Subcapítulo 7.5: Violações do Direito da Guerra
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Subcapítulo 7.5: Violações do Direito da Guerra
Subcapítulo 7.5: Violações do Direito da Guerra 7.5.1 Introdução 1. O mandato da Comissão exigia que esta reportasse as violações dos direitos humanos, incluindo as violações do direito humanitário internacional. Este direito é, por vezes, designado direito da 1 guerra ou direito dos conflitos armados. 2. Muitas das violações do direito humanitário internacional que ocorreram durante a vigência do mandato (1974-1999) foram, também, violações das normas internacionais de direitos humanos e, por esse motivo, foram analisadas noutros subcapítulos deste Relatório. O objectivo principal deste subcapítulo é abordar as violações do direito da guerra que não foram abordadas noutros subcapítulos. Inclui-se, aqui, a incapacidade dos combatentes protegerem civis, prisioneiros de guerra, feridos e outras categorias de pessoas que têm de ser protegidas; a incapacidade de distinguir entre alvos militares e civis durante as operações militares; o recrutamento forçado; a destruição intencional da propriedade civil; o recurso à utilização de armas ilegais, tais como armas químicas, e outras violações das regras referentes à condução de operações militares. 3. Este subcapítulo baseia-se maioritariamente em informação fornecida por fontes primárias à Comissão, durante o processo de recolha de testemunhos, assim como durante os Seminários de Perfil Comunitário em sucos e, ainda, através de entrevistas exaustivas. Dado que as violações do direito da guerra, como a morte ou a tortura de civis, são, também, violações de outras normas internacionais referentes aos direitos humanos, existe alguma sobreposição entre o presente subcapítulo e outras componentes do Relatório. 4. As provas e indícios analisados pela Comissão, neste e noutros subcapítulos, resultam na formulação de um quadro de violações sistemáticas e avultadas do direito da guerra pelas forças de segurança indonésias durante a invasão de Timor-Leste e nos anos da ocupação que se lhe seguiram; estas violações incluíram um programa de intimidação, violência e destruição relacionadas com a Consulta Popular, em 1999. 5. Não se pode colocar em pé de igualdade a responsabilidade pelas violações cometidas pelos militares indonésios (ABRI/TNI) e pela Fretilin/Falintil, embora as acções de ambas as forças armadas se tivessem traduzido num vasto leque de violações que causou um imenso sofrimento à população civil de Timor-Leste. As ABRI/TNI e as forças que as apoiavam foram, claramente, os principais responsáveis neste domínio. A Fretilin/Falintil causou sofrimento e mortes de civis. Apesar de terem sido em muitos casos extremamente graves, as violações cometidas pela Fretilin/Falintil constituíram uma percentagem muito reduzida da totalidade das violações. 6. As obrigações humanitárias de carácter geral que se aplicam a situações de conflito armado interno foram violadas tanto por membros da Fretilin como da UDT, durante o período de conflito político, em 1975. Estas violações, como por exemplo a morte, a detenção e a tortura de civis e de prisioneiros, foram globalmente abordadas nos subcapítulos relativos a estes temas, assim como no Capítulo 8: Responsabilidade e Responsabilização. Os acontecimentos da guerra civil não foram, por isso, referidos em pormenor neste subcapítulo, embora adiante se proceda a uma análise global desses acontecimentos (ver em particular: Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança). 7. A 11 de Agosto de 1975, a UDT lançou um “movimento armado”, a que muitos chamaram o Movimento do 11 de Agosto. Os antecedentes e os pormenores desta acção armada são analisados detalhadamente no Capítulo 3: História do Conflito. Mário Lemos Pires, governador português de Timor nessa altura, disse à Comissão que a UDT se apoderou do poder utilizando 2 armas retiradas à polícia portuguesa . Os líderes da Fretilin retiraram-se para o seu quartel- general nas colinas de Aileu, a Sul de Díli. A UDT capturou membros da Fretilin em vários distritos do país e manteve-os presos (ver Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). As tentativas da administração portuguesa de conseguir uma solução negociada foram goradas e, a 20 de Agosto, a Fretilin lançou uma contra-ofensiva ou insurreição armada a que, entre a comunidade, muitos chamaram “contragolpe” da Fretilin. Durante várias semanas, a violência alastrou por muitos distritos do território e, em finais de Setembro, a Fretilin controlava virtualmente todo o território. Os membros da UDT, da Apodeti e dos pequenos partidos Trabalhista e KOTA assim como as respectivas famílias fugiram para Oeste, em direcção à fronteira. A Fretilin fez centenas de prisioneiros entre os membros da UDT e, em Outubro, igualmente entre os membros da APODETI. O Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos, analisa, em pormenor, estes acontecimentos. 8. Os habitantes de Timor-Leste, que tinham fugido para a zona da fronteira, vieram encontrar-se sob o controlo dos militares indonésios e dos agentes dos serviços de informação e muitos juntaram-se às tropas dos Partidários, que tinham sido treinadas pelos militares indonésios desde finais de 1974. Os ataques transfronteiriços começaram em finais de Agosto, e o exército indonésio passou a usar estas tropas de Partidários, em conjunto com as tropas regulares indonésias. 9. A 15 de Outubro, os militares indonésios lançaram ataques em grande escala, com apoio de meios marítimos e aéreos e ocuparam, por exemplo, as cidades de Batugadé e Balibó (Bobonaro) em Timor-Leste. No ataque a Balibó foram mortos cinco jornalistas internacionais (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). 10. Dado que as tropas indonésias ocupavam vilas timorenses bem dentro do território como, por exemplo, Atabae (Bobonaro), as autoridades portuguesas permaneciam na Ilha de Ataúro sem dar resposta às súplicas da Fretilin para que regressassem e as conversações internacionais entre Portugal e a Indonésias ignoravam a realidade das tropas indonésias que ocupavam centros urbanos timorenses, a Fretilin viu-se cada vez mais na necessidade desesperada de pedir a intervenção e o apoio internacionais para proteger o território da agressão estrangeira. A 28 de Novembro de 1975 a Fretilin declarou unilateralmente a independência. 11. Apoiados pelo Parlamento indonésio, os militares indonésios lançaram, a 7 de Dezembro de 1975, uma invasão em grande escala de Timor-Leste. Os dirigentes da Fretilin retiraram para o interior. Um grande número de civis fugiu do atacante militar indonésio ou foi obrigado pela Fretilin a acompanhá-la na fuga para o interior (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). Estes civis vieram, mais tarde, a sofrer terrivelmente no interior, durante a guerra que se seguiu a estes acontecimentos. 12. Durante a invasão, as Forças Armadas indonésias cometeram violações do direito da guerra, ao executarem civis em Díli, a 7 e 8 de Dezembro de 1975 (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). 13. No decorrer das operações militares em larga escala que se seguiram em todo o território, os militares indonésios não fizeram qualquer distinção entre civis e combatentes, usando toda a sua força militar, para matar um grande número de homens, mulheres e crianças desarmados. Para além de ter sido apanhada indiscriminadamente no fogo cruzado, a população civil foi também um alvo específico nas operações destinadas a conseguir a rendição das áreas controladas pela Fretilin/Falintil (ver Subcapítulo 7.3; Deslocação Forçada e Fome). Foram muito poucos os casos em que a população civil foi avisada antes do início das operações militares. 14. Durante os primeiros anos de ataques e de resistência foi prática corrente dos membros das ABRI/TNI executarem, torturarem e violarem civis e prisioneiros capturados ou que se renderam. Os militares indonésios recorreram a todos os meios ao seu dispor, para derrubar a resistência à invasão e à ocupação. Nos anos de 1976, 1977 e 1978 estas violações foram perpetradas em grande escala e de forma sistemática. Compreenderam a destruição e o saque sistemático da propriedade civil, incluindo prédios, habitações e bens pessoais, destruição das fontes de alimentos e uso de armas proibidas pelo direito internacional que rege os conflitos armados. Entre os meios utilizados, contavam-se armas químicas que envenenaram as reservas de água e destruíram as colheitas e demais flora, assim como bombas de napalm e outras armas incendiárias, cujo efeito foi queimar indiscriminadamente tudo e todos, incluindo civis, homens, mulheres e crianças. 15. Dirigida pela Fretilin/Falintil nos primeiros anos após a invasão, a Resistência desenvolveu uma posição ideológica que visava a revolução social baseada na transformação da população civil que vivia no interior com a chefia política e armada (ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). À medida que se foram intensificando as ofensivas militares indonésias que avançavam cada vez mais em áreas sob controlo da Fretilin/Falintil, desenvolviam-se as divergências no seio da direcção da Fretilin. Isto levou, em 1977, a uma violenta purga dentro do partido. A Fretilin/Falintil foi responsável por violações como a detenção e tortura de civis e de outros presos, por exemplo, membros das Falintil, e execuções sumárias de prisioneiros (ver Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-tratos). Estas violações foram cometidas de forma organizada e sistemática. 16. Depois de, em finais de 1978, as ofensivas militares indonésias terem destruído as bases de apoio da Fretilin/Falintil nas montanhas, causando um imenso sofrimento aos milhares de civis que viviam nessas áreas, os líderes políticos e militares da Resistência que sobreviveram levaram a cabo uma importante alteração na sua estratégia. Esta nova estratégia veio modificar profundamente a relação entre a resistência armada e a população civil que, inicialmente, fora detida em campos de trânsito e centros de detenção e que, mais tarde pôde instalar-se de novo nos centros urbanos e sucos. Na década de 1980, foi criada uma ampla estrutura e rede clandestinas com o objectivo de prestarem apoio à resistência armada de guerrilha (ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). Durante este período, a Fretilin/Falintil violou o direito da guerra ao atacar membros da população civil, incendiar habitações e roubar alimentos aos civis 3 que consideravam estar a colaborar com as Forças Armadas indonésias. 17. Os membros das ABRI/TNI procederam sistematicamente ao recrutamento forçado de civis destinados a participarem nas operações militares contra a Resistência armada. A maior destas operações consistiu no recrutamento forçado de mais de 60.000 civis, durante os meses da Operação Kikis, em 1981 (ver, adiante, a secção sobre o recrutamento forçado pelas ABRI/TNI para a realização de actividades militares). Era ainda prática militar corrente obrigar os civis a carregar as armas e as munições, a cozinhar, limpar e cuidar das necessidades pessoais da hierarquia militar. Os recrutas forçados, muitos deles ainda crianças, eram maltratados e sujeitos frequentemente a tratamentos cruéis, degradantes e desumanos. 18. Nos anos da ocupação e da resistência subsequente, as ABRI/TNI aplicaram regularmente punições colectivas à população civil, incluindo homicídios, violação e tortura de familiares de indivíduos suspeitos de apoiarem a Fretilin/Falintil, assim como de civis que pertenciam às comunidades de onde esses suspeitos eram oriundos. Esta prática regular contra os civis intensificava-se particularmente após operações militares das Falintil contra alvos das ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). 19. As violações do direito da guerra cometidas pelos membros da Fretilin/Falintil incluíram a execução de prisioneiros e a morte de civis, particularmente daqueles que eram suspeitos de colaborarem com os militares indonésios. Os membros da Fretilin/Falintil torturaram e mataram membros das suas próprias forças que discordavam das políticas do Comité Central da Fretilin. Também incendiaram habitações de alegados colaboradores e saquearam os seus bens (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome, Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). 20. As mulheres e as jovens timorenses presas ou forçadas a trabalhar para membros das ABRI/TNI, eram sistematicamente violadas e obrigadas a viver em condições de escravidão sexual, sendo inclusivamente “passadas” de um oficial para outro, uma vez terminada a comissão de serviço do primeiro (ver Subcapítulo 7.7: Violência Sexual). 21. Em finais da década de 1980 e princípios da década de 1990, à medida que a juventude urbana se envolvia de forma crescente na Resistência e que as manifestações públicas se tornavam uma nova característica da acção da Resistência, as ABRI/TNI intensificaram a perpetração de violações contra civis. O Massacre de Santa Cruz foi o mais célebre exemplo, quando os militares indonésios dispararam contra civis desarmados que se manifestavam pacificamente, causando um avultado número de mortos e de feridos graves (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). 22. Durante toda a década de 1990, as ABRI/TNI foram responsáveis pela prática contínua de detenção e tortura de civis, normalmente daqueles que eram suspeitos de algum envolvimento com a rede clandestina da Resistência. Estas práticas visavam especialmente os jovens que, durante este período, se envolveram cada vez mais na Resistência. Entre estas práticas contavase a morte e o desaparecimento dos detidos (ver Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos, Capítulo 10: Acolhimento e Apoio à Vítima). 23. No final de 1998 e início de 1999, as ABRI/TNI formaram grupos de milícias armadas em todo o território. As ABRI/TNI puseram em prática um programa de recrutamento forçado sistemático de milhares de rapazes timorenses para integrarem estes grupos, para além daqueles que aderiram voluntariamente (ver Capítulo 3: História do Conflito, Capítulo 9: Reconciliação Comunitária). As forças de segurança indonésias e as milícias que actuavam como que em seu nome, foram responsáveis, depois da Consulta Popular, por uma vasta gama de violações do direito da guerra, incluindo homicídios, violação, tortura e a destruição em massa e intencional de bens de civis em todo o território (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome, Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos, Subcapítulo 7.7: Violência Sexual). 7.5.2 Normas relevantes 24. As normas adoptadas pela Comissão em relação ao direito internacional que rege os conflitos armados são citadas em pormenor no Anexo do Capítulo 2: Mandato da Comissão. A maioria dos princípios jurídicos relevantes ao conflito em Timor-Leste decorre das Convenções de Genebra, ratificadas pela Indonésia e por Portugal, e do direito internacional consuetudinário. As normas 4 fundamentais estão reflectidas em quatro princípios básicos: 1. A força só deve ser usada quando necessária para atingir um objectivo militar legítimo (princípio da necessidade militar) i 2. Todas as acções devem ser levadas a cabo em conformidade com princípios de humanidade 3. Os ataques devem ser lançados exclusivamente contra alvos militares e de forma a minimizar os danos causados a civis e a bens de carácter civil. Os ataques nunca devem visar intencionalmente civis nem bens de carácter civil (princípio da distinção) 4. Quando um ataque é susceptível de causar baixas civis colaterais, esse ataque só é permitido se os danos causados a civis e a bens de carácter civil não excederem a vantagem militar esperada (princípio da proporcionalidade). 25. Estas normas aplicavam-se às forças militares indonésias. Aplicavam-se igualmente às Falintil que podiam ser reconhecidas, à luz do direito humanitário internacional, como um movimento de resistência uma vez que satisfaziam de forma geral os requisitos necessários a tal reconhecimento: tinham uma estrutura de comando operacional; os seus membros distinguiamse normalmente dos civis e transportavam visivelmente as suas armas; e realizavam operações 5 em conformidade com as leis e os costumes da guerra. 26. Mesmo nos casos em que a Comissão teve livre acesso a todas as provas factuais, nem sempre foi possível distinguir entre as situações em que os civis foram alvos directos e intencionais e i O exemplo mais famoso do princípio de humanidade está contido na Cláusula Martens, no Preâmbulo da Convenção IV da Haia Sobre Direito e Costumes da Guerra em Terra, de 1907. outras circunstâncias em que civis foram mortos ou feridos em combate que não os visava deliberadamente. Em muitas das operações militares examinadas pela Comissão em todo o Relatório, a Comissão concluiu que os ataques foram indiscriminados no que se refere ao seu impacto sobre os civis ou desproporcionados no que toca à necessidade militar e que, por conseguinte, constituíram violações do direito da guerra. Em particular, as provas delineadas neste subcapítulo e analisadas em maior pormenor nos subcapítulos relevantes deste Relatório, demonstram que as ABRI/TNI ignoraram sistematicamente e violaram deliberadamente as suas obrigações de protecção dos civis timorenses em conformidade com as Convenções de Genebra de que a República da Indonésia era signatária. 7.5.3 Violações do direito da guerra pelas forças militares indonésias Ataques a civis e a propriedade civil 27. A legislação internacional relativa a conflitos armados estipula claramente que os ataques não 6 podem ser dirigidos contra civis, bens de carácter civil ou cidades ou edifícios não defendidos. É também proibido levar a cabo actos cujo principal objectivo seja espalhar o terror entre a 7 população civil. 28. Os ataques não podem ser perpetrados com o recurso a meios de combate ou de forma a 8 impossibilitar a distinção entre alvos militares e civis. 29. Os ataques de que se possa esperar venham a causar incidentalmente perda de vidas humanas na população civil ou danos nos bens de carácter civil, são unicamente permitidos quando não 9 excessivos relativamente à vantagem militar concreta e directa esperada. Os ataques devem ser 10 levados a cabo de forma a minimizar as baixas civis e os danos a bens de carácter civil. Sempre que possível, os civis devem ser alertados antecipadamente dos ataques que podem 11 causar danos à população civil. 30. Esta secção debruça-se sobre as violações ao direito da guerra cometidas pelas ABRI/TNI nos primeiros anos do conflito. 31. A partir de Agosto de 1975, as ABRI/TNI desencadearam ataques transfronteiriços em TimorLeste, que incluíram a morte de civis e destruição de bens de civis (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). A 15 e 16 de Outubro, as Forças Armadas indonésias intensificaram as operações contra Timor-Leste recorrendo a bombardeamentos aéreos e marítimos em larga escala. Estes ataques causaram baixas entre os civis e a destruição de bens civis. 32. A invasão em larga escala começou a 7 de Dezembro de 1975 e combinou ataques aéreos, terrestres e marítimos, primeiro sobre Díli e, depois, sobre Baucau. Estes ataques estenderamse, em seguida, aos distritos de Bobonaro, Ermera, Manufahi e Covalima. Causaram muitas mortes entre os civis, deslocações em massa da população e enorme destruição de propriedade, pública e privada. Durante estes ataques iniciais, civis desarmados foram alvos directos das forças das ABRI/TNI em execuções sumárias e verificou-se uma incapacidade generalizada de distinguir entre alvos civis e militares. 33. O uso de artilharia pesada, bazucas, granadas, morteiros e artilharia, tanto em cenários urbanos como rurais, resultou inevitavelmente num número avultado de baixas civis. É muitas vezes impossível esclarecer se tais ataques foram específicos ou aleatórios. A Comissão recolheu evidência significativa a partir de testemunhos recolhidos por todo o território, que aponta claramente para o recurso, por parte dos militares invasores indonésios, a uma política que envolvia a destruição e o saque sistemáticos de habitações, gado e culturas agrícolas, assim 12 como a morte deliberada de civis. José da Silva Amaral afirmou à Comissão que as ABRI/TNI destruíram deliberadamente fontes alimentares durante o ataque a Osso-Gori, Uaibubo (Ossu, Viqueque) em 1976: Quando as ABRI atacaram Ossu, na estação seca de 1976, a minha mulher Ceverina, o meu filho Arlindo e eu estávamos em Basilau, Osso-Gori, no suco de Uaibubo. Fugimos para Monte Builo, Ossorua. As ABRI entraram em Ossu e continuaram a avançar. Construíram um posto perto da minha terra, em Loi-Lubu, Ossorua. Durante uma patrulha, queimaram a minha casa em Basilau. As ABRI abandonaram o posto, passado cerca de um mês. Quando descobri que as ABRI tinham partido, um cunhado meu, Patrício e eu voltámos lá para ver os meus coqueiros. Tinham sido todos destruídos. As ABRI cortaram todas as bananeiras para construírem um posto. Também cortaram os 300 coqueiros. Só 13 deixaram intacta uma árvore. 34. Para além de serem alvos e de sofrerem ataques indiscriminados, os civis foram também severamente castigados pelas ABRI/TNI sempre que suspeitos de apoiarem as forças da Fretilin/Falintil. Estes castigos variavam de acordo com as circunstâncias e os indivíduos envolvidos. Lobato Amaral, um jovem soldado das Falintil, disse à Comissão que o seu irmão mais velho, Leonardo Freitas, e outros onze civis foram capturados e mortos pelas ABRI/TNI, em Bobonaro, por suspeita de terem fornecido comida a ele e a outros soldados das Falintil, em 14 1979. 35. Qualquer suspeita de contacto com pessoas que fugissem para a floresta, fizessem ou não parte das forças da Fretilin/Falintil, podia resultar em retaliações por parte das ABRI/TNI. Em 1977, por exemplo, Frederico Gonçalves, de Atabae (Bobonaro), declarou que o seu gado foi confiscado por membros da milícia Halilintar, que suspeitavam que ele mantinha contactos com o irmão que 15 se encontrava na floresta. 36. Durante a fase inicial da invasão, travaram-se combates duríssimos em muitas áreas, com as forças da Fretilin/Falintil a impedirem o avanço das forças indonésias. A Comissão recolheu diversos depoimentos sobre retaliações brutais das tropas indonésias contra civis, depois de capturarem determinado povoado. No suco de Leimea Kraik (Atsabe, Ermera), por exemplo, as 16 ABRI/TNI queimaram deliberadamente as habitações com os seus proprietários no interior. A resistência não violenta dos civis deparou também frequentemente com forças letais que contribuíram para disseminar o medo e o pânico quando dezenas de milhar fugiram para a montanha e para as florestas em busca de protecção e refúgio. A Comissão recolheu um grande número de relatos provenientes de todo o território que corroboram este facto e apontam para a vulnerabilidade dos civis timorenses face ao avanço dos militares indonésios, da invasão até ao 17 final de 1978. 37. Embora muitos tivessem procurado protecção e refúgio em áreas controladas pelas forças da Fretilin/Falintil, essa pausa foi apenas temporária enquanto as forças indonésias tentavam consolidar a ocupação. Agustinho Soares disse à Comissão: Eu tinha 17 anos quando fugimos para a floresta em Katrai Leten, no sopé do Monte Ramelau. Escondi-me lá com 10 membros da família. Milhares de habitantes dos sucos reuniram-se em Katrai Leten, vindos inclusivamente de Letefoho, Ermera, Ainaro, Aileu e Cailaco. Katrai Leten era a segunda maior base da Fretilin em Ermera, a seguir a Fatubesi, por isso ali estávamos seguros. As tropas da Fretilin protegiam-nos do inimigo e nós ficávamos na retaguarda e cultivávamos alimentos para podermos comer…Em Katrai Leten, eram raras as mortes por fome ou por doença. Mas, dois anos depois, em 1978, os militares indonésios atacaram a nossa base em Katrai Leten, e obrigaram-nos a sair de Katrai Leten e a ir para outros sítios. As tropas das ABRI vinham de Atsabe, Ainaro, Same e Bobonaro, e cercaram-nos completamente, isolando-nos na nossa base em Katrai Leten, antes de elas [ABRI] atacarem em simultâneo. As ABRI dispararam os seus morteiros, bazucas e canhões. Lá de cima, os aviões largaram bombas sobre nós. As bombas não nos queimaram, mas as granadas schrapnel mataram muita gente que não conseguiu encontrar um lugar bom para se esconder. Os ataques das ABRI destruíram a nossa base de resistência em 18 Katrai Leten, a 18 de Maio de 1978. 38. Por todo o território de Timor-Leste, comunidades inteiras foram forçadas a manter-se em deslocação constante. A Comissão recolheu testemunhos de um padrão semelhante de experiências que culminavam na morte, captura ou rendição de comunidades e de indivíduos em todo o território. A experiência da comunidade do suco de Muapitine (Lospalos, Lautém) ilustra bem este padrão. Quando as forças das ABRI/TNI desembarcaram na praia de Com, em Fevereiro de 1976 e começaram a disparar contra os civis, os residentes fugiram para as montanhas. Durante dois anos mantiveram-se juntos, deslocando-se de lugar para lugar. No decurso de 1977/1978, 155 habitantes de Muapitine morreram de fome, enquanto outros sete morreram durante um ataque das ABRI/TNI em 1978. Como aconteceu em muitas outras áreas, 19 em finais de 1978, os restantes habitantes de Muapitine começaram a render-se às ABRI/TNI. 39. A Comissão recolheu testemunhos que mencionavam incidentes em que os comandantes das ABRI/TNI não protegeram deliberadamente os civis, nem estabeleceram a distinção entre civis e tropas armadas da Fretilin/Falintil. Um antigo soldado timorense das ABRI/TNI, baseado em Same em 1977, relatou à Comissão que, antes do início das operações em torno do Monte Kablaki, membros do Kodim (Comando Militar Distrital) e forças civis de defesa (Hansip) de Manufahi receberam instruções do comandante do Kodim para matar qualquer pessoa que encontrassem durante a operação, independentemente do facto de se tratar de civis ou de soldados da Fretilin/Falintil: Durante uma operação em Kablaki, em 1977, os soldados e as Hansip vieram de duas direcções, Ainaro e Same, e formaram um círculo completo para impedir as Falintil e os civis de se refugiarem na montanha. O ataque a Kablaki foi simultâneo e o comandante do Kodim disse-nos que, encontrássemos quem encontrássemos, civis ou Falintil, deveríamos agir sem compaixão, [deveríamos] disparar imediatamente ou, se necessário, prendê-los. Quando chegámos ao cume do Monte Kablaki, vimos um grupo de cinco ou seis pessoas e disparámos. Não sabíamos se eram civis ou das Falintil. [Algumas] fugiram e só conseguimos encontrar coisas abandonadas, tais como sacos de comida que tinham deixado para trás. Depois, continuámos a nossa operação, de volta 20 a Same, via Rotuto. 40. O mesmo antigo soldado descreveu outro incidente, ocorrido durante as operações na área de Same, destinadas a encontrar tropas das Falintil e civis que continuavam escondidos na floresta e durante as quais uma idosa, que os soldados encontraram numa cabana de um suco 21 abandonado, foi executada por um membro da Hansip. 41. As incursões e os ataques dos militares indonésios contra comunidades em territórios que não estavam sob o seu controlo, continuaram durante o ano de 1978. Como era de prever, os civis tiveram de continuar a sofrer as consequências destes ataques. Maria José da Costa descreveu à Comissão a experiência vivida pela sua comunidade, numa área de dolok (zona pantanosa), no Sul do distrito de Manufahi: Em 1978, o inimigo cercou-nos no dolok e muita gente morreu de fome. Todas as reservas de alimentos…foram queimadas. Cercaram-nos, atacando por mar com navios de guerra, pelo ar com aviões de guerra e por terra queimando a erva seca em redor e fazendo intervir o exército. Estávamos em Agosto, que é a estação seca. O exército provocou incêndios que atearam rapidamente, despejando gasolina sobre as ervas altas. Muitos morreram, porque não conseguiram fugir às chamas que nos 22 rodeavam. 42. Os militares indonésios tinham previsto erradamente que a força militar esmagadora lhes garantiria a ocupação de Timor-Leste de uma forma relativamente expedita. Quando isto não aconteceu e as forças indonésias ficaram atoladas, havendo forças da Fretilin/Falintil que viviam com grandes massas de populações civis no interior do território, os militares indonésios lançaram uma ofensiva de grande escala contra as bases de resistência. Em 1978, estes ataques ficaram conhecidos como campanha de cerco e aniquilamento e causaram muitas mortes entre a população civil que se encontrava nas bases. O facto de tantos civis estarem a viver nestas bases, com as forças da Fretilin/Falintil, pode ter contribuído para a dificuldade de distinguir entre civis e combatentes. Contudo, os testemunhos apresentados à Comissão fornecem uma imagem clara de uma campanha militar das ABRI/TNI, na qual houve pouco respeito pelo princípio da protecção de civis ou pela necessidade de estabelecer a distinção entre civis e combatentes. Os ataques no território pareciam ter por base o pressuposto de que qualquer pessoa, combatente ou civil, a residir fora da área controlada pelos militares indonésios, era um alvo legítimo (ver Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). 43. A Comissão ouviu testemunhos semelhantes provenientes de diferentes partes do país que relatam a forma como indivíduos e comunidades inteiras tentaram desesperadamente fugir do avanço das tropas indonésias. Muitas destas pessoas andaram fugidas durante três e quatro anos, deslocando-se de localidade para localidade, vivendo em circunstâncias de enorme 23 dificuldade que resultaram na perda gradual de vidas de indivíduos e até de famílias inteiras. As comunidades dos sucos de Aiassa e de Malilait, no subdistrito de Bobonaro (Bobonaro) relataram à Comissão: Em Janeiro de 1976, os militares indonésios penetraram no subdistrito de Bobonaro. Os ataques contínuos por terra e por ar obrigaram os civis a fugirem para Lour. Os habitantes dos sucos não levaram muita comida. Ficámos em Holba, Anapal durante cerca de um ano a cultivar arroz e outros alimentos. Enquanto esperávamos pelas colheitas, comemos raízes. Na altura da colheita, as ABRI/TNI e os Partidários obrigaram as pessoas a deslocarem-se de Holba para Fatuleto e abandonarem as suas hortas e campos por colher. As pessoas permaneceram em Fatuleto durante um ano mas tiveram de continuar a deslocar-se primeiro para Molop, depois para Dikehili, onde muitos morreram em consequência dos ferimentos sofridos durante os ataques aéreos ou de doença e fome. Em 1978, mais uma vez as pessoas tiveram de fugir para Halik a seguir a…ataques aéreos das 7 às 9 da manhã que causaram sete mortes e, [houve] mais mortes em consequência de fome, doenças e envenenamento por ingestão de legumes não comestíveis. Em 1979, quando já não tínhamos para onde ir, os habitantes dos 24 sucos, foram-se rendendo gradualmente ao Batalhão 507. 44. A Comissão recolheu 247 depoimentos só do distrito de Baucau a relatar 278 casos de ataques a civis e a alvos civis durante o período da operação Seroja, na década de 1970. Relatos semelhantes foram apresentados em relação a Aileu, registando a morte de 97 civis e a destruição de alvos civis, durante as operações das ABRI/TNI. 45. Houve também civis que morreram de fome, depois de o seu gado e as reservas de alimentos terem sido destruídos ou roubados, ou por terem fugido com poucos ou nenhuns meios de subsistência. Durante este mesmo período, a crescente pressão exercida sobre as condições de vida nas zonas libertadas, decorrente das operações das ABRI/TNI, causou grandes dificuldades e perda de vidas entre a população civil que se encontrava naquelas zonas. No início, a circulação no interior destas zonas era limitada mas, mais tarde, os civis foram obrigados a estar constantemente em deslocação para tentarem escapar aos ataques das ABRI/TNI, razão pela qual não lhes era possível cultivar alimentos e colhê-los (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). 46. Para a Fretilin/Falintil, a precariedade da sua situação era uma preocupação de extrema importância. A restrição das movimentações dos civis foi uma consequência directa da necessidade de garantir e manter o controlo geofísico da área. Tais imposições não foram aplicadas exclusivamente por quadros políticos e militares da Fretilin/Falintil. Determinados a sobreviverem, os civis impuseram frequentemente a si próprios medidas duras ou mesmo brutais. Não serem descobertos na floresta, por exemplo, implicava muitas vezes opções de vida ou de morte. Adriano João era adjunto político da Fretilin na Zona de Cailaco e descreveu à Comissão as medidas desesperadas, tomadas pelos civis, para conseguirem sobreviver durante este período: [Em Purugua] vi um pai abafar o filho de quatro anos até matá-lo porque a criança não parava de chorar. Depois, houve um consenso entre os habitantes dos sucos: quem revelasse a posição às ABRI seria eliminado, mesmo que se tratasse de uma criança. Quase tivemos de nos desfazer do nosso bebé de 18 25 meses por ele não parar de chorar. 47. Quando os militares indonésios localizavam uma concentração de guerrilheiros ou de civis numa determinada área, a prática usual era bombardear o local com artilharia pesada. Estes ataques eram frequentemente indiscriminados e letais. Em 1978, por exemplo, bombardeamentos aéreos e navais causaram cem mortes entre a população do suco de Aidantuik (Suai, Covalima) que se 26 tinha refugiado em Beco (Suai, Covalima). 48. A base da Fretilin/Falintil no Monte Matebian (distritos de Baucau e Viqueque), no Leste, tornouse num dos últimos centros de resistência, em 1978, quando as ABRI/TNI invadiram esta base de apoio da Fretilin/Falintil. No seguimento da invasão, no início de 1976, as forças da Fretilin/Falintil evacuaram muitos civis dos distritos Leste, de Baucau, Viqueque e Lautém, levando-os para a montanha. Nos primeiros anos após a invasão, muitos civis timorenses fugiram dos ataques dos militares indonésios, dirigindo-se para a montanha. Em 1978, esta tinha-se tornado um dos últimos principais lugares de refúgio. Conforme os militares iam invadindo outras bases, as forças da Fretilin/Falintil e os civis retiravam-se para a base de Matebian. Em resposta, entre Agosto e Outubro daquele ano, os militares indonésios lançaram ataques devastadores por terra, ar e mar contra as pessoas que se encontravam na montanha. Armindo da Silva, que procurou refúgio na montanha naquela altura, disse à Comissão: Quando a minha família e eu nos encontrávamos em Matahoi em Uatu-Lari [Viqueque], ouvi dizer que as ABRI/TNI estavam prestes a atacar Osso Lero no sopé de Matebian, em Baguia. Muitos civis de Ossu morreram durante os bombardeamentos aéreos e ataques indiscriminados de morteiro das A B R I a partir de Quelicai [Baucau]...O meu primo Januário da Silva, de 20 anos, a minha mãe Paeloi…e o Liurai de Uaibubo foram atingidos pelas bombas e 27 morreram. 49. O refúgio da montanha foi cercado pelas ABRI/TNI e estas lançaram uma campanha sistemática para obterem a rendição de todos os que se encontravam na montanha. Muitas das comunidades com que a Comissão dialogou relataram a morte e destruição que acompanharam o assalto das 28 ABRI/TNI. A Comissão foi informada de que vários milhares de pessoas tinham sido mortas ou feridas antes de os comandantes da Fretilin/Falintil darem autorização, em 22 de Novembro de 1978, para que as pessoas se rendessem (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). As bombas vinham do céu, da costa e de terra A comunidade do suco de Defawasi, no subdistrito de Baguia, na região montanhosa de Matebian, em Baucau, relatou à Comissão a sua experiência aquando do assalto final das forças indonésias à montanha, no final de 1978: 1978 foi o ano em que o exército, a marinha e as unidades aerotransportadas (Paskhas) e as Unidades Móveis da Polícia (Brimob) atacaram, montando o cerco a Matebian. Formaram em anel em torno da montanha. Os habitantes dos sucos de Defawasi, Viqueque, Baucau e Lospalos ficaram no interior do anel. Esta “barreira” foi apertando diariamente, encurralando cada vez mais civis no Monte Matebian. Os militares indonésios aproveitaram esta oportunidade para atacar as pessoas, usando fogo de terra. Atacaram com canhões, bazucas, morteiros e rockets assim como procederam a bombardeamentos aéreos e navais. Estes ataques incessantes destruíram as fontes de água e impediram qualquer tentativa de preparar alimentos. Criaram uma situação caótica. Muita gente morreu devido aos bombardeamentos ou de fome ou perdida na montanha. Os civis morreram, também, em consequência dos ferimentos causados pelas armas automáticas e pelos bombardeamentos. Cerca de cem pessoas de todas as idades, homens ou mulheres do nosso suco de Defawasi, morreram em Matebian. Entre 2 de Outubro e 28 de Novembro de 1978, os habitantes de 29 Defawasi regressaram à cidade de Baguia, vindos da montanha. 50. A escalada dos ataques das ABRI/TNI, ao longo de 1978, levou ao agravamento da situação dos civis no interior, o que, por sua vez, resultou na rendição de um maior número de civis às ABRI/TNI. Outros permaneceram em fuga constante até serem capturados ou forçados a render30 se. A rendição final , de civis em massa ocorreu-se após a queda da base de Matebian, em Novembro de 1978, depois de a Fretilin/Falintil terem autorizado a rendição dos civis (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). 51. A situação após captura ou rendição era extremamente penosa. Os militares indonésios separavam as pessoas que identificavam como Fretilin/Falintil, muitas das quais foram executadas ou desapareceram (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Os restantes civis foram, inicialmente, reunidos em campos de trânsito e, posteriormente, em centros de detenção. Mais tarde, foram reinstalados em áreas sob controlo das ABRI/TNI. A alimentação e o acesso a medicamentos não eram suficientes para este elevado número de civis que se encontrava, efectivamente, detido o que resultou na morte de milhares de pessoas de fome e de doenças naqueles que foram, eventualmente, os anos mais trágicos da História de Timor-Leste. O Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome, incide sobre estes acontecimentos trágicos e as violações dos direitos humanos então cometidas. Diversas comunidades de todo o território relataram à Comissão a experiência que viveram durante este período. Por exemplo, as comunidades de Lequidoe (Aileu), Remexio (Aileu) e Metinaro (Díli) falaram do elevado número de civis mortos de fome e de doença nos 31 campos, após a rendição às forças indonésias. 52. Embora os ataques a civis e a alvos civis tivessem diminuído significativamente após a fase mais intensa da Operação Seroja, em 1979, os civis continuaram a ser marcados como alvos e a sofrer consequências adversas devido à táctica continuada de contra guerrilha adoptada pelas ABRI/TNI durante toda a ocupação indonésia de Timor-Leste. 53. A Comissão recolheu vários relatos sobre execuções levadas a cabo pelas ABRI/TNI durante a Operação Kikis, em 1981, quer de civis que se renderam quer de outras pessoas que foram forçadas a participarem na operação. A comunidade do suco de Orlalan Batara (Laclubar, Manatuto) descreveu a experiência vivida ao ser forçada a participar na operação: Depois de das ordens de Manatuto e de Díli para preparar os civis para se juntarem à Operação Kikis, o comandante do Koramil de Laclubar ordenou aos chefes de seis sucos que seleccionassem civis fortes para participarem na operação, excluindo apenas as crianças e os velhos. Todas as escolas foram fechadas. Os civis foram autorizados a levar apenas facas, lanças, flechas, tambores de bambu. Todos tinham de atar uma fita preta na cabeça que os identificava e todos tinham de transportar as suas próprias rações de alimentos. Cada suco tinha um chefe. Os civis foram forçados a caminhar a partir das seis da manhã para irem em busca das Falintil e de civis que ainda se encontrassem a viver na floresta. Quando os encontrassem tinham de os matar para que a guerra pudesse terminar rapidamente. Em Fatuhada [Laclubar, Manatuto], deu-se um recontro armado entre o Batalhão 744 e as Falintil, que custou às Falintil a vida de quinze membros e de 50 civis que se renderam ao Batalhão 744. Uma mulher grávida foi apunhalada na barriga, tendo o bebé morrido instantaneamente. Depois, os cadáveres foram esquartejados e enterrados. Durante a operação, os soldados do Batalhão 744 que suspeitavam que os habitantes de Laclubar trabalhavam com a Fretilin, ordenaram a esses habitantes que queimassem todas as plantações, a fim de evitar que a Fretilin se servisse delas, tentando deste modo pressioná-la para que se rendesse rapidamente. Estas ordens eram acompanhadas por uma ameaça de execução daqueles que se recusassem a cumpri-las. Durante os 40 dias da incursão, um dos habitantes do suco de Laclubar morreu de uma doença que não foi tratada e outro foi abatido por um soldado das ABRI em Aitana. O soldado justificou-se, alegando que tinha confundido esta pessoa com outra. Depois, as pessoas 32 regressaram aos seus sucos em Laclubar. 54. Albino da Costa, antigo soldado das Falintil, relatou à Comissão: Vi, com os meus próprios olhos como os militares indonésios do Batalhão 744 matavam civis. Capturavam os que estavam desarmados, atavam-nos e esfaqueavam-nos até à morte. Capturaram uma mulher grávida e mataram-na, assim, sem mais nem menos. Vi-o de perto, a uns meros cem metros do local onde 33 isto se passou. 55. Quando os militares chegaram à área de Lacluta (Viqueque), em Setembro de 1981, houve um massacre em que, segundo vários relatos, foram mortas centenas de pessoas. Ao mesmo tempo que a Indonésia proclamava a vitória militar nesta área citando a captura de 450 membros da Fretilin e de 150 armas, monsenhor D. Martinho da Costa Lopes, na altura Administrador Católico Apostólico de Timor-Leste, declarou que tinham sido mortas 500 pessoas (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). As autoridades 34 indonésias admitiram 70 mortos. Outras fontes referem que o número de baixas situa-se na 35 ordem das centenas. Embora não exista um relato rigoroso sobre este acontecimento, nomeadamente na distinção pormenorizada sobre o estatuto de combatente ou de civil das pessoas que foram mortas, a maioria das fontes descreve este acontecimento como um massacre brutal de civis (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). 56. O levantamento de membros timorenses da Hansip e da Ratih em 1983, contra os militares indonésios em Kraras (Lacluta, Viqueque) é um dos casos mais flagrantes de retaliação das ABRI/TNI contra a população civil (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). O levantamento foi coordenado em ligação estreita com as Falintil. Depois de terem morto doze membros do Batalhão de Engenharia Zipur 4, os membros da Hansip e da Ratih desertaram para as Falintil, com as suas armas. A população civil ficou vulnerável. Muitas pessoas fugiram para a floresta e para as montanhas próximas, receando retaliações. Os militares indonésios levaram a cabo um acto terrível de castigo colectivo contra esta população civil que não estivera envolvida nos ataques às forças indonésias. 57. Seguiram-se uma série de massacres da população civil naquela área. A 7 de Setembro, os soldados das ABRI/TNI entraram no suco de Kraras e mataram quatro ou cinco civis, incluindo uma idosa. Depois queimaram a maioria das habitações do suco. Os corpos de várias das 36 pessoas mortas foram deixados nas habitações a arder. Nas semanas que se seguiram, os soldados indonésios patrulharam as montanhas próximas a fim de obrigar aqueles que tinham fugido a regressarem aos sucos de Kraras e Buikaren, e a Viqueque. A Comissão recolheu relatos sobre várias pessoas que foram executadas durante estas operações, incluindo um rapaz de quinze anos, em 12 de Setembro, ou em data próxima, e três outras pessoas a 15 de 37 Setembro. Durante este período, inúmeras pessoas foram também detidas e torturadas, várias delas em Olobai, base do Batalhão de Infantaria 745. 58. Sobreviventes relataram à Comissão que, na manhã de 16 de Setembro, soldados indonésios e da Hansip levaram um grande número de civis, incluindo mulheres e crianças, para o suco de Caraubalu. Estas pessoas foram levadas para um lugar chamado Welamo, onde as mandaram entrar para um buraco causado por um desabamento de terras e foram executadas pelos 38 soldados e pelos membros da Hansip. A Comissão compilou uma lista com o nome de 54 ii vítimas executadas em Caraubalu. 59. Em 17 de Setembro, os soldados indonésios acercaram-se de um grande grupo de civis de Kraras que tinham fugido para o suco vizinho de Buikarin. O suco foi cercado e os civis de Kraras foram detidos. Separaram os homens das mulheres e foram informados que teriam de ir a pé até Kraras, sob escolta militar, para irem buscar comida. De acordo com os testemunhos recolhidos pela Comissão, seis a oito soldados indonésios e dois membros timorenses da Hansip escoltaram dúzias de homens até à ribeira de Wetuku, numa zona conhecida por Tahubein. Foram então fuzilados. Só se sabe de quatro pessoas que sobreviveram ao massacre. Há relatos divergentes quanto ao número de vítimas mortas em Tahubein, que variam de um mínimo de 26 iii iv até um máximo de 181. A Comissão recolheu o nome de 141 vítimas, todas do sexo masculino. ii Esta lista está incluída na totalidade no Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados. Entrevistas da CAVR a António Soares, (sem data) que citou 79 mortos; Miguel Viana, Viqueque, 17 de Julho de 2003, que citou 181 mortos; Silvino das Dores Soares, Viqueque, 10 de Março de 2004, que mencionou 143; Manuel de Jesus Pinto, Buikarin, Viqueque, 20 de Março de 2004, que diz ter contado 82 cadáveres. iv A lista das vítimas deste massacre está também incluída na totalidade no Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados. iii Violações económicas e de bens – danos colaterais ou estratégia deliberada? v 60. Em termos do direito da guerra, os bens de civis estão protegidos dos ataques . Os danos colaterais infligidos a bens de civis só são permitidos se não forem excessivos em relação a um vi benefício militar concreto previsível . Acresce que um ataque militar não pode resultar no forçar a população a ser transferida ou deslocada. 61. A informação recolhida pela Comissão indica que a destruição e o roubo de bens foram objectivo militar central em si mesmo e não um mero efeito colateral dos ataques. A Comissão recolheu depoimentos sobre 1.256 de incêndio e de destruição de habitações, destruição de gado e de plantações, roubo e saque de propriedades. Embora parte substancial desta destruição resultasse dos ataques indiscriminados, existem inúmeros testemunhos corroborativos de que os civis suspeitos de serem pró-independência eram deliberadamente marcados como alvos das ABRI/TNI nas violações relativas a direitos económicos, em diferentes períodos do conflito, o que aconteceu desde os primeiros dias da invasão até à destruição ocorrida após o acto de votação de Setembro de 1999. 62. A análise dos depoimentos prestados à Comissão indicam que as violações dos direitos económicos e dos bens de civis foram acompanhadas invariavelmente de outras violações directas cometidas contra civis, tais como prisão, detenção, tortura ou morte. 63. A violação dos direitos económicos e de propriedade faziam parte integrante da política militar indonésia durante este período. Eram utilizadas por variadíssimas razões, entre as quais se contavam o castigo, a destruição de recursos e a instituição de um sistema que compensava materialmente os seus colaboradores com os bens dos opositores políticos, confiscados forçosamente para o efeito. 64. A natureza e a extensão da destruição dos bens de civis, durante e após a invasão, revela uma semelhança flagrante com os acontecimentos de Setembro de 1999, quando o TNI e os seus agentes, as milícias, executaram a política de “terra queimada” e incendiaram e destruíram cerca de sessenta mil habitações e a maioria das infra-estruturas do governo, no espaço de umas 39 breves semanas. 1975 /1977 65. A Comissão reuniu provas de roubos deliberados e de destruição de propriedade pelas forças indonésias desde o início da invasão. Rui Emiliano Teixeira Lopes, antigo membro da UDT que aderiu às forças de Partidários timorenses que apoiaram as ABRI/TNI no auge da invasão, descreveu os saques praticados pelos soldados indonésios: Na manhã de 7 de Dezembro de 1975, a Kopassus [na altura conhecido por RPKAD], Comandos, Kujang, Kostrad e Fuzileiros desembarcaram em Díli. Nós ficámos no navio. Vimos o fogo a alastrar e ouvimos tiros mas não desembarcámos porque eles não precisavam de nós. Quando nos dirigíamos para Baucau vimos apenas que as ABRI pegavam nos carros e na bagagem das pessoas e os carregavam a bordo do navio. Não gostámos nada do que vimos. Aquilo era uma guerra ou um roubo? Este tipo de roubos não ocorreu apenas em Díli [e Baucau], mas também em 40 Balibó e no Hospital de Maliana. v Artigo 52º, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra que, reconhecidamente, reflecte o direito consuetudinário [ver J. Henckaerts e L. Doswald-Beck, IRC’s Customary International Law, Vol. I, Rules (2005), pp. 25 e 26]. vi J. Henckaerts e L.Doswald-Beck,, IRC’s Customary International Law, Vol. I, Rules (2005), p. 46. 41 66. Os Partidários foram acusados de destruição e saque generalizados em Baucau. Há relatos 42 43 semelhantes sobre este mesmo período recolhidos nos distritos de Liquiça, Ermera, 44 45 46 Viqueque, Lautém e Bobonaro. 67. No seguimento da invasão inicial, as forças indonésias tentaram consolidar e expandir o controlo do território. A Comissão recolheu relatos de roubos e destruição de propriedade em todo Timor Leste durante o avanço das ABRI/TNI, nos seus Seminários de Perfil Comunitário, incluindo das comunidades dos distritos de Bobonaro (Atabae e Lolotoe), de Aileu, de Baucau (Baguia, Quelicai, Venilale, Vemasse), de Viqueque (Lacluta, Ossu, Quelicai, Uatu-Carbau, Vemasse) e de Manatuto (Uaimori). Depois da tomada de uma nova localidade, as forças das ABRI/T N I confiscavam ou destruíam rotineiramente os bens deixando os respectivos proprietários e residentes, literalmente sem bens e abrigo. As quintas e outras propriedades eram incendiadas, as plantações por colher eram destruídas e grandes rebanhos de gado eram exterminados. 47 Nalguns locais, a uma lulik (casa sagrada de um clã) era destruída com tudo o que continha. Esta destruição gratuita indicia a intenção deliberada de minar a cultura e a identidade timorenses. 68. Em muitas áreas, os civis já tinham fugido para as colinas e para as florestas vizinhas antes da chegada das forças indonésias. Dado que as suas propriedades tinham ficado indefesas, as ABRI/TNI tinham de facto carta-branca para destruírem ou roubarem tudo o que desejassem. 69. Estas práticas prolongaram-se implacavelmente durante os primeiros anos da ocupação. Os militares indonésios admitiram abertamente este comportamento como a norma da prática militar: A Operação P a m u n g k a s V, a 6 e 7 de Março de 1978, cujo objectivo era libertar as pessoas que se encontravam no SAS MAUBU [que estavam] presas por GPK [ie, Falintil], [foi dirigida] com os efectivos de duas K i [companhias] juntamente com a Hansip e Danpur-12. Daí resultou: a rendição de três pessoas, o 48 incêndio de oito casas e a destruição de 2,5 hectares de searas. 70. As ABRI/TNI foram auxiliadas nas suas acções ofensivas por diversas forças coadjuvantes, incluindo os Partidários e, mais tarde, estruturas da defesa civil como a Hansip e grupos de milícias como a Halilintar, no distrito de Bobonaro. A Comissão recolheu um grande número de relatos a respeito do envolvimento destas forças substitutas ou coadjuvantes em roubos de bens, quer coligadas com as ABRI/TNI, quer agindo independentemente. 71. A Comissão recolheu inúmeros relatos sobre o roubo de gado e de colheitas. Para além disto, bens de valor, incluindo objectos de importância cultural e económica, nomeadamente tais (tecidos), contas e moedas de prata foram, também, roubados. Domingos da Costa da Silva, de Fatuberliu, Manufahi, falou à Comissão do roubo de um grande número de objectos tradicionais de valor: Em 1976 corremos para a floresta e escondemo-nos até 1978 num lugar chamado Orboa, na aldeia de Orlara. Uma vez, apareceu um grupo de membros da Hansip com o seu líder, L1. Capturaram o meu irmão, João da Costa, bateram-lhe e arrastaram-no como a um animal. Levaram também todos os nossos pertences, incluindo 15 mortens, 76 belaks, 7 caibauks, 15 fucadors, 30 osan manu liras, 25 colares, 10 sasakis, 2 loku liman, 10 buti liman, 4 pentes vii de ouro e 2 murak bulu ayams . Estas coisas foram-nos tiradas 49 pelos perpetradores, que só nos deixaram as feridas. vii Morten: colar feito de contas de pedra cor de laranja; belak peitoral circular em prata, de pendurar ao pescoço com um fio de algodão grosso; caibauks: adereço para a cabeça no formato de cornos em ouro ou prata, com um fio de algodão grosso; fucadors: pulseira pesada em corrente de prata ou ouro; osan manu liras: grandes moedas portuguesas antigas em prata; sasakis: loku liman: braçadeira de ouro ou prata; buti liman: pulseira fina de prata; murak bulu ayam: toucado de penas 72. Os inúmeros relatos apresentados à Comissão a respeito dos constantes saques e roubos perpetrados pelas tropas indonésias indiciam que estes actos devem ter sido do conhecimento do topo da hierarquia militar e apoiados por esta. É evidente que a utilização de alimentos provenientes dos roubos contribuiu para resolver os problemas de abastecimentos essenciais às tropas indonésias. Os animais disponíveis também permitiram gerar rendimentos adicionais a membros das ABRI/TNI. Os militares indonésios serviam-se dos bens de civis timorenses como elemento essencial de apoio às operações militares. João Pinto Dias disse à Comissão: Em 1976, eu tinha doze cavalos. O Comandante do Kombet, L2, [timorense] e os seus homens levaram os meus cavalos. Alguns foram mortos a tiro, outros comidos e outros ainda vendidos. Eu tinha mais de quarenta búfalos, mas os Comandantes L2 e L3 [timorenses] e os seus homens mataram alguns e levaram o resto 50 para ser vendido em Batugadé, a pessoas de Atambua. 73. À execução de civis seguia-se com frequência a destruição de bens. António Soares contou à Comissão o assassinato do seu tio, o incêndio da sua casa e o roubo dos seus bens por membros da Hansip, no suco de Esa-isi, Ossu (Ossu, Viqueque): Os Hansip, comandados por L18 com dois dos seus membros, L4 e L5, patrulharam Esa-isi. Viram o tio Cristovão e mataram-no [a tiro]. Depois incendiaram a nossa casa e levaram o nosso gado, 40 búfalos, 31 cavalos e 58 cabras, bem como de 5 celeiros de 51 arroz. 74. Jacinto Olo Mau disse que, em 1975, os membros das ABRI/TNI do Batalhão 501 atacaram Lahomea (Maliana, Bobonaro) e mataram-lhe os pais, Bere Soro e Bui Bere. Depois da morte dos pais e com a casa vazia, soldados do Batalhão 501 aproveitaram para pilhar os bens das vítimas e, em seguida, incendiaram a casa com os cadáveres das vítimas no interior. Jacinto Olo Mau disse à Comissão: Depois da morte dos meus pais e de não estar mais ninguém em casa, os perpetradores aproveitaram a oportunidade para a assaltar, e levaram tudo o que pertencia às vítimas, incendiando 52 em seguida a casa com os corpos das vítimas ainda lá dentro. 75. O roubo do gado e a destruição das colheitas teve consequências directas, havendo gente em muitas partes do território a sofrer de enorme escassez de mantimentos que resultou em fome endémica e em surtos de fome extrema. Foram recolhidos relatos a respeito de fome endémica e de surtos de fome extrema resultantes da destruição levada a cabo pelas ABRI/TNI em várias localidades, incluindo Cailaco e Lolotoe (Bobonaro) e Zumalai (Covalima). Alfredo Moniz Soares disse à Comissão: Em 1977, quando as ABRI atacaram, não houve hipótese de procurar alimentos. Muitos membros da minha família morreram de fome e por falta de medicamentos. Além disso, os perpetradores [ABRI] também incendiaram as nossas casas e apoderaram-se dos 53 nossos animais. 1978/1979 76. Quando, em 1977/1978 os civis desceram das montanhas em grande número e se renderam aos militares indonésios, regra geral não foram autorizados a regressar de imediato às suas áreas de residência. Começaram por ser retidos em campos de trânsito; muitos continuaram, durante longos anos, cativos em centros de detenção ou sucos de reinstalação controlados pelas ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). Quando conseguiram voltar aos seus lugares de origem, muitos encontraram as suas casas e os seus sucos saqueados e queimados. As bases da Fretilin/Falintil foram destruídas e o modelo de Resistência armada foi alterado radicalmente, contudo, a guerra terminara e continuava a ter um impacto brutal em todos os aspectos da vida civil. No interior, a população civil já não vivia com a Resistência armada mas, durante aquele período, ficou sob o rigoroso controlo dos militares indonésios, cujo objectivo era assegurar que a população civil não contactava nem apoiava os guerrilheiros da Resistência. A vigilância, a recolha de informação e o controlo rigoroso das movimentações dos civis eram a realidade do dia-a-dia para a maior parte dos civis nestes campos controlados pelas ABRI/TNI. As ABRI/TNI continuaram a destruir as colheitas e a roubar bens como forma de castigo e intimidação e por oportunismo económico. Muitas das pessoas que se encontravam nestes campos foram alvo de espancamentos e de outras agressões físicas praticadas pelas 54 Forças Armadas indonésias. 77. Alguém com um passado conhecido de ligação à Fretilin, era invariavelmente alvo preferencial dos militares indonésios. Os timorenses que se aliaram às forças de ocupação também se aproveitaram da situação. José António disse à Comissão que, em 1979, antigos membros da UDT se apoderaram das suas terras, em Beikala, (Hatu Udo, Ainaro) por causa dos seus 55 antecedentes como membro da Fretilin. Outro depoente contou à Comissão que, em Março de 1979, foi preso pelas ABRI/TNI e torturado por causa da actividade com a Fretilin e, depois, 56 forçado a entregar a sua plantação de café. Outros continuaram a ser marcados como alvos devido a suspeita de ligação com os guerrilheiros da Resistência que permaneciam na floresta. 78. Foram recolhidos relatos sobre roubo e confiscação de bens pelas Forças Armadas indonésias, a 57 58 pessoas que se renderam dos distritos de Bobonaro, Baucau (subdistritos de Laga, 59 60 61 62 63 64 65 66 Vemasse, Quelicai e Baguia ), Manufahi, Manatuto, Covalima, Ermera, Viqueque e 67 68 Oecusse. Em certos casos, estes actos eram acompanhados por espancamento e tortura. 79. Em Lautém, o renovado esforço das ABRI/TNI em 1979 para localizar as forças da Fretilin/Falintil 69 resultou em mais mortes de civis. Maria Alves rendeu-se aos militares indonésios em 1979, na cidade velha de Fatuberliu (Fatuberliu, Manufahi). Contou à Comissão a destruição dos seus bens: Recebi ordens dos membros das ABRI e da Hansip, L6 e L19, para construir uma casa e fazer um arrozal. Depois de ter feito a casa e o arrozal, o administrador do subdistrito, L7 [timorense] e as ABRI mandaram-me voltar para Sukaer Laletek. Depois, as minhas plantações de papaia e mandioca foram destruídas. Também 70 destruíram a casa que eu tinha construído. A década de 1980 80. Em finais de 1979, eram poucas as localidades e distritos que ainda permaneciam sob controlo da Fretilin/Falintil. No início da década de 1980, enquanto alguns civis continuavam em campos de reinstalação sob controlo directo de militares indonésios, grande parte da população civil tinha regressado às suas casas. Neste período, as ABRI/TNI asseguravam já uma cobertura do território que lhes permitia terem postos militares em sucos por todo o território. Os civis viviam rigorosamente controlados pelas ABRI/TNI e pelos seus auxiliares timorenses, como a Hansip, e os Babinsa (ver Capítulo 4: Regime de Ocupação). 81. O número de relatos recolhidos pela Comissão relativos a infracções económicas neste período foi bastante inferior ao dos quatro anos anteriores. Entre 1980 e 1989, as operações das A B R I /TNI centraram-se na destruição das forças remanescentes da Fretilin/Falintil e concentraram-se frequentemente em áreas específicas do território, com vista a alcançarem este objectivo. viii 82. Em meados de 1981, os militares indonésios lançaram a Operação Kikis , como referido na secção acima sobre os ataques dos militares indonésios contra os civis e objectos de carácter civil. A Comissão recolheu relatos segundo os quais as ABRI/TNI e membros da Hansip continuaram a incendiar habitações, a roubar animais e bens e a destruir searas e outras fontes 71 de alimentos durante estas operações. Por exemplo, a Comissão recebeu 43 relatos sobre o incêndio de habitações de civis, pelas ABRI/TNI e membros da Hansip, no suco de Mauchiga (Hatu Builico, Ainaro) entre 20 e 24 de Agosto de 1982. 83. À medida que a Indonésia ia consolidando o controlo do território, começou a centrar a sua acção e atenção em localidades, comunidades e indivíduos específicos, supostamente ligados à Resistência. As tentativas dos militares indonésios para pôr cobro as actividades clandestinas de apoio à Resistência tiveram como resultado intimidação e repressão generalizadas. Detenções, espancamento e torturas continuaram a par dos roubos e da destruição de bens em todo o 72 território. 84. Para conseguir controlar as populações civis que tinham regressado às suas áreas de residência, as ABRI/TNI apoiaram-se fortemente nos seus grupos auxiliares como a Hansip e os Babinsa. Foi exercida uma dura repressão sobre as comunidades civis e, por vezes, houve tensões entre os membros das ABRI/TNI e os seus grupos auxiliares timorenses. No início da década de 1980 houve várias rebeliões internas entre estas forças de apoio, que resultaram em acções de retaliação violenta das ABRI/TNI contra a população civil. Em Agosto de 1983, após a deserção em massa de membros da defesa civil Hansip e da Ratih das ABRI/TNI em Tutuala (Lautém), os militares indonésios retaliaram matando um elevado número de cabeças de gado que pertenciam às famílias dos desertores. 85. O castigo colectivo imposto pelas ABRI/TNI à população civil de Kraras (Lacluta, Viqueque) em Setembro de 1983, referido na secção anterior sobre os ataques dos militares indonésios aos civis e bens de carácter civil, também incluíam actos de destruição de bens. Em retaliação pela revolta dos timorenses da Hansip e da Ratih, os militares indonésios queimaram habitações e mataram gado. O impacto social e económico destes actos e o massacre em larga escala dos homens do suco continuam, até hoje, a pesar negativamente sobre esta comunidade. 86. Durante a década de 1980, os objectivos das operações dos militares indonésios realizadas em todo o território visavam quebrar a rede clandestina constituída pelas Falintil com os seus apoiantes civis. Com a ajuda de membros das milícias, as ABRI/TNI forçaram civis a participar na ix Operação Curlog, que visava destruir as reservas alimentares para matar à fome as forças das 73 Falintil. Os civis tornaram-se alvos, as suas habitações foram incendiadas e os seus pertences 74 foram-lhes arrancados. Além disso, as ABRI/TNI também confiscaram as reservas alimentares 75 da população (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). A década de 1990 87. No decurso da década de 1990, embora as ABRI/TNI tivessem conservado uma presença significativa em todo Timor-Leste, deixaram, por norma, de se envolver em operações militares em grande escala. A estratégia da Resistência transitara de conflito armado directo com as viii Em Timor-Leste ficou conhecida como Operasi Kikis. Esta era a abreviatura de uma táctica militar conhecida como Operasi Saber Kikis Baratayudha (do nome de uma guerra mítica no mundo das marionetes de sombra javanesas), também conhecida como Operação “Cerco de Pernas”. Era uma técnica que recorria a dezenas de milhar de civis como um escudo humano, que avançava à frente das forças das ABRI/TNI, num enorme esforço coordenado que se destinava a arrasar as forças da Fretilin/Falintil. Esta técnica foi usada pela primeira vez durante a insurreição de Darum Islam, nos anos 50. Ver, por exemplo, Ken Conboy, KOPASSUS, Inside Indonesia's Special Forces, Equinox Publishing (Asia), Jakarta, 2003, pp. 297-8. Ver também Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome. ix Curlog ( Hancur Logistik ) significava, literalmente, Destruição da Logística. Destinava-se a destruir todos os tipos de produções agrícolas que pudessem ser usadas pelas Falintil. Esta destruição privava de comida tanto as Falintil como os civis (ver Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). ABRI/TNI para uma estratégia de diplomacia internacional e de resistência urbana baseada essencialmente no crescente movimento de juventude. Os principais alvos das operações das ABRI/TNI eram os civis suspeitos de envolvimento em actividades clandestinas de apoio à Resistência. Estas operações tiveram o apoio frequente da Hansip e de outras organizações paramilitares timorenses criadas por esta altura (ver Capítulo 3: História do Conflito; Capítulo 4: Regime de Ocupação). Também durante este período, a Brimob, polícia indonésia anti-motim, desempenhou um papel muito activo na repressão da dissidência. 88. Esta estratégia das ABRI/TNI envolveu, invariavelmente, ataques violentos a civis. Tal como acontecera relativamente às décadas de 1970 e de 1980, a Comissão recolheu inúmeros relatos sobre a destruição de habitações e de outros bens, assim como sobre roubos e extorsões sob ameaça de violência. Relativamente a este mesmo período, a Comissão recolheu, também, inúmeros relatos que implicavam membros do serviço de polícia indonésio como participantes nos abusos violentos, destruições de propriedades e extorsões. 89. Tal como em períodos anteriores, também neste período se deve interpretar o roubo e a destruição como uma forma de castigo. As habitações eram queimadas se houvesse suspeitas 76 de que os seus proprietários apoiavam ou simpatizavam com as forças das Falintil. Uma pessoa de Ainaro, por exemplo, relatou à Comissão que os soldados das ABRI/TNI lhe incendiaram a casa, em Novembro de 1991, pouco antes do Massacre de Santa Cruz, por 77 suspeitarem que possuía uma bandeira da RDTL. 90. Outro depoente de Liquiça contou à Comissão que foi preso por possuir uma bandeira da Fretilin e só foi libertado quando a sua mulher entregou 300.000 rupias e sete moedas de prata a um 78 comandante das ABRI/TNI. A Comissão recolheu inúmeros testemunhos de diversas zonas do território que revelam como a extorsão pelos militares e pela polícia se tornara prática comum durante este período. Frequentemente, as pessoas detidas só eram libertadas se pudessem pagar aos oficiais responsáveis. As famílias eram obrigadas a pagar a libertação dos seus membros e, segundo a informação relatada, o pagamento situava-se entre 100.000 e 1.800.000 79 rupias. 91. Estas práticas eram em larga medida oportunistas e dependiam, em muito, dos oficiais militares envolvidos. As acções visavam a rede activista clandestina. Em Baucau, os soldados das ABRI/TNI confiscaram os bens e a propriedade das pessoas e extorquiram dinheiro aos civis que 80 acusavam de colaborar com a Fretilin/Falintil. 92. Em Díli, a seguir ao Massacre de Santa Cruz, em Novembro de 1991, as ABRI/TNI revistaram habitações em toda Díli em busca dos manifestantes que fugiram do local do tiroteio. A Comissão recolheu testemunhos atestando que foram queimadas as habitações daqueles que albergaram 81 os manifestantes ou onde foi encontrada literatura ou outro material pró-independência. 93. Em Ermera foram recolhidos relatos semelhantes de violência, fogo posto e extorsão, referentes à década de 1990. Foram identificadas como perpetradores várias unidades militares, incluindo o 82 Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700. 94. Durante este período, os ataques das Falintil contra as ABRI/TNI limitaram-se, em geral, a momentos estratégicos em que o objectivo era maximizar o impacto psicológico para relembrar a sua presença e capacidades continuadas, ou o impacto internacional para enfatizar o facto de que o conflito persistia (ver Capítulo 5: Resistência; Estrutura e Estratégia). Quando ocorriam os ataques, os militares indonésios recorriam à prática corrente de aplicar castigos colectivos à população civil. A 9 de Novembro de 1998, as Falintil atacaram o Koramil em Alas (Manufahi). As ABRI/TNI lançaram uma operação de grande dimensão, numa tentativa de capturar os atacantes das Falintil. Durante esta operação houve civis que foram assassinados, detidos, violados e cujos bens foram destruídos (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; 83 Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.7: Violência Sexual). A Comissão recolheu também o testemunho de José Tilman, um civil que participou na destruição de x propriedade levada a cabo pelas ABRI/TNI: A 12 de Novembro de 1998, L12 e L13 [ambos timorenses] e outros soldados do Koramil queimaram casas em Lurin. Começaram em Kulutetuk e terminaram em Hasbot. Em Nataruaen, a destruição incluiu também objectos tradicionais e valores pessoais. Os atacantes apoderaram-se, igualmente, de objectos sagrados, como estátuas de santos. Eu estava com os soldados em Nataruaen. Primeiro, eles queimaram a casa de Remígio, depois outras casas...Antes disso, tinham dado ordens aos habitantes para abandonarem o suco e prenderam-nos no edifício de uma escola primária (SD Inpres, vila de Alas), a uns 10 84 metros da sede do Koramil 02. Destruição em 1999 95. Com a queda do Presidente Suharto em Maio de 1998, o espaço político de Timor-Leste pareceu abrir-se, ao longo da segunda metade do ano. Como nunca antes acontecera, foram realizados encontros públicos e formulados apelos a um referendo acerca do estatuto político do território, sem que as autoridades ou os militares indonésios os bloqueassem. Contudo, esta “Primavera de Díli” foi de curta duração. A informação sobre a redução dos efectivos do TNI revelou-se falsa e, nos finais de 1998, surgem os relatos de que o TNI estava a desenvolver uma rede de milícias em todo o território. Este programa evoluiu rapidamente nos primeiros meses de 1999 enquanto a Indonésia, Portugal e as Nações Unidas negociavam as modalidades do acto de autodeterminação em Timor-Leste (ver Capítulo 3: História do Conflito e Capítulo 4: Regime de Ocupação). 96. Com a assinatura dos Acordos de 5 de Maio e o anúncio da Consulta Popular, o CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense) e algumas organizações de estudantes começaram a organizar-se abertamente por todo o território, preparando o acto de votação sobre o futuro de Timor-Leste. 97. O recrutamento, forçado ou não, de civis para as milícias apoiadas pelo TNI foi rapidamente intensificado nos primeiros meses de 1999. Em conjunto com o TNI e a polícia indonésia, as milícias iniciaram uma campanha de terror com o objectivo de intimidar o povo timorense e o forçar a apoiar a integração na Indonésia. Os principais actos de violência e o padrão de violência e de intimidação são analisados em pormenor em vários capítulos do presente Relatório, nomeadamente no Capítulo 3: História do Conflito, Capítulo 4: Regime de Ocupação; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome, Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos, e Subcapítulo 7.7: Violência Sexual. As violações económicas e da propriedade também foram uma característica presente nesta campanha de terror e de intimidação. Estes acontecimentos decorreram antes do anúncio dos Acordos de 5 de Maio e da Consulta Popular, durante o período que antecedeu a votação e durante a infame campanha de violência que se seguiu ao anúncio do resultado de rejeição da integração na Indonésia. 98. A análise quantitativa dos testemunhos recolhidos pela Comissão revela certos padrões de violação dos direitos humanos, de intimidação e de violência perpetradas pelo TNI e pelas milícias, entre Janeiro e Outubro de 1999. De forma particular, revela que os ataques em larga escala ocorrerem, em geral, nos períodos em que a presença internacional no território era limitada ou inexistente: por exemplo, no período de Janeiro a Abril antes da assinatura dos Acordos de 5 de Maio e de as Nações Unidas e outras agências internacionais se instalarem no território; e no período que se seguiu ao anúncio dos resultados do escrutínio, quando a maioria das entidades internacionais, incluindo os meios de comunicação social, tinham saído ou sido evacuados do território ou estavam encurralados nas instalações da UNAMET, em Díli, deixando x José Tilman encontrava-se em Soe (Timor Ocidental, Indonésia) quando prestou este depoimento à Comissão. comunidades inteiras nos distritos isoladas e sem monitorização internacional. Esta análise quantitativa indica também que a destruição de bens, levada a cabo pelo TNI e pelas milícias, ocorreu em todos os distritos do território, embora a escala da destruição diferisse entre distritos e subdistritos (ver Capítulo 6: Perfil das Violações dos Direitos Humanos). 99. A 27 de Janeiro de 1999, na altura em que o Presidente Habibie proclamou que o povo de TimorLeste poderia escolher o seu futuro político, já a breve “Primavera de Díli” tinha terminado. A seguir aos ataques do TNI a civis em Alas (Manufahi), em Novembro de 1998, e a intensificação do recrutamento para as milícias, recrudesceu a violência perpetrada pelo TNI e as milícias dentro do território enquanto prosseguiam as negociações destinadas a finalizar as modalidades para a realização do acto de autodeterminação. 100. No fim de Março, as negociações foram interrompidas quando os representantes indonésios regressaram a Jacarta, vindos de Nova Iorque, para tratar da aprovação final dos Acordos. No mês de Abril assistiu-se a uma escalada da violência contra civis pelos militares indonésios e pelas milícias por eles controladas. O massacre de civis na Igreja de Liquiça, a 6 de Abril, foi um dos mais ataques mais ignominiosos a civis e foi coordenado pelo TNI, pela polícia e pela milícia (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). 101. A 17 de Abril, ainda as Nações Unidas não se encontravam no território, esta violência manifestou-se abertamente, a tal ponto que foi realizado um grande comício frente ao edifício do governo em Díli, na presença das hierarquias de topo do TNI e das milícias. A Comissão analisou excertos de filmes feitos nesse comício e identificou a presença de membros do TNI e de dirigentes das milícias, como Eurico Guterres e João Tavares. Imediatamente após o ataque, a milícia desfilou pela cidade em camionetas e motorizadas, intimidando a população civil. Atacaram e massacraram civis refugiados em casa de Manuel Carrascalão no centro da cidade. 102. Durante estes ataques, em 17 de Abril, o TNI e a milícia também destruíram uma casa 85 pertencente a Filomena da Cruz, secretária de Zona do movimento clandestino. A sede do único jornal do território, Suara Timor Timur (Voz de Timor Leste) também foi destruída naquilo que aparenta ter sido um acto de retaliação e de intimidação devido ao facto de o jornal, normalmente pró-integração, ter publicado os apelos a um referendo sobre o futuro do território com uma relativa abertura (ver Capítulo 3: História do Conflito). 103. Em Liquiça, os militares e os membros da milícia Besi Merah Putih [B M P] estiveram 86 envolvidos, desde o início de 1999, em diversos casos de fogo posto, pilhagens e roubos. 104. Foram apresentados à Comissão relatos semelhantes sobre o envolvimento directo de militares nos ataques à população civil e sua intimidação durante este período, em várias zonas 87 88 do território. Estes relatos de violências referem-se aos distritos de Bobonaro, Baucau, 89 90 91 92 Viqueque, , Manufahi, Covalima, e Ermera. Um antigo comandante da milícia Darah Merah Putih, que, nessa época, operava num dos subdistritos de Ermera, disse à Comissão: Em Abril de 1999, o comandante do Kodim 1637 em Ermera, L20, deu-me sete metralhadoras, um camião, dois carros Kijang e um carro Taft. Eu tinha duzentos membros da milícia, que foram recrutados para matar os apoiantes da independência em Hatulia. Ataquei Hatulia com os duzentos homens...Queimámos casas na aldeia de Kukara e no suco de Manusae Bauah. As pessoas 93 fugiram de casa para tentar escapar. 105. Por todo o território, muitas pessoas fugiram de casa com medo destes ataques, deixando as suas propriedades e lares à mercê da destruição e dos saques (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). 106. O distrito enclave de Oecusse, esteve particularmente vulnerável, já que inteiramente cercado por território indonésio e isolado do resto de Timor-Leste. Embora a milícia Sakunar neste distrito tivesse sido uma das últimas a ser criada pelo TNI, em Abril de 1999, veio a revelarse uma das mais violentas. A maioria da população adulta masculina foi recrutada à força para a milícia que recorreu a várias formas de violência a fim de amedrontar os civis, incluindo, prisão, detenção, intimidação, tortura e destruição de bens. Tal como noutros distritos, a milícia não 94 perdeu tempo a lançar-se aos incêndios e às pilhagens. Os alvos desta violência eram a população em geral e apoiantes pró-independência, activistas e dirigentes do CNRT especificamente marcados. Além disso, foram ainda marcados como alvos do TNI os membros das milícias e os defensores da autonomia que revelavam relutância em cometer tais actos. A Comissão recolheu igualmente relatos de casos em que os apoiantes pró-independência se 95 viram obrigados a incendiar as habitações dos seus dirigentes. 107. Após o anúncio dos Acordos de 5 de Maio, apoiantes da autonomia reagiram com hostilidade, fazendo ameaças públicas de terror e assassinando, detendo, violando e destruindo habitações e bens. Em poucos dias, o TNI e as milícias lançaram em conjunto e em vários distritos de todo o território, ataques contra civis suspeitos de apoiarem o movimento pró96 independência. Num ataque em Atara e Lasaun (Atsabe, Ermera), a 16 de Maio de 1999, a SGI (Unidade Conjunta dos Serviços de Informação) e a milícia Tim Pancasila queimaram habitações, 97 destruíram plantações e pilharam os bens de civis nos dois sucos. Foram realizados ainda vários ataques em grande escala. A 8 de Maio, três dias depois do anúncio feito pelas Nações Unidas, um grupo de soldados do TNI comandou mais de quatrocentos membros das milícias num ataque ao suco de Tumin (Oesilo, Oecusse), onde incendiaram habitações, mataram animais, assassinaram alguns civis e forçaram mais de 75 pessoas a deslocarem-se para Imbate 98 (Timor Ocidental, Indonésia). 108. A partir de Junho, com a UNAMET instalada no território juntamente com um grande número de representantes dos meios de comunicação e de observadores internacionais, a escala da violência exercida pelo TNI e pelas milícias atenuou, regra geral, por todo o território. Contudo, verificou-se um recrudescimento da violência em alguns locais ou períodos, em particular, na fase final da preparação da votação. Em Agosto, por exemplo, o TNI e grupos de milícias intensificaram a violência em Oecusse, visando os dirigentes do CNRT e os seus apoiantes. Na manhã de 28 de Agosto de 1999, uma força conjunta do TNI, das milícias Sakunar e Besi Merah Putih, de Liquiça, e membros da polícia indonésia, atacaram a sede do CNRT em Oecusse, 99 mataram dois apoiantes do CNRT que ficaram encurralados dentro do edifício que foi arrasado. No mesmo dia, um ataque conjunto das milícias Sakunar, Aitarak e Besi Merah Putih com o TNI e com a polícia indonésia, resultou no saque e incêndio de habitações nas localidades de Cruz, 100 Bobometo e Oesilo em Oecusse. Passados três dias, o TNI, as milícias e a polícia queimaram 101 120 habitações na aldeia de Debaha, no suco de Bobometo (Oesilo, Oecusse). 109. Quando o povo de Timor-Leste votou esmagadoramente em rejeição pela opção de autonomia especial e optou pela independência, os militares indonésios juntamente com as milícias, lançaram uma campanha de terra queimada que resultou na fuga de mais de 300.000 pessoas para o interior do território e de outras 250.000 para Timor Ocidental.cii Embora algumas pessoas possam ter optado por partir voluntariamente para Timor Ocidental, em geral, esta deslocação foi o resultado de uma campanha de medo e de terror, coordenada pelos militares, para retirar a população do território. Em toda a área do território, os militares indonésios apoiaram e coordenaram uma operação de grande dimensão de destruição de bens públicos e privados. Foi igualmente arrasada a maioria das infra-estruturas de Timor-Leste, mais de 60.000 102 habitações terão sido destruídas juntamente com os haveres das pessoas e o gado foi abatido. Durante as audiências de Reconciliação Comunitária, organizadas pela Comissão entre 2002 e 2004 em todo o território, a queixa mais comum das vítimas desta destruição de bens recaiu sobre a imutabilidade da sua situação de extrema pobreza em consequência destas violações (ver Capítulo 9: Reconciliação Comunitária). 110. Durante os Seminários do Perfil Comunitário, a Comissão recolheu testemunhos e relatos sobre a violência perpetrada depois da votação pelos militares indonésios e pelas milícias em todos os distritos. Muitos dos depoentes sublinharam o facto de as operações serem conduzidas conjuntamente pelos militares indonésios e pelas milícias, como por exemplo em 103 104 105 106 107 108 109 Ermera, Manatuto, , Manufahi, Baucau, Viqueque, Covalima e Oecusse. 111. A maioria dos testemunhos recolhidos pela Comissão, respeitantes às violações durante xi o período pós-votação, provinha do distrito de Oecusse. Centenas de pessoas do subdistrito de Oesilo foram forçadas a aderir à milícia Sakunar e, subsequentemente, forçadas pelos militares indonésios a incendiarem habitações no subdistrito de Bobometo e noutras localidades. Os testemunhos prestados à Comissão explicam que estas operações eram bem coordenadas e de 110 grande dimensão. Como noutros pontos do território, também aqui os ataques envolveram, 111 frequentemente, membros da milícia, com o apoio da polícia e dos militares. 112. A Comissão recolheu mais de duzentos testemunhos do distrito de Bobonaro sobre crimes contra a propriedade, cometidos no decorrer de 1999. Em muitos destes depoimentos 112 incluíram pormenores sobre as operações e os ataques das milícias e dos militares. 113. Enquanto o incêndio das habitações, a matança dos animais e a destruição das culturas agrícolas obedeceram sempre a um mesmo padrão, já utilizado em períodos anteriores do conflito, a devastação, concentrada num período tão breve, não tinha precedentes. Tal como acontecera nas décadas de 1970 e de 1980, não existem indícios de tentativas sérias por parte da polícia indonésia para impedir ou pôr cobro a estes abusos, quando era responsável pela manutenção da lei e da ordem, assim como pela segurança, nos termos dos Acordos de 5 de Maio. Da mesma forma, não existem provas de que os militares indonésios tenham tentado evitar esta destruição a partir do momento em que lhes foi conferida a responsabilidade do cumprimento da lei e da ordem, ao abrigo do decreto da lei marcial promulgado pelo Presidente Habibie no início de Setembro. Pelo contrário, o que existe são provas esmagadoras de que os militares indonésios foram os perpetradores principais destas violações. As provas de conluio entre os militares e os vários grupos da milícia em todo o território são claras e gravosas. Os relatos contemporâneos foram reforçados pelas centenas de testemunhos apresentados à Comissão por pessoas que foram testemunhas do envolvimento directo dos militares e de membros da polícia na violência (ver Capítulo 4: Regime de Ocupação; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.7: Violência Sexual; Capítulo 8: Responsabilidade e Responsabilização). 114. As alegações de conluio dos militares e do seu envolvimento directo na violência foram corroboradas, também, por testemunhos prestados à Comissão por antigos membros das milícias, assim como pelos testemunhos e depoimentos prestados por antigos membros das 113 milícias nas Audiências da Reconciliação Comunitária, em todo o país. Para além disto, os Relatórios do Perfil Comunitário, compilados pela Comissão nos Seminários realizados em sucos de todo o país, registam igualmente o envolvimento dos militares indonésios nesta operação de 114 destruição em massa da propriedade em todo Timor-Leste. 115. A Comissão recebeu um documento que relata detalhadamente o saque do Museu Nacional de Díli, de onde foram roubadas centenas de peças representativas da cultura e da História timorense. Este documento sublinha que membros do TNI prepararam camiões, carregaram essas peças e transferiram-nas para Timor Ocidental, Indonésia, onde ainda hoje se xii encontram. Maus-tratos a combatentes inimigos 116. O direito internacional contém disposições claras relativamente à protecção de combatentes capturados. Normalmente, quando um combatente cai entre as mãos do inimigo, xi 110 testemunhos referem 117 casos em que as ABRI/TNI e os grupos de milícias foram nomeados como perpetradores da violência. xii A Comissão recebeu um documento baseado numa entrevista com Virgílio Simith, que, em 1999, pertencia à direcção do CNRT e era responsável pelos assuntos culturais. Virgílio Simith declarou que as autoridades indonésias do Museu em Comoro, Díli, levaram cerca de 3.000 peças de valor cultural em Setembro de 1999 e nunca foram devolvidas. [Entrevista com Virgílio Simith, 7 de Julho de 2005 por David Hicks, Maxine Hicks e Phyllis Ferguson, Documento disponibilizado à CAVR. Arquivos da CAVR. Ver, também, Capítulo 3: História do Conflito]. adquire o estatuto de Prisioneiro de Guerra (PdG). Este estatuto engloba aqueles que se incluem em qualquer um dos seguintes grupos: • Membros de Forças Armadas, • pessoas que pegaram espontaneamente em armas para resistir a um exército invasor e que não tiveram tempo para se constituir em unidades organizadas mas que andam abertamente armadas (por vezes designado levée en masse), e • combatentes da resistência ou membros de milícias que cumprem determinadas normas que 115 estipulam que se apresentem distintamente dos civis Estatuto das Falintil As Falintil não eram as Forças Armadas de um Estado parte no conflito e, como também não eram meros civis que pegaram espontaneamente em armas contra uma força invasora, pelo que não podem ser consideradas como levée en masse. Assim, as Falintil só adquiriam o direito ao estatuto de PdG se cumprissem os requisitos definidos na Convenção III de Genebra aplicáveis aos movimentos de 116 resistência, milícias e grupos afins. Estes requisitos são os seguintes: • O grupo em questão tem de ser comandado por uma pessoa responsável pelos seus subordinados (ou seja, o grupo deve ter uma real estrutura de comando). • Os membros do grupo têm de usar um sinal distinto fixo que se reconheça à distância. O objectivo deste requisito é permitir ao inimigo distinguir os membros do grupo (que são alvos militares legítimos) dos civis (que não são alvos legítimos). Por esta razão, parece provável que a lei consuetudinária tenha subordinado as normas mais liberais e exija que os membros do grupo se xiii distingam de alguma forma dos civis. • Os membros do grupo devem usar as suas armas à vista, e • Em geral, o grupo deve respeitar, nas suas operações, as leis e costumes de guerra. A Comissão é de opinião que os membros das Falintil cumpriram devidamente os requisitos acima, de forma a poderem ser considerados combatentes privilegiados, nos termos deste Relatório. As Falintil tinham estruturas de comando e de disciplina relativamente rigorosas e vinculativas, usavam as armas à vista e, em geral, realizavam as suas operações em conformidade com o direito e os costumes da guerra. No início do conflito, os membros das Falintil usaram os uniformes das Forças Armadas portuguesas. Por volta de 1978, muitos desses uniformes estavam gastos e foram sendo substituídos por outras fardas militares. Contudo, a combinação dos uniformes disponíveis, das insígnias e de outras características distintivas - os membros das Falintil adoptaram uma política uniforme e exclusiva de usar o cabelo extremamente comprido – facilitava a sua distinção à distância. Durante o conflito, os civis usaram o cabelo curto de modo a que as forças militares indonésias não os tomassem 117 por membros das Falintil. 117. Em caso de dúvida na determinação do estatuto de PdG, a pessoa deve ser considerada 118 PdG até que o seu estatuto seja definido por um tribunal competente. xiii Artigo 43º, nº 3, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra, de 1977. Provavelmente este requisito mais abrangente reflecte um costume pré-existente a 1977 ou tornou-se costume muito pouco depois: ver Christopher Greenwood, “Customary Law Status of the 1977 Geneva Protocols”, in Astrid J.M. Delissen e Gerard J. Tanja (eds), Humanitarian Law of Armed Conflict: Challenges Ahead, Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1991, p. 107. 119 118. Os prisioneiros de guerra devem ser tratados com humanidade. Não podem ser 120 torturados, mortos ou sujeitos a intimidação ou insulto. A provisão de alimentos, água e os 121 tratamentos médicos necessários deve ser assegurada. Devem ser mantidos afastados de 122 zonas sob o perigo de ataque durante as operações militares. 119. Os combatentes que não são PdG têm igualmente direito a serem tratados de acordo xiv com normas estipuladas. Têm de ser tratados com humanidade em qualquer circunstância. Estão também protegidos pela legislação referente a direitos humanos que proíbe as mortes extrajudiciais, a tortura e a prisão arbitrária e garante o direito a um julgamento justo. Acresce que, a Convenção IV de Genebra estipula que as pessoas que se encontram em territórios ocupados e são suspeitas de actos hostis contra a potência ocupante devem ser tratadas com 123 humanidade e têm direito a um julgamento imparcial e regular. 120. A Comissão obteve cópia de um documento oficial indonésio que define os procedimentos para o interrogatório de civis ou soldados das Falintil que se renderam ou foram capturados. O documento reconhece que a obtenção de informação de boa qualidade requer que seja garantida a segurança do(s) preso(s) durante o interrogatório. As técnicas incluíam tentar convencer o(s) preso(s) de que as ABRI/TNI tinham consciência dos perigos que os seus prisioneiros sofreriam, às mãos da Fretilin/Falintil, caso divulgassem informação sensível. O documento sublinhava ainda os actos a serem evitados durante o interrogatório, como impor a vontade do interrogador aos presos, o recurso à força e à ameaça, assim como o tirar conclusões 124 precipitadas. 121. Na verdade, os prisioneiros e, em especial, os soldados das Falintil, foram submetidos sistematicamente a tortura durante os interrogatórios. Alguns foram deliberadamente mortos e outros morreram em consequência dos ferimentos infligidos durante os interrogatórios. O Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos, descreve pormenorizadamente estes procedimentos e constata que o modus operandi adoptado nos interrogatórios era, no essencial, ilícito. 122. O período da Operação Seroja, levada a cabo pelos militares indonésios nos anos imediatamente a seguir à invasão de 1975, assistiu ao maior número de prisões e rendições de soldados da Fretilin/Falintil. Os militares indonésios realizaram operações específicas a fim de tentarem convencer o topo da hierarquia da Fretilin/Falintil a render-se, nomeadamente, a Operação Skylight, por vezes designada movimento Skylight (ver Capítulo 3: História do Conflito). Além disso, o Presidente Suharto promulgou, em 1977, uma amnistia a conceder aos membros da Fretilin/Falintil que se rendessem. Nenhuma das iniciativas conseguiu garantir a protecção dos membros da Fretilin/Falintil que se renderam ou que foram capturados e muitos deles foram torturados e executados ou desapareceram (ver Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). Não foi possível determinar quantos membros da Fretilin/Falintil foram submetidos a este tipo de tratamento durante os primeiros anos da Operação Seroja, na década de 1970. 123. Os testemunhos prestados à Comissão lançaram alguma luz sobre o tratamento infligido 125 a soldados da Fretilin/Falintil capturados, nomeadamente tortura e maus-tratos. Muitos 126 desapareceram enquanto presos, não voltaram a ser vistos e presume-se que morreram. Quando, durante todo o ano de 1978, um grande número de civis desceu das montanhas após as operações militares em massa que visavam destruir as bases da Fretilin/Falintil, os militares indonésios tentaram identificar aqueles que consideravam serem membros da Fretilin/Falintil. Interrogaram civis para tentarem obter informações sobre as forças da Resistência que ainda se encontravam nas montanhas. Por exemplo, a comunidade do suco de Lifau (Laleia, Manatuto) explicou à Comissão o modo como as ABRI/TNI interrogaram um grupo capturado no seu suco. Três homens foram denunciados como dirigentes da Fretilin/Falintil e a Comissão foi informada xiv Mais especificamente, com a aplicação da Cláusula Martens (definida na Convenção IV da Haia de 1907 e em várias outras convenções), aplicam-se os “princípios de humanidade” [ver Relatório da Comissão do Direito Internacional sobre os Trabalhos da sua 46ª Sessão, 2 de Maio - 22 de Julho de 1994, GAOR A/49/10, p. 317; Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear Weapons (1986) ICJ Reports, parágrafo 78 e o Parecer Contrário do Juiz Shahabuddeen]. 127 que estes homens foram executados pelos militares indonésios. Termos como “reeducação”, ou “banho de mar” ou “vai nadar” tornaram-se eufemismos usados para designar as execuções 128 extrajudiciais perpetradas pelos militares indonésios. 124. Em 1980, depois do levantamento da Resistência e o ataque à estação de televisão em Marabia, nos arredores de Díli, os militares indonésios retaliaram, tratando com toda a brutalidade as pessoas que eram suspeitas de envolvimento com a Resistência. Foram detidas e torturadas centenas de pessoas e um grande número pessoas foi executada ou desapareceu (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). Existem também relatos de violações semelhantes contra membros da 129 Fretilin/Falintil, durante a Operação Kikis, em 1981. 125. A Comissão recolheu vários relatos sobre maus-tratos assim como sobre o assassínio de 130 soldados das Falintil, capturados na década de 1980. Em 1984, por exemplo, travou-se uma batalha entre as Falintil e as ABRI/TNI, na floresta, em torno de Manatuto, em que três soldados das Falintil foram capturados pelas ABRI/TNI e levados para Díli. Um soldado foi metido num bidão cheio de água durante duas horas, obrigado a dormir com a roupa molhada e espancado 131 com um pau na cabeça, nas pernas e nas mãos, todas as noites, durante uma semana. Os 132 maus-tratos infligidos a combatentes e a civis prolongaram-se pela década de 1990, confirmando as alegações de que o tratamento infligido aos combatentes, capturados pelas ABRI/TNI, violavam os princípios legais internacionais. 126. A Comissão reconhece que, devido ao tempo e recursos limitados de que dispunha para o seu trabalho e o acesso limitado aos registos militares indonésios, muitos casos de maus-tratos e de mortes de soldados das Falintil, capturados ou que se renderam, não foram mencionados durante as actividades de recolha de informação que a Comissão levou a cabo. Recomenda-se que as investigações relativas à experiência das forças da Fretilin/Falintil durante este período sejam levadas por diante, a fim de enriquecerem o material recolhido pela Comissão. Meios ilícitos de combate 127. O direito humanitário restringe a gama de armas e de técnicas (“meios de guerra”) que 133 podem ser usadas para causar danos às forças oponentes. Aplicam-se dois princípios gerais: 1. É proibido utilizar meios de guerra que causem ferimentos supérfluos ou sofrimento 134 desnecessário 2. É proibido utilizar meios de guerra que não permitam que o atacante distinga entre alvos 135 militares e civis (“meios indiscriminados”). Esta proibição inclui tácticas como do 136 envenenamento de reservas de água ou alimentares, ou tentativas de matar à fome as 137 populações. 128. A invasão indonésia de Timor-Leste, em 1975, foi uma operação militar em grande escala, que envolveu milhares de tropas e recorreu a equipamento de combate ligeiro e pesado. Um documento oficial militar a que a Comissão teve acesso, enumera a lista das armas e do 138 material bélico utilizados durante as operações em Timor-Leste. Apesar de grande parte deste material bélico ter por principal função a destruição em larga escala, as ABRI/TNI utilizaram frequentemente estas armas em operações para destruírem alvos não militares, incluindo habitações de civis, culturas de rendimento, arrozais e, até, os próprios civis, numa utilização desproporcional de força. 129. A Comissão conseguiu ainda obter informação sobre o tipo de munições usadas pelos 139 militares indonésios durante as suas operações em Timor-Leste. Embora a lei enumere os tipos de munições que podem ser usadas em operações militares cujo alvo são as forças armadas inimigas e certos alvos militares ou alvos civis usados para fins militares, essas munições não podem ser usadas contra civis no decurso de uma operação militar ou em circunstâncias em que não é possível estabelecer uma distinção entre civis e combatentes. A Comissão foi também informada de que as ABRI/TNI colocaram minas dentro de edifícios civis ou em torno destes. A comunidade do suco de Maneluma (Laulara, Aileu) contou à Comissão que, em 1978, muitos habitantes renderam-se aos militares indonésios. Nessa altura, um membro da comunidade, Aurélia Daumali, terá pisado uma mina enquanto procurava comida em 140 torno da igreja e morreu. 130. A Comissão recolheu testemunhos sobre 285 bombardeamentos aéreos levados a cabo por militares indonésios, entre 1975 e 1999; 125 desses testemunhos forneceram pormenores sobre a forma como os bombardeamentos causaram a morte de civis e a destruição de habitações, assim como de outros edifícios e de culturas agrícolas. Os bombardeamentos ocorreram em todos os distritos, à excepção de Oecusse. A maioria dos relatos recolhidos referem-se aos bombardeamentos de 1978, quando as zonas libertadas pela Fretilin foram objecto de ataque intenso que causou a morte a muitos civis e acabou por resultar na destruição das zonas libertadas e na rendição de muitos civis às forças das ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). 131. Vários relatórios de Perfis Comunitários organizados pela Comissão confirmam que os bombardeamentos aéreos mataram um número significativo de civis que fugiam da invasão. A Comissão recolheu vários relatos que confirmam o uso, pelas forças indonésias, de armas xv químicas ou biológicas, tanto contra alvos militares quanto contra alvos civis. Diversas comunidades dos sucos em várias localidades, falaram à Comissão num número avultado de mortes por envenenamento após os bombardeamentos aéreos indonésios. Num Seminário do Perfil Comunitário no subdistrito de Atsabe (Ermera) foi relatado que os bombardeamentos em 1976 e1977 nessa zona, causaram a paralisia de membros e a morte subsequentemente de 141 cerca de duas mil e quinhentas pessoas por envenenamento. Experiência semelhante ocorreu em Lacló (Atsabe, Ermera) e em Paramim (Atsabe, Ermera), em Janeiro de 1977. Cerca de mil e quinhentos membros da comunidade que se tinham deslocado para Cailaco em Lesamau (Atsabe, Ermera) para evitar morrer de fome, morreram depois de terem consumido legumes e cereais e de terem bebido água. Os sobreviventes disseram à Comissão que pensavam que 142 estas mortes foram causadas pelo veneno largado pelos bombardeiros indonésios. Num incidente posterior, em 1978, no suco de Laubono em Lesamau (Atsabe, Ermera), morreram muitos habitantes em Lasaun (Atsabe, Ermera), assim como soldados das Falintil que se encontravam em Lesamau, devido ao consumo de comida e água envenenadas, um mês após 143 os bombardeamentos pelas ABRI/TNI. Os habitantes de Guololo (Letefoho, Ermera) disseram à Comissão que, em Junho de 1978, muitos civis de Cailaco (Bobonaro) morreram envenenados 144 por motivos idênticos. 132. Agusto Soares, que, na altura tinha 17 anos, falou à Comissão na morte de civis devido a envenenamento em Lesamau (Atsabe, Ermera), entre 1977 e 1978: Dessa vez o TNI não largou bombas. Encheram bidões com veneno e largaram-nos dos aviões sobre Lesamau. Contaminaram todas as reservas de alimentos. As pessoas colhiam folhas e legumes, cozinhavam-nos e comiam-nos e, depois, morriam. Bebiam água e morriam Apanhavam raízes de mandioca a 15 centímetros de profundidade, e morriam. Morreram cerca de quatrocentas pessoas. A maior parte dos que morreram era do suco de Katrai Kraik [Letefoho, Ermera], incluindo todos os habitantes de uma parte do suco, com a excepção de uma mulher de idade e da filha, que ainda hoje vivem no suco de Katrai 145 Kraik. 133. Agusto Soares afirmou à Comissão que milhares de pessoas que haviam fugido de Letefoho (Ermera), Ermera, Ainaro, Aileu e Cailaco (Bobonaro), perante o avanço das ABRI/TNI, xv Vários testemunhos (ver, por exemplo, HRVD, testemunho nº 04078) continham pormenores sobre as bombas, que mostram que estas eram mais do que simples material bélico vulgar [ver também entrevista da CAVR a Francisco Barbosa, suco de Manumera (Turiscai, Manufahi), 8 de Setembro de 2003]. refugiaram-se na base da Fretilin/Falintil, em Katrai Leten, no sopé do Monte Ramelau (Letefoho, Ermera). As tropas das Falintil reuniram esses civis por detrás da linha de fogo, permitindo-lhes trabalhar as terras para evitar que morressem de fome. Em 1978, os militares indonésios atacaram Katrai Leten, vindos de Atsabe (Ermera), Same (Manufahi) e Bobonaro. Cercaram os sucos que apenas tinham população civil residente e dispararam morteiros, bazucas e canhões a partir de quatro pontos, enquanto os aviões lançavam bombas que causaram a morte a muitos 146 civis, destruíram a base de Katrai Leten e resultaram na captura de inúmeros civis. 134. A Comissão recolheu igualmente relatos sobre helicópteros que lançaram veneno, causando mais de duzentas mortes de civis nos sucos de Bora e Manelima (Laclubar, 147 Manatuto). A Comissão não teve possibilidade de verificar o tipo de bombas utilizados para envenenar as culturas agrícolas e a água, já que não teve acesso aos arquivos militares indonésios. Quando terminou a Operação Seroja, os militares indonésios continuaram a recorrer ao uso de veneno, que causou a destruição de plantas e da vegetação. Membros da comunidade do suco de Kakae Uman (Natarbora/Barique, Manatuto) declararam que, durante a Operação Kikis em 1981, os militares indonésios envenenaram os campos agrícolas. A comunidade informou ainda a Comissão que, durante um mês em 1983, os militares indonésios obrigaram os habitantes do suco a participarem numa operação na floresta e a envenenar todas as plantações o que, segundo alguns, se destinava a envenenar e a matar os soldados das Falintil, que 148 poderiam recorrer aos produtos cultivados nesses campos para obterem alimentos. 135. As forças indonésias recorriam muito a bombas de alta potência cuja precisão era limitada, o que resultava na morte de um número significativo de civis, mesmo quando o alvo era militar. A Comissão foi informada de que em 1978, em resultado de um bombardeamento aéreo, foram mortas cerca de oitocentas pessoas do suco de Guruça (Quelicai, Baucau), que tinham 149 fugido para o Monte Matebian. Vários outros relatos, feitos por diferentes comunidades, ilustram claramente a devastação causada por esta campanha sistemática de bombardeamentos, 150 levada a cabo durante este período. 136. Segundo Lucas da Costa Xavier, antigo soldado das ABRI/TNI baseado em Same (Manufahi), que participou em várias operações militares, em 1978, os militares indonésios dispararam rockets em todas as direcções, noite após noite, durante duas semanas, nomeadamente contra zonas suspeitas de esconderem a Fretilin em Tutoluro, Kablaki, Roin e Holarua (Same, Manufahi). Lucas da Costa Xavier disse à Comissão que um civil lhe contara uma operação semelhante, explicando que: As árvores e a erva ardiam quando as bombas as atingiam e a água não se podia beber por estar contaminada com veneno. Muitos civis morreram por ter bebido a água contaminada pelo schrapnel das bombas lançadas pelos aviões e muitos morreram de queimaduras...Era a estação seca, por isso a erva ardia 151 facilmente. 137. Tendo em conta a descrição feita à Comissão sobre os inúmeros bombardeamentos e os objectivos estratégicos da campanha militar, a Comissão concluiu que foram usadas bombas incendiárias durante as campanhas. Os aviões OV-10 Bronco fornecidos pelos Estados Unidos 152 da América estavam equipados com armas ligeiras, rockets e “opalm”, um equivalente 153 soviético do napalm adquirido pela Indonésia durante a campanha no Irian Ocidental. A Comissão recebeu cópias de filmes de propaganda dos militares indonésios sobre as campanhas nos finais da década de 1970, incluindo longos excertos de filmes sobre a preparação dos raides de bombardeamentos no Aeroporto de Baucau, assim como outros excertos sobre os próprios raides. Nestes excertos, o pessoal militar indonésio é filmado no Aeroporto de Baucau, visivelmente a carregar os aviões OV-10 Bronco com bombas rotuladas “OPALM”, e os aviões a 154 descolarem. Além disso, um documento confidencial militar indonésio, disponibilizado à Comissão, contém pormenores das armas utilizadas, incluindo as bombas de opalm, bombas de largo alcance e sem alvo específico e aviões OV-10 Bronco e Sky Hawk. Os quadros abaixo foram extraídos desse documento confidencial militar indonésio: Quadro 1 - Capacidade dos aviões tácticos xvi Tipos de Arma Metralhadoras A-4 SKY HAWK Dois canhões, calibre 30 mm (250 balas) Rockets 6 Lançadores de rockets (42 Rx FFAR2,75) OV-10F BRONCO 4 Canhões, calibre 12,7 mm (1.600 balas) 4 Lançadores de rockets (28 Rx FFAR-2,75) Bombas 8 Bombas 5 Bombas Munições Balas 30 mm Rockets FFAR 2,75 polegadas Bombas MK-81-130 Kg Bombas MK-82-250 Kg Bombas FAB-250 Kg Bombas OFAB-100 Kg Bombas TAL-1-250 Kg Bombas ZHB-100 Kg Bombas MK-1-130 Kg Balas 12,7 mm Rockets FFAR 2,75 polegadas Bombas MK-81-130-Kg Bombas MK-82-250 Kg Bombas FAB 25 Kg Bombas OFAB 100 Kg Bombas TAL 1-250 Kg Bombas ZHB-100 Kg Quadro 1 - Tipo de munições e seu alcance de segurança Munição Balas 12,7 mm Capacidades Anti-pessoal, raio de 10 m Alcance Mínimo de Segurança 500 m Balas 30 mm Anti-pessoal, capaz de penetrar aço, raio de 35 m 500 m Rockets FFAR 2,75 polegadas 700 m Bombas KM-1-130 Kg Anti-Tanque e Anti-pessoal, raio de 130 m Alcance Geral, raio de 400 m Bombas MK-82-250 Kg Alcance Geral, raio de 540 m 2.000 m Bombas MK-5B-250 Kg Queimar alvos, com o calor a atingir, +/- 1725 graus Celsius durante 15 min., raio de 600 m Anti-pessoal, raio de 260 m 2.000 m Anti-pessoal e alvos fáceis (casas), raio 495 m Anti-pessoal e alvos difíceis (armazéns), raio de 370 m 2.000 m Anti-pessoal e incêndio, raio de 340 m Queimar alvos, temperatura a atingir +/- 1.725 graus Celsius, raio de 400 m 1.700 m Bombas TAL-1- 250 Kg Bombas FAB-250 Kg Bombas OFAB-100 Kg Bombas ZHB-100 Kg OPALM 1.700 m 2.000 m 1.700 m 1.500 m Fonte: Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril de 1988, Forças Armadas Indonésias, Comando das Operações de Segurança em Timor Leste. 138. O Quadro 1 revela a importância que os aviões fornecidos por países estrangeiros tiveram nos ataques assim como a capacidade significativa destes aviões. O Quadro 2 confirma o fornecimento de “OPALM” para utilização em Timor-Leste, assim como de bombas destinadas a serem usadas em “alvos fáceis” (casas), e de bombas antipessoais com um raio de acção importante que se destinavam a “queimar alvos” e que dificilmente poderiam garantir, com algum grau de segurança, que só atingiriam alvos militares quando usadas em regiões montanhosas, perto de populações civis. Este documento é datado de 1988, mas os testemunhos à Comissão xvi Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril de 1988, Forças Armadas Indonésias, Comando das Operações de Segurança em Timor Leste. confirmam a utilização de OV-10 B r o n c o s em finais da década de 1970, em raids de bombardeamentos sobre áreas densamente povoadas por civis, com consequências extremamente graves para a população (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). 155 139. Embora o tratado que proibe o uso de armas incendiárias do tipo do napalm, só tenha sido aprovado em 1980 e a Indonésia não o tenha assinado ou ratificado, a maioria das utilizações dadas a este tipo de armas viola os princípios gerais que proíbem armas e meios de guerra indiscriminados que causam danos supérfluos ou sofrimento desnecessário. 140. Adriano João, que foi Delegado da Fretilin em Cailaco (Bobonaro) até 1979, declarou à Comissão que, em 1977, foram lançados rockets e bombas napalm a partir de aviões Sky Hawk 156 das forças indonésias, causando irritações dérmicas graves e a morte de muitos civis. Habitantes de Obulo e Batomanu (Atsabe, Ermera) afirmaram que, em 1979, os militares indonésios lançaram bombas napalm sobre Atasuro em Lesamau, causando a morte de 12 157 civis. 141. Durante a Operação Kikis, no início da década de 1980, os participantes civis foram obrigados a destruir as plantações que os soldados da Fretilin/Falintil pudessem utilizar como fontes de alimentos. A Comissão recolheu vários relatos sobre o modo como os militares indonésios envenenaram deliberadamente os recursos de água utilizados pelas forças da 158 Fretilin/Falintil. Recrutamento forçado para as actividades militares 142. O direito humanitário proíbe que as partes em conflito forcem nacionais do território 159 inimigo a participar em operações militares dirigidas contra o seu próprio país. Uma força 160 ocupante não deve forçar civis a servir nas suas forças armadas ou auxiliares, e não deve 161 exercer pressões, nem recorrer à propaganda, para incentivar o alistamento. 143. Nos finais de 1975, a seguir à invasão e ao subsequente avanço militar destinado a controlar o território, os militares indonésios deram início ao processo de recrutamento de civis timorenses para auxiliar os militares nas suas operações. A partir de finais de 1974, os militares indonésios treinaram membros da APODETI, o partido político pró-integração, chamando-lhes forças de Partidários. Membros do partido político UDT, que fugiram para Timor Ocidental, Indonésia, depois da derrota no conflito interno armado, juntaram-se aos Partidários e ajudaram os militares indonésios nas operações transfronteiriças e, em última instância, na invasão final. Tendo invadido Díli e Baucau e ocupando, já, territórios nos distritos ocidentais de Timor-Leste, os militares indonésios começaram a proceder ao alistamento de civis, especialmente homens e rapazes, para transportarem mantimentos e outras necessidades de logística militar. Esta campanha de recrutamento era conhecida como Tenaga Bantuan Operasi (auxiliares de operação, TBO). Os T B O acompanhavam frequentemente as tropas na linha da frente de combate, carregando munições e outro material. Por vezes agiam também como batedores ou guias, abrindo caminho aos militares indonésios e eram, até, infiltrados nas zonas libertadas pela Fretilin como espiões das ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança, nomeadamente a caixa sobre o papel dos TBO nas operações militares). 144. Algumas operações militares específicas envolveram o recrutamento forçado de civis. A Operação Kikis, referida atrás, por exemplo, implicou a participação forçada de um avultado número de civis (ver também Capítulo 3: História do Conflito); as tropas Tombak ou Lança - ver adiante; buscas forçadas de familiares dos civis nas florestas e nas montanhas; vigias nocturnas em comunidades específicas; e, ainda, a participação forçada na defesa civil local e nas estruturas da milícia. 145. Os testemunhos feitos à Comissão revelam que o recrutamento de civis levado a cabo pelos militares indonésios, forçado ou não, visava em primeiro lugar os homens adultos, embora também incluísse um grande número de crianças (ver Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança). Os testemunhos relatam, também, que este recrutamento começou antes da invasão, intensificou-se logo a seguir à invasão e continuou a aumentar regularmente durante o período da Operação Seroja, de 1975 a 1979. Entre finais de 1979 e 1981, antes da Operação Kikis, o recrutamento diminuiu, tendo, aumentado muito posteriormente, durante a campanha de recrutamento forçado em massa que acompanhou a Operação Kikis, em 1981. Após esta operação, o número de civis recrutados continuou a baixar, antes de voltar a aumentar, em finais de 1998 e princípios de 1999. 146. A Comissão recolheu depoimentos de 405 casos individuais de recrutamento forçado de civis destinados a integrar as operações militares indonésias entre 1975 e 1979. Foram mencionados outros 292 casos relativamente ao período de 1980 a 1990, tendo baixado para 143 casos, durante o período de 1990 a 1999. O número de casos de recrutamento voltou a aumentar, no fim de 1998 e princípios de 1999, quando os militares indonésios começaram a sua campanha de constituição de grupos de milícia pró-autonomia em todo o território. O número relativamente reduzido de relatos de casos de recrutamento TBO no período da Operação Seroja e da Operação Kikis, quando um elevado número de civis foi recrutado à força para ajudar nas operações militares em todo o território, confirma que, regra geral, a opinião pública não considera o recrutamento forçado como uma violação grave comparada com outras violações comuns nessa época, nomeadamente a prisão e a tortura, a violência sexual, os homicídios e desaparecimentos e outras violações graves. 147. A Comissão reconhece que nem todos os timorenses que participaram como TBO ou que, noutra capacidade, auxiliaram os militares indonésios foram forçados a fazê-lo. Houve, evidentemente, pessoas que se tornaram TBO ou que de outro modo auxiliaram as ABRI/TNI por um sem número de razões económicas, de segurança, pessoais e políticas. (ver Capítulo 4: Regime de Ocupação e Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança, secção sobre crianças TBO). Insert Graph G122Mhrvd 2100.pdf[PA3] Padrões de recrutamento 148. Em cada um dos períodos do conflito, o alistamento e recrutamento de civis timorenses foram utilizados com objectivos específicos de estratégia militar e política. Para além dos benefícios práticos de recorrer a uma “mão-de-obra” local e de a utilizar, estas práticas também serviam para dividir, fragmentar e, em última análise, enfraquecer as comunidades timorenses, assim como a sociedade no seu todo; serviam, também, como pretexto de justificação da propaganda indonésia que alegava que havia um apoio significativo à sua presença em Timor Leste. 149. Embora o recrutamento visasse mais os homens, a Comissão recolheu, também, provas claras de que mulheres e crianças, em certas localidades, foram igualmente forçadas a participar em diferentes operações militares. O recrutamento forçado era utilizado como táctica de consolidação da invasão e foi inclusivamente usado durante a fase que antecedeu a invasão, quando as forças indonésias se infiltravam clandestinamente nas regiões ocidentais do território. Odete dos Santos falou à Comissão sobre o recrutamento forçado de TBO mesmo antes da invasão em larga escala Em 1975, L20 (na altura Administrador Distrital de Bobonaro,) do partido UDT obrigou-me, a mim e à minha família a ir para Atambua [Timor Ocidental]. Lá [Atambua], o TNI obrigou duas pessoas, Lesu Bere e Alfredo Lopes, a tornarem-se TBO. Mais tarde participaram numa operação, com o TNI, em Atabae [Bobonaro]. Lesu Bere foi morto a tiro pelo TNI, em Atsabe (Ermera). O corpo foi levado e enterrado próximo da fronteira com Atambua. O TNI também matou e enterrou Alfredo Lopes em 162 Maliana [Bobonaro]. A sua sepultura ainda ali se encontra. 150. A Comissão recolheu testemunhos sobre recrutamentos forçados no período da Operação Seroja nos anos imediatamente a seguir à invasão, levados a cabo pelos militares indonésios em todos os distritos do território, à excepção de Oecusse, onde nessa fase não eram conduzidas operações militares. 151. Praticamente todo o recrutamento de TBO teve lugar nos primeiros anos da Operação Seroja, entre 1975 e 1979, os anos em que os militares indonésios levaram a cabo vastas operações militares em todo o território, num esforço para derrotar a resistência armada da Fretilin/Falintil. Durante esse período, os TBO foram recrutados maioritariamente entre os grupos de civis que eram capturados ou que se rendiam. 152. Os testemunhos recolhidos pela Comissão sugerem que os militares indonésios escolhiam deliberadamente os apoiantes da Fretilin ou os membros das Falintil para os transformar em TBO. Maumali Sarmento, um membro da Fretilin, de 31 anos de idade, foi capturado pelas ABRI no dia em que foi lançada a invasão e permaneceu TBO durante os três anos seguintes. Disse à Comissão: A 7 de Dezembro de 1975, quando se deu a invasão militar indonésia de Díli, eu era membro da Fretilin. Com dois dos meus amigos, Mau Mali e Domingos da Silva, fui obrigado por membros de Marinir 1, Zipur 10 e Armed 1 a tornar-me TBO. Acompanhámos as tropas em operações até Metinaro [Díli]. Durante os três anos em que fomos TBO, as nossas funções incluíam apanhar lenha, 163 cozinhar, ir buscar água e lavar a roupa. 153. Um testemunho semelhante foi prestado por José Nunes de Andrade, simpatizante da Fretilin, que fugiu para Same em 1975, onde foi capturado pelas ABRI quando estas se ocuparam a zona. Foi utilizado para transportar material a pé pelas montanhas e permaneceu 164 TBO até 1979. Flaviano dos Santos era membro das Falintil quando foi capturado em Atabae (Bobonaro), em 1975. Disse à Comissão que, depois de ter sido capturado, foi obrigado a transportar alimentos e munições para dois batalhões militares, durante nove meses. Em 1976, quando lhe permitiram regressar à sua terra natal, as milícias timorenses locais e o pessoal das 165 ABRI tinham-se apoderado da sua casa e de outros bens. 154. Em Janeiro de 1976, quando as ABRI tomaram Atabae (Bobonaro), muitos civis renderam-se ou foram capturados. Agostinho dos Santos Barreto disse à Comissão que cerca de 400 civis foram obrigados a tornar-se TBO e servir em operações militares nos arredores de Bobonaro, depois em Maubara (Liquiça), antes de regressarem a Atabae, onde alguns tiveram autorização para regressar para junto das famílias mas outros foram obrigados a permanecer 166 TBO. 155. Foi apresentado à Comissão um relato semelhante pela comunidade de Guruça (Quelicai, Baucau). Em Maio de 1978, quinhentos membros da comunidade renderam-se aos militares indonésios, depois de descerem de Matebian. Apesar de muitos homens se encontrarem doentes e fracos, foram obrigados a trabalhar para as ABRI e para a Hansip, e cerca de sessenta foram recrutados como TBO para operações militares indonésias, enquanto as 167 mulheres eram obrigadas a participar nas vigias nocturnas. 156. Vários relatos recebidos pela Comissão revelam a forma como os membros da Fretilin/Falintil que se renderam ou foram capturados nesse período, foram, por vezes, obrigados a regressar à floresta para procurar as Falintil. Em 1978, por exemplo, Horácio Sousa, que tinha servido com as tropas das Falintil em Nunululi, Laclubar (Manatuto), foi capturado com mais quatro pessoas. Depois de terem passado uma semana em Fatumakerek (Laclubar), foram-lhes dados uniformes da Hansip e armas e viram-se obrigados a participar numa série de operações militares com o Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100, nas proximidades de Laclubar 168 (Manatuto), Alas (Manufahi) e Maubisse (Ainaro). 157. A Comissão recolheu depoimentos e ouviu relatos de comunidades da região Leste sobre o envolvimento de T B O timorenses com as ABRI/TNI no assalto final ao Monte 169 Matebian. 158. A campanha de recrutamento generalizado que angariou os civis a serem utilizados na Operação Kikis foi uma acção sem precedentes que envolveu as estruturas civis da administração local criadas para guarnecer a administração militarizada que controlava de facto o território. A participação era obrigatória e a Comissão obteve vários relatos de tortura de civis que 170 se recusaram a participar. 159. Em 1982 e 1983, foram lançadas operações semelhantes pelos militares indonésios num esforço para encontrar sobreviventes entre os combatentes da Fretilin/Falintil. Contudo, durante este período, o recrutamento de civis foi relativamente limitado e as campanhas militares restringiram-se em grande medida a operações de busca em áreas específicas. Durante estas operações, os habitantes dessas áreas receberam ordens para destruir, envenenar e queimar as 171 culturas agrícolas que encontrassem, de forma a impedir a Fretilin/Falintil de as utilizar. Trabalho dos TBO – riscos e perigos 160. As condições de trabalho dos TBO eram penosas confrontando-se, muitas vezes, com situações de perigo de vida. Os perigos e as ameaças eram numerosos e oriundos de uma grande diversidade de fontes. A alimentação deficiente e as doenças enfraqueceram e mataram muitos; os TBO foram muitas vezes vítimas de batalhas, capturados ou mortos pelas forças da Fretilin/Falintil; alguns foram mortos pelos militares indonésios; outros não regressaram das operações e continuam desaparecidos até hoje. 161. Florentina Santos, do suco de Talimoro (Ermera, Ermera), disse à Comissão que o seu irmão mais velho, que foi forçado a tornar-se TBO em Liquiça, foi capturado e morto pelas Falintil 172 em 1976. Moisés da Costa, que tinha onze anos quando o pai se rendeu aos militares indonésios em 1978, disse à Comissão que o pai fora obrigado a regressar à floresta para procurar a família mas que fora capturado e morto pelas Falintil, que o acusaram de ser um 173 espião das ABRI. A Comissão recolheu vários relatos sobre pessoas desaparecidas, que foram vistas, pela última vez, aquando do seu recrutamento como TBO e que nunca regressaram 174 das operações. 162. Os Seminários de Perfil Comunitário da Comissão lançaram alguma luz sobre o impacto do recrutamento de TBO. Os habitantes do suco de Defawasi, por exemplo, explicaram a sua rendição às forças das ABRI, em Outubro de 1978, a seguir ao ataque ao Monte Matebian. As forças militares indonésias internaram-nos em campos, onde muitos morreram de doença e de fome, e onde foram torturados muitos dos que ainda tinham familiares na floresta. Os homens foram forçados a trabalhar como TBO. Cerca de 40 jovens do suco tornaram-se TBO, a maior 175 parte dos quais morreu em combate. 163. As crianças TBO encontravam-se particularmente vulneráveis e calcula-se que muitas tenham morrido de cansaço, juntamente com problemas de saúde por falta de alimentação e medicamentos suficiente, e devido às pesadas cargas que transportavam durante as operações militares. Por exemplo, segundo Domingas Freitas, o seu irmão mais novo, Rai Ano e o amigo Zeca, foram recrutados em Viqueque como TBO, em 1978. Domingas Freitas foi informada que Rai Ano e Zeca morreram em Uatu-Lari (Viqueque), devido à fragilidade da sua condição física e 176 por terem sido forçados a carregar equipamento pesado de combate. 164. Muitos TBO foram sujeitos a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Anacleto Pires, de Katrai Kraik (Letefoho, Ermera), por exemplo, disse à Comissão que, em 1976, foi levado à força às ABRI pelo chefe da aldeia nomeado localmente, e que as ABRI o obrigaram a trabalhar como TBO durante os dois anos seguintes: As minhas tarefas consistiam em fazer café e transportar mochilas para o Batalhão 512 do TNI, nas operações na floresta. Fui sujeito a abusos, tais como espancamento e imersão em água todas as 177 noites. 165. Quando terminou a Operação Seroja, em 1979, depois de os militares indonésios terem tomado todas as bases mais importantes da Fretilin no interior, as ABRI concentraram as suas operações em áreas que ainda não estavam sob o seu controlo. Testemunhos apresentados à Comissão sobre os distritos de Manufahi, Viqueque, Manatuto e Baucau indicam que o recrutamento forçado continuou durante este período. 166. Vários Seminários da Comissão de Perfis Comunitários no distrito de Viqueque, referiram que o recrutamento forçado de civis para TBO em 1979, decorreu depois da captura em massa 178 de civis que se tinham escondido nas montanhas. A Comissão recolheu, igualmente, em Viqueque, alguns testemunhos individuais de pessoas que foram obrigadas a trabalhar para os 179 militares indonésios e para as suas forças Hansip, durante o mesmo período. Domingos Miguel disse à Comissão: Em 1979, membros da Hansip que eu não conhecia juntaram-nos na cidade de Ossu (Viqueque). Um dia, fui chamado para participar numa operação. Durante a operação, a Hansip capturou um membro das Falintil, chamado Mateus. Teve de se tornar imediatamente TBO e, depois, continuaram caminho para UatuCarbau. Quando chegámos a Uatu-Carbau, membros da Hansip executaram um membro das Falintil. Quando regressámos da operação, fui chamado pelo Danramil (comandante militar subdistrital) e fui levado ao Koramil, em Ossu, onde fiquei detido 180 durante um dia com mais quarenta pessoas. 167. Alguns TBO eram encarcerados uma vez terminado o seu “serviço”. Mateus Damazo, por exemplo, disse à Comissão que em 1979, depois de ter sido capturado pelas ABRI em Alas, foi obrigado a carregar comida e munições e a cozinhar para as tropas, durante várias operações. Quando estas operações terminaram, não foi libertado, tendo ficado detido durante um ano na 181 Prisão de Betano (Same, Manufahi). João Baptista S. Martins, que tinha 11 anos quando, em Outubro de 1979, foi obrigado a tornar-se TBO, fugiu depois de alguns membros das ABRI lhe 182 dizerem que queriam levá-lo para a Indonésia uma vez terminado o seu serviço como TBO. 168. Num contexto de hostilidade contínua, os civis estavam particularmente vulneráveis a maus-tratos físicos e a sua lealdade era motivo de suspeição por parte dos militares indonésios. A Comissão recolheu relatos de civis que se renderam às ABRI/TNI e que foram torturados antes 183 de serem recrutados à força como TBO. A Comissão também recolheu vários relatos de pessoas torturadas depois de se tornarem TBO, por suspeita de manterem contacto com a Fretilin/Falintil. António de Jesus falou à Comissão do desaparecimento do irmão em 1982, um jovem TBO que os militares indonésios suspeitavam de manter a ligação com as Falintil: Em 1982, o Batalhão 320 levou Domingos de Jesus para servir como TBO. Ele e as tropas foram para Lospalos, para o suco de Soro…Mais tarde [os militares] desconfiaram dele e levaram-no de helicóptero militar indonésio para o posto de Paitamor. Quando chegaram a Paitamor, interrogaram-no e torturaram-no, para o obrigar a confessar os seus contactos com as Falintil e a Fretilin. Depois de ouvirem o seu depoimento, [eles] chegaram à conclusão de que ele era membro da rede clandestina e bastante perigoso. Por isso levaram-no para um lugar em Iliomar, chamado HamaUm, onde foi morto. Ainda não conseguimos, até hoje, recolher os 184 seus restos mortais. 169. Terminada a Operação Seroja, tornou-se prática comum os soldados das ABRI recorrerem aos civis para ajudarem nas tarefas domésticas, como cozinhar e outras necessidades individuais. Estes TBO viviam habitualmente com os soldados nos acampamentos e nas casernas e por vezes acompanhavam os membros das ABRI em operações no terreno. O seu quotidiano era marcado por múltiplos maus-tratos. A Comissão ouviu testemunhos sobre a vulnerabilidade das mulheres jovens nestas circunstâncias: Em 1980 fui recrutado como TBO. Durante aqueles dois meses vi a minha própria irmã, CM, ser violada e servir de escrava sexual dos soldados das ABRI. Quando as tropas saíram de Fahinehan, ela foi, finalmente, libertada. Mas levaram-me com eles para Same, Kablaki, Ainaro, Ramelau, Ermera e Díli…Durante o meu trabalho como TBO, quando estávamos na floresta, tive a ocasião de ajudar um membro das Falintil, dando-lhe de comer. Linus, um amigo meu de Aileu, contou isto ao Batalhão de Infantaria 643 do TNI. Por isso deram-me pontapés com botas militares e ameaçaram matar-me a tiro. Depois aumentaram as cargas que eu tinha de transportar 185 para Ermera, Railaco e Díli. 170. Embora algumas pessoas se tenham alistado como TBO porque isto lhes proporcionava algum apoio socioeconómico, a maioria não tinha qualquer alternativa e era obrigada a participar. 186 Algumas pessoas concordaram em tornar-se T B O por medo, outras porque foram 187 capturadas, e outras ainda, porque as ABRI ameaçavam fazer mal às famílias se eles não 188 cooperassem. TBO na Operação Kikis, 1981 171. Durante a segunda metade de 1981, os militares indonésios lançaram uma operação em grande escala com o objectivo de percorrer o território e arrasar os combatentes sobreviventes da Resistência. A Operação Kikis mobilizou um avultado número de civis, obrigando-os a participar nesta marcha (ver Capítulo 3: História do Conflito). As tropas territoriais das ABRI/TNI e os funcionários civis, ao nível de aldeia, de suco e de distrito, foram incumbidos de recrutar civis, rapazes e homens entre os doze e os trinta e cinco anos. A verdade, porém, é que as ABRI/TNI recrutavam civis com idades superiores e inferiores aos limites determinados e mulheres, 189 violando assim, a política definida. Segundo vários relatórios dos Perfis Comunitários organizados pela Comissão, os homens obrigados a participarem na operação incluíam funcionários públicos, professores, estudantes, enfermeiros, comerciantes, camponeses e desempregados. Durante esta operação, o recrutamento levou ao encerramento temporário de 190 escolas, hospitais e centros de saúde. 172. O número de civis recrutados para a Operação Kikis ainda é contestado. Segundo um documento militar indonésio, publicado em 1982, a operação envolveu 60.000 civis, incluindo membros das estruturas de defesa civil organizadas pelas ABRI/TNI, como a Wanra (Resistência 191 Popular) e a Ratih (Civis Treinados). Segundo o autor Ken Conboy, a operação envolveu 33.000 mil civis que marcharam com doze Batalhões das ABRI/TNI partindo de dois pontos distintos: a Praia de Laga e Díli, avançando em direcção ao local onde foram perpetradas mortes, 192 próximo de Aitana (Manatuto). Outra fonte militar indonésia sugere que foi envolvido um número superior de civis e afirma que oito Batalhões, acompanhados por 120.000 membros treinados das milícias, deslocaram-se de Leste para Oeste, enquanto outros sete Batalhões, acompanhados por 25.000 membros treinados das milícias, se deslocavam de Oeste para 193 Leste. 173. A Comissão recolheu depoimentos de oitenta pessoas em sete distritos, relativos ao recrutamento de civis como TBO, durante a Operação Kikis. Além disso, vários Seminários de Perfis Comunitários organizados pela Comissão em vários pontos do país contribuíram também com alguns pormenores sobre o processo de recrutamento. Os habitantes de Lelalai (Quelicai, Baucau), por exemplo, explicaram que em 1981, funcionários governamentais do distrito de Baucau deram instruções para que todos os homens capazes participassem na Operação Kikis 194 durante 3 meses. Foram recolhidos relatos semelhantes entre os habitantes de Muapitine 195 (Lospalos, Lautém), e Rasa (Lospalos, Lautém), onde centenas de pessoas foram recrutadas como TBO durante este período. A comunidade de Rasa contou à Comissão que, entre esses 196 recrutas, se contavam três adolescentes que morreram durante a operação. 174. As marchas forçadas durante esta operação foram muito violentas e muitos civis, obrigados pelos militares indonésios a participar na operação, morreram em circunstâncias que nunca foram inteiramente explicadas. Francisco António Menezes falou à Comissão sobre a morte do seu irmão mais velho: A 20 de Agosto de 1981, o Vincenti estava doente com malária e mandaram-no ir tratar-se na vila de Baguia. Quando lá chegou encontrou muitas tropas do TNI, do Batalhão 521, com membros da Hansip. Um membro do TNI, L21, e um da Hansip, L22 e os seus homens capturaram Vincenti e outros civis e jovens. O Batalhão 521 ordenou aos jovens que se tornassem TBO e que carregassem as mochilas e as armas para a floresta…A 12 de Outubro de 1981, soube por um membro do Batalhão 521, L21, que Vincenti e outros amigos morreram em Uatu-Lari [Viqueque]. L21 disse-me para ir visitar a campa de Vincenti em Teulale. Até hoje continuo sem saber o que provocou a morte de Vincenti e o 197 local exacto onde foi enterrado. 175. Em 1982, os TBO já não eram geralmente envolvidos em operações militares; porém, eram mantidos como prisioneiros e usados como auxiliares nas casernas das ABRI/TNI. Aqueles 198 que eram suspeitos de terem contactos com a Fretilin/Falintil eram os alvos principais. Por esta altura, o processo de recrutamento forçado era, de certo modo, menos arbitrário e os soldados das ABRI/TNI que desejavam “recrutar” um TBO, deviam contactar e tratar do assunto através do 199 Babinsa local. Obrigados a procurarem os familiares na floresta 176. A Comissão recolheu 38 testemunhos sobre civis que se renderam e foram forçados, pelos militares indonésios, a regressar à floresta a fim de procurar outros membros da sua família. Orlando da Silva, de Rotuto (Same, Manufahi) disse à Comissão: Em princípios de 1976, o Batalhão 509 das ABRI capturou-me, a mim e a Aniceto Mendes, enquanto andávamos à procura de comida. Levaram-nos para Rotuto e, apontando-nos uma arma, interrogaram-nos acerca de familiares nossos que ainda se encontravam na floresta. Depois de estarmos detidos durante um dia, deram-nos rações de arroz e sal e, depois, obrigaram-nos a ir procurar os nossos familiares na floresta para [dizer-lhes] que se rendessem. Não encontrámos ninguém da nossa família. O batalhão 509 de Infantaria também obrigou Rosalina, Angelina, Hermenegilda e Filomeno a procurarem os seus familiares que ainda se encontravam na floresta. Mas eles também não conseguiram e, por isso, o Batalhão de Infantaria 509 prendeu 200 Rosalina e Hermenegilda. 177. A maior parte destes casos ocorreu durante o período da Operação Seroja, até 1979. 178. Os civis coagidos a regressar à floresta para procurar familiares não estavam armados. Alguns regressaram com as suas famílias. Alfredo da Silva Carvalho, por exemplo, contou à Comissão que depois de se renderem aos militares indonésios, em 29 de Novembro de 1978, o seu irmão, João do Rosário de Fátima, e os seus três amigos foram obrigados a voltar à floresta no dia seguinte para procurar as respectivas famílias. Conseguiram encontrá-las e, mais tarde, 201 regressaram a Díli com os seus familiares. 179. Habitantes de Uaitame (Quelicai, Baucau) disseram à Comissão que cerca de 1.000 habitantes do suco renderam-se aos militares indonésios em Junho de 1979, depois de os Fuzileiros terem tomado a área. Os homens receberam ordens para voltar à floresta e apanhar os guerrilheiros das Falintil, mas não conseguiram encontrá-los e regressaram a Quelicai de mãos 202 203 vazias. A Comissão recolheu relatos semelhantes noutras áreas. 180. Ex-soldados das Falintil capturados também foram obrigados, após interrogatório e tortura, a regressar à floresta e a procurar outros membros das Falintil. Mateus da Cosa disse à Comissão: Em 1979, confiaram-me o cargo de…comandante da Fretilin. Mas as tropas do TNI, do Batalhão 700, apanharam-me em Beton OanAlas e levaram-me para Fatuberliu. O meu amigo, Mateus Torrezão e eu, recebemos ordens do TNI para ir à floresta e procurar os nossos parentes que ainda lá se encontrassem. Fomos e procurámos, mas não encontrámos ninguém. No caminho para casa, encontrámos uma companhia de cem soldados do Batalhão 204 de Infantaria Aerotransportado e fomos levados para Díli a pé. 181. Cesário de Jesus contou à Comissão que, em Março de 1979, os soldados indonésios o obrigaram, a ele e aos seus amigos, a regressar à floresta e a procurar membros da família ou da Fretilin/Falintil. Disse que os militares indonésios levaram presos das Falintil de avião e que estes 205 nunca mais foram vistos. 182. Nem todos os civis obrigados a procurar a família ou as Falintil na floresta regressaram em segurança. Madalena Pereira, de Letefoho (Ermera), tinha 14 anos em 1977, quando ela e a avó, Laubrani, foram capturadas pelas ABRI/TNI e levadas para o Koramil de Letefoho. Depois do interrogatório foram obrigadas a regressar à floresta para procurar os membros da sua família. Madalena não passou de Lauana, mas Laubrani foi forçada pelos soldados das ABRI/TNI e da Hansip a continuar e, quando começou a caminhar, deram-lhe um tiro nas costas e ela morreu 206 imediatamente. Houve vários casos em que as pessoas que foram obrigadas a ir procurar os 207 familiares nunca regressaram. 183. Nos primeiros anos da década de 1980, os militares indonésios continuaram a obrigar 208 civis a procurar familiares que ainda não se tinham rendido. Os soldados das ABRI/TNI também espancaram e torturaram civis que não conseguiam encontrar os familiares ou os membros das Falintil na floresta. Arlindo Fernandes Xavier disse à Comissão: Em 1983, o Batalhão 623, do T N I , veio e chamou Adolfo Fernandes Xavier e obrigou-o a ir à floresta, à procura de Manuel dos Santos, membro das Falintil. Como não conseguiu encontrá-lo, espancaram Adolfo com as armas, até este ficar com o corpo todo coberto de nódoas negras. Adolfo ficou detido um dia e uma noite no Posto [Batalhão] 623, em Lautém. Aníbal Fernandes Xavier e Etelvina Fernandes Xavier foram também capturados e levados para o Kodim (Comando Militar Distrital) de Lospalos por soldados deste Comando Distrital…Foram interrogados, torturados com choques eléctricos e espancados com a coronha das espingardas, ficando em muito mau estado. Foram encarcerados numa cela, durante um mês. Depois, mandaram Etelvina para casa, mas Aníbal foi levado pelos perpetradores e continua desaparecido até 209 hoje. 184. Em 1983, foram realizadas conversações para um cessar-fogo entre as Falintil e as Forças Armadas indonésias. Também ocorreram várias deserções nos distritos de Lautém, Viqueque e Ainaro, de membros das forças coadjuvantes das ABRI/TNI como a Hansip. Em Lautém, após terem recebido ordens de Xanana Gusmão para levarem armas para a floresta, alguns membros da Hansip e da Ratih capturaram armas à polícia e ao Koramil e fugiram para a floresta. Em retaliação, as forças de segurança ordenaram às mulheres cujos maridos tinham xvii fugido, que os fossem procurar. Os militares indonésios reagiram do mesmo modo em 1984, depois de as Falintil terem queimado habitações no suco de Mehara (Tutuala, Lautém) e, novamente em 1987, em Pros/Herana, no suco de Mehara, quando as ABRI obrigaram as 210 mulheres, sob escolta da Hansip, a procurar os maridos que ainda se encontravam na floresta. 185. Em Kraras (Viqueque, Viqueque), após o levantamento de 9 de Agosto de 1983, foram atacados e mortos civis pelos militares indonésios em diversos massacres, declaradamente em retaliação pela morte de soldados indonésios pelas Falintil e pela deserção subsequente, para as Falintil, de membros da H a n s i p e da Ratih (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). No início de 1984, vários civis e membros da Ratih permaneciam ainda na floresta. A comunidade disse à Comissão que, no início de 1984, membros das Forças Especiais Kopassus raptaram treze pessoas de Kraras e levaram-nas. Só seis regressaram; as 211 outras sete continuam desaparecidas. Tropas Tombak (Lança) 186. Na década de 1980, outra modalidade de recrutamento forçado de civis para as operações militares indonésias foi através das tropas Tombak, ou Lança. O nome advinha da única arma que lhes era ter, o que limitava a sua capacidade militar em comparação com os seus comandantes militares indonésios. 187. Pouco se sabe sobre a origem e evolução desta força; os dados disponíveis sugerem, contudo, que as tropas Tombak só foram constituídas pelos militares indonésios depois da Operação Kikis, em 1981, em distritos que os indonésios consideravam passíveis de ataque pela Fretilin/Falintil. Na sequência da ruptura das negociações para um cessar-fogo devido ao levantamento em Viqueque, em 1983, e do regresso dos civis detidos em Ataúro a partir de 1980 por suspeita de ligações à Fretilin/Falintil, a preocupação indonésia pelo apoio clandestino dos timorenses à Resistência aumentou consideravelmente. A Indonésia treinou, então, as tropas Tombak para vigiar a actividade dos civis. Foram recrutados civis à força para as tropas Tombak, xvii O Levantamento Armado, na Ponta Leste, deu-se a 9 de Agosto de 1983 e foi dirigido pelo liurai Miguel dos Santos, e ficou também conhecido por Levantamento Cuba. Envolveu membros da Hansip e jovens clandestinos a quem chamavam Lorico Paicau. O levantamento foi dirigido pelo Comandante das Falintil, Xanana Gusmão. [CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 27 de Novembro de 2002]. em várias localidades de todo o território mas, sobretudo, nas áreas em que se sabia que as 212 Falintil/Fretilin ainda se mantinham activas. O recrutamento continuou em meados da década de 1980, centrando-se, muitas vezes, em comunidades onde os homens tinham fugido para as 213 montanhas, após os levantamentos de 1982 e 1983. 188. A Comissão recolheu depoimentos de dezanove civis que foram obrigados a juntar-se às tropas Tombak. Estes civis eram, na sua maioria, originários dos distritos de Lautém e Viqueque e prestaram testemunho sobre o recrutamento forçado para essas tropas, entre 1982 e 1987. 189. Os civis recrutados para as Tropas Tombak eram, frequentemente, membros das Falintil que se renderam, embora incluíssem também civis cujas famílias se encontravam ainda na floresta. Alguns dos testemunhos sugerem que o processo de recrutamento era iniciado depois da captura, detenção e tortura de civis e outros, capturados nas áreas controladas pela 214 Fretilin/Falintil. 190. Tendo em conta estes antecedentes no processo de recrutamento, não é surpreendente que as A B R I desconfiassem do recrutamento de certos civis para as Tropas Tombak. A Comissão recolheu vários depoimentos de antigos membros das Tropas Tombak que foram detidos e torturados por não terem cumprido o seu dever, ou por suspeita de informarem as Falintil/Fretilin, ou de cooperarem com elas. Paulino Freitas disse à Comissão: Em Setembro de 1983, eu e mais uns rapazes novos e fortes fomos recrutados para as Tropas Tombak. Eu conhecia alguns deles: Ernesto, Afonso, Branda, Faikaik e Joaquim Kainoko. Fomos recrutados por L23, o Babinsa do suco de Uma Aon Kraik e por L24 e L25, comandantes dos Babinsa. Depois de termos sido recrutados, recebemos treino em Audin Matan, na vila de Viqueque. Também nos mandaram fazer vigias nocturnas…Uma vez, o Adelino e eu estávamos numa dessas vigias quando L23 e L26 nos espancaram com a coronha de uma espingarda e nos deram pontapés, acusando-nos de planear um ataque com a 215 Fretilin ao posto, durante o nosso turno de vigia. 191. Depois do levantamento em Kraras, em 1983, muitas pessoas fugiram para a floresta, com medo da retaliação dos militares indonésios sobre a população civil. Os militares indonésios levaram a cabo operações que visavam obrigar essas pessoas a regressar aos seus sucos e ocorreram vários massacres de civis pelos militares indonésios (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Alguns civis que regressaram foram obrigados a juntar-se 216 às tropas Tombak, como guardas dos militares indonésios. 192. Aqueles que eram recrutados para as tropas Tombak também corriam o risco de ser mortos pelas Falintil quando eram enviados para a floresta em busca das forças da 217 Fretilin/Falintil, as quais, muitas vezes, viam estas tropas como uma extensão das ABRI/TNI. Jacinta Hornay contou à Comissão como os membros das tropas Tombak eram colocados na linha da frente contra as Falintil e que, em resultado disso, eram mortos: Em Maio de 1984, Jacinto Pinto e Tomás Ramos foram capturados por dois membros das ABRI e levados para o Koramil em Luro. Ambos eram suspeitos de ter tido contactos com um [membro das] Falintil chamado Mateus Moreira. No Koramil foram encarcerados numa cela, durante três meses. Passados três meses, foram libertados, mas com a exigência de se apresentarem todos os dias no Koramil. A 8 de Agosto de 1984, por ordens do Koramil de Luro, eles e mais vinte e quatro civis de Luro foram [obrigados a ir] como tropas Tombak para a floresta, em busca do membro das Falintil, Mateus Moreira. Na floresta, Jacinto foi morto pelas Falintil, em Lakira [Lospalos]. O seu corpo foi recuperado pelas tropas do Koramil, e enterrado em Luro, a 5 218 de Setembro de 1984. 193. As tropas Tombak também foram utilizadas pelas ABRI/TNI para perpetrar actos de 219 violência contra civis suspeitos de ligação à Fretilin/Falintil. Vigias e patrulhas nocturnas forçadas 194. Em certas comunidades, durante todo o período da ocupação, os militares indonésios obrigaram os civis a participarem em vigias e patrulhas nocturnas. A Comissão recolheu 74 testemunhos que mencionam, especificamente, este tipo de experiência. Especialmente nas comunidades rurais, onde os militares indonésios temiam os ataques das Falintil, os civis incumbidos das vigias e patrulhas nocturnas eram, na realidade, usados como escudos humanos para proteger os membros das Forças Armadas indonésias. 195. Tal como aconteceu com outras situações de recrutamento forçado, aqueles que se tinham rendido recentemente às forças indonésias ou sido capturados eram obrigados a desempenhar estas tarefas. Nalguns casos, os civis foram torturados antes de serem obrigados 220 pelos militares a fazer vigias nocturnas. As vigias nocturnas e as patrulhas, feitas por civis, eram prática comum, particularmente em comunidades que tinham caído recentemente nas mãos dos indonésios, enquanto as ABRI/TNI afirmavam gradualmente a sua autoridade. Os níveis de confiança entre as ABRI/TNI e essas estruturas de segurança locais eram variáveis. Contudo, das declarações recolhidas, tal como acontecia com outros civis destacados para o desempenho de papéis militares, os militares indonésios continuavam a desconfiar que os civis mantinham ligação às Falintil. Em certos casos, os timorenses que foram obrigados a desempenhar estas tarefas de patrulhamento, foram posteriormente exilados com as suas famílias para a ilha-prisão 221 de Ataúro. 196. Os Perfis Comunitários organizados pela Comissão indicam que nas comunidades que se renderam aos militares indonésios ou que foram capturadas, as mulheres eram frequentemente obrigadas a fazer trabalho de vigilância nocturna e os homens eram forçados a trabalhar como TBO, ou a procurar membros da Fretilin/Falintil ou outros civis na floresta. A Comissão foi informada de que algumas mulheres que se recusaram a participar nas vigias 222 nocturnas foram torturadas. Ernesto Soares contou à Comissão como os civis eram coagidos pela violência: Em 1977, as tropas do Batalhão 711 construíram um posto no suco de Leodato (Hatulia, Ermera). Quando ficou pronto, o Batalhão de Infantaria 711 obrigou-me, a mim e aos meus amigos, a vigiar o posto durante a noite. Se recusássemos, éramos espancados e 223 atirados para o pântano. 197. Não era invulgar os civis obrigados a fazer vigias nocturnas, serem submetidos a violência se os seus chefes das ABRI/TNI ou da Hansip considerassem que tinham cometido algum erro. Bernardo Savio disse à Comissão que foi obrigado a fazer vigias nocturnas e que era 224 espancado e torturado, caso fosse apanhado a dormir durante a vigia. Foram descritas à 225 outras situações semelhantes. Daniel Suban falou à Comissão sobre o seu pai, Rubigari, que foi obrigado a fazer vigias nocturnas. A 14 de Julho de 1980, Rubigari, Rai Olo, Rubi Gamu e Loi Gamu foram obrigados pelo TNI a vigiar o posto durante a noite. O meu pai, Rubigari, adormeceu durante o seu turno de vigia. Foi descoberto por três membros do Batalhão 202, do TNI. Gritaram com ele, deram-lhe pontapés e bateram-lhe com as armas até lhe 226 quebrarem as costelas e ele morreu logo ali. 198. Os maus-tratos violentos cometidos pelas ABRI e pela Hansip eram arbitrários e uma possibilidade sempre constante, mesmo quando não havia qualquer fundamento de provocação. Alfredo Costa Freitas, por exemplo, contou à Comissão um incidente em que membros da Hansip o espancaram, a ele e a outros três, sem qualquer razão aparente. Depois atiraram-nos à ribeira, 227 pegaram fogo ao posto de vigia e deram-lhes ordens para o reconstruir no dia seguinte. 199. A análise dos relatórios dos Seminários de Perfis Comunitários organizados pela Comissão revela que os militares indonésios também obrigaram os civis a participar em várias outras actividades nocturnas, incluindo a participação na vigilância de bailes e em patrulhas de segurança quando havia um nível elevado de actividade da Fretilin/Falintil numa determinada área. A presença de civis timorenses nesses acontecimentos destinava-se a reduzir o risco de ataques das Falintil e, desta forma, os civis eram na realidade usados como escudos humanos. 228 Os civis eram muitas vezes obrigados a preparar comida para os soldados. Estas práticas eram vulgares nos campos de reinstalação controlados pelos militares indonésios, nos finais da 229 década de 1970 e inícios da de 1980. 200. Os civis obrigados a trabalhar em vigias nocturnas corriam o risco de ser alvejados ou mortos pelas Falintil ou pelos próprios militares indonésios. A Comissão recolheu vários testemunhos que descrevem incidentes em que, tanto as Falintil como as ABRI, mataram civis 230 desarmados que estavam, apenas, a cumprir os seus turnos de vigia nocturnos. 201. Durante a Operação Kikis, em 1981, já que muitos homens capazes foram obrigados a participar na operação, houve áreas em que as mulheres foram forçadas a realizar vigias 231 nocturnas. Habitantes de Bibileo (Viqueque, Viqueque) disseram a Comissão que, durante este período, as ABRI forçaram os idosos, homens e mulheres, a construírem postos em roda do suco 232 e as mulheres foram obrigadas a ficar de vigia durante a noite. 202. O número de relatos de civis recrutados à força para vigias nocturnas durante a década de 1990 é menor. Apesar de este facto reflectir uma alteração geral no contexto do conflito e nas prioridades e estratégias de segurança dos militares indonésios, estas práticas continuaram a ser utilizadas em áreas específicas. Algumas informações recebidas pela Comissão relativamente a este período, revelam, contudo, que os civis obrigados a fazer vigias nocturnas eram, em regra, aqueles que eram detidos por actividades clandestinas. Entre estes, alguns foram torturados pelos militares indonésios ou pelos seus auxiliares paramilitares. Os ataques das Falintil, durante a década de 1990, causaram igualmente baixas entre os civis que trabalhavam nas vigias nocturnas. Mateus Soares contou à Comissão um ataque das Falintil a um posto, em Carlilo, no suco de Aiteas (Manatuto, Manatuto): A 23 de Março de 1990, José Soares Laka, Domingos Ramos, Sebastião Ximenes, António Coli, Domingos Larak, Hermenegildo Soares, Mateus Go’o, o meu pai, António Celo Soares, e eu estávamos, à noite, de vigia, no posto de segurança dos arredores. Por volta das 9 da noite, a Fretilin atacou o posto. António Coli e Celo Soares morreram de imediato, enquanto Mateus Go’o, José Soares Laka e Domingos Larak ficaram feridos no violento tiroteio 233 das Falintil. 203. Tal como em anos anteriores, aqueles que eram suspeitos de trabalhar na rede clandestina que dava apoio às forças das Falintil foram, frequentemente, torturados e, depois, 234 obrigados a trabalhar nas vigias nocturnas ou incumbidos de outras tarefas. Os civis que desobedeciam às ordens de fazer vigias nocturnas eram, muitas vezes, torturados pelos militares 235 indonésios. 204. Estas práticas foram reactivadas em larga escala, durante 1999, quando o TNI e as suas milícias obrigaram os civis a fazerem vigias nocturnas, entre outros “deveres”, na altura da 236 preparação da Consulta Popular, no final de Agosto. Nas Audiências da Reconciliação Comunitária, nos sucos de todo o território, a Comissão recolheu o testemunho de antigos membros das milícias sobre as suas actividades. O recrutamento era, muitas vezes, forçado ou levado a cabo pelos militares indonésios sob coacção, sob a ameaça de violência ou de destruição da propriedade. As autoridades do governo local eram, frequentemente, utilizadas pelos militares para o processo de recrutamento, já que era exigido à maioria das comunidades que fornecessem membros para os grupos de milícias. Aos membros menos importantes dos grupos de milícias, muitas vezes aqueles que eram recrutados à força, era frequentemente exigido que realizassem actividades do tipo de vigias nocturnas e patrulhas e que servissem nos postos da guarda, ficando subordinados aos militares indonésios de uma forma que se assemelhava à que tinha vigorado durante os primeiros anos do conflito (ver Capítulo 9: Reconciliação Comunitária). 7.5.4 Violações do direito da guerra pela Fretilin/Falintil 205. A Comissão recolheu vários relatos de violações dos direitos humanos, perpetradas pela Fretilin/Falintil, relacionadas com violações do direito da guerra. Neste contexto, porém, as violações cometidas contra os civis constituem apenas uma pequena fracção das violações imputadas às ABRI/TNI. Os indícios disponíveis indicam que as violações cometidas pela Fretilin/Falintil não foram sistemáticas nem generalizadas. No entanto, é um facto que as forças da Fretilin/Falintil atacaram e mataram civis, incendiaram habitações e cometeram outras ofensas graves contra civis. 206. A Comissão não encontrou prova do uso indiscriminado ou desproporcionado da capacidade de fogo da Fretilin/Falintil durante as operações militares, nem de recrutamento ilegal e em larga escala de civis destinados a apoiar e a suplementar as suas operações militares. Apesar disso, é evidente que a implementação de políticas e da ideologia política da Fretilin/Falintil entre 1976 e 1978, contribuiu significativamente para o sofrimento e para a morte de muitos civis que foram impedidos de se renderem aos militares indonésios e que se tornaram alvos das ABRI, durante os ataques. A Fretilin/Falintil também infringiram o direito da guerra em relação ao tratamento dos presos e à morte de civis. 207. Quando os militares indonésios invadiram Díli, a 7 de Dezembro de 1975, a Fretilin retirou para Sul, para as colinas de Aileu, onde manteve o seu quartel-general. A liderança decidiu levar consigo um número avultado de membros da UDT e da APODETI, que estavam presos no quartel-general, Prisão de Taibessi e Balide, em Díli. Os presos foram obrigados a transportar 237 munições e provisões para a Fretilin em retirada. Nos finais de Dezembro de 1975, membros da Fretilin procederam à execução destes presos, em Aisirimou, em Aileu, e depois, à medida que retiraram para Sul, em Maubisse (Ainaro) e, em Janeiro de 1976, na costa Sul, em Same, Manufahi (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). A Comissão entrevistou Humberto da Cruz que, na altura, era guarda da Prisão da Fretilin, em Aileu; este declarou que, quase todas as noites, um dos presos era chamado para ser morto. Disse igualmente à Comissão que 23 a 26 das execuções em 238 Aisirimou envolveram directamente membros do Comité Central da Fretilin. Contou à Comissão que os presos recebiam ordens para escavar sepulturas para as vítimas das execuções e que os líderes da Fretilin não fizeram qualquer tentativa para evitar estas 239 execuções. Na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, os actuais presidente e secretário-geral da Fretilin, Francisco Guterres “Lú-Olo” e Mari Alkatiri, respectivamente, garantiram que essas mortes não eram política da Fretilin, nem resultado de ordens emanadas do Comité Central da Fretilin. Reconheceram, contudo, que a Fretilin, como organização, deve assumir a responsabilidade colectiva por essas mortes e 240 apresentar um pedido de desculpa, em nome da Fretilin, às famílias das vítimas. O presidente da Fretilin naquela época, Francisco Xavier do Amaral, não se encontrava em Aileu quando foram perpetradas as mortes; no entanto, na Audiência Pública Nacional Sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, apresentou à Comissão a sua visão dos acontecimentos: Explico-o do seguinte modo. Não houve nenhuma decisão. Quando se escreve alguma coisa, preto no branco, então pode dizer-se que houve uma decisão. Às vezes conversamos com amigos, trocamos impressões. E essas nossas ideias, as pessoas chamaram-lhes - as pessoas chamaram-lhes - consideraram que eram a mesma coisa que as nossas decisões. Porque os nossos pensamentos não são senão as nossas opiniões… Estávamos em plena guerra, nesta guerra...fugimos dos nossos inimigos, fugimos, levámos connosco os presos, os nossos inimigos que tínhamos detido. Antes mesmo de conseguirmos recuperar o fôlego, dissemos, “Juntem-se. Então, agora, que fazemos? Temos de continuar a fugir, não temos grande alternativa. Não temos transporte, nem comida e poucos medicamentos, nada disso.” Algumas das pessoas que havíamos detido já estavam gravemente doentes, alguns estavam muito fracos. Por isso tivemos que tomar este facto em linha de conta. Vamos deixá-los aqui vivos? Fugimos sem eles? Ou vamos matá-los e depois fugimos? Vejo perigos em ambas. Se os deixarmos aqui vivos, podem cair nas mãos do inimigo...se já estão fracos e não podem caminhar connosco, e se tivermos de os carregar mas não temos força, não temos garantia de conseguirmos chegar a local seguro, então é melhor serem eles a morrer ou nós? Por isso, alguns de entre nós tomaram a decisão de os matarmos, para que o inimigo não nos colocasse em perigo. Talvez esta fosse a opinião maioritária, mais ou menos maioritária, pelos líderes a 241 todos os níveis. 208. Na realidade, se há efectivamente provas de que alguns presos estavam fracos e doentes ou tinham sofrido ferimentos devido a maus-tratos infligidos quando estavam sob custódia da Fretilin, não há nada que comprove que os presos foram executados porque era muito difícil transportá-los. As provas apontam para o facto de terem sido executados porque a Fretilin temia que eles cooperassem com a Indonésia. 209. A Comissão recolheu testemunhos sobre um massacre da população civil do suco de Kooleu (Loré I, Lautém) em Janeiro de 1976 (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e 242 Desaparecimentos Forçados). 210. Depois das execuções em Same (Manufahi), em Janeiro de 1976, a liderança da Fretilin decidiu pôr fim às execuções e exortou os presos sobreviventes a lutar com eles contra os militares indonésios. Taur Matan Ruak, actual comandante-em-chefe das Forças de Defesa da RDTL, recordou perante Comissão as palavras do líder da Fretilin, Nicolau Lobato, parafraseando-o: Acreditamos na transformação humana. A história da luta noutros países provou que uma pessoa, hoje, considerada um revolucionário pode ser vista, amanhã, como traidor e uma pessoa considerada, hoje, um traidor pode ser, amanhã, um revolucionário…O senso comum pode transformar o homem. Temos de acreditar na capacidade das pessoas para se 243 transformarem. 211. Durante o período que se seguiu à invasão, muitas pessoas fugiram de casa refugiandose nas florestas e nas colinas. Muitos fugiram voluntariamente, com medo da invasão, e pediram protecção às forças da Fretilin/Falintil. Contudo, a Comissão recolheu também diversos relatos sobre o modo como a Fretilin tentou levar a população civil a abandonar os centros urbanos e a juntar-se-lhe no interior; a ideologia da revolução social da Fretilin, nesses primeiros anos, no início da guerra e da ocupação, baseava-se na ideia de que, se a população civil vivesse com os quadros políticos e militares, poderia ser educada e desenvolver uma nova consciência social. Neste contexto, foi exercida uma pressão considerável para que os civis fugissem e ficassem com a Fretilin, no interior, mesmo quando a situação se tornou extremamente difícil (ver Capítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). 212. Entre 1976 e 1977, os civis, sob a orientação da Fretilin, criaram novas comunidades nas bases do interior, por detrás das linhas de batalha com os militares indonésios. Plantaram hortas comunais, puseram em prática programas de alfabetização e instituíram serviços básicos de saúde. Contudo, à medida que a guerra entrava pelo ano de 1977, tornou-se cada vez mais difícil para a Fretilin manter um número tão elevado de civis no interior. 213. Surgiram dissensões no seio da liderança da Fretilin sobre a melhor estratégia para levar a luta por diante, nomeadamente em relação a decidir se a numerosa população civil se deveria render e regressar aos sucos e às cidades. Em 1976, na Zona Leste, a Fretilin/Falintil capturou e executou o dirigente das Falintil, Aquiles Freitas, e alguns dos seus apoiantes (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). 214. Houve uma ruptura fundamental e violenta com a captura e detenção, em Setembro de 1977, do presidente da Fretilin, Francisco Xavier do Amaral, e daqueles que se pensava estarem a seu lado. Durante este período, a Fretilin/Falintil cometeram várias violações contra muitos civis, incluindo detenção, tortura e execuções (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e 244 Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). 215. No rescaldo desta purga violenta, reinou a suspeita nas áreas controladas pela Fretilin e o movimento de civis foi rigorosamente controlado. A Fretilin/Falintil exigiram que os civis tivessem guias de marcha. Aqueles que eram apanhados fora das áreas autorizadas eram acusados de traição e castigados. Entre esses castigos, contava-se a detenção, em condições muito deficientes, a tortura e, por vezes, a morte. A Fretilin criou um sistema de centros de detenção designadas Renal, nas bases que existiam em todo o território. Era frequente manterem as pessoas em buracos subterrâneos durante duas semanas e nos Renal, durante períodos mais longos, (ver Capítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). 216. Outros dirigentes da Fretilin/Falintil que se opuseram à estratégia de guerra da Fretilin de 245 manter a presença de civis no interior, também foram punidos ou mortos. Contavam-se, entre estes, Afonso Savio, secretário de Zona de Luro (Lautém) e José dos Santos, comandante 246 regional, que foram espancados, espezinhados e queimados até à morte. Segundo alguns relatos feitos à Comissão, membros do Comité Central da Fretilin ordenaram a execução dos 247 chefes de aldeia suspeitos de ordenarem aos civis que se rendessem aos militares indonésios. Estas acções eram mensagens claras, enviadas aos civis que albergassem ideias de rendição: seriam rotulados de traidores e tratados com toda a severidade. 217. A questão de saber se os civis deviam, ou não, render-se tornou-se um ponto de profunda divisão, sendo o bem-estar dos civis sacrificado, muitas vezes, aos ideais políticos em conflito. Lucas da Costa, quadro da Fretilin nessa época, disse à Comissão: Quando um dirigente político falava, um comandante [das Falintil] obedecia. Mas os comandantes só viam a guerra do ponto de vista militar. Disseram: “Não podemos ganhar se tivermos as pessoas connosco. Se as pessoas continuarem a vir, vamos gastar todas as nossas energias a protegê-las, em vez de combater o inimigo. Mais vale dizer-lhes que se vão embora. Nós ficamos no mato.” Mas isto era incompatível com o conceito [da Fretilin]. Se mandassem as pessoas embora [das montanhas], elas exigiriam o seu estatuto social, o seu estatuto social voltaria a aumentar. Isto seria um 248 suicídio ideológico [para a Fretilin], e a revolução fracassaria. Muitos civis ficaram, realmente, encurralados nas zonas libertadas da Fretilin e tornaram-se, depois, alvos dos ataques das ABRI/TNI. As restrições à deslocação de civis tornaram-se mais rigorosas e muitos destes civis morreram por falta de comida e de 249 medicamentos. Em 1978, à medida que as operações militares indonésias em massa iam tomando as bases da Fretilin, muitos civis fugiram com as forças da Fretilin/Falintil, para a base que estas possuíam no Monte Matebian. A situação ali não era muito melhor, havendo grandes carências de abrigo e de medicamentos para os adultos e para as crianças doentes. Nesta situação, milhares de pessoas morreram de fome, de doença e devido aos 250 constantes bombardeamentos e ataques dos indonésios. 218. EM 1978, dispersos e sem alternativas, muitos civis começaram a render-se às forças indonésias. A 22 de Novembro de 1978, o Comité Central da Fretilin promulgou uma directiva em que cedendo oficialmente a esta realidade. 219. 16. Xanana Gusmão, que, na altura, se encontrava em Matebian, disse à Comissão: A 22 de Novembro de 1978, separámo-nos em Matebian. Apesar de estarmos cercados, mantivemo-nos em contacto com o Comité Central que estava na região Centro. Confirmámos que não nos era possível continuar e eles disseram aos civis que se rendessem e que mantivessem um posto de guerrilha na Região Leste, que se ocupasse de Baucau, Viqueque e Lospalos... Depois, nomearam-me comandante da Região Leste e, a 22 de Novembro, mobilizámos as nossas forças e fugimos de Matebian. Dissemos aos civis que se rendessem nas cidades próximas, enquanto as Falintil avançavam em direcção à região Centro para 251 continuar a luta. 220. Com o fim da Operação Seroja e a derrota das bases da Fretilin, a Resistência armada ficou praticamente dizimada. A estratégia da Resistência foi totalmente revista, numa conferência de reorganização nacional, em 1981 (ver Capítulo 3: História do Conflito). Isto significou que um grande número de civis deixou de viver nas montanhas com os combatentes da Resistência armada. As pessoas regressaram aos sucos e às vilas, ainda que só depois de períodos prolongados em campos de trânsito, centros de detenção e aldeias de reinstalação controladas pelas ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). A relação da Fretilin/Falintil com a população civil alterou-se profundamente, já que o novo objectivo era criar uma rede cada vez mais alargada de civis que apoiasse a Resistência. O novo líder da Resistência, Xanana Gusmão, foi gradualmente afastando a Resistência da sua posição ideológica dura que tinha levado à utilização da violência “ideológica” ou “revolucionária” contra os seus próprios membros (ver Capítulo 3: História do Conflito). Na sua autobiografia, Xanana Gusmão lembrou a violência a que tinha assistido ou de que ouvira falar durante os primeiros anos e a sua vontade de 252 distanciar a Resistência deste tipo de abordagem: Não, se bem que membro do Comité Central, eu ainda não estava capaz de compreender a violência revolucionária. A ideia/conceito não me agradava e muito menos aplicá-la. Persuasão e recuperação começaram a ser outro princípio político, básico para mim. 221. Nos anos que se seguiram à reorganização da Resistência após a destruição das bases em que se encontravam inúmeros civis, as violações do direito da guerra pela Fretilin/Falintil, em particular contra civis, diminuíram significativamente. No entanto, a Comissão recolheu relatos de violência e intimidação por parte das Falintil contra aqueles que eram considerados alinhados com os militares indonésios ou que se pensava trabalharem contra a Resistência. Incluíam-se 253 aqui as violações mais graves como a execução de civis. Marta Ximenes testemunhou que, a 17 de Agosto de 1979, três soldados das Falintil mataram a tiro o marido, Luís Lopes, no campo 254 que tinham em Paitaal, Bauró (Lospalos, Lautém) e roubaram-lhe o milho e a mandioca. 222. Nos casos em que os civis timorenses eram obrigados, pelos militares indonésios, a desempenhar tarefas como patrulhas e vigias nocturnas, como acima foi descrito, esses civis eram, por vezes, vítimas das acções armadas das Falintil. O estatuto destes indivíduos era, também, possivelmente pouco claro e pode ter dependido dos papéis específicos que os militares indonésios os obrigavam a desempenhar. Um membro das tropas Tombak, em patrulha no mato, xviii podia constituir, de facto, uma verdadeira ameaça militar para os membros das Falintil. Pelo contrário, as circunstâncias de um indivíduo forçado a fazer patrulhas nocturnas na sua terra ou no seu suco natal seriam muito diferentes. Nem sempre foi claro se esses indivíduos eram alvos específicos ou se essas mortes se deviam a um nível desproporcionado de violência comparado xix com os objectivos militares. A Comissão não recolheu qualquer prova que indique que, em geral, as Falintil, visassem os civis, tal como não existem provas de que as Falintil conduzissem as suas operações militares de forma a resultarem, directamente, na morte de civis. No entanto, este tipo de violência das tropas das Falintil, durante a década de 1980 e, em menor grau na de 1990, causou sofrimentos consideráveis às comunidades. Ataques a objectos de carácter civil 223. Os testemunhos recolhidos pela Comissão relatam pormenores sobre 80 casos de incêndios de habitações, destruição de edifícios e de bens assim como pilhagens levados a cabo pela Fretilin/Falintil, entre 1975 e 1979. A maioria destes incidentes ocorreu durante 1976 e foi relatada por habitantes de sucos dos distritos de Viqueque e Baucau. Vários relatos apresentam detalhes sobre violações cometidas pela Fretilin/Falintil em anos posteriores, incluindo a destruição de habitações de civis e outros edifícios e saques em 11 distritos de Timor-Leste. Não foram recebidos relatos sobre os distritos de Liquiça e Oecusse. 224. Habitantes de Obulo e de Batumanu (Atsabe, Ermera) disseram à Comissão que, em 1977, depois de os militares indonésios terem atacado e queimado habitações em Obulo, algumas pessoas renderam-se às ABRI. Em seguida, as Falintil atacaram e queimaram as habitações pertencentes a esses civis que se renderam. As tropas das Falintil teriam, também, em Fevereiro de 1977, atacado e queimado habitações em Obulo e Atsabe, obrigando os habitantes a ir com eles para o mato. Muitos destes civis sofreram de fome e doenças, e 255 morreram. 225. Fica claro que as forças da Fretilin/Falintil foram responsáveis por danos consideráveis e grandes sofrimentos entre os elementos da população civil. Não é, contudo, claro se esses ataques aos civis e aos seus bens eram ditados por uma política oficial. O facto de estas violações serem cometidas em muitos distritos e em diferentes períodos sugere que, no mínimo, xviii Por exemplo, sobre a morte do membro das tropas Tombak, Jacinto Pinto, acima mencionado, ver testemunho nº 04439 da HRVD. xix Ver, por exemplo, o caso acima mencionado sobre a morte de António Coli e Celo Soares, num posto de segurança dos arredores, em 1990, num ataque das Falintil [ver HRVD, Testemunho nº 06483]. a liderança das Falintil teriam conhecimento dos ataques e não empreenderam acção adequada para os impedir. 7.5.5 Conclusões Conclusões relativas às Forças Armadas indonésias 226. Durante a invasão de Timor-Leste, membros das ABRI/TNI violaram sistematicamente as Convenções de Genebra por falta de discriminação entre alvos civis e militares. Para além disso, nos primeiros dias da invasão, os civis foram alvo dos militares indonésios que os massacraram e executaram. 227. Em operações militares em larga escala, efectuadas após a invasão inicial, milhares de civis timorenses, incluindo homens, mulheres e crianças desarmados e incapazes de se protegeram a si próprios, foram considerados alvos e indiscriminadamente mortos pelos militares indonésios. 228. Durante estas operações militares, membros das ABRI/TNI torturaram e mataram sistematicamente civis capturados e prisioneiros de guerra. Entre os prisioneiros executados contavam-se mulheres grávidas e crianças (ver Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança). 229. Membros das ABRI/TNI mataram, prenderam e torturaram rotineiramente indivíduos suspeitos de apoiarem a Fretilin/Falintil. Os castigos aplicados àqueles que eram suspeitos de resistir à ocupação incluíam incendiar as suas habitações, confiscar as terras e propriedades que eram distribuídas aos apoiantes políticos da ocupação - e a violação de mulheres suspeitas de colaboração com a Resistência. 230. Membros das A B R I/TNI violaram, sistematicamente, as suas obrigações legais internacionais, recorrendo à punição colectiva de civis para atingir os seus objectivos militares. Inclui-se aqui a tortura, a violação, a morte e a deslocação forçada de civis, por estes serem familiares de indivíduos suspeitos de pertencerem à Fretilin/Falintil ou por serem oriundos de comunidades de que apoiavam a Fretilin/Falintil. 231. Como prática corrente durante as operações militares, membros das ABRI/TNI destruíram sistematicamente propriedades, incluindo edifícios e objectos pessoais pertencentes a civis. Um dos objectivos destas operações era castigar os timorenses que se opunham à ocupação e criar um clima de terror que, na opinião deles, facilitaria o controlo da população e dissuadiria o povo de apoiar o movimento pró-independência. 232. As pilhagens destinadas a beneficiar pessoalmente oficiais das ABRI/TNI eram prática corrente que acompanhava as operações militares. Incluíam o roubo de viaturas que eram carregadas em barcos de guerra, transporte de veículos, mercadorias e rebanhos para Timor Ocidental onde seriam vendidos, saque de objectos tradicionais de importância espiritual e cultural, de valor incalculável e insubstituíveis; envolvia, também, a prática generalizada de banditismo armado contra a população civil. Funcionários locais do governo, agindo sob a protecção das ABRI/TNI, participaram igualmente na pilhagem e no roubo a civis suspeitos de se oporem à ocupação. 233. À destruição e à pilhagem de bens de civis juntavam-se habitualmente outras violações, tais como espancamento, detenção, tortura, violação e morte de civis. Era prática corrente saquear a propriedade, matar os habitantes da casa e, depois, incendiar a casa com as vítimas no seu interior. Este método era utilizado para punir e intimidar aqueles que se opunham à ocupação e para destruir prova das violações perpetradas. 234. Membros das ABRI/TNI destruíram sistematicamente as fontes de alimentos das populações civis. Incluem-se aqui o incêndio das culturas agrícolas e a matança dos rebanhos e manadas de animais. Estes crimes tiveram consequências funestas para a população civil de Timor-Leste e contribuíram directamente para a perda de vidas numa escala enorme, na década de 1970, devido à fome estrutural e a doenças conexas. 235. Durante as suas operações militares em Timor-Leste, as ABRI/TNI usaram armas que eram proibidas pela legislação internacional que rege os conflitos armados, nomeadamente, armas químicas que envenenaram reservas de água, destruíram culturas agrícolas e outra flora e levaram à morte de centenas de civis por envenenamento. 236. As ABRI/TNI lançaram bombas de napalm indiscriminadamente sobre alvos civis. O uso ilegal destas bombas causou sofrimentos terríveis aos civis, incluindo a morte por queimadura de homens, mulheres e crianças desarmados. 237. As ABRI/TNI recrutaram à força dezenas de milhar de homens, mulheres e crianças timorenses para apoio às suas operações militares, em particular durante os anos de 1975/1979, e em períodos de intensificação das operações militares em todo o território. Aqueles que se recusavam a participar eram espancados e torturados. O recrutamento forçado ilegal de civis para as operações militares era levado a cabo para obter apoio prático de baixo custo e, também, para minar o moral daqueles que se opunham à ocupação. 238. Os timorenses que foram recrutados à força para as unidades das ABRI/TNI eram, geralmente, obrigados a transportar pesadas cargas de comida, munições e equipamento em condições extremas. Eram, muitas vezes, submetidos a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. 239. Membros das ABRI/TNI executaram sumariamente civis timorenses que foram obrigados a acompanhar as operações militares indonésias, declaradamente por questões relacionadas com desobediência e disciplina. 240. As jovens timorenses, obrigadas a trabalhar para membros das ABRI/TNI, eram, sistematicamente, violadas e obrigadas a viver em condições de escravidão sexual pelos seus senhores militares (ver Subcapítulo 7.7: Violência Sexual) 241. Muitos dos apoiantes da independência, que foram capturados ou se renderam, foram torturados e, subsequentemente, obrigados a realizar funções de vigilância nocturna ou outras funções relacionadas com a segurança. Se não cumprissem estas obrigações eram novamente torturados e sujeitos a maus-tratos. Alguns soldados das Falintil, que foram capturados, foram obrigados a integrar as tropas indonésias nos combates contra as Falintil, armados unicamente com lanças, de forma a garantir que não possuíam meios eficazes para se rebelarem contra os seus comandantes das ABRI/TNI. Este facto colocou-os em perigo directo em situações de combate e resultou em várias mortes. 242. Em vários casos, durante essas operações, foram mortos pelas Falintil timorenses obrigados a participarem em operações das ABRI/TNI. 243. Antes da Consulta Popular, em 1999, as ABRI/TNI criaram grupos de milícia próintegração em todo o território. As ABRI/TNI puseram em prática um programa de recrutamento forçado sistemático de milhares de homens para integrarem estes grupos, para além daquelas pessoas que aderiram voluntariamente em troca de um salário. Os grupos de milícias que estiveram envolvidos neste programa organizado de violência e de destruição, foram intencionalmente constituídos, armados, financiados e dirigidos pelos militares indonésios. Há evidência esmagadora deste facto, descrita em pormenor no Capítulo 4: Regime de Ocupação, e a responsabilidade por estas acções é analisada no Capítulo 8: Responsabilidade e Responsabilização. 244. Membros das ABRI/TNI violaram sistematicamente e em larga escala os direitos humanos, incluindo o direito da guerra, durante a preparação para a Consulta Popular, em 1999, e após a sua realização. Estas violações são tratadas em pormenor nos subcapítulos relevantes, dedicados às violações específicas dos direitos humanos, nomeadamente Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.7: Violência Sexual; Subcapítulo 7.9: Direitos Económicos e Sociais. 245. Em 1999, o programa de violência e destruição concretizou-se num ataque sistemático a civis geralmente desarmados e indefesos, por militares e grupos de milícias, organizados e fortemente armados. Não implicou um conflito entre dois grupos armados, já que, com escassas excepções, as Falintil não se envolveram no conflito. Tratou-se de um exercício militar em massa, cujo alvo foi uma população civil vulnerável e cujo objectivo era forçar essa população a votar pela integração na Indonésia e, depois da votação e em face do resultado, a puni-la por não ter votado nesse sentido. Esta acção militar, que visava uma imensa parte da população civil, constituiu uma violação, pelos militares indonésios, do direito da guerra. 246. As violações cometidas durante 1999 pelas forças de segurança indonésias e pelas suas milícias auxiliares, incluíram: • A morte de mais de 1.400 civis • Violação e violência sexual sobre centenas de mulheres • Ataques e espancamentos de milhares de civis • Deportação forçada de aproximadamente 250.000 civis e deslocação forçada dentro do território de Timor-Leste de cerca de 300.000 • Recrutamento forçado de milhares de timorenses para os grupos da milícia • Incêndio de mais de 60.000 habitações pertencentes a civis • Pilhagem de inúmeras propriedades de civis no território, incluindo quase todos os veículos motorizados e os bens manufacturados de valor, que foram levados para além da fronteira, para a Indonésia • Roubo ou abate de um grande número de cabeças de gado • Destruição intencional da maioria das infra-estruturas públicas sem que houvesse qualquer motivo militar, incluindo todos os hospitais, a maior parte das escolas, as instalações de água, geradores eléctricos e outros equipamentos necessários ao bem-estar das populações civis • Pilhagem de artefactos culturais e históricos importantes e insubstituíveis, do museu público de Díli, em Setembro de 1999, sendo estes objectos levados para Timor Ocidental, Indonésia. Conclusões relativas à Fretilin/Falintil 247. Durante o período de conflito com a Indonésia e da ocupação, Portugal era a potência administrante de Timor-Leste, reconhecida pelas Nações Unidas. Portugal tinha ratificado a Terceira Convenção de Genebra. 248. O direito da guerra aplicava-se à Fretilin/Falintil, passível de reconhecimento pelo direito humanitário internacional como um movimento de resistência, já que, em geral, cumpria os requisitos para tal reconhecimento: tinha uma estrutura de comando consolidada; regra geral, os seus membros distinguiam-se dos civis e usavam visivelmente as armas; e conduziu as suas operações em conformidade com as leis e os costumes da guerra. A Fretilin/Falintil era, pois, obrigada a respeitar as Convenções de Genebra. 249. Durante o período da ocupação indonésia, membros da Fretilin/Falintil estiveram envolvidos em violações do direito da guerra, incluindo considerar os civis como alvo, morte, tortura, incêndio de habitações e destruição intencional da propriedade privada. Embora extremamente graves, as violações cometidas pelos membros da Fretilin/Falintil foram correspondem a uma pequena fracção das cometidas pelas ABRI/TNI. 250. Membros da Fretilin/Falintil executaram sumariamente prisioneiros, membros dos partidos políticos UDT e Apodeti sob sua custódia, pouco tempo depois da invasão das forças indonésias, em finais de 1975 e princípios de 1976; executaram, também, civis no suco de Kooleu (Loré I, Lautém), em Janeiro de 1976. 251. Membros da Fretilin/Falintil executaram sumariamente civis suspeitos de colaborarem com as forças de segurança indonésias, membros da sua própria organização suspeitos de deslealdade e civis que desejavam render-se às A B R I/TNI, contrariando a política da Fretilin/Falintil de manter os civis no interior com as Falintil. Os membros da Fretilin/Falintil também detiveram, torturaram e maltrataram um vasto número de civis e de quadros militares e políticos da Fretilin/Falintil que, na década de 1970, eram suspeitos de partilhar pontos de vista divergentes das políticas da Fretilin/Falintil, nomeadamente, sobre se os civis deveriam abandonar as bases da Fretilin/Falintil, no interior, para regressar aos seus sucos e aldeias. 252. Membros da Fretilin/Falintil torturaram e maltrataram civis suspeitos de deslealdade ou de colaboração com os militares indonésios. Os métodos de tortura utilizados incluíram a detenção em buracos subterrâneos e espancamentos, serem espezinhados e gravemente queimados. 253. Membros da Fretilin/Falintil atacaram e incendiaram habitações pertencentes a civis, que se renderam às ABRI/TNI, e a outros civis suspeitos de colaboração com os militares indonésios. Esta destruição causou fome, doenças e sofrimentos graves à população civil e os ataques causaram a morte de civis. 1 UNTAET, Regulamento nº 2001/10, artºs 1º c) e 3º. 2 Mário Lemos Pires, testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 3 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004. 4 Ver A. P.V. Rogers, Law on the Battlefield (2nd ed.), Manchester University Press, Manchester, 2004, pp. 3-23. 5 Artº 1º, Regulamento da Haia 1907; As disposições do direito humanitário são vinculativas para as partes não estatais num conflito, Liesbeth Zegveld, The Accountability of Armed Opposition Groups in International Law, Cambridge, Cambridge University Press, 2002, a pp. 9-38. Ver também Capítulo 2: O Mandato da Comissão, Anexo A. 6 Artº 25, Regulamento da Haia; artº 27, Convenção IV de Genebra; artºs 51º, nº 2, 52º, nº 1 e 57º, nºs 1 e 2 a), Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 7 Artº 51º, nº 2, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 8 Artº 51º, nºs 4 e 5 Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra; Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), parágrafo 78. 9 Artºs 51º, nº 5º b) e artº 57º, nº 2º a) (iii) e b), Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 10 Artº 57º, nº 3º, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 11 Artº 26º, Regulamento da Haia; artº 57º, nº 2 c) Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 12 Ver por exemplo HRVD, Testemunhos nºs 00691, 01301, 01466, 06699, 06976, 08149 e 04200. 13 HRVD, Testemunho nº 00445. 14 HRVD, Testemunho nº 08200. 15 HRVD, Testemunho nº 02406. 16 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Leimea Kraik, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 20 de Agosto de 2003. 17 Ver, por exemplo, CAVR, Documento de Pesquisa sobre Deslocação Forçada e Fome, Arquivo da CAVR; CAVR, Perfis Comunitários do subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro, Maio a Agosto de 2003. 18 Entrevista da CAVR a Agustinho Soares, Hatulia, Ermera, 13 de Agosto de 2003. 19 CAVR, Perfil Comunitário, suco de Muapitine, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 18 de Fevereiro de 2004. 20 Entrevista da CAVR a um antigo soldado das ABRI/TNI em Same (nome não revelado), 13 de Agosto de 2004. 21 Ibid. 22 Maria José da Costa, testemunho na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, 2829 de Julho de 2003. 23 Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário dos Sucos de Atara e Salaun, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 14 de Abril de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maununo, subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro, 24 de Janeiro de 2003. 24 CAVR, Perfil Comunitário dos Sucos de Aiassa, Bobonaro e Malilait, subdistrito de Bobonaro, distrito de Bobonaro, 17 de Dezembro de 2003. 25 Entrevista da CAVR a Adriano João, antigo Adjunto Político da Fretilin para a Zona de Cailaco (Bobonaro) entre 1975 e 1979, Díli, 6 de Setembro de 2004. 26 CAVR; Perfil Comunitário do suco de Aidantuik, subdistrito de Suai, distrito de Covalima, 1 de Dezembro de 2003. 27 HRVD, Testemunho nº 00432. 28 Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Tirilolo, subdistrito de Iliomar, distrito de Lautém, 8 de Julho de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Lelalai, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 20 de Outubro de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maluro, subdistrito de Quelicai; distrito de Baucau, 27 de Outubro de 2003, suco de Uailili, subdistrito de Baucau, distrito de Baucau, 28 de Outubro de 2003; e Sucos de Baduholo e de Uai-Kana, subdistrito de Venilale, distrito de Baucau, CAVR, 6 de Maio de 2003. 29 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Defawasi, subdistrito de Baguia, distrito de Baucau, 23 de Setembro de 2003. 30 Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Raihun, subdistrito de Tilomar, distrito de Covalima, 21 de Outubro de 2003. 31 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Asbilitoho, subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, 3 de Setembro de 2003. 32 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Orlalan Batara, subdistrito de Laclubar, distrito de Manatuto, 24 de Agosto de 2003. 33 Entrevista da CAVR a Albino da Costa, Díli, Junho de 2003. 34 Asian Wall Street Journal, “Is There Enough to Eat in East Timor?”, 21 de Junho de 1982. 35 Xanana Gusmão, Mensagem à 37 ª Assembleia Geral das Nações Unidas, in Xanana Gusmão, Niner (Ed), To Resist is to Win!, the Autobiography of Xanana Gusmão, Aurora books, Victoria, 2000, p. 81. 36 Entrevistas da CAVR a Silvino das Dores Soares, Viqueque, 10 de Março de 2004; e a António Soares, (sem data). Ver também José Gomes, testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Massacres, 19-21 de Novembro de 2003. 37 Entrevista da CAVR a Silvino das Dores Soares, Viqueque, 10 de Março de 2004. 38 Entrevista da CAVR a Gerónimo da Costa Amaral, Viqueque, 10 de Março de 2004. 39 Ver Banco Mundial, Final Report of the Joint Assessment Mission to East Timor, 8 December 1999 CAVR. Ver também Capítulo 3: História do Conflito. 40 . Arquivo da Entrevista da CAVR a Rui Emiliano Teixeira Lopes, Suai (Covalima), Março de 2003. 41 Entrevista da CAVR a Santina de Jesus Soares Ly, ex-Coordenadora da OPMT em Baucau, em 1975, Baucau 10 de Outubro de 2003. 42 HRVD, Testemunho nº 01741. 43 HRVD, Testemunhos nºs00941, 03558, 02167, 0913. 01043, 09471 e 06443; e CAVR, Perfis Comunitários dos Sucos de Ponilala, Poetete e Mirtutu, subdistrito de Ermera, distrito de Ermera, 19-21 de Janeiro de 2004. 44 HRVD, Testemunhos nºs 03855 e 04216. 45 HRVD, Testemunhos nºs 02246, 02256 e 00704. 46 HRVD, Testemunho nº 07171. 47 HRVD, Testemunho nº 03892. 48 Album Kenangan Perjuangan Siliwangi bibliográfica], p. 601. , [Álbum de Siliwangi de recordações da luta] [sem informação 49 HRVD, Testemunho nº 04044. 50 HRVD, Testemunho nº 01182. 51 HRVD, Testemunho nº 03116. 52 HRVD, Testemunho nº 02589. 53 HRVD, Testemunho nº 02406. 54 HRVD, Testemunho nº 05011. 55 HRVD, Testemunho nº 01352. 56 HRVD, Testemunho nº 0983. 57 HRVD, Testemunhos nºs 01120, 06777, 05643 e 03663. 58 HRVD, Testemunho nº 00512. 59 Ibid. 60 HRVD, Testemunho nº 07774. 61 HRVD, Testemunho nº 03852. 62 HRVD, Testemunhos nºs 01348, 04928, 04045 e 05412. 63 HRVD, Testemunho nº 04178. 64 HRVD, Testemunhos nºs 02044, 06322 e 06288. 65 HRVD, Testemunhos nºs 03503 e 01063. 66 HRVD, Testemunhos nºs 02317, 03111, 04181, 06075, 06808 e 07363. 67 HRVD, Testemunho nº 02813. 68 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 01348. 69 HRVD, Testemunhos nºs 02254 e 01649. 70 HRVD, Testemunhos nºs 04045. 71 HRVD, Testemunhos nºs 04901, 05788, 07235, 07253, 07238, 07085, 03876, 00584 e 07791. 72 HRVD, Testemunhos nºs 03695, 08037,09120, 03602, 01022, 05079, 01022, 01702, 08042, 00918, 00298, 00966, 03504, 08042, 00918, 0298, 00966, 03504, 05450, 04599, 04712, 06487, 00625 e 07527. 73 HRVD, Testemunho nº 00427. 74 HRVD, Testemunho nºs 04334 e 08217. 75 HRVD, Testemunho nº 03462. 76 HRVD, Testemunhos nºs 05621 e 02294. 77 HRVD, Testemunho nº 03366. 78 HRVD, Testemunho nº 01985. 79 HRVD, Testemunhos nºs 01262, 08531, 04285, 08531 e 05684. 80 HRVD, Testemunho nº 03845. 81 HRVD, Testemunhos nºs 08077 e 08044. 82 HRVD, Testemunhos nºs 02520, 06248, 08375, 08342, 06418, 06369, 06408, 02512 e 08290. 83 Testemunho ETHRC, 28 de Fevereiro de 1999, “Escalating Violation in East Timor: Is a Peaceful Solution Possible?” Ver ainda HRVD, Testemunhos nºs 01531, 01581, 01583, 01603 e 01518. 84 HRVD, Testemunho nº 09022. 85 HRVD, Testemunhos nºs 00456, 02326, 00082, 05881, 00289 e 02990. 86 HRVD, Testemunho nº 00082. 87 HRVD, Testemunhos nºs 02573 e 04240. Ver também CAVR, Perfile Comunitário do suco de Lebos-Gidapil, subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, 9 de Setembro de 2003. 88 HRVD, Testemunho nº 00561. 89 HRVD, Testemunhos nºs 00449, 0045 e 00427. 90 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Liurai, subdistrito de Turiscai, distrito de Manufahi, 17 de Setembro de 2003. 91 HRVD, Testemunhos nºs 02024, 02034, 08463, 06313, 06324 e 05138. Ver também CAVR, Perfil Comunitário do suco de Faholulik, subdistrito de Tilomar, distrito de Covalima, 21 de Outubro de 2003. 92 HRVD, Testemunhos nºs 03510 e 08385 e CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Atara e Salaun, Sub-distrito de Atsabe, distrito de Ermera, 14 de Abril de 2003. 93 HRVD, Testemunho nº 09031, do antigo líder da milícia, Belu, Timor Ocidental, Indonésia, 25 de Abril de 2003. 94 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 00309. 95 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 02950. 96 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 03685, 01239, 06337,01208 e 01239. 97 CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Atara e Salaun, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 14 de Abril de 2003 98 HRVD, Testemunho nº 02835. 99 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Costa, subdistrito de Makasar, distrito de Oecusse, 16 de Fevereiro de 2004. 100 HRVD, Testemunho nº 02632. 101 HRVD, Testemunho nº 02930. 102 Ver Banco Mundial, Relatório Final da Missão Conjunta de Avaliação a Timor-Leste, 8 de Dezembro de 1999. Arquivo da CAVR. 103 HRVD, Testemunhos nºs 01101, 08303, 08312 e 08314. Ver também CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de: Leimea Kraik e Samara, subdistrito de Hatulia, distrito de Ermera, 20 de Agosto de 2003; Ponilala, Poetete e Mirtutu, subdistrito de Ermera, distrito de Ermera, 19 a 21 de Janeiro de 2004; Lihu e Railaco Kraik, subdistrito de Railaco, distrito de Ermera, 20 de Fevereiro de 2003; Lacló e Paramim, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 26 de Junho de 2003; Eraulo, subdistrito de Letefoho, distrito de Ermera, 2 de Dezembro de 2002; e Hatugau, subdistrito de Letefoho, distrito de Ermera, 14 de Outubro de 2002. 104 HRVD, Testemunhos nºs 05271 e 08282. 105 HRVD, Testemunho nº 04079. 106 HRVD, Testemunhos nºs 07747, 07811, 03908, e 07089. Ver também CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de 2003. 107 HRVD, Testemunhos nºs 04194 e 04129 Ver também CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de: Ahic, Dilor, subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque, 22 de Novembro de 2002; Luca, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 10 de Junho de 2003; e Uaibubo, subdistrito de Ossu, distrito de Viqueque. 108 HRVD, Testemunho nº 05173, 06351, 02046, 06263 e 08560. 109 HRVD, Testemunhos nºs 02807, 02828 e 02630. Ver também CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bobometo, subdistrito de Oesilo, distrito de Oecusse, 31 de Maio de 2003. 110 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 02930, 00853 e 00859; e CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de; Usitaqeno, subdistrito de Oesilo, distrito de Oecusse, 24 de Julho de 2003; Suni Ufe, subdistrito de Nitibe, distrito de Oecusse, 17 de Janeiro de 2003. 111 HRVD, Testemunho nº 0831. 112 HRVD, Testemunho nº 02418. 113 HRVD, Testemunhos nºs 0140, 01391, 01392, 01307, 01312, 01334, 01335, 01381, 01382, 01392 e 03310. 114 Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de: Asbilitoho, Asumano e Manukasa feitos no subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, entre 11 de Julho e 3 de Setembro de 2003. 115 Artº 4º, Convenção III de Genebra; artº 44º, nºs 1, 3 e 4, Protocolo I das Convenções de Genebra. (inclui combatentes doentes ou feridos: artº 14º da Convenção I de Genebra). 116 Artº 4º A, Convenção III de Genebra. 117 Entrevista da CAVR a Jacinto Alves, antigo assistente do chefe do Estado-Maior das Falintil, Díli, 3 de Maio de 2005. 118 Artº 5º, Convenção III de Genebra; artº 45º, nº 1, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 119 Artº 4º, Regulamento da Haia; artº 13º, Convenção III de Genebra. 120 Artºs13º e 17º, Convenção III de Genebra. 121 Artºs 15º, 26º, 30º, Convenção III de Genebra. 122 Artºs 19º e 23º, Convenção III de Genebra. 123 Artº 5º, Convenção IV de Genebra. 124 Carmel Budiardjo & Kiem Soei Liong, The War Against East Timor , Documento 8 do Comando Militar Regional XVI Udayana, Established Procedure for Interrogation of Prisoners, PROTAP/01-B/VII/1982. 125 HRVD, Testemunhos nºs 01440 e 06571. Ver também CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Fatuloro, subdistrito de Fatululik, distrito de Covalima, 20 de Novembro de 2002; Tapo, subdistrito de Maliana, distrito de Bobonaro, 24 de Novembro de 2003. 126 HRVD, Testemunho nº 0485. Ver também CAVR, Perfil Comunitário do suco de Tapo, subdistrito de Maliana, distrito de Bobonaro, 24 de Novembro de 2003. 127 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Lifau, subdistrito de Laleia, distrito de Manatuto, 17 de Junho de 2003. 128 Entrevista da CAVR a Zeferino Armando Ximenes, (sem data). 129 HRVD, Testemunhos nºs 07331 e 05069. 130 Por exemplo, HRVD, Testemunho nº 00716. 131 HRVD, Testemunho nº 06515. 132 HRVD, Testemunho nº 01267. 133 Artº 22º, Regulamento da Haia; artº 35º, nº 1 Protocolo I das Convenções de Genebra; Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de Justiça, parágrafo 77. 134 Declaração de São Petersburgo, 1868; artº 23, Regulamento da Haia; artº 35º, nº 2 Protocolo I das Convenções de Genebra; Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de Justiça, parágrafo 78. 135 Artº 51º, nº 4, Protocolo I das Convenções de Genebra; Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de Justiça, parágrafo 78. 136 Ver também artº 54º, nº 2, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 137 Ver também artº 54º, nº 1, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra. 138 Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril 1988, Forças Armadas Indonésias, Comando da Operação de Segurança em Timor Leste. 139 The Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, datado de 30 de Abril de 1988, Ammunition Capability and Safe Range, Forças Armadas Indonésias, Comando da Operação de Segurança em Timor Leste. 140 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maneluma, subdistrito de Laulara, distrito de Aileu, 12 de Dezembro de 2002. 141 CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Lacló e Paramim, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 16 de Julho de 2003. 142 Ibid. 143 CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Atara e Lasaun, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 14 de Abril de 2003. 144 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Goulolo, subdistrito de Letefoho, distrito de Ermera, 25 de Novembro de 2002. 145 Entrevista da CAVR a Agusto Soares, em Hatulia (Ermera), 13 de Agosto de 2003. 146 Ibid. 147 CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Bora e Manelima, subdistrito de Laclubar, distrito de Manatuto, 3 de Setembro de 2003. 148 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Kakae Uman, subdistrito de Natarbora/Barique, distrito de Manatuto, 11 de Abril de 2003 149 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de 2003. 150 CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de: Darulete, subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça, 13 de Fevereiro de 2003 ; Leimea Kraik e Samara, subdistrito de Hatulia, distrito de Ermera, 20 de Agosto de 2003 ; Souro, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 24 de Fevereiro de 2004; Lebos e Guldapil, subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, 9 de Setembro de 2003 ; Fatuloro, subdistrito de Fatululik, distrito de Covalima, 21 de Novembro de 2002 ; e Lifau, subdistrito de Laleia, distrito de Manatuto, 17 de Junho de 2003 151 Entrevista da CAVR a Lucas da Costa Xavier, antigo soldado das 2004. ABRI/TNI, Same (Manufahi), 13 de Agosto de 152 Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril de 1988, Forças Armadas Indonésias, Comando da Operação de Segurança em Timor Leste 153 Conboy, p. 276. 154 Excerto de filme militar indonésio, cedido à Comissão por fontes anónimas, Jacarta 2005. Arquivo CAVR. 155 Protocolo sobre Proibições ou Restrições do Uso de Armas Incendiárias, 1980. 156 Entrevista da CAVR a Adriano João, Díli, 21 de Setembro de 2004. 157 CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Obulo e Butamanu, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 13 de Maio 2003. 158 CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Lacló e Paramim, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 16 de Junho de 2003. 159 Artº 23º, Regulamento da Haia. 160 Artº 51º, Convenção IV de Genebra. 161 Artº 51º, Convenção IV de Genebra. 162 HRVD, Testemunho nº 02491. 163 HRVD, Testemunho nº 05720. 164 HRVD, Testemunho nº 03412. 165 HRVD, Testemunho nº 01105. 166 HRVD, Testemunho nº 04012. 167 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de 2003. 168 HRVD, Testemunho nº 05685. 169 Ver HRVD, Testemunho nºs 07752, e CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara, subdistrito Tutuala, distrito de Lautém, 27 de Novembro de 2002. 170 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 06081. 171 Ver, por exemplo, CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Leber, subdistrito de Bobonaro, distrito de Bobonaro, 24 de Novembro de 2003; Guda, subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, 26 de Agosto de 2003; Leohito, subdistrito de Balibó, distrito de Bobonaro, 21 de Janeiro de 2004; e Lourba, subdistrito de Bobonaro, distrito de Bobonaro, 25 de Janeiro de 2003 172 HRVD, Testemunho nº 08365. 173 HRVD, Testemunho nº 03403. 174 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 04763. 175 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Defawasi, subdistrito de Baguia, distrito de Baucau, 23 de Setembro de 2003. 176 HRVD, Testemunho nº 03101. 177 HRVD, Testemunho nº 01071. 178 CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de: Bibileo, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 5 de Junho de 2003; Irabin de Baixo, subdistrito de Uatu-Carbau, distrito de Viqueque, 26 de Agosto de 2003; Assu de Cima, subdistrito de Ossu, distrito de Viqueque, 20 de Março de 2003; e Manulesu, subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, 27 de Agosto de 2003. 179 HRVD, Testemunho nº 03135. 180 HRVD, Testemunho nº 03093. 181 HRVD, Testemunho nº 03421. 182 HRVD, Testemunho nº 00168. 183 HRVD, Testemunho nº 01990. 184 HRVD, Testemunho nº 03963. 185 HRVD, Testemunho nº 03474. 186 HRVD, Testemunho nº 06044. 187 HRVD, Testemunho nº 04351. 188 HRVD, Testemunho nº 05687. 189 Instruction – Operation No: INSOP/03/II/1982. 190 Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Asumano, subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, 11 de Julho de 2003. 191 Instruction – Operation No. INSOP/03/II/1982, p. 8. 192 Conboy, p. 298. 193 Ver Korps Mariner TNI AL, 1970-2000, Marine Information Department, Jakarta, 2000, p. 274. 194 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Lelalai, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 20 de Outubro de 2003. 195 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Muapitine, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 18 de Fevereiro de 2004. 196 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Rasa, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 1 de Julho de 2004. 197 HRVD, Testemunho nº 06057. 198 HRVD, Testemunho nº 05224. 199 Kepala Intelejen Mayor Willem Da Costa, Petunjuk Teknis Tentang Kegiatan Babinsa, [Juknis /06/IV/1982), (Chefe dos Serviços de Informação, major Willem Da Costa, Orientações Técnicas sobre as Actividades do Babinsa. 10 de Setembro de 1982. Budiardjo e Liem, The War Against East Timor, Zed Books, 1984, p. 201. 200 HRVD, Testemunho nº 04107. 201 HRVD, Testemunho nº 05040. 202 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uaitame, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 12 de Dezembro de 2003. 203 Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Fahisoi, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 29 de Maio de 2003. 204 HRVD, Testemunho nº 03465. 205 HRVD, Testemunho nº 04071. 206 HRVD, Testemunho nº 01022. 207 Ver, por exemplo HRVD, Testemunho nº 03252. 208 HRVD, Testemunho nº 04756. 209 HRVD, Testemunho nº 02283. 210 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 21 de Novembro de 2003. 211 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bibileo, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 5 de Junho de 2003. 212 CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de: Uairoque, subdistrito de Luro, distrito de Lautém, 7 de Outubro de 2003; Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 11 de Novembro de 2002. 213 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 27 de Novembro de 2003. 214 HRVD, Testemunhos nºs 05317, 05365 e 05389. 215 HRVD, Testemunho nº 04129. 216 HRVD, Testemunho nº 00155. 217 HRVD, Testemunho nº 05316. 218 HRVD, Testemunho nº 04439. 219 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 04151 e 06817. 220 HRVD, Testemunhos nºs 01429 e 07696. 221 HRVD, Testemunho nº 04386. 222 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de 2003. 223 HRVD, Testemunho nº 01036. 224 HRVD, Testemunho nºs 05825 e 01313. 225 HRVD, Testemunhos nºs 04793 e 01752. 226 HRVD, Testemunho nº 03078. 227 HRVD, Testemunho nº 07665. 228 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bualale, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 16 de Dezembro de 2003. 229 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Namalesu, subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, 27 de Agosto de 2003. 230 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 00638 e 00427. 231 Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uaimori, Tula, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 19 de Junho de 2003. 232 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bibileo, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 5 de Junho de 2003. 233 HRVD, Testemunho nº 06483. 234 HRVD, Testemunhos nºs 03408 e 04748. 235 HRVD, Testemunhos nºs 06293, 00762 e 01425. 236 HRVD, Testemunhos nºs 02934, 01958 e 00243. 237 António Serpa, testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR Sobre Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 238 Entrevista da CAVR a Humberto Martins da Cruz [sem data] 239 Ibid; ver também HRVD, Testemunho nº 09081. 240 Testemunho de Francisco Guterres “Lú-Olo”, na sua qualidade de presidente da Fretilin, e testemunho de Mari Alkatiri, na sua qualidade de Secretário-Geral da Fretilin, à Audiência Pública Nacional da CAVR Sobre Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. 241 Francisco Xavier do Amaral, ibid. 242 Ângelo Araújo testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Massacres, 19 a 21 de Novembro de 2003 243 Entrevista da CAVR a Brigadeiro General Taur Matan Ruak, 9 Junho 2004 244 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004. 245 Entrevista da CAVR a Agostinho Boavida Ximenes (Sera Malik), Soe, Timor Ocidental, Indonésia, 28 de Agosto de 2004. 246 Entrevista da CAVR a José Conceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004. 247 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Faturasa, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 20 de Junho de 2003. 248 Entrevista da CAVR a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004. 249 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Fahisoi, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 29 de Maio de 2003. 250 CAVR, Perfil Comunitário do suco de Gurusa, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de 2003. 251 Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004. 252 Xanana Gusmão, Timor Leste: Um Povo Uma Pátria, Edições Colibri, Lisboa, 1994, p. 31. 253 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 04149. 254 255 HRVD, Testemunho nº 07612. Ver CAVR, Perfis Comunitários destes subdistritos. Arquivo da CAVR.