Subcapítulo 7.5: Violações do Direito da Guerra

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Subcapítulo 7.5: Violações do Direito da Guerra
Subcapítulo 7.5: Violações do Direito da Guerra
7.5.1 Introdução
1. O mandato da Comissão exigia que esta reportasse as violações dos direitos humanos, incluindo
as violações do direito humanitário internacional. Este direito é, por vezes, designado direito da
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guerra ou direito dos conflitos armados.
2. Muitas das violações do direito humanitário internacional que ocorreram durante a vigência do
mandato (1974-1999) foram, também, violações das normas internacionais de direitos humanos
e, por esse motivo, foram analisadas noutros subcapítulos deste Relatório. O objectivo principal
deste subcapítulo é abordar as violações do direito da guerra que não foram abordadas noutros
subcapítulos. Inclui-se, aqui, a incapacidade dos combatentes protegerem civis, prisioneiros de
guerra, feridos e outras categorias de pessoas que têm de ser protegidas; a incapacidade de
distinguir entre alvos militares e civis durante as operações militares; o recrutamento forçado; a
destruição intencional da propriedade civil; o recurso à utilização de armas ilegais, tais como
armas químicas, e outras violações das regras referentes à condução de operações militares.
3. Este subcapítulo baseia-se maioritariamente em informação fornecida por fontes primárias à
Comissão, durante o processo de recolha de testemunhos, assim como durante os Seminários
de Perfil Comunitário em sucos e, ainda, através de entrevistas exaustivas. Dado que as
violações do direito da guerra, como a morte ou a tortura de civis, são, também, violações de
outras normas internacionais referentes aos direitos humanos, existe alguma sobreposição entre
o presente subcapítulo e outras componentes do Relatório.
4. As provas e indícios analisados pela Comissão, neste e noutros subcapítulos, resultam na
formulação de um quadro de violações sistemáticas e avultadas do direito da guerra pelas forças
de segurança indonésias durante a invasão de Timor-Leste e nos anos da ocupação que se lhe
seguiram; estas violações incluíram um programa de intimidação, violência e destruição
relacionadas com a Consulta Popular, em 1999.
5. Não se pode colocar em pé de igualdade a responsabilidade pelas violações cometidas pelos
militares indonésios (ABRI/TNI) e pela Fretilin/Falintil, embora as acções de ambas as forças
armadas se tivessem traduzido num vasto leque de violações que causou um imenso sofrimento
à população civil de Timor-Leste. As ABRI/TNI e as forças que as apoiavam foram, claramente,
os principais responsáveis neste domínio. A Fretilin/Falintil causou sofrimento e mortes de civis.
Apesar de terem sido em muitos casos extremamente graves, as violações cometidas pela
Fretilin/Falintil constituíram uma percentagem muito reduzida da totalidade das violações.
6. As obrigações humanitárias de carácter geral que se aplicam a situações de conflito armado
interno foram violadas tanto por membros da Fretilin como da UDT, durante o período de conflito
político, em 1975. Estas violações, como por exemplo a morte, a detenção e a tortura de civis e
de prisioneiros, foram globalmente abordadas nos subcapítulos relativos a estes temas, assim
como no Capítulo 8: Responsabilidade e Responsabilização. Os acontecimentos da guerra civil
não foram, por isso, referidos em pormenor neste subcapítulo, embora adiante se proceda a uma
análise global desses acontecimentos (ver em particular: Capítulo 3: História do Conflito;
Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação
Forçada e Fome; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.8: Violações do
Direito da Criança).
7. A 11 de Agosto de 1975, a UDT lançou um “movimento armado”, a que muitos chamaram o
Movimento do 11 de Agosto. Os antecedentes e os pormenores desta acção armada são
analisados detalhadamente no Capítulo 3: História do Conflito. Mário Lemos Pires, governador
português de Timor nessa altura, disse à Comissão que a UDT se apoderou do poder utilizando
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armas retiradas à polícia portuguesa . Os líderes da Fretilin retiraram-se para o seu quartel-
general nas colinas de Aileu, a Sul de Díli. A UDT capturou membros da Fretilin em vários
distritos do país e manteve-os presos (ver Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos). As
tentativas da administração portuguesa de conseguir uma solução negociada foram goradas e, a
20 de Agosto, a Fretilin lançou uma contra-ofensiva ou insurreição armada a que, entre a
comunidade, muitos chamaram “contragolpe” da Fretilin. Durante várias semanas, a violência
alastrou por muitos distritos do território e, em finais de Setembro, a Fretilin controlava
virtualmente todo o território. Os membros da UDT, da Apodeti e dos pequenos partidos
Trabalhista e KOTA assim como as respectivas famílias fugiram para Oeste, em direcção à
fronteira. A Fretilin fez centenas de prisioneiros entre os membros da UDT e, em Outubro,
igualmente entre os membros da APODETI. O Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos,
analisa, em pormenor, estes acontecimentos.
8. Os habitantes de Timor-Leste, que tinham fugido para a zona da fronteira, vieram encontrar-se
sob o controlo dos militares indonésios e dos agentes dos serviços de informação e muitos
juntaram-se às tropas dos Partidários, que tinham sido treinadas pelos militares indonésios desde
finais de 1974. Os ataques transfronteiriços começaram em finais de Agosto, e o exército
indonésio passou a usar estas tropas de Partidários, em conjunto com as tropas regulares
indonésias.
9. A 15 de Outubro, os militares indonésios lançaram ataques em grande escala, com apoio de
meios marítimos e aéreos e ocuparam, por exemplo, as cidades de Batugadé e Balibó
(Bobonaro) em Timor-Leste. No ataque a Balibó foram mortos cinco jornalistas internacionais (ver
Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados).
10. Dado que as tropas indonésias ocupavam vilas timorenses bem dentro do território como, por
exemplo, Atabae (Bobonaro), as autoridades portuguesas permaneciam na Ilha de Ataúro sem
dar resposta às súplicas da Fretilin para que regressassem e as conversações internacionais
entre Portugal e a Indonésias ignoravam a realidade das tropas indonésias que ocupavam
centros urbanos timorenses, a Fretilin viu-se cada vez mais na necessidade desesperada de
pedir a intervenção e o apoio internacionais para proteger o território da agressão estrangeira. A
28 de Novembro de 1975 a Fretilin declarou unilateralmente a independência.
11. Apoiados pelo Parlamento indonésio, os militares indonésios lançaram, a 7 de Dezembro de
1975, uma invasão em grande escala de Timor-Leste. Os dirigentes da Fretilin retiraram para o
interior. Um grande número de civis fugiu do atacante militar indonésio ou foi obrigado pela
Fretilin a acompanhá-la na fuga para o interior (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e
Fome). Estes civis vieram, mais tarde, a sofrer terrivelmente no interior, durante a guerra que se
seguiu a estes acontecimentos.
12. Durante a invasão, as Forças Armadas indonésias cometeram violações do direito da guerra, ao
executarem civis em Díli, a 7 e 8 de Dezembro de 1975 (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e
Desaparecimentos Forçados).
13. No decorrer das operações militares em larga escala que se seguiram em todo o território, os
militares indonésios não fizeram qualquer distinção entre civis e combatentes, usando toda a sua
força militar, para matar um grande número de homens, mulheres e crianças desarmados. Para
além de ter sido apanhada indiscriminadamente no fogo cruzado, a população civil foi também
um alvo específico nas operações destinadas a conseguir a rendição das áreas controladas pela
Fretilin/Falintil (ver Subcapítulo 7.3; Deslocação Forçada e Fome). Foram muito poucos os casos
em que a população civil foi avisada antes do início das operações militares.
14. Durante os primeiros anos de ataques e de resistência foi prática corrente dos membros das
ABRI/TNI executarem, torturarem e violarem civis e prisioneiros capturados ou que se renderam.
Os militares indonésios recorreram a todos os meios ao seu dispor, para derrubar a resistência à
invasão e à ocupação. Nos anos de 1976, 1977 e 1978 estas violações foram perpetradas em
grande escala e de forma sistemática. Compreenderam a destruição e o saque sistemático da
propriedade civil, incluindo prédios, habitações e bens pessoais, destruição das fontes de
alimentos e uso de armas proibidas pelo direito internacional que rege os conflitos armados.
Entre os meios utilizados, contavam-se armas químicas que envenenaram as reservas de água e
destruíram as colheitas e demais flora, assim como bombas de napalm e outras armas
incendiárias, cujo efeito foi queimar indiscriminadamente tudo e todos, incluindo civis, homens,
mulheres e crianças.
15. Dirigida pela Fretilin/Falintil nos primeiros anos após a invasão, a Resistência desenvolveu uma
posição ideológica que visava a revolução social baseada na transformação da população civil
que vivia no interior com a chefia política e armada (ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e
Estratégia). À medida que se foram intensificando as ofensivas militares indonésias que
avançavam cada vez mais em áreas sob controlo da Fretilin/Falintil, desenvolviam-se as
divergências no seio da direcção da Fretilin. Isto levou, em 1977, a uma violenta purga dentro do
partido. A Fretilin/Falintil foi responsável por violações como a detenção e tortura de civis e de
outros presos, por exemplo, membros das Falintil, e execuções sumárias de prisioneiros (ver
Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados;
Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-tratos). Estas violações foram cometidas de forma
organizada e sistemática.
16. Depois de, em finais de 1978, as ofensivas militares indonésias terem destruído as bases de
apoio da Fretilin/Falintil nas montanhas, causando um imenso sofrimento aos milhares de civis
que viviam nessas áreas, os líderes políticos e militares da Resistência que sobreviveram
levaram a cabo uma importante alteração na sua estratégia. Esta nova estratégia veio modificar
profundamente a relação entre a resistência armada e a população civil que, inicialmente, fora
detida em campos de trânsito e centros de detenção e que, mais tarde pôde instalar-se de novo
nos centros urbanos e sucos. Na década de 1980, foi criada uma ampla estrutura e rede
clandestinas com o objectivo de prestarem apoio à resistência armada de guerrilha (ver Capítulo
5: Resistência: Estrutura e Estratégia). Durante este período, a Fretilin/Falintil violou o direito da
guerra ao atacar membros da população civil, incendiar habitações e roubar alimentos aos civis
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que consideravam estar a colaborar com as Forças Armadas indonésias.
17. Os membros das ABRI/TNI procederam sistematicamente ao recrutamento forçado de civis
destinados a participarem nas operações militares contra a Resistência armada. A maior destas
operações consistiu no recrutamento forçado de mais de 60.000 civis, durante os meses da
Operação Kikis, em 1981 (ver, adiante, a secção sobre o recrutamento forçado pelas ABRI/TNI
para a realização de actividades militares). Era ainda prática militar corrente obrigar os civis a
carregar as armas e as munições, a cozinhar, limpar e cuidar das necessidades pessoais da
hierarquia militar. Os recrutas forçados, muitos deles ainda crianças, eram maltratados e sujeitos
frequentemente a tratamentos cruéis, degradantes e desumanos.
18. Nos anos da ocupação e da resistência subsequente, as ABRI/TNI aplicaram regularmente
punições colectivas à população civil, incluindo homicídios, violação e tortura de familiares de
indivíduos suspeitos de apoiarem a Fretilin/Falintil, assim como de civis que pertenciam às
comunidades de onde esses suspeitos eram oriundos. Esta prática regular contra os civis
intensificava-se particularmente após operações militares das Falintil contra alvos das ABRI/TNI
(ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, Subcapítulo 7.4: Prisão,
Tortura e Maus-Tratos).
19. As violações do direito da guerra cometidas pelos membros da Fretilin/Falintil incluíram a
execução de prisioneiros e a morte de civis, particularmente daqueles que eram suspeitos de
colaborarem com os militares indonésios. Os membros da Fretilin/Falintil torturaram e mataram
membros das suas próprias forças que discordavam das políticas do Comité Central da Fretilin.
Também incendiaram habitações de alegados colaboradores e saquearam os seus bens (ver
Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, Subcapítulo 7.3: Deslocação
Forçada e Fome, Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos).
20. As mulheres e as jovens timorenses presas ou forçadas a trabalhar para membros das ABRI/TNI,
eram sistematicamente violadas e obrigadas a viver em condições de escravidão sexual, sendo
inclusivamente “passadas” de um oficial para outro, uma vez terminada a comissão de serviço do
primeiro (ver Subcapítulo 7.7: Violência Sexual).
21. Em finais da década de 1980 e princípios da década de 1990, à medida que a juventude urbana
se envolvia de forma crescente na Resistência e que as manifestações públicas se tornavam
uma nova característica da acção da Resistência, as ABRI/TNI intensificaram a perpetração de
violações contra civis. O Massacre de Santa Cruz foi o mais célebre exemplo, quando os
militares indonésios dispararam contra civis desarmados que se manifestavam pacificamente,
causando um avultado número de mortos e de feridos graves (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas
e Desaparecimentos Forçados).
22. Durante toda a década de 1990, as ABRI/TNI foram responsáveis pela prática contínua de
detenção e tortura de civis, normalmente daqueles que eram suspeitos de algum envolvimento
com a rede clandestina da Resistência. Estas práticas visavam especialmente os jovens que,
durante este período, se envolveram cada vez mais na Resistência. Entre estas práticas contavase a morte e o desaparecimento dos detidos (ver Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos,
Capítulo 10: Acolhimento e Apoio à Vítima).
23. No final de 1998 e início de 1999, as ABRI/TNI formaram grupos de milícias armadas em todo o
território. As ABRI/TNI puseram em prática um programa de recrutamento forçado sistemático de
milhares de rapazes timorenses para integrarem estes grupos, para além daqueles que aderiram
voluntariamente (ver Capítulo 3: História do Conflito, Capítulo 9: Reconciliação Comunitária). As
forças de segurança indonésias e as milícias que actuavam como que em seu nome, foram
responsáveis, depois da Consulta Popular, por uma vasta gama de violações do direito da
guerra, incluindo homicídios, violação, tortura e a destruição em massa e intencional de bens de
civis em todo o território (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados,
Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome, Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos,
Subcapítulo 7.7: Violência Sexual).
7.5.2 Normas relevantes
24. As normas adoptadas pela Comissão em relação ao direito internacional que rege os conflitos
armados são citadas em pormenor no Anexo do Capítulo 2: Mandato da Comissão. A maioria dos
princípios jurídicos relevantes ao conflito em Timor-Leste decorre das Convenções de Genebra,
ratificadas pela Indonésia e por Portugal, e do direito internacional consuetudinário. As normas
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fundamentais estão reflectidas em quatro princípios básicos:
1. A força só deve ser usada quando necessária para atingir um objectivo militar legítimo (princípio
da necessidade militar)
i
2. Todas as acções devem ser levadas a cabo em conformidade com princípios de humanidade
3. Os ataques devem ser lançados exclusivamente contra alvos militares e de forma a minimizar os
danos causados a civis e a bens de carácter civil. Os ataques nunca devem visar
intencionalmente civis nem bens de carácter civil (princípio da distinção)
4. Quando um ataque é susceptível de causar baixas civis colaterais, esse ataque só é permitido se
os danos causados a civis e a bens de carácter civil não excederem a vantagem militar esperada
(princípio da proporcionalidade).
25. Estas normas aplicavam-se às forças militares indonésias. Aplicavam-se igualmente às Falintil
que podiam ser reconhecidas, à luz do direito humanitário internacional, como um movimento de
resistência uma vez que satisfaziam de forma geral os requisitos necessários a tal
reconhecimento: tinham uma estrutura de comando operacional; os seus membros distinguiamse normalmente dos civis e transportavam visivelmente as suas armas; e realizavam operações
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em conformidade com as leis e os costumes da guerra.
26. Mesmo nos casos em que a Comissão teve livre acesso a todas as provas factuais, nem sempre
foi possível distinguir entre as situações em que os civis foram alvos directos e intencionais e
i
O exemplo mais famoso do princípio de humanidade está contido na Cláusula Martens, no Preâmbulo da Convenção IV da Haia
Sobre Direito e Costumes da Guerra em Terra, de 1907.
outras circunstâncias em que civis foram mortos ou feridos em combate que não os visava
deliberadamente. Em muitas das operações militares examinadas pela Comissão em todo o
Relatório, a Comissão concluiu que os ataques foram indiscriminados no que se refere ao seu
impacto sobre os civis ou desproporcionados no que toca à necessidade militar e que, por
conseguinte, constituíram violações do direito da guerra. Em particular, as provas delineadas
neste subcapítulo e analisadas em maior pormenor nos subcapítulos relevantes deste Relatório,
demonstram que as ABRI/TNI ignoraram sistematicamente e violaram deliberadamente as suas
obrigações de protecção dos civis timorenses em conformidade com as Convenções de Genebra
de que a República da Indonésia era signatária.
7.5.3 Violações do direito da guerra pelas forças militares indonésias
Ataques a civis e a propriedade civil
27. A legislação internacional relativa a conflitos armados estipula claramente que os ataques não
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podem ser dirigidos contra civis, bens de carácter civil ou cidades ou edifícios não defendidos. É
também proibido levar a cabo actos cujo principal objectivo seja espalhar o terror entre a
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população civil.
28. Os ataques não podem ser perpetrados com o recurso a meios de combate ou de forma a
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impossibilitar a distinção entre alvos militares e civis.
29. Os ataques de que se possa esperar venham a causar incidentalmente perda de vidas humanas
na população civil ou danos nos bens de carácter civil, são unicamente permitidos quando não
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excessivos relativamente à vantagem militar concreta e directa esperada. Os ataques devem ser
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levados a cabo de forma a minimizar as baixas civis e os danos a bens de carácter civil.
Sempre que possível, os civis devem ser alertados antecipadamente dos ataques que podem
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causar danos à população civil.
30. Esta secção debruça-se sobre as violações ao direito da guerra cometidas pelas ABRI/TNI nos
primeiros anos do conflito.
31. A partir de Agosto de 1975, as ABRI/TNI desencadearam ataques transfronteiriços em TimorLeste, que incluíram a morte de civis e destruição de bens de civis (ver Subcapítulo 7.2: Mortes
Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). A 15 e 16 de Outubro, as Forças Armadas indonésias
intensificaram as operações contra Timor-Leste recorrendo a bombardeamentos aéreos e
marítimos em larga escala. Estes ataques causaram baixas entre os civis e a destruição de bens
civis.
32. A invasão em larga escala começou a 7 de Dezembro de 1975 e combinou ataques aéreos,
terrestres e marítimos, primeiro sobre Díli e, depois, sobre Baucau. Estes ataques estenderamse, em seguida, aos distritos de Bobonaro, Ermera, Manufahi e Covalima. Causaram muitas
mortes entre os civis, deslocações em massa da população e enorme destruição de propriedade,
pública e privada. Durante estes ataques iniciais, civis desarmados foram alvos directos das
forças das ABRI/TNI em execuções sumárias e verificou-se uma incapacidade generalizada de
distinguir entre alvos civis e militares.
33. O uso de artilharia pesada, bazucas, granadas, morteiros e artilharia, tanto em cenários urbanos
como rurais, resultou inevitavelmente num número avultado de baixas civis. É muitas vezes
impossível esclarecer se tais ataques foram específicos ou aleatórios. A Comissão recolheu
evidência significativa a partir de testemunhos recolhidos por todo o território, que aponta
claramente para o recurso, por parte dos militares invasores indonésios, a uma política que
envolvia a destruição e o saque sistemáticos de habitações, gado e culturas agrícolas, assim
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como a morte deliberada de civis. José da Silva Amaral afirmou à Comissão que as ABRI/TNI
destruíram deliberadamente fontes alimentares durante o ataque a Osso-Gori, Uaibubo (Ossu,
Viqueque) em 1976:
Quando as ABRI atacaram Ossu, na estação seca de 1976, a
minha mulher Ceverina, o meu filho Arlindo e eu estávamos em
Basilau, Osso-Gori, no suco de Uaibubo. Fugimos para Monte
Builo, Ossorua. As ABRI entraram em Ossu e continuaram a
avançar. Construíram um posto perto da minha terra, em Loi-Lubu,
Ossorua. Durante uma patrulha, queimaram a minha casa em
Basilau. As ABRI abandonaram o posto, passado cerca de um
mês. Quando descobri que as ABRI tinham partido, um cunhado
meu, Patrício e eu voltámos lá para ver os meus coqueiros. Tinham
sido todos destruídos. As ABRI cortaram todas as bananeiras para
construírem um posto. Também cortaram os 300 coqueiros. Só
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deixaram intacta uma árvore.
34. Para além de serem alvos e de sofrerem ataques indiscriminados, os civis foram também
severamente castigados pelas ABRI/TNI sempre que suspeitos de apoiarem as forças da
Fretilin/Falintil. Estes castigos variavam de acordo com as circunstâncias e os indivíduos
envolvidos. Lobato Amaral, um jovem soldado das Falintil, disse à Comissão que o seu irmão
mais velho, Leonardo Freitas, e outros onze civis foram capturados e mortos pelas ABRI/TNI, em
Bobonaro, por suspeita de terem fornecido comida a ele e a outros soldados das Falintil, em
14
1979.
35. Qualquer suspeita de contacto com pessoas que fugissem para a floresta, fizessem ou não parte
das forças da Fretilin/Falintil, podia resultar em retaliações por parte das ABRI/TNI. Em 1977, por
exemplo, Frederico Gonçalves, de Atabae (Bobonaro), declarou que o seu gado foi confiscado
por membros da milícia Halilintar, que suspeitavam que ele mantinha contactos com o irmão que
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se encontrava na floresta.
36. Durante a fase inicial da invasão, travaram-se combates duríssimos em muitas áreas, com as
forças da Fretilin/Falintil a impedirem o avanço das forças indonésias. A Comissão recolheu
diversos depoimentos sobre retaliações brutais das tropas indonésias contra civis, depois de
capturarem determinado povoado. No suco de Leimea Kraik (Atsabe, Ermera), por exemplo, as
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ABRI/TNI queimaram deliberadamente as habitações com os seus proprietários no interior. A
resistência não violenta dos civis deparou também frequentemente com forças letais que
contribuíram para disseminar o medo e o pânico quando dezenas de milhar fugiram para a
montanha e para as florestas em busca de protecção e refúgio. A Comissão recolheu um grande
número de relatos provenientes de todo o território que corroboram este facto e apontam para a
vulnerabilidade dos civis timorenses face ao avanço dos militares indonésios, da invasão até ao
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final de 1978.
37. Embora muitos tivessem procurado protecção e refúgio em áreas controladas pelas forças da
Fretilin/Falintil, essa pausa foi apenas temporária enquanto as forças indonésias tentavam
consolidar a ocupação. Agustinho Soares disse à Comissão:
Eu tinha 17 anos quando fugimos para a floresta em Katrai Leten,
no sopé do Monte Ramelau. Escondi-me lá com 10 membros da
família. Milhares de habitantes dos sucos reuniram-se em Katrai
Leten, vindos inclusivamente de Letefoho, Ermera, Ainaro, Aileu e
Cailaco.
Katrai Leten era a segunda maior base da Fretilin em Ermera, a
seguir a Fatubesi, por isso ali estávamos seguros. As tropas da
Fretilin protegiam-nos do inimigo e nós ficávamos na retaguarda e
cultivávamos alimentos para podermos comer…Em Katrai Leten,
eram raras as mortes por fome ou por doença.
Mas, dois anos depois, em 1978, os militares indonésios atacaram
a nossa base em Katrai Leten, e obrigaram-nos a sair de Katrai
Leten e a ir para outros sítios. As tropas das ABRI vinham de
Atsabe, Ainaro, Same e Bobonaro, e cercaram-nos
completamente, isolando-nos na nossa base em Katrai Leten,
antes de elas [ABRI] atacarem em simultâneo.
As ABRI dispararam os seus morteiros, bazucas e canhões. Lá de
cima, os aviões largaram bombas sobre nós. As bombas não nos
queimaram, mas as granadas schrapnel mataram muita gente que
não conseguiu encontrar um lugar bom para se esconder. Os
ataques das ABRI destruíram a nossa base de resistência em
18
Katrai Leten, a 18 de Maio de 1978.
38. Por todo o território de Timor-Leste, comunidades inteiras foram forçadas a manter-se em
deslocação constante. A Comissão recolheu testemunhos de um padrão semelhante de
experiências que culminavam na morte, captura ou rendição de comunidades e de indivíduos em
todo o território. A experiência da comunidade do suco de Muapitine (Lospalos, Lautém) ilustra
bem este padrão. Quando as forças das ABRI/TNI desembarcaram na praia de Com, em
Fevereiro de 1976 e começaram a disparar contra os civis, os residentes fugiram para as
montanhas. Durante dois anos mantiveram-se juntos, deslocando-se de lugar para lugar. No
decurso de 1977/1978, 155 habitantes de Muapitine morreram de fome, enquanto outros sete
morreram durante um ataque das ABRI/TNI em 1978. Como aconteceu em muitas outras áreas,
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em finais de 1978, os restantes habitantes de Muapitine começaram a render-se às ABRI/TNI.
39. A Comissão recolheu testemunhos que mencionavam incidentes em que os comandantes das
ABRI/TNI não protegeram deliberadamente os civis, nem estabeleceram a distinção entre civis e
tropas armadas da Fretilin/Falintil. Um antigo soldado timorense das ABRI/TNI, baseado em
Same em 1977, relatou à Comissão que, antes do início das operações em torno do Monte
Kablaki, membros do Kodim (Comando Militar Distrital) e forças civis de defesa (Hansip) de
Manufahi receberam instruções do comandante do Kodim para matar qualquer pessoa que
encontrassem durante a operação, independentemente do facto de se tratar de civis ou de
soldados da Fretilin/Falintil:
Durante uma operação em Kablaki, em 1977, os soldados e as
Hansip vieram de duas direcções, Ainaro e Same, e formaram um
círculo completo para impedir as Falintil e os civis de se refugiarem
na montanha. O ataque a Kablaki foi simultâneo e o comandante
do Kodim disse-nos que, encontrássemos quem encontrássemos,
civis ou Falintil, deveríamos agir sem compaixão, [deveríamos]
disparar imediatamente ou, se necessário, prendê-los.
Quando chegámos ao cume do Monte Kablaki, vimos um grupo de
cinco ou seis pessoas e disparámos. Não sabíamos se eram civis
ou das Falintil. [Algumas] fugiram e só conseguimos encontrar
coisas abandonadas, tais como sacos de comida que tinham
deixado para trás. Depois, continuámos a nossa operação, de volta
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a Same, via Rotuto.
40. O mesmo antigo soldado descreveu outro incidente, ocorrido durante as operações na área de
Same, destinadas a encontrar tropas das Falintil e civis que continuavam escondidos na floresta
e durante as quais uma idosa, que os soldados encontraram numa cabana de um suco
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abandonado, foi executada por um membro da Hansip.
41. As incursões e os ataques dos militares indonésios contra comunidades em territórios que não
estavam sob o seu controlo, continuaram durante o ano de 1978. Como era de prever, os civis
tiveram de continuar a sofrer as consequências destes ataques. Maria José da Costa descreveu
à Comissão a experiência vivida pela sua comunidade, numa área de dolok (zona pantanosa), no
Sul do distrito de Manufahi:
Em 1978, o inimigo cercou-nos no dolok e muita gente morreu de
fome. Todas as reservas de alimentos…foram queimadas.
Cercaram-nos, atacando por mar com navios de guerra, pelo ar
com aviões de guerra e por terra queimando a erva seca em redor
e fazendo intervir o exército. Estávamos em Agosto, que é a
estação seca. O exército provocou incêndios que atearam
rapidamente, despejando gasolina sobre as ervas altas. Muitos
morreram, porque não conseguiram fugir às chamas que nos
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rodeavam.
42. Os militares indonésios tinham previsto erradamente que a força militar esmagadora lhes
garantiria a ocupação de Timor-Leste de uma forma relativamente expedita. Quando isto não
aconteceu e as forças indonésias ficaram atoladas, havendo forças da Fretilin/Falintil que viviam
com grandes massas de populações civis no interior do território, os militares indonésios
lançaram uma ofensiva de grande escala contra as bases de resistência. Em 1978, estes ataques
ficaram conhecidos como campanha de cerco e aniquilamento e causaram muitas mortes entre a
população civil que se encontrava nas bases. O facto de tantos civis estarem a viver nestas
bases, com as forças da Fretilin/Falintil, pode ter contribuído para a dificuldade de distinguir entre
civis e combatentes. Contudo, os testemunhos apresentados à Comissão fornecem uma imagem
clara de uma campanha militar das ABRI/TNI, na qual houve pouco respeito pelo princípio da
protecção de civis ou pela necessidade de estabelecer a distinção entre civis e combatentes. Os
ataques no território pareciam ter por base o pressuposto de que qualquer pessoa, combatente
ou civil, a residir fora da área controlada pelos militares indonésios, era um alvo legítimo (ver
Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados;
Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).
43. A Comissão ouviu testemunhos semelhantes provenientes de diferentes partes do país que
relatam a forma como indivíduos e comunidades inteiras tentaram desesperadamente fugir do
avanço das tropas indonésias. Muitas destas pessoas andaram fugidas durante três e quatro
anos, deslocando-se de localidade para localidade, vivendo em circunstâncias de enorme
23
dificuldade que resultaram na perda gradual de vidas de indivíduos e até de famílias inteiras. As
comunidades dos sucos de Aiassa e de Malilait, no subdistrito de Bobonaro (Bobonaro) relataram
à Comissão:
Em Janeiro de 1976, os militares indonésios penetraram no
subdistrito de Bobonaro. Os ataques contínuos por terra e por ar
obrigaram os civis a fugirem para Lour. Os habitantes dos sucos
não levaram muita comida. Ficámos em Holba, Anapal durante
cerca de um ano a cultivar arroz e outros alimentos. Enquanto
esperávamos pelas colheitas, comemos raízes. Na altura da
colheita, as ABRI/TNI e os Partidários obrigaram as pessoas a
deslocarem-se de Holba para Fatuleto e abandonarem as suas
hortas e campos por colher. As pessoas permaneceram em
Fatuleto durante um ano mas tiveram de continuar a deslocar-se
primeiro para Molop, depois para Dikehili, onde muitos morreram
em consequência dos ferimentos sofridos durante os ataques
aéreos ou de doença e fome.
Em 1978, mais uma vez as pessoas tiveram de fugir para Halik a
seguir a…ataques aéreos das 7 às 9 da manhã que causaram sete
mortes e, [houve] mais mortes em consequência de fome, doenças
e envenenamento por ingestão de legumes não comestíveis.
Em 1979, quando já não tínhamos para onde ir, os habitantes dos
24
sucos, foram-se rendendo gradualmente ao Batalhão 507.
44. A Comissão recolheu 247 depoimentos só do distrito de Baucau a relatar 278 casos de ataques a
civis e a alvos civis durante o período da operação Seroja, na década de 1970. Relatos
semelhantes foram apresentados em relação a Aileu, registando a morte de 97 civis e a
destruição de alvos civis, durante as operações das ABRI/TNI.
45. Houve também civis que morreram de fome, depois de o seu gado e as reservas de alimentos
terem sido destruídos ou roubados, ou por terem fugido com poucos ou nenhuns meios de
subsistência. Durante este mesmo período, a crescente pressão exercida sobre as condições de
vida nas zonas libertadas, decorrente das operações das ABRI/TNI, causou grandes dificuldades
e perda de vidas entre a população civil que se encontrava naquelas zonas. No início, a
circulação no interior destas zonas era limitada mas, mais tarde, os civis foram obrigados a estar
constantemente em deslocação para tentarem escapar aos ataques das ABRI/TNI, razão pela
qual não lhes era possível cultivar alimentos e colhê-los (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação
Forçada e Fome).
46. Para a Fretilin/Falintil, a precariedade da sua situação era uma preocupação de extrema
importância. A restrição das movimentações dos civis foi uma consequência directa da
necessidade de garantir e manter o controlo geofísico da área. Tais imposições não foram
aplicadas exclusivamente por quadros políticos e militares da Fretilin/Falintil. Determinados a
sobreviverem, os civis impuseram frequentemente a si próprios medidas duras ou mesmo brutais.
Não serem descobertos na floresta, por exemplo, implicava muitas vezes opções de vida ou de
morte. Adriano João era adjunto político da Fretilin na Zona de Cailaco e descreveu à Comissão
as medidas desesperadas, tomadas pelos civis, para conseguirem sobreviver durante este
período:
[Em Purugua] vi um pai abafar o filho de quatro anos até matá-lo
porque a criança não parava de chorar. Depois, houve um
consenso entre os habitantes dos sucos: quem revelasse a
posição às ABRI seria eliminado, mesmo que se tratasse de uma
criança. Quase tivemos de nos desfazer do nosso bebé de 18
25
meses por ele não parar de chorar.
47. Quando os militares indonésios localizavam uma concentração de guerrilheiros ou de civis numa
determinada área, a prática usual era bombardear o local com artilharia pesada. Estes ataques
eram frequentemente indiscriminados e letais. Em 1978, por exemplo, bombardeamentos aéreos
e navais causaram cem mortes entre a população do suco de Aidantuik (Suai, Covalima) que se
26
tinha refugiado em Beco (Suai, Covalima).
48. A base da Fretilin/Falintil no Monte Matebian (distritos de Baucau e Viqueque), no Leste, tornouse num dos últimos centros de resistência, em 1978, quando as ABRI/TNI invadiram esta base de
apoio da Fretilin/Falintil. No seguimento da invasão, no início de 1976, as forças da Fretilin/Falintil
evacuaram muitos civis dos distritos Leste, de Baucau, Viqueque e Lautém, levando-os para a
montanha. Nos primeiros anos após a invasão, muitos civis timorenses fugiram dos ataques dos
militares indonésios, dirigindo-se para a montanha. Em 1978, esta tinha-se tornado um dos
últimos principais lugares de refúgio. Conforme os militares iam invadindo outras bases, as forças
da Fretilin/Falintil e os civis retiravam-se para a base de Matebian. Em resposta, entre Agosto e
Outubro daquele ano, os militares indonésios lançaram ataques devastadores por terra, ar e mar
contra as pessoas que se encontravam na montanha. Armindo da Silva, que procurou refúgio na
montanha naquela altura, disse à Comissão:
Quando a minha família e eu nos encontrávamos em Matahoi em
Uatu-Lari [Viqueque], ouvi dizer que as ABRI/TNI estavam prestes
a atacar Osso Lero no sopé de Matebian, em Baguia. Muitos civis
de Ossu morreram durante os bombardeamentos aéreos e ataques
indiscriminados de morteiro das A B R I a partir de Quelicai
[Baucau]...O meu primo Januário da Silva, de 20 anos, a minha
mãe Paeloi…e o Liurai de Uaibubo foram atingidos pelas bombas e
27
morreram.
49. O refúgio da montanha foi cercado pelas ABRI/TNI e estas lançaram uma campanha sistemática
para obterem a rendição de todos os que se encontravam na montanha. Muitas das comunidades
com que a Comissão dialogou relataram a morte e destruição que acompanharam o assalto das
28
ABRI/TNI. A Comissão foi informada de que vários milhares de pessoas tinham sido mortas ou
feridas antes de os comandantes da Fretilin/Falintil darem autorização, em 22 de Novembro de
1978, para que as pessoas se rendessem (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e
Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).
As bombas vinham do céu, da costa e de terra
A comunidade do suco de Defawasi, no subdistrito de Baguia, na região montanhosa de Matebian, em
Baucau, relatou à Comissão a sua experiência aquando do assalto final das forças indonésias à
montanha, no final de 1978:
1978 foi o ano em que o exército, a marinha e as unidades aerotransportadas (Paskhas) e as Unidades
Móveis da Polícia (Brimob) atacaram, montando o cerco a Matebian. Formaram em anel em torno da
montanha. Os habitantes dos sucos de Defawasi, Viqueque, Baucau e Lospalos ficaram no interior do
anel. Esta “barreira” foi apertando diariamente, encurralando cada vez mais civis no Monte Matebian.
Os militares indonésios aproveitaram esta oportunidade para atacar as pessoas, usando fogo de terra.
Atacaram com canhões, bazucas, morteiros e rockets assim como procederam a bombardeamentos
aéreos e navais. Estes ataques incessantes destruíram as fontes de água e impediram qualquer tentativa
de preparar alimentos. Criaram uma situação caótica.
Muita gente morreu devido aos bombardeamentos ou de fome ou perdida na montanha. Os civis
morreram, também, em consequência dos ferimentos causados pelas armas automáticas e pelos
bombardeamentos. Cerca de cem pessoas de todas as idades, homens ou mulheres do nosso suco de
Defawasi, morreram em Matebian. Entre 2 de Outubro e 28 de Novembro de 1978, os habitantes de
29
Defawasi regressaram à cidade de Baguia, vindos da montanha.
50. A escalada dos ataques das ABRI/TNI, ao longo de 1978, levou ao agravamento da situação dos
civis no interior, o que, por sua vez, resultou na rendição de um maior número de civis às
ABRI/TNI. Outros permaneceram em fuga constante até serem capturados ou forçados a render30
se. A rendição final , de civis em massa ocorreu-se após a queda da base de Matebian, em
Novembro de 1978, depois de a Fretilin/Falintil terem autorizado a rendição dos civis (ver
Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).
51. A situação após captura ou rendição era extremamente penosa. Os militares indonésios
separavam as pessoas que identificavam como Fretilin/Falintil, muitas das quais foram
executadas ou desapareceram (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.2: Mortes
Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Os restantes civis foram, inicialmente, reunidos em
campos de trânsito e, posteriormente, em centros de detenção. Mais tarde, foram reinstalados
em áreas sob controlo das ABRI/TNI. A alimentação e o acesso a medicamentos não eram
suficientes para este elevado número de civis que se encontrava, efectivamente, detido o que
resultou na morte de milhares de pessoas de fome e de doenças naqueles que foram,
eventualmente, os anos mais trágicos da História de Timor-Leste. O Subcapítulo 7.3: Deslocação
Forçada e Fome, incide sobre estes acontecimentos trágicos e as violações dos direitos humanos
então cometidas. Diversas comunidades de todo o território relataram à Comissão a experiência
que viveram durante este período. Por exemplo, as comunidades de Lequidoe (Aileu), Remexio
(Aileu) e Metinaro (Díli) falaram do elevado número de civis mortos de fome e de doença nos
31
campos, após a rendição às forças indonésias.
52. Embora os ataques a civis e a alvos civis tivessem diminuído significativamente após a fase mais
intensa da Operação Seroja, em 1979, os civis continuaram a ser marcados como alvos e a
sofrer consequências adversas devido à táctica continuada de contra guerrilha adoptada pelas
ABRI/TNI durante toda a ocupação indonésia de Timor-Leste.
53. A Comissão recolheu vários relatos sobre execuções levadas a cabo pelas ABRI/TNI durante a
Operação Kikis, em 1981, quer de civis que se renderam quer de outras pessoas que foram
forçadas a participarem na operação. A comunidade do suco de Orlalan Batara (Laclubar,
Manatuto) descreveu a experiência vivida ao ser forçada a participar na operação:
Depois de das ordens de Manatuto e de Díli para preparar os civis
para se juntarem à Operação Kikis, o comandante do Koramil de
Laclubar ordenou aos chefes de seis sucos que seleccionassem
civis fortes para participarem na operação, excluindo apenas as
crianças e os velhos. Todas as escolas foram fechadas. Os civis
foram autorizados a levar apenas facas, lanças, flechas, tambores
de bambu. Todos tinham de atar uma fita preta na cabeça que os
identificava e todos tinham de transportar as suas próprias rações
de alimentos. Cada suco tinha um chefe. Os civis foram forçados a
caminhar a partir das seis da manhã para irem em busca das
Falintil e de civis que ainda se encontrassem a viver na floresta.
Quando os encontrassem tinham de os matar para que a guerra
pudesse terminar rapidamente.
Em Fatuhada [Laclubar, Manatuto], deu-se um recontro armado
entre o Batalhão 744 e as Falintil, que custou às Falintil a vida de
quinze membros e de 50 civis que se renderam ao Batalhão 744.
Uma mulher grávida foi apunhalada na barriga, tendo o bebé
morrido instantaneamente. Depois, os cadáveres foram
esquartejados e enterrados.
Durante a operação, os soldados do Batalhão 744 que
suspeitavam que os habitantes de Laclubar trabalhavam com a
Fretilin, ordenaram a esses habitantes que queimassem todas as
plantações, a fim de evitar que a Fretilin se servisse delas,
tentando deste modo pressioná-la para que se rendesse
rapidamente. Estas ordens eram acompanhadas por uma ameaça
de execução daqueles que se recusassem a cumpri-las. Durante
os 40 dias da incursão, um dos habitantes do suco de Laclubar
morreu de uma doença que não foi tratada e outro foi abatido por
um soldado das ABRI em Aitana. O soldado justificou-se, alegando
que tinha confundido esta pessoa com outra. Depois, as pessoas
32
regressaram aos seus sucos em Laclubar.
54. Albino da Costa, antigo soldado das Falintil, relatou à Comissão:
Vi, com os meus próprios olhos como os militares indonésios do
Batalhão 744 matavam civis. Capturavam os que estavam
desarmados, atavam-nos e esfaqueavam-nos até à morte.
Capturaram uma mulher grávida e mataram-na, assim, sem mais
nem menos. Vi-o de perto, a uns meros cem metros do local onde
33
isto se passou.
55. Quando os militares chegaram à área de Lacluta (Viqueque), em Setembro de 1981, houve um
massacre em que, segundo vários relatos, foram mortas centenas de pessoas. Ao mesmo tempo
que a Indonésia proclamava a vitória militar nesta área citando a captura de 450 membros da
Fretilin e de 150 armas, monsenhor D. Martinho da Costa Lopes, na altura Administrador Católico
Apostólico de Timor-Leste, declarou que tinham sido mortas 500 pessoas (ver Capítulo 3: História
do Conflito e Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). As autoridades
34
indonésias admitiram 70 mortos. Outras fontes referem que o número de baixas situa-se na
35
ordem das centenas. Embora não exista um relato rigoroso sobre este acontecimento,
nomeadamente na distinção pormenorizada sobre o estatuto de combatente ou de civil das
pessoas que foram mortas, a maioria das fontes descreve este acontecimento como um
massacre brutal de civis (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados).
56. O levantamento de membros timorenses da Hansip e da Ratih em 1983, contra os militares
indonésios em Kraras (Lacluta, Viqueque) é um dos casos mais flagrantes de retaliação das
ABRI/TNI contra a população civil (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos
Forçados). O levantamento foi coordenado em ligação estreita com as Falintil. Depois de terem
morto doze membros do Batalhão de Engenharia Zipur 4, os membros da Hansip e da Ratih
desertaram para as Falintil, com as suas armas. A população civil ficou vulnerável. Muitas
pessoas fugiram para a floresta e para as montanhas próximas, receando retaliações. Os
militares indonésios levaram a cabo um acto terrível de castigo colectivo contra esta população
civil que não estivera envolvida nos ataques às forças indonésias.
57. Seguiram-se uma série de massacres da população civil naquela área. A 7 de Setembro, os
soldados das ABRI/TNI entraram no suco de Kraras e mataram quatro ou cinco civis, incluindo
uma idosa. Depois queimaram a maioria das habitações do suco. Os corpos de várias das
36
pessoas mortas foram deixados nas habitações a arder. Nas semanas que se seguiram, os
soldados indonésios patrulharam as montanhas próximas a fim de obrigar aqueles que tinham
fugido a regressarem aos sucos de Kraras e Buikaren, e a Viqueque. A Comissão recolheu
relatos sobre várias pessoas que foram executadas durante estas operações, incluindo um rapaz
de quinze anos, em 12 de Setembro, ou em data próxima, e três outras pessoas a 15 de
37
Setembro. Durante este período, inúmeras pessoas foram também detidas e torturadas, várias
delas em Olobai, base do Batalhão de Infantaria 745.
58. Sobreviventes relataram à Comissão que, na manhã de 16 de Setembro, soldados indonésios e
da Hansip levaram um grande número de civis, incluindo mulheres e crianças, para o suco de
Caraubalu. Estas pessoas foram levadas para um lugar chamado Welamo, onde as mandaram
entrar para um buraco causado por um desabamento de terras e foram executadas pelos
38
soldados e pelos membros da Hansip. A Comissão compilou uma lista com o nome de 54
ii
vítimas executadas em Caraubalu.
59. Em 17 de Setembro, os soldados indonésios acercaram-se de um grande grupo de civis de
Kraras que tinham fugido para o suco vizinho de Buikarin. O suco foi cercado e os civis de Kraras
foram detidos. Separaram os homens das mulheres e foram informados que teriam de ir a pé até
Kraras, sob escolta militar, para irem buscar comida. De acordo com os testemunhos recolhidos
pela Comissão, seis a oito soldados indonésios e dois membros timorenses da Hansip
escoltaram dúzias de homens até à ribeira de Wetuku, numa zona conhecida por Tahubein.
Foram então fuzilados. Só se sabe de quatro pessoas que sobreviveram ao massacre. Há relatos
divergentes quanto ao número de vítimas mortas em Tahubein, que variam de um mínimo de 26
iii
iv
até um máximo de 181. A Comissão recolheu o nome de 141 vítimas, todas do sexo masculino.
ii
Esta lista está incluída na totalidade no Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados.
Entrevistas da CAVR a António Soares, (sem data) que citou 79 mortos; Miguel Viana, Viqueque, 17 de Julho de 2003, que citou
181 mortos; Silvino das Dores Soares, Viqueque, 10 de Março de 2004, que mencionou 143; Manuel de Jesus Pinto, Buikarin,
Viqueque, 20 de Março de 2004, que diz ter contado 82 cadáveres.
iv
A lista das vítimas deste massacre está também incluída na totalidade no Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos
Forçados.
iii
Violações económicas e de bens – danos colaterais ou estratégia deliberada?
v
60. Em termos do direito da guerra, os bens de civis estão protegidos dos ataques . Os danos
colaterais infligidos a bens de civis só são permitidos se não forem excessivos em relação a um
vi
benefício militar concreto previsível . Acresce que um ataque militar não pode resultar no forçar a
população a ser transferida ou deslocada.
61. A informação recolhida pela Comissão indica que a destruição e o roubo de bens foram objectivo
militar central em si mesmo e não um mero efeito colateral dos ataques. A Comissão recolheu
depoimentos sobre 1.256 de incêndio e de destruição de habitações, destruição de gado e de
plantações, roubo e saque de propriedades. Embora parte substancial desta destruição
resultasse dos ataques indiscriminados, existem inúmeros testemunhos corroborativos de que os
civis suspeitos de serem pró-independência eram deliberadamente marcados como alvos das
ABRI/TNI nas violações relativas a direitos económicos, em diferentes períodos do conflito, o que
aconteceu desde os primeiros dias da invasão até à destruição ocorrida após o acto de votação
de Setembro de 1999.
62. A análise dos depoimentos prestados à Comissão indicam que as violações dos direitos
económicos e dos bens de civis foram acompanhadas invariavelmente de outras violações
directas cometidas contra civis, tais como prisão, detenção, tortura ou morte.
63. A violação dos direitos económicos e de propriedade faziam parte integrante da política militar
indonésia durante este período. Eram utilizadas por variadíssimas razões, entre as quais se
contavam o castigo, a destruição de recursos e a instituição de um sistema que compensava
materialmente os seus colaboradores com os bens dos opositores políticos, confiscados
forçosamente para o efeito.
64. A natureza e a extensão da destruição dos bens de civis, durante e após a invasão, revela uma
semelhança flagrante com os acontecimentos de Setembro de 1999, quando o TNI e os seus
agentes, as milícias, executaram a política de “terra queimada” e incendiaram e destruíram cerca
de sessenta mil habitações e a maioria das infra-estruturas do governo, no espaço de umas
39
breves semanas.
1975 /1977
65. A Comissão reuniu provas de roubos deliberados e de destruição de propriedade pelas forças
indonésias desde o início da invasão. Rui Emiliano Teixeira Lopes, antigo membro da UDT que
aderiu às forças de Partidários timorenses que apoiaram as ABRI/TNI no auge da invasão,
descreveu os saques praticados pelos soldados indonésios:
Na manhã de 7 de Dezembro de 1975, a Kopassus [na altura
conhecido por RPKAD], Comandos, Kujang, Kostrad e Fuzileiros
desembarcaram em Díli. Nós ficámos no navio. Vimos o fogo a
alastrar e ouvimos tiros mas não desembarcámos porque eles não
precisavam de nós. Quando nos dirigíamos para Baucau vimos
apenas que as ABRI pegavam nos carros e na bagagem das
pessoas e os carregavam a bordo do navio. Não gostámos nada
do que vimos. Aquilo era uma guerra ou um roubo? Este tipo de
roubos não ocorreu apenas em Díli [e Baucau], mas também em
40
Balibó e no Hospital de Maliana.
v
Artigo 52º, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra que, reconhecidamente, reflecte o direito consuetudinário [ver J.
Henckaerts e L. Doswald-Beck, IRC’s Customary International Law, Vol. I, Rules (2005), pp. 25 e 26].
vi
J. Henckaerts e L.Doswald-Beck,, IRC’s Customary International Law, Vol. I, Rules (2005), p. 46.
41
66. Os Partidários foram acusados de destruição e saque generalizados em Baucau.
Há relatos
42
43
semelhantes sobre este mesmo período recolhidos nos distritos de Liquiça, Ermera,
44
45
46
Viqueque, Lautém e Bobonaro.
67. No seguimento da invasão inicial, as forças indonésias tentaram consolidar e expandir o controlo
do território. A Comissão recolheu relatos de roubos e destruição de propriedade em todo Timor
Leste durante o avanço das ABRI/TNI, nos seus Seminários de Perfil Comunitário, incluindo das
comunidades dos distritos de Bobonaro (Atabae e Lolotoe), de Aileu, de Baucau (Baguia,
Quelicai, Venilale, Vemasse), de Viqueque (Lacluta, Ossu, Quelicai, Uatu-Carbau, Vemasse) e de
Manatuto (Uaimori). Depois da tomada de uma nova localidade, as forças das ABRI/T N I
confiscavam ou destruíam rotineiramente os bens deixando os respectivos proprietários e
residentes, literalmente sem bens e abrigo. As quintas e outras propriedades eram incendiadas,
as plantações por colher eram destruídas e grandes rebanhos de gado eram exterminados.
47
Nalguns locais, a uma lulik (casa sagrada de um clã) era destruída com tudo o que continha.
Esta destruição gratuita indicia a intenção deliberada de minar a cultura e a identidade
timorenses.
68. Em muitas áreas, os civis já tinham fugido para as colinas e para as florestas vizinhas antes da
chegada das forças indonésias. Dado que as suas propriedades tinham ficado indefesas, as
ABRI/TNI tinham de facto carta-branca para destruírem ou roubarem tudo o que desejassem.
69. Estas práticas prolongaram-se implacavelmente durante os primeiros anos da ocupação. Os
militares indonésios admitiram abertamente este comportamento como a norma da prática militar:
A Operação P a m u n g k a s V, a 6 e 7 de Março de 1978, cujo
objectivo era libertar as pessoas que se encontravam no SAS
MAUBU [que estavam] presas por GPK [ie, Falintil], [foi dirigida]
com os efectivos de duas K i [companhias] juntamente com a
Hansip e Danpur-12. Daí resultou: a rendição de três pessoas, o
48
incêndio de oito casas e a destruição de 2,5 hectares de searas.
70. As ABRI/TNI foram auxiliadas nas suas acções ofensivas por diversas forças coadjuvantes,
incluindo os Partidários e, mais tarde, estruturas da defesa civil como a Hansip e grupos de
milícias como a Halilintar, no distrito de Bobonaro. A Comissão recolheu um grande número de
relatos a respeito do envolvimento destas forças substitutas ou coadjuvantes em roubos de bens,
quer coligadas com as ABRI/TNI, quer agindo independentemente.
71. A Comissão recolheu inúmeros relatos sobre o roubo de gado e de colheitas. Para além disto,
bens de valor, incluindo objectos de importância cultural e económica, nomeadamente tais
(tecidos), contas e moedas de prata foram, também, roubados. Domingos da Costa da Silva, de
Fatuberliu, Manufahi, falou à Comissão do roubo de um grande número de objectos tradicionais
de valor:
Em 1976 corremos para a floresta e escondemo-nos até 1978 num
lugar chamado Orboa, na aldeia de Orlara. Uma vez, apareceu um
grupo de membros da Hansip com o seu líder, L1. Capturaram o
meu irmão, João da Costa, bateram-lhe e arrastaram-no como a
um animal. Levaram também todos os nossos pertences, incluindo
15 mortens, 76 belaks, 7 caibauks, 15 fucadors, 30 osan manu
liras, 25 colares, 10 sasakis, 2 loku liman, 10 buti liman, 4 pentes
vii
de ouro e 2 murak bulu ayams . Estas coisas foram-nos tiradas
49
pelos perpetradores, que só nos deixaram as feridas.
vii
Morten: colar feito de contas de pedra cor de laranja; belak peitoral circular em prata, de pendurar ao pescoço com um fio de
algodão grosso; caibauks: adereço para a cabeça no formato de cornos em ouro ou prata, com um fio de algodão grosso; fucadors:
pulseira pesada em corrente de prata ou ouro; osan manu liras: grandes moedas portuguesas antigas em prata; sasakis: loku liman:
braçadeira de ouro ou prata; buti liman: pulseira fina de prata; murak bulu ayam: toucado de penas
72. Os inúmeros relatos apresentados à Comissão a respeito dos constantes saques e roubos
perpetrados pelas tropas indonésias indiciam que estes actos devem ter sido do conhecimento
do topo da hierarquia militar e apoiados por esta. É evidente que a utilização de alimentos
provenientes dos roubos contribuiu para resolver os problemas de abastecimentos essenciais às
tropas indonésias. Os animais disponíveis também permitiram gerar rendimentos adicionais a
membros das ABRI/TNI. Os militares indonésios serviam-se dos bens de civis timorenses como
elemento essencial de apoio às operações militares. João Pinto Dias disse à Comissão:
Em 1976, eu tinha doze cavalos. O Comandante do Kombet, L2,
[timorense] e os seus homens levaram os meus cavalos. Alguns
foram mortos a tiro, outros comidos e outros ainda vendidos. Eu
tinha mais de quarenta búfalos, mas os Comandantes L2 e L3
[timorenses] e os seus homens mataram alguns e levaram o resto
50
para ser vendido em Batugadé, a pessoas de Atambua.
73. À execução de civis seguia-se com frequência a destruição de bens. António Soares contou à
Comissão o assassinato do seu tio, o incêndio da sua casa e o roubo dos seus bens por
membros da Hansip, no suco de Esa-isi, Ossu (Ossu, Viqueque):
Os Hansip, comandados por L18 com dois dos seus membros, L4
e L5, patrulharam Esa-isi. Viram o tio Cristovão e mataram-no [a
tiro]. Depois incendiaram a nossa casa e levaram o nosso gado, 40
búfalos, 31 cavalos e 58 cabras, bem como de 5 celeiros de
51
arroz.
74. Jacinto Olo Mau disse que, em 1975, os membros das ABRI/TNI do Batalhão 501 atacaram
Lahomea (Maliana, Bobonaro) e mataram-lhe os pais, Bere Soro e Bui Bere. Depois da morte
dos pais e com a casa vazia, soldados do Batalhão 501 aproveitaram para pilhar os bens das
vítimas e, em seguida, incendiaram a casa com os cadáveres das vítimas no interior. Jacinto Olo
Mau disse à Comissão:
Depois da morte dos meus pais e de não estar mais ninguém em
casa, os perpetradores aproveitaram a oportunidade para a
assaltar, e levaram tudo o que pertencia às vítimas, incendiando
52
em seguida a casa com os corpos das vítimas ainda lá dentro.
75. O roubo do gado e a destruição das colheitas teve consequências directas, havendo gente em
muitas partes do território a sofrer de enorme escassez de mantimentos que resultou em fome
endémica e em surtos de fome extrema. Foram recolhidos relatos a respeito de fome endémica e
de surtos de fome extrema resultantes da destruição levada a cabo pelas ABRI/TNI em várias
localidades, incluindo Cailaco e Lolotoe (Bobonaro) e Zumalai (Covalima). Alfredo Moniz Soares
disse à Comissão:
Em 1977, quando as ABRI atacaram, não houve hipótese de
procurar alimentos. Muitos membros da minha família morreram de
fome e por falta de medicamentos. Além disso, os perpetradores
[ABRI] também incendiaram as nossas casas e apoderaram-se dos
53
nossos animais.
1978/1979
76. Quando, em 1977/1978 os civis desceram das montanhas em grande número e se renderam aos
militares indonésios, regra geral não foram autorizados a regressar de imediato às suas áreas de
residência. Começaram por ser retidos em campos de trânsito; muitos continuaram, durante
longos anos, cativos em centros de detenção ou sucos de reinstalação controlados pelas
ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). Quando conseguiram voltar aos
seus lugares de origem, muitos encontraram as suas casas e os seus sucos saqueados e
queimados. As bases da Fretilin/Falintil foram destruídas e o modelo de Resistência armada foi
alterado radicalmente, contudo, a guerra terminara e continuava a ter um impacto brutal em todos
os aspectos da vida civil. No interior, a população civil já não vivia com a Resistência armada
mas, durante aquele período, ficou sob o rigoroso controlo dos militares indonésios, cujo
objectivo era assegurar que a população civil não contactava nem apoiava os guerrilheiros da
Resistência. A vigilância, a recolha de informação e o controlo rigoroso das movimentações dos
civis eram a realidade do dia-a-dia para a maior parte dos civis nestes campos controlados pelas
ABRI/TNI. As ABRI/TNI continuaram a destruir as colheitas e a roubar bens como forma de
castigo e intimidação e por oportunismo económico. Muitas das pessoas que se encontravam
nestes campos foram alvo de espancamentos e de outras agressões físicas praticadas pelas
54
Forças Armadas indonésias.
77. Alguém com um passado conhecido de ligação à Fretilin, era invariavelmente alvo preferencial
dos militares indonésios. Os timorenses que se aliaram às forças de ocupação também se
aproveitaram da situação. José António disse à Comissão que, em 1979, antigos membros da
UDT se apoderaram das suas terras, em Beikala, (Hatu Udo, Ainaro) por causa dos seus
55
antecedentes como membro da Fretilin. Outro depoente contou à Comissão que, em Março de
1979, foi preso pelas ABRI/TNI e torturado por causa da actividade com a Fretilin e, depois,
56
forçado a entregar a sua plantação de café. Outros continuaram a ser marcados como alvos
devido a suspeita de ligação com os guerrilheiros da Resistência que permaneciam na floresta.
78. Foram recolhidos relatos sobre roubo e confiscação de bens pelas Forças Armadas indonésias, a
57
58
pessoas que se renderam dos distritos de Bobonaro, Baucau (subdistritos de Laga,
59
60
61
62
63
64
65
66
Vemasse, Quelicai e Baguia ), Manufahi, Manatuto, Covalima, Ermera, Viqueque e
67
68
Oecusse. Em certos casos, estes actos eram acompanhados por espancamento e tortura.
79. Em Lautém, o renovado esforço das ABRI/TNI em 1979 para localizar as forças da Fretilin/Falintil
69
resultou em mais mortes de civis. Maria Alves rendeu-se aos militares indonésios em 1979, na
cidade velha de Fatuberliu (Fatuberliu, Manufahi). Contou à Comissão a destruição dos seus
bens:
Recebi ordens dos membros das ABRI e da Hansip, L6 e L19, para
construir uma casa e fazer um arrozal. Depois de ter feito a casa e
o arrozal, o administrador do subdistrito, L7 [timorense] e as ABRI
mandaram-me voltar para Sukaer Laletek. Depois, as minhas
plantações de papaia e mandioca foram destruídas. Também
70
destruíram a casa que eu tinha construído.
A década de 1980
80. Em finais de 1979, eram poucas as localidades e distritos que ainda permaneciam sob controlo
da Fretilin/Falintil. No início da década de 1980, enquanto alguns civis continuavam em campos
de reinstalação sob controlo directo de militares indonésios, grande parte da população civil tinha
regressado às suas casas. Neste período, as ABRI/TNI asseguravam já uma cobertura do
território que lhes permitia terem postos militares em sucos por todo o território. Os civis viviam
rigorosamente controlados pelas ABRI/TNI e pelos seus auxiliares timorenses, como a Hansip, e
os Babinsa (ver Capítulo 4: Regime de Ocupação).
81. O número de relatos recolhidos pela Comissão relativos a infracções económicas neste período
foi bastante inferior ao dos quatro anos anteriores. Entre 1980 e 1989, as operações das
A B R I /TNI centraram-se na destruição das forças remanescentes da Fretilin/Falintil e
concentraram-se frequentemente em áreas específicas do território, com vista a alcançarem este
objectivo.
viii
82. Em meados de 1981, os militares indonésios lançaram a Operação Kikis , como referido na
secção acima sobre os ataques dos militares indonésios contra os civis e objectos de carácter
civil. A Comissão recolheu relatos segundo os quais as ABRI/TNI e membros da Hansip
continuaram a incendiar habitações, a roubar animais e bens e a destruir searas e outras fontes
71
de alimentos durante estas operações. Por exemplo, a Comissão recebeu 43 relatos sobre o
incêndio de habitações de civis, pelas ABRI/TNI e membros da Hansip, no suco de Mauchiga
(Hatu Builico, Ainaro) entre 20 e 24 de Agosto de 1982.
83. À medida que a Indonésia ia consolidando o controlo do território, começou a centrar a sua acção
e atenção em localidades, comunidades e indivíduos específicos, supostamente ligados à
Resistência. As tentativas dos militares indonésios para pôr cobro as actividades clandestinas de
apoio à Resistência tiveram como resultado intimidação e repressão generalizadas. Detenções,
espancamento e torturas continuaram a par dos roubos e da destruição de bens em todo o
72
território.
84. Para conseguir controlar as populações civis que tinham regressado às suas áreas de residência,
as ABRI/TNI apoiaram-se fortemente nos seus grupos auxiliares como a Hansip e os Babinsa.
Foi exercida uma dura repressão sobre as comunidades civis e, por vezes, houve tensões entre
os membros das ABRI/TNI e os seus grupos auxiliares timorenses. No início da década de 1980
houve várias rebeliões internas entre estas forças de apoio, que resultaram em acções de
retaliação violenta das ABRI/TNI contra a população civil. Em Agosto de 1983, após a deserção
em massa de membros da defesa civil Hansip e da Ratih das ABRI/TNI em Tutuala (Lautém), os
militares indonésios retaliaram matando um elevado número de cabeças de gado que pertenciam
às famílias dos desertores.
85. O castigo colectivo imposto pelas ABRI/TNI à população civil de Kraras (Lacluta, Viqueque) em
Setembro de 1983, referido na secção anterior sobre os ataques dos militares indonésios aos
civis e bens de carácter civil, também incluíam actos de destruição de bens. Em retaliação pela
revolta dos timorenses da Hansip e da Ratih, os militares indonésios queimaram habitações e
mataram gado. O impacto social e económico destes actos e o massacre em larga escala dos
homens do suco continuam, até hoje, a pesar negativamente sobre esta comunidade.
86. Durante a década de 1980, os objectivos das operações dos militares indonésios realizadas em
todo o território visavam quebrar a rede clandestina constituída pelas Falintil com os seus
apoiantes civis. Com a ajuda de membros das milícias, as ABRI/TNI forçaram civis a participar na
ix
Operação Curlog, que visava destruir as reservas alimentares para matar à fome as forças das
73
Falintil. Os civis tornaram-se alvos, as suas habitações foram incendiadas e os seus pertences
74
foram-lhes arrancados. Além disso, as ABRI/TNI também confiscaram as reservas alimentares
75
da população (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).
A década de 1990
87. No decurso da década de 1990, embora as ABRI/TNI tivessem conservado uma presença
significativa em todo Timor-Leste, deixaram, por norma, de se envolver em operações militares
em grande escala. A estratégia da Resistência transitara de conflito armado directo com as
viii
Em Timor-Leste ficou conhecida como Operasi Kikis. Esta era a abreviatura de uma táctica militar conhecida como Operasi Saber
Kikis Baratayudha (do nome de uma guerra mítica no mundo das marionetes de sombra javanesas), também conhecida como
Operação “Cerco de Pernas”. Era uma técnica que recorria a dezenas de milhar de civis como um escudo humano, que avançava à
frente das forças das ABRI/TNI, num enorme esforço coordenado que se destinava a arrasar as forças da Fretilin/Falintil. Esta
técnica foi usada pela primeira vez durante a insurreição de Darum Islam, nos anos 50. Ver, por exemplo, Ken Conboy,
KOPASSUS, Inside Indonesia's Special Forces, Equinox Publishing (Asia), Jakarta, 2003, pp. 297-8. Ver também Capítulo 3:
História do Conflito e Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome.
ix
Curlog ( Hancur Logistik ) significava, literalmente, Destruição da Logística. Destinava-se a destruir todos os tipos de produções
agrícolas que pudessem ser usadas pelas Falintil. Esta destruição privava de comida tanto as Falintil como os civis (ver Capítulo 3:
História do Conflito; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).
ABRI/TNI para uma estratégia de diplomacia internacional e de resistência urbana baseada
essencialmente no crescente movimento de juventude. Os principais alvos das operações das
ABRI/TNI eram os civis suspeitos de envolvimento em actividades clandestinas de apoio à
Resistência. Estas operações tiveram o apoio frequente da Hansip e de outras organizações
paramilitares timorenses criadas por esta altura (ver Capítulo 3: História do Conflito; Capítulo 4:
Regime de Ocupação). Também durante este período, a Brimob, polícia indonésia anti-motim,
desempenhou um papel muito activo na repressão da dissidência.
88. Esta estratégia das ABRI/TNI envolveu, invariavelmente, ataques violentos a civis. Tal como
acontecera relativamente às décadas de 1970 e de 1980, a Comissão recolheu inúmeros relatos
sobre a destruição de habitações e de outros bens, assim como sobre roubos e extorsões sob
ameaça de violência. Relativamente a este mesmo período, a Comissão recolheu, também,
inúmeros relatos que implicavam membros do serviço de polícia indonésio como participantes
nos abusos violentos, destruições de propriedades e extorsões.
89. Tal como em períodos anteriores, também neste período se deve interpretar o roubo e a
destruição como uma forma de castigo. As habitações eram queimadas se houvesse suspeitas
76
de que os seus proprietários apoiavam ou simpatizavam com as forças das Falintil. Uma
pessoa de Ainaro, por exemplo, relatou à Comissão que os soldados das ABRI/TNI lhe
incendiaram a casa, em Novembro de 1991, pouco antes do Massacre de Santa Cruz, por
77
suspeitarem que possuía uma bandeira da RDTL.
90. Outro depoente de Liquiça contou à Comissão que foi preso por possuir uma bandeira da Fretilin
e só foi libertado quando a sua mulher entregou 300.000 rupias e sete moedas de prata a um
78
comandante das ABRI/TNI. A Comissão recolheu inúmeros testemunhos de diversas zonas do
território que revelam como a extorsão pelos militares e pela polícia se tornara prática comum
durante este período. Frequentemente, as pessoas detidas só eram libertadas se pudessem
pagar aos oficiais responsáveis. As famílias eram obrigadas a pagar a libertação dos seus
membros e, segundo a informação relatada, o pagamento situava-se entre 100.000 e 1.800.000
79
rupias.
91. Estas práticas eram em larga medida oportunistas e dependiam, em muito, dos oficiais militares
envolvidos. As acções visavam a rede activista clandestina. Em Baucau, os soldados das
ABRI/TNI confiscaram os bens e a propriedade das pessoas e extorquiram dinheiro aos civis que
80
acusavam de colaborar com a Fretilin/Falintil.
92. Em Díli, a seguir ao Massacre de Santa Cruz, em Novembro de 1991, as ABRI/TNI revistaram
habitações em toda Díli em busca dos manifestantes que fugiram do local do tiroteio. A Comissão
recolheu testemunhos atestando que foram queimadas as habitações daqueles que albergaram
81
os manifestantes ou onde foi encontrada literatura ou outro material pró-independência.
93. Em Ermera foram recolhidos relatos semelhantes de violência, fogo posto e extorsão, referentes
à década de 1990. Foram identificadas como perpetradores várias unidades militares, incluindo o
82
Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700.
94. Durante este período, os ataques das Falintil contra as ABRI/TNI limitaram-se, em geral, a
momentos estratégicos em que o objectivo era maximizar o impacto psicológico para relembrar a
sua presença e capacidades continuadas, ou o impacto internacional para enfatizar o facto de
que o conflito persistia (ver Capítulo 5: Resistência; Estrutura e Estratégia). Quando ocorriam os
ataques, os militares indonésios recorriam à prática corrente de aplicar castigos colectivos à
população civil. A 9 de Novembro de 1998, as Falintil atacaram o Koramil em Alas (Manufahi). As
ABRI/TNI lançaram uma operação de grande dimensão, numa tentativa de capturar os atacantes
das Falintil. Durante esta operação houve civis que foram assassinados, detidos, violados e cujos
bens foram destruídos (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados;
83
Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.7: Violência Sexual). A Comissão
recolheu também o testemunho de José Tilman, um civil que participou na destruição de
x
propriedade levada a cabo pelas ABRI/TNI:
A 12 de Novembro de 1998, L12 e L13 [ambos timorenses] e
outros soldados do Koramil queimaram casas em Lurin.
Começaram em Kulutetuk e terminaram em Hasbot. Em
Nataruaen, a destruição incluiu também objectos tradicionais e
valores pessoais. Os atacantes apoderaram-se, igualmente, de
objectos sagrados, como estátuas de santos. Eu estava com os
soldados em Nataruaen. Primeiro, eles queimaram a casa de
Remígio, depois outras casas...Antes disso, tinham dado ordens
aos habitantes para abandonarem o suco e prenderam-nos no
edifício de uma escola primária (SD Inpres, vila de Alas), a uns 10
84
metros da sede do Koramil 02.
Destruição em 1999
95. Com a queda do Presidente Suharto em Maio de 1998, o espaço político de Timor-Leste pareceu
abrir-se, ao longo da segunda metade do ano. Como nunca antes acontecera, foram realizados
encontros públicos e formulados apelos a um referendo acerca do estatuto político do território,
sem que as autoridades ou os militares indonésios os bloqueassem. Contudo, esta “Primavera de
Díli” foi de curta duração. A informação sobre a redução dos efectivos do TNI revelou-se falsa e,
nos finais de 1998, surgem os relatos de que o TNI estava a desenvolver uma rede de milícias
em todo o território. Este programa evoluiu rapidamente nos primeiros meses de 1999 enquanto
a Indonésia, Portugal e as Nações Unidas negociavam as modalidades do acto de
autodeterminação em Timor-Leste (ver Capítulo 3: História do Conflito e Capítulo 4: Regime de
Ocupação).
96. Com a assinatura dos Acordos de 5 de Maio e o anúncio da Consulta Popular, o CNRT
(Conselho Nacional da Resistência Timorense) e algumas organizações de estudantes
começaram a organizar-se abertamente por todo o território, preparando o acto de votação sobre
o futuro de Timor-Leste.
97. O recrutamento, forçado ou não, de civis para as milícias apoiadas pelo TNI foi rapidamente
intensificado nos primeiros meses de 1999. Em conjunto com o TNI e a polícia indonésia, as
milícias iniciaram uma campanha de terror com o objectivo de intimidar o povo timorense e o
forçar a apoiar a integração na Indonésia. Os principais actos de violência e o padrão de violência
e de intimidação são analisados em pormenor em vários capítulos do presente Relatório,
nomeadamente no Capítulo 3: História do Conflito, Capítulo 4: Regime de Ocupação; Subcapítulo
7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome,
Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos, e Subcapítulo 7.7: Violência Sexual. As violações
económicas e da propriedade também foram uma característica presente nesta campanha de
terror e de intimidação. Estes acontecimentos decorreram antes do anúncio dos Acordos de 5 de
Maio e da Consulta Popular, durante o período que antecedeu a votação e durante a infame
campanha de violência que se seguiu ao anúncio do resultado de rejeição da integração na
Indonésia.
98. A análise quantitativa dos testemunhos recolhidos pela Comissão revela certos padrões de
violação dos direitos humanos, de intimidação e de violência perpetradas pelo TNI e pelas
milícias, entre Janeiro e Outubro de 1999. De forma particular, revela que os ataques em larga
escala ocorrerem, em geral, nos períodos em que a presença internacional no território era
limitada ou inexistente: por exemplo, no período de Janeiro a Abril antes da assinatura dos
Acordos de 5 de Maio e de as Nações Unidas e outras agências internacionais se instalarem no
território; e no período que se seguiu ao anúncio dos resultados do escrutínio, quando a maioria
das entidades internacionais, incluindo os meios de comunicação social, tinham saído ou sido
evacuados do território ou estavam encurralados nas instalações da UNAMET, em Díli, deixando
x
José Tilman encontrava-se em Soe (Timor Ocidental, Indonésia) quando prestou este depoimento à Comissão.
comunidades inteiras nos distritos isoladas e sem monitorização internacional. Esta análise
quantitativa indica também que a destruição de bens, levada a cabo pelo TNI e pelas milícias,
ocorreu em todos os distritos do território, embora a escala da destruição diferisse entre distritos
e subdistritos (ver Capítulo 6: Perfil das Violações dos Direitos Humanos).
99. A 27 de Janeiro de 1999, na altura em que o Presidente Habibie proclamou que o povo de TimorLeste poderia escolher o seu futuro político, já a breve “Primavera de Díli” tinha terminado. A
seguir aos ataques do TNI a civis em Alas (Manufahi), em Novembro de 1998, e a intensificação
do recrutamento para as milícias, recrudesceu a violência perpetrada pelo TNI e as milícias
dentro do território enquanto prosseguiam as negociações destinadas a finalizar as modalidades
para a realização do acto de autodeterminação.
100.
No fim de Março, as negociações foram interrompidas quando os representantes
indonésios regressaram a Jacarta, vindos de Nova Iorque, para tratar da aprovação final dos
Acordos. No mês de Abril assistiu-se a uma escalada da violência contra civis pelos militares
indonésios e pelas milícias por eles controladas. O massacre de civis na Igreja de Liquiça, a 6 de
Abril, foi um dos mais ataques mais ignominiosos a civis e foi coordenado pelo TNI, pela polícia e
pela milícia (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados).
101.
A 17 de Abril, ainda as Nações Unidas não se encontravam no território, esta violência
manifestou-se abertamente, a tal ponto que foi realizado um grande comício frente ao edifício do
governo em Díli, na presença das hierarquias de topo do TNI e das milícias. A Comissão analisou
excertos de filmes feitos nesse comício e identificou a presença de membros do TNI e de
dirigentes das milícias, como Eurico Guterres e João Tavares. Imediatamente após o ataque, a
milícia desfilou pela cidade em camionetas e motorizadas, intimidando a população civil.
Atacaram e massacraram civis refugiados em casa de Manuel Carrascalão no centro da cidade.
102.
Durante estes ataques, em 17 de Abril, o TNI e a milícia também destruíram uma casa
85
pertencente a Filomena da Cruz, secretária de Zona do movimento clandestino. A sede do
único jornal do território, Suara Timor Timur (Voz de Timor Leste) também foi destruída naquilo
que aparenta ter sido um acto de retaliação e de intimidação devido ao facto de o jornal,
normalmente pró-integração, ter publicado os apelos a um referendo sobre o futuro do território
com uma relativa abertura (ver Capítulo 3: História do Conflito).
103.
Em Liquiça, os militares e os membros da milícia Besi Merah Putih [B M P] estiveram
86
envolvidos, desde o início de 1999, em diversos casos de fogo posto, pilhagens e roubos.
104.
Foram apresentados à Comissão relatos semelhantes sobre o envolvimento directo de
militares nos ataques à população civil e sua intimidação durante este período, em várias zonas
87
88
do território. Estes relatos de violências referem-se aos distritos de Bobonaro, Baucau,
89
90
91
92
Viqueque, , Manufahi, Covalima, e Ermera. Um antigo comandante da milícia Darah Merah
Putih, que, nessa época, operava num dos subdistritos de Ermera, disse à Comissão:
Em Abril de 1999, o comandante do Kodim 1637 em Ermera, L20,
deu-me sete metralhadoras, um camião, dois carros Kijang e um
carro Taft. Eu tinha duzentos membros da milícia, que foram
recrutados para matar os apoiantes da independência em Hatulia.
Ataquei Hatulia com os duzentos homens...Queimámos casas na
aldeia de Kukara e no suco de Manusae Bauah. As pessoas
93
fugiram de casa para tentar escapar.
105.
Por todo o território, muitas pessoas fugiram de casa com medo destes ataques,
deixando as suas propriedades e lares à mercê da destruição e dos saques (ver Subcapítulo 7.3:
Deslocação Forçada e Fome).
106.
O distrito enclave de Oecusse, esteve particularmente vulnerável, já que inteiramente
cercado por território indonésio e isolado do resto de Timor-Leste. Embora a milícia Sakunar
neste distrito tivesse sido uma das últimas a ser criada pelo TNI, em Abril de 1999, veio a revelarse uma das mais violentas. A maioria da população adulta masculina foi recrutada à força para a
milícia que recorreu a várias formas de violência a fim de amedrontar os civis, incluindo, prisão,
detenção, intimidação, tortura e destruição de bens. Tal como noutros distritos, a milícia não
94
perdeu tempo a lançar-se aos incêndios e às pilhagens. Os alvos desta violência eram a
população em geral e apoiantes pró-independência, activistas e dirigentes do CNRT
especificamente marcados. Além disso, foram ainda marcados como alvos do TNI os membros
das milícias e os defensores da autonomia que revelavam relutância em cometer tais actos. A
Comissão recolheu igualmente relatos de casos em que os apoiantes pró-independência se
95
viram obrigados a incendiar as habitações dos seus dirigentes.
107.
Após o anúncio dos Acordos de 5 de Maio, apoiantes da autonomia reagiram com
hostilidade, fazendo ameaças públicas de terror e assassinando, detendo, violando e destruindo
habitações e bens. Em poucos dias, o TNI e as milícias lançaram em conjunto e em vários
distritos de todo o território, ataques contra civis suspeitos de apoiarem o movimento pró96
independência. Num ataque em Atara e Lasaun (Atsabe, Ermera), a 16 de Maio de 1999, a SGI
(Unidade Conjunta dos Serviços de Informação) e a milícia Tim Pancasila queimaram habitações,
97
destruíram plantações e pilharam os bens de civis nos dois sucos. Foram realizados ainda
vários ataques em grande escala. A 8 de Maio, três dias depois do anúncio feito pelas Nações
Unidas, um grupo de soldados do TNI comandou mais de quatrocentos membros das milícias
num ataque ao suco de Tumin (Oesilo, Oecusse), onde incendiaram habitações, mataram
animais, assassinaram alguns civis e forçaram mais de 75 pessoas a deslocarem-se para Imbate
98
(Timor Ocidental, Indonésia).
108.
A partir de Junho, com a UNAMET instalada no território juntamente com um grande
número de representantes dos meios de comunicação e de observadores internacionais, a escala
da violência exercida pelo TNI e pelas milícias atenuou, regra geral, por todo o território. Contudo,
verificou-se um recrudescimento da violência em alguns locais ou períodos, em particular, na
fase final da preparação da votação. Em Agosto, por exemplo, o TNI e grupos de milícias
intensificaram a violência em Oecusse, visando os dirigentes do CNRT e os seus apoiantes. Na
manhã de 28 de Agosto de 1999, uma força conjunta do TNI, das milícias Sakunar e Besi Merah
Putih, de Liquiça, e membros da polícia indonésia, atacaram a sede do CNRT em Oecusse,
99
mataram dois apoiantes do CNRT que ficaram encurralados dentro do edifício que foi arrasado.
No mesmo dia, um ataque conjunto das milícias Sakunar, Aitarak e Besi Merah Putih com o TNI e
com a polícia indonésia, resultou no saque e incêndio de habitações nas localidades de Cruz,
100
Bobometo e Oesilo em Oecusse. Passados três dias, o TNI, as milícias e a polícia queimaram
101
120 habitações na aldeia de Debaha, no suco de Bobometo (Oesilo, Oecusse).
109.
Quando o povo de Timor-Leste votou esmagadoramente em rejeição pela opção de
autonomia especial e optou pela independência, os militares indonésios juntamente com as
milícias, lançaram uma campanha de terra queimada que resultou na fuga de mais de 300.000
pessoas para o interior do território e de outras 250.000 para Timor Ocidental.cii Embora algumas
pessoas possam ter optado por partir voluntariamente para Timor Ocidental, em geral, esta
deslocação foi o resultado de uma campanha de medo e de terror, coordenada pelos militares,
para retirar a população do território. Em toda a área do território, os militares indonésios
apoiaram e coordenaram uma operação de grande dimensão de destruição de bens públicos e
privados. Foi igualmente arrasada a maioria das infra-estruturas de Timor-Leste, mais de 60.000
102
habitações terão sido destruídas juntamente com os haveres das pessoas e o gado foi abatido.
Durante as audiências de Reconciliação Comunitária, organizadas pela Comissão entre 2002 e
2004 em todo o território, a queixa mais comum das vítimas desta destruição de bens recaiu
sobre a imutabilidade da sua situação de extrema pobreza em consequência destas violações
(ver Capítulo 9: Reconciliação Comunitária).
110.
Durante os Seminários do Perfil Comunitário, a Comissão recolheu testemunhos e
relatos sobre a violência perpetrada depois da votação pelos militares indonésios e pelas milícias
em todos os distritos. Muitos dos depoentes sublinharam o facto de as operações serem
conduzidas conjuntamente pelos militares indonésios e pelas milícias, como por exemplo em
103
104
105
106
107
108
109
Ermera, Manatuto, , Manufahi, Baucau, Viqueque, Covalima e Oecusse.
111.
A maioria dos testemunhos recolhidos pela Comissão, respeitantes às violações durante
xi
o período pós-votação, provinha do distrito de Oecusse. Centenas de pessoas do subdistrito de
Oesilo foram forçadas a aderir à milícia Sakunar e, subsequentemente, forçadas pelos militares
indonésios a incendiarem habitações no subdistrito de Bobometo e noutras localidades. Os
testemunhos prestados à Comissão explicam que estas operações eram bem coordenadas e de
110
grande dimensão. Como noutros pontos do território, também aqui os ataques envolveram,
111
frequentemente, membros da milícia, com o apoio da polícia e dos militares.
112.
A Comissão recolheu mais de duzentos testemunhos do distrito de Bobonaro sobre
crimes contra a propriedade, cometidos no decorrer de 1999. Em muitos destes depoimentos
112
incluíram pormenores sobre as operações e os ataques das milícias e dos militares.
113.
Enquanto o incêndio das habitações, a matança dos animais e a destruição das culturas
agrícolas obedeceram sempre a um mesmo padrão, já utilizado em períodos anteriores do
conflito, a devastação, concentrada num período tão breve, não tinha precedentes. Tal como
acontecera nas décadas de 1970 e de 1980, não existem indícios de tentativas sérias por parte
da polícia indonésia para impedir ou pôr cobro a estes abusos, quando era responsável pela
manutenção da lei e da ordem, assim como pela segurança, nos termos dos Acordos de 5 de
Maio. Da mesma forma, não existem provas de que os militares indonésios tenham tentado evitar
esta destruição a partir do momento em que lhes foi conferida a responsabilidade do
cumprimento da lei e da ordem, ao abrigo do decreto da lei marcial promulgado pelo Presidente
Habibie no início de Setembro. Pelo contrário, o que existe são provas esmagadoras de que os
militares indonésios foram os perpetradores principais destas violações. As provas de conluio
entre os militares e os vários grupos da milícia em todo o território são claras e gravosas. Os
relatos contemporâneos foram reforçados pelas centenas de testemunhos apresentados à
Comissão por pessoas que foram testemunhas do envolvimento directo dos militares e de
membros da polícia na violência (ver Capítulo 4: Regime de Ocupação; Subcapítulo 7.2: Mortes
Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome;
Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.7: Violência Sexual; Capítulo 8:
Responsabilidade e Responsabilização).
114.
As alegações de conluio dos militares e do seu envolvimento directo na violência foram
corroboradas, também, por testemunhos prestados à Comissão por antigos membros das
milícias, assim como pelos testemunhos e depoimentos prestados por antigos membros das
113
milícias nas Audiências da Reconciliação Comunitária, em todo o país. Para além disto, os
Relatórios do Perfil Comunitário, compilados pela Comissão nos Seminários realizados em sucos
de todo o país, registam igualmente o envolvimento dos militares indonésios nesta operação de
114
destruição em massa da propriedade em todo Timor-Leste.
115.
A Comissão recebeu um documento que relata detalhadamente o saque do Museu
Nacional de Díli, de onde foram roubadas centenas de peças representativas da cultura e da
História timorense. Este documento sublinha que membros do TNI prepararam camiões,
carregaram essas peças e transferiram-nas para Timor Ocidental, Indonésia, onde ainda hoje se
xii
encontram.
Maus-tratos a combatentes inimigos
116.
O direito internacional contém disposições claras relativamente à protecção de
combatentes capturados. Normalmente, quando um combatente cai entre as mãos do inimigo,
xi
110 testemunhos referem 117 casos em que as
ABRI/TNI e os grupos de milícias foram nomeados como perpetradores da
violência.
xii
A Comissão recebeu um documento baseado numa entrevista com Virgílio Simith, que, em 1999, pertencia à direcção do CNRT e
era responsável pelos assuntos culturais. Virgílio Simith declarou que as autoridades indonésias do Museu em Comoro, Díli,
levaram cerca de 3.000 peças de valor cultural em Setembro de 1999 e nunca foram devolvidas. [Entrevista com Virgílio Simith, 7
de Julho de 2005 por David Hicks, Maxine Hicks e Phyllis Ferguson, Documento disponibilizado à CAVR. Arquivos da CAVR. Ver,
também, Capítulo 3: História do Conflito].
adquire o estatuto de Prisioneiro de Guerra (PdG). Este estatuto engloba aqueles que se incluem
em qualquer um dos seguintes grupos:
•
Membros de Forças Armadas,
•
pessoas que pegaram espontaneamente em armas para resistir a um exército invasor e que não
tiveram tempo para se constituir em unidades organizadas mas que andam abertamente
armadas (por vezes designado levée en masse), e
•
combatentes da resistência ou membros de milícias que cumprem determinadas normas que
115
estipulam que se apresentem distintamente dos civis
Estatuto das Falintil
As Falintil não eram as Forças Armadas de um Estado parte no conflito e, como também não eram meros
civis que pegaram espontaneamente em armas contra uma força invasora, pelo que não podem ser
consideradas como levée en masse. Assim, as Falintil só adquiriam o direito ao estatuto de PdG se
cumprissem os requisitos definidos na Convenção III de Genebra aplicáveis aos movimentos de
116
resistência, milícias e grupos afins. Estes requisitos são os seguintes:
•
O grupo em questão tem de ser comandado por uma pessoa responsável pelos seus
subordinados (ou seja, o grupo deve ter uma real estrutura de comando).
•
Os membros do grupo têm de usar um sinal distinto fixo que se reconheça à distância. O
objectivo deste requisito é permitir ao inimigo distinguir os membros do grupo (que são alvos militares
legítimos) dos civis (que não são alvos legítimos). Por esta razão, parece provável que a lei
consuetudinária tenha subordinado as normas mais liberais e exija que os membros do grupo se
xiii
distingam de alguma forma dos civis.
•
Os membros do grupo devem usar as suas armas à vista, e
•
Em geral, o grupo deve respeitar, nas suas operações, as leis e costumes de guerra.
A Comissão é de opinião que os membros das Falintil cumpriram devidamente os requisitos acima, de
forma a poderem ser considerados combatentes privilegiados, nos termos deste Relatório.
As Falintil tinham estruturas de comando e de disciplina relativamente rigorosas e vinculativas, usavam
as armas à vista e, em geral, realizavam as suas operações em conformidade com o direito e os
costumes da guerra. No início do conflito, os membros das Falintil usaram os uniformes das Forças
Armadas portuguesas. Por volta de 1978, muitos desses uniformes estavam gastos e foram sendo
substituídos por outras fardas militares. Contudo, a combinação dos uniformes disponíveis, das insígnias
e de outras características distintivas - os membros das Falintil adoptaram uma política uniforme e
exclusiva de usar o cabelo extremamente comprido – facilitava a sua distinção à distância. Durante o
conflito, os civis usaram o cabelo curto de modo a que as forças militares indonésias não os tomassem
117
por membros das Falintil.
117.
Em caso de dúvida na determinação do estatuto de PdG, a pessoa deve ser considerada
118
PdG até que o seu estatuto seja definido por um tribunal competente.
xiii
Artigo 43º, nº 3, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra, de 1977. Provavelmente este requisito mais abrangente
reflecte um costume pré-existente a 1977 ou tornou-se costume muito pouco depois: ver Christopher Greenwood, “Customary Law
Status of the 1977 Geneva Protocols”, in Astrid J.M. Delissen e Gerard J. Tanja (eds), Humanitarian Law of Armed Conflict:
Challenges Ahead, Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1991, p. 107.
119
118.
Os prisioneiros de guerra devem ser tratados com humanidade. Não podem ser
120
torturados, mortos ou sujeitos a intimidação ou insulto. A provisão de alimentos, água e os
121
tratamentos médicos necessários deve ser assegurada. Devem ser mantidos afastados de
122
zonas sob o perigo de ataque durante as operações militares.
119.
Os combatentes que não são PdG têm igualmente direito a serem tratados de acordo
xiv
com normas estipuladas. Têm de ser tratados com humanidade em qualquer circunstância.
Estão também protegidos pela legislação referente a direitos humanos que proíbe as mortes
extrajudiciais, a tortura e a prisão arbitrária e garante o direito a um julgamento justo. Acresce
que, a Convenção IV de Genebra estipula que as pessoas que se encontram em territórios
ocupados e são suspeitas de actos hostis contra a potência ocupante devem ser tratadas com
123
humanidade e têm direito a um julgamento imparcial e regular.
120.
A Comissão obteve cópia de um documento oficial indonésio que define os
procedimentos para o interrogatório de civis ou soldados das Falintil que se renderam ou foram
capturados. O documento reconhece que a obtenção de informação de boa qualidade requer que
seja garantida a segurança do(s) preso(s) durante o interrogatório. As técnicas incluíam tentar
convencer o(s) preso(s) de que as ABRI/TNI tinham consciência dos perigos que os seus
prisioneiros sofreriam, às mãos da Fretilin/Falintil, caso divulgassem informação sensível. O
documento sublinhava ainda os actos a serem evitados durante o interrogatório, como impor a
vontade do interrogador aos presos, o recurso à força e à ameaça, assim como o tirar conclusões
124
precipitadas.
121.
Na verdade, os prisioneiros e, em especial, os soldados das Falintil, foram submetidos
sistematicamente a tortura durante os interrogatórios. Alguns foram deliberadamente mortos e
outros morreram em consequência dos ferimentos infligidos durante os interrogatórios. O
Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos, descreve pormenorizadamente estes
procedimentos e constata que o modus operandi adoptado nos interrogatórios era, no essencial,
ilícito.
122.
O período da Operação Seroja, levada a cabo pelos militares indonésios nos anos
imediatamente a seguir à invasão de 1975, assistiu ao maior número de prisões e rendições de
soldados da Fretilin/Falintil. Os militares indonésios realizaram operações específicas a fim de
tentarem convencer o topo da hierarquia da Fretilin/Falintil a render-se, nomeadamente, a
Operação Skylight, por vezes designada movimento Skylight (ver Capítulo 3: História do Conflito).
Além disso, o Presidente Suharto promulgou, em 1977, uma amnistia a conceder aos membros
da Fretilin/Falintil que se rendessem. Nenhuma das iniciativas conseguiu garantir a protecção dos
membros da Fretilin/Falintil que se renderam ou que foram capturados e muitos deles foram
torturados e executados ou desapareceram (ver Capítulo 3: História do Conflito; Subcapítulo 7.2:
Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos).
Não foi possível determinar quantos membros da Fretilin/Falintil foram submetidos a este tipo de
tratamento durante os primeiros anos da Operação Seroja, na década de 1970.
123.
Os testemunhos prestados à Comissão lançaram alguma luz sobre o tratamento infligido
125
a soldados da Fretilin/Falintil capturados, nomeadamente tortura e maus-tratos. Muitos
126
desapareceram enquanto presos, não voltaram a ser vistos e presume-se que morreram.
Quando, durante todo o ano de 1978, um grande número de civis desceu das montanhas após as
operações militares em massa que visavam destruir as bases da Fretilin/Falintil, os militares
indonésios tentaram identificar aqueles que consideravam serem membros da Fretilin/Falintil.
Interrogaram civis para tentarem obter informações sobre as forças da Resistência que ainda se
encontravam nas montanhas. Por exemplo, a comunidade do suco de Lifau (Laleia, Manatuto)
explicou à Comissão o modo como as ABRI/TNI interrogaram um grupo capturado no seu suco.
Três homens foram denunciados como dirigentes da Fretilin/Falintil e a Comissão foi informada
xiv
Mais especificamente, com a aplicação da Cláusula Martens (definida na Convenção IV da Haia de 1907 e em várias outras
convenções), aplicam-se os “princípios de humanidade” [ver Relatório da Comissão do Direito Internacional sobre os Trabalhos da
sua 46ª Sessão, 2 de Maio - 22 de Julho de 1994, GAOR A/49/10, p. 317; Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear
Weapons (1986) ICJ Reports, parágrafo 78 e o Parecer Contrário do Juiz Shahabuddeen].
127
que estes homens foram executados pelos militares indonésios. Termos como “reeducação”,
ou “banho de mar” ou “vai nadar” tornaram-se eufemismos usados para designar as execuções
128
extrajudiciais perpetradas pelos militares indonésios.
124.
Em 1980, depois do levantamento da Resistência e o ataque à estação de televisão em
Marabia, nos arredores de Díli, os militares indonésios retaliaram, tratando com toda a
brutalidade as pessoas que eram suspeitas de envolvimento com a Resistência. Foram detidas e
torturadas centenas de pessoas e um grande número pessoas foi executada ou desapareceu
(ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.4: Prisão,
Tortura e Maus-Tratos). Existem também relatos de violações semelhantes contra membros da
129
Fretilin/Falintil, durante a Operação Kikis, em 1981.
125.
A Comissão recolheu vários relatos sobre maus-tratos assim como sobre o assassínio de
130
soldados das Falintil, capturados na década de 1980. Em 1984, por exemplo, travou-se uma
batalha entre as Falintil e as ABRI/TNI, na floresta, em torno de Manatuto, em que três soldados
das Falintil foram capturados pelas ABRI/TNI e levados para Díli. Um soldado foi metido num
bidão cheio de água durante duas horas, obrigado a dormir com a roupa molhada e espancado
131
com um pau na cabeça, nas pernas e nas mãos, todas as noites, durante uma semana. Os
132
maus-tratos infligidos a combatentes e a civis prolongaram-se pela década de 1990,
confirmando as alegações de que o tratamento infligido aos combatentes, capturados pelas
ABRI/TNI, violavam os princípios legais internacionais.
126.
A Comissão reconhece que, devido ao tempo e recursos limitados de que dispunha para
o seu trabalho e o acesso limitado aos registos militares indonésios, muitos casos de maus-tratos
e de mortes de soldados das Falintil, capturados ou que se renderam, não foram mencionados
durante as actividades de recolha de informação que a Comissão levou a cabo. Recomenda-se
que as investigações relativas à experiência das forças da Fretilin/Falintil durante este período
sejam levadas por diante, a fim de enriquecerem o material recolhido pela Comissão.
Meios ilícitos de combate
127.
O direito humanitário restringe a gama de armas e de técnicas (“meios de guerra”) que
133
podem ser usadas para causar danos às forças oponentes. Aplicam-se dois princípios gerais:
1. É proibido utilizar meios de guerra que causem ferimentos supérfluos ou sofrimento
134
desnecessário
2. É proibido utilizar meios de guerra que não permitam que o atacante distinga entre alvos
135
militares e civis (“meios indiscriminados”). Esta proibição inclui tácticas como do
136
envenenamento de reservas de água ou alimentares, ou tentativas de matar à fome as
137
populações.
128.
A invasão indonésia de Timor-Leste, em 1975, foi uma operação militar em grande
escala, que envolveu milhares de tropas e recorreu a equipamento de combate ligeiro e pesado.
Um documento oficial militar a que a Comissão teve acesso, enumera a lista das armas e do
138
material bélico utilizados durante as operações em Timor-Leste. Apesar de grande parte deste
material bélico ter por principal função a destruição em larga escala, as ABRI/TNI utilizaram
frequentemente estas armas em operações para destruírem alvos não militares, incluindo
habitações de civis, culturas de rendimento, arrozais e, até, os próprios civis, numa utilização
desproporcional de força.
129.
A Comissão conseguiu ainda obter informação sobre o tipo de munições usadas pelos
139
militares indonésios durante as suas operações em Timor-Leste. Embora a lei enumere os
tipos de munições que podem ser usadas em operações militares cujo alvo são as forças
armadas inimigas e certos alvos militares ou alvos civis usados para fins militares, essas
munições não podem ser usadas contra civis no decurso de uma operação militar ou em
circunstâncias em que não é possível estabelecer uma distinção entre civis e combatentes. A
Comissão foi também informada de que as ABRI/TNI colocaram minas dentro de edifícios civis
ou em torno destes. A comunidade do suco de Maneluma (Laulara, Aileu) contou à Comissão
que, em 1978, muitos habitantes renderam-se aos militares indonésios. Nessa altura, um
membro da comunidade, Aurélia Daumali, terá pisado uma mina enquanto procurava comida em
140
torno da igreja e morreu.
130.
A Comissão recolheu testemunhos sobre 285 bombardeamentos aéreos levados a cabo
por militares indonésios, entre 1975 e 1999; 125 desses testemunhos forneceram pormenores
sobre a forma como os bombardeamentos causaram a morte de civis e a destruição de
habitações, assim como de outros edifícios e de culturas agrícolas. Os bombardeamentos
ocorreram em todos os distritos, à excepção de Oecusse. A maioria dos relatos recolhidos
referem-se aos bombardeamentos de 1978, quando as zonas libertadas pela Fretilin foram
objecto de ataque intenso que causou a morte a muitos civis e acabou por resultar na destruição
das zonas libertadas e na rendição de muitos civis às forças das ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.2:
Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).
131.
Vários relatórios de Perfis Comunitários organizados pela Comissão confirmam que os
bombardeamentos aéreos mataram um número significativo de civis que fugiam da invasão. A
Comissão recolheu vários relatos que confirmam o uso, pelas forças indonésias, de armas
xv
químicas ou biológicas, tanto contra alvos militares quanto contra alvos civis. Diversas
comunidades dos sucos em várias localidades, falaram à Comissão num número avultado de
mortes por envenenamento após os bombardeamentos aéreos indonésios. Num Seminário do
Perfil Comunitário no subdistrito de Atsabe (Ermera) foi relatado que os bombardeamentos em
1976 e1977 nessa zona, causaram a paralisia de membros e a morte subsequentemente de
141
cerca de duas mil e quinhentas pessoas por envenenamento. Experiência semelhante ocorreu
em Lacló (Atsabe, Ermera) e em Paramim (Atsabe, Ermera), em Janeiro de 1977. Cerca de mil e
quinhentos membros da comunidade que se tinham deslocado para Cailaco em Lesamau
(Atsabe, Ermera) para evitar morrer de fome, morreram depois de terem consumido legumes e
cereais e de terem bebido água. Os sobreviventes disseram à Comissão que pensavam que
142
estas mortes foram causadas pelo veneno largado pelos bombardeiros indonésios. Num
incidente posterior, em 1978, no suco de Laubono em Lesamau (Atsabe, Ermera), morreram
muitos habitantes em Lasaun (Atsabe, Ermera), assim como soldados das Falintil que se
encontravam em Lesamau, devido ao consumo de comida e água envenenadas, um mês após
143
os bombardeamentos pelas ABRI/TNI. Os habitantes de Guololo (Letefoho, Ermera) disseram
à Comissão que, em Junho de 1978, muitos civis de Cailaco (Bobonaro) morreram envenenados
144
por motivos idênticos.
132.
Agusto Soares, que, na altura tinha 17 anos, falou à Comissão na morte de civis devido a
envenenamento em Lesamau (Atsabe, Ermera), entre 1977 e 1978:
Dessa vez o TNI não largou bombas. Encheram bidões com
veneno e largaram-nos dos aviões sobre Lesamau. Contaminaram
todas as reservas de alimentos. As pessoas colhiam folhas e
legumes, cozinhavam-nos e comiam-nos e, depois, morriam.
Bebiam água e morriam Apanhavam raízes de mandioca a 15
centímetros de profundidade, e morriam. Morreram cerca de
quatrocentas pessoas. A maior parte dos que morreram era do
suco de Katrai Kraik [Letefoho, Ermera], incluindo todos os
habitantes de uma parte do suco, com a excepção de uma mulher
de idade e da filha, que ainda hoje vivem no suco de Katrai
145
Kraik.
133.
Agusto Soares afirmou à Comissão que milhares de pessoas que haviam fugido de
Letefoho (Ermera), Ermera, Ainaro, Aileu e Cailaco (Bobonaro), perante o avanço das ABRI/TNI,
xv
Vários testemunhos (ver, por exemplo, HRVD, testemunho nº 04078) continham pormenores sobre as bombas, que mostram que
estas eram mais do que simples material bélico vulgar [ver também entrevista da CAVR a Francisco Barbosa, suco de Manumera
(Turiscai, Manufahi), 8 de Setembro de 2003].
refugiaram-se na base da Fretilin/Falintil, em Katrai Leten, no sopé do Monte Ramelau (Letefoho,
Ermera). As tropas das Falintil reuniram esses civis por detrás da linha de fogo, permitindo-lhes
trabalhar as terras para evitar que morressem de fome. Em 1978, os militares indonésios
atacaram Katrai Leten, vindos de Atsabe (Ermera), Same (Manufahi) e Bobonaro. Cercaram os
sucos que apenas tinham população civil residente e dispararam morteiros, bazucas e canhões a
partir de quatro pontos, enquanto os aviões lançavam bombas que causaram a morte a muitos
146
civis, destruíram a base de Katrai Leten e resultaram na captura de inúmeros civis.
134.
A Comissão recolheu igualmente relatos sobre helicópteros que lançaram veneno,
causando mais de duzentas mortes de civis nos sucos de Bora e Manelima (Laclubar,
147
Manatuto). A Comissão não teve possibilidade de verificar o tipo de bombas utilizados para
envenenar as culturas agrícolas e a água, já que não teve acesso aos arquivos militares
indonésios. Quando terminou a Operação Seroja, os militares indonésios continuaram a recorrer
ao uso de veneno, que causou a destruição de plantas e da vegetação. Membros da comunidade
do suco de Kakae Uman (Natarbora/Barique, Manatuto) declararam que, durante a Operação
Kikis em 1981, os militares indonésios envenenaram os campos agrícolas. A comunidade
informou ainda a Comissão que, durante um mês em 1983, os militares indonésios obrigaram os
habitantes do suco a participarem numa operação na floresta e a envenenar todas as plantações
o que, segundo alguns, se destinava a envenenar e a matar os soldados das Falintil, que
148
poderiam recorrer aos produtos cultivados nesses campos para obterem alimentos.
135.
As forças indonésias recorriam muito a bombas de alta potência cuja precisão era
limitada, o que resultava na morte de um número significativo de civis, mesmo quando o alvo era
militar. A Comissão foi informada de que em 1978, em resultado de um bombardeamento aéreo,
foram mortas cerca de oitocentas pessoas do suco de Guruça (Quelicai, Baucau), que tinham
149
fugido para o Monte Matebian. Vários outros relatos, feitos por diferentes comunidades,
ilustram claramente a devastação causada por esta campanha sistemática de bombardeamentos,
150
levada a cabo durante este período.
136.
Segundo Lucas da Costa Xavier, antigo soldado das ABRI/TNI baseado em Same
(Manufahi), que participou em várias operações militares, em 1978, os militares indonésios
dispararam rockets em todas as direcções, noite após noite, durante duas semanas,
nomeadamente contra zonas suspeitas de esconderem a Fretilin em Tutoluro, Kablaki, Roin e
Holarua (Same, Manufahi). Lucas da Costa Xavier disse à Comissão que um civil lhe contara
uma operação semelhante, explicando que:
As árvores e a erva ardiam quando as bombas as atingiam e a
água não se podia beber por estar contaminada com veneno.
Muitos civis morreram por ter bebido a água contaminada pelo
schrapnel das bombas lançadas pelos aviões e muitos morreram
de queimaduras...Era a estação seca, por isso a erva ardia
151
facilmente.
137.
Tendo em conta a descrição feita à Comissão sobre os inúmeros bombardeamentos e os
objectivos estratégicos da campanha militar, a Comissão concluiu que foram usadas bombas
incendiárias durante as campanhas. Os aviões OV-10 Bronco fornecidos pelos Estados Unidos
152
da América estavam equipados com armas ligeiras,
rockets e “opalm”, um equivalente
153
soviético do napalm adquirido pela Indonésia durante a campanha no Irian Ocidental. A
Comissão recebeu cópias de filmes de propaganda dos militares indonésios sobre as campanhas
nos finais da década de 1970, incluindo longos excertos de filmes sobre a preparação dos raides
de bombardeamentos no Aeroporto de Baucau, assim como outros excertos sobre os próprios
raides. Nestes excertos, o pessoal militar indonésio é filmado no Aeroporto de Baucau,
visivelmente a carregar os aviões OV-10 Bronco com bombas rotuladas “OPALM”, e os aviões a
154
descolarem. Além disso, um documento confidencial militar indonésio, disponibilizado à
Comissão, contém pormenores das armas utilizadas, incluindo as bombas de opalm, bombas de
largo alcance e sem alvo específico e aviões OV-10 Bronco e Sky Hawk. Os quadros abaixo
foram extraídos desse documento confidencial militar indonésio:
Quadro 1 - Capacidade dos aviões tácticos
xvi
Tipos de Arma
Metralhadoras
A-4 SKY HAWK
Dois canhões, calibre 30 mm (250 balas)
Rockets
6 Lançadores de rockets (42 Rx FFAR2,75)
OV-10F BRONCO
4 Canhões, calibre 12,7 mm (1.600
balas)
4 Lançadores de rockets (28 Rx
FFAR-2,75)
Bombas
8 Bombas
5 Bombas
Munições
Balas 30 mm
Rockets FFAR 2,75 polegadas
Bombas MK-81-130 Kg
Bombas MK-82-250 Kg
Bombas FAB-250 Kg
Bombas OFAB-100 Kg
Bombas TAL-1-250 Kg
Bombas ZHB-100 Kg
Bombas MK-1-130 Kg
Balas 12,7 mm
Rockets FFAR 2,75 polegadas
Bombas MK-81-130-Kg
Bombas MK-82-250 Kg
Bombas FAB 25 Kg
Bombas OFAB 100 Kg
Bombas TAL 1-250 Kg
Bombas ZHB-100 Kg
Quadro 1 - Tipo de munições e seu alcance de segurança
Munição
Balas 12,7 mm
Capacidades
Anti-pessoal, raio de 10 m
Alcance Mínimo de Segurança
500 m
Balas 30 mm
Anti-pessoal, capaz de penetrar
aço, raio de 35 m
500 m
Rockets FFAR 2,75 polegadas
700 m
Bombas KM-1-130 Kg
Anti-Tanque e Anti-pessoal, raio de
130 m
Alcance Geral, raio de 400 m
Bombas MK-82-250 Kg
Alcance Geral, raio de 540 m
2.000 m
Bombas MK-5B-250 Kg
Queimar alvos, com o calor a
atingir, +/- 1725 graus Celsius
durante 15 min., raio de 600 m
Anti-pessoal, raio de 260 m
2.000 m
Anti-pessoal e alvos fáceis (casas),
raio 495 m
Anti-pessoal e alvos difíceis
(armazéns), raio de 370 m
2.000 m
Anti-pessoal e incêndio, raio de
340 m
Queimar alvos, temperatura a
atingir +/- 1.725 graus Celsius,
raio de 400 m
1.700 m
Bombas TAL-1- 250 Kg
Bombas FAB-250 Kg
Bombas OFAB-100 Kg
Bombas ZHB-100 Kg
OPALM
1.700 m
2.000 m
1.700 m
1.500 m
Fonte: Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril de 1988, Forças
Armadas Indonésias, Comando das Operações de Segurança em Timor Leste.
138.
O Quadro 1 revela a importância que os aviões fornecidos por países estrangeiros
tiveram nos ataques assim como a capacidade significativa destes aviões. O Quadro 2 confirma o
fornecimento de “OPALM” para utilização em Timor-Leste, assim como de bombas destinadas a
serem usadas em “alvos fáceis” (casas), e de bombas antipessoais com um raio de acção
importante que se destinavam a “queimar alvos” e que dificilmente poderiam garantir, com algum
grau de segurança, que só atingiriam alvos militares quando usadas em regiões montanhosas,
perto de populações civis. Este documento é datado de 1988, mas os testemunhos à Comissão
xvi
Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril de 1988, Forças Armadas
Indonésias, Comando das Operações de Segurança em Timor Leste.
confirmam a utilização de OV-10 B r o n c o s em finais da década de 1970, em raids de
bombardeamentos sobre áreas densamente povoadas por civis, com consequências
extremamente graves para a população (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.3:
Deslocação Forçada e Fome).
155
139.
Embora o tratado que proibe o uso de armas incendiárias do tipo do napalm, só tenha
sido aprovado em 1980 e a Indonésia não o tenha assinado ou ratificado, a maioria das
utilizações dadas a este tipo de armas viola os princípios gerais que proíbem armas e meios de
guerra indiscriminados que causam danos supérfluos ou sofrimento desnecessário.
140.
Adriano João, que foi Delegado da Fretilin em Cailaco (Bobonaro) até 1979, declarou à
Comissão que, em 1977, foram lançados rockets e bombas napalm a partir de aviões Sky Hawk
156
das forças indonésias, causando irritações dérmicas graves e a morte de muitos civis.
Habitantes de Obulo e Batomanu (Atsabe, Ermera) afirmaram que, em 1979, os militares
indonésios lançaram bombas napalm sobre Atasuro em Lesamau, causando a morte de 12
157
civis.
141.
Durante a Operação Kikis, no início da década de 1980, os participantes civis foram
obrigados a destruir as plantações que os soldados da Fretilin/Falintil pudessem utilizar como
fontes de alimentos. A Comissão recolheu vários relatos sobre o modo como os militares
indonésios envenenaram deliberadamente os recursos de água utilizados pelas forças da
158
Fretilin/Falintil.
Recrutamento forçado para as actividades militares
142.
O direito humanitário proíbe que as partes em conflito forcem nacionais do território
159
inimigo a participar em operações militares dirigidas contra o seu próprio país. Uma força
160
ocupante não deve forçar civis a servir nas suas forças armadas ou auxiliares, e não deve
161
exercer pressões, nem recorrer à propaganda, para incentivar o alistamento.
143.
Nos finais de 1975, a seguir à invasão e ao subsequente avanço militar destinado a
controlar o território, os militares indonésios deram início ao processo de recrutamento de civis
timorenses para auxiliar os militares nas suas operações. A partir de finais de 1974, os militares
indonésios treinaram membros da APODETI, o partido político pró-integração, chamando-lhes
forças de Partidários. Membros do partido político UDT, que fugiram para Timor Ocidental,
Indonésia, depois da derrota no conflito interno armado, juntaram-se aos Partidários e ajudaram
os militares indonésios nas operações transfronteiriças e, em última instância, na invasão final.
Tendo invadido Díli e Baucau e ocupando, já, territórios nos distritos ocidentais de Timor-Leste,
os militares indonésios começaram a proceder ao alistamento de civis, especialmente homens e
rapazes, para transportarem mantimentos e outras necessidades de logística militar. Esta
campanha de recrutamento era conhecida como Tenaga Bantuan Operasi (auxiliares de
operação, TBO). Os T B O acompanhavam frequentemente as tropas na linha da frente de
combate, carregando munições e outro material. Por vezes agiam também como batedores ou
guias, abrindo caminho aos militares indonésios e eram, até, infiltrados nas zonas libertadas pela
Fretilin como espiões das ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança,
nomeadamente a caixa sobre o papel dos TBO nas operações militares).
144.
Algumas operações militares específicas envolveram o recrutamento forçado de civis. A
Operação Kikis, referida atrás, por exemplo, implicou a participação forçada de um avultado
número de civis (ver também Capítulo 3: História do Conflito); as tropas Tombak ou Lança - ver
adiante; buscas forçadas de familiares dos civis nas florestas e nas montanhas; vigias nocturnas
em comunidades específicas; e, ainda, a participação forçada na defesa civil local e nas
estruturas da milícia.
145.
Os testemunhos feitos à Comissão revelam que o recrutamento de civis levado a cabo
pelos militares indonésios, forçado ou não, visava em primeiro lugar os homens adultos, embora
também incluísse um grande número de crianças (ver Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da
Criança). Os testemunhos relatam, também, que este recrutamento começou antes da invasão,
intensificou-se logo a seguir à invasão e continuou a aumentar regularmente durante o período
da Operação Seroja, de 1975 a 1979. Entre finais de 1979 e 1981, antes da Operação Kikis, o
recrutamento diminuiu, tendo, aumentado muito posteriormente, durante a campanha de
recrutamento forçado em massa que acompanhou a Operação Kikis, em 1981. Após esta
operação, o número de civis recrutados continuou a baixar, antes de voltar a aumentar, em finais
de 1998 e princípios de 1999.
146.
A Comissão recolheu depoimentos de 405 casos individuais de recrutamento forçado de
civis destinados a integrar as operações militares indonésias entre 1975 e 1979. Foram
mencionados outros 292 casos relativamente ao período de 1980 a 1990, tendo baixado para
143 casos, durante o período de 1990 a 1999. O número de casos de recrutamento voltou a
aumentar, no fim de 1998 e princípios de 1999, quando os militares indonésios começaram a sua
campanha de constituição de grupos de milícia pró-autonomia em todo o território. O número
relativamente reduzido de relatos de casos de recrutamento TBO no período da Operação Seroja
e da Operação Kikis, quando um elevado número de civis foi recrutado à força para ajudar nas
operações militares em todo o território, confirma que, regra geral, a opinião pública não
considera o recrutamento forçado como uma violação grave comparada com outras violações
comuns nessa época, nomeadamente a prisão e a tortura, a violência sexual, os homicídios e
desaparecimentos e outras violações graves.
147.
A Comissão reconhece que nem todos os timorenses que participaram como TBO ou
que, noutra capacidade, auxiliaram os militares indonésios foram forçados a fazê-lo. Houve,
evidentemente, pessoas que se tornaram TBO ou que de outro modo auxiliaram as ABRI/TNI por
um sem número de razões económicas, de segurança, pessoais e políticas. (ver Capítulo 4:
Regime de Ocupação e Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança, secção sobre crianças
TBO).
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Padrões de recrutamento
148.
Em cada um dos períodos do conflito, o alistamento e recrutamento de civis timorenses
foram utilizados com objectivos específicos de estratégia militar e política. Para além dos
benefícios práticos de recorrer a uma “mão-de-obra” local e de a utilizar, estas práticas também
serviam para dividir, fragmentar e, em última análise, enfraquecer as comunidades timorenses,
assim como a sociedade no seu todo; serviam, também, como pretexto de justificação da
propaganda indonésia que alegava que havia um apoio significativo à sua presença em Timor
Leste.
149.
Embora o recrutamento visasse mais os homens, a Comissão recolheu, também, provas
claras de que mulheres e crianças, em certas localidades, foram igualmente forçadas a participar
em diferentes operações militares. O recrutamento forçado era utilizado como táctica de
consolidação da invasão e foi inclusivamente usado durante a fase que antecedeu a invasão,
quando as forças indonésias se infiltravam clandestinamente nas regiões ocidentais do território.
Odete dos Santos falou à Comissão sobre o recrutamento forçado de TBO mesmo antes da
invasão em larga escala
Em 1975, L20 (na altura Administrador Distrital de Bobonaro,) do
partido UDT obrigou-me, a mim e à minha família a ir para
Atambua [Timor Ocidental]. Lá [Atambua], o TNI obrigou duas
pessoas, Lesu Bere e Alfredo Lopes, a tornarem-se TBO.
Mais tarde participaram numa operação, com o TNI, em Atabae
[Bobonaro]. Lesu Bere foi morto a tiro pelo TNI, em Atsabe
(Ermera). O corpo foi levado e enterrado próximo da fronteira com
Atambua. O TNI também matou e enterrou Alfredo Lopes em
162
Maliana [Bobonaro]. A sua sepultura ainda ali se encontra.
150.
A Comissão recolheu testemunhos sobre recrutamentos forçados no período da
Operação Seroja nos anos imediatamente a seguir à invasão, levados a cabo pelos militares
indonésios em todos os distritos do território, à excepção de Oecusse, onde nessa fase não eram
conduzidas operações militares.
151.
Praticamente todo o recrutamento de TBO teve lugar nos primeiros anos da Operação
Seroja, entre 1975 e 1979, os anos em que os militares indonésios levaram a cabo vastas
operações militares em todo o território, num esforço para derrotar a resistência armada da
Fretilin/Falintil. Durante esse período, os TBO foram recrutados maioritariamente entre os grupos
de civis que eram capturados ou que se rendiam.
152.
Os testemunhos recolhidos pela Comissão sugerem que os militares indonésios
escolhiam deliberadamente os apoiantes da Fretilin ou os membros das Falintil para os
transformar em TBO. Maumali Sarmento, um membro da Fretilin, de 31 anos de idade, foi
capturado pelas ABRI no dia em que foi lançada a invasão e permaneceu TBO durante os três
anos seguintes. Disse à Comissão:
A 7 de Dezembro de 1975, quando se deu a invasão militar
indonésia de Díli, eu era membro da Fretilin. Com dois dos meus
amigos, Mau Mali e Domingos da Silva, fui obrigado por membros
de Marinir 1, Zipur 10 e Armed 1 a tornar-me TBO. Acompanhámos
as tropas em operações até Metinaro [Díli]. Durante os três anos
em que fomos TBO, as nossas funções incluíam apanhar lenha,
163
cozinhar, ir buscar água e lavar a roupa.
153.
Um testemunho semelhante foi prestado por José Nunes de Andrade, simpatizante da
Fretilin, que fugiu para Same em 1975, onde foi capturado pelas ABRI quando estas se
ocuparam a zona. Foi utilizado para transportar material a pé pelas montanhas e permaneceu
164
TBO até 1979. Flaviano dos Santos era membro das Falintil quando foi capturado em Atabae
(Bobonaro), em 1975. Disse à Comissão que, depois de ter sido capturado, foi obrigado a
transportar alimentos e munições para dois batalhões militares, durante nove meses. Em 1976,
quando lhe permitiram regressar à sua terra natal, as milícias timorenses locais e o pessoal das
165
ABRI tinham-se apoderado da sua casa e de outros bens.
154.
Em Janeiro de 1976, quando as ABRI tomaram Atabae (Bobonaro), muitos civis
renderam-se ou foram capturados. Agostinho dos Santos Barreto disse à Comissão que cerca de
400 civis foram obrigados a tornar-se TBO e servir em operações militares nos arredores de
Bobonaro, depois em Maubara (Liquiça), antes de regressarem a Atabae, onde alguns tiveram
autorização para regressar para junto das famílias mas outros foram obrigados a permanecer
166
TBO.
155.
Foi apresentado à Comissão um relato semelhante pela comunidade de Guruça
(Quelicai, Baucau). Em Maio de 1978, quinhentos membros da comunidade renderam-se aos
militares indonésios, depois de descerem de Matebian. Apesar de muitos homens se
encontrarem doentes e fracos, foram obrigados a trabalhar para as ABRI e para a Hansip, e
cerca de sessenta foram recrutados como TBO para operações militares indonésias, enquanto as
167
mulheres eram obrigadas a participar nas vigias nocturnas.
156.
Vários relatos recebidos pela Comissão revelam a forma como os membros da
Fretilin/Falintil que se renderam ou foram capturados nesse período, foram, por vezes, obrigados
a regressar à floresta para procurar as Falintil. Em 1978, por exemplo, Horácio Sousa, que tinha
servido com as tropas das Falintil em Nunululi, Laclubar (Manatuto), foi capturado com mais
quatro pessoas. Depois de terem passado uma semana em Fatumakerek (Laclubar), foram-lhes
dados uniformes da Hansip e armas e viram-se obrigados a participar numa série de operações
militares com o Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100, nas proximidades de Laclubar
168
(Manatuto), Alas (Manufahi) e Maubisse (Ainaro).
157.
A Comissão recolheu depoimentos e ouviu relatos de comunidades da região Leste
sobre o envolvimento de T B O timorenses com as ABRI/TNI no assalto final ao Monte
169
Matebian.
158.
A campanha de recrutamento generalizado que angariou os civis a serem utilizados na
Operação Kikis foi uma acção sem precedentes que envolveu as estruturas civis da
administração local criadas para guarnecer a administração militarizada que controlava de facto o
território. A participação era obrigatória e a Comissão obteve vários relatos de tortura de civis que
170
se recusaram a participar.
159.
Em 1982 e 1983, foram lançadas operações semelhantes pelos militares indonésios num
esforço para encontrar sobreviventes entre os combatentes da Fretilin/Falintil. Contudo, durante
este período, o recrutamento de civis foi relativamente limitado e as campanhas militares
restringiram-se em grande medida a operações de busca em áreas específicas. Durante estas
operações, os habitantes dessas áreas receberam ordens para destruir, envenenar e queimar as
171
culturas agrícolas que encontrassem, de forma a impedir a Fretilin/Falintil de as utilizar.
Trabalho dos TBO – riscos e perigos
160.
As condições de trabalho dos TBO eram penosas confrontando-se, muitas vezes, com
situações de perigo de vida. Os perigos e as ameaças eram numerosos e oriundos de uma
grande diversidade de fontes. A alimentação deficiente e as doenças enfraqueceram e mataram
muitos; os TBO foram muitas vezes vítimas de batalhas, capturados ou mortos pelas forças da
Fretilin/Falintil; alguns foram mortos pelos militares indonésios; outros não regressaram das
operações e continuam desaparecidos até hoje.
161.
Florentina Santos, do suco de Talimoro (Ermera, Ermera), disse à Comissão que o seu
irmão mais velho, que foi forçado a tornar-se TBO em Liquiça, foi capturado e morto pelas Falintil
172
em 1976. Moisés da Costa, que tinha onze anos quando o pai se rendeu aos militares
indonésios em 1978, disse à Comissão que o pai fora obrigado a regressar à floresta para
procurar a família mas que fora capturado e morto pelas Falintil, que o acusaram de ser um
173
espião das ABRI. A Comissão recolheu vários relatos sobre pessoas desaparecidas, que
foram vistas, pela última vez, aquando do seu recrutamento como TBO e que nunca regressaram
174
das operações.
162.
Os Seminários de Perfil Comunitário da Comissão lançaram alguma luz sobre o impacto
do recrutamento de TBO. Os habitantes do suco de Defawasi, por exemplo, explicaram a sua
rendição às forças das ABRI, em Outubro de 1978, a seguir ao ataque ao Monte Matebian. As
forças militares indonésias internaram-nos em campos, onde muitos morreram de doença e de
fome, e onde foram torturados muitos dos que ainda tinham familiares na floresta. Os homens
foram forçados a trabalhar como TBO. Cerca de 40 jovens do suco tornaram-se TBO, a maior
175
parte dos quais morreu em combate.
163.
As crianças TBO encontravam-se particularmente vulneráveis e calcula-se que muitas
tenham morrido de cansaço, juntamente com problemas de saúde por falta de alimentação e
medicamentos suficiente, e devido às pesadas cargas que transportavam durante as operações
militares. Por exemplo, segundo Domingas Freitas, o seu irmão mais novo, Rai Ano e o amigo
Zeca, foram recrutados em Viqueque como TBO, em 1978. Domingas Freitas foi informada que
Rai Ano e Zeca morreram em Uatu-Lari (Viqueque), devido à fragilidade da sua condição física e
176
por terem sido forçados a carregar equipamento pesado de combate.
164.
Muitos TBO foram sujeitos a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Anacleto
Pires, de Katrai Kraik (Letefoho, Ermera), por exemplo, disse à Comissão que, em 1976, foi
levado à força às ABRI pelo chefe da aldeia nomeado localmente, e que as ABRI o obrigaram a
trabalhar como TBO durante os dois anos seguintes:
As minhas tarefas consistiam em fazer café e transportar mochilas
para o Batalhão 512 do TNI, nas operações na floresta. Fui sujeito
a abusos, tais como espancamento e imersão em água todas as
177
noites.
165.
Quando terminou a Operação Seroja, em 1979, depois de os militares indonésios terem
tomado todas as bases mais importantes da Fretilin no interior, as ABRI concentraram as suas
operações em áreas que ainda não estavam sob o seu controlo. Testemunhos apresentados à
Comissão sobre os distritos de Manufahi, Viqueque, Manatuto e Baucau indicam que o
recrutamento forçado continuou durante este período.
166.
Vários Seminários da Comissão de Perfis Comunitários no distrito de Viqueque, referiram
que o recrutamento forçado de civis para TBO em 1979, decorreu depois da captura em massa
178
de civis que se tinham escondido nas montanhas. A Comissão recolheu, igualmente, em
Viqueque, alguns testemunhos individuais de pessoas que foram obrigadas a trabalhar para os
179
militares indonésios e para as suas forças Hansip, durante o mesmo período. Domingos Miguel
disse à Comissão:
Em 1979, membros da Hansip que eu não conhecia juntaram-nos
na cidade de Ossu (Viqueque). Um dia, fui chamado para participar
numa operação. Durante a operação, a Hansip capturou um
membro das Falintil, chamado Mateus. Teve de se tornar
imediatamente TBO e, depois, continuaram caminho para UatuCarbau. Quando chegámos a Uatu-Carbau, membros da Hansip
executaram um membro das Falintil. Quando regressámos da
operação, fui chamado pelo Danramil (comandante militar
subdistrital) e fui levado ao Koramil, em Ossu, onde fiquei detido
180
durante um dia com mais quarenta pessoas.
167.
Alguns TBO eram encarcerados uma vez terminado o seu “serviço”. Mateus Damazo, por
exemplo, disse à Comissão que em 1979, depois de ter sido capturado pelas ABRI em Alas, foi
obrigado a carregar comida e munições e a cozinhar para as tropas, durante várias operações.
Quando estas operações terminaram, não foi libertado, tendo ficado detido durante um ano na
181
Prisão de Betano (Same, Manufahi). João Baptista S. Martins, que tinha 11 anos quando, em
Outubro de 1979, foi obrigado a tornar-se TBO, fugiu depois de alguns membros das ABRI lhe
182
dizerem que queriam levá-lo para a Indonésia uma vez terminado o seu serviço como TBO.
168.
Num contexto de hostilidade contínua, os civis estavam particularmente vulneráveis a
maus-tratos físicos e a sua lealdade era motivo de suspeição por parte dos militares indonésios.
A Comissão recolheu relatos de civis que se renderam às ABRI/TNI e que foram torturados antes
183
de serem recrutados à força como TBO.
A Comissão também recolheu vários relatos de
pessoas torturadas depois de se tornarem TBO, por suspeita de manterem contacto com a
Fretilin/Falintil. António de Jesus falou à Comissão do desaparecimento do irmão em 1982, um
jovem TBO que os militares indonésios suspeitavam de manter a ligação com as Falintil:
Em 1982, o Batalhão 320 levou Domingos de Jesus para servir
como TBO. Ele e as tropas foram para Lospalos, para o suco de
Soro…Mais tarde [os militares] desconfiaram dele e levaram-no de
helicóptero militar indonésio para o posto de Paitamor. Quando
chegaram a Paitamor, interrogaram-no e torturaram-no, para o
obrigar a confessar os seus contactos com as Falintil e a Fretilin.
Depois de ouvirem o seu depoimento, [eles] chegaram à conclusão
de que ele era membro da rede clandestina e bastante perigoso.
Por isso levaram-no para um lugar em Iliomar, chamado HamaUm, onde foi morto. Ainda não conseguimos, até hoje, recolher os
184
seus restos mortais.
169.
Terminada a Operação Seroja, tornou-se prática comum os soldados das ABRI
recorrerem aos civis para ajudarem nas tarefas domésticas, como cozinhar e outras
necessidades individuais. Estes TBO viviam habitualmente com os soldados nos acampamentos
e nas casernas e por vezes acompanhavam os membros das ABRI em operações no terreno. O
seu quotidiano era marcado por múltiplos maus-tratos. A Comissão ouviu testemunhos sobre a
vulnerabilidade das mulheres jovens nestas circunstâncias:
Em 1980 fui recrutado como TBO. Durante aqueles dois meses vi a
minha própria irmã, CM, ser violada e servir de escrava sexual dos
soldados das ABRI. Quando as tropas saíram de Fahinehan, ela
foi, finalmente, libertada. Mas levaram-me com eles para Same,
Kablaki, Ainaro, Ramelau, Ermera e Díli…Durante o meu trabalho
como TBO, quando estávamos na floresta, tive a ocasião de ajudar
um membro das Falintil, dando-lhe de comer. Linus, um amigo meu
de Aileu, contou isto ao Batalhão de Infantaria 643 do TNI. Por isso
deram-me pontapés com botas militares e ameaçaram matar-me a
tiro. Depois aumentaram as cargas que eu tinha de transportar
185
para Ermera, Railaco e Díli.
170.
Embora algumas pessoas se tenham alistado como TBO porque isto lhes proporcionava
algum apoio socioeconómico, a maioria não tinha qualquer alternativa e era obrigada a participar.
186
Algumas pessoas concordaram em tornar-se T B O por medo, outras porque foram
187
capturadas,
e outras ainda, porque as ABRI ameaçavam fazer mal às famílias se eles não
188
cooperassem.
TBO na Operação Kikis, 1981
171.
Durante a segunda metade de 1981, os militares indonésios lançaram uma operação em
grande escala com o objectivo de percorrer o território e arrasar os combatentes sobreviventes
da Resistência. A Operação Kikis mobilizou um avultado número de civis, obrigando-os a
participar nesta marcha (ver Capítulo 3: História do Conflito). As tropas territoriais das ABRI/TNI e
os funcionários civis, ao nível de aldeia, de suco e de distrito, foram incumbidos de recrutar civis,
rapazes e homens entre os doze e os trinta e cinco anos. A verdade, porém, é que as ABRI/TNI
recrutavam civis com idades superiores e inferiores aos limites determinados e mulheres,
189
violando assim, a política definida. Segundo vários relatórios dos Perfis Comunitários
organizados pela Comissão, os homens obrigados a participarem na operação incluíam
funcionários públicos, professores, estudantes, enfermeiros, comerciantes, camponeses e
desempregados. Durante esta operação, o recrutamento levou ao encerramento temporário de
190
escolas, hospitais e centros de saúde.
172.
O número de civis recrutados para a Operação Kikis ainda é contestado. Segundo um
documento militar indonésio, publicado em 1982, a operação envolveu 60.000 civis, incluindo
membros das estruturas de defesa civil organizadas pelas ABRI/TNI, como a Wanra (Resistência
191
Popular) e a Ratih (Civis Treinados). Segundo o autor Ken Conboy, a operação envolveu
33.000 mil civis que marcharam com doze Batalhões das ABRI/TNI partindo de dois pontos
distintos: a Praia de Laga e Díli, avançando em direcção ao local onde foram perpetradas mortes,
192
próximo de Aitana (Manatuto). Outra fonte militar indonésia sugere que foi envolvido um
número superior de civis e afirma que oito Batalhões, acompanhados por 120.000 membros
treinados das milícias, deslocaram-se de Leste para Oeste, enquanto outros sete Batalhões,
acompanhados por 25.000 membros treinados das milícias, se deslocavam de Oeste para
193
Leste.
173.
A Comissão recolheu depoimentos de oitenta pessoas em sete distritos, relativos ao
recrutamento de civis como TBO, durante a Operação Kikis. Além disso, vários Seminários de
Perfis Comunitários organizados pela Comissão em vários pontos do país contribuíram também
com alguns pormenores sobre o processo de recrutamento. Os habitantes de Lelalai (Quelicai,
Baucau), por exemplo, explicaram que em 1981, funcionários governamentais do distrito de
Baucau deram instruções para que todos os homens capazes participassem na Operação Kikis
194
durante 3 meses. Foram recolhidos relatos semelhantes entre os habitantes de Muapitine
195
(Lospalos, Lautém), e Rasa (Lospalos, Lautém), onde centenas de pessoas foram recrutadas
como TBO durante este período. A comunidade de Rasa contou à Comissão que, entre esses
196
recrutas, se contavam três adolescentes que morreram durante a operação.
174.
As marchas forçadas durante esta operação foram muito violentas e muitos civis,
obrigados pelos militares indonésios a participar na operação, morreram em circunstâncias que
nunca foram inteiramente explicadas. Francisco António Menezes falou à Comissão sobre a
morte do seu irmão mais velho:
A 20 de Agosto de 1981, o Vincenti estava doente com malária e
mandaram-no ir tratar-se na vila de Baguia. Quando lá chegou
encontrou muitas tropas do TNI, do Batalhão 521, com membros
da Hansip. Um membro do TNI, L21, e um da Hansip, L22 e os
seus homens capturaram Vincenti e outros civis e jovens. O
Batalhão 521 ordenou aos jovens que se tornassem TBO e que
carregassem as mochilas e as armas para a floresta…A 12 de
Outubro de 1981, soube por um membro do Batalhão 521, L21,
que Vincenti e outros amigos morreram em Uatu-Lari [Viqueque].
L21 disse-me para ir visitar a campa de Vincenti em Teulale. Até
hoje continuo sem saber o que provocou a morte de Vincenti e o
197
local exacto onde foi enterrado.
175.
Em 1982, os TBO já não eram geralmente envolvidos em operações militares; porém,
eram mantidos como prisioneiros e usados como auxiliares nas casernas das ABRI/TNI. Aqueles
198
que eram suspeitos de terem contactos com a Fretilin/Falintil eram os alvos principais. Por esta
altura, o processo de recrutamento forçado era, de certo modo, menos arbitrário e os soldados
das ABRI/TNI que desejavam “recrutar” um TBO, deviam contactar e tratar do assunto através do
199
Babinsa local.
Obrigados a procurarem os familiares na floresta
176.
A Comissão recolheu 38 testemunhos sobre civis que se renderam e foram forçados,
pelos militares indonésios, a regressar à floresta a fim de procurar outros membros da sua
família. Orlando da Silva, de Rotuto (Same, Manufahi) disse à Comissão:
Em princípios de 1976, o Batalhão 509 das ABRI capturou-me, a
mim e a Aniceto Mendes, enquanto andávamos à procura de
comida. Levaram-nos para Rotuto e, apontando-nos uma arma,
interrogaram-nos acerca de familiares nossos que ainda se
encontravam na floresta. Depois de estarmos detidos durante um
dia, deram-nos rações de arroz e sal e, depois, obrigaram-nos a ir
procurar os nossos familiares na floresta para [dizer-lhes] que se
rendessem. Não encontrámos ninguém da nossa família. O
batalhão 509 de Infantaria também obrigou Rosalina, Angelina,
Hermenegilda e Filomeno a procurarem os seus familiares que
ainda se encontravam na floresta. Mas eles também não
conseguiram e, por isso, o Batalhão de Infantaria 509 prendeu
200
Rosalina e Hermenegilda.
177.
A maior parte destes casos ocorreu durante o período da Operação Seroja, até 1979.
178.
Os civis coagidos a regressar à floresta para procurar familiares não estavam armados.
Alguns regressaram com as suas famílias. Alfredo da Silva Carvalho, por exemplo, contou à
Comissão que depois de se renderem aos militares indonésios, em 29 de Novembro de 1978, o
seu irmão, João do Rosário de Fátima, e os seus três amigos foram obrigados a voltar à floresta
no dia seguinte para procurar as respectivas famílias. Conseguiram encontrá-las e, mais tarde,
201
regressaram a Díli com os seus familiares.
179.
Habitantes de Uaitame (Quelicai, Baucau) disseram à Comissão que cerca de 1.000
habitantes do suco renderam-se aos militares indonésios em Junho de 1979, depois de os
Fuzileiros terem tomado a área. Os homens receberam ordens para voltar à floresta e apanhar os
guerrilheiros das Falintil, mas não conseguiram encontrá-los e regressaram a Quelicai de mãos
202
203
vazias. A Comissão recolheu relatos semelhantes noutras áreas.
180.
Ex-soldados das Falintil capturados também foram obrigados, após interrogatório e
tortura, a regressar à floresta e a procurar outros membros das Falintil. Mateus da Cosa disse à
Comissão:
Em 1979, confiaram-me o cargo de…comandante da Fretilin. Mas
as tropas do TNI, do Batalhão 700, apanharam-me em Beton OanAlas e levaram-me para Fatuberliu. O meu amigo, Mateus
Torrezão e eu, recebemos ordens do TNI para ir à floresta e
procurar os nossos parentes que ainda lá se encontrassem. Fomos
e procurámos, mas não encontrámos ninguém. No caminho para
casa, encontrámos uma companhia de cem soldados do Batalhão
204
de Infantaria Aerotransportado e fomos levados para Díli a pé.
181.
Cesário de Jesus contou à Comissão que, em Março de 1979, os soldados indonésios o
obrigaram, a ele e aos seus amigos, a regressar à floresta e a procurar membros da família ou da
Fretilin/Falintil. Disse que os militares indonésios levaram presos das Falintil de avião e que estes
205
nunca mais foram vistos.
182.
Nem todos os civis obrigados a procurar a família ou as Falintil na floresta regressaram
em segurança. Madalena Pereira, de Letefoho (Ermera), tinha 14 anos em 1977, quando ela e a
avó, Laubrani, foram capturadas pelas ABRI/TNI e levadas para o Koramil de Letefoho. Depois
do interrogatório foram obrigadas a regressar à floresta para procurar os membros da sua família.
Madalena não passou de Lauana, mas Laubrani foi forçada pelos soldados das ABRI/TNI e da
Hansip a continuar e, quando começou a caminhar, deram-lhe um tiro nas costas e ela morreu
206
imediatamente. Houve vários casos em que as pessoas que foram obrigadas a ir procurar os
207
familiares nunca regressaram.
183.
Nos primeiros anos da década de 1980, os militares indonésios continuaram a obrigar
208
civis a procurar familiares que ainda não se tinham rendido. Os soldados das
ABRI/TNI
também espancaram e torturaram civis que não conseguiam encontrar os familiares ou os
membros das Falintil na floresta. Arlindo Fernandes Xavier disse à Comissão:
Em 1983, o Batalhão 623, do T N I , veio e chamou Adolfo
Fernandes Xavier e obrigou-o a ir à floresta, à procura de Manuel
dos Santos, membro das Falintil. Como não conseguiu encontrá-lo,
espancaram Adolfo com as armas, até este ficar com o corpo todo
coberto de nódoas negras. Adolfo ficou detido um dia e uma noite
no Posto [Batalhão] 623, em Lautém. Aníbal Fernandes Xavier e
Etelvina Fernandes Xavier foram também capturados e levados
para o Kodim (Comando Militar Distrital) de Lospalos por soldados
deste Comando Distrital…Foram interrogados, torturados com
choques eléctricos e espancados com a coronha das espingardas,
ficando em muito mau estado. Foram encarcerados numa cela,
durante um mês. Depois, mandaram Etelvina para casa, mas
Aníbal foi levado pelos perpetradores e continua desaparecido até
209
hoje.
184.
Em 1983, foram realizadas conversações para um cessar-fogo entre as Falintil e as
Forças Armadas indonésias. Também ocorreram várias deserções nos distritos de Lautém,
Viqueque e Ainaro, de membros das forças coadjuvantes das ABRI/TNI como a Hansip. Em
Lautém, após terem recebido ordens de Xanana Gusmão para levarem armas para a floresta,
alguns membros da Hansip e da Ratih capturaram armas à polícia e ao Koramil e fugiram para a
floresta. Em retaliação, as forças de segurança ordenaram às mulheres cujos maridos tinham
xvii
fugido, que os fossem procurar. Os militares indonésios reagiram do mesmo modo em 1984,
depois de as Falintil terem queimado habitações no suco de Mehara (Tutuala, Lautém) e,
novamente em 1987, em Pros/Herana, no suco de Mehara, quando as ABRI obrigaram as
210
mulheres, sob escolta da Hansip, a procurar os maridos que ainda se encontravam na floresta.
185.
Em Kraras (Viqueque, Viqueque), após o levantamento de 9 de Agosto de 1983, foram
atacados e mortos civis pelos militares indonésios em diversos massacres, declaradamente em
retaliação pela morte de soldados indonésios pelas Falintil e pela deserção subsequente, para as
Falintil, de membros da H a n s i p e da Ratih (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e
Desaparecimentos Forçados). No início de 1984, vários civis e membros da Ratih permaneciam
ainda na floresta. A comunidade disse à Comissão que, no início de 1984, membros das Forças
Especiais Kopassus raptaram treze pessoas de Kraras e levaram-nas. Só seis regressaram; as
211
outras sete continuam desaparecidas.
Tropas Tombak (Lança)
186.
Na década de 1980, outra modalidade de recrutamento forçado de civis para as
operações militares indonésias foi através das tropas Tombak, ou Lança. O nome advinha da
única arma que lhes era ter, o que limitava a sua capacidade militar em comparação com os seus
comandantes militares indonésios.
187. Pouco se sabe sobre a origem e evolução desta força; os dados disponíveis sugerem,
contudo, que as tropas Tombak só foram constituídas pelos militares indonésios depois da
Operação Kikis, em 1981, em distritos que os indonésios consideravam passíveis de ataque pela
Fretilin/Falintil. Na sequência da ruptura das negociações para um cessar-fogo devido ao
levantamento em Viqueque, em 1983, e do regresso dos civis detidos em Ataúro a partir de 1980
por suspeita de ligações à Fretilin/Falintil, a preocupação indonésia pelo apoio clandestino dos
timorenses à Resistência aumentou consideravelmente. A Indonésia treinou, então, as tropas
Tombak para vigiar a actividade dos civis. Foram recrutados civis à força para as tropas Tombak,
xvii
O Levantamento Armado, na Ponta Leste, deu-se a 9 de Agosto de 1983 e foi dirigido pelo
liurai Miguel dos Santos, e ficou
também conhecido por Levantamento Cuba. Envolveu membros da Hansip e jovens clandestinos a quem chamavam Lorico Paicau.
O levantamento foi dirigido pelo Comandante das Falintil, Xanana Gusmão. [CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara,
subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 27 de Novembro de 2002].
em várias localidades de todo o território mas, sobretudo, nas áreas em que se sabia que as
212
Falintil/Fretilin ainda se mantinham activas. O recrutamento continuou em meados da década
de 1980, centrando-se, muitas vezes, em comunidades onde os homens tinham fugido para as
213
montanhas, após os levantamentos de 1982 e 1983.
188.
A Comissão recolheu depoimentos de dezanove civis que foram obrigados a juntar-se às
tropas Tombak. Estes civis eram, na sua maioria, originários dos distritos de Lautém e Viqueque
e prestaram testemunho sobre o recrutamento forçado para essas tropas, entre 1982 e 1987.
189.
Os civis recrutados para as Tropas Tombak eram, frequentemente, membros das Falintil
que se renderam, embora incluíssem também civis cujas famílias se encontravam ainda na
floresta. Alguns dos testemunhos sugerem que o processo de recrutamento era iniciado depois
da captura, detenção e tortura de civis e outros, capturados nas áreas controladas pela
214
Fretilin/Falintil.
190.
Tendo em conta estes antecedentes no processo de recrutamento, não é surpreendente
que as A B R I desconfiassem do recrutamento de certos civis para as Tropas Tombak. A
Comissão recolheu vários depoimentos de antigos membros das Tropas Tombak que foram
detidos e torturados por não terem cumprido o seu dever, ou por suspeita de informarem as
Falintil/Fretilin, ou de cooperarem com elas. Paulino Freitas disse à Comissão:
Em Setembro de 1983, eu e mais uns rapazes novos e fortes
fomos recrutados para as Tropas Tombak. Eu conhecia alguns
deles: Ernesto, Afonso, Branda, Faikaik e Joaquim Kainoko. Fomos
recrutados por L23, o Babinsa do suco de Uma Aon Kraik e por
L24 e L25, comandantes dos Babinsa. Depois de termos sido
recrutados, recebemos treino em Audin Matan, na vila de
Viqueque. Também nos mandaram fazer vigias nocturnas…Uma
vez, o Adelino e eu estávamos numa dessas vigias quando L23 e
L26 nos espancaram com a coronha de uma espingarda e nos
deram pontapés, acusando-nos de planear um ataque com a
215
Fretilin ao posto, durante o nosso turno de vigia.
191.
Depois do levantamento em Kraras, em 1983, muitas pessoas fugiram para a floresta,
com medo da retaliação dos militares indonésios sobre a população civil. Os militares indonésios
levaram a cabo operações que visavam obrigar essas pessoas a regressar aos seus sucos e
ocorreram vários massacres de civis pelos militares indonésios (ver Subcapítulo 7.2: Mortes
Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Alguns civis que regressaram foram obrigados a juntar-se
216
às tropas Tombak, como guardas dos militares indonésios.
192.
Aqueles que eram recrutados para as tropas Tombak também corriam o risco de ser
mortos pelas Falintil quando eram enviados para a floresta em busca das forças da
217
Fretilin/Falintil, as quais, muitas vezes, viam estas tropas como uma extensão das ABRI/TNI.
Jacinta Hornay contou à Comissão como os membros das tropas Tombak eram colocados na
linha da frente contra as Falintil e que, em resultado disso, eram mortos:
Em Maio de 1984, Jacinto Pinto e Tomás Ramos foram capturados
por dois membros das ABRI e levados para o Koramil em Luro.
Ambos eram suspeitos de ter tido contactos com um [membro das]
Falintil chamado Mateus Moreira. No Koramil foram encarcerados
numa cela, durante três meses.
Passados três meses, foram libertados, mas com a exigência de se
apresentarem todos os dias no Koramil. A 8 de Agosto de 1984,
por ordens do Koramil de Luro, eles e mais vinte e quatro civis de
Luro foram [obrigados a ir] como tropas Tombak para a floresta,
em busca do membro das Falintil, Mateus Moreira. Na floresta,
Jacinto foi morto pelas Falintil, em Lakira [Lospalos]. O seu corpo
foi recuperado pelas tropas do Koramil, e enterrado em Luro, a 5
218
de Setembro de 1984.
193.
As tropas Tombak também foram utilizadas pelas ABRI/TNI para perpetrar actos de
219
violência contra civis suspeitos de ligação à Fretilin/Falintil.
Vigias e patrulhas nocturnas forçadas
194.
Em certas comunidades, durante todo o período da ocupação, os militares indonésios
obrigaram os civis a participarem em vigias e patrulhas nocturnas. A Comissão recolheu 74
testemunhos que mencionam, especificamente, este tipo de experiência. Especialmente nas
comunidades rurais, onde os militares indonésios temiam os ataques das Falintil, os civis
incumbidos das vigias e patrulhas nocturnas eram, na realidade, usados como escudos humanos
para proteger os membros das Forças Armadas indonésias.
195.
Tal como aconteceu com outras situações de recrutamento forçado, aqueles que se
tinham rendido recentemente às forças indonésias ou sido capturados eram obrigados a
desempenhar estas tarefas. Nalguns casos, os civis foram torturados antes de serem obrigados
220
pelos militares a fazer vigias nocturnas. As vigias nocturnas e as patrulhas, feitas por civis,
eram prática comum, particularmente em comunidades que tinham caído recentemente nas mãos
dos indonésios, enquanto as ABRI/TNI afirmavam gradualmente a sua autoridade. Os níveis de
confiança entre as ABRI/TNI e essas estruturas de segurança locais eram variáveis. Contudo,
das declarações recolhidas, tal como acontecia com outros civis destacados para o desempenho
de papéis militares, os militares indonésios continuavam a desconfiar que os civis mantinham
ligação às Falintil. Em certos casos, os timorenses que foram obrigados a desempenhar estas
tarefas de patrulhamento, foram posteriormente exilados com as suas famílias para a ilha-prisão
221
de Ataúro.
196.
Os Perfis Comunitários organizados pela Comissão indicam que nas comunidades que
se renderam aos militares indonésios ou que foram capturadas, as mulheres eram
frequentemente obrigadas a fazer trabalho de vigilância nocturna e os homens eram forçados a
trabalhar como TBO, ou a procurar membros da Fretilin/Falintil ou outros civis na floresta. A
Comissão foi informada de que algumas mulheres que se recusaram a participar nas vigias
222
nocturnas foram torturadas. Ernesto Soares contou à Comissão como os civis eram coagidos
pela violência:
Em 1977, as tropas do Batalhão 711 construíram um posto no suco
de Leodato (Hatulia, Ermera). Quando ficou pronto, o Batalhão de
Infantaria 711 obrigou-me, a mim e aos meus amigos, a vigiar o
posto durante a noite. Se recusássemos, éramos espancados e
223
atirados para o pântano.
197.
Não era invulgar os civis obrigados a fazer vigias nocturnas, serem submetidos a
violência se os seus chefes das ABRI/TNI ou da Hansip considerassem que tinham cometido
algum erro. Bernardo Savio disse à Comissão que foi obrigado a fazer vigias nocturnas e que era
224
espancado e torturado, caso fosse apanhado a dormir durante a vigia. Foram descritas à
225
outras situações semelhantes. Daniel Suban falou à Comissão sobre o seu pai, Rubigari, que
foi obrigado a fazer vigias nocturnas.
A 14 de Julho de 1980, Rubigari, Rai Olo, Rubi Gamu e Loi Gamu
foram obrigados pelo TNI a vigiar o posto durante a noite. O meu
pai, Rubigari, adormeceu durante o seu turno de vigia. Foi
descoberto por três membros do Batalhão 202, do TNI. Gritaram
com ele, deram-lhe pontapés e bateram-lhe com as armas até lhe
226
quebrarem as costelas e ele morreu logo ali.
198.
Os maus-tratos violentos cometidos pelas ABRI e pela Hansip eram arbitrários e uma
possibilidade sempre constante, mesmo quando não havia qualquer fundamento de provocação.
Alfredo Costa Freitas, por exemplo, contou à Comissão um incidente em que membros da Hansip
o espancaram, a ele e a outros três, sem qualquer razão aparente. Depois atiraram-nos à ribeira,
227
pegaram fogo ao posto de vigia e deram-lhes ordens para o reconstruir no dia seguinte.
199.
A análise dos relatórios dos Seminários de Perfis Comunitários organizados pela
Comissão revela que os militares indonésios também obrigaram os civis a participar em várias
outras actividades nocturnas, incluindo a participação na vigilância de bailes e em patrulhas de
segurança quando havia um nível elevado de actividade da Fretilin/Falintil numa determinada
área. A presença de civis timorenses nesses acontecimentos destinava-se a reduzir o risco de
ataques das Falintil e, desta forma, os civis eram na realidade usados como escudos humanos.
228
Os civis eram muitas vezes obrigados a preparar comida para os soldados. Estas práticas
eram vulgares nos campos de reinstalação controlados pelos militares indonésios, nos finais da
229
década de 1970 e inícios da de 1980.
200.
Os civis obrigados a trabalhar em vigias nocturnas corriam o risco de ser alvejados ou
mortos pelas Falintil ou pelos próprios militares indonésios. A Comissão recolheu vários
testemunhos que descrevem incidentes em que, tanto as Falintil como as ABRI, mataram civis
230
desarmados que estavam, apenas, a cumprir os seus turnos de vigia nocturnos.
201.
Durante a Operação Kikis, em 1981, já que muitos homens capazes foram obrigados a
participar na operação, houve áreas em que as mulheres foram forçadas a realizar vigias
231
nocturnas. Habitantes de Bibileo (Viqueque, Viqueque) disseram a Comissão que, durante este
período, as ABRI forçaram os idosos, homens e mulheres, a construírem postos em roda do suco
232
e as mulheres foram obrigadas a ficar de vigia durante a noite.
202.
O número de relatos de civis recrutados à força para vigias nocturnas durante a década
de 1990 é menor. Apesar de este facto reflectir uma alteração geral no contexto do conflito e nas
prioridades e estratégias de segurança dos militares indonésios, estas práticas continuaram a ser
utilizadas em áreas específicas. Algumas informações recebidas pela Comissão relativamente a
este período, revelam, contudo, que os civis obrigados a fazer vigias nocturnas eram, em regra,
aqueles que eram detidos por actividades clandestinas. Entre estes, alguns foram torturados
pelos militares indonésios ou pelos seus auxiliares paramilitares. Os ataques das Falintil, durante
a década de 1990, causaram igualmente baixas entre os civis que trabalhavam nas vigias
nocturnas. Mateus Soares contou à Comissão um ataque das Falintil a um posto, em Carlilo, no
suco de Aiteas (Manatuto, Manatuto):
A 23 de Março de 1990, José Soares Laka, Domingos Ramos,
Sebastião Ximenes, António Coli, Domingos Larak, Hermenegildo
Soares, Mateus Go’o, o meu pai, António Celo Soares, e eu
estávamos, à noite, de vigia, no posto de segurança dos arredores.
Por volta das 9 da noite, a Fretilin atacou o posto. António Coli e
Celo Soares morreram de imediato, enquanto Mateus Go’o, José
Soares Laka e Domingos Larak ficaram feridos no violento tiroteio
233
das Falintil.
203.
Tal como em anos anteriores, aqueles que eram suspeitos de trabalhar na rede
clandestina que dava apoio às forças das Falintil foram, frequentemente, torturados e, depois,
234
obrigados a trabalhar nas vigias nocturnas ou incumbidos de outras tarefas. Os civis que
desobedeciam às ordens de fazer vigias nocturnas eram, muitas vezes, torturados pelos militares
235
indonésios.
204.
Estas práticas foram reactivadas em larga escala, durante 1999, quando o TNI e as suas
milícias obrigaram os civis a fazerem vigias nocturnas, entre outros “deveres”, na altura da
236
preparação da Consulta Popular, no final de Agosto. Nas Audiências da Reconciliação
Comunitária, nos sucos de todo o território, a Comissão recolheu o testemunho de antigos
membros das milícias sobre as suas actividades. O recrutamento era, muitas vezes, forçado ou
levado a cabo pelos militares indonésios sob coacção, sob a ameaça de violência ou de
destruição da propriedade. As autoridades do governo local eram, frequentemente, utilizadas
pelos militares para o processo de recrutamento, já que era exigido à maioria das comunidades
que fornecessem membros para os grupos de milícias. Aos membros menos importantes dos
grupos de milícias, muitas vezes aqueles que eram recrutados à força, era frequentemente
exigido que realizassem actividades do tipo de vigias nocturnas e patrulhas e que servissem nos
postos da guarda, ficando subordinados aos militares indonésios de uma forma que se
assemelhava à que tinha vigorado durante os primeiros anos do conflito (ver Capítulo 9:
Reconciliação Comunitária).
7.5.4 Violações do direito da guerra pela Fretilin/Falintil
205.
A Comissão recolheu vários relatos de violações dos direitos humanos, perpetradas pela
Fretilin/Falintil, relacionadas com violações do direito da guerra. Neste contexto, porém, as
violações cometidas contra os civis constituem apenas uma pequena fracção das violações
imputadas às ABRI/TNI. Os indícios disponíveis indicam que as violações cometidas pela
Fretilin/Falintil não foram sistemáticas nem generalizadas. No entanto, é um facto que as forças
da Fretilin/Falintil atacaram e mataram civis, incendiaram habitações e cometeram outras ofensas
graves contra civis.
206.
A Comissão não encontrou prova do uso indiscriminado ou desproporcionado da
capacidade de fogo da Fretilin/Falintil durante as operações militares, nem de recrutamento ilegal
e em larga escala de civis destinados a apoiar e a suplementar as suas operações militares.
Apesar disso, é evidente que a implementação de políticas e da ideologia política da
Fretilin/Falintil entre 1976 e 1978, contribuiu significativamente para o sofrimento e para a morte
de muitos civis que foram impedidos de se renderem aos militares indonésios e que se tornaram
alvos das ABRI, durante os ataques. A Fretilin/Falintil também infringiram o direito da guerra em
relação ao tratamento dos presos e à morte de civis.
207.
Quando os militares indonésios invadiram Díli, a 7 de Dezembro de 1975, a Fretilin retirou
para Sul, para as colinas de Aileu, onde manteve o seu quartel-general. A liderança decidiu levar
consigo um número avultado de membros da UDT e da APODETI, que estavam presos no
quartel-general, Prisão de Taibessi e Balide, em Díli. Os presos foram obrigados a transportar
237
munições e provisões para a Fretilin em retirada. Nos finais de Dezembro de 1975, membros
da Fretilin procederam à execução destes presos, em Aisirimou, em Aileu, e depois, à medida
que retiraram para Sul, em Maubisse (Ainaro) e, em Janeiro de 1976, na costa Sul, em Same,
Manufahi (ver Capítulo 3: História do Conflito e Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e
Desaparecimentos Forçados). A Comissão entrevistou Humberto da Cruz que, na altura, era
guarda da Prisão da Fretilin, em Aileu; este declarou que, quase todas as noites, um dos presos
era chamado para ser morto. Disse igualmente à Comissão que 23 a 26 das execuções em
238
Aisirimou envolveram directamente membros do Comité Central da Fretilin. Contou à
Comissão que os presos recebiam ordens para escavar sepulturas para as vítimas das
execuções e que os líderes da Fretilin não fizeram qualquer tentativa para evitar estas
239
execuções. Na Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Político Interno de
1974/76, os actuais presidente e secretário-geral da Fretilin, Francisco Guterres “Lú-Olo” e Mari
Alkatiri, respectivamente, garantiram que essas mortes não eram política da Fretilin, nem
resultado de ordens emanadas do Comité Central da Fretilin. Reconheceram, contudo, que a
Fretilin, como organização, deve assumir a responsabilidade colectiva por essas mortes e
240
apresentar um pedido de desculpa, em nome da Fretilin, às famílias das vítimas. O presidente
da Fretilin naquela época, Francisco Xavier do Amaral, não se encontrava em Aileu quando
foram perpetradas as mortes; no entanto, na Audiência Pública Nacional Sobre o Conflito Político
Interno de 1974/76, apresentou à Comissão a sua visão dos acontecimentos:
Explico-o do seguinte modo. Não houve nenhuma decisão.
Quando se escreve alguma coisa, preto no branco, então pode
dizer-se que houve uma decisão. Às vezes conversamos com
amigos, trocamos impressões. E essas nossas ideias, as pessoas
chamaram-lhes - as pessoas chamaram-lhes - consideraram que
eram a mesma coisa que as nossas decisões. Porque os nossos
pensamentos não são senão as nossas opiniões…
Estávamos em plena guerra, nesta guerra...fugimos dos nossos
inimigos, fugimos, levámos connosco os presos, os nossos
inimigos que tínhamos detido. Antes mesmo de conseguirmos
recuperar o fôlego, dissemos,
“Juntem-se. Então, agora, que fazemos? Temos de continuar a
fugir, não temos grande alternativa. Não temos transporte, nem
comida
e
poucos
medicamentos,
nada
disso.”
Algumas das pessoas que havíamos detido já estavam
gravemente doentes, alguns estavam muito fracos.
Por isso tivemos que tomar este facto em linha de conta. Vamos
deixá-los aqui vivos? Fugimos sem eles? Ou vamos matá-los e
depois fugimos? Vejo perigos em ambas. Se os deixarmos aqui
vivos, podem cair nas mãos do inimigo...se já estão fracos e não
podem caminhar connosco, e se tivermos de os carregar mas não
temos força, não temos garantia de conseguirmos chegar a local
seguro, então é melhor serem eles a morrer ou nós?
Por isso, alguns de entre nós tomaram a decisão de os matarmos,
para que o inimigo não nos colocasse em perigo. Talvez esta fosse
a opinião maioritária, mais ou menos maioritária, pelos líderes a
241
todos os níveis.
208.
Na realidade, se há efectivamente provas de que alguns presos estavam fracos e doentes
ou tinham sofrido ferimentos devido a maus-tratos infligidos quando estavam sob custódia da
Fretilin, não há nada que comprove que os presos foram executados porque era muito difícil
transportá-los. As provas apontam para o facto de terem sido executados porque a Fretilin temia
que eles cooperassem com a Indonésia.
209.
A Comissão recolheu testemunhos sobre um massacre da população civil do suco de
Kooleu (Loré I, Lautém) em Janeiro de 1976 (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e
242
Desaparecimentos Forçados).
210.
Depois das execuções em Same (Manufahi), em Janeiro de 1976, a liderança da Fretilin
decidiu pôr fim às execuções e exortou os presos sobreviventes a lutar com eles contra os
militares indonésios. Taur Matan Ruak, actual comandante-em-chefe das Forças de Defesa da
RDTL, recordou perante Comissão as palavras do líder da Fretilin, Nicolau Lobato,
parafraseando-o:
Acreditamos na transformação humana. A história da luta noutros
países provou que uma pessoa, hoje, considerada um
revolucionário pode ser vista, amanhã, como traidor e uma pessoa
considerada, hoje, um traidor pode ser, amanhã, um
revolucionário…O senso comum pode transformar o homem.
Temos de acreditar na capacidade das pessoas para se
243
transformarem.
211.
Durante o período que se seguiu à invasão, muitas pessoas fugiram de casa refugiandose nas florestas e nas colinas. Muitos fugiram voluntariamente, com medo da invasão, e pediram
protecção às forças da Fretilin/Falintil. Contudo, a Comissão recolheu também diversos relatos
sobre o modo como a Fretilin tentou levar a população civil a abandonar os centros urbanos e a
juntar-se-lhe no interior; a ideologia da revolução social da Fretilin, nesses primeiros anos, no
início da guerra e da ocupação, baseava-se na ideia de que, se a população civil vivesse com os
quadros políticos e militares, poderia ser educada e desenvolver uma nova consciência social.
Neste contexto, foi exercida uma pressão considerável para que os civis fugissem e ficassem
com a Fretilin, no interior, mesmo quando a situação se tornou extremamente difícil (ver Capítulo
7.3: Deslocação Forçada e Fome).
212.
Entre 1976 e 1977, os civis, sob a orientação da Fretilin, criaram novas comunidades nas
bases do interior, por detrás das linhas de batalha com os militares indonésios. Plantaram hortas
comunais, puseram em prática programas de alfabetização e instituíram serviços básicos de
saúde. Contudo, à medida que a guerra entrava pelo ano de 1977, tornou-se cada vez mais difícil
para a Fretilin manter um número tão elevado de civis no interior.
213.
Surgiram dissensões no seio da liderança da Fretilin sobre a melhor estratégia para levar a
luta por diante, nomeadamente em relação a decidir se a numerosa população civil se deveria
render e regressar aos sucos e às cidades. Em 1976, na Zona Leste, a Fretilin/Falintil capturou e
executou o dirigente das Falintil, Aquiles Freitas, e alguns dos seus apoiantes (ver Subcapítulo
7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados).
214.
Houve uma ruptura fundamental e violenta com a captura e detenção, em Setembro de
1977, do presidente da Fretilin, Francisco Xavier do Amaral, e daqueles que se pensava estarem
a seu lado. Durante este período, a Fretilin/Falintil cometeram várias violações contra muitos
civis, incluindo detenção, tortura e execuções (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e
244
Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos).
215.
No rescaldo desta purga violenta, reinou a suspeita nas áreas controladas pela Fretilin e
o movimento de civis foi rigorosamente controlado. A Fretilin/Falintil exigiram que os civis
tivessem guias de marcha. Aqueles que eram apanhados fora das áreas autorizadas eram
acusados de traição e castigados. Entre esses castigos, contava-se a detenção, em condições
muito deficientes, a tortura e, por vezes, a morte. A Fretilin criou um sistema de centros de
detenção designadas Renal, nas bases que existiam em todo o território. Era frequente
manterem as pessoas em buracos subterrâneos durante duas semanas e nos Renal, durante
períodos mais longos, (ver Capítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos).
216.
Outros dirigentes da Fretilin/Falintil que se opuseram à estratégia de guerra da Fretilin de
245
manter a presença de civis no interior, também foram punidos ou mortos. Contavam-se, entre
estes, Afonso Savio, secretário de Zona de Luro (Lautém) e José dos Santos, comandante
246
regional, que foram espancados, espezinhados e queimados até à morte. Segundo alguns
relatos feitos à Comissão, membros do Comité Central da Fretilin ordenaram a execução dos
247
chefes de aldeia suspeitos de ordenarem aos civis que se rendessem aos militares indonésios.
Estas acções eram mensagens claras, enviadas aos civis que albergassem ideias de rendição:
seriam rotulados de traidores e tratados com toda a severidade.
217.
A questão de saber se os civis deviam, ou não, render-se tornou-se um ponto de profunda
divisão, sendo o bem-estar dos civis sacrificado, muitas vezes, aos ideais políticos em conflito.
Lucas da Costa, quadro da Fretilin nessa época, disse à Comissão:
Quando um dirigente político falava, um comandante [das Falintil]
obedecia. Mas os comandantes só viam a guerra do ponto de vista
militar. Disseram: “Não podemos ganhar se tivermos as pessoas
connosco. Se as pessoas continuarem a vir, vamos gastar todas as
nossas energias a protegê-las, em vez de combater o inimigo. Mais
vale dizer-lhes que se vão embora. Nós ficamos no mato.” Mas isto
era incompatível com o conceito [da Fretilin]. Se mandassem as
pessoas embora [das montanhas], elas exigiriam o seu estatuto
social, o seu estatuto social voltaria a aumentar. Isto seria um
248
suicídio ideológico [para a Fretilin], e a revolução fracassaria.
Muitos civis ficaram, realmente, encurralados nas zonas libertadas
da Fretilin e tornaram-se, depois, alvos dos ataques das ABRI/TNI.
As restrições à deslocação de civis tornaram-se mais rigorosas e
muitos destes civis morreram por falta de comida e de
249
medicamentos. Em 1978, à medida que as operações militares
indonésias em massa iam tomando as bases da Fretilin, muitos
civis fugiram com as forças da Fretilin/Falintil, para a base que
estas possuíam no Monte Matebian. A situação ali não era muito
melhor, havendo grandes carências de abrigo e de medicamentos
para os adultos e para as crianças doentes. Nesta situação,
milhares de pessoas morreram de fome, de doença e devido aos
250
constantes bombardeamentos e ataques dos indonésios.
218.
EM 1978, dispersos e sem alternativas, muitos civis começaram a render-se às forças
indonésias. A 22 de Novembro de 1978, o Comité Central da Fretilin promulgou uma directiva em
que cedendo oficialmente a esta realidade.
219.
16. Xanana Gusmão, que, na altura, se encontrava em Matebian, disse à Comissão:
A 22 de Novembro de 1978, separámo-nos em Matebian. Apesar
de estarmos cercados, mantivemo-nos em contacto com o Comité
Central que estava na região Centro. Confirmámos que não nos
era possível continuar e eles disseram aos civis que se rendessem
e que mantivessem um posto de guerrilha na Região Leste, que se
ocupasse de Baucau, Viqueque e Lospalos...
Depois, nomearam-me comandante da Região Leste e, a 22 de
Novembro, mobilizámos as nossas forças e fugimos de Matebian.
Dissemos aos civis que se rendessem nas cidades próximas,
enquanto as Falintil avançavam em direcção à região Centro para
251
continuar a luta.
220.
Com o fim da Operação Seroja e a derrota das bases da Fretilin, a Resistência armada
ficou praticamente dizimada. A estratégia da Resistência foi totalmente revista, numa conferência
de reorganização nacional, em 1981 (ver Capítulo 3: História do Conflito). Isto significou que um
grande número de civis deixou de viver nas montanhas com os combatentes da Resistência
armada. As pessoas regressaram aos sucos e às vilas, ainda que só depois de períodos
prolongados em campos de trânsito, centros de detenção e aldeias de reinstalação controladas
pelas ABRI/TNI (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). A relação da Fretilin/Falintil
com a população civil alterou-se profundamente, já que o novo objectivo era criar uma rede cada
vez mais alargada de civis que apoiasse a Resistência. O novo líder da Resistência, Xanana
Gusmão, foi gradualmente afastando a Resistência da sua posição ideológica dura que tinha
levado à utilização da violência “ideológica” ou “revolucionária” contra os seus próprios membros
(ver Capítulo 3: História do Conflito). Na sua autobiografia, Xanana Gusmão lembrou a violência
a que tinha assistido ou de que ouvira falar durante os primeiros anos e a sua vontade de
252
distanciar a Resistência deste tipo de abordagem:
Não, se bem que membro do Comité Central, eu ainda não estava
capaz de compreender a violência revolucionária. A ideia/conceito
não me agradava e muito menos aplicá-la. Persuasão e
recuperação começaram a ser outro princípio político, básico para
mim.
221.
Nos anos que se seguiram à reorganização da Resistência após a destruição das bases
em que se encontravam inúmeros civis, as violações do direito da guerra pela Fretilin/Falintil, em
particular contra civis, diminuíram significativamente. No entanto, a Comissão recolheu relatos de
violência e intimidação por parte das Falintil contra aqueles que eram considerados alinhados
com os militares indonésios ou que se pensava trabalharem contra a Resistência. Incluíam-se
253
aqui as violações mais graves como a execução de civis. Marta Ximenes testemunhou que, a
17 de Agosto de 1979, três soldados das Falintil mataram a tiro o marido, Luís Lopes, no campo
254
que tinham em Paitaal, Bauró (Lospalos, Lautém) e roubaram-lhe o milho e a mandioca.
222.
Nos casos em que os civis timorenses eram obrigados, pelos militares indonésios, a
desempenhar tarefas como patrulhas e vigias nocturnas, como acima foi descrito, esses civis
eram, por vezes, vítimas das acções armadas das Falintil. O estatuto destes indivíduos era,
também, possivelmente pouco claro e pode ter dependido dos papéis específicos que os militares
indonésios os obrigavam a desempenhar. Um membro das tropas Tombak, em patrulha no mato,
xviii
podia constituir, de facto, uma verdadeira ameaça militar para os membros das Falintil. Pelo
contrário, as circunstâncias de um indivíduo forçado a fazer patrulhas nocturnas na sua terra ou
no seu suco natal seriam muito diferentes. Nem sempre foi claro se esses indivíduos eram alvos
específicos ou se essas mortes se deviam a um nível desproporcionado de violência comparado
xix
com os objectivos militares. A Comissão não recolheu qualquer prova que indique que, em
geral, as Falintil, visassem os civis, tal como não existem provas de que as Falintil conduzissem
as suas operações militares de forma a resultarem, directamente, na morte de civis. No entanto,
este tipo de violência das tropas das Falintil, durante a década de 1980 e, em menor grau na de
1990, causou sofrimentos consideráveis às comunidades.
Ataques a objectos de carácter civil
223.
Os testemunhos recolhidos pela Comissão relatam pormenores sobre 80 casos de
incêndios de habitações, destruição de edifícios e de bens assim como pilhagens levados a cabo
pela Fretilin/Falintil, entre 1975 e 1979. A maioria destes incidentes ocorreu durante 1976 e foi
relatada por habitantes de sucos dos distritos de Viqueque e Baucau. Vários relatos apresentam
detalhes sobre violações cometidas pela Fretilin/Falintil em anos posteriores, incluindo a
destruição de habitações de civis e outros edifícios e saques em 11 distritos de Timor-Leste. Não
foram recebidos relatos sobre os distritos de Liquiça e Oecusse.
224.
Habitantes de Obulo e de Batumanu (Atsabe, Ermera) disseram à Comissão que, em
1977, depois de os militares indonésios terem atacado e queimado habitações em Obulo,
algumas pessoas renderam-se às ABRI. Em seguida, as Falintil atacaram e queimaram as
habitações pertencentes a esses civis que se renderam. As tropas das Falintil teriam, também,
em Fevereiro de 1977, atacado e queimado habitações em Obulo e Atsabe, obrigando os
habitantes a ir com eles para o mato. Muitos destes civis sofreram de fome e doenças, e
255
morreram.
225.
Fica claro que as forças da Fretilin/Falintil foram responsáveis por danos consideráveis e
grandes sofrimentos entre os elementos da população civil. Não é, contudo, claro se esses
ataques aos civis e aos seus bens eram ditados por uma política oficial. O facto de estas
violações serem cometidas em muitos distritos e em diferentes períodos sugere que, no mínimo,
xviii
Por exemplo, sobre a morte do membro das tropas
Tombak, Jacinto Pinto, acima mencionado, ver testemunho nº 04439 da
HRVD.
xix
Ver, por exemplo, o caso acima mencionado sobre a morte de António Coli e Celo Soares, num posto de segurança dos
arredores, em 1990, num ataque das Falintil [ver HRVD, Testemunho nº 06483].
a liderança das Falintil teriam conhecimento dos ataques e não empreenderam acção adequada
para os impedir.
7.5.5 Conclusões
Conclusões relativas às Forças Armadas indonésias
226.
Durante a invasão de Timor-Leste, membros das ABRI/TNI violaram sistematicamente as
Convenções de Genebra por falta de discriminação entre alvos civis e militares. Para além disso,
nos primeiros dias da invasão, os civis foram alvo dos militares indonésios que os massacraram e
executaram.
227.
Em operações militares em larga escala, efectuadas após a invasão inicial, milhares de
civis timorenses, incluindo homens, mulheres e crianças desarmados e incapazes de se
protegeram a si próprios, foram considerados alvos e indiscriminadamente mortos pelos militares
indonésios.
228.
Durante estas operações militares, membros das ABRI/TNI torturaram e mataram
sistematicamente civis capturados e prisioneiros de guerra. Entre os prisioneiros executados
contavam-se mulheres grávidas e crianças (ver Subcapítulo 7.8: Violações do Direito da Criança).
229.
Membros das ABRI/TNI mataram, prenderam e torturaram rotineiramente indivíduos
suspeitos de apoiarem a Fretilin/Falintil. Os castigos aplicados àqueles que eram suspeitos de
resistir à ocupação incluíam incendiar as suas habitações, confiscar as terras e propriedades que eram distribuídas aos apoiantes políticos da ocupação - e a violação de mulheres suspeitas
de colaboração com a Resistência.
230.
Membros das A B R I/TNI violaram, sistematicamente, as suas obrigações legais
internacionais, recorrendo à punição colectiva de civis para atingir os seus objectivos militares.
Inclui-se aqui a tortura, a violação, a morte e a deslocação forçada de civis, por estes serem
familiares de indivíduos suspeitos de pertencerem à Fretilin/Falintil ou por serem oriundos de
comunidades de que apoiavam a Fretilin/Falintil.
231.
Como prática corrente durante as operações militares, membros das ABRI/TNI
destruíram sistematicamente propriedades, incluindo edifícios e objectos pessoais pertencentes a
civis. Um dos objectivos destas operações era castigar os timorenses que se opunham à
ocupação e criar um clima de terror que, na opinião deles, facilitaria o controlo da população e
dissuadiria o povo de apoiar o movimento pró-independência.
232.
As pilhagens destinadas a beneficiar pessoalmente oficiais das ABRI/TNI eram prática
corrente que acompanhava as operações militares. Incluíam o roubo de viaturas que eram
carregadas em barcos de guerra, transporte de veículos, mercadorias e rebanhos para Timor
Ocidental onde seriam vendidos, saque de objectos tradicionais de importância espiritual e
cultural, de valor incalculável e insubstituíveis; envolvia, também, a prática generalizada de
banditismo armado contra a população civil. Funcionários locais do governo, agindo sob a
protecção das ABRI/TNI, participaram igualmente na pilhagem e no roubo a civis suspeitos de se
oporem à ocupação.
233.
À destruição e à pilhagem de bens de civis juntavam-se habitualmente outras violações,
tais como espancamento, detenção, tortura, violação e morte de civis. Era prática corrente
saquear a propriedade, matar os habitantes da casa e, depois, incendiar a casa com as vítimas
no seu interior. Este método era utilizado para punir e intimidar aqueles que se opunham à
ocupação e para destruir prova das violações perpetradas.
234.
Membros das ABRI/TNI destruíram sistematicamente as fontes de alimentos das
populações civis. Incluem-se aqui o incêndio das culturas agrícolas e a matança dos rebanhos e
manadas de animais. Estes crimes tiveram consequências funestas para a população civil de
Timor-Leste e contribuíram directamente para a perda de vidas numa escala enorme, na década
de 1970, devido à fome estrutural e a doenças conexas.
235.
Durante as suas operações militares em Timor-Leste, as ABRI/TNI usaram armas que
eram proibidas pela legislação internacional que rege os conflitos armados, nomeadamente,
armas químicas que envenenaram reservas de água, destruíram culturas agrícolas e outra flora e
levaram à morte de centenas de civis por envenenamento.
236.
As ABRI/TNI lançaram bombas de napalm indiscriminadamente sobre alvos civis. O uso
ilegal destas bombas causou sofrimentos terríveis aos civis, incluindo a morte por queimadura de
homens, mulheres e crianças desarmados.
237.
As ABRI/TNI recrutaram à força dezenas de milhar de homens, mulheres e crianças
timorenses para apoio às suas operações militares, em particular durante os anos de 1975/1979,
e em períodos de intensificação das operações militares em todo o território. Aqueles que se
recusavam a participar eram espancados e torturados. O recrutamento forçado ilegal de civis
para as operações militares era levado a cabo para obter apoio prático de baixo custo e, também,
para minar o moral daqueles que se opunham à ocupação.
238.
Os timorenses que foram recrutados à força para as unidades das ABRI/TNI eram,
geralmente, obrigados a transportar pesadas cargas de comida, munições e equipamento em
condições extremas. Eram, muitas vezes, submetidos a tratamentos cruéis, desumanos e
degradantes.
239.
Membros das ABRI/TNI executaram sumariamente civis timorenses que foram obrigados
a acompanhar as operações militares indonésias, declaradamente por questões relacionadas
com desobediência e disciplina.
240.
As jovens timorenses, obrigadas a trabalhar para membros das ABRI/TNI, eram,
sistematicamente, violadas e obrigadas a viver em condições de escravidão sexual pelos seus
senhores militares (ver Subcapítulo 7.7: Violência Sexual)
241.
Muitos dos apoiantes da independência, que foram capturados ou se renderam, foram
torturados e, subsequentemente, obrigados a realizar funções de vigilância nocturna ou outras
funções relacionadas com a segurança. Se não cumprissem estas obrigações eram novamente
torturados e sujeitos a maus-tratos. Alguns soldados das Falintil, que foram capturados, foram
obrigados a integrar as tropas indonésias nos combates contra as Falintil, armados unicamente
com lanças, de forma a garantir que não possuíam meios eficazes para se rebelarem contra os
seus comandantes das ABRI/TNI. Este facto colocou-os em perigo directo em situações de
combate e resultou em várias mortes.
242.
Em vários casos, durante essas operações, foram mortos pelas Falintil timorenses
obrigados a participarem em operações das ABRI/TNI.
243.
Antes da Consulta Popular, em 1999, as ABRI/TNI criaram grupos de milícia próintegração em todo o território. As ABRI/TNI puseram em prática um programa de recrutamento
forçado sistemático de milhares de homens para integrarem estes grupos, para além daquelas
pessoas que aderiram voluntariamente em troca de um salário. Os grupos de milícias que
estiveram envolvidos neste programa organizado de violência e de destruição, foram
intencionalmente constituídos, armados, financiados e dirigidos pelos militares indonésios. Há
evidência esmagadora deste facto, descrita em pormenor no Capítulo 4: Regime de Ocupação, e
a responsabilidade por estas acções é analisada no Capítulo 8: Responsabilidade e
Responsabilização.
244.
Membros das ABRI/TNI violaram sistematicamente e em larga escala os direitos
humanos, incluindo o direito da guerra, durante a preparação para a Consulta Popular, em 1999,
e após a sua realização. Estas violações são tratadas em pormenor nos subcapítulos relevantes,
dedicados às violações específicas dos direitos humanos, nomeadamente Subcapítulo 7.2:
Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome;
Subcapítulo 7.4: Prisão, Tortura e Maus-Tratos; Subcapítulo 7.7: Violência Sexual; Subcapítulo
7.9: Direitos Económicos e Sociais.
245.
Em 1999, o programa de violência e destruição concretizou-se num ataque sistemático a
civis geralmente desarmados e indefesos, por militares e grupos de milícias, organizados e
fortemente armados. Não implicou um conflito entre dois grupos armados, já que, com escassas
excepções, as Falintil não se envolveram no conflito. Tratou-se de um exercício militar em massa,
cujo alvo foi uma população civil vulnerável e cujo objectivo era forçar essa população a votar
pela integração na Indonésia e, depois da votação e em face do resultado, a puni-la por não ter
votado nesse sentido. Esta acção militar, que visava uma imensa parte da população civil,
constituiu uma violação, pelos militares indonésios, do direito da guerra.
246.
As violações cometidas durante 1999 pelas forças de segurança indonésias e pelas suas
milícias auxiliares, incluíram:
• A morte de mais de 1.400 civis
•
Violação e violência sexual sobre centenas de mulheres
•
Ataques e espancamentos de milhares de civis
•
Deportação forçada de aproximadamente 250.000 civis e deslocação forçada dentro do território
de Timor-Leste de cerca de 300.000
•
Recrutamento forçado de milhares de timorenses para os grupos da milícia
•
Incêndio de mais de 60.000 habitações pertencentes a civis
•
Pilhagem de inúmeras propriedades de civis no território, incluindo quase todos os veículos
motorizados e os bens manufacturados de valor, que foram levados para além da fronteira, para
a Indonésia
•
Roubo ou abate de um grande número de cabeças de gado
•
Destruição intencional da maioria das infra-estruturas públicas sem que houvesse qualquer
motivo militar, incluindo todos os hospitais, a maior parte das escolas, as instalações de água,
geradores eléctricos e outros equipamentos necessários ao bem-estar das populações civis
•
Pilhagem de artefactos culturais e históricos importantes e insubstituíveis, do museu público de
Díli, em Setembro de 1999, sendo estes objectos levados para Timor Ocidental, Indonésia.
Conclusões relativas à Fretilin/Falintil
247.
Durante o período de conflito com a Indonésia e da ocupação, Portugal era a potência
administrante de Timor-Leste, reconhecida pelas Nações Unidas. Portugal tinha ratificado a
Terceira Convenção de Genebra.
248.
O direito da guerra aplicava-se à Fretilin/Falintil, passível de reconhecimento pelo direito
humanitário internacional como um movimento de resistência, já que, em geral, cumpria os
requisitos para tal reconhecimento: tinha uma estrutura de comando consolidada; regra geral, os
seus membros distinguiam-se dos civis e usavam visivelmente as armas; e conduziu as suas
operações em conformidade com as leis e os costumes da guerra. A Fretilin/Falintil era, pois,
obrigada a respeitar as Convenções de Genebra.
249.
Durante o período da ocupação indonésia, membros da Fretilin/Falintil estiveram
envolvidos em violações do direito da guerra, incluindo considerar os civis como alvo, morte,
tortura, incêndio de habitações e destruição intencional da propriedade privada. Embora
extremamente graves, as violações cometidas pelos membros da Fretilin/Falintil foram
correspondem a uma pequena fracção das cometidas pelas ABRI/TNI.
250.
Membros da Fretilin/Falintil executaram sumariamente prisioneiros, membros dos
partidos políticos UDT e Apodeti sob sua custódia, pouco tempo depois da invasão das forças
indonésias, em finais de 1975 e princípios de 1976; executaram, também, civis no suco de
Kooleu (Loré I, Lautém), em Janeiro de 1976.
251.
Membros da Fretilin/Falintil executaram sumariamente civis suspeitos de colaborarem
com as forças de segurança indonésias, membros da sua própria organização suspeitos de
deslealdade e civis que desejavam render-se às A B R I/TNI, contrariando a política da
Fretilin/Falintil de manter os civis no interior com as Falintil. Os membros da Fretilin/Falintil
também detiveram, torturaram e maltrataram um vasto número de civis e de quadros militares e
políticos da Fretilin/Falintil que, na década de 1970, eram suspeitos de partilhar pontos de vista
divergentes das políticas da Fretilin/Falintil, nomeadamente, sobre se os civis deveriam
abandonar as bases da Fretilin/Falintil, no interior, para regressar aos seus sucos e aldeias.
252.
Membros da Fretilin/Falintil torturaram e maltrataram civis suspeitos de deslealdade ou
de colaboração com os militares indonésios. Os métodos de tortura utilizados incluíram a
detenção em buracos subterrâneos e espancamentos, serem espezinhados e gravemente
queimados.
253.
Membros da Fretilin/Falintil atacaram e incendiaram habitações pertencentes a civis, que
se renderam às ABRI/TNI, e a outros civis suspeitos de colaboração com os militares indonésios.
Esta destruição causou fome, doenças e sofrimentos graves à população civil e os ataques
causaram a morte de civis.
1
UNTAET, Regulamento nº 2001/10, artºs 1º c) e 3º.
2
Mário Lemos Pires, testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR sobre o Conflito Político Interno 1974/76,
15 a 18 de Dezembro de 2003.
3
Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004.
4
Ver A. P.V. Rogers, Law on the Battlefield (2nd ed.), Manchester University Press, Manchester, 2004, pp. 3-23.
5
Artº 1º, Regulamento da Haia 1907; As disposições do direito humanitário são vinculativas para as partes não
estatais num conflito, Liesbeth Zegveld, The Accountability of Armed Opposition Groups in International Law,
Cambridge, Cambridge University Press, 2002, a pp. 9-38. Ver também Capítulo 2: O Mandato da Comissão, Anexo
A.
6
Artº 25, Regulamento da Haia; artº 27, Convenção IV de Genebra; artºs 51º, nº 2, 52º, nº 1 e 57º, nºs 1 e 2 a),
Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
7
Artº 51º, nº 2, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
8
Artº 51º, nºs 4 e 5 Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra;
Advisory Opinion on the Threat or Use of
Nuclear Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), parágrafo 78.
9
Artºs 51º, nº 5º b) e artº 57º, nº 2º a) (iii) e b), Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
10
Artº 57º, nº 3º, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
11
Artº 26º, Regulamento da Haia; artº 57º, nº 2 c) Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
12
Ver por exemplo HRVD, Testemunhos nºs 00691, 01301, 01466, 06699, 06976, 08149 e 04200.
13
HRVD, Testemunho nº 00445.
14
HRVD, Testemunho nº 08200.
15
HRVD, Testemunho nº 02406.
16
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Leimea Kraik, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 20 de Agosto de
2003.
17
Ver, por exemplo, CAVR, Documento de Pesquisa sobre Deslocação Forçada e Fome, Arquivo da CAVR; CAVR,
Perfis Comunitários do subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro, Maio a Agosto de 2003.
18
Entrevista da CAVR a Agustinho Soares, Hatulia, Ermera, 13 de Agosto de 2003.
19
CAVR, Perfil Comunitário, suco de Muapitine, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 18 de Fevereiro de
2004.
20
Entrevista da CAVR a um antigo soldado das ABRI/TNI em Same (nome não revelado), 13 de Agosto de 2004.
21
Ibid.
22
Maria José da Costa, testemunho na Audiência Nacional Pública da CAVR sobre Deslocação Forçada e Fome, 2829 de Julho de 2003.
23
Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário dos Sucos de Atara e Salaun, subdistrito de Atsabe, distrito de
Ermera, 14 de Abril de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maununo, subdistrito de Ainaro, distrito de
Ainaro, 24 de Janeiro de 2003.
24
CAVR, Perfil Comunitário dos Sucos de Aiassa, Bobonaro e Malilait, subdistrito de Bobonaro, distrito de
Bobonaro, 17 de Dezembro de 2003.
25
Entrevista da CAVR a Adriano João, antigo Adjunto Político da Fretilin para a Zona de Cailaco (Bobonaro) entre
1975 e 1979, Díli, 6 de Setembro de 2004.
26
CAVR; Perfil Comunitário do suco de Aidantuik, subdistrito de Suai, distrito de Covalima, 1 de Dezembro de
2003.
27
HRVD, Testemunho nº 00432.
28
Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Tirilolo, subdistrito de Iliomar, distrito de Lautém, 8 de
Julho de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Lelalai, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 20 de
Outubro de 2003; CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maluro, subdistrito de Quelicai; distrito de Baucau, 27 de
Outubro de 2003, suco de Uailili, subdistrito de Baucau, distrito de Baucau, 28 de Outubro de 2003; e Sucos de
Baduholo e de Uai-Kana, subdistrito de Venilale, distrito de Baucau, CAVR, 6 de Maio de 2003.
29
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Defawasi, subdistrito de Baguia, distrito de Baucau, 23 de Setembro de
2003.
30
Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Raihun, subdistrito de Tilomar, distrito de Covalima, 21
de Outubro de 2003.
31
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Asbilitoho, subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, 3 de Setembro de
2003.
32
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Orlalan Batara, subdistrito de Laclubar, distrito de Manatuto, 24 de Agosto
de 2003.
33
Entrevista da CAVR a Albino da Costa, Díli, Junho de 2003.
34
Asian Wall Street Journal, “Is There Enough to Eat in East Timor?”, 21 de Junho de 1982.
35
Xanana Gusmão, Mensagem à 37 ª Assembleia Geral das Nações Unidas, in Xanana Gusmão, Niner (Ed), To Resist
is to Win!, the Autobiography of Xanana Gusmão, Aurora books, Victoria, 2000, p. 81.
36
Entrevistas da CAVR a Silvino das Dores Soares, Viqueque, 10 de Março de 2004; e a António Soares, (sem data).
Ver também José Gomes, testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Massacres, 19-21 de Novembro
de 2003.
37
Entrevista da CAVR a Silvino das Dores Soares, Viqueque, 10 de Março de 2004.
38
Entrevista da CAVR a Gerónimo da Costa Amaral, Viqueque, 10 de Março de 2004.
39
Ver Banco Mundial, Final Report of the Joint Assessment Mission to East Timor, 8 December 1999
CAVR. Ver também Capítulo 3: História do Conflito.
40
. Arquivo da
Entrevista da CAVR a Rui Emiliano Teixeira Lopes, Suai (Covalima), Março de 2003.
41
Entrevista da CAVR a Santina de Jesus Soares Ly, ex-Coordenadora da OPMT em Baucau, em 1975, Baucau 10
de Outubro de 2003.
42
HRVD, Testemunho nº 01741.
43
HRVD, Testemunhos nºs00941, 03558, 02167, 0913. 01043, 09471 e 06443; e CAVR, Perfis Comunitários dos
Sucos de Ponilala, Poetete e Mirtutu, subdistrito de Ermera, distrito de Ermera, 19-21 de Janeiro de 2004.
44
HRVD, Testemunhos nºs 03855 e 04216.
45
HRVD, Testemunhos nºs 02246, 02256 e 00704.
46
HRVD, Testemunho nº 07171.
47
HRVD, Testemunho nº 03892.
48
Album Kenangan Perjuangan Siliwangi
bibliográfica], p. 601.
, [Álbum de Siliwangi de recordações da luta] [sem informação
49
HRVD, Testemunho nº 04044.
50
HRVD, Testemunho nº 01182.
51
HRVD, Testemunho nº 03116.
52
HRVD, Testemunho nº 02589.
53
HRVD, Testemunho nº 02406.
54
HRVD, Testemunho nº 05011.
55
HRVD, Testemunho nº 01352.
56
HRVD, Testemunho nº 0983.
57
HRVD, Testemunhos nºs 01120, 06777, 05643 e 03663.
58
HRVD, Testemunho nº 00512.
59
Ibid.
60
HRVD, Testemunho nº 07774.
61
HRVD, Testemunho nº 03852.
62
HRVD, Testemunhos nºs 01348, 04928, 04045 e 05412.
63
HRVD, Testemunho nº 04178.
64
HRVD, Testemunhos nºs 02044, 06322 e 06288.
65
HRVD, Testemunhos nºs 03503 e 01063.
66
HRVD, Testemunhos nºs 02317, 03111, 04181, 06075, 06808 e 07363.
67
HRVD, Testemunho nº 02813.
68
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 01348.
69
HRVD, Testemunhos nºs 02254 e 01649.
70
HRVD, Testemunhos nºs 04045.
71
HRVD, Testemunhos nºs 04901, 05788, 07235, 07253, 07238, 07085, 03876, 00584 e 07791.
72
HRVD, Testemunhos nºs 03695, 08037,09120, 03602, 01022, 05079, 01022, 01702, 08042, 00918, 00298, 00966,
03504, 08042, 00918, 0298, 00966, 03504, 05450, 04599, 04712, 06487, 00625 e 07527.
73
HRVD, Testemunho nº 00427.
74
HRVD, Testemunho nºs 04334 e 08217.
75
HRVD, Testemunho nº 03462.
76
HRVD, Testemunhos nºs 05621 e 02294.
77
HRVD, Testemunho nº 03366.
78
HRVD, Testemunho nº 01985.
79
HRVD, Testemunhos nºs 01262, 08531, 04285, 08531 e 05684.
80
HRVD, Testemunho nº 03845.
81
HRVD, Testemunhos nºs 08077 e 08044.
82
HRVD, Testemunhos nºs 02520, 06248, 08375, 08342, 06418, 06369, 06408, 02512 e 08290.
83
Testemunho ETHRC, 28 de Fevereiro de 1999, “Escalating Violation in East Timor: Is a Peaceful Solution
Possible?” Ver ainda HRVD, Testemunhos nºs 01531, 01581, 01583, 01603 e 01518.
84
HRVD, Testemunho nº 09022.
85
HRVD, Testemunhos nºs 00456, 02326, 00082, 05881, 00289 e 02990.
86
HRVD, Testemunho nº 00082.
87
HRVD, Testemunhos nºs 02573 e 04240. Ver também CAVR, Perfile Comunitário do suco de Lebos-Gidapil,
subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, 9 de Setembro de 2003.
88
HRVD, Testemunho nº 00561.
89
HRVD, Testemunhos nºs 00449, 0045 e 00427.
90
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Liurai, subdistrito de Turiscai, distrito de Manufahi, 17 de Setembro de
2003.
91
HRVD, Testemunhos nºs 02024, 02034, 08463, 06313, 06324 e 05138. Ver também CAVR, Perfil Comunitário
do suco de Faholulik, subdistrito de Tilomar, distrito de Covalima, 21 de Outubro de 2003.
92
HRVD, Testemunhos nºs 03510 e 08385 e CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Atara e Salaun, Sub-distrito
de Atsabe, distrito de Ermera, 14 de Abril de 2003.
93
HRVD, Testemunho nº 09031, do antigo líder da milícia, Belu, Timor Ocidental, Indonésia, 25 de Abril de 2003.
94
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 00309.
95
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 02950.
96
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 03685, 01239, 06337,01208 e 01239.
97
CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Atara e Salaun, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 14 de Abril de
2003
98
HRVD, Testemunho nº 02835.
99
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Costa, subdistrito de Makasar, distrito de Oecusse, 16 de Fevereiro de 2004.
100
HRVD, Testemunho nº 02632.
101
HRVD, Testemunho nº 02930.
102
Ver Banco Mundial, Relatório Final da Missão Conjunta de Avaliação a Timor-Leste, 8 de Dezembro de 1999.
Arquivo da CAVR.
103
HRVD, Testemunhos nºs 01101, 08303, 08312 e 08314. Ver também CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de:
Leimea Kraik e Samara, subdistrito de Hatulia, distrito de Ermera, 20 de Agosto de 2003; Ponilala, Poetete e
Mirtutu, subdistrito de Ermera, distrito de Ermera, 19 a 21 de Janeiro de 2004; Lihu e Railaco Kraik, subdistrito de
Railaco, distrito de Ermera, 20 de Fevereiro de 2003; Lacló e Paramim, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 26
de Junho de 2003; Eraulo, subdistrito de Letefoho, distrito de Ermera, 2 de Dezembro de 2002; e Hatugau,
subdistrito de Letefoho, distrito de Ermera, 14 de Outubro de 2002.
104
HRVD, Testemunhos nºs 05271 e 08282.
105
HRVD, Testemunho nº 04079.
106
HRVD, Testemunhos nºs 07747, 07811, 03908, e 07089. Ver também CAVR, Perfil Comunitário do suco de
Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de 2003.
107
HRVD, Testemunhos nºs 04194 e 04129 Ver também CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de: Ahic, Dilor,
subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque, 22 de Novembro de 2002; Luca, subdistrito de Viqueque, distrito de
Viqueque, 10 de Junho de 2003; e Uaibubo, subdistrito de Ossu, distrito de Viqueque.
108
HRVD, Testemunho nº 05173, 06351, 02046, 06263 e 08560.
109
HRVD, Testemunhos nºs 02807, 02828 e 02630. Ver também CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bobometo,
subdistrito de Oesilo, distrito de Oecusse, 31 de Maio de 2003.
110
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 02930, 00853 e 00859; e CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de;
Usitaqeno, subdistrito de Oesilo, distrito de Oecusse, 24 de Julho de 2003; Suni Ufe, subdistrito de Nitibe, distrito de
Oecusse, 17 de Janeiro de 2003.
111
HRVD, Testemunho nº 0831.
112
HRVD, Testemunho nº 02418.
113
HRVD, Testemunhos nºs 0140, 01391, 01392, 01307, 01312, 01334, 01335, 01381, 01382, 01392 e 03310.
114
Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de: Asbilitoho, Asumano e Manukasa feitos no
subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, entre 11 de Julho e 3 de Setembro de 2003.
115
Artº 4º, Convenção III de Genebra; artº 44º, nºs 1, 3 e 4, Protocolo I das Convenções de Genebra. (inclui
combatentes doentes ou feridos: artº 14º da Convenção I de Genebra).
116
Artº 4º A, Convenção III de Genebra.
117
Entrevista da CAVR a Jacinto Alves, antigo assistente do chefe do Estado-Maior das Falintil, Díli, 3 de Maio de
2005.
118
Artº 5º, Convenção III de Genebra; artº 45º, nº 1, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
119
Artº 4º, Regulamento da Haia; artº 13º, Convenção III de Genebra.
120
Artºs13º e 17º, Convenção III de Genebra.
121
Artºs 15º, 26º, 30º, Convenção III de Genebra.
122
Artºs 19º e 23º, Convenção III de Genebra.
123
Artº 5º, Convenção IV de Genebra.
124
Carmel Budiardjo & Kiem Soei Liong, The War Against East Timor , Documento 8 do Comando Militar Regional
XVI Udayana, Established Procedure for Interrogation of Prisoners, PROTAP/01-B/VII/1982.
125
HRVD, Testemunhos nºs 01440 e 06571. Ver também CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Fatuloro,
subdistrito de Fatululik, distrito de Covalima, 20 de Novembro de 2002; Tapo, subdistrito de Maliana, distrito de
Bobonaro, 24 de Novembro de 2003.
126
HRVD, Testemunho nº 0485. Ver também CAVR, Perfil Comunitário do suco de Tapo, subdistrito de Maliana,
distrito de Bobonaro, 24 de Novembro de 2003.
127
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Lifau, subdistrito de Laleia, distrito de Manatuto, 17 de Junho de 2003.
128
Entrevista da CAVR a Zeferino Armando Ximenes, (sem data).
129
HRVD, Testemunhos nºs 07331 e 05069.
130
Por exemplo, HRVD, Testemunho nº 00716.
131
HRVD, Testemunho nº 06515.
132
HRVD, Testemunho nº 01267.
133
Artº 22º, Regulamento da Haia; artº 35º, nº 1 Protocolo I das Convenções de Genebra;
Advisory Opinion on the
Threat or Use of Nuclear Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de Justiça, parágrafo 77.
134
Declaração de São Petersburgo, 1868; artº 23, Regulamento da Haia; artº 35º, nº 2 Protocolo I das Convenções de
Genebra; Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de
Justiça, parágrafo 78.
135
Artº 51º, nº 4, Protocolo I das Convenções de Genebra;
Advisory Opinion on the Threat or Use of Nuclear
Weapons (1986) Relatórios do Tribunal Internacional de Justiça, parágrafo 78.
136
Ver também artº 54º, nº 2, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
137
Ver também artº 54º, nº 1, Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra.
138
Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril 1988,
Forças Armadas Indonésias, Comando da Operação de Segurança em Timor Leste.
139
The Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, datado de 30 de Abril de 1988, Ammunition
Capability and Safe Range, Forças Armadas Indonésias, Comando da Operação de Segurança em Timor Leste.
140
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Maneluma, subdistrito de Laulara, distrito de Aileu, 12 de Dezembro de
2002.
141
CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Lacló e Paramim, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 16 de Julho
de 2003.
142
Ibid.
143
CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Atara e Lasaun, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 14 de Abril de
2003.
144
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Goulolo, subdistrito de Letefoho, distrito de Ermera, 25 de Novembro de
2002.
145
Entrevista da CAVR a Agusto Soares, em Hatulia (Ermera), 13 de Agosto de 2003.
146
Ibid.
147
CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Bora e Manelima, subdistrito de Laclubar, distrito de Manatuto, 3 de
Setembro de 2003.
148
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Kakae Uman, subdistrito de Natarbora/Barique, distrito de Manatuto, 11 de
Abril de 2003
149
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de
2003.
150
CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de: Darulete, subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça, 13 de Fevereiro de
2003 ; Leimea Kraik e Samara, subdistrito de Hatulia, distrito de Ermera, 20 de Agosto de 2003 ; Souro, subdistrito
de Lospalos, distrito de Lautém, 24 de Fevereiro de 2004; Lebos e Guldapil, subdistrito de Lolotoe, distrito de
Bobonaro, 9 de Setembro de 2003 ; Fatuloro, subdistrito de Fatululik, distrito de Covalima, 21 de Novembro de
2002 ; e Lifau, subdistrito de Laleia, distrito de Manatuto, 17 de Junho de 2003
151
Entrevista da CAVR a Lucas da Costa Xavier, antigo soldado das
2004.
ABRI/TNI, Same (Manufahi), 13 de Agosto de
152
Official Operational Procedure, No.: PROTAP/3/IV/1988, Capabilities of Tactical Planes, 30 de Abril de 1988,
Forças Armadas Indonésias, Comando da Operação de Segurança em Timor Leste
153
Conboy, p. 276.
154
Excerto de filme militar indonésio, cedido à Comissão por fontes anónimas, Jacarta 2005. Arquivo CAVR.
155
Protocolo sobre Proibições ou Restrições do Uso de Armas Incendiárias, 1980.
156
Entrevista da CAVR a Adriano João, Díli, 21 de Setembro de 2004.
157
CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Obulo e Butamanu, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 13 de Maio
2003.
158
CAVR, Perfil Comunitário dos sucos de Lacló e Paramim, subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera, 16 de Junho
de 2003.
159
Artº 23º, Regulamento da Haia.
160
Artº 51º, Convenção IV de Genebra.
161
Artº 51º, Convenção IV de Genebra.
162
HRVD, Testemunho nº 02491.
163
HRVD, Testemunho nº 05720.
164
HRVD, Testemunho nº 03412.
165
HRVD, Testemunho nº 01105.
166
HRVD, Testemunho nº 04012.
167
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de
2003.
168
HRVD, Testemunho nº 05685.
169
Ver HRVD, Testemunho nºs 07752, e CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara, subdistrito Tutuala, distrito
de Lautém, 27 de Novembro de 2002.
170
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 06081.
171
Ver, por exemplo, CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de Leber, subdistrito de Bobonaro, distrito de
Bobonaro, 24 de Novembro de 2003; Guda, subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, 26 de Agosto de 2003;
Leohito, subdistrito de Balibó, distrito de Bobonaro, 21 de Janeiro de 2004; e Lourba, subdistrito de Bobonaro,
distrito de Bobonaro, 25 de Janeiro de 2003
172
HRVD, Testemunho nº 08365.
173
HRVD, Testemunho nº 03403.
174
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 04763.
175
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Defawasi, subdistrito de Baguia, distrito de Baucau, 23 de Setembro de
2003.
176
HRVD, Testemunho nº 03101.
177
HRVD, Testemunho nº 01071.
178
CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de: Bibileo, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 5 de Junho de
2003; Irabin de Baixo, subdistrito de Uatu-Carbau, distrito de Viqueque, 26 de Agosto de 2003; Assu de Cima,
subdistrito de Ossu, distrito de Viqueque, 20 de Março de 2003; e Manulesu, subdistrito de Lequidoe, distrito de
Aileu, 27 de Agosto de 2003.
179
HRVD, Testemunho nº 03135.
180
HRVD, Testemunho nº 03093.
181
HRVD, Testemunho nº 03421.
182
HRVD, Testemunho nº 00168.
183
HRVD, Testemunho nº 01990.
184
HRVD, Testemunho nº 03963.
185
HRVD, Testemunho nº 03474.
186
HRVD, Testemunho nº 06044.
187
HRVD, Testemunho nº 04351.
188
HRVD, Testemunho nº 05687.
189
Instruction – Operation No: INSOP/03/II/1982.
190
Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Asumano, subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, 11
de Julho de 2003.
191
Instruction – Operation No. INSOP/03/II/1982, p. 8.
192
Conboy, p. 298.
193
Ver Korps Mariner TNI AL, 1970-2000, Marine Information Department, Jakarta, 2000, p. 274.
194
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Lelalai, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 20 de Outubro de 2003.
195
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Muapitine, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 18 de Fevereiro de
2004.
196
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Rasa, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 1 de Julho de 2004.
197
HRVD, Testemunho nº 06057.
198
HRVD, Testemunho nº 05224.
199
Kepala Intelejen Mayor Willem Da Costa, Petunjuk Teknis Tentang Kegiatan
Babinsa, [Juknis /06/IV/1982),
(Chefe dos Serviços de Informação, major Willem Da Costa, Orientações Técnicas sobre as Actividades do Babinsa.
10 de Setembro de 1982. Budiardjo e Liem, The War Against East Timor, Zed Books, 1984, p. 201.
200
HRVD, Testemunho nº 04107.
201
HRVD, Testemunho nº 05040.
202
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uaitame, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 12 de Dezembro de
2003.
203
Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Fahisoi, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 29 de
Maio de 2003.
204
HRVD, Testemunho nº 03465.
205
HRVD, Testemunho nº 04071.
206
HRVD, Testemunho nº 01022.
207
Ver, por exemplo HRVD, Testemunho nº 03252.
208
HRVD, Testemunho nº 04756.
209
HRVD, Testemunho nº 02283.
210
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 21 de Novembro de
2003.
211
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bibileo, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 5 de Junho de 2003.
212
CAVR, Perfis Comunitários dos sucos de: Uairoque, subdistrito de Luro, distrito de Lautém, 7 de Outubro de
2003; Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 11 de Novembro de 2002.
213
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 27 de Novembro de
2003.
214
HRVD, Testemunhos nºs 05317, 05365 e 05389.
215
HRVD, Testemunho nº 04129.
216
HRVD, Testemunho nº 00155.
217
HRVD, Testemunho nº 05316.
218
HRVD, Testemunho nº 04439.
219
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 04151 e 06817.
220
HRVD, Testemunhos nºs 01429 e 07696.
221
HRVD, Testemunho nº 04386.
222
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Guruça, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de
2003.
223
HRVD, Testemunho nº 01036.
224
HRVD, Testemunho nºs 05825 e 01313.
225
HRVD, Testemunhos nºs 04793 e 01752.
226
HRVD, Testemunho nº 03078.
227
HRVD, Testemunho nº 07665.
228
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bualale, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 16 de Dezembro de
2003.
229
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Namalesu, subdistrito de Lequidoe, distrito de Aileu, 27 de Agosto de
2003.
230
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 00638 e 00427.
231
Ver, por exemplo, CAVR, Perfil Comunitário do suco de Uaimori, Tula, subdistrito de Viqueque, distrito de
Viqueque, 19 de Junho de 2003.
232
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Bibileo, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 5 de Junho de 2003.
233
HRVD, Testemunho nº 06483.
234
HRVD, Testemunhos nºs 03408 e 04748.
235
HRVD, Testemunhos nºs 06293, 00762 e 01425.
236
HRVD, Testemunhos nºs 02934, 01958 e 00243.
237
António Serpa, testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR Sobre Conflito Político Interno 1974/76, 15 a
18 de Dezembro de 2003.
238
Entrevista da CAVR a Humberto Martins da Cruz [sem data]
239
Ibid; ver também HRVD, Testemunho nº 09081.
240
Testemunho de Francisco Guterres “Lú-Olo”, na sua qualidade de presidente da Fretilin, e testemunho de Mari
Alkatiri, na sua qualidade de Secretário-Geral da Fretilin, à Audiência Pública Nacional da CAVR Sobre Conflito
Político Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003.
241
Francisco Xavier do Amaral, ibid.
242
Ângelo Araújo testemunho à Audiência Pública Nacional da CAVR sobre Massacres, 19 a 21 de Novembro de
2003
243
Entrevista da CAVR a Brigadeiro General Taur Matan Ruak, 9 Junho 2004
244
Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004.
245
Entrevista da CAVR a Agostinho Boavida Ximenes (Sera Malik), Soe, Timor Ocidental, Indonésia, 28 de Agosto
de 2004.
246
Entrevista da CAVR a José Conceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004.
247
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Faturasa, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 20 de Junho de 2003.
248
Entrevista da CAVR a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004.
249
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Fahisoi, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 29 de Maio de 2003.
250
CAVR, Perfil Comunitário do suco de Gurusa, subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau, 21 de Novembro de
2003.
251
Entrevista da CAVR a Xanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004.
252
Xanana Gusmão, Timor Leste: Um Povo Uma Pátria, Edições Colibri, Lisboa, 1994, p. 31.
253
Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 04149.
254
255
HRVD, Testemunho nº 07612.
Ver CAVR, Perfis Comunitários destes subdistritos. Arquivo da CAVR.

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