar as bases
epistemológicas empregadas pelo jurista francês.
Razão de Estado
Em 1589, Giovanni Botero, com o livro Razão de Estado, definiu a máxima do
“poder soberano”. Botero acentuou três opções possíveis de poder: fundação,
conservação ou ampliação do Estado. Assim, o poder implica na clara, inequívoca
manifestação das forças reunidas em determinado Estado; agora, sendo estas forças
capazes de produzir resultados objetivos, de modo mais ou menos preciso (Ricciardi,
2005). Neste sentido, pode-se dizer que há alguma alteração que precisa ser verificada,
desde a alteração no próprio poder, até a alteração dos humores, caso a pretensão de
alterar a ótica do poder não tenha se estabelecido: no caso da frustração. Este alterar o
poder ou o seu entorno (alguém está frustrado, por exemplo, porque não conseguiu
alterar o status da operação) indica que a potência (virtus) já se colocou em movimento,
que já deixou o estado de dormência, de latência, em benefício da ação provocadora de
alguma alteração no próprio equilíbrio de poder. Esse movimento pode ser tido para
recuperar tal equilíbrio, ameaçado por algum fenômeno, como para deslocar o eixo
desse equilíbrio, se as forças revisoras forem bem sucedidas. Para a Razão de Estado,
em síntese, o poder significa que a potência (a possibilidade) da soberania está
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
31
manifesta, está agindo, que seu poder é real (que não há superlativo), de efeitos práticos
e comprovados pelos envolvidos na relação.Vejamos ainda que potência também é
vontade:
A potência é a capacidade de efetuar um desempenho
determinado, ainda que o autor nunca passe ao ato. Desta maneira
tornamos a encontrar a velha distinção, estabelecida por
Aristóteles, entre a potência (dunamis) e o ato, ou melhor, o
efetivo (ergon) [...] Por um lado, “potência” designa uma
virtualidade; por outro, uma capacidade determinada, que está em
condições de exercer-se a qualquer momento [...] “Potência
(Macht) significa toda oportunidade de impor a sua própria
vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra
resistências, pouco importando em que repouse tal
oportunidade35” (Lebrun, 1984, pp. 11-12).
Porém, ainda que esse movimento seja feito de vigor, de explosão, de virilidade,
não é só isso, pois a sua força também pode ser medida em termos de capacidade de
sedução, de convencimento e de aceitação para que tenha maior eficácia 36. Max Weber
nos diz de um desejo de dominação (sem o qual, vale frisar, há certas resistências37):
“Assim, força não significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas
de meios que me permitam influir no comportamento de outra pessoa [...] Em suma, a
força é a canalização da potência, é a sua determinação” (Lebrun, 1984, p. 12). O poder,
enfim, implica em adesão a uma determinada ordem, seja a antiga, a tradicional, seja a
nova, a que se quer ver configurada: “Existe poder quando a potência, determinada por
uma certa força, se explica de uma maneira muito precisa. Não sob o modo de ameaça,
da chantagem, etc..., mas sob o modo da ordem dirigida a alguém que, presume-se, deve
cumpri-la” (Lebrun, 1984, p. 12). O poder é a força capaz de produzir ou induzir a um
determinado resultado. Potência é essa mesma força, mas em suspensão.
Outra coisa, bem diferente, é usar este poder sabiamente ou levianamente (pois,
guardadas as proporções, é como diferenciar política de corrupção da política) a serviço
da Razão de Estado. Esta é uma forma de se ver além ou por dentro da própria Razão de
Estado. Assim, o soberano da Razão de Estado é o depositário da vontade política e
para onde devem convergir as expectativas da personalidade comum. Isto nos leva a
35
Aqui Lebrun cita Max Weber.
É claro que estas são suposições que seguem o argumento de que há uma racionalidade na dominação,
que há algo de premeditado, a começar do sentimento de desejo, quando é verbalizado e externalizado.
37
Por isso, o sentido de dependência também concorre para com este da dominação – e, por sua vez,
lembra a simbiose/contradição do senhor/escravo. Por isso, quando há poder se é obrigado a fazer o que
não se quer (como princípio da conquista) e, quanto à dominação, esta pressupõe um querer igual ou
compartilhado.
36
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
32
crer que não há comunidade ou poder político sem unificação e que não há unificação
sem soberania, mas também não há soberania sem poder absoluto38. Entretanto, sem
povo não há poder absoluto e isto quer dizer que deve haver algum tipo de cimento
social, de cumplicidade entre os dois lados da relação de poder39.
Por outro lado, já no início do século XX afirmava-se uma crítica às funções
notadamente burguesas do Poder Político; revelando-se a Razão de Estado uma
construção social de classe. Além do anarquismo, deve-se apontar como crítica radical
a(s) teroria(s) marxista(s). Após a Revolução Russa de 1917, tornou-se um clássico o
livro O Estado e a Revolução, de Lênin40. Teses que foram depois retomadas por
Gramsci (1990)41, Poulantzas (1972), Hirsch (2010). A tese de Engels (1984) sugere
uma origem matriarcal para o Estado.
A necessária atualizaçao
A própria Teoria Geral do Estado passaria a outro patamar político ao se
incorporarem, no ordenamento jurídico, as proposiçoes do Estado de Direito. Hoje, há
uma “plêiade” de concepçoes/atualizações: sempre lendo os clássicos, como fonteprimeira (Malberg, 2001); recuperando-se outras afirmações clássicas (Doehring, 2008);
ou o contraponto da teoria marxista do Estado (Reichelt, 1990)42; reafirmando-se o
Estado de Direito (Chevallier, 2013); entrelaçando TGE sob a moderna Teoria da
Constituição (Miranda, 2002); na junção necessária à TGE entre Direito, Justiça Social,
legitimidade e legalidade (Díaz, 2014); na ótica de uma TGE da globalização (Soares,
2011); ou como uma TGE aplicada ao Estado Midiológico (Debray, 1993) ou, então,
Estado Pós-Moderno (Chevallier, 2009); a TGE com os horizontes do Estado de
Exceção (Agamben, 2004); a TGE como Estado de Não-Direito (Martinez, 2014). Para
além dos clássicos – sem mitigar seus alicerces (Zippeluis, 1997) – é forçoso inserir a
concepção de Direito, Justiça (politização do Judiciário) ou conceitos como os
38
Nesta que foi a própria regra do absolutismo.
No Estado Nazista, este cimento cresceu à medida em que mais se fechou o sistema, em que mais se
aprofundaram os apelos da Razão da Estado à vigência das mil formas de exceção à liberdade e à verdade
políticas. Isso ilustra bem como há algum desejo pela dominação.
40
“Segundo Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por
outra, é a criação da ‘ordem’ que legaliza e afiança esta opressão” (1986, p. 07 – grifos nossos).
41
Deve-se pontuar mudanças de concepção entre o “jovem” Gramsci (1990) e o pensador de teses
maduras.
42
Cabe destacar, neste ponto, que a realidade do Estado de Direito não mais se limita à crítica de que “o
Estado é o escritório da burguesia” (Marx, 1993). Em que pese todas as falácias impostas pelo
neoliberalismo e as limitações programáticas, a forma do Estado Democrático de Direito Social regula o
direito e o poder de maneira muito mais socialista.
39
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
33
derivados do pluralismo jurídico43, mas por meio, sobretudo, da injunção da análise
política e não resumidamente jurídica.
Ao se tratar de legitimidade, por exemplo, é óbvio que se socorre a Teoria Geral
do Estado da epistemologia jurídica acentada na Teoria da Constituição (Calmon de
Passos, 2001) ou por um direito constitucional altruísta (Carducci, 2003); em que
legitimidade e legalidade nao se divorciem (Cademartori, 2006). Sob a égide de uma
análise sistêmica e global, o conceito de regulação jurídica escopa a ordem jurídica de
forma disseminada, sem diferenciar formalmente entre Estado e sociedade (público
versus privado; político x social)44. O Movimento Crítico de Direito na França é uma
referência, assim como no Brasil destacam-se: Reale (2000); Fernando Coelho (2003)45;
Mangabeira Unger (2001)46. Há que se falar ainda de uma Justiça Política (Hoffe, 2006)
que não se encobre no idealismo do Estado Ético (Hegel, 1997) e da necessidade de se
repactuar o territorium clausum e o Nomos da Terra (Schmitt, 2006); agora sob a
43
Para Wolkmer (2001), o Estado Pluralista teria de reconhecer e se pautar pela tolerância, diversidade,
localismo, descentralização e autonomia. O Pacto de San Jose já reconhecera a necessidade deste
reconhecimento, como direito à autodeterminação dos povos (art. 1º) e também a CF/88 (art. 4º, III).
44
Bem como conclamando todas as outras formas de produção jurídica aportadas na diversidade
multifocal do pluralismo jurídico.
45
“A legitimidade pode ser definida como a qualidade ética do direito, a maior ou menor potencialidade
para que ele alcance um ideal de perfeição [eidos] O princípio da legitimidade passa a ser portanto o
ponto de convergência dos pressupostos ideológicos da unicidade, estatalidade e racionalidade do direito”
(p. 503-504, grifos nossos).
46
“Os indivíduos expõem apenas uma parcela limitada de sua humanidade aos seus semelhantes em cada
uma das estreitas faixas de vida nas quais se defrontam [...] As pessoas, por lhes faltar o dom da
comunidade, só conseguem se manter juntas e em seus lugares pela necessidade de usarem-se umas às
outras como meio de satisfação de seus próprios desejos [...] O liberalismo pode minar as bases da
comunidade mas, ao derrubar as barreiras entre grupos significativos, também cria as condições de uma
uniformidade difundida de desejos e preconcepções [...] Ao mesmo tempo, cada etapa da desagregação da
comunidade contribui para a sensação de que nenhum meio de ordenar a sociedade é ou estável ou
autojustificável [...] Como pode haver, então, consenso sem autoridade,estabilidade sem crença, ordem
sem justificativa? [...] No entanto, é justamente nessas condições de hierarquia em dissolução e de
confusão moral que a necessidade de descobrir a base do exercício do poder e de distinguir seus usos
legítimos se faz sentir mais urgente. O progresso no sentido da igualdade tanto destrói quanto anseia pela
autoridade [...] Existe de fato uma estrutura de dominação. Mas, ela afeta de modo ambíguo as opiniões
das pessoas sobre a sociedade e sobre si mesmas [...] As pessoas perdem a confiança em seu próprio
julgamento e perdem a esperança de descobrir critérios para julgamentos comuns [...] O ceticismo moral
resultante incentiva ou uma aceitação desalentada da ordem existente ou uma passagem sem objetivo de
um padrão de desigualdade para outro [...] Desse modo podemos esclarecer uma experiência básica e
comum na sociedade moderna, que de outra forma permaneceria ininteligível: a sensação de se estar
rodeado de injustiça sem saber onde reside a justiça [...] Uma forma importante dessa luta é o esforço em
direção ao estado de direito [...] No sentido mais amplo, o estado de direito é definido pelas noções interrelacionadas de neutralidade, uniformidade, previsibilidade. O poder governamental deve ser exercido
dentro das limitações das regras que se aplicam a vastas categorias de pessoas e atos; essas regras,
quaisquer que sejam elas, devem ser uniformemente aplicadas. Assim compreendido, o estado de direito
nada tem a ver com o conteúdo de normas legais [...] O Estado que, supostamente é um administrador
neutro do conflito social, encontra-se sempre no meio do antagonismo gerado pelos interesses privados e
se transforma no instrumento de uma ou outra facção [...] Este desapontamento repetido acentua, ainda
mais, o distanciamento existente entre a visão do ideal e a experiência da realidade” (p. 150-159).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
34
perspectiva da universalidade da soberania profunda (Fleiner-Gerster, 2006) e que
sirva ao Estado Democrático de Direito Internacional (Rezek, 2011).
O corpus normativo não teria mais o suporte idealista de uma autonomia
inerente e lógica próprias (Vieira, 1995), mas sem que, com isso, ficasse o Estado
reduzido à capacidade decisional. Afinal, Estado e governo são institutos distintos.
Ressalte-se, entretanto, que a teoria sistêmica não resume as demandas do pluralismo
jurídico. Outra normativa se refere à consecução de uma Teoria Geral do Estado
Comunitário (Silva, 2000), já consubstanciado como práxis jurídica47 na forma-Estado
da União Europeia. Há, portanto, muitas interfaces entre Ciência Política e Teoria Geral
do Estado (Bonavides, 2003). Do ponto de vista constitucional, acertando as contas com
a manipulação nazista ocorrida com a Constituição de Weimar, “Unidade Política,
Estado, Coletividade” tendem a formar o mesmo eixo de coexistência. Enfim, esta
conexão entre direito e política será determinada pela ordem jurídica necessária,
determinada e não-discricional (Hesse, 1998).
Martin Kriele (2009) tem no Estado Constitucional Democrático (havido após as
revoluções iluministas) uma das principais invenções/intervenções jurídicas no longo
processo civilizatório. De acordo com o jurista alemão, é preciso reforçar a visão
multidimensional do Poder Político, com destaque para as causas históricas de formação
de sua tipologia e para as consequências plantadas em seus povos. Não há Estado sem
história. Esta substancialidade levará em conta a forma-Estado, a sociedade
(sociabilidade) e a pessoa humana. Deve-se ter no Estado um tema infindável em sua
complexidade. A Teoria do Estado teria, então, dupla função: I. Como ciência, articula o
conhecimento que é repartido com outras ciências e áreas do saber – a Ciência Política,
a Filosofia, a Antropologia; II. Como disciplina axiológica oferece conhecimento
específico ao jurista e, mais precisamente, fortalece o aprendizado do Direito Público.
Neste curso Iluminista, incita o jurista a acendermos as ideias e os direitos
fundamentais, uma vez que são apenas garantidos com liberdade e equidade. Portanto, a
luta política pelo direito deve-se dar em duas frentes: avançar na efetivação desses
direitos onde se encontrem minimamente assegurados; conter as novas/velhas formas de
violação dos direitos fundamentais. Do ponto de vista jurídico, a luta de classes avança
e ameaça a dignidade humana tanto no cotidiano dos requerentes, quanto na capacidade
47
“1. Aplicação da Teoria a casos encontrados na Experiência [...] o que a reflexões sobre o que deve ser
feito. 2. A prática de orientações teóricas nas atividades políticas com vistas a um determinado fim”
(Melo, 2000, p. 78-79).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
35
fática do Estado em assegurar o cumprimento dos direitos fundamentais. A segurança
jurídica ofertada (ou não) pelos tribunais judiciais seria um indicador. Esses são os
desafios, mas também as funções precípuas do Estado Constitucional Democrático e
Social – no dizer de Kriele.
Juridicamente, trata-se do encontro da Rule of Law (tradição anglo-saxã) com a
liberdade e a democracia (soberania política) provindas da tradição francesa.
Historicamente, recupera-se o encontro entre a condicionalidade jurídica do poder
estatal (Rule of Law: limites ao poder) e a soberania popular (desde Rousseau e, depois,
em 1791 e 1793). Para manter-se vigente, o Estado Constitucional necessita impor-se
uma delimitação à sua soberania externa, provocando a ocorrência de um sistema de
cooperação global. Com base nessas alegações, podemos pensar que, longe do ideal (ou
idealismo de Hegel, por exemplo), o que se vê propagar – diante dos graves problemas
sociais – é uma verdadeira guerra civil com forças policiais e especiais (do tipo
Comandos). Como no século XVI, o Estado incapaz responde às lutas sociais pelo
direito com terror, medo e conformismo.
No médio prazo, vai-se prejudicar a paz interna e este cenário poderá trazer de
volta o chamado pelo direito de sedição (brandido por todos os “inimigos insurgentes”).
Apesar de se constituir em Teoria Crítica do Estado, não existe a imperatividade do Ser,
sem o Dever-ser. Para a Teoria do Estado, o direito atua como medium entre sociedade,
pessoa humana e poder; bem como é a ponte entre o Ser (o Estado como tal) e o Deverser (o Estado desenhado constitucionalmente). O direito é ético. E sem poesia não há
Justiça.
Na Argentina (Bercholc, 2003), o debate atualiza-se em torno de temas de
Teoria do Estado, em que a Ciência Política engloba questões relativas ao Poder
Político. Com esse esforço, a Teoria Geral do Estado é subsumida na Ciência Política
(como auxiliar), enquanto esta deve ser tida como ciência fática (e como se a Teoria do
Estado não pudesse). Na crítica apontada, a concepção jurídica de Estado se limitaria às
características administrativas e institucionais. Entendo-se que a assim denominada
teoria jurisdicista ou normativista (há o risco de se confundir norma e direito) estaria
limitada pela análise das formas e das instituições estatais. Entretanto, veremos ao longo
do trabalho que é possível uma análise crítica – mesmo que “jurisdicista” do Estado –,
pois o próprio Estado de Direito pode ser alavancado como conceito social e não
abstrato e isento de valores humanos. Do contrário, novamente, corre-se o risco de
confundir Razão de Estado, Estado de Direito e governo.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
36
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
37
III EXPOSIÇÃO de CONTEÚDO
1 - Do Estado Primordial (urstaat) ao Estado Ético
A história do Estado é exemplificativa do processo civilizatório e da
hominização (e posterior humanização do Direito). A evolução das formas de poder
(racionalização) implicaria em modificações mais profundas na vida civil e social. A
ontologia política traria esta inestimável contribuição à análise das formas jurídicas do
Poder Político:
Os egípcios, os persas, os caldeus, que construíram impérios
altamente organizados, obviamente conheceram o Estado, como
também os romanos. A “polis” grega, que era uma cidade com
plena autonomia, foi um Estado, teve instituições próprias e
governo soberano. A estes casos não cabe deixar de aplicar-se o
termo Estado [...] Para Georges Burdeau, o Estado teria surgido
quando da “institucionalização” do poder, terceiro estágio de um
processo iniciado segundo ele com o poder “difuso” e
continuando com o poder “pessoal”. Com o poder
institucionalizado, o mando se teria tornado algo objetivo,
distinto do mandante e, os contextos sociais, evoluídos,
permitiriam a elaboração de funções, atribuições, chefias
(Saldanha, 1987, p. 100).
Como vimos, Burdeau (2005) alinha-se à Teoria do Estado firmada nos séculos
XIX e XX, sob a qual só há sentido (específico) de se falar do Estado – como Poder
Político altamente organizado – a partir do denominado Estado Moderno. Momento em
que, de fato, teria havido a institucionalização do poder. Com base em Weber (1999), a
história do poder representa o curso da hominização, a começar do Neolítico48 e o
desenvolvimento da política (como urstaat), da arte e da técnica (Deleuze, 2005).
A hominização condiz com a humanização, ainda que não sejam sinônimos; são
complementares, a dupla face da mesma moeda e em suas contradições se
retroalimentam. A hominização levou ao Leviatã – em que “os meios justificam os fins”
normais e excepcionais de uso da força –; a humanização construiu regras para o
extermínio, como a Convenção de Genebra. Há controvérsias na normatização da
48
O pensamento mágico não é uma estréia, um começo, um esboço, a parte de um todo ainda não
realizado; ele forma um sistema bem articulado; independente, nesse ponto, desse outro sistema que
constitui a ciência, salvo a analogia formal que os aproxima e que faz do primeiro uma espécie de
expressão metafórica do segundo [...] Foi no período neolítico que se confirmou o domínio do homem
sobre as grandes artes da civilização: cerâmica, tecelagem, agricultura e domesticação de animais. Hoje
ninguém mais pensaria em explicar essas conquistas imensas pela acumulação fortuita de uma série de
achados feitos por acaso ou revelados pelo espetáculo passivamente registrado de determinados
fenômenos naturais (Lévi-Strauss, 1989, p. 28-9).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
38
guerra; há o reconhecimento expresso, jurídico, de que o homo homini lupus é
incontrolável, indomável. Para haver vida, devemos controlar os meios de morte.
Reconhece-se que o desejo de morte é compulsivo, normal, inerente ao humano
e que não pode ser removido, ao custo de sua desumanização. Afinal, “homem, lobo do
homem” (Hobbes, 1983), quanto mais humano, maior a perversidade. O sistema de
(re)produção da vida comum do homem médio precisa desumanizar-se, ao aplicar-se
medidas efetivas e leis justas, e que exatamente retirem o homem de sua condição
humana original e inclinada à violência.
No passado e no presente, a lei da cultura ou a lei positiva do Estado apenas
racionalizam formas de punição ou de subjugação. Por exemplo, a Hisba é um aparato
policial, judicial e vigilante dos costumes impostos pelo Estado Islâmico (EI). Nas áreas
controladas pelo EI, patrulhas de quatro “policiais” aplicam penas severas, como açoite,
apedrejamento, amputação de membros ou a pena de morte. Alternam vigilância
(inteligência) com punição severa. A Hisba congrega poderes de um Judiciário com um
tipo de polícia secreta (de costumes)49. Além da semelhança com outros tipos de Estado
de Exceção, observa-se que o padrão civilizatório é inversamente proporcional ao
número de leis. Quanto mais leis, mais baixo o nível.
Em outro exemplo – em paralelo com a fórmula vazia do Estado de Direito –, na
Tanzânia, os albinos são caçados até à morte. O costume local, a cultura que aprisiona o
direito, permite o democídio (uma variante interna do genocídio) sem que haja
imputação de crime. Pode-se matar à vontade os albinos, sem que se considere crime de
homicídio50.
Na Roma antiga se matava livremente o chamado Homo sacer (Agamben, 2002).
Lá estão inscritos os condenados a “não-ser”, o homo sacer e o aneu logou51. É o antro
da idolatria: “De ouro e de prata é o nosso Deus agora” (Dante, 1998, p. 137). Apesar de
ser “homem sacro”, esta modalidade moral/legal de indivíduos não os qualificava nem
mesmo para os sacrifícios. Eram mortos como se estoura um saco de papel cheio. Em
comemoração e sem receio da consciência.
No antigo direito germânico, o rebelado (ius rebelli) era condenado à “perda da
paz”. Se fosse condenado por ações contra o público – diferentemente das penas da vida
49
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2014/12/29/a-hisba-policia-dos-jihadistas-impoe-suaversao-de-lei-e-ordem-na-siria.htm.
50
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2014/12/27/cacados-como-animais-na-tanzania-pessoascom-albinismo-vivem-sob-ameaca-constante.htm.
51
O não-cidadão da Grécia antiga.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
39
privada, como o roubo –, o sujeito era banido do grupo (habitare inter homines).
Sozinho, na densa Floresta Negra, estava condenado à morte por penúria. Similar ao
lobo [homo qui per silvas vadit] e inimigo dos homens, qualquer um poderia matá-lo
(Arruda, 2009).
Na Idade Média, torturadores católicos eram treinados para prolongar a vida dos
torturados; quando tinham as vísceras expostas, a fim de que o inimigo do povo e de
Deus pudesse ver do que era feito (Verri, 2000). O filósofo John Locke, guru do
liberalismo e do protestantismo, recomendava cortar as orelhas daqueles que se
apropriassem indevidamente das posses de outrem.
Os nazistas desumanizavam seus inimigos para persegui-los com a morte.
Judeus, comunistas, ciganos, deficientes físicos e outros eram “legalmente”
considerados como inimigos de Estado e prontos para o abate. Também serviam para
pesquisas, como se faz com ratos. Mulheres grávidas tinham as pernas amarradas, para
saber quanto tempo sobreviveriam sem passar pelo parto (Müller-Hill, 1993).
Nos EUA, principalmente, a pena de morte passou por uma “evolução”
sistêmica: enforcamento, fuzilamento, cadeira elétrica, câmara de gás e, agora, injeção
letal. Ou seja, deseja-se a eliminação física do infrator, mas coroa-se com a
humanização dos procedimentos. Mudam-se os meios, porém, o fim é o mesmo.
Sempre há uma irresistível comparação com o Brasil: há necessidade de se criar
um marco legal e importar “um” sentido de lei e de ordem. Se não há legitimidade, é
preciso impor a força. Criam-se aparências e justificativas. Viceja um direito
inconsistente e arbitrário. As práticas truculentas (do aparato repressivo do Estado), os
castigos legais desiguais (o direito para os pobres) e a brutalidade (a exemplo dos
presídios-masmorras) convencem os detratores.
1.1 História da Lei
O ser social é sempre ávido pela propriedade, atados aos desejos possessivos em
relação ao seu entorno, de condição egoísta, individualista. Aliás, basta-nos ver a
história do direito/das religiões: a mitologia, toda a história do ascetismo, o Tao te King
- sobretudo o chinês Lao Tsé –, o Budismo, o Código de Manu, o Código de Hamurabi inscrito num bloco cilíndrico de pedra preta: monolito –, os Dez Mandamentos cristãos.
Com a longa história das artes marciais, mesmo as mais mortíferas, o ensinamento da
prudência e da disciplina, é destacado como meio de convivência/sobrevivência (Sun
Tzu, 2002).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
40
O Iluminismo e a humanização das penas – retirando-se o excesso de atavismo
penal, pondo-se fim à tortura, humilhação, degradação, mutilação –, tornaria as penas
menos sujeitas aos desejos, possessões e à carga hormonal do poder. O Estado deve
socializar e, se falha nesta tarefa, impõem-se ressocializar os desgarrados (Beccaria,
2003). Todos esses códigos de conduta, cada um a seu tempo e modo, criaram regras de
convivência e de comportamento: desumanizaram o homem. “Domesticando-se os
laivos de primitivismo humano”, criaram-se artefatos morais/legais, artificialidades,
para domar e enquadrar o que havia de mais humano no homem. São as “gaiolas de
ferro” de que fala Weber ou como no Mito da Necessidade52, retratado por Bacon
(2007).
A hipótese do Estado permanente (Urstaat) aponta para nossa condição nãoincidental na organização do Poder Político (Deleuze, 2005, p. 23): Urgeschichte
(história primitiva, proto-história); Urstaat (um imemorial Estado Primordial). Em
conjunto, cidade e Estado se apresentam enquanto pólis: Urstaat imemorial, desde o
neolítico, ou talvez antes disso. Onde há um poder soberano há um Estado (Bobbio,
1985, p. 95).
1.2 Poder Heterônomo
Há ainda uma relação entre Direito e política, com base na autonomia e na
soberania. O Direito provém da heteronomia, porquanto representa uma ordem externa
ao indivíduo; contudo, também institui a faculdade de agir (ter direito de escolha) e,
neste caso, configura-se como autonomia. Como parte do quadro geral, heteronomia, o
Direito produzido pelo Estado (positivismo jurídico) é mecanismo de regulação social
sob a guarda da soberania53. Autonomia também pode ser configurada como a
capacidade de autogestão dentro dos marcos globais, gerais e positivados no
ordenamento jurídico subentendido à soberania: “Este poder do Estado foi chamado de
soberania, e a definição tradicional de soberania, que se adequa perfeitamente à
supremacia do Estado sobre todos os outros ordenamentos da vida social, é a seguinte:
potestas superiorem non recognoscens” (Bobbio, 1992, p. 11).
Este poder não reconhece nenhum outro como superior. O poder do povo é
soberano porque guarda a soberania (potestas in populo); entretanto, como o próprio
52
Há urgência em se ter poder regulador para fazer frente ao bravio Rio Estige: imprudência, imperícia,
negligência. No Poder Político, não há autonomia fora da heteronomia.
53
Do latim superanus.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
41
povo é resguardado/regulado pela regra de ordem (soberania) invocada pelo Poder
Político, não há autonomia diante do poder soberano (absoluto, inalienável, indivisível,
não lhe cabe o superlativo). Na passagem da outorga de poderes, da autonomia à
heteronomia (supremacia), há uma conversação de potestas in populo ao legibus
solutus. Assim, o Estado (melhor dizendo, a soberania) está livre das ataduras legais. O
poder soberano é um poder supremo: summa potestas. Estamos na passagem do
Renascimento ao Iluminismo.
2 - O Estado Ético de Hegel – a forma constitucional do “Estado de Justiça”
Em Hegel, entenda-se que o Estado é razão. Denominado de Estado Ético,
equivale à consagração cognitiva da Humanidade, a forma decisiva para superar a
menoridade moral e a falta de “inteligência social” verificada nas fases anteriores à sua
fortificação. Hegel definiu como Estado Ético: “realidade da ideia moral”;
“substância ética consciente de si mesma”; “síntese do espírito coletivo”;
“instituição acima da qual paira somente o Absoluto: a arte, a religião, a filosofia”. O
Estado é a forma do poder como síntese moral. É curioso como o denominado Estado
Ético de Hegel (1997), um ideal absoluto em que a nação é o próprio espírito público e
o Direito e o Estado atuam como refletores dessa magnificência política, seja retomado
pelo Welfare State e que seja o mote do Estado Democrático de Direito Internacional;
uma forma-Estado a serviço da idealidade de que somente o Direito que socorre a
Justiça Social tem serventia à Humanidade. Em todo caso, em Hegel, o Estado é a Ideia:
O Estado é a realidade em ato da Ideia moral objetiva, o espírito
como vontade substancial revelada, clara para si mesma, que se
conhece e se pensa, e realiza o que sabe e porque sabe [...] No
costume tem o Estado a sua existência imediata [...] e na
atividade do indivíduo, tem a sua existência mediata [...] O
Estado como realidade em ato da vontade substancial, realidade
que esta adquire na consciência particular de si universalizada, é
o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim
próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor
supremo, e assim este último fim possui um direito soberano
perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o
seu mais elevado dever [...] Se o Estado é o espírito objetivo,
então, só como membro é que o indivíduo tem objetividade,
verdade e moralidade. A associação como tal é o verdadeiro
conteúdo e o verdadeiro fim, e o destino dos indivíduos está em
participarem numa vida coletiva [...] Considerada abstratamente,
a racionalidade1 consiste essencialmente na íntima unidade do
universal e do indivíduo [no Estado e no direito] na unidade
entre a liberdade objetiva, isto é, entre a vontade substancial e a
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
42
liberdade objetiva como consciência individual, e a vontade que
procura realizar os seus fins particulares; quanto à forma,
constitui ela, por conseguinte, um comportamento que se
determina segundo as leis e os princípios pensados, isto é,
universais. Esta ideia é o ser universal e necessário em si e para
si do espírito” (Hegel, 1997, p. 216-218).
Por isso, o Estado é um ideal. Como ideia cristalizada pelo Espírito, ou seja, o
Estado é a Ideia e não uma ideia de poder. É evidente que se trata do Estado como
criação racional, intencional. O Estado é a conclusão lógica, inexorável da própria
racionalidade humana; como caminho sem volta, é o ápice da racionalidade política. É o
Logos que leva ao Nomos; é a perfeita junção entre ambos, quando o homem demonstra
sua inteira vocação para a organização/harmonização político-jurídica. Do mito à
racionalização da política, o Estado não deixa de ser o zoon politikón potencializado
pelo contrato social. O que também indica ser o substrato de uma constante e inconteste
institucionalização da política. Estando o direito positivo a serviço dessa idealidade,
constitui-se o Estado em ideia objetiva. No entanto, trata-se do ideal da própria
Humanidade.
Este pressuposto efetiva o Nomos da Terra. I) Nomos: Lei. Na Grécia antiga:
lugar destinado a louvar os deuses ou celebrar acontecimentos. No Egito: antiga divisão
territorial. II) Desse modo, implica na conclusão de que a lei é divina e é a base de
segurança de todo um território; é a garantia da vida social. Toda lei que não violar este
sentido natural à sociabilidade (Nomos) será lógica (Logos). III) O Nomos da Terra
equivale à norma de posse e propriedade estabelecida sobre a terra conquistada; o
Nomos da Terra constitui o território e sedimenta a soberania. IV) O “ordenamento do
espaço” é, pois, o Nómos soberano, não é apenas “tomada da terra54” (Landnahme), mas
acima de tudo a fixação de uma ordem jurídica (Ordnung) e a conseqüente dominação
territorial (Ortung) (Schmitt, 2006). V) A dominação estatal está baseada no monopólio
decisional acerca do próprio uso do poder/coerção. VI) Soberano é quem decide, a
partir da lei que se impõe por sua dominação (Schmitt, 2006).
Por fim, o Nomos da Terra se constitui em supremacia legal que decorre da
própria soberania (garantia extrema, incondicionada da sobrevivência). Se a lei do
Estado (soberano) não é soberana, não há povo e integridade territorial a serem
defendidas. Para assegurar-se como soberano, o Poder Político opera a transformação da
54
Interessante pensar que o soberano é aquele que “toma a terra em primeiro lugar”, demarca-a e aí
estabelece o nomos, a norma atribuída ao território a esta altura delimitado.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
43
autonomia (auto + nomos) e da autarquia (auto + arquia: poder de autonomia55) em
isonomia (iso: igual ou semelhante, aquele que é equiparado, posto em igualdade
jurídica). Seguindo-se esta matriz, pode-se dizer que todo Estado é um ideal (ou que se
alimenta disso).
2.1 O Estado é (um) ideal
O ideal é um farol, que ilumina ou cega. Quando se critica o idealismo do Estado
Democrático de Direito (CF/88) faz-se uso de outros ideais: mais à esquerda, reclama-se
da falta de aparatos do Estado Socialista ou radicaliza-se com o “fim do Estado; mais à
direita, reclama-se pelo Estado Mínimo. Todos os matizes repartem ideias ou ideais
voltados contra o idealismo constitucional. Portanto, todo Estado Real é um Estado
Ideal – mesmo aquele poder que ainda não se forjou como forma-Estado. Afinal, a
humanidade nos diz que o Estado é, talvez, o nosso ideal mais longínquo – ainda que
não haja demonstração científica de que se trata de “um ideal” a ser perseguido. Em
Hegel, esse é o caminho da racionalização (eticidade) do Poder Político:
É sabido que historicamente o Estado é anterior à sociedade
civil. Na realização da liberdade, porém, o Estado é posterior a
ela [...] O estado, na acepção hegeliana, pressupõe a sociedade
civil organizada em estamentos ou classes [...] Não é do conflito
individual que surge o Estado, mas da sociedade civil, como
tentativa de administrar os conflitos desta [...] A família e as
corporações situam-se como bases éticas do Estado [...] É
preciso ter presente que o Estado tem a função de administrar as
contradições da sociedade civil e não simplesmente eliminá-las
[...] no sentido de Aufhebung (negar, superar e guardar) [...] No
Estado, o cidadão deve ser visto como “membro de” um
estamento (estado social), membro da sociedade civil e não só
como indivíduo propriamente dito [...] A ênfase está na saúde de
suas instituições [...] Esta é a racionalidade do Estado: realizar a
“unidade e compenetração da universalidade e da invidualidade”
(Dotti, 2003, p 102-3).
Mas, o Estado é ideal, mais exatamente, porque a forma-Estado sempre é
realizada aquém das projeções e das expectativas do homem médio em sua vida comum.
Ou vai além, como nas ditaduras, para o martírio do povo. Em todo caso, o Estado é
ideal para aqueles que detêm o poder de mando em determinado momento – ou para os
55
Autarquéia: “governo de um Estado por seus concidadãos, entidade autônoma [...] qualidade ou estado
do que se basta a si mesmo ou do que executa qualquer coisa por si mesmo” (Cunha, 2010, p. 70). Depois
que o Estado concentra o poder, sob seu comando e para facilitar sua gestão, cria “auxiliares da
Administração Pública” (Autarquias).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
44
mais iludidos com as promessas feitas. Os bolcheviques da Rússia de 1917 formularam
o Capitalismo de Estado para o povo, insculpidos no manual O Estado e a Revolução,
de Lênin. Esse ideal da forma-Estado propagou-se pelo mundo todo.
2.2 Outro ideal absolutista
O Estado de Direito (presente desde o século XIX), o Estado Liberal ou
Gendarme (explicado exclusivamente pela segurança), o Estado Constitucional inglês
(embrião do Estado Ocidental), ou o Estado Jurídico56 (Kant, 2003)57, todos têm ideias e
ideais inatingíveis pelo realismo político. Da mesma forma o Estado Absolutista
desenhado pelo filósofo Thomas Hobbes (O Leviatã), o Estado de Justiça - nazista e
calibrado pelo jurista Carl Schmitt (2006) – todos encantados com o Estado Ideal:
Disso deriva a ambiguidade da expressão Estado de Direito [...]
ou de um “Estado de Justiça”, tomada a justiça como um
conceito absoluto, abstrato, idealista, espiritualista, que no fundo
encontra sua matriz no conceito hegeliano do “Estado Ético”,
que fundamenta a concepção do Estado fascista [...] Diga-se,
desde logo, que o “Estado de Justiça”, na formulação indicada,
nada tem a ver com Estado submetido ao Poder Judiciário, que é
um elemento importante do Estado de Direito (Silva, 1991, p. 100
– grifos nossos).
56
“Na fase atual da vida das sociedades, os dois elementos do Direito – a coação e a norma – são
insuficientes para criar o que chamaremos o Estado Jurídico. Falta-lhe ainda um elemento – a
norma bilateralmente obrigatória – em virtude do qual o próprio Estado se inclina diante das
regras que editou e às quais de fato concede, enquanto existirem, o império que por ato seu lhes
atribuiu. É o que chamaremos a ordem jurídica [...] O Estado ordena, o súdito obedece [...] A
linguagem compreendeu bem este fato, quando designou a injustiça do Estado pelo nome de arbítrio
(Willkür). O arbítrio é a injustiça do superior; distingue-se da do inferior, porque o primeiro tem a força a
seu favor, ao passo que o segundo a tem contra si [...] Noção puramente negativa, o arbítrio supõe como
antítese o direito, de que é a negação: não há arbítrio, se o povo ainda não reconheceu a força
bilateralmente obrigatória das normas jurídicas [...] Acompanha, pois, a todo princípio de direito a
segurança de que o Estado se obriga a si mesmo a cumpri-lo, a qual é uma garantia para os submetidos ao
Direito [...] Não só se trata de conter a onipotência do Estado mediante a fixação de normas para a
exteriorização de sua vontade, senão que trata de refrear-lhe mui especialmente, mediante o
reconhecimento de direitos individuais garantidos. Esta garantia consiste em outorgar aos direitos
protegidos o caráter de imutáveis” (Menezes, 1998, p. 70-71 – grifos nossos).
57
“Denomina-se doutrina do direito (ius) a soma daquelas leis para as quais é possível uma legislação
externa ... O direito é, portanto, a soma das condições sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à
escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade ... Assim, a lei universal do direito, qual
seja, age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos
de acordo com uma lei universal, é verdadeiramente uma lei que me impõe uma obrigação ... Ora, tudo
que é injusto é um obstáculo à liberdade de acordo com leis universais. Mas a coerção é um obstáculo ou
resistência à liberdade ... Portanto, ligada ao direito pelo princípio de contradição há uma competência de
exercer coerção sobre alguém que o viola ... o direito estrito se apóia no princípio de lhe ser possível usar
constrangimento externo capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com leis universais ...
Direito e competência de empregar coerção, portanto, significam uma e única coisa ... Analogamente, não
é tanto o conceito de direito quanto, ao contrário, uma coerção plenamente recíproca e igual trazida sob
uma lei universal e compatível com esta que torna possível a exposição desse conceito” (Kant, 2003, pp.
75-78).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
45
Atualmente, o Estado de Exceção Permanente e Global (da nossa atualidade),
sempre estará aquém do que o poder promete. Em um exemplo simples, a Lei de Plenos
Poderes (Fest, 1976) editada por Hitler trazia mais poderes do que a loucura do III
Reich conseguiu implementar. Hitler promoveu uma revolução jurídica, em busca de
seu ideal/apogeu de poder:
Abolia todos os direitos fundamentais importantes, ampliava
consideravelmente o limite de aplicação da pena de morte e
antecipava, por outro lado, numerosas manobras contra os Lünder
[...] convém notar que não havia qualquer alusão ao direito de
habeas-corpus. Esta “terrível lacuna” fez desaparecer o limite
fundamental às intervenções oficiais. A polícia podia “prender
arbitrariamente qualquer pessoa e prolongar de maneira ilimitada
a duração do encarceramento. Podia, também, deixar os parentes
dos detidos sem notícias a respeito dos motivos da prisão e do
destino deles. Podia impedir que um advogado ou outras pessoas
visitassem os prisioneiros ou tivessem acesso aos processos [...]
Nenhum tribunal jamais tomaria conhecimento de tais ocorrências
nos dossiês da polícia. Não se poderia dali em diante abrir um
processo, mesmo se um juiz se inteirasse de tais circunstâncias
por via não oficial. O decreto-lei58 “para a proteção do povo e do
Estado”, complementado ainda por um outro dispositivo baixado
no mesmo dia “contra a traição ao povo alemão e as manobras do
complô contra a segurança do Estado”, foi a base jurídica
determinante da soberania nacional-socialista e, sem nenhuma
dúvida, a lei mais importante do III Reich. Ela substituía a
legalidade por um estado de emergência permanente [...] O
referido decreto permaneceu em vigor sem modificação alguma
até 1945 e em 20 de julho de 1944 forneceu a base pseudolegal à
perseguição, ao terror totalitário e à repressão da resistência final
na Alemanha (Fest, 1976, pp. 469-470).
Assim, vê-se que há poder demais na forma da lei e no ideal que ela congrega.
No entanto, ninguém vive sem lei ou sem poder59. Por sua vez, as lendas e os mitos são
inquestionáveis. Há uma peça arqueológica comprovando a existência da cidade-Estado
de Troia, a mesma retratada no clássico Ilíada, de Homero (2007). Em 1961, foi
58
O decreto-lei é a forma jurídica preferencial do Estado de Exceção porque o poder pode decretar qual a
lei ou interpretação da lei que se terá dali por diante.
59
Apenas índios e aborígenes não conheceram a forma-Estado (Clastres, 1990), e mesmo aí a lei, o
costume tem um poder avassalador. Quanto aos Astecas, no México, restam muitas dúvidas. Mesmo
comunidades tribais da África, antes da colonização do Estado Moderno europeu, já se dispunham –
projetivamente – à organização e centralização do Poder Político; com populações submetidas que
chegavam aos milhares (Balandier, 1969).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
46
encontrado um jarro, um vaso de Mikanós datado de época próxima a da guerra, que
traz um Cavalo de Troia60.
Neste sentido, não apenas todo Estado é ideal (pefectibilidade)61, como há um
ideal pelo Estado. É um mito. É ilusão (necessária?). Mesmo quando se advoga o “fim
do Estado”, trata-se de um ideal. No único contrato desse tipo, a famosa Comuna de
Paris, de 1871, que durou somente 40 dias, foi o ideal do não-Estado que levou à
execução sumária de mais de vinte mil franceses sitiados. Assim, o Estado é um ideal,
ainda que outro ideal seja requisitado para desconstruí-lo. O ideal do não-Estado é o
avatar do Estado Real; pois, esteja mais ou menos próximo da realidade, o Estado real
sempre é um ideal. Estranha não é a explicação, mas sim os ideais humanos, com
destaque para o Estado. Neste caso, bem ou mal, falar-se-á do Estado.
2.2 A Razão de Estado no Estado Ético
A Modernidade Tardia ressuscitou alguns aspectos do Estado Ético, na
afirmação do Estado Penal. Especialmente retomando, reformando a estrutura
absolutista do poder, a exemplo da restrição das liberdades individuais e da redução dos
mecanismos de autocontrole estatal. A crescente criminalização das relações sociais62 é
60
Marx retomou as premissas históricas do Estado Antigo, Oriental ou Teocrático: “As formas oriental (e
eslava) são, historicamente, mais próximas das origens do homem, uma vez que conservam a comunidade
primitiva (aldeia) funcionando em meio a uma superestrutura social mais elaborada e têm um sistema de
classe insuficientemente desenvolvido. (Naturalmente, podemos acrescentar que Marx observa como
ambos os sistemas se desintegram sob o impacto do mercado mundial, desaparecendo, com isso, seu
caráter específico)” (Hobsbawm, 1991, p. 39).
61
Independentemente se observamos como fenômeno de dominação (racional) ou como aparato de
opressão (de classe), é inquestionável que o Estado – comparativamente ao século XIX – é uma
instituição muito mais complexo, poliédrico, articulado na atualidade. E ainda que mantenha seu eixo
normativo assentado na soberania e na Razão de Estado.
62
O projeto de lei (PLS 676/2011) do senador Lobão Filho (PMDB-MA) considera como crime hediondo
o desvio de verbas destinadas a programas de educação e saúde. Muitos já escreveram sobre a criminalização das
relações sociais – é óbvio que crimes cometidos por políticos que subtraem dinheiro da saúde provocam a morte de centenas,
milhares de pessoas. Porque o remédio, o procedimento, a contratação de pessoal, tudo isso não foi efetivado por causa dos
recursos desviados, roubados. Ou seja, são crimes que vitimam de modo difuso, coletivo grupos humanos determinados
socialmente pela pobreza e miséria. O corrupto da saúde, seja o político seja o profissional da área, tem um impacto enorme em
suas ações: pessoas são torturadas em dor e na doença que se agrava ou, mais exatamente, são levadas à morte. Com a ação do
Direito Penal do Inimigo, o fato gerador de todos os males continua latente ou é até estimulado. Na verdade, por que não
perguntamos sobre outros modelos sociais e econômicos em que essas doenças ou crimes não são gerados ou ao menos são
mitigados? Ao invés de inventarmos novos crimes, o melhor é impedir seu surgimento e isto não ocorrerá sem mudanças
profundas. É óbvio, de conhecimento médio, mas vale a pena reforçar que o direito não modifica a realidade de imediato, por si, e
não tem força política para impor novos modelos sociais. O direito pode humanizar as relações sociais, procurando por meios
sociais inclusivos, democráticos, com ênfase na tolerância, na dignidade. Todavia, impor ao direito que produza uma sociedade
menos doente e corrompida na base dos valores econômicos e morais, é demais. O direito não é revolucionário em si, pelo menos
não como imaginamos, a curto prazo, atuando como santo remédio.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
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um capítulo complementar, com o endurecimento das penas e a enorme abrangência da
área de cobertura social.
Em nome da auto conservação da Razão de Estado, restringe-se a secular regra
da bilateralidade da norma jurídica. Confunde-se propositadamente as falhas na
prestação da segurança jurídica com insegurança social. Ideologicamente, a
criminalidade toma o lugar da ineficácia estatal.
O relevo dado à segurança pública desobriga o cumprimento das demais
políticas públicas. Como no Estado Ético, o Estado Penal não tem obrigação moral,
além de investir contra o mundo da vida. Portanto, representa um retrocesso do clássico
Estado de Direito. A privatização dos presídios é muito mais lucrativa do que a
observação dos princípios de humanização. No Estado Penal, a ética pagã adquire nova
dimensão: o poder exige que o indivíduo prove sua inofensividade.
A Ética pagã se alimenta do efeito cumulativo do poder. Na atualidade, a
restrição de direitos é a linha reta para o êxito desse poder concentrado. Sobretudo com
a desobrigação do Estado de Direito em se auto regular/legitimar, pode-se ver o
paralelismo que se apresenta entre poder e direito. Antes havia confusão quanto ao raio
de alcance e limitadores de ambos; hoje há desconexão, se é que o direito algum dia se
diferenciou e exerceu controle sobre o poder. De todo modo, há claros efeitos
limitadores do direito. Não é a ética do Direito Penal que tornará o Estado Ético mais
social e inclusivo. A própria clivagem entre direito e moral, direito social e Poder
Político se aprofunda com as essas medidas. Algumas das propostas, inclusive, ressoam
do passado.
3 - Do Estado Moderno ao Estado Racional de Max Weber
O Estado Ocidental formou-se com base em distinções (clivagens) institucionais
bastante objetivas: “a) a clivagem entre centro e periferia; b) entre a cidade e o campo;
c) entre a Igreja e o Estado; d) entre o capital e o trabalho” (Díaz & Miguel, 2004, p.
18). Assim como a Europa vislumbrava aportes materiais e espirituais decisivos: “a
aparição da [prensa e da] imprensa, a recuperação (já desde o século XIII) do Direito
romano e o auge das universidades, possibilitaram a aparição de uma classe de juristas
que [...] constitui o reservatório de que se serviram os monarcas absolutistas para
construir uma burocracia a seu serviço, a qual, por sua vez, forneceu o cimento para se
formar uma agência fiscal” (Díaz & Miguel, 2004, p. 18). Por sua vez, o Estado
Moderno é resultado das concepções predominantes fundeadas na Razão de Estado.
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A Razão de Estado privilegiava a autoconservação (Honneth, 2003), como se
viu na Guerra dos Trinta Anos, em que a dimensão territorial dos Estados esteve em
pauta: era mais fácil conservar um Estado com dimensões medianas. Aí já se destacava
uma diferença em relação a Maquiavel: o espaço estava fora da alçada da ação de
virtude do Príncipe (Ricciardi, 2005).
O extraordinário se metamorfosearia em ordinário na medida em que o Príncipe
se confundisse com o poder. Legitimando-se como o único intérprete e executor da
Razão de Estado, o Príncipe se viu promovido (legalmente) a representante do público.
Também estava aberto o caminho para a articulação entre o indivíduo e o poder
absoluto: a matriz genética do Estado Moderno e o futuro Estado Penal, como seu
herdeiro.
A diferenciação entre governados e governantes exigia disciplina e era essencial
à paz. Esta disciplinarização acabaria por reconhecer a necessidade de alguma tirania e
dominação — a Razão de Estado nasceu da necessidade da unificação das frações
políticas. De fato, será privilegiada a luta por autoconservação do poder, porque tanto a
aquisição quanto a perda do poder podem se verificar, se houver somente o uso da
força. A legitimação jurídica viria mais tarde, na previsão do uso da força excepcional
prevista no Estado de Direito – o que Weber (1999) denominou de “monopólio do uso
legítimo da força física”, sob a terminologia de Estado Racional. Além de recursos para
efetivar exércitos permanentes.
Para Weber (1985), entende-se por Estado Racional:
1. que todo direito, mediante pacto ou imposição, pode ser
estatuído de modo racional – racional referente a fins ou
racional referente a valores (ou ambas as coisas) – com a
pretensão de ser respeitado pelo menos pelos membros da
associação, mas também, em regra, por pessoas que, dentro do
âmbito de poder desta (em caso de associações territoriais dentro
do território), realizem ações sociais ou entrem de determinadas
relações sociais, declaradas relevantes pela ordem da
associação; 2. que todo direito é, segundo sua essência, um
cosmos de regras abstratas, normalmente estatuídas com
determinadas intenções; que a judicatura é a aplicação dessas
regras ao caso particular e que a administração é o cuidado
racional de interesses previstos pelas ordens da associação,
dentro dos limites das normas jurídicas [...] 3. que, portanto, o
senhor legal típico, o “superior”, enquanto ordena e, com isso,
manda, obedece por sua parte à ordem impessoal pela qual
orienta suas disposições; 4. que [...] quem obedece só o faz
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como membro das associações e só obedece ao “direito”63; 5.
[...] que os membros das associação, ao obedecerem ao senhor64,
não o fazem à pessoa desse, mas, sim, àquelas ordens
impessoais e que, por isso, só estão obrigados à obediência
dentro da competência objetiva, racionalmente limitada, que lhe
for atribuída por essas ordens (Weber, 1999, p. 142)65.
A partir de Max Weber, retomando Hegel, entende-se o Poder Político como um
processo de contínua e crescente racionalização da vida pública, o que implica em dizer
que também o Poder Político não mais se isentará do alcance de regras igualmente
racionais. Apesar de se constituir como ficção jurídica, pode-se dizer que o Estado é um
agente ativo do processo civilizatório, uma vez que o Poder Político é resultado do
direito e, sob esse controle, está legitimado a produzir novas leis. O Princípio da
Legalidade exige que o Estado produza novas leis exclusivamente de acordo com os
preceitos previamente definidos; quer dizer que a lei suporta o poder e este, definido
legalmente, é capaz de modificar a lei (Malberg, 2001). Como antidireito, por outro
lado, pode-se supor que um tipo de domínio absolutista do direito sobre a sociedade
modifica a lei anterior, a lei que define o poder, até que o poder possa manipular a lei de
acordo com as vestes dos poderosos (Canotilho, 1999).
3.1 Direito (comando), ordenamento jurídico, instituição
Mesmo a crítica positivista à ideia de ficção do direito não se desincumbe
totalmente da concepção de que o direito é norma jurídica e regra social. Como regra
social – sociedade - o direito não se limita ao ordenamento jurídico institucionalizado.
Seria, então, um positivismo social? Se houver tal corrente no positivismo jurídico, não
se desliga do fato de que o direito é: “...ordem apoiada por uma ameaça, que Austin
chamou de ‘comando” (Hart, 2012, p. 21). Comando tem o sentido de hierarquia e não
se afasta da cultura militar, disciplinar, rígida. O positivismo aflora a (re)ligação entre o
direito e a moral66. O jurista italiano Santi Romano, igualmente, via esta relação
“jurídica” entre Estado e sociedade; relação jurídica no sentido de que o direito passaria
pelo Estado. Como fascista presente no Conselho do Estado até 1948, formulou assim
sua definição de direito:
63
No Estado de Direito descrito por Weber, deve-se obediência às regras estabelecidas e adotadas e não
ao sujeito, como ocorre na dominação tradicional e/ou carismática.
64
Neste caso, seriam as autoridades e os superiores hierárquicos do próprio gestor e/ou servidor público.
65
Há que se ressaltar que o Estado de Exceção inseriu medidas de exceção no coração da regra, mas o fez
legitimando-se passo a passo como Estado de Direito.
66
O Positivismo é uma filosofia da ciência, uma espécie de moral e até mesmo uma nova religião.
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Antes de tudo, levar ao conceito de sociedade [...] aquele que
não supera a vida do indivíduo como tal – não é direito (ubi ius
ubi societas) e, ainda, não existe sociedade no sentido
verdadeiro da palavra sem que nessa se manifeste o fenômeno
jurídico (ubi societas ubi ius) [...] Deve-se entender por
sociedade [...] uma entidade distinta dos indivíduos que a
compõe, que constitua mesmo formal e extrinsecamente uma
unidade concreta. E deve se tratar de uma unidade efetivamente
constituída [...] deve, em segundo lugar conter a ideia da ordem
social: isso serve para excluir todo elemento que possa
reconduzir ao puro arbítrio ou à força material, ou seja, não
ordenada [...] toda manifestação social, somente devido ao fato
de ser social, é ordenada ao menos no que diz respeito aos seus
consócios (Santi Romano, 2008, p. 77).
Nesta definição de sociedade se encaixa tanto o positivismo de Comte (1990),
quanto o funcionalismo/organicismo de Durkheim (1999). E como em Hegel, não há
povo ou luta pelo direito. Neste caso, o Direito deve se manter como Espírito Positivo:
com o sujeito separado do objeto.
4 - Do Estado de Direito: Personalidade Jurídica do Estado
A soberania jurídica indica que o poder (Estado de Direito) formula regras para
os outros seguirem. Por soberania política se entende que o poder (Razão de Estado)
formula todas as regras; inclusive as que se aplicam ao Estado. Em abordagem
complementar, haveria outra distinção jurídica, entre poder estatal (Staatsgewalt) e
soberania: “Só o primeiro caracteriza o Estado, enquanto a segunda nada mais é que a
qualidade assumida pelo poder do Estado que seja plenamente independente” (Alland &
Rials, 2012, p. 1675). Por isso, ainda cabe formular alguns teoremas que
regulam/deveriam regular a vida pública moderna.
4.1 Teoremas Jurídicos da Política Moderna
A vida pública moderna é impossível sem observarmos alguns preceitos:
 Cidadania Ativa
 Direito
 Democracia
 Isonomia
 Isegoria
 Autonomia
 Meritocracia
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 Teleologia Política
 Educação Política
 Autarquia.
 Heteronomia
Isso tudo combinado (ou na sua ausência) regula o Estado e a sociedade.
Observa-se o efeito “erga omnes” (regue-se pelo Poder Extroverso: de cima para baixo)
e alcança todas as classes sociais: do mais letrado ao analfabeto, do santo ao pecador
que
corrompe
as
bases
da
República
e
solapa
a
convivialidade.
Esses
argumentos/instrumentos político-sociais são recuperados do berço da Grécia antiga.
Todavia, o que eles ainda representam, especialmente num país emergente e tão cheio
de misérias, anacronismos, contradições, como o Brasil? A primeira questão é
saber/definir o que expressa cada vocábulo:
1) Cidadania Ativa: a civitatis activae contrapõe-se à passividade; pois, requerse um cidadão apto a exercer o poder, como “cidadão governante” (Canivez, 1991).
2) Direito: conjunto de regras/normas morais, jurídicas e sociais que se situa
entre (i) a força, a imposição, a aceitação acrítica e o acatamento impositivo e (ii) a
“perspectiva do direito”, a convicção, o reconhecimento e sua validação/fruição fática.
Exemplo de direito individual que data da primeira Constituição Inglesa está
incorporado em nossa Carta Política, como direito de petição (art. 5º, XXXIV, a).
3) Democracia: há uma plêiade de definições, mas optamos entre democracia
ativa e Princípio da Representação.
4) Isonomia: equiparação no status político e em direitos fundamentais.
5) Isegoria: dar/propiciar voz ativa ao cidadão de direitos e participante da
política.
6) Autonomia: dar regras a si mesmo, participar ativamente da elaboração do
Direito.
7) Meritocracia: governo dos que têm mais méritos e não do que são fortes,
astutos ou ricos.
8) Teleologia Política: a política é uma condição humana, assim como o
trabalho, e isto implica que a Humanidade pode projetar a longa prazo as edificações
políticas e ainda fornecer racionalidade e contrapor regras objetivas ao conflito de
interesses: a política, como reguladora de conflitos, permite e estimula o processo
civilizatório e a construção de um direito mais racional, equilibrado e socialmente justo.
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9) Educação Política: como tudo na vida pública, o exercício do poder exige
treinamento técnico e aprimoramento cognitivo e moral. Não se educa para a
democracia apenas votando, mas acima de tudo com a reflexão e a militância que
antecede o próprio ato da escolha racional depositado na urna. Se entendermos que,
educados, os cidadãos fariam escolhas políticas racionais.
10) Autarquia: há um sentido administrativo, como instituição/entidade
autônoma, auxiliar e descentralizada da Administração Pública e um outro sentido mais
político. Este segundo nos interessa, como no caso do orçamento participativo, em que
prospera um “poder compartilhado”. O pré-requisito é o envolvimento direto na
formulação das regras do poder, bem como na demarcação da legitimidade jurídica.
Implica em Autonomia de Poder: “comandar a si mesmo”.
11) Heteronomia: a heteronomia não é exatamente antípoda da autonomia, uma
vez que a autonomia é regulada socialmente ou pelo próprio Poder Político – casos do
referendo, plebiscito e iniciativa popular (Benevides, 1991). Mesmo no caso do Poder
Constituinte, em que se pode redigir outro Estado, as formas de participação popular
estão definidas (Moraes, 2003). Em caso de revolução popular ou guerra civil, no final
do processo de embate, o processo político deverá especificar a forma-Estado requerida,
ou seja, antecipadamente, já estão em jogo dois ou mais modelos de heteronomia
(Negri, 2002).
O segundo passo, igualmente fundamental, é responder a algumas questões
básicas (o lide): o que, quem, como, onde, quando. O que implicam tais
conceitos/referências na realidade/atualidade; a quem servem ou deveriam servir; como
se ajustam em nossa estrutura societal; onde, em que parte regional/institucional estão
mais presentes ou, ao contrário, têm maior índice deficitário; quando, em face do quê,
diante do andamento político-institucional, teremos condições reais de impor um
empuxo
mais
decisivo?
O
porquê
disso
tudo
é
almejar
um
processo
civilizatório/humanizador mais inclusivo; eficaz juridicamente e efetivo na vida comum
do homem médio. Este conjunto traz forte projeção (teleologia) – o direito pode ser
entendido como ficção: “acredite quem quiser” – e até a ilusão de que a democracia
depende muito mais do diálogo do que das regras do realismo político.
A comunicação exigida dos atores políticos - em face da ampliação dos próprios
meios de comunicação - e o aprofundamento mediano do conhecimento, pela ação da
escolarização e da intelectualização, seriam essenciais. De qualquer modo, é preferível a
ilusão democrática à desilusão do Político: não o indivíduo, mas a condição humana de
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
53
“ser político”. É tábula rasa crer na democracia como Princípio de Perfectibilidade: a
previsão constitucional da democracia direta é uma lição para não andarmos para trás.
O Princípio da Representação na democracia atual é ruim? O Estado Legal
francês de 1789 combinava representação e participação popular na produção jurídica;
os soviets, na Rússia desde 1905, eram colegiados piramidais e representativos de
operários. Não se joga o bebê com a água suja; não dá para votar todo dia. Por isso,
temos de qualificar os instrumentos da representação, incutir seus pressupostos, não
acabar com os ganhos seculares. O mesmo vale para o direito positivo e para o conjunto
complexo dos direitos humanos, à espera de mais eficiência global do que de eficácia
jurídica. Por suposto, nosso desafio está em expandir o conhecimento prévio,
expandindo-o na consciência política popular, para então responder como coletividade
àquele lide proposto. Outro momento decisivo do Princípio Educativo. Não se faz
política sem educação, porque a política liberta, ao contrário da corrupção dos sentidos
e dos recursos públicos. Portanto, o político profissional precisa compreender este texto;
porque todo agente político necessita de qualificação jurídica.
4.2 Qualificação Jurídica
Essencial à prática jurídica, inicialmente, pode-se dizer que a Qualificação
consiste em subsumir fatos a normas jurídicas, para efeito da produção de
conseqüências jurídicas. No caso em tela, aproximar (subsumir) as condições reais da
política às necessidades e demandas sociais. Em suma, o fato passa a ser
equiparado/observado diante da norma jurídica, da lei expressa pelo Estado. Faz parte,
portanto, de uma fase denominada de “concretização do direito”, passando da intenção
legal à eficácia dos efeitos jurídicos.
Neste sentido, o direito à educação de qualidade – notadamente no que se refere
à educação política – representa uma etapa indispensável por assegurar a circulação
entre o mundo ideal ou universo do simbólico nos quais se situam os textos jurídicos
que regem a conduta humana e a própria prestação do serviço destinado ao público
(Sollen), frente ao universo concreto, real, diário, constante no qual se desenrolam os
comportamentos humanos e a evidente presença do Estado (Sein).
Depois da escolha do texto aplicável e da determinação de seu
sentido normativo, por um lado, e do estabelecimento da
materialidade dos fatos, por outro, chegaria o momento de
correlacionar direito e fato, desembocando na conclusão de que
os fatos considerados cabem ou não nas previsões do texto, com
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
54
as conseqüências daí decorrentes (Alland & Rials, 2012, p.
1481).
Sob a análise de uma perspectiva sistêmica e global (já indicado por essencial na
CF/88, sob a égide do Estado de Direito Solidário: art. 3º), verifica-se que assim
definida a Qualificação Jurídica deve ser tomada de maneira ampla e não encapsula no
texto frio da lei:
Pode-se então pensar a qualificação de maneira ampla, como
algo que inclua o conjunto das operações intelectuais
necessárias à aproximação entre fatos e direito (trabalho com os
fatos e com os textos jurídicos, que possibilite a correlação), em
que é preciso moldar cada um dos dois elementos para ajustá-los
(Alland & Rials, 2012, p. 1482).
A junção dos temas relativos aos itens 3 e 4 permitem relembrar a discussão
pranteada por Karl Deutsch (1979), apontando para o surgimento/fortalecimento de uma
espécie de Estado Cibernético (do grego: timoneiro). Nas operações de um poder
racionalizado, os “sistemas inteligentes”, as cadeias de comando, exigem cada vez mais
persuasão lógica e organização, sistematização das estruturas de poder. Bem como
retomamos a questão do direito como ficção (como crença racional). Neste que também
será um dos desafios da democracia social. Porque, do contrário, o que seria do Estado
Democrático se não acreditássemos que é possível unir direito e democracia?
5 - Estado Democrático de Direito Social
Esta forma-Estado retrata a organização do complexo do poder em torno das
instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (tendo por a priori o Poder
Constituinte), no exercício legal e legítimo do monopólio do uso da força física
(violência), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos ativos), sob a égide da
cidadania democrática, do princípio da supremacia constitucional e na vigência plena
das garantias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais, estabeleça o bem
público (democracia social/socialista), o ethos público, em determinado território, e de
acordo com os preceitos da justiça social (a igualdade real), da soberania popular e
consoante com a integralidade do conjunto orgânico dos direitos humanos, no tocante
ao reconhecimento, defesa e promoção destes mesmos valores humanos (Martinez,
2013). Desse prisma, o Estado Democrático de Direito Social é formado/dirigido por
princípios/instrumentos legais:
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
55
a) princípio da constitucionalidade, que exprime, em primeiro
lugar, que o Estado Democrático de Direito se funda na
legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade
popular, que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e
os atos deles provenientes, como a garantia de atuação livre de
regras da jurisdição constitucional; b) princípio democrático
que, nos termos da Constituição, há de constituir uma
democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a
garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais
(art. 1º); c) sistema de direitos fundamentais que compreende os
individuais, coletivos, sociais e culturais (títs. II, VII e VIII); d)
princípio da justiça social referido no art. 170, caput, e no art.
193, como princípio da ordem econômica e da ordem social [...];
e) princípio da igualdade (art 5º, caput, e I); f) princípio da
divisão de poderes (art. 2º) e da independência do juiz (art. 95);
g) princípio da legalidade (art. 5º, II); h) princípio da segurança
jurídica (art. 5º, XXXVI a LXXIII) (Silva, 1991, p. 108).
Além de regulada juridicamente (Princípio da Moralidade), observemos que a
moral pública retratada está de acordo com o ideário da soberania popular. O Estado
não só regula a moral pública, como é regulado por ela. Como queria Hegel: uma
racionalidade que consistisse na íntima unidade entre o universal e o indivíduo, no
Estado e no direito. Porém, duas condições bem distintas são: consoante a CF/88 o
Estado brasileiro não funciona de bom grado, não atende aos interesses sociais e
populares? Isto nos autoriza a desacreditar do direito democrático, socialista e popular
que vem sendo gestado a partir da Revolução Russa67, da Revolução Mexicana e
igualmente presente na Constituição de Weimar (1919)?
Por seu turno, todas essas conquistas do Estado Social foram afogadas pelo
nacional-socialismo e pela Segunda Grande Guerra. Entretanto, as lutas políticas contra
o fascismo na Espanha e em Portugal (Revolução dos Cravos) reconheceram os ideais
democráticos e socialistas que passaram a constituir o Estado Social e Democrático de
Direito, nos anos 1970-1980, na Europa. No Brasil, país de terceiro mundo ou
67
É um marco do poder popular a conhecida Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado (1917): “1 – A Rússia é declarada República dos Sovietes dos Deputados Operários,
Soldados e Camponeses. Todo o poder central e local pertence a estes Sovietes” (MIRANDA, 1990, p.
297). Bem como reflete-se na primeira Constituição russa: “Título II – Disposições gerais da
Constituição da República Socialista Federativa Soviética da Rússia [...] Capítulo V [...] Artigo 9º.
Durante a atual fase de transição, a tarefa fundamental da Constituição da República Socialista Federativa
Soviética da Rússia consiste em estabelecer, sob a forma de um forte poder soviético pan-russo, a
ditadura do proletariado das cidades e dos campos, assim como dos camponeses mais pobres, com vista a
esmagar totalmente a burguesia, a suprimir a exploração do homem pelo homem e a estabelecer o
socialismo, na vigência do qual não haverá nem divisão de classes, nem poder de Estado” (MIRANDA,
1990, p. 301).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
56
emergente, a situação sempre foi diversa. As ofertas jurídicas são bloqueadas por uma
estrutura arcaica de poder.
5.1 Contracepção da democracia social
Desde meados do século XX e a concepção do Welfare State (como Estado do
Bem-Estar Social – não confundido com o Estado Social, do início do mesmo século),
até hoje, os direitos sociais precisam de resguardo. O incremento da concentração de
renda e de riqueza68 faz aumentar exponencialmente a miséria e a fome69. Com todo o
advento jurídico já registrado desde a internacionalização das garantias dos direitos
fundamentais, ainda se carece de suporte real para a execução de um Mandado de
Garantia Social, como defendida por Paulo Lopo Saravia (Bonavides, 1985, p. 341). O
Estado de Direito, assim pretendido e abalado por todas as crises econômicas do século
XXI, manteve-se como formulação jurídica abstrata – vazia:
Com efeito, no Estado contemporâneo, sem os direitos sociais a
liberdade não seria real nem eficaz para camadas consideráveis
da sociedade de classes. Constituem eles direitos de participação
(“Teihaberechte”), direitos a uma prestação positiva do Estado,
direitos de repartição, direitos que obrigam o poder a um “status
activus” de ordem material, ou seja, a concretizar uma liberdade
real que transcende a liberdade jurídica, a única que o velho
Estado liberal ministrava e garantia formalmente. Essa liberdade
e esses direitos, de incontrastável natureza social, tem ainda
alcance indefinido e extensão polêmica, correndo nas
Constituições o risco de ficarem sempre vazados em
proposições demasiado programáticos, com o flanco aberto às
evasivas dos intérpretes e dos aplicadores (Bonavides, 1985, p,
345)70.
Com esse escrito de 1985, o jurista Paulo Bonavides defendia a incursão
constitucional do Mandado de Garantia Social. Chegada a CF/88 e o mandado de
segurança coletivo, depois, assistimos as garantias sociais serem rebatidas pela cláusula
de poder conhecida como reserva do possível. É uma cláusula de barreira do capital,
pois não se onera a acumulação da riqueza e dá poderes legais ao Estado de postergar a
efetividade da Justiça Social.
68
http://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2014/12/30/400-mais-ricos-do-mundo-ganharam-us-92bi-em-2014-dono-do-alibaba-lidera.htm/.
69
http://port.pravda.ru/news/sociedade/22-12-2014/37787-mundo_pobres-0/.
70
Para o jurista, todavia, a crise não é nova e nem jurídica, trata-se de uma grave crise sistêmica que se
arrasta desde meados do século XX: “A Constituição, à medida que perde normatividade ou eficácia,
certifica o divórcio entre os quadros legais formalmente estabelecidos e a poderosa corrente dos interesses
sociais competitivos, cujo fluxo, acelerando a queda de legitimidade do instrumento formal, se faz em
sentido oposto e irresistível” (Bonavides, 1998, p. 459). Já se iam dez anos da CF/88.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
57
5.2 O Brasil e o poder escravagista
O capitalismo brasileiro, desde a colonização, sempre soube articular o capital
com o trabalho escravo. Só no século XX é que precisou de mão de obra livre, porque,
antes disso, todo o mercado de consumo para sua produção estava na Europa. O
excedente não ficava no país; portanto, a economia agro-exportadora se alimentava do
trabalho escravo. Quase um século e meio depois da libertação formal dos escravos,
ainda vemos um trabalho escravo (agora de brancos, negros, mulatos, mestiços nordestinos em sua maioria) impulsionar o termômetro da economia nacional: a
indústria da construção civil.
A construção de infra-estrutura e de imóveis é considerada o termômetro
econômico porque se as coisas não vão bem, é o primeiro setor da economia a refluir
em atividades. Por outro lado, se a economia está em expansão, a infra-estrutura,
necessária ao escoamento da produção, é a primeira a se ressentir da falta de
investimentos anteriores. Por essa razão, nos últimos dez anos, o Brasil teve de
“importar” engenheiros de outros países. A falta de investimentos nas décadas
anteriores se agravou com a falta de mão de obra especializada. Como a economia
sempre cresceu para as classes A e B, não era necessário investir tanto na formação de
profissionais especializados; ao aumentar o ritmo de crescimento econômico, para
classes C e D, simplesmente não tínhamos esses profissionais disponíveis no mercado.
Na economia moderna brasileira é o setor que também se alimenta mais da mão
de obra escrava, sem distinção de cor, idade, sexo ou etnia. Além do racismo, a cultura
da escravidão sempre esteve presente. Os senhores do capital nunca se acostumaram
com o trabalho livre, pois, mesmo liberto, o negro era tido e tratado como ex-escravo.
Ou seja, o dono da sua vida material esperava dele o mesmo ritmo de produção que
tivera nas lavouras. Pouco importava se estava nas periferias da cidade ou se ainda
residia em seu antigo núcleo familiar de trabalho escravo, o senhor de tudo sempre
cobrava dele as 14 ou 16 horas de trabalho diário. Esta mentalidade se apossou de nossa
cultura e um dos reflexos sempre foi a desídia com os direitos, especialmente o Direito
do Trabalho. É uma enormidade o descumprimento dos direitos trabalhistas no Brasil,
mas são ainda piores as subcondições de vida e de trabalho que movem nossa economia.
A ajuda inestimável vem do Poder Judiciário ao proibir a divulgação da lista de
empresas autuadas por manter trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão.
Quantas dessas empresas são reincidentes? É um exemplo claro de que mantemos em
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
58
vigor um Estado de Direito Regressivo, vez por outra se manifestando mais abertamente
contra os próprios direitos que o Poder Político pactuou na Constituição Federal de
1988. Sob qualquer justificativa, não é admissível que o Poder Judiciário assim se
conforme. É como se conformar com a própria condição do trabalho escravo, no século
XXI. Equivale ainda a visualizar que a mentalidade escravista é parte ativa na cultura
brasileira, entre os donos do poder econômico e jurídico. Quando se observa que os
direitos fundamentais sociais são mitigados, a começar dos direitos trabalhistas, fica
claro que não se pratica uma hermenêutica jurídica social no Brasil, desconhecem-se os
preceitos constitucionais do Estado socialista presente na Justiça Social.
Apesar de todos os preceitos e garantias constitucionais, recorre-se tão somente
à hermenêutica da coerção e do controle social 71. Diante do descontrole ou caos social,
o sistema prisional atua como referendo do Estado de Exceção, pois quase 40% dos
atuais presos, ao final do processo, não serão condenados a penas de privação de
liberdade. São mais de 90 mil prisões temporárias injustificáveis, arbitrárias, que
abusam do direito de punir. Além do acréscimo populacional, de 1990 para cá, em torno
de 600%72.
6 - Estado de Exceção Permanente, Global, Exemplar e Hegemônico
Leis que defendiam o Estado Democrático – dignidade, proporcionalidade,
equidade – são “suspensas” por outras oriundas de um poder absolutista. Outra vez o
Mito do Estado se metamorfoseia: Leviatã homini lúpus. No Estado contra o homem, as
ações de “manu militari” têm se tornado a tônica, sob a alegação de que o Estado de
Direito precisa de armas para se defender do banditismo e de um suposto terrorismo.
71
Para o filósofo, com a hermenêutica, “o mundo se torna dizível” (Heidegger). Em sentido amplo, a
Hermenêutica Jurídica pode implicar a interpretação, a integração e a aplicação do direito. Também falase em analisar as conseqüências de determinada utilização/aplicação do direito (consequencialismo
jurídico). A interpretação ainda se debruça sobre as lacunas do direito. Hermenêutica Jurídica e
interpretação (aplicação) do direito são, portanto, dois polos da mesma relação. Com a CF/88 por
referência, a Hermenêutica Constitucional partiu de alguns pressupostos: i) o ordenamento jurídico deve
propugnar pela consolidação dos meios/recursos democráticos; ii) aplicar-se-à ao Princípio da
Supremacia da Constituição; iii) rejeição das normas jurídicas não-democráticas (Desobediência Civil
Democrática; iv) pressupõe-se uma visão constitucionalista e democrática dos aplicadores do direito; v)
garantir efetividade ao Princípio democrático do acesso à justiça; vi) uma interpretação (Hermenêutica)
capaz da consideração do postulado da co-culpabilidade estatal – na (re)produção da miséria humana; vii)
conduzir-se pela equidade nas decisões judiciais; viii) exigência formal de que o aplicador do direito aja
sob esta “vontade ética”; ix) atenção para as mutações constitucionais democráticas, independentemente
da reforma do Texto (Gomes, 2002). É preciso uma Hermenêutica Jurídica para além do direito: “O
mundo das Leis compõe-se antes de palavras que de Leis [...] Às leis precede o texto [...] das Leis esperase o comando e da Literatura, a expressão do belo” (Schwartz, 2006, p. 63). E ainda que a escolha do
comando ou do belo sempre seja uma decisão política. No popular: “Quem escolhe, deixa...”.
72
http://jota.info/constituicao-e-sociedade-masmorras-medievais-e-o-supremo.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
59
Não se configura ação de poder ilegal porque o Poder Político, antecipando-se, aprovou
leis de exceção. Ou seja, diante de casos de suposta exceção à normalidade, como o
terrorismo e a criminalidade, a via legal tradicional é subvertida e entra em cena uma
nova/velha lei que serve a todos, mas que trata alguns de modo especial, excepcional.
Admite-se a prisão política e os presos políticos são subsumidos na nova lei
como párias, devendo ser julgados como quem comete crime de lesa pátria. A lei
permite que o Estado declare guerra ao indivíduo. Porém, muito além disso, esta formaEstado se multiplicou por todo o mundo, como se fora um Estado de Exceção
Permanente, Global, Exemplar e Hegemônico. Um exemplo a ser seguido por todos e
um “exemplo” a ser demonstrado aos que o desafiam; vide a eliminação de Bin Laden,
corroendo-se toda noção de soberania.
Em ataque ao Estado Islâmico, em exemplo mais contundente de ilegalidade por
violar a Constituição dos EUA – uma vez que não houve autorização do Congresso –,
os EUA baseiam-se em autorização de 13 anos atrás, quando atacaram a Al Qaeda:
O presidente Obama está prestes a agir bem pior que George
Bush. A guerra no Iraque foi mal preparada, mas pelo menos era
legal aos olhos do direito americano. Hoje estamos em uma
situação realmente burlesca: Obama, prêmio Nobel da paz, que
foi eleito prometendo romper os excessos de George Bush, está
preparando a guerra permanente, justificada por um estado de
emergência permanente73.
Sem contar que, como ocorreu com Bin Laden, o Estado Islâmico foi financiado
pelos EUA74. É a lógica do mercado, vende-se armas para os dois lados que estão em
guerra. Com as profecias concretizadas, o Estado Islâmico, que se pretende um
Califado, é um retrato do Ocidente que corrigiu os “erros” estratégicos de outros grupos
islâmicos radicais, como a Al-Qaeda:
[...] criou um governo nas sombras que inclui numerosos
departamentos ou ministérios e dezenas de executivos
provinciais para administrar as áreas sob seu controle. Uma vez
conquistado um território, o EI cria as estruturas que em nada
diferem de governos ocidentais, se identificamos sua visão
radical e seus crimes, destaca uma investigação do Consórcio de
Busca e Análise do Terrorismo. O resultado é um aparelho
militar estruturado para impulsionar seu particular jihad (guerra
73
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2014/10/01/barack-obama-viola-a-constituicao-norteamericana.htm.
74
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/37414/wikileaks+eua+armaram+estado+islamico+e
+se+recusaram+a+ajudar+siria+no+combate+ao+grupo.shtml.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
60
santa) e um sistema de administração descentralizado mediante
o qual tenta oferecer os serviços básicos à população75.
Visto pelos dois lados, o que se quer, nessa vazão de contramão civilizatória, é
retomar um passado de opressão, de negação das liberdades (como o USA patriot act76),
revertendo-se a construção moderna da cidadania, reconvertendo-se o civis em rebellis.
No Oriente, homens e mulheres convivem com a sombra do nazismo recalcitrante; sob
suas práticas, o Estado Islâmico procura oprimir ou dizimar minorias77.
No Ocidente, o cidadão perdeu todo o espaço jurídico ganho na construção da
Modernidade Tardia e agora a luta pelo direito passa a ser, novamente, ato de rebelião,
insurreição. Estamos condenando quantos anos, séculos de história nessa contramão da
luta pelo direito, ao afirmar o direito contra os hostis ou os inimigos? Na atualidade do
Estado Penal (Wacquant, 2003), a vingança pública substitui a humanização do sistema
penal: “Foi um dia fatal aquele em que o público descobriu que a pena é mais poderosa
que as pedras da rua, e que seu uso pode tornar-se tão agressivo quanto o
apedrejamento” (Wilde, 2003, p. 72). Como em Kafka (1993), a pena deve estar inscrita
na carne78. Além disso, com a privatização das penitenciárias – uma terceirização,
privatização reversa do processo de justiça –, literalmente, quanto mais presos maior a
lucratividade79. O que leva a pensar que o crime é, proveitosamente, capitalista e viceversa, ou seja, que o capital não só não diferencia moralmente seus ganhos como se
locupleta institucionalmente do ilícito e do delito.
A hegemonia na “nova”colonização
Na relação que se estabeleceu entre Oriente-Ocidente os extremismos se uniram,
e, como nenhum deles é radical – sem ver a “raiz” dos fatos –, as saídas propostas
acabaram sendo a porta de entrada de problemas ainda mais graves. Na verdade, os dois
75
http://port.pravda.ru/news/science/07-01-2015/37881-estado_islamico-0/.
Editado pelo Congresso Americano, sob o governo Bush, em 26/10/2001, tem como principais medidas
extrajudiciais a invasão de lares, a espionagem, os interrogatórios e a tortura de suspeitos de terrorismo,
mas sem o amplo direito de defesa, como o exercício do contraditório. É a antesala da lei marcial, o
momento em que a autoridade militar arrola para si o controle da administração do Poder Judiciário e
ordena a supressão de direitos civis, como o direito de se reunir, de manifestar sua opinião e de não ser
preso sem fundamento judicial. Por isso, também se diz que o Estado Penal é uma forma atualizada da
exibição do Estado de Sítio.
77
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/01/1573506-jornalista-aponta-paralelo-entre-estadoislamico-e-nazistas.shtml.
78
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/01/1569403-nos-eua-membro-do-grupo-panteras-negrasesta-na-solitaria-ha-42-anos.shtml.
79
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/38964/na+primeira+penitenciaria+privada+do+brasil+q
uanto+mais+presos+maior+o+lucro.shtml.
76
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
61
lados têm em comum a “solução” da pena de antecipação da morte80. O que está por trás
disso é o Imperialismo, a pax americana, e as “novas” formas de colonização. O Estado
de Exceção é permanente, global, exemplar e hegemônico, desde as invasões e guerras
travadas no Oriente Próximo (Iraque), espalhando a destruição das casas e da vida, a
extrema miséria humana e, como retorno, recebendo o profundo horror ao Ocidente.
Esta forma-Estado torna-se global à medida em que a maioria do Conselho de
Segurança da ONU está envolvida nas ações: França, EUA, Reino Unido81.
Portanto, é uma forma-Estado de modelo hegemônico porque a atenção do
homem médio em sua vida comum só observa um lado da moeda. Absortos pelo
cotidiano da própria sobrevivência, ficamos chocados com a reação; (in)justamente o
que se chama de terrorismo islâmico. Não vemos o modus operandi imposto pela
“Guerra ao Terror”, a desestabilização, a desordem, a desintegração dos povos. Ou
somos incapazes de relacionar os fatos. Ou simplesmente não queremos ver porque,
como cidadãos do sofá, queremos somente curtir a vida ocidental. Apenas em 2014, em
uma única incursão, 19 dias, Israel matou mais de dois mil palestinos na Faixa de Gaza.
A cultura da colonização – alardeando-se que os EUA defendem e espalham a
democracia e os direitos humanos – não permite o diagnóstico dos interesses
econômicos envoltos na Ásia Central, em que se insiste por à força, como hegemônicos,
os valores e o modo de vida ocidental. Como resultado da desagregação das condições
de organização sistêmica da vida pública – com crescente violência interna e
descontrole do Poder Político local –, os anteriormente muçulmanos pacatos, agora
surgem convertidos em jihadistas. A extirpação das torres gêmeas, em 11/09/2001, nos
EUA, e o ataque ao pasquim Charlie Hebdo, na França, são apenas bolhas visíveis e que
escapam à lógica de controle do Terrorismo de Estado Hegemônico. O Estado Islâmico,
com pretensão a Califado, é outra ponta do iceberg.
Em síntese, o Estado de Exceção Permanente (Martinez, 2010) alterna força
repressiva e ilegalidade com a roupagem do Estado Penal (Santos, 2009). Assim,
utiliza-se de todos os meios lícitos, legais, como monopólio do uso legítimo da força
física (Weber, 1979) e de outros atos anti-jurídicos (e imorais, como a tortura) para a
contenção e repressão das forças sociais. Alterna-se a repressão social e o
encarceramento em massa. Esta forma-Estado responde a pressões econômicas como
80
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/39084/apos+ataques+em+paris+lider+da+extremadireita+propoe+referendo+sobre+pena+de+morte+na+franca.shtml.
81
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/39080/reflexao+sobre+a+chacina+de+paris.shtml.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
62
ativista do capitalismo dissipativo – em que Estado e capital estão metabolizados e
implicam uma visão de mundo política hegemônica e imperial (Hobsbawm, 2007).
Como não se pode prender todos os jihadistas – com exceção dos presos em
Guantânamo/Cuba e outras congêneres –, até porque estão imersos na trama de novos
atentados, a solução é dizimar suas populações. Enfim, sem saída, porque o capitalismo
neo-colonizador não sairá do Oriente Médio, ficaremos acomodados na poltrona para
ver em alta definição muitas outras explosões e mortes: de ambos os lados. De um lado
obsessão racista, de outro, homens e mulheres-bomba82. Esta é uma guerra sem
vencedores, todos perdem na soma-zero de que falava Maquiavel (1979).
O futuro intocado pela falta de aprendizado no presente será seguido de mais e
piores leis antiterror83, pena de morte, xenofobia, islanofobia, racismo; mais ataques,
mais Charlie, mais mortes, mais censura na vida real e no Facebook. Depois, mais EI,
mais Guerra ao Terror, mais homem-bomba, mais Terrorismo de Estado. E não para:
mais religião, mais petróleo, mais Israel, mais Hamas, mais capital e imperialismo dos
EUA, mais 11/09, mais miséria humana. O presidente dos EUA é quem decide sobre
quem vive ou morre, sob os ataques dos drones – aviões não tripulados84.
A realidade é pior do que a ficção
Na literatura, romances como 1984, Revolução dos Bichos ou o lendário Nós,
do escritor russo Yevgeny Zamyatin (2004), sempre nos alertaram sobre os perigos da
distopia que ronda a sociedade capitalista sob o Estado Moderno, sobretudo quando é
atuante a luta pela conservação da Razão de Estado, do capital ou dos privilégios de
classe e do status quo. Com o romancista português José Saramago percebemos uma
ilação direta entre realidade e ficção – no fundo, a realidade jurídica copiando a ficção
política. Saramago diagnosticou a insurgência do Estado de Emergência Sanitária85,
no romance Ensaio sobre a Cegueira, como resposta a um tipo de gripe suína:
Um motorista parado no sinal subitamente se descobre cego [...] Nessa
noite o cego sonhou que estava cego [...] É o primeiro caso de uma
treva branca que logo se espalha incontrolavelmente [...] Enquanto
não se apurassem as causas, ou, para empregar uma linguagem
adequada, a etiologia do mal-branco [...] todas as pessoas que cegaram,
82
http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2015/01/10/menina-bomba-mata-ao-menos-20pessoas-em-atentado-na-nigeria.htm.
83
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2015/01/14/patriot-act-e-uma-lei-de-excecao-compoucos-resultados.htm.
84
http://port.pravda.ru/news/russa/14-01-2015/37918-domenico_losurdo-0/.
85
De certo modo, prova a transformação da necessidade em Estado de Necessidade, como processo de
remodelação de uma condição natural em exceção política e jurídica.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
63
e também as que com elas tivessem estado em contato físico ou em
proximidade direta, seriam recolhidas e isoladas, de modo a evitaremse ulteriores contágios, os quais, a verificarem-se, se multiplicariam
mais ou menos segundo o que matematicamente é costume denominarse progressão por quociente [...] Quod erat demonstrandum, concluiu o
ministro [...] do que se tratava era de por de quarentena todas
aquelas pessoas, segundo a antiga prática, herdada dos tempos da
cólera e da febre-amarela [...] Queria dizer que tanto poderão ser
quarenta dias como quarenta semanas, ou quarenta meses, ou
quarenta anos [...] De que possibilidades imediatas dispomos, quis
saber o ministro, temos uma manicômio vazio, devoluto, à espera de
que se lhe dê destino, umas instalações militares que deixaram de ser
utilizadas em conseqüência de recente reestruturação do exército, uma
feira industrial em fase adiantada de acabamento, e há ainda, não
conseguiram explicar-me porquê, um hipermercado em processo de
falência [...] O quartel é o que oferece melhores condições de
segurança, naturalmente tem porém um inconveniente, ser
demasiado grande, tornara difícil e dispendiosa a vigilância dos
internados [...] Havia soldados de guarda. O portão foi aberto à justa
para eles passarem, e logo fechado [...] Por toda a parte se via lixo...
(Saramago, 2008, pp. 10-24-45-46 – grifos nossos).
Os EUA não só perpetram o Estado Penal, enjaulando milhões de pessoas, sob
um suposto direito penal do inimigo, como exportam esta fórmula-Estado (Wacquant,
2003). O exemplo mais atualizado do excepcionalismo é a ordem jurídica (Decreto de
Autorização da Defesa Nacional) assinada pelo presidente Obama em janeiro de 2012
e que, na prática, anula a Constituição dos EUA – a citação é longa, mas em si é
explicativa:
Com um debate mínimo na mídia, num momento em que os
norte-americanos comemoravam o Ano Novo com os seus mais
próximos, o “Decreto de Autorização de Defesa Nacional” HR
1540 (DADN) foi assinado pelo presidente Barack Obama e
passou a letra da lei [...] Ele justifica a assinatura do Decreto
como um meio de combate ao terrorismo, como parte de uma
agenda de combate ao terrorismo. Mas, em termos práticos,
qualquer norte-americano que se oponha às políticas do
Governo dos EUA pode, de acordo com as disposições do
Decreto, ser rotulado de “presumível terrorista” e ficar sob
detenção militar [...] O Decreto HR 1540 revoga a Constituição
dos EUA [...] A busca da hegemonia militar mundial exige
também a “militarização da Pátria”, ou seja, o fim da República
norte-americana [...] O Decreto autoriza a detenção militar
arbitrária e indefinida de cidadãos norte-americanos [...] Se o
quisermos colocar num contexto histórico comparativo, as
disposições relevantes do Decreto HR 1540 são, em muitos
aspectos, comparáveis aos que constam do “Decreto do
Presidente do Reich para a Proteção de Pessoas e do Estado”,
vulgarmente conhecido como o “Decreto do Incêndio do
Reichstag” (Reichstagsbrandverordnung), promulgado na
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
64
Alemanha sob a República de Weimar, a 27 de Fevereiro de
1933, pelo presidente (Marechal de Campo) Paul von
Hindenburg [...] foi usado para revogar liberdades civis,
incluindo o direito de Habeas Corpus [...] “Assim, as restrições à
liberdade pessoal, ao direito à livre expressão de opinião,
incluindo a liberdade de imprensa, ao direito de associação e
reunião, as violações de privacidade das comunicações postais,
telegráficas e telefónicas, os mandados de revista domiciliária,
as ordens de confisco, bem como as restrições aos direitos de
propriedade, são permitidos para além dos limites legais
prescritos.” (Art. 1) [...] O decreto do Incêndio do Reichstag foi
seguido, em Março de 1933, pela “Lei de Concessão de Plenos
Poderes” (Ermächtigungsgesetz) que permitiu (ou concedeu) ao
governo nazi do Chanceler Adolf Hitler invocar poderes de facto
ditatoriais [...] A assinatura do Decreto HR 1540 e a sua
passagem a letra de lei equivale a militarizar a aplicação da lei, a
revogação do Decreto Posse Comitatus86 e a inauguração, em
2012, do Estado Policial nos EUA87.
Por sua vez, alguns presos comuns também podem se inscrever nesta penalidade,
pois seriam declarados anti-sociais, irrecuperáveis. Em comum, paira a sentença que
lhes suspende o status jurídico da dignidade, permite a degradação moral, a tortura e a
eliminação física88. O monopólio do uso legítimo dos aparatos de Estado pertence a
quem domina os campos irregulares da guerra política: “Dividem-se categoricamente
dois tipos de guerra: uma guerra espacial, de conquista, e uma guerra total, de
penetração, de assalto”: o segundo tipo, atual, traz a dor de sermos fustigados por um
espinho no pé, inexaurível, sem trégua, ao longo de nossa efêmera vida (Virilio, 1996).
Sob o eufemismo de “guerras assimétricas de rua” e de “conflitos de baixa intensidade”
(Denécé, 2009) a sociedade moderna conheceu um nível de militarização estatal e de
criminalização das relações sociais jamais vistas. O golpe de Estado, o golpe
86
A LEI DO POSSE COMITATUS (o poder de polícia do município ou do condado) limitou o uso das
Forças Armadas para impor a lei civil. Esta “nova” legislação estadunidense revoga o princípio do
controle civil das forças armadas que se vinha mantendo desde 1848 nos EUA. Em nome da segurança, o
Estado abdica das conquistas da civilização.
87
Montreal, Canadá, 1 de Janeiro de 2012. Publicado em Global Research, 1 de Janeiro de 2012.
Tradução: André Rodrigues P. Silva. Postado: http://www.odiario.info/?p=2341.
88
Na prisão de Guantânamo e em tantas outras similares mantidas pelos EUA e seus aliados, na “luta
contra o terror”: “Estou na Baía de Guantânamo’, escreveu al-Aslami. ‘Este é um lugar onde não há
direitos e onde não há justiça. Temo que não haja nada que eu possa fazer, de modo que deixo minha sina
e minha liberdade nas mãos do Todo-Poderoso. Por favor, escrevam-me e mandem-me cartas” [...] Assim
como bate o coração na escuridão do corpo / eu também, apesar desta jaula, continuo a pulsar com vida.
/ Aqueles sem coragem na honra se consideram livres, eu vôo nas asas do pensamento, / e assim, mesmo
nesta jaula, / Conheço uma liberdade maior (Khan, 2008, p. 178- 268).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
65
constitucional89 e o Estado de Sítio90 seriam outras formas de se apresentar o Estado de
Exceção. O golpe de Estado é um instituto da Razão de Estado, de longa data. No
século XVII estão seus germes, assim como o Estado de Exceção – strito sensu –
decorre do século XVIII (Agamben, 2004). Germes igualmente presentes na
Constituição Francesa de 1791 ao definir a soberania superior do Poder Político91.
6.1 Terrorismo de Estado e direito penal do inimigo
Assim, o Estado de Direito corresponde à mera ficção jurídica de que o direito
se estende ao conjunto do corpo social, em que incluiriam as delimitações do poder
político (desenho jurídico do Estado) e a limitação do uso do poder por parte dos
governantes (“guardiães da soberania”). Na releitura hobbesina aplicada ao Estado
Penal, ações contra a sociedade são equiparadas aos atentados contra a soberania
do Estado:
Hobbes tinha consciência desta situação. Nominalmente, é
(também) um teórico do contrato social, mas materialmente é,
preferentemente, um filósofo das instituições. Seu contrato de
submissão – junto a qual aparece, em igualdade de direito (?) a
submissão por meio da violência – não se deve entender tanto
como um contrato, mas como uma metáfora de que os (futuros)
cidadãos não perturbem o Estado em seu processo de autoorganização [...] Entretanto, a situação é distinta quando se trata
de uma rebelião, isto é, de alta traição: <Pois a natureza deste
crime está na rescisão da submissão, o que significa uma recaída
no estado de natureza [...] E aqueles que incorrem em tal delito
não são castigados como súditos, mas como inimigos (Jahobs
& Meliá, 2005, p. 27 – grifos nossos).
89
É possível defenestrar um grupo político manipulando-se o Estado de Direito, mas sem impor as regras
do Estado de Exceção. O caso mais recente vem do Paraguai, em 2012, quando Legislativo e Judiciário se
aliaram para decretar um golpe constitucional contra o chefe do Executivo.
90
O Estado de Sítio ainda pode ser dividido em basicamente mais dois tipos: a) Estado de Exceção por
anexação, como no Iraque, quando o Estado de Sítio é instituído pelas forças de ocupação invasoras; b)
Estado de Sítio tradicional, como se vê na maioria dos países afetados pela chamada Primavera Árabe,
especialmente Síria e Líbia. O mais importante a destacar, no entanto, é que a quase totalidade dos países
que seguiram a tradição do Estado Moderno – a partir do século XVII -, com a organização política
centralizada em torno do território, povo e soberania, dispõe desses pré-requisitos constitucionais de
forma latente, permanente. A senha para serem acionados é (in)justamente a soberania. Na iminência de
sua ameaça, tida ou não, contida ou não, todas as formas de contenção podem ser usadas. Em nome de
sua soberania é legal, justo, ético, voltar-se o Estado contra seus desafetos. Portanto, o Estado de Exceção
é uma atualização da clássica Razão de Estado, quando se invocava a “última razão dos reis” para,
supostamente, defender a sociedade. No fundo, é a sociedade agredida pelo Estado, suprimindo-se a
“regra da bilateralidade da norma jurídica” imposta pela necessidade da autocontenção do Estado.
91
“Artigo 1º. A soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível. Ela pertence à Nação; nenhuma
seção do povo, nenhum indivíduo pode atribuir a si próprio o seu exercício” (MIRANDA, 1990, p. 62).
Entretanto, vale comparar com as teses germânicas do século XIX, já apontadas, ao definirem o Estado
soberano e não a Nação, como diziam os franceses.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
66
Esta seria a base moral/legal para se perpetrar o Terrorismo de Estado, quando o
Poder Político se volta contra a sociedade civil ou uma parte dela. Neste caso, estariam
em jogo super-valores, a exemplo da definição dada por Hegel ao direito à propriedade
como direito ao direito (Bobbio, 1989, p. 64). Por seu turno, com a instituição da ONU
(Organização das Nações Unidas), em 1946, e já precedida do Estado Social, na década
de 1920, juridicamente, formulou-se o apelo ao conjunto complexo dos direitos
humanos: o direito a ter direitos (Bobbio, 1992). O século XXI desconhecerá mais de
200 anos de história da emancipação humana?
O delinquente ou criminoso se vê tratado como inimigo do Estado, porque sua
insubmissão namora com o estado de natureza. Porém, nem sempre a parte da sociedade
atingida atuou de forma ilegal ou subversiva, como ocorre com as classes trabalhadoras
sob o capitalismo. Neste sentido é que se fala do democídio92: ações de eliminação
social/econômica de uma extensa parcela da sociedade civil. Diante deste fato, a
soberania é uma das mais claras construções da modernidade e o criminoso socialmente
reprovável configuraria uma ameaça pública, mas no sentido político – no fundo, o
criminoso é uma ameaça ao status quo e um inimigo público. Deve ser condenado à
perda da paz93. De todo modo, a fim de se assegurar a integralidade do poder, a
indivisibilidade do poder soberano recebe todo o destaque de Hobbes:
Como a grande autoridade é indivisível, e inseparavelmente
atribuída ao soberano, há pouco fundamento para a opinião dos
que afirmam que os reis soberanos, embora sejam singulis
majores com maior poder do que qualquer de seus súditos, são
apesar disso univesis minoris com menos poder do que eles
todos juntos [...] Mas se por todos juntos os entendem como
uma pessoa (pessoa da qual o soberano é portador), nesse caso
o poder de todos juntos é o mesmo que o poder do soberano, e
mais uma vez a fala é absurda [...] Porque é na soberania que
está a fonte da honra (Hobbes, 1983, p. 112-3).
A Razão de Estado de Botero lhe conferiu amparo.
6.2 O Estado de Sítio convivente
92
Fala-se de um tipo mais vasto de politicídio. Estima-se em centenas de milhões os assassinatos políticos
mais recentes, na história política da Humanidade, e que tenham sido perpetrados por Estados e/ou
governos que insistem em manter o poder. Inclusive, há que se registrar a fluência jurídica na proteção
dos direitos humanos em desfavor do genocídio, mas nenhum documento oficial internacional se presta a
regular o democídio – visto que os Estados soberanos resguardam para si a gestão da soberania política.
93
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2014/12/30/terrorista-que-atentou-contra-joao-paulo-ii-eexpulso-da-italia.htm.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
67
Não é à toa, portanto, que os defensores do chamado Direito Penal do Inimigo
irão retomar os clássicos contratualistas (especialmente o absolutismo) do Estado
Moderno: “Ora, o poder é sempre o mesmo, sob todas as formas, se estas forem
suficientemente perfeitas para proteger os súditos [...] um poder coercitivo capaz de atar
suas mãos, impedindo a rapina e a vingança” (Hobbes, 1983, p. 112-3)94.
Equivale a vivermos sob um intenso, permanente e inconsciente Estado de Sítio
– sob as vestes do Estado de Direito (regressivo), da República que cuida do poder mais
do que do cidadão, da democracia que não almeja mudar o status quo. No pequeno livro
El derecho de asilo, Carpentier traça um perfil fantasmagórico, quase lisérgico de um
golpe de Estado (imiscuído de Estado de Sítio) em um típico país sul-americano dos
anos 1960. Esse apego de um militar de baixa patente por Hitler revela-nos, pela ironia
de Carpentier, que a opressão do Estado de Sítio Político é, no fundo, uma constante
cultural ou um verso que se recita:
<Há visto la prensa?, dijo el militar blandiendo um periódico:
“Hitler dijo a sus soldados: Tú no tienes corazón ni nervios; em
La guerra no se necesitan. Destruye em ti La misericórdia y
compasión [...] Lo que yo digo: las teorías de Clauseviche [...]
El Secretario se había admirado siempre ante el culto de Ratón a
Clausewitz, a quien tenía por el inventor de una guerra total de
science-fiction (Carpentier, 1979, pp. 10-11).
Porém, o homem como ser humano genérico, para Carpentier, é uma imagem
que se constroi em contato (não reflexo) com seu entorno, com as circunstâncias da vida
social e privada que o cercam: “Desde que el hombre nace su existencia se acompaña de
um reptar, de um deslizar-se, de un tránsito en las fundas de innumerables tejidos,
paños, telas, que han de quedar unidos por siempre en la historia de su existencia”
(Carpentier, 1979, p. 19).
Este é o caso que apontamos para o uso da tortura, apelidada por um exsecretário americano de “rendição extraordinária”. Por isso, o sitiado também é um
sujeito à procura do reconhecimento, é um ativista, um resistente ao Estado de Exceção
Permanente. Sua resistência restabelece a cultura política abalada pela negação trazida
pelo cerco. O sitiado é alguém que luta contra a condenação, mas não pela absolvição
(deve reconhecer seus crimes), e sim pelos direitos negados, surrupiados. O sitiado sabe
que só voltará a ser quem era se, bravamente, impuser sua insurreição; agora, não como
direito, mas sim como ação. O sitiado luta pelo direito de ser um sujeito político. O
94
Passa a ser a tônica no Brasil: http://www.conjur.com.br/2015-jan-05/brasil-decide-futuro-base-direitopenal-inimigo.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
68
sujeito sitiado luta por reconhecimento de direitos, por exemplo, porque sabe
perfeitamente que na vida real tudo não passa de jogo político, em que o Estado de
Direito tende a ser manipulado para servir aos interesses práticos de quem se locupleta
do poder. Este “caminho lutado e enlutado” é, literalmente, morrer pelo direito de
sedição. Às vezes, o sitiado está exilado, pela “má-sorte” ou porque procurou longe o
que não tinha em casa; em alguns casos, vive cercado em campos de refugiados, em
outros, põe nas palavras o desejo incontido de retornar para casa, como Gonçalves Dias,
em Canção do Exílio. Em suma, como vimos, o direito de sedição nada mais é do que
o direito civil (não-militar) e político de se opor, organizadamente, à Razão de Estado,
sempre que haja suficiente falta de legitimidade ao poder ou que se manifeste sob o
despotismo ou a tirania95. Isto já nos dizia Carpentier:
Y a las 8 p.m. el General Nabilán se dirigió en efecto a la
Nación, hablando de los Heróes de la Independencia, de la
Libertad recobrada, de la Justicia Social venidera, de la Bandera,
del Ejército depositario de las más gloriosas tradiciones, y otras
cosas por el estilo [...] <Sois hijos de los Heróes que...>, <Sean
nuestros confines un glorioso campo de batalla>, <Honor a
quienes honores merecerán>, <No hay muerte más bella que la
que...>, etc., etc., era repetido por la radio y TV a todas horas
(1979, pp. 25-37).
Assim, politicamente, percebemos esta “camuflagem institucional da violência”,
em forma de política organizada para o sistema. Juridicamente, por sua vez, revelou-se
como um transbordamento do medo nos institutos jurídicos da exceção. Mas,
atualmente, o Estado deu outra guinada à brutalização das relações sociais, exercendo
não só a coerção, como a pressão direta e indireta (física e psíquica), política e jurídica.
Fato que levou a outra fase da soberania como uma luta do Estado (o bem) contra a
criminalidade social (o mal) e, assim, a Razão de Estado se converteu em Estado Penal
(Wacquant, 2003).
Alejo Carpentier foi um escritor da liberdade que antecipou algumas mazelas do
século XXI. A começar da "exceção" que nos coloniza. Inconscientes, não nos
sensibilizamos com as mudanças que ocorrem "para dentro" do sistema. Uma mudança
para fora do sistema exige, evidentemente, transformações para além do status quo.
Num sistema disruptivo, como no capitalismo atual, a inserção de novas regras de
exceção apenas agudizam a exclusão. Para incluir, este sistema precisa se abrir aos que
95
Não se enquadra, portanto, na definição de crime contra o Estado Democrático (art. 5º, CF/88),
simplesmente porque este Estado não seria democrático, mas sim sedicioso.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
69
já estavam excluídos; portanto, a única regra de exceção que se poderia admitir seria a
de “incluir os excluídos”. Uma regra excepcional, enquanto existissem excluídos.
Contudo, dormentes - às vezes por vontade própria -, não ligamos para a exceção que se
torna regra.
Depois do sistemático processo de exclusão social e econômica, o indivíduo, os
grupos, as camadas, os estratos e as classes sociais (“perigosas”) são todos incluídos
(juridicamente) como exceções dentro de um conjunto de regras que regulam o “geral”.
Por isso, não deixa de ser um processo que exclui para, depois, haver inserção nas ações
continuadas de exclusão. Exclusão humana para ter inclusão jurídica excepcional.
Excluem-se os traços de Humano, para na forma de inimigo, autorizar-se o Estado que
já não se admite para todos.
Leviatã homini lúpus
Assim, após séculos de Iluminismo Jurídico, a exceção jurídica se apresenta
como prova inconteste de que o Estado não atua para o conjunto social. O Leviatã
homini lúpus admite, formalmente, que tem preferência por uma parte da sociedade:
“exclui-se para se inserir na exceção”. Em razão de um suposto contrato social,
transforma-se em direito político positivo poucas, determinadas e específicas intenções
de poder. Afinal, o Bem Público (além do eufemismo do Bem Comum) não pode advir
da exclusão e da exceção. Incluir como regra o que foi excluído – e inserido como
exceção –, não pode ser o melhor caminho para a própria inclusão.
Somente nesse processo de lógica reversa a exclusão leva à inclusão, incluindose (penosamente) o que não é desejável pela regra geral. De tal forma que ainda é
possível concluir que a regra geral não é inclusiva; é excessiva e exclusiva. A regra
geral é exclusividade dos que já estão incluídos e, em verdade, são a minoria. Ou seja, a
própria regra geral é exclusiva de poucos, sendo ela também uma exceção. Pois, a regra
geral se destina a muitos, mas em benefício de poucos. A regra do poder volta-se
totalmente contra aqueles que também querem este poder. Ou seja, a excepcionalidade
com que são tratados os não-proprietários do poder é tão presente que se pode pensar
que nunca foram exceção, mas sim a regra que delimita as demais regras:
O Estado de direito é também um Estado policial; o Estado que
acolhe seus indivíduos e seus grupos à comunidade de cidadãos
é também um Estado que exclui os rebeldes, os anormais, os
desviantes, os estranhos; o Estado social também é um Estado
de classe organicamente associado ao mercado capitalista; o
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
70
Estado democrático e civilizado é também um Estado poderoso,
de conquista colonial e imperial; logo, o Estado de exceção não
é “uma exceção”, mas aquilo sobre o qual parece se apoiar a arte
de governar (Branco, 2013, p. 161).
Certamente, esse modelo de exceção não pode ser exemplo da melhor lógica de
uma regra global. A única regra geral admissível seria aquela que, excepcionalmente,
incluísse os excluídos; retirando poder dos já-incluídos.
De certa forma, seria uma regra de contra-poder. Uma regra que agisse contra o
poder de exclusão mantido pelos atuais incluídos. Uma regra contra-hegemônica,
excluindo os que detém o controle das regras de exclusão. Um regra geral, definida
deste modo, agiria contra o Soberano, porque como diz o jurista Carl Schmitt:
“Soberano é quem detém as regras da exceção” (2006, p. 07)96. Enfim, mudar o sistema
“para fora”, exige excluir os incluídos que manejam o poder de exclusão. O que também
é um processo de exceção; mas uma exceção que – ao final – deveria incluir a regra
geral. Sem mudanças para fora do sistema, assistimos ao incremento de um Estado de
Direito Regressivo.
6.3 Estado de Direito Regressivo
É possível um Estado de Direito regressivo e repressivo? Com o que vimos, não
só é possível como é a forma-Estado prevalecente. A regra é a mesma, se o poder não
pode conter a sociedade civil, age contra ela, alegando-se a defesa da democracia97.
Menos democracia e imputação de “novos” crimes políticos, hoje, para ter mais
democracia amanhã98. No tocante a esta lógica, todos sabem que “quem pode o mais,
96
O direito penal do inimigo – que antecipa penas – é decorrente desse modelo de Estado de Exceção.
Além de trazer a norma penal em branco (criminalização moral, independentemente de lei anterior que o
defina), tem margem no direito aplicado ao Homo sacer: “Por muito tempo, um dos privilégios
característicos do poder soberano fora o direito de vida e morte. Sem dúvida, ele derivava formalmente da
velha pátria potestas que concedia ao pai de família romano o direito de ‘dispor’ da vida de seus filhos e
de seus escravos, podia retirar-lhes a vida, já que a tinha ‘dado” (Foucault, 1988, p. 127).
97
Ironicamente, o princípio está na Constituição de Weimar, manuseada por Hitler, na figura do
Kaiserpresident: “Artigo 48º. No caso de um estado não cumprir os deveres que lhe são prescritos pela
Constituição e pelas leis do Império, compete ao Presidente decretar a intervenção, ainda que com o
auxílio da força armada. No caso de perturbação ou ameaça graves à segurança e ordem pública no
Império compete ao Presidente decretar as medidas necessárias ao restabelecimento da ordem e da
segurança, mesmo com o recurso à força armada. Para este fim, pode suspender, total ou parcialmente, os
direitos fundamentais dos artigos 114º, 115º, 118º, 123º, 124º e 153º. Estas medidas devem ser levadas
pelo Presidente imediatamente ao conhecimento do Parlamento, o qual pode exigir um relatório
circunstanciado acerca delas. Verificando-se urgência, o governo de qualquer estado pode, dentro do
território deste, adotar medidas provisórias da mesma natureza das que estão indicadas no § 2º”
(MIRANDA, 1990, p. 277).
98
Na metáfora de Oscar Wilde: “O Imperador e o Rei podem abaixar-se para apanhar do chão um pincel
e devolvê-lo a um pintor, mas quando a democracia se abaixa, é apenas para atirar lama, embora nunca
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
71
pode o menos”; mas, o inverso, não. Neste cenário, o Estado de Direito é regressivo e
repressivo. Entretanto, mesmo não sendo grande obstáculo, há ressalvas sociais e
jurídicas. Setores e segmentos sociais, políticos democratas e que não se renderam ao
golpismo, poderiam criar trincheiras dentro e fora do Estado. A Constituição Federal de
1988 guarda os mesmos institutos do poder de exceção, ainda que mais democrática, e
seria forte barreira às ações desferidas contra o Estado Democrático de Direito (art. 1º;
5º, XXXVII, XLIV, XLVII). O Estado de Defesa (art. 136 da CF/88) 99 e o Estado de
Sítio (art. 137 da CF/88) são regulados por equivalentes democráticos. Hoje, diante da
comunidade internacional, não é tão fácil rasgar a Constituição, como foi em 1964, ou
com a manipulação nazista da Constituição de Weimar (1919). Contudo, isso não
importa muito, se o povo não for às ruas lutar pela democracia e exigir a purgação das
regras de exceção.
Por fim, sempre como alerta, vale relembrar que ao menos uma pressuposição de
Estado Ético foi patenteada pelos regimes de exceção do macartismo, nazismo,
fascismo, franquismo e, entre nós, cabe no Brasil de 30, no getulismo do Estado Novo, e
no AI-5 pós-64: Ato Institucional nº 5 - de 13 de dezembro de 1968. O que se reforça
pela verificação empírica, fática, constitucional de que toda forma-Estado
contemporânea tem cláusulas de defesa da Razão de Estado – a começar da simples
intervenção no Estado-membro ou da denotação do Estado de Emergência – e isso,
portanto, é uma regra. Logo, inserir exceções como regra, não é exceção, é uma regra de
poder. O que nos dá a conclusão de que as exceções são a regra. Excepcionalidade seria
remover essas “regras de exceção”. Outra exceção espetacular é a construção – como
regra – da noção de que “a política é caso de polícia”. A crise social – geradora de
criminalidade – terá respostas no aprisionamento social. Por isso, o Estado Penal é um
“modelo ideal” (exemplar e hegemônico) do Estado de Exceção.
6.4 Minuta do Estado Penal
tenha se abaixado a exemplo do Imperador. Na verdade, quando quer jogar lama, não é preciso que fique
mais agachada do que está. Mas não há necessidade alguma de separar o monarca da plebe: toda
autoridade é igualmente má [...] Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza
a alma. Há o que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O segundo chama-se Papa. O
terceiro chama-se Povo” (2003, p. 72).
99
“O estado de defesa pode ser decretado nas seguintes situações: 1ª) instabilidade institucional; 2ª)
calamidades de grandes proporções na natureza. Isso desde que tenham impacto na ordem política
ou paz social. Só se admite o estado de defesa quando a instabilidade ou calamidade puderem ser
individualizadas em locais restritos e determinados” (Tavares, 2007, p. 1018 – grifos nossos).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
72
Desse modo, ora revendo o passado, ora prevendo o futuro, o Estado Penal atua
de modo diverso e complementar:

Estrategicamente, o Estado de Exceção é empregado para assegurar o controle
de regiões estratégicas e de recursos naturais e minerais. A mais nova investida
pode ser verificada na chamada Primavera Árabe100, pois o que explicaria a
presença de forças paramilitares ocidentais naquela região do Planeta? O mesmo
fenômeno de repartição estratégica foi empregado na luta afegã contra as forças
soviéticas, na origem do Talibã.

Economicamente, além da crise do sistema financeiro, que fale países, mas não
fecha bancos, na microeconomia, empresas como Facebook retêm registros
pessoais, sem conhecimento e aprovação de seus usuários. Aliás, contra suas
decisões, uma vez que já haviam apagado caminhos e mensagens, julgando
terem-nas apagado. Neste controle da vida privada, resgatando-se os modos do
Estado Judicial, empresas e governos surgem alinhados: O que teria sido feito
das mensagens controladas pelo Facebook? Seriam ofertadas a outras empresas
para mapeamento de perfis de consumo ou se tornariam registros políticos a
serem postos em andamento por uma das formas de Terrorismo de Estado? A
empresa já responde judicialmente por alguns dos atos de aprisionamento de
dados descartados por seus usuários.

Ideologicamente, para a sociedade nacional, opõe-se de modo sinuoso e sofista
à ideia da celeridade a defesa da segurança jurídica, com endurecimento na
fixação de penas, sem exposição de motivos e concatenação teórica suficiente.
Para os inimigos do Estado, o poder se resguarda prerrogativas do Estado de
não-Direito (Canotilho, 1999). Em Guantânamo, prisão criada em 2003, os
homens são considerados “detentos inimigos” e podem ser mantidos
indefinidamente, porque o governo dos EUA criou brechas legais de exceção.
Há uma “ordem protetora” para manter em sigilo as informações mais relevantes
do poder (Khan, 2008).

Socialmente, restringem-se as garantias e os direitos sociais, em benefício da
militarização e do terrorismo social (recrudescimento das penas, penas cruéis,
degradantes, privatização do sistema carcerário).
100
Depois a Líbia, o Iraque, o Afeganistão, a Síria e parte da África.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
73

Politicamente, como Estado Penal Internacional, é juiz e júri na eliminação
física de seus oponentes, rompe-se a soberania nacional e os ditames do direito
internacional público (Bin Laden). O que confirma a ideia de que o direito é o
monopólio da força em uma ordem coercitiva. O globalismo político-jurídico
aventado por Kelsen tem sua eficácia assegurada por uma polícia internacional
(jus puniendi global).

Eticamente, produz-se um direito penal para o inimigo e outro para o cidadão
de bem ou, partindo-se de um mesmo ordenamento, interpreta-se a regra ora
favorável ora desfavoravelmente, dependendo de sua classificação social.
Mesmo a ONU acaba por ser manipulada – por exemplo, com o nãocumprimento de suas designações restritivas do direito à guerra (jus in bello). Há
muitos instrumentos jurídicos internacionais de defesa dos direitos humanos que
não encontram efetividade: Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem de 1948 (arts. 17 e 28); Convenção de Genebra de 1949 (art. 3º);
Estatuto dos Apátridas (1954); Convenção sobre a Redução da Condição de
Apátrida (1961); Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (artigos
3º, 4º, 25, 27).

Juridicamente, símbolos da liberdade e da salvaguarda dos direitos civis foram
mitigados (Obama aprovou legislação que permite a invasão de privacidade sem
expedição de mandado judicial). E em nome de uma pretensa segurança jurídica,
para o mundo e para o Brasil, uma verdadeira sociedade de controle vem se
construindo, com câmeras de segurança, verdadeira proteção militar das
residências e um denuncialismo que coloca todos sob o alvo da suspeição, com
evidente inversão do ônus da prova.

Militarmente, o Estado Penal Global criou uma divisão entre as regras jurídicas
de conveniência: os mercenários da Blackwater, no Iraque e no Afeganistão,
estão ao abrigo do direito militar estadunidense, mas não os militares regulares.
A publicação de um decreto conhecido como Ordem 17, em 2004, isentou de
processos penais os mercenários deste exército internacional (Schill, 2008).

Internamente, vive-se uma crescente onda de insegurança física, jurídica, no
Mundo do Trabalho, na Cida comezinha, na atividade política, sindical, social.

Ontologicamente, o Outro, construído a duras penas, atualmente perdido entre o
nós e os “outros”, não está mais “entre-nós”. Tanto os Estados quanto os
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
74
indivíduos insurgentes têm justificativas morais e legais para o barbarismo
(Hobsbawm, 2007).

Pragmaticamente, os “outros” não são tão dignos quanto nós. Alguns menos
dignos (os que nem se socorrem do sistema), outros simplesmente indignos,
“mortos como cães”, como o Homo sacer moderno pronto a ser abatido
(Agamben, 2004). Diminuem os países que aplicam a pena de morte, mas
crescem as execuções.

Subjetivamente, entre nós está o estrangeiro e é impossível não rememorar o
insólito presente na vida e no médium-direito narrado por Camus (s/d). Não é
que a vida valha pouco ou quase nada; o valor-vida é insólito, incomum,
extraordinário, sem sentido.

Sistemicamente, não há apenas crise ou inversão de valores (como quer pensar
o senso-comum), até porque os valores se apresentam como são. Indignamente,
juízes vendem decisões ou sentenças aos dignos de pagar. O crime organizado
está enraizado no Estado (Comandantes da PM, Senadores) e assim não é mais
um Estado Paralelo. O que ainda permite concluir que o real inimigo da
sociedade não é o criminoso, mas sim o Estado criminosamente aprisionado.

Epistemologicamente, confunde-se, pela mídia, a impunidade – como mau
funcionamento do sistema – à inexistência de leis adequadas; corrói-se a lógica
comparando-se a crescente criminalidade com a existência de leis brandas. A
reincidência é vendida como necessidade de se criar o Estado Penal. A
incapacidade de ressocialização é tida como comprovação da necessidade de leis
severas; como se a impunidade fosse resolvida com a criação de “leis pesadas”,
como se diz popularmente. Isto é, as leis atuais seriam responsáveis pela
impunidade e criminalidade, por serem leis bobas, brandas, figurativas. A lei
branda não é aplicada, mas a lei severa será, porque é pesada!

Conceitualmente, o Princípio de Exceção encontra justificativa, exatamente,
para salvaguardar tanto o Princípio da Regularidade quanto o Estado
Democrático de Direito. Assim, o cidadão médio é inclinado a observar e aceitar
o Estado de Direito, as instituições republicanas e o próprio Princípio
Democrático como mecanismos legítimos de controle social e de participação
política. Em defesa desses mesmos valores, alguns eventos sociais não são
tolerados e contra eles se volta toda a força da exceção – o que o homem médio
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
75
vê como instância reguladora “normal” da vida social: não estranhando os meios
mais heterodoxos que lhe são aplicados. Por exemplo, em caso de guerra, a
CF/88 admite pena de morte. Com essa perspectiva, o cidadão médio admite ser
gerido por normas ou pela lógica da exceção, aquela que, via de regra, veria com
suspeição e desconfiança:
1. “Normalmente, seguiríamos as regras; mas, neste caso, as regras
devem se dobrar aos fatos e vamos tratar o caso de modo
particular”.
2. “Particularmente, sigo as regras, mas vejo que o caso deve ser
tratado de modo especial”.
Entre o direito e a política, a fim de se obter um Estado Penal Internacional, a
partir de Kelsen (1986), ainda se pode dizer que, se o Estado é um conceito (ente)
substancialmente político não seria em si uma substância jurídica e todas as soberanias
estariam ameaçadas. Ao passo que, reunindo-se em um sistema único todas as regras do
direito positivo, a soberania do Estado (de todos os Estados) se revelaria idêntica à
positividade do direito. Neste sistema único, equivalendo-se o Estado ao direito
internacional, por conclusão, a soberania seria a métrica do direito positivo e isto,
por sua vez, revelaria o encontro entre soberania e direito internacional101. Esta
comunidade de Estados, personificação do ordenamento jurídico mundial, como Estado
mundial, é sinônimo de civitas maxima102.
As oposições entre regras de direito interno e regras de direito internacional,
neste modelo, não seriam contradições lógicas, mas sim antinomias entre uma norma
inferior e outra de natureza superior. Fazendo-se prevalecer um princípio básico do
direito: a lei superior derroga a lei inferior.
Outra contradição está em admitir que “não há capacidade de decisão política
sem se considerar elementos meta-jurídicos” – como ideias éticas e políticas. Em todo
caso, a teoria pluralista e a concepção objetivista de Kelsen assinala que a “unidade da
soberania” (como “unidade do conhecimento”) deve ultrapassar os limites do EU
estatal, sob o espírito universal, em que as efemérides do “espírito de cada um” (ente
101
É oportuno frisar que o tema da soberania não foi deixado de lado pelo jurista alemão, mesmo quando
buscava superar a lógica do Estado nacional, soberano.
102
Na prática, reduzindo-se ao plano interno, também equivaleria a dizer que a política seria reduzida ao
direito, visto que a regência do Estado-Nação teria os acordes do direito internacional. Então, do maior
para o menor, de fora para dentro, a política conheceria a mais forte subsunção, como submissão, ao
direito posto. Um direito posto, reforce-se, pela ótica dominante nas relações internacionais.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
76
político-jurídico) deve se realizar, objetivando-se, uma vez que se supera o
subjetivismo de cada-um-só.
Disto resulta outra contradição: “o direito se torna a organização da humanidade
e aí se identifica com uma ordem moral suprema”. Fora do sistema puro do direito,
direito e moral se apresentam sem distinção. Sua civitas máxima foi pensada a partir de
todos os problemas da comunidade política do século XX, essencialmente em não se
impor como unidade jurídica aos Estados soberanos. Mas, termina projetando ao direito
internacional as mesmas características do Estado nacional: uma ética-universal e uma
consciência humana universal. É isto o que o Estado representa para cada indivíduo em
sociedade.
Afinal, para Kelsen, “o direito é força”. Acreditava que a criminalização pessoal
dos agentes da guerra evitaria outros conflitos bélicos. Contudo, assim Kelsen retornava
às noções medievais de punibilidade do justus hostis e ainda negava o Princípio da
Legalidade. Os detratores da guerra sabem que agem de forma absolutamente imoral e,
por isso, devem ser julgados, independentemente de lei anterior que defina a ação como
crime.
Kelsen anteciparia as bases jurídicas e morais que passariam a ser invocadas na
estruturação do Estado Penal: normas penais em branco (criminalização moral,
independentemente de lei anterior que o defina) e polícia internacional a serviço do
Império. É possível vermos algumas variações do clássico modelo de Estado de
Exceção, como jus puniendi global, quando se apresenta sob a roupagem jurídica do
Estado Penal, equipando-se na forma de um Estado de Exceção oculto (Wacquant,
2008, p. 59).
Em todo caso, o sistema e as consciências são inclinadas a pensar em
relatividades – como se já fosse impossível pensar em perfectibilidades e na teleologia –
e isto nos traz de volta ao imediatismo. No plano jurídico, este raciocínio equivale à
fermentação ideológica da exceção e, para tanto, tivemos de refugar a sabedoria dos
clássicos: A politirania produz a regra da exceção em massa (Aristóteles, 2001).
Como consequência dessa atração/atuação de um tipo de Estado Penal que trata
a crise social e humanitária como exceção, vimos surgir uma criminalidade sem
parâmetros históricos. Na verdade, a regra da violência institucionalizada gerou facções
criminosas dispostas a se defender do Estado. Pela lógica da exclusão societal, o
lumpemproletariado se tornou a classe dirigente dentre as classes oprimidas, a
vanguarda do processo de resistência. Não se trata de um “exército industrial de
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
77
reserva”, porque no século XXI o capitalismo exige um alto grau de aprimoramento
técnico mesmo aos trabalhadores menos qualificados. Então, o lumpen não ameaça a
classe trabalhadora, em função de querer ocupar seu posto de trabalho. O lumpen
pressiona como classe ou fração de classe que cresce sem controle do Poder Político.
6.5 O PCC e a Razão de Estado
O PCC divide a regulamentação das atribuições nos presídios com o Poder
Público do Estado de São Paulo, regula o cotidiano dos presos, diz o que pode e o que
não é admitido103. Proibiu a violência sexual entre os presos, impôs a regra de Taleão,
ultrapassou o ordenamento jurídico com a pena de morte, derrubou a burocracia e a
lentidão judicial – com os “tribunais do crime”. Tem organograma funcional, com
rígido controle hierárquico. O PCC foi criado, pelos presos, obviamente, mas para se
defenderem da truculência do Estado e das penas acessórias: humilhação (“esculacho”;
“escracho”), furtos, estupro, violência, contaminação por DSTs no interior do próprio
sistema prisional (e após o massacre do Carandiru). O que, na prática, o Estado em sua
violência institucional habitual era incapaz de garantir.
Em todo caso, isto é sabido desde que o Estado instigou a criação do PCC
(1993) - como força hegemônica -, ao patrocinar a "seleção natural" entre as facções
criminosas existentes à época. Antes, as várias facções disputavam o poder entre si, uma
limitava a outra; depois, eliminadas uma a uma, restou a mais forte, agindo como um
poder central. É incrível como o PCC se parece com a Razão de Estado – com seu capo
ou condottiere. Em suma, não é um bando anencéfalo.
103
Além
de
manter
relações
institucionais
não
esclarecidas:
http://saopaulo.estadao.com.br/noticias/geral,novo-secretario-de-alckmin-defende-cooperativa-de-van,1617265.
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
78
1.
Condottiere: desenho de Leonardo Da Vinci. Representa um líder mercenário que controlava com
poder absoluto uma milícia italiana. O condottiere também é o condutor da majestas, a soberania
ilimitada do Poder Político.
Aliás, Marcola, o grande líder da facção criminosa, faz tempo que lê Marx. Já
foi leitor assíduo de Maquiavel, no Príncipe. No qual, busca incansavelmente entender
as formas de retenção do poder. Em breve, estará estudando o intelectual italiano
Antonio Gramsci, para avançar em seu processo de dominação hegemônica. Há que se
lembrar que Gramsci foi condenado a 20 anos de prisão. Combalido, foi solto três dias
antes de morrer, devido à tuberculose óssea contraída no cárcere fascista italiano; onde
também escreveu um volumoso Cadernos do Cárcere. Como o nosso Graciliano Ramos,
que produziu uma longa história - Memórias do Cárcere – quando esteve preso, acusado
de participar da Intentona Comunista, de 1935.
Para a liderança do PCC, no entanto, trata-se de luta de classes; ao contrário do
Rio de Janeiro, em que o inimigo (Alemão) não é o Estado, e sim a sociedade. Esse é o
panorama do crime organizado civil. O cenário não é digestivo ao Estado, porque não se
reconhece que há uma guerra civil alimentada pela luta de classes engendrada (dirigida
socialmente) pelo lumpemproletariado.
O lumpen104, a mais degradada fração de classe, no bojo do sistema capitalista,
construiu no Brasil uma estrutura gigantesca, capaz de indicar legisladores e de
corromper o Judiciário. Comparativamente, seria uma máfia de miseráveis que avança
104
Na expressão de Michelet (1798-1874) – o povo “Fiel às leis, não aos reis” – era (é) assim descrito e
tratado pelo Poder Público: “Como? O povo é assim?” [...] “Rápido, aumentemos a polícia, armemo-nos,
fechemos as portas, passemos o ferrolho [...] Também nesse campo os criminalistas dominaram a
opinião...” (1988, p.115-129).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
79
inconteste para/sobre o Estado. A fração social do lumpen é um exército de indivíduos
absolutamente embrutecidos pelo próprio capital que tanto anseiam. Com o controle
social sendo exercido pelo lumpen, todos os séculos de Renascença e de Iluminismo
seriam varridos. Um tipo de talebã criminoso, que adora Rolex! Mas, há outra diferença
fundamental: o PCC forma um só partido; a máfia tem famílias.
Por isso, o PCC nao se auto-proclamou Partido aleatoriamente. Partido é parte,
uma parte que quer o todo. Todo partido quer representar ou dominar as outras partes.
No processo hegemônico, a parte se faz todo, para todos. Deixa de transparecer que tem
uma origem parcial. Assemelha-se ao todo. Alimenta todos os seus interesses parciais;
contudo, metamorfoseado, não transparece que age em benefício próprio. É outra forma
de exceção que vira regra. Age para si, parecendo que é para todos (ideologia, como
sombra da realidade). No fundo, toda utopia seria convertida em distopia. A
Constituição sofreria sérias emendas, de acordo com o Estado do PCC. Aliás, o Estatuto
do PCC (2001) pede efetividade ao Estado Democrático de Direito e aos direitos
humanos fundamentais. Isso também não é à toa105.
Como sociedade, pouco destacamos esses efeitos porque vivemos sob a tutela de
um Princípio da Exceção que excede o limiar do aceitável; no entanto, como é de uso
regular, recebe a justificação jurídica necessária. A percepção de que há algo insólito
(Camus, s/d) nas relações sociais e políticas vem desse efeito de se justificar o
inaceitável106. A exceção é tomada como resguardo dos valores da regularidade e da
democracia. Desse modo, não há exagero em se afirmar que tanto a Razão de Estado
quanto o crime organizado podem se valer do uso corrente dos meios de exceção.
6.6 A “nova”cruzada do antidireito: reflexões finais
Nesta Nova Cruzada (basta ver o crescimento dos exércitos mercenários),
somam-se, misturam-se o sentido religioso e militar. A atribuição da perversidade ao
105
No Brasil, como é mais fácil queimar vivo o mendigo do que modificar a realidade que o produz,
mudamos o seu título social: morador de área livre. Politicamente correto, economicamente alijado. A
lógica da violência social não instiga um adensamento cultural como plano do processo civilizatório
(Martinez, 2015). Pois, convivemos com uma forma de Estado de Direito Capitalista, sem que o Estado
de Direito houvesse incorporado e desenvolvido toda a potencialidade da própria Revolução Burguesa
(Martinez, 2012).
106
Certamente foi com esse intuito que Camus também revelou o sentimento vivido por todos que
experimentam a imposição claustrofóbica da prisão injusta em seu romance homônimo Estado de Sítio.
Como vemos metaforicamente, no escritor, há uma busca do consentimento que lhe é inerente: “O
HOMEM (Ao governador) - Faço questão de obter seu consentimento. Eu não queria fazer nada sem sua
permissão porque estaria contrariando meus princípios. Minha assistente vai executar tantas radiações
quantas forem necessárias a fim de obter do senhor a livre aprovação para a pequena reforma que estou
propondo. Pronta, querida amiga?” (Camus, 2002, p. 65).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
80
“outro-inimigo” implica na sua demonização, como já ocorrera com os pobres, os
trabalhadores, os “vadios”, as oposições políticas e as “classes sociais inimigas”.
(Lúcifer, o anjo caído, também recebeu o nome de inimigo). Estando em debate aberto a
ultima ratio, a última barreira do capital em defesa contra os não-proprietários, o fato
jurídico notório é o emprego de meios de exceção para a exclusão social (hoje nãoétnica) e, é claro, não pode haver excepcionalidade da lei sem que ocorra a própria fuga
da normalidade, legalidade do sistema. Com o excepcionalismo, a Razão de Estado
praticamente reconheceu a competência normativa do autor (a capacidade de questionar
o sistema de normas e de poder). Porém, por meio da tipificação do “inimigo social de
Estado” acaba por se reconhecer seu status de opositor e que se tornou inimigo. Neste
sentido, já se tipificou o “terrorista individual”, a partir de um direito penal do autor e
não como cobertura cognitiva do fato consumado (Jahobs, 2005). Pune-se não pela ação
agressiva, mas pela própria existência. Afinal, à Razão de Estado interessa muito mais
identificar e neutralizar o suposto “outro-inimigo” do que restringir a pena ao fato.
Nossa crise de civilização, além de moral e material, é também uma crise princípios e
de lógica: a tirania da maioria adquiriu a legitimidade assentada na Razão de Estado. Se
há caminho alternativo a esta formação/adequação ao sistema emasculado da liberdade,
a saída está na educação radical para não-sucumbir, para não se contentar com a
servidão voluntária (La Boétie, 1986).
Por fim, e talvez seja o mais grave, nosso atual Capitalismo/Presidencialismo de
Coalizão não fornece respostas adequadas aos distúrbios sociais/políticos gerados por
sua própria ação. Neste sentido, destacam-se duas perturbações como pontas de lança:
1) o lumpemproletariado107, como fração de classe, tem direção intelectualizada, é
movido pelo instinto de poder (o codinome partido, que se atrela ao PCC, é
107
Marx faz uma descrição detalhada do uso político do lumpen, agora apelidado de decembristas: “A
Sociedade de 10 de Dezembro pertencia-lhe, era obra sua, ideia inteiramente sua [...] tudo o mais que faz
é obra das circunstâncias ou simples cópia dos feitos de outros. Mas o Bonaparte que se apresenta em
público, perante os cidadãos, com frases oficiais sobre a ordem, a religião, a família e a propriedade,
trazendo atrás de si a sociedade secreta dos Schufterles e Spiegelberges, a sociedade da desordem, da
prostituição e do roubo - esse é o verdadeiro Bonaparte, o Bonaparte autor original, e a história da
Sociedade de 10 de Dezembro é a sua própria história. Havia ocorrido casos, porém, de um outro
representante do povo pertencente ao partido da ordem cair sob os porretes dos decembristas. Mais ainda.
Yon, o Comissário de Polícia destacado para a Assembléia Nacional e encarregado de velar por sua
segurança, baseando-se no testemunho de um certo Alais denunciou à Comissão Permanente que uma
facção decembrista resolvera assassinar o general Changarnier e Dupin, presidente da Assembléia
Nacional, tendo já designado os indivíduos que deveriam perpetrar o feito. Compreende-se o pavor do Sr.
Dupin. Parecia inevitável um inquérito parlamentar sobre a Sociedade de 10 de Dezembro, ou seja, a
profanação do mundo secreto de Bonaparte. Pouco antes de se reunir a Assembléia Nacional, porém, este
último previdentemente dissolveu a sua sociedade, mas claro que só no papel pois em um longo memorial
apresentado em fins de 1851 o Chefe de Polícia, Carlier, tentava ainda em vão convencê-lo de dissolver
realmente os decembristas” (1978, p. 72-3).
A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI
81
incondicionalmente político), estudam o marxismo, com ênfase em Gramsci
(hegemonia), e se afirma como "liderança societal"; 2) por que a polícia (tipo BOPE/RJ
e ROTA/SP) treina com táticas de guerra/guerrilha – copiadas dos Comandos108, da
Segunda Grande Guerra (Young, 1975) – se não estamos em guerra civil (sic)? A
segunda tese aparece como resposta à primeira: o Poder Político só consegue responder
com truculência aos mais graves problemas sociais; pois, sem liderança autêntica no
processo de transformação/mudança global, o Estado trata a "questão social" como ação
de terrorismo. Novamente, o “monopólio do uso legítimo da força física” age como fora
realizado durante a Ditadura Militar de 1964, equiparando-se a criminalidade com
categorias políticas. No passado, criou-se o Comando Vermelho, no presente, a facção
Primeiro Comando da Capital quer seus nacos de poder. A resposta do Estado para a
violência desencadeia-se com a criação de uma polícia de exceção (com aprendizado
nas táticas nazistas e dos aliados da 2ª Grande Guerra):
Fabio de Souza e seu grupo usavam e abusavam de uma
linguagem que dá arrepios. “Viva a raça sem defeitos.
Depuração total.”; “Padrão Alemanha de 1930”; “Coronel Fábio
pela instauração do Reich!”; “Não é a vontade da maioria. É o
certo. É a vontade do Fuhrer!”. Nas manifestações é constante o
grito acusador de “polícia fascista”109.
Neste exemplo, as mensagens foram postadas no Whatsapp, por oficial da
PM/RJ que voltará a dirigir o BOPE, e constam de um Inquérito Policial Militar. É
evidente
que
há
um
higienismo
institucionalizado.
A
regra
da
violência
institucionalizada pelo monopólio da força física se revelou possível e eficaz a partir da
institucionalização das exceções; ao que parece, um giro na racionalidade weberiana.
No Estado de Direito racional (Weber, 1985), o Estado de Exceção se tornou regra.
108
Deve-se lembrar que as ações de Comandos e/ou forças especiais (como a Força Delta, dos EUA, ou o
Mossad/Kidon israelense) são grupos especiais dos exércitos regulares, ou seja, são a exceção dentro da
própria regra militar.
109
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-estranho-caso-das-promocoes-e-demissoes-do-coronelque-fazia-propaganda-do-nazismo/.
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A TEORIA DO ESTADO ENTRE OS SÉCULOS XIX-XXI

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