Panleucopenia felina Prof. Msc. Alexandre GT Daniel
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Panleucopenia felina Prof. Msc. Alexandre GT Daniel
Panleucopenia felina Prof. Msc. Alexandre G. T. Daniel Universidade Metodista de São Paulo H.V. Santa Inês – São Paulo – SP Consultoria e atendimento especializado em medicina felina Introdução A panelucopenia é uma doença viral causada por um parvovírus (FPV), semelhante ao parvovírus canino. Todas as espécies de felídeos são susceptíveis à infecção pelo FPV. Por ser um vírus não envelopado, o agente pode permanecer infectante por meses no ambiente, mantendo-se viável por até um ano. Fatores como esse perpetuam a infecção em locais superpopulosos, com poucas condições de higiene e animais susceptíveis. Epidemiologia e patogenia A prevalência pela infecção é muito maior do que a prevalência pela doença; muitos animais adquirem o vírus (infecção), mas permanecem assintomáticos. A doença é observada principalmente em animais jovens e/ou imunocomprometidos, sendo de grande importância epidemiológica em abrigos/criatórios, onde o número de filhotes é elevado. O vírus é eliminado por todas as secreções corpóreas durante a fase ativa de infecção, principalmente pelas fezes (até 109 partículas virais por grama de fezes), fazendo com que se acumule rapidamente nos locais de permanência dos animais enfermos. Por ter grande potencial infeccioso e resistência ao ambiente, animais susceptíveis introduzidos em ambientes contaminados, mesmo com medidas higiênicas corretamente estabelecidas, podem adquirir o vírus. É recomendado que somente animais imunizados sejam introduzidos em ambientes suspeitos ou sabidamente contaminados pelo FPV. A transmissão ocorre principalmente por via oro-fecal (via direta), podendo ocorrer também através de fômites (agulhas/seringas, vestimentas, objetos de higiene, mãos – via indireta). Após entrada por via oral, o vírus tem uma primeira replicação em tecido orofaríngeo, com posterior disseminação sistêmica. A replicação do FPV requer células com rápida atividade de divisão (em fase S de divisão); isso gera grande predileção do vírus por células do trato gastrintestinal (TGI), tecido linfoide e medula óssea. No TGI, se replica principalmente em células das criptas intestinais, gerando necrose, translocação bacteriana e bacteremia. Na medula óssea, o FPV se replica em células precursoras mielóides, gerando leucopenia importante. O sistema nervoso central (SNC) pode ser acometido em casos de infecções intra-uterinas e neonatais, gerando lesões cerebrais, cerebelares, em nervo óptico e retinianas. As lesões cerebelares consistem de hipoplasia e anormalidades nas células de Purkinje. Morte fetal, reabsorção, infertilidade e abortos, bem como fetos mumificados podem ser causados pela infecção pelo FPV durante a gestação. 1 Manifestações clínicas e alterações laboratoriais A maior parte dos animais que desenvolvem manifestações clínicas não possuem vacinação adequada e são jovens, usualmente com até 1 ano de idade. Não existe predisposição sexual ou racial. Muitos gatos adultos adquirem a infecção, mas apresentam manifestações clínicas discretas, ou nem mesmo se tornam sintomáticos. As manifestações clínicas surgem após um período de incubação, que dura cerca de 2 a 9 dias. Os animais desenvolvem febre, anorexia, vômitos (em grande número, de início agudo e não relacionado com a alimentação), desidratação grave, prostração; gastroenterite pode ou não ocorrer, sendo bem menos comum quando comparado ao quadro de infecção pelo parvovírus em cães. Em casos graves, diarréia com conteúdo mucoso ou hemorrágico e icterícia podem ocorrer. A palpação abdominal pode evidenciar alças espessadas e sensibilidade abdominal. Filhotes infectados por via intrauterina, em fase final de gestação, podem nascer cegos ou com alteração cerebelar não progressiva, caracterizada por ataxia, hipermetria, tremor de intenção e “cauda em bandeira”, sem alteração de estado mental. O achado laboratorial clássico desta enfermidade é a grave leucopenia, principalmente por neutropenia e linfopenia associadas; no entanto, leucopenia não está presente em todos os casos, e sua ausência não descarta a doença. Em alguns gatos, a leucopenia pode ser de discreta a moderada. Quanto mais grave a leucopenia, pior o prognóstico. Anemia pode ocorrer por perda gastrintestinal, e trombocitopenia por coagulação intravascular disseminada. Achados bioquímicos são inespecíficos, como azotemia pré-renal, hipocaliemia, hipoglicemia e hiperbilirrubinemia. Diagnóstico O diagnóstico clínico (ou presuntivo) é baseado na presença de manifestações clínicas compatíveis em animais jovens, não vacinados e de ambientes suspeitos de infecção (ONGs, abrigos ou de origem desconhecida). Todo filhote com quadro leucopênico, febre, desidratação grave e manifestações compatíveis com choque endotoxêmico devem ter a panleucopenia como diagnóstico diferencial. A detecção de anticorpos não é útil no diagnóstico da panleucopenia, pois muitos gatos possuem anticorpos de origem materna, vacinais ou de infecções prévias; além disso, o período de incubação é curto, e os animais manifestam doença antes da formação de anticorpos. O método de ELISA destinado a detecção do parvovírus canino pode ser realizado (embora não licenciado para a espécie felina), com alta especificidade e sensibilidade; no entanto, a vacinação parenteral (seja com vacinas inativadas ou atenuadas) possui grande potencial na produção de falsos positivos. A reação de polimerase em cadeia (PCR) é o método mais sensível e específico na detecção do material genético do agente, seja em amostras fecais ou sanguíneas. Tratamento O tratamento é sintomático, baseado em terapêutica suporte. Fluidoterapia agressiva (com reposição de potássio quando necessário), anti-eméticos, protetores de mucosa e antibióticos de amplo espectro são indicados (que combatam Gram positivos, Gram negativos e anaeróbios). Isolamento, boas medidas de higiene e reposição dos déficits volêmicos e hidroeletrolíticos são de fundamental importância; colóides, plasma e transfusão de sangue total são indicados em casos graves, com presença de hipoalbuminemia e/ou anemia. Os fármacos por via oral devem ser evitados, sendo a via de eleição a intravenosa. 2 Prevenção A vacinação é considerada a principal medida de prevenção. Protocolos vacinais bem estabelecidos oferecem imunidade contra a infecção e doença ativa. Devem ser realizadas no mínimo 2 doses de vacina, iniciando-se o protocolo em animais com 6 a 9 semanas, com intervalo de 21 a 30 dias entre cada dose. Em criatórios comerciais, as fêmeas devem ser vacinadas cerca de 30 dias antes do coito. Fêmeas gestantes (ou com suspeita de gestação) não devem ser vacinadas com vacinas atenuadas/modificadas, pelo risco de replicação viral e hipoplasia cerebelar nos filhotes. O mesmo vale para filhotes com menos de 4 semanas de idade, sendo sempre indicado o uso de vacinas inativadas. Leitura sugerida GREENE, C.E.; ADDIE, D.D. Feline parvovirus infection. In: GREENE, C.E. Infectious diseases of the dog and cat, 3rd ed., Philadelphia: Saunders-Elsevier, p. 78 – 88, 2006. 3