PSICOPATOLOGIA

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PSICOPATOLOGIA
PSICOPATOLOGIA
Esquizofrenia: interacções entre
factores ambientais e factores
genéticos
A partir dos dados da literatura
que indicam a existência de
diferenças estruturais cerebrais
entre doentes esquizofrénicos e
indivíduos normais, Cannon et al.
(2002) analisaram o efeito da
hipóxia fetal na estrutura cerebral
em 64 doentes esquizofrénicos ou
com perturbação esquizoafectiva,
em 51 gémeos homozigóticos
daqueles doentes mas que não
apresentavam a doença e em 54
idivíduos normais. Previamente, os
autores identificaram estes
participantes a partir de registos
de nascimento de uma amostra
filandesa, fizeram-lhes RMN e
verificaram que os doentes e os
seus irmãos gémeos apresentavam
volumes inferiores de substância
cinzenta e volumes superiores de
liquor comparativamente com os
controles normais. Na investigação
actual, os registos de nascimento
foram examinados com vista ao
despiste de história de hipóxia,
índices de crescimento pequenos
em relação ao tempo de gestação
e infecções pré-natais.
Nos doentes esquizofrénicos e
nos seus irmãos gémeos não
afectados, a presença de hipóxia
ao nascimento predizia volumes
baixos de substância cinzenta,
especialmente no lobo temporal.
Os doentes esquizofrénicos com
baixo peso ao nascimento e com
hipóxia apresentavam volumes
marcadamente inferiores de
substância cinzenta comparativamente com os doentes esquizofrénicos que apresentavam peso
normal ao nascimento. No grupo
esquizofrénico, volumes aumentados de liquor correlacionavamse com a ocorrência de hipóxia.
Apesar das limitações salientadas
pelos autores (p. ex., a impossibilidade de distinguir a hipóxia pré
e pós natal ou a presença de outras
complicações obstétricas não
controladas terem influenciado
estes dados) esta investigação
constitui uma importante contribuição para a compreensão das
interacções gene-ambiente para o
começo da esquizofrenia.
Um outro trabalho importante
neste domínio das interacções
entre alguns factores ambientais e
os factores genéticos, nomeadamente no que respeita aos seus
efeitos no desenvolvimento
cerebral de doentes esquizofrénicos, Bennett et al. (2002)
examinaram as interacções entre
genes, estilos educativos e
funcionamento serotonínico em
macacos rhesus que, como os
humanos, demonstram extensa
variabilidade no gene de transporte
da serotonina.
Foram analisados 4 grupos de
macacos: 1 grupo criado com os
pares e eram homozigóticos para
o alelo longo do gene transportador da serotonia; outro grupo
também desenvolvido com os
pares e heterozigóticos (1 alelo
longo e um alelo curto); outro,
criado com os pais e homozigótico
e finalmente um último criado com
os pais e heterozigótico.
Para verificar em que medida o
alelo curto nos macacos rhesus
apresentava efeitos semelhantes
na expressão serotoninérgica ao
dos humanos, os autores analisaram o efeito da variação alélica
dos humanos e dos macacos na
actividade serotoninérgica em
células placentárias humanas de
carcinomas coriónicos.
Examinaram também os níveis de
serotonina no liquor dos macacos.
As variantes longas e curtas nos
macacos e nos humanos apresentavam diferenças semelhantes na
expressão genética, mesmo
considerando que as duas espécies
têm números diferentes de pares
de bases nesses alelos. Os níveis
de serotonina no liquor não
diferiam em relação ao genótipo
nos macacos criados com os pais.
Já os macacos criados com os
pares o genótipo heterozigótico
estava associado com níveis
significativamente mais baixos de
serotonina no liquor comparativamente com o genótipo
homozigótico.
Os resultados destas duas
investigações são prometedores
não apenas quanto à compreensão
da interacção entre o efeito de
ambientes deletérios, tais como o
facto de ser criado com pares ou
a hipóxia pré-natal) e o genótipo,
como também nos anunciam vias
frutuosas para futuras investigações
no âmbito da prevenção e do
tratamento da esquizofrenia.
VOLUME IV Nº2 MARÇO/ABRIL 2002
59
Escolhas do Director
Cannon et al.(2002). Arch Gen Psychiatry V59
Bennett et al. (2002). Mol Psychiatry V7
major. No entanto, são precisos mais
estudos para se testar esta hipótese.
Bruce et al. (2001). Depress Anxiety V14
Perturbação Generalizada de
Ansiedade: diagnóstico raro?
60
Não é ainda consensual a existência da
entidade perturbação generalizada de
ansiedade (PGA) em forma “pura” (isto é,
doentes que obedecem aos critérios para
o diagnóstico de PGA não apresentarem
comorbilidade com outros diagnósticos
psiquiátricos).
Precisamente para analisar a prevalência
de comorbilidade em doentes com PGA,
Bruce et al. (2001) usaram os dados de
um banco de dados de um estudo
naturalístico prospectivo de 8 anos em
711 adultos com perturbações de
ansiedade.
De acordo com os dados de entrevistas
diagnósticas estruturadas, 179 dos
participantes apresentavam critérios de
PGA no início do estudo; pelo menos uma
entrevista de follow-up (aplicada duas vezes
por ano nos primeiros 2 anos e depois
anualmente) foi conduzida com 167
doentes com PGA (no fim dos 8 anos
foram entrevistados 100 doentes).
No início do estudo a comorbilidade
perturbações de ansiedade, do humor e
do abuso de substâncias era relativamente
comum (34% dos doentes com PGA
tinham pelo menos 2 diagnósticos) e
aumentava com cada um dos follow-ups.
No início do estudo, 39% dos participantes
com PGA apresentavam diagnósticos de
depressão major, e
entre os 4 e os 8 anos, 65% e 74%,
respectivamente, tinham experiencidado
depressão major em algum momento das
suas vidas. Outras comorbilidades
frequentes eram a fobia social e a
perturbação de pânico com agorafobia.
Estes resultados não só apoiam a ideia de
muitos investigadores segundo a qual é
muito dificil identificar doentes com
diagnósticos “puros” de PGA, como
também a alta incidência de comorbilidade
depressiva nos doentes com PGA pode
constituir um factor de risco considerável
para o desenvolvimento de depressão
VOLUME IV Nº2 MARÇO/ABRIL 2002
TERAPÊUTICA
Risperidona e Síndroma de La Tourette
O síndrome de La Tourette é uma doença
neuropsiquiátrica crónica, com início na
infância e caracterizada por acentuados
tiques motores e vocais. O tratamento
mais utilizado tem sido com haloperidol
e pimozide, mas o grande número de
efeitos secundários graves, tem
impulsionado a investigação sobre a eficácia
de antipsicóticos atípicos nesta
perturbação. Os resultados destas
investigações não têm sido muito
consensuais, ora apontado para a ineficácia
(p. ex., da clozapina comparativamente
com o haloperidol) ora apontando para a
eficácia (p. ex., da risperidona, muito embora
em estudos não controlados).
Dion et al. (2002), desenvolveram um
estudo de 8 semanas, duplamente cego
em 48 adolescentes e adultos com
síndrome da La Tourette grave, que
receberam doses progressivas de
risperidona (dose média ao 7º dia – 1
mg/dia; dose média ao 56º dia – 2,5 mg/dia)
ou placebo.
Em 61% dos doentes com risperidona e
em 26% dos doentes com placebo houve
melhoria dos sintomas, diferença que se
mostrou ser estatisticamente significativa.
Os efeitos secundários (nomeadamente,
fadiga, sonolência, hipocinésia e depressão)
foram de gravidade moderada, mas 39%
dos doentes que tomaram risperidona
necessitaram de medicação antiparkinsónia,
comparativamente com 9% dos doentes
que tomaram placebo.
Muito embora ainda não seja clara a
diferença da eficácia e tolerância da
risperidona em relação aos neurolépticos
clássicos, estes dados documentam de uma
forma robusta a eficácia da risperidona no
síndrome de La Tourette.
Dion et al. (2002). J Clin Psychopharmacol V22
Placebos e depressão
Os placebos são, muitas vezes, eficazes em
doentes deprimidos, calculando-se que
uma percentagem que varia entre 50 a
75% dos efeitos terapêuticos da medicação
antidepressiva se deve ao efeito placebo.
No sentido de analisar o mecanismo de
actuação biológica dos placebos, Leuchter
et al. (2002) usaram a electroencefalografia
quantitativa (cujos resultados têm provado
se correlacionarem com a resposta
antidepressiva) para estudar o cérebro de
51 doentes deprimidos que participaram
em dois estudos controlados duplamente
cegos envolvendo 8 semanas de tratamento
com fluoxetina ou velanfaxina.
Os doentes incluíam respondentes e não
respondentes à medicação e ao placebo.
Ao fim de 2 semanas o grupo de
respondentes à medicação (52% dos que
receberam medicação) apresentavam
ligeiras diminuições na perfusão das regiões
pré-frontais, enquanto que o grupo dos
respondentes ao placebo (38% dos que
receberam placebo) apresentavam
a u m e n t o s s i g n i f i c a t i vo s , q u a n d o
comparados com os valores basais e com
os valores dos respondentes à medicação.
Estes dois grupos de doentes não
apresentavam diferenças nas características
clínicas. Os não respondentes (quer à
medicação, quer ao placebo) não
apresentavam alterações significativas na
perfusão.
Estes dados sugerem que os mecanismos
cerebrais nos doentes deprimidos que
subjazem a melhoria clínica com placebo
são diferentes dos que subjazem à melhoria
c l í n i c a c o m a n t i d e p re s s i vo s . O
relativamente baixo custo desta
metodologia de estimação da perfusão
cerebral coloca-a no topo das metodologias
para se continuar a investigar os
mecanismos de mediação cerebral dos
efeitos antidepressivos de diferentes
agentes.
Leuchter et al. (2002). Am J Psychiatry V159

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