1 Morfologia nominal: adaptação dos empréstimos - DDL

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1 Morfologia nominal: adaptação dos empréstimos - DDL
Morfologia nominal: adaptação dos empréstimos do inglês, francês e português em lè-mbáámá
Bruno Okoudowa (Doutorando; FFLCH/USP; Línguas africanas)
Orientador: Profa. Dra. Margarida Maria T. Petter
0. Introdução
Este trabalho, parte do meu projeto de doutorado – descrição gramatical do lè-mbáámá, tem por
objetivo estudar a adaptação dos nomes emprestados do francês, inglês e português no esquema das
classes nominais do lembaama.
Lé-mbáámá é uma língua banta do grupo B62 conforme a classificação do Guthrie de 1948, pertence
ao grupo Benue-Congo da grande família Níger-Congo. A língua lé-mbáámá aqui descrita é aquela que
é falada no sudeste do Gabão, na província do Haut-Ogooué. Os falantes nativos desta língua
denominam-se à-mbáámá (plural) ou ò-mbáámá (singular). Lembaama, como muitas outras línguas do
grupo banto, tem um sistema de dois tons: um tom baixo [`] e um tom alto [´].
O corpus deste trabalho baseia-se na elaboração pelo autor, como falante nativo do lè-mbáámá, de
uma lista de palavras emprestadas. A metodologia que vamos usar neste trabalho é a contrastiva: vamos
comparar as formas singular e plural dos substantivos emprestados. Esta comparação vai revelar os
prefixos de classse adquiridos pelos substantivos emprestados e as adaptações fonológicas sofridas
pelos termos emprestados. Antes desse estudo faremos um breve histórico do contato entre o Gabão e
a Europa.
1. Breve histórico do contato entre o Gabão e a Europa.
Os primeiros europeus a chegarem ao Gabão foram os portugueses, no século XV. Aliás no Gabão
ensina-se nas escolas que a palavras “Gabon”, teria vindo do português “gibão” (vestidura antiga, que
cobria os homens desde o pescoço até a cintura) pela semelhança que há entre o mapa do gabão e essa
vestimenta. Hipótese contestada com razão por Mouguiama-Daouda (2005). Para ele, os portugueses
não podiam dar nome a algo que não existia na época.
A partir do século XIX, o Gabão se torna colônia francesa e integra assim a África Equatorial Francesa
(AEF) que tinha como capital, Brazzaville, atual capital do Congo. É só no dia 17 de agosto de 1960
que o Gabão adquire a sua independência. É bom lembrar que antes de o Gabão se tornar colônia
francesa, vários povos da costa do Gabão praticavam intensas atividades comerciais com marinheiros
europeus ( portugueses, ingleses, franceses, espanhóis etc) e com outros povos africanos. Portanto o
contato entre os europeus e os africanos explica a chegada de um léxico europeu nas línguas bantas do
Gabão.
1
2. Empréstimos1 e suas origens
2.1. Quadro1 : substantivos emprestados do português
Português
Singular
cavalo
copo
prata
Plural
cavalos
copos
pratas
kabla
kb
mpara
Lembaama
Singular
Plural
akabla
akb
ampara
tradução
dinheiro
2.2. Quadro 2: substantivos emprestados do inglês
Inglês
Singular
dollar
internet
lemon
plate
rice
Lembaama
Plural
Singular
dollars
dr
Lemons
plates
omoni
opl
oresi
tradução
Plural
adr
entrineti
emoni
epl
eresi
dinheiro
internete
limão
prato
arroz
2.3. Quadro 3: substantivos emprestados do francês2
Francês
Lembaama
Singular
Singular
tradução
Plural
Plural
Angélique
Bertrand
Bruno
Gervais
Jules
l’allumette
l’automobile
‘l’auto’
l’avocat
le ballon (jeu)
le café
les allumettes
les
automobiles
les avocats
les ballons
les cafés
andeliik
i
peet
ra
brano breno
ndriv ndrv
ndiil
i
lemr
am
r
lutu
alutu
ovuka
mbulu
kafu
evuka
ambulu
akafu
fósforo
automóvel
abacate
bola de um jogo
café
1
Foram selecionados para este estudo os mais conhecidos e mais usados
Língua oficial do Gabão e base da maior parte dos empréstimos do lembaama. Não temos o número exato desses
empréstimos. Não é a nossa preocupação neste trabalho. Damos aqui apenas uma amostra que prova a existência deles.
Também escolhemos os mais usados.
2
2
le camion
le ciment
le
commandant
le coup de
poing
la craie
la croix
la dame (jeu)
le docteur
l’école
la famille
la fête
le franc
la France
le Gabon
l’heure
l’hôpital
l’impôt
l’indépendance
les camions
les ciments
les
commandants
les coups de
poing
les craies
les croix
les dames
les docteurs
les écoles
les familles
les fêtes
les francs
les heures
les hôpitaux
les impôts
les
indépendances
l’infirmier
les infirmiers
l’instituteur (le les instituteurs
maître d’école (les
maîtres
primaire)
d’école
primaire)
la jupe
les jupes
le kilo
les kilos
la lampe
les lampes
Libreville
la machine
le magasin
la maman
la mandarine
la mangue
la médaille
midi
la
moustiquaire
les machines
les magasins
les mamans
les
mandarines
les mangues
les médailles
les
moustiquaires
camião
cimento
comandante
kamio
lesima
komanda
akamio
ansima
akomanda
kutupa
akutupa
lekr
lekrwa
daam
i
dkitr
lekool
i
lefami
feet
i
fra
faal
a
leabu
lr
opitaal
i
lep
lepanda
akr
akrwa
adaam
i
adkitr
akool
i
amfami
afeet
i
afra
omfrm
mtr
emfrm
amtr
enfermeiro
professor de escola
(ensino
fundamental)
ndiip
i
kil
lampi
abulebreviil
i
libreviil
i
lesiin
i
andiip
i
akil
alampi
saia
quilo (quilograma)
lâmpada
Libreville (capital
do Gabão)
asiin
i
aasi
amama bamama
emandariin
i
máquina
loja
mamãe ~mãe
tangerina~mexirica
mama
omandariin
i
alr
epitaal
i
amp
omau
emau
odaaj
i
edaaj
i
midi miri
osikr
osikeer
i esikr
esikeer
i
murro
giz
cruzes
Dama (jogo)
doutor
escola
família
festa
franco
França , Europa
Gabão
horas
hospital
imposto
independência
manga
medalha
meio-dia
mosquiteiro
3
la musique
les musiques ondiik
i
l’opération
les opérations opr
(chirurgicale)
le Poisson salé les Poissons leposisali
salés
endiik
i
epr
música
operação cirúrgica
aposisali amposisali
bacalhau
papa
les papas
la pompe
les pompes
le prêtre ~ le les prêtres~les
pères
père
le savon
les savons
le seau
les seaux
la soupe
les soupes
le stylo (bic)
les stylos
la tôle
les tôles
papa
pompi
ompr
apapa bapapa
apompi
empr
Papai ~ pai
bomba (máquina)
padre
tabu
lesu
osupa
biik
i
letool
i
atabu
ansu
esupa
abiik
i
antool
i
sabão
balde
sopa
canetas (bic)
telha
3. A noção de classes nominais
No seu trabalho “o destino de palavras de origem portuguesa num dialeto quicongo”, W. Bal
(1979:45) explica a noção de classe nominal da seguinte maneira: << Sabe-se que as línguas bantas
têm classes de concordância; isto é: (a) que no sistema morfológico, determinados prefixos (ditos
“nominais”) se associam regularmente por pares que opõem singular e plural dos substantivos; (b)
que na oração, determinados prefixos (muitas vezes idênticos aos nominais) ocorrem em outros
elementos dependentes do substantivo.>>.
Esses elementos dependentes do substantivo são:
1- o prefixo nominal (PN) que marca o substantivo;
2- o conectivo (CON) que representa o genitivo;
3- o prefixo do adjetivo (PA) que marca o adjetivo;
4- o Índice sujeito (IS) ou o prefixo verbal (PV) que marca o sujeito do verbo.
5- o Índice objeto (IO) que marca o complemento do verbo.
Apresentamos abaixo, as classes nominais dos empréstimos do lembaama. Esses empréstimos retomam
8 das 12 classes nominais dessa língua.
4
3.1. Quadro 4 - classes nominais dos empréstimos:
Cl.3 PN
1
∅−
sg
CON PA
a
o−
2
pl
a−
a
ma− a
3
sg
o−
a
o−
4
pl
e−
e
me− e
7
sg
∅−
e
e−
8
pl
a−
a
ma− a
9
sg
le− le
le− le
12
sg
o−
e− t
IS
o
o
e
Ref.4
Exemplos
Nomes de pessoas, ∅−dr ‘dinheiro’ (ingl5. dollar.)
animais e objetos breno ‘Bruno’ (fr6. Bruno)(inv.)
b
a−dr dinheiro!
a−asi loja! f
" r. maasini
" nv.
nd Nomes de objetos o−pitaal
i ‘hospital’ (fr. hôpital)
e plantas
o−mfrme ‘enfermeiro’(fr.infirmier)
d
e−pitaal
i ‘hospitais’
e−mfrme ‘enfermeiros’
e−pl ‘pratos’ (ingl. plate)
e−moni ‘limões’ (ingl. lemon)
Nomes de objetos ∅−kb ‘copo’ (port7. copo)
j
∅−feet
i ‘festa’ (fr. fête)
m
a−kb ‘copos’
a−feet
i ‘festas’
a−kool
i ‘escolas’
a−mfami ‘famílias’
l
le−
kool
i escola’ (fr. école)
le−
fami ‘família’ (fr. Famille)
IO
nd
Nomes de objetos o−pl
e plantas
o−moni
‘prato’ (ingl. plate)
‘limão’ (ingl. lemon)
Lê-se o quadro acima em dois eixos: o eixo vertical é paradigmático. Ele serve para distinguir os
classificadores segundo o tipo de unidades com as quais eles se juntam na formação de um substantivo
e de uma frase. O eixo horizontal é sintagmático. Ele serve para distinguir os diferentes elementos de
uma expressão ou de uma frase. As colunas mostram os classificadores segundo sua relação na
composição dos substantivos e da frase, ou seja, segundo sua concordância sintática. Só a consideração
desses dois eixos permite a identificação de um morfema. Por exemplo, apesar da sua semelhança
formal, os prefixos das classes 2 e 8 se encontram em duas classes distintas, já que cada um deles
estabelece concordância (no nível sintagmático) diferente, manifestada por índices e prefixos distintos
para cada classe.
3.2. Exemplificação do quadro 4
3
Abreviações: Cl: classe
IO: índice objeto
4
Referência
5
Inglês
6
Francês
7
Português
PN: Prefixo nominal
Con: Conectivo
PA: Prefixo do adjetivo
Sg: singular
IS: índice sujeito
Pl: Plural
5
Para entendermos o quadro acima, vamos comentar apenas as duas primeiras classes nominais
escolhendo apenas um exemplo por classe. Na transcrição dos exemplos, daremos na primeira linha, o
enunciado em lembaama; na segunda linha, a segmentação morfológica; na terceira, faremos a
descrição gramatical dos elementos do enunciado. A tradução do enunciado em português será dada
entre aspas.
Classe 1 – Classe dos nomes que denominam pessoas, animais e objetos. Singular da classe 2.
dr’amvr’ onin’omiva tlnd
“O dinheirão do Mvri caiu. Pegue-o! ”
/ ∅−dr
/a
mvri /o− nini /o
/mi / va//
tl/nd
8
9
/ PN−dinheiro/Con-de mvri/PA- grande/IS-ele /Pass /cair//Imp -pegar/IO-o
Classe 2 – Plural da classe 1.
adr’amvr’& manin’omiva tlb
“O dinheirão do Mvri caiu. Pegue-o! ” (pl.)
/ a−dr
/ a
mvri / ma−nini /a
/mi
/ va//
tl /b
10
11
/ PN−dinheiro/Con-de mvri/ PA-grandes /IS-eles/Pass /cair// Imp -pegar/IO-os
Portanto, para deixar claro os emparelhamento entre as classes, preferimos agrupar as classes dos
substantivos emprestados do lembaama em gêneros12.
3.3. A noção de gênero
Entendemos por gêneros um conjunto que agrupa duas classes formando uma oposição binária do
tipo singular/plural. Por exemplo o gênero I é formado pelas classes 1 e 2. Desse modo, as classes dos
empréstimos do lembaama se agrupam em 5 gêneros ou pares.
3.4. Gêneros dos empréstimos do lembaama
GÊNERO I
GÊNERO II
GÊNERO III
GÊNERO IV
GÊNERO V
Classe 1 e 2
Classe 3 e 4
Classe 7 e 8
Classe 9 e 8
Classe 12 e 4
De fato, a organização em classes e gêneros implica duas realidades distintas, mas concomitantes:
por um lado, a existências classificadores como marcas específicas do nominal usado para realizar a
plurifuncionalidade; por outro lado, a existências das oposições do tipo binário entre os classificadores.
Esses têm também um valor semântico específico. Essas oposições são em geral de número, mas não
unicamente. Assim, cada classificador pode ser duplamente definido: seja em termos de “classe” como
marcador nominal, seja em termos de “gênero” como participante de uma oposição binária (Bonvini
1988: 121-122 apud Bonvini 1996: 82). Esses 5 gêneros binários incluem nomes que aceitam uma
oposição cruzada também, além da oposição singular / plural. Ao lado dos emparelhamentos regulares,
8
Passado (marca do passado)
Imperativo
10
Passado (marca do passado)
11
Imperativo
12
A noção de “gênero” não se refere, aqui, à oposição masculino / feminino.
9
6
há um certo número de nomes, cuja oposição de número é lacunar. Trata-se dos nomes que só admitem
uma forma (o singular ou o plural). São eles:
-nomes de pessoas (singular),
peet
ra “Bertrand” (fr.)
/∅
∅−peet
ra/
/PNcl1- Bertrand/
- nomes de objetos ou lugares (plural),
aasi “loja”
/a−asi/
/PNcl8- loja/
-nomes de paises (singular),
faal
a “França ou Europa em geral”
/∅
∅−faal
a/
/PNcl7- França/
4. Os artigos tornaram-se prefixos?
Essa pergunta nos parece fundamental para verificar se houve uma transformação dos artigos dos
empréstimos em prefixos de classe em lembaama. Em geral os artigos dos substantivos de origem
francesa, portuguesa e inglesa não foi incorporado à palavra do lembaama. É o caso do substantivo
português copo (o copo). Ao se tornar kb em lembaama, o artigo o não foi incorporado. A mesma
coisa aconteceu com sua forma plural: os copos, nenhuma marca foi incorporada no lembaama. Já que
o substantivo tornou-se akb (cl.8) adquirindo assim a marca do plural do lembaama.
Porém, há contextos em que o som do artigo permaneceu: a questão é de saber qual e porquê?.
Por exemplo na palavra francesa l’auto (automóvel) virando lútú (cl1) em lembaama, incorporou o som
do artigo l’. Isso porque foneticamente o som do artigo já está incorporado no francês [loto]. No
lembaama, a palavra adquiriu tons e manteve a harmonia vocálica do o que virou u. Ao passar para o
plural do lembaama, essa palavra mantem seu artigo singular e acrescenta a marca plural a-: àlútú(cl2). Ou seja quando temos a seguinte formula no plural: a + artigo + raiz. Isso quer dizer que o
artigo foi incorporado.
Portanto observa-se que boa parte dos substantivos franceses começados pelos artigos l’, le et la foi
emprestada no singular e depois o plural foi o resultado de uma adaptação ao sistema nominal da
i(cl9) e tem como plural
língua. É o caso do substantivo l’école (escola) que se tornou lekool
akool
i (classe 8).
5. Características gerais dos empréstimos
7
Observamos que todos os substantivos emprestados são nomes de pessoas, animais, objetos e
plantas. Os empréstimos ocupam 8 classes das 12 que conta o lembaama. A maioria dos empréstimos
se encontra na classe 1 e 8, classes que denominam pessoas, animais e objetos. Isso porque o
intercâmbio se deu e continua se dando nesses planos. Dessas três línguas consideradas, o francês é a
língua com o maior número de empréstimos no lembaama. A razão é simplesmente a colonização do
Gabão pela França desde a segunda metade do século XIX até a segunda metade do século XX . Esse
fato teve implicações em todos os campos: econômicos , políticos, culturais e lingüísticos. O fato é que
o francês sendo a língua oficial do Gabão, é a única língua que se ensina obrigatoriamente nas escolas
em todo o território nacional desde a infância. Esse francês está em contato permanente com as línguas
do Gabão. Portanto o dinamismo entre as línguas que consiste em dar e tomar palavras emprestadas se
comprova entre o lembaama e as línguas européias acima mencionadas.
6. Como explicar a ‘escolha’ das classes pelos substantivos?
A ‘escolha’ dessas classes pelos empréstimos pode ser explicado pelos seus campos semânticos na sua
maioria: podemos observar no quadro acima que os empréstimos se deram em certos campos (nomes
de pessoas, objetos, plantas) e não em outros (substantivos abstratos, partes do corpo). Tudo isso por
razões culturais. Há uma lógica simples: só se empresta aquilo que não se tem. Fatos históricos como a
colonização, as migrações também contribuíram para a chegada desses empréstimos como
mencionamos acima (partes 1 e 2.5): Por exemplo, o cristianismo trouxe boa parte do vocabulário
religioso e nomes cristãos; os intercâmbios comerciais trouxeram e continuam trazendo muitos nomes
de objetos, serviços, animais, plantas etc, já que os intercâmbios não param. Aliás a tendência é
aumentar. Estamos num mundo cada vez mais aberto.
Só que vale lembrar que a classificação semântica dos nomes nas línguas bantas não pode ser
categórica porque muitos nomes de objetos e plantas se encontram em várias classes. Porém, há
unanimidade na classificação de nomes de pessoas. Sempre estão nas classes 1 e 2.
7. ADAPTAÇÃO FONOLÓGICA
7.1. O tom13
Ao se adaptarem ao lembaama, substantivos estrangeiros sem tom adquirem tons. Vale mencionar
que a escolha do tom é só previsível nos prefixos nominais que têm geralmente um tom baixo quando
transcritos isoladamente. Ou seja fora de uma oração.
Exemplos: 1) Copo do português tornou-se kb em lembaama e adquiriu dois tons altos.
2) Maman do francês tornou-se mama em lembaama e adquiriu dois tons altos também.
O timbre das vogais nas palavras acima não se manteve ao do português. Sendo uma língua tonal, ao se
adaptarem no lembaama as palavras portuguesas adquiriram tons também. No primeiro exemplo, houve
uma abertura do o que se manteve pela harmonia vocálica. Nos dois exemplos, as duas sílabas
receberam um tom alto. Talvez por que as vogais núcleos das sílabas são as mesmas.
7.2. A nasalização
Observamos que quando os nomes da classe 9 passam para o plural (classe 8), a primeira consoante
adquire uma nasal se tornando assim uma consoante pré-nasalizada. Lembramos que esses dois
13
O tom é uma unidade prosódica manifestando-se sob a forma de uma altura melódica determinada oposta a outras e
afetando a sílaba. As línguas bantas são todas tonais exceto o suaíli e o comorense (Creissels, 1994: 177).
8
segmentos são homorgânicos. Essa consoante pré-nasalizada, por sua vez, nasaliza a o prefixo de
classe. É o que chamamos de nasalização regressiva (Okoudowa, 2005: 19).
Exemplos:
1) le−kool
i “escola” (cl.9) nasaliza-se no plural a−kool
i “escola” (cl.8)
2) le−
fami “família” (cl.9) nasaliza-se no plural a−mfami “família” (cl.8)
Para explicar a nasalização acima, aqui estão algumas hipóteses:
a) Houve uma dupla marcação do plural; já que em lembaama, boa parte dos substantivos
começados por lè- (cl9) têm plural em nasal silábica (N-). Por exemplo:
le−kr r
) *+/ −kr r) ãs”. Dessa maneira, pode ser que nos exemplos acima, o
plural tenha sido marcado duas vezes levando marcas das classes 8 e 10. Resultando no
seguinte esquema: PN (cl8) + N- (cl10) + Raiz .
b) Pode ser que na classe 8 o artigo francês (l’) no singular foi sistematicamente substituído
pela nasal no plural. Assim temos a regra: Artigo + raiz PN + N + raiz .
c) Pode ser que a introdução da nasal seja uma reestruturação silábica que busca a
preservação do esquema dissilábico CV CV. Assim teríamos : a-Nkóólì (PN- CV CV).
Quanto à vogal longa acima, ela marca a vogal tônica e recebe um tom alto.
7. 3. Desnasalização
Lemon (Ingl) > omoni
> mama “mamãe”.
“limão”;
Ballon (fr) > mbulu
“bola”; maman (fr)
7. 4. O vocalismo
Reparamos que as vogais tônicas recebem um tom alto. As postônicas são geralmente substituídas por
tônica em lembaama; talvez por serem átonas.
Copo (port) > kb “copo”;
plate (Ingl) > opl “prato”;
dame (fr) > daam
i
“dama”
7. 4. 1. Vogal epentética
i : Gervais (fr) > ndriv (nome de pessoa); Docteur (fr) > dkitr “doutor”
7. 4. 2. Vogais paragógicas
i : hôpital (fr) , opitaal
i “hospital”
: Docteur (fr) > dkitr
“doutor”
7. 4. 3. A harmonia vocálica
Observamos que quando os lexemas estrangeiros se adaptam ao lembaama tendem também a
harmonizar as vogais meio-abertas e meio-fechadas depois de prefixos como{∅
∅-} e {a-}, { o- } e {e-}:
∅−dr → a−dr "harmonia vocálica da vogal ).
o−pl →
e−pl "harmonia vocálica da vogal ).
9
7. 4. 4. Alongamento vocálico
Observamos os seguintes alongamentos vocálicos nos empréstimos:
- Alongamento da vogal meio-aberta . O substantivo francês [ekl]ao se adaptar no lembaama
[lekool
i] fechou-se e alongou-se.
- Alongamento da vogal a. France [fras](fr) “França” tornou-se faal
a.
Podemos afirmar que as vogais que se alongam são sempre as tônicas. Elas adquirem um tom alto por
que preservam sua força (tonicidade) em lambaama também.
7. 5. Consonantismo
7. 5. 1. Consoantes prénasalizadas
, - Le Gabon (fr) > leabu “Gabão” ; Libreville (fr) > abu “Libreville (capital do
Gabão). Pode ser que isso acontece porque g e ng são complementares nesse caso. Sendo assim, g
acontece num contexto oral e ng num contexto nasal. Aqui a nasal é homorgânica. Vale lembrar que
essa nasal é muito comum nas línguas africanas em geral e bantas em particular. Ela é diferente da
nasal silábica (N-) que é sempre prefixo das classes 9 ou 10 dependendo da língua banta e recebe um
tom. No lembaama, ela está na classe 10 e tem um tom baixo. Por exemplo:
le−
taam
i c
" l/,
n−taam
i (cl10) “pés”.
7. 5. 2. Neutralização
Observamos que a distinção r/d se neutraliza na seguinte condição: em presença da vogal i, r se
transforma em d. Temos midi (fr)> mírí “meio-dia”. Essa neutralização já acontece em dois dialetos
do lembaama: lempiini e lemb
r
. Temos: taar
a (lempiin
i) ~ taad
a " lemb
r
)
“pai”.
7. 5. 3. Sonorização
p>b : Copo (port) > kb “copo”
7. 5. 4. Ensurdecimento
b>p : Bertrand (fr) > peet
ra (nome de pessoa)
7. 5. 5. Casos particulares
>t : savon (fr)> tabu “sabão”. Nesse caso pode ser que a confusão resulte do fato dos dois
sons serem alveolares surdos embora um seja uma consoante fricativa e a outra, africada.
> : savon (fr)> tabu “sabão”. Aqui não achamos nenhuma hipótese para explicar o fato.
8. Conclusão
10
A comparação das formas singular e plural dos substantivos emprestados revelou que ao se
adaptarem ao esquema das classes nominais do lè-mbáámá, os nomes emprestados adquirem prefixos
nominais para preservar a estrutura do substantivo nesta língua: PN + raiz.
Por exemplo uma palavra francesa como “hôpital” (singular) virou “ò-pìtáálì” (classe 3 do lembaama);
o plural “hôpitaux” virou “è-pìtáálì” (classe 4 ). Por outro lado, observamos alguns fenômenos
fonológicos do lembaama nos empréstimos como o tom, a harmonia vocálica, a variação entre alguns
sons e o alongamento vocálico, etc. Isso tudo prova uma adaptação total desses substantivos no
lembaama.
9. BIBLIOGRAFIA
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