Diretrizes para o tratamento da abstinencia do alcool

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Diretrizes para o tratamento da abstinencia do alcool
CADERNOS
DO AMBULATÓRIO
DO QUINTO ANO
UNIAD - UNIFESP
VOLUME 1 . SUPLEMENTO 1
JULHO/AGOSTO 2005
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA & DELIRIUM TREMENS
SUPLEMENTO ESPECIAL
Cadernos do Ambulatório do Quinto Ano - UNIAD / UNIFESP
(c) 2005
Editores:
MSc. Marcelo Ribeiro & Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira
Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD)
Rua Botucatu, 390 Vila Clementino 04023-061 São Paulo - SP
Telefone & Fax: 11 - 5575.1708
www.uniad.org.br
SUMÁRIO
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
CONCEITO
1
BASES NEUROBIOLÓGICAS
1
QUADRO CLÍNICO
4
CRITÉRIOS DE GRAVIDADE
6
TRATAMENTO
6
Tratamento clínico suportivo
7
Manejo não-farmacológico
7
Manejo clínico suportivo farmacológico
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
11
QUESTÕES
12
DELIRIUM TREMENS & OUTRAS COMPLICAÇÕES
DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
COMPLICAÇÕES DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL (SAA)
13
CONVULSÕES RELACIONADAS À SINDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL 13
SÍNDROME DE WERNICKE - KORSAKOFF (SWK)
14
DELIRIUM TREMENS
18
Diagnóstico diferencial
19
Tratamento
21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
24
QUESTÕES
25
1. SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
CONCEITO
QUADRO 1.1:
MECANISMO DE NEUROADAPTAÇÃO
ALCOÓLICA
A síndrome de abstinência do álcool (SAA) é um
SISTEMA GABA
conjunto de sinais e sintomas de desconforto físico
O álcool atua como agonista gabaérgico direto, particularmente na
e psíquico que acompanha a redução e/ou a
sub-unidade GABA-A. Como o sistema GABA está difusamente
espalhado pelo SNC, o efeito agudo (inicial) do consumo de álcool é
diminuição da dose usual de consumo.
ansiolítico e sedativo.
A presença constante e prolongada do álcool leva ao surgimento de
neuroadaptações, visando a equilibrar os efeitos agudos e crônicos
BASES NEUROBIOLÓGICAS
do álcool sobre o SNC. Deste modo, ocorre uma downregulation
dos receptores GABA. O resultado é uma diminuição na sensibilidade
A SAA é resultado de um processo neuroadaptativo
do sistema.
(quadro 1.1). O sistema nervoso central funciona
SISTEMA GLUTAMATO
de maneira equilibrada, por meio de um padrão
O álcool atua como antagonista glutamatérgico direto. Ao contrário do
sistema GABA, o sistema glutamato é excitatório, envolvido em funções
definido pela genética e pelo desenvolvimento
neuropsicomotor de cada indivíduo.
cognitivas como atenção e memória. A fim de compensar a ação
inibitória do álcool sobre este sistema, há uma upregulation dos
receptores glutamato. Tais modificações deixam o sistema ‘mais
irritável’, com redução do limiar convulsivo.
A presença constante e prolongada do álcool
compromete tal estado (figura 1.1), fazendo com que
o sistema nervoso lance mão de mecanismos de
PROTEÍNAS DOS CANAIS DE CÁLCIO
Toda a vez que um neurônio é ativado eletricamente, o cálcio flui para
dentro da célula através de proteínas denominadas canais de cálcio.
neuroadaptação (quadro 1.2), para restabelecer a
Parte do controle sobre tais canais é realizado pelos sistemas GABA
homeostase habitual.
(inibitório) e glutamato (excitatório).
Frente ao uso prolongado de álcool, ocorre uma upregulation dos
Este novo padrão de funcionamento neuroadaptado
considera a presença constante da substância e se
aproxima bastante do equílibrio habitual do indivíduo.
Desse modo, pode-se entender porque a maioria dos
canais de cálcio, visando a compensar lentificação do sistema. Tal
adaptação acabar por deixar o sistema mais sensível e irritável frente
a redução ou interrupção do consumo de bebidas alcoólicas.
FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol withdrawal syndrome.
Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 149-56.
dependentes não bebe para ‘encher a cara’ ou ‘ficar
bêbado’, mas apenas para obter a dose necessária para a mantenção do equilíbrio cerebral, a partir do qual será
capaz de realizar suas tarefas físicas e cognitivas habituais, algumas vezes com bastante eficiência.
A neuroadaptação à presença do álcool torna o SNC mais sensível à redução ou ausência do mesmo. Assim, as
neuroadaptações, serão a causa dos sintomas de desconforto físico e mental frente a falta do álcool, conhecidos por
síndrome de abstinência (figura 1.2). Enquanto o álcool estava presente, o mesmo tamponava o sistema glutamato
e os canais de cálcio (sensibilizados) e estimulava o sistema GABA (desensibilizado) (quadro 1.1). Com a sua saída,
o sistema glutamato, mais sensível e forte que GABA, começa a disparar e a estimular o sistema nervoso como um
todo: eis o início dos sintomas de abstinência.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
1
CONSUMO DE
ÁLCOOL
EFEITOS
AGUDOS
ABSTINÊNCIA
ÁLCOOL
SNC EM
EQUILIBRIO
[HOMEOSTASE]
NEUROADAPTAÇÃO
ADAPTAÇÃO
ÁLCOOL
[OPOSIÇÃO & PREJUÍZO]
ADAPTAÇÃO
RECUPERAÇÃO DAS
NEUROADAPTAÇÕES
TOLERÂNCIA
AOS EFEITOS
DO ÁLCOOL
SÍNDROME DE
ABSTINÊNCIA
DIMINUIÇÃO OU
INTERRUPÇÃO
DO ÁLCOOL
FIGURA 1.1: A hipótese de Himmelsbach (1941) para a dependência do álcool. O sistema nervoso central funciona em homeostase (equilíbrio).
O consumo de álcool produz alterações a partir de seus efeitos agudos. Frente ao uso freqüente e prolongado da substância, o organismo provoca
neuroadaptações (oposição e prejuízo), com a finalidade de recuperar o equilíbrio perdido. Nessa fase, os efeitos do álcool para dose habitualmente
consumida estão diminuídos (tolerância). Com a interrupção do consumo, a adaptação emerge, fazendo surgir uma sintomatologia no sentido
oposto aos efeitos do álcool. É a síndrome de abstinência, que durará enquanto o equilíbrio anterior (sem álcool) não for restabelecido.
FONTE: Littleton J. Neurochemical mechanisms underlying alcohol withdrawal. Alcohol World Health Res 1998; 22(1): 13-24.
Segundo Littletton & Harper (1994), “a tolerância implica
QUADRO 1.2: TIPOS DE NEUROADAPTAÇÃO
na capacidade da célula de se adaptar à presença dos
NEUROADAPTAÇÃO DE PREJUÍZO [TOLERÂNCIA]
A adaptação de prejuízo consiste no desenvolvimento de mecanismos
agentes farmacológicos em seu ambiente para
que dificultam a ação da droga sobre as células, tais como redução
reassumir uma função relativamente normal. Em outras
do número / sensibilidade dos receptores à substância em questão
palavras, uma concentração mais alta da droga será
ou aumento da eficiência do corpo na metabolização e eliminação
da droga. A partir dessas modificações, a quantidade habitual de
necessária para produzir as mesmas perturbações
droga consumida não provocará no usuário os efeitos positivos que
funcionais que foram produzidas na primeira exposição
buscava, fazendo o usuário buscar doses maiores ou vias de
da célula à droga”. Isso é diferente da resistência à
administração mais efetivas fenômeno conhecido por tolerância.
droga:
NEUROADAPTAÇÃO DE OPOSIÇÃO [SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA]
Apesar de também causar tolerância, a adaptação de oposição está
relacionada ao aparecimento da síndrome de abstinência nos
dependentes de substâncias psicoativas. A adaptação de oposição
as bactérias resistentes aos antibióticos
funcionam normalmente com ou sem a presença destas
substâncias.
Os antibióticos não as afetam
bioquimicamente.
Dessa forma, os autores afirmam
consiste num mecanismo para derrotar os efeitos da presença da
droga através da instituição de uma força oponente dentro da célula.
que “a dependência celular implica em adaptação à
Este tipo de alteração tem claramente um potencial, quanto exposto
presença da droga, mas nesse caso a adaptação é tão
à remoção da droga, de produzir transtornos funcionais na direção
severa que a célula não pode funcionar normalmente
oposta àquela causada originalmente pela droga.
FONTE: Littleton JM, Harper JC. Tolerância e dependência celular.
In: Edwards G, Lader M. A natureza da dependênciad de drogas.
Porto Alegre: Artmed, 1994.
2
na ausência desta substância. Assim, uma perturbação
funcional (síndrome de abstinência) ocorrerá quando
da remoção da droga”.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
FIGURA 1.2: Os efeitos do álcool durante a exposição e a abstinência. A linha-zero representa uma medida hipotética de
excitabilidade global do cérebro. De acordo com as principais parâmetros fisiológicos ou comportamentais, a administração
aguda de álcool produz um quadro estimulante de curta duração (pequena elevação acima da linha-zero), seguido por depressão
ou sedação (depressão acentuada abaixo da linha-zero). A administração continuada (uso crônico) causa adaptações neuronais
que reduzem os efeitos perturbadores iniciais do álcool e resultam em tolerância. A dependência física indica que o álcool é
necessário para balancear as adaptações neuronais e manter a função cerebral normal. A diminuição ou remoção do álcool do
corpo induz um rebote de efeito estimulatório, resultando em hiperexcitabilidade do sistema nervoso (síndrome de abstinência).
FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol withdrawal syndrome. Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 149-56.
QUADRO CLÍNICO
A maioria daqueles que desenvolvem a síndrome de abstinência do álcool possui cerca de cinco a dez anos de uso
regular da substância, numa média acima de 2 UI/dia para as mulheres e 3UI/dia para os homens (quadro 1.3). A
intensidade do quadro clínico está diretamente relacionada ao tempo e a quantidade de álcool consumida previamente.
Portanto, conforme ilustrado na figura 1.2, a tolerância aos efeitos do álcool se desenvolve de modo mais precoce e
isoladamente não caracteriza um transtorno relacionado ao consumo de álcool. Já o aparecimento de sintomas de
abstinência devem ser antecedidos por um período considrável de uso perene e acima dos padrões considerados
normais.
(volume da bebida x concentração alcoólica) x 0,8
10 gramas
QUADRO 1.3: Cálculo da Unidade Internacional de Álcool (UI). A operação entre parenteses fornece o volume de álcool em
mililitros (ml). Para se obter o equivalente em gramas de álcool, o produto deve ser multiplicado por 0,8. Uma UI equivale a 10 gramas
de álcool (1 UI = 10 g de álcool), deste modo, o produto da segunda operação deve ser dividido por 10.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
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HIPOATIVIDADE
DOPAMINÉRGICA
REFORÇO NEGATIVO,
DISFORIA
HIPOATIVIDADE GABAÉRGICA
ANSIEDADE, CONVULSÕES,
HIPERESTIMULAÇÃO GLUTAMATÉRGICA
HIPERATIVIDADE NORADRENÉRGICA
SINTOMAS AUTONÔMICOS, TAIS COMO
TREMORES, SUDORESE, TAQUICARDIA,
MIDRÍASE, AUMENTO DA TEMEPRATURA E DA
PRESSÃO ARTERIAL, ...
SAA
HIPERATIVIDADE
GLUTAMATÉRGICA
CONFUSÃO MENTAL, ALUCINAÇÕES,
CONVULSÕES
AUMENTO DA DENSIDADE DE
CANAIS DE CÁLCIO
AUMENTO GENERALIZADO DA ATIVIDADE
ELÉTRICA, POTENCIALIZANDO OS EFEITOS
DOS NEUROTRANSMISSORES,
CONTRIBUINDO PARA OS SINTOMAS DA SAA
FIGURA 1.3: Bases neurobiológicas da sintomatologia da síndrome de abstinência do álcool (SAA). Os sintomas autonômicos, responsáveis pela
apresentação florida e exuberante da SAA, são resultado da ação noradrenérgica intensa, estimulada pelo sistema glutamato em hiperatividade. Os
sintomas confusionais advém da combinação entre a atividade glutamatérgica exacerbada e a gabaérgica nula. Todos os sintomas descritos
anteriormente podem ser potencializados pelo aumento generalizado dos canais de cálcio, deixando o sistema mais sensível e irritável. Quanto
maior a duração e a quantidade do consumo de álcool ao longo dos anos, mais profundas serão as neuroadaptações nos sistemas descritos acima
e por conseguinte, mais numerosos e intensos os sintomas. FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In: Ribeiro M, Marques ACPR. Usuários de
substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP / AMB; 2002.
Nos primeiros tempos, o quadro clínico é eminentemente psíquico e muitas vezes a família e o próprio paciente não
o relacionam ao consumo de álcool.
A maior parte dos dependentes (70 - 90%) apresenta uma síndrome de
abstinência entre leve e moderada, caracterizada por tremores, insônia, ansiedade e inquietação psicomotora.
Os tremores são o achado semiológico mais comum na síndrome de abstinência do álcool,
podendo variar desde uma queixa subjetiva por parte do paciente (‘tremores internos’) ,
passando por um quadro discreto e isolado e chegando a tremores intensos e grosseiros,
associados a uma sintomatologia autonômica exacerbada (figura 1.3).
A SAA se inicia cerca de 6 - 48 horas após a última dose e, por ser autolimitada, dura cerca
de 7 a 10 dias, quando todos os sintomas remitem completamente (figura 1.4).
Outros sintomas que podem estar presentes são sudorese, cefaléia, taquicardia, aumento da temperatura e da
pressão arterial, náusea, vômito, midríase, câimbra e dores musculares (todos de natureza autonômica) e alterações
da marcha (ataxia). Psiquicamente, observam-se, além da ansiedade e inquietação, irritabilidade, piora da
concentração e em casos mais sérios, quadros alucinatórios transitórios, sem rebaixamento do nível de consciência
(quadro 1.4). As bases neurobiológicas dos sintomas descritos acima podem ser encontradas na figura 1.3.
4
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
QUADRO 1.5: ESTÁGIOS DA SAA
ESTÁGIO
INÍCIO
SINAIS & SINTOMAS
(HORAS)
1
6-8
tremor, ansiedade,
aumento da freqüência
cardíaca e da PA, náusea,
vômito e cefaléia
FIGURA 1.4: Evolução da SAA. Quadros leves (os mais comuns)
possuem curtíssima duração (cerca de 24 horas) e em geral respondem
2
24
3
7 - 48
4
72 ou +
alucinações
convulsões tipo GM
hiperatividade
apenas a abordagens suportivas (hidratação, alimentação, ...). Quadros
autonômica,
moderados já apresentam sintomas autonômicos pronunciados, além
delirium tremens
de sintomas psiquiátricos, tais como alucinações, sem rebaixamento
do nível de consciência. A duração da crise gira em torno de uma
FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol withdrawal
semana. Por volta do terceiro dia, a SAA pode se complicar e evoluir
syndrome. Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 149-56.
para um quadro de rebaixamento do nível de consciência, com confusão
mental e sintomas autonômicos intensos, denominado delirium tremens.
Os primeiros sintomas aparecem algumas horas após
FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In: Ribeiro M, Marques
a redução / interrupção do consumo (quadro 5), sendo
ACPR. Usuários de substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP /
os tremores, a ansiedade e sintomas análogos à
AMB; 2002.
ressaca (náusea, vômito, cefaléia), o quadro mais
comum. Geralmente, respondem bem a abordagens
QUADRO 1.4: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA A
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL (SAA)
ESTADO DE ABSTINÊNCIA (F10.3)
suportivas e desaparecem em cerca de 24 horas.
Em boa parte dos pacientes, porém, há surgimento
de alucinações transitórias nas primeiras 24 horas.
A. Deve haver evidência de interrupção ou redução do uso de
álcool após uso repetido, usualmente prolongado e em
altas doses.
A crítica sobre a natureza das mesmas é variada,
podendo ser encarada como um sinal de doença ou
contextualizada dentro de um julgamento delirante.
B. Três dos sinais devem estar presentes:
(1) tremores da língua, pálpebras ou das mãos
quando estendidas
Cerca de 5% dos pacientes não tratados evoluem com
(2) sudorese
crises convulsivas do tipo grande mal. Noventa por
(3) náusea, ânsia de vômito ou vômito
cento das crises acontecem entre 7 e 48 horas após
(4) taquicardia ou hipertensão
a interrupção do consumo de álcool. Há ocorrência
(5) agitação psicomotora
(6) cefaléia
de múltiplas crises em metade dos casos.
(7) insônia
(8) mal-estar ou fraqueza
(9) alucinações visuais, táteis ou auditivas transitórias
(10) convulsão tipo grande mal
Cerca de 5% dos pacientesevolui com confusão
mental, hiperatividade autonômica e agitação
psicomotora, fenômeno denominado delirium tremens
Se o delirium está presente, o diagnóstico deve ser estado de
abstinência alcoólica com delirium (delirium tremens) (F10.4),
sem ou com convulsões (F10.40 e F10.41).
(DM). Cerca de um terço destes são antecedidos por
crises convulsivas.
O DM é considerado uma
complicação da SAA. Devido a sua importância, esta
FONTE: CID - 10 / ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS).
entidade nosológica será tratada adiente com mais
detalhes.
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CRITÉRIOS DE GRAVIDADE
Desse modo, além de estabelecer o diagnóstico da SAA, é necessário
QUADRO 1.6: SAA NÍVEL I
estabelecer a gravidade da mesma. Esta pode variar desde desde um
quadro eminentemente psíquico (insônia, irritabilidade, piora das funções
cognitivas) até outros, marcadamente autonômicos, com delirium e crises
convulsivas.
QUADRO CLÍNICO
Tremores finos de extremidades
Inquietação psicomotora (geralmente leve)
Sudorese facial discreta
Cefaléia
Náusea sem vômito
SAA NÍVEL I
Trata-se da SAA leve e moderada. Ela aparece nas primeiras 24 horas
EXAME PSÍQUICO
após a última dose. Instala-se em 90% dos pacientes e cursa com
Orientado no tempo e espaço
agitação, ansiedade, tremores finos de extremidades, alteração do sono,
Juízo crítico da realidade mantido
Levemente ansioso
da senso-percepção, do humor, do relacionamento interpessoal, do
apetite, sudorese em surtos, aumento da freqüência cardíaca, pulso e
temperatura. Alucinações são raras (quadro 1.6 e 1.12).
INDICAÇÃO DE TRATAMENTO
Tratamento ambulatorial com retornos
diários ou em dias alternados.
FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In:
SAA NÍVEL II
Ribeiro M, Marques ACPR.
Usuários de
É a SAA grave. Cerca de 5% dos pacientes evoluem do estágio I para o
substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP
II. Isso se dá cerca de 48 horas da última dose. Os sinais autonômicos
/ AMB; 2002.
são mais intensos, os tremores generalizados, apresentam alucinações
auditivas e visuais e desorientação temporo-espacial (quadro 1.7 e 1.12).
QUADRO 1.7: SAA NÍVEL II
QUADRO CLÍNICO
TRATAMENTO
Tremores grosseiros de extremidades
Inquietação psicomotora intensa
Indivíduos com SAA podem ser tratados com eficácia e segurança tanto
Sudorese profusa
Cefaléia
em hospitais ou clínicas (internação), quanto em ambulatórios. Não existe,
Náusea com vômito
porém, um conjunto de critérios capaz de indicar com precisão qual dos
Crise convulsiva (recente ou pregressa)
ambientes é o mais adequado.
EXAME PSÍQUICO
Piora da orientação no tempo e espaço
A desintoxicação ambulatorial é menos dispendiosa e mais confortável
para o paciente, respeita sua rotina e favorece a permanência deste em
seu grupo de convívio. Além disso, a grande maioria dos casos é leve ou
Juízo crítico da realidade alterado
Ansiedade intensa
Pensamento desorganizado
Alucinações visuais, auditivas e/ou táteis
moderada (nível I de gravidade), com evolução benigna.
INDICAÇÃO DE TRATAMENTO
Internação até a remissão dos sintomas.
No entanto, algumas complicações clínicas da SAA colocam seus
portadores sem sério risco de morte e são indicação inconteste de
FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In:
Ribeiro M, Marques ACPR.
Usuários de
internação. Tais complicações, porém, podem estar ausentes nas primeiras
substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP
horas da SAA, fazendo com que o médico a tome por leve e indique o
/ AMB; 2002.
tratamento ambulatorial erroneamente.
6
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
Mesmo não sendo possível estabelecer um
protocolo seguro para a indicação do ambiente de
QUADRO 1.8:
INDICAÇÕES RELATIVAS PARA
DESINTOXICAÇÃO DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO
ÁLCOOL EM REGIME FECHADO.
tratamento da SAA, algumas considerações podem
nortear o trabalho do médico neste sentido.
Sempre que possível, o tratamento ambulatorial
Histórico de síndromes de abstinência consideradas graves
Histórico de convulsões durante a síndrome abstinência e/ou delirium.
deve ser indicado. Obviamente, tal conduta deve
Múltiplas desintoxicações anteriores
ser seguida de um encaminhamento rápido e
Presença de comorbidades clínicas e / ou psiquiátricas
garantido para o serviço ambulatorial de referência
Consumo de álcool em altas doses nos últimos tempos
(encaminhar o paciente do PS para algum serviço
Carência de suporte social adequado
ambulatorial que ele e sua família vão ver se tem
Gravidez
vaga, é uma negligência médica). Além disso, as
FONTE: Myrick H, Anton RE. Treatment of alcohol withdrawal. Alcohol World
primeiras intervenções clínicas devem ser feitas
Health Res 1998; 22(1): 38-43.
pelo médico responsável pelo encaminhamento.
Alguns dados da história (quadro 1.8) auxiliam esta tomada de decisão. Assim, pacientes em primeiro episódio, sem
histórico de consumo extremamente pesado de álcool, sem complicações clínicas ou psiquiátricas e com um bom
suporte social, podem ser tratados em casa. O comparecimento ao ambulatório é diário, visando à detecção rápida
de qualquer piora na evolução da SAA. Além disso, a família deve
ser orientada (de preferência por escrito) acerca dos principais sinais
QUADRO 1.9: PATOLOGIAS COMUMENTE
e sintomas sugestivos de má evolução do quadro e orientada a retornar
ENCONTRADAS EM PACIENTES COM SAA.
ao ambulatório prontamente ou procurar um serviço de emergência.
* Desidratação
* Distúrbios hidroeletrolíticos
(sódio, potássio e magnésio)
Tratamento clínico suportivo
* Desnutrição
A SAA, com freqüência, vem acompanhada por alguns distúrbios ou
patologias (quadro 1.9 e 1.10), capazes de simular e/ou exacerbar
* Deficiência de vitaminas do complexo B
(tiamina e ácido fólico)
* Hipoglicemia / Diabetes
* Eplepsia
seus sinais e sintomas ou ainda comprometer a boa evolução do
tratamento. Deste modo, o cuidado suportivo visa ao tratamento de
tais enfermidades e à melhora do estado nutricional dos pacientes.
(quadros pós-ictais)
* Parkinsonismo
* Demência
* Hipo / Hipertermia
* Hipertensão arterial sistêmica
* Anemia carenciais (megaloblástica)
Todas as patologias associadas à SAA podem ser detectadas a partir
da anamnese / exame físico e confirmadas por exames laboratoriais
e de imagem (vide em delirium tremens - quadro 2.9).
(macrocítica - hipocrômica)
* Arritmiascardíacas
* Insuficiência cardíaca congestiva
* Hemorragia digestiva alta
* Hepatopatias
(hepatite, esteatose, cirrose)
* Pancreatite alcoólica
Manejo não-farmacológico
* Doenças infecciosas
O tratamento clínico suportivo não-farmacológico consiste na
construção de uma ambiente continente e provedor de poucos
estímulos sensoriais, ou seja, um ambiente quieto, à meia luz, com
(p.e. tuberculose, sepsis, broncopneumonia)
FONTE: Trevisan LA, Boutros N, Petrakis IL, Krystal
JH. Complications of alcohol withdrawal. Alcohol
World Health Res. 1998; 22(1): 61-6.
pouca interação pessoal, reasseguramento por parte da equipe e
oferta / reposição de líquidos e nutrientes. Tal procedimento é suficiente para 75% dos pacientes (síndrome de
abstinência leve - quadro 1.12).
No entanto, não há critérios objetivos para sua indicação
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
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QUADRO 1.10: COMPLICAÇÕES CLÍNICAS
POSSÍVEIS DURANTE A SAA
barbitúrico
BDZ
ALTERAÇÕES NO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE
A hiperventilação, associada ao aumento dos
níveis de catecolaminas pode levar à alcalose
respiratória. Por sua vez, vômitos repetidos
(expoliação de HCl) podem provocar alcalose
metabólica.
ALTERAÇÕES NO EQUILÍBRIO
álcool
HIDRO-ELETROLÍTICO
A ocorrência de vômitos repetidos, diarréia e
sudorese excessiva provocam depleção do
líquidoextracelular deixando o indivíduo mais
suceptível a apresentar hiponatremia e
hipocalemia. No primeiro caso, há ocorrência
de mialgias, câimbras e convulsões; no segundo
hiporreflexia, fraqueza muscular e alterações
específicas do ECG.
Pacientes com SAA apresentam com freqüência
hipomagnesemia.
Há uma relação de
causalidade direta entre os níveis de magnésio e
a ocorrência de convulsões e delirium. Deste
FIGURA 1.4:
Receptor GABA .
Assim como o álcool, os
modo, é importante diagnosticar prontamente tal
benzodiazepínicos (BDZ) também possuem sítios de ligação no receptor
carência e providenciar sua reposição logo no
GABA-A. Como agem sobre o mesmo receptor, possuem tolerância
início do tratamento suportivo.
cruzada. Desse modo, os BDZ podem ser utilizados para estimular o
sistema GABA durante o período mais crítico da síndrome de abstinência.
HIPOVITAMINOSES
Usuários crônicos de álcool tendem a apresentar
Sua retirada gradual possibilita uma readaptação paulatina do sistema
carência de vitaminas, especialmente as
nervoso à ausência do álcool. FONTE: Mihic SJ, Harris RA. GABA and
hidrossolúveis. As causas principais de tal
the GABA-A receptor. Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 127-31.
fenômeno são a baixa ingestão de alimentos e a
má-absorção de vitaminas do complexo B pelo
exclusiva. Além disso o uso da farmacoterapia desde o início pode
aparelho digestivo, devido à baixa produção de
proteger o paciente de complicações neurotóxicas, tais como
fator intrínseco.
convulsões e kindling. Além disso, permite ao mesmo receber alta
hospitalar em um espaço de tempo bem menor.
Ácido fólico (B9)
A carência de ácido fólico leva à anemia
megaloblástica em um curto espaço de tempo.
Os sintomas comuns desta deficiência são o
cansaço e a perda de energia e de vontade. Pode
O tratamento farmacológico para a SAA consiste na administração
ocorrer uma sensação de boca e lingua doridas.
de substâncias capazes de aliviar o quadro de hiperatividade
Tiamina (B1)
glutamatérgica e hipoatividade gabaérgica resultantes da
A deficiência marginal é acompanhada de
neuroadaptação à presença constante do álcool no SNC. Tais
irritabilidade e piora da concentração, evoluindo
na franca para a síndrome de WernickeKorsakoff e neuropatias periféricas.
FONTE: Erazo GAC, Pires MCB.
2000.
medicamentos possuem tolerância cruzada com o álcool, por agirem
nos mesmos receptores (GABA-A) (figura 1.4). Deste modo, aliviam
de imediato os sintomas de abstinência e sua retirada gradual permite
Manual de
urgências em pronto-socorro. Rio de Janeiro: Medsi;
8
Manejo clínico suportivo farmacológico
uma readaptação paulatina do sistema nervoso central (SNC) à
abstinência alcoólica.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
diazepam
clordiazepóxido
desalquilação
temazepam
desalquilação
desmetilclordiazepóxido
demoxepam
oxidação
nordiazepam
redução
desalquilação
oxazepam
hidroxilação
lorazepam
c
o
n
j
u
g
a
ç
ã
o
FIGURA 1.5: Processo de metabolização hepática dos benzodiazepínicos. Substâncias como o clordiazepóxido e o diazepam possuem metabólitos
ativos e passam por várias etapas até a conjugação. Desse modo, demandam mais trabalho por parte do fígado. O lorazepam e o oxazepam (este
último indisponível no Brasil) não possuem metabólitos ativos e passam apenas pela conjugação. Por isso, estão indicados para situações de
insuficiência hepática. FONTE: Hollister LE, Csernansky: Clinical Pharmacology of Psychoterapeutic Drugs. New York: Churchill Livinstone, 1990.
Os benzodiazepínicos (BDZ) são o tratamento de escolha consensual e devem ser administrados tão logo o
diagnóstico seja estabelecido. Todos os BDZ podem ser utilizados, mas o diazepam e o clordiazepóxido são os
mais aconselháveis, por possuírem meia-vida prolongada (quadro 1.11) e serem mais utilizados no tratamento da
SAA. Em pacientes com insuficiência hepática, a dose deve ser adaptada ou então BDZ que passam apenas pela
conjugação hepática (figura 1.5) devem ser escolhidos. No Brasil, o lorazepam é o único com estas características
disponível comercialmente .
Os BDZ devem ser administrados
preferencialmente por via oral. A
administração intramuscular é
QUADRO 1.11: PARÂMETROS TERAPÊUTICOS DOS BENZODIAZEPÍNICOS (BDZ).
BDZ
Meia-vida
Dose terapêutica
Dose-equivalência
(tempo de ação)
(horas)
(miligramas)
(diazepam 10mg)
errática para o diazepam e
clordiazepóxido. O mesmo não
ocorre com o lorazepam, mas
muito curta
Midazolam
1-2
7,5 - 30
15 mg
6 - 20
0,75 - 4
1 mg
6 - 20
1,5 - 18
6 mg
9 - 22
2-6
2 mg
10 - 30
15 - 100
25 mg
20 - 40
1-6
2 mg
14 - 60
5 - 40
10 mg
(Dormonid)
sua apresentação injetável não
está disponível no Brasil. O uso
curta
Alprazolam
endovenoso deve ser feito em
(Frontal, Apraz)
último caso, de forma lenta,
Bromazepam
observando o padrão respiratório
do indivíduo. Os BDZ precipitam
(Lexotan)
Lorazepam
(Lorax)
no soro fisiológico e por isso não
devem ser prescritos desta forma.
intermediária
Clordiazepóxido
(Psicosedin)
Farmacoterapia
para
a
síndrome de abstinência leve
Os pacientes que apresentam
Clonazepam
(Rivotril)
Diazepam
(Valium)
uma forma leve / moderada de
tremores,
transpiração,
FONTE: Hollister LE, Csernansky: Clinical Pharmacology of Psychoterapeutic Drugs. New
York: Churchill Livinstone, 1990.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
9
palpitação, inquietação, perda do apetite, naúsea e vômito
(quadro 1.12), podem fazer a desintoxicação ambulatorialmente,
comparecendo à clínica ou hospital para serem acompanhados pelo
médico responsável. Os retornos devem ser diários e as consultas,
breves (15 - 20 minutos). Os parâmetros de eficácia do tratamento
são a melhora progressiva dos sintomas da síndrome de abstinência
e a ausência de sedação excessiva ao longo da desintoxicação.
Geralmente, quando a retirada é muito rápida, os sintomas reaparecem
em algum grau. Por outro lado, quando se mostra lenta, o paciente
começa a se sentir sedado com doses que outrora lhe deixavam
tranqüilo e vigil.
QUADRO 1.12: CLINICAL WITHDRAWAL
ASSESSMENT REVISED (CIWA-AR)
1. VOCÊ SENTE UM MAL-ESTAR NO ESTÔMAGO
(ENJÔO)? VOCÊ TEM VOMITADO?
0 NÃO
1 NÁUSEA LEVE, SEM VÔMITO
4 NÁUSEA RECORRENTE, COM ÂNSIA DE VÔMITO
7 NÁUSEA CONSTANTE, COM VÔMITO
2. TREMOR NOS BRAÇOS ESTENDIDOS E NOS
DEDOS SEPARADOS.
0 NÃO
1 NÃO VISÍVEL, MAS SENTE
4 MODERADO, COM OS BRAÇOS ESTENDIDOS
7 SEVERO, COM OS BRAÇOS ESTENDIDOS
3.
0
1
4
7
SUDORESE
NÃO
DISCRETA, MAIS EVIDENTE NA PALMA DA MÃO
FACIAL
PROFUSA
4. TEM SENTIDO COCEIRAS, SENSAÇÃO DE
INSETOS
ANDANDO
PELO
CORPO,
FORMIGAMENTOS, PINICAÇÕES?
A dose inicial de BDZ dependerá da intensidade dos sintomas e da
experiência do profissional. Habitualmente, a dose preconizada varia
de 20 - 40 mg de diazepam ao dia, divididos em duas ou mais tomadas
(quadro 1.13). A reposição de vitamínica deve ser feita inicialmente
por via intramuscular, devido à baixa produção de fator intrínseco
pela mucosa gástrica. A partir do décimo dia, pode passar a ser feita
por via oral. A farmacoterapia da SAA grave será abordada no capítulo
sobre o delirium tremens, a seguir.
5. VOCÊ TEM OUVIDO SONS A SUA VOLTA? ALGO
PERTURBADOR, SEM DETECTAR NADA POR
PERTO?
6.
AS LUZES TÊM PARECIDO MUITO
BRILHANTES? DE CORES DIFERENTES? VOCÊ
TEM VISTO ALGO QUE LHE TEM PERTURBADO?
VOCÊ TEM VISTO COISAS QUE NÃO ESTÃO
PRESENTES?
PARA RESPONDER ÀS PERGUNTAS 4, 5 E 6
0
1
2
3
4
5
6
7
NÃO
MUITO LEVE
LEVE
MODERADO
ALUCINAÇÕES MODERADAS
ALUCINAÇÕES GRAVES
ALUCINAÇÕES EXTREMAMENTE GRAVES
ALUCINAÇÕES CONTÍNUAS
7. VOCÊ SENTE NERVOSO?
QUADRO 1.13: PRESCRIÇÃO PARA PACIENTES COM SAA LEVE
(NÃO COMPLICADA) EM TRATAMENTO AMBULATORIAL.
1. Dieta leve
2. Oferecer líquidos à vontade
3. Diazepam 10 mg (VO) (1)
1 comprimido às 8 horas
1 comprimido às 14 horas
2 comprimidos às 20 horas
Diminuir 1/2 comprimido a cada dois dias
4. Tiamina 100mg (IM)
1 ampola por 10 dias
A partir do 11° dia: 1 cp de 300mg (VO) às refeições
5. Ácido fólico 5 mg (VO)
1 comprimido às refeições
6. Propiciar um ambiente calmo, confortável, com pouca
estimulação de luz e som.
7. Proibido dirigir autos/motos ou operar máquinas.
8. Retornos diários ao ambulatório.
9. Procurar um serviço de emergência em caso de piora importante
dos tremores, sudorese, freqüência dos vômitos, inquietação
ou se houver surgimento de alucinações e/ou desorientação .
(1)
A prescrição de BDZ depende da gravidade dos sintomas. A dose inicial
deve estar entre 20 e 40 mg. A presença de sintomas ou de sedação são
os parâmetros para o aumento ou diminuição da dose. Assim que se
encontrar uma dose estável, ou seja, aquela que elimina todos os sintomas
sem sedar o paciente, a mesma deve ser descontinuada ao longo de 7 a10
dias. A prescrição de clordiazepóxido ou lorazepam deve ser feita na
dose-equivalência de diazepam prescrita (quadro 11).
FONTE: Laranjeira R, Jerônimo C, Marques ACPR et al. Consenso sobre a
SAA e seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr 2000; 22(2): 62-71.
10
OBSERVAÇÃO DO ENTREVISTADOR
0
1
4
7
NÃO
MUITO LEVE
LEVEMENTE
ANSIEDADE GRAVE, EM ESTADO DE PÂNICO
8. VOCÊ SENTE NA CABEÇA? TONTURA, DOR,
APAGAMENTO?
0 NÃO
1 MUITO LEVE
2 LEVE
3 MODERADO
4 MODERADO/GRAVE
5 GRAVE
6 MUITO GRAVE
7 EXTREMAMENTE GRAVE
9.
0
1
4
7
AGITAÇÃO
NORMAL
UM POUCO MAIS QUE A ATIVIDADE NORMAL
MODERADAMENTE
CONSTANTE
10. QUE DIA É HOJE? ONDE VOCÊ ESTÁ?
QUEM SOU EU?
OBSERVAÇÃO DO ENTREVISTADOR
0 ORIENTADO
1 INCERTO SOBRE A DATA, RESPOSTA INSEGURA
4 DESORIENTADO COM DATA, NÃO MAIS QUE 2
DIAS
3 DESORIENTADO COM DATA, MAIS QUE 2 DIAS
7 DESORIENTADO COM O LUGAR E A PESSOA
0-9
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA LEVE
10 - 18 SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA MODERADA
19 - 70 SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA GRAVE
FONTE: Sullivan JT, Sykora K, Schneiderman J, Naranjo CA,
Sellers EM. Assessment of alcohol withdrawal: the Clinical
Institute Withdrawal Assessment Alcohol Scale (CIWA-AR). Br
J Addict 1989; 84: 1353-7.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
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Erazo GAC, Pires MCB. Manual de urgências em pronto-socorro. Rio de Janeiro: Medsi; 2000.
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Hollister LE, Csernansky: Clinical Pharmacology of Psychoterapeutic Drugs. New York: Churchill Livinstone, 1990.
Laranjeira R, Nicastri S, Jerônimo C, Marques ACPR. Consenso sobre a Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA)
e o seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr 2000, 22(2): 62-71.
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drogas. Porto Alegre: Artmed, 1994.
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1998; 22(1): 13-24.
Maciel C, Kerr-Corrêa F. Complicações psiquiátricas do uso crônico do álcool: síndrome de abstinência e outras
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Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In: Ribeiro M, Marques ACPR. Usuários de substâncias psicoativas. São Paulo:
CREMESP / AMB; 2002.
Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação dos Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed; 1993.
Sullivan JT, Sykora K, Schneiderman J, Naranjo CA, Sellers EM. Assessment of alcohol withdrawal: the Clinical
Institute Withdrawal Assessment Alcohol Scale (CIWA-AR). Br J Addict 1989; 84: 1353-7.
Trevisan LA, Boutros N, Petrakis IL, Krystal JH. Complications of alcohol withdrawal. Alcohol World Health Res.
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Vaillant G. História natural do alcoolismo. Porto Alegre: Artmed; 1999.
Zaleski M, Morato GS, Silva VA, Lemos T. Aspectos neurofarmacológicos do uso crônico e da síndrome de abstinência
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CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
11
12
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
2. DELIRIUM TREMENS E OUTRAS COMPLICAÇÕES DA
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
COMPLICAÇÕES DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL (SAA)
Conforme o capítulo anterior, os casos de síndrome de abstinência do
QUADRO 2.1: PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES
DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
álcool são em sua maior parte leves, de evolução benigna, podendo
ser tratados com eficácia e segurança ambulatorialmente. No entanto,
* Convulsões
* Síndrome de Wenicke-Korsakoff
uma pequena parte destes pode complicar, com piora e exacerbação
* Delirium tremens
dos sintomas de abstinência e / ou com aparecimento de convulsões e
FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol
rebaixamento do nível de consciência (quadro 2.1). São sinais que
withdrawal syndrome. Alcohol World Health Res
1997; 21(2): 149-56.
requerem atenção por parte do médico, uma vez que o tratamento
frente a estas situações é relativamente simples e seguro, mas a mortalidade entre os casos não tratados pode
chegar a 20%.
CONVULSÕES RELACIONADAS À SINDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
Cerca de 10 a 15% de usuários de álcool apresentam crises convulsivas, tipo grande mal durante seus períodos de
abstinência. O consumo do álcool diminui o limiar convulsivo, mas deve ser utilizado por longos períodos para
desencadea-las (sugere-se pelo menos 5 anos de uso contínuo).
Em mais de 90% dos casos, ocorrem entre 7
e 38 horas após a última dose, com pico após 24 horas (figura 2.1). Em 40% dos casos, as crises ocorrem
isoladamente. Nos pacientes que apresentam mais de uma crise, elas ocorrem geralmente em número limitado.
Metade das tomografias de crânio de pacientes acometidos apresentam algum tipo de lesão estrutural e um terço
desses pacientes apresentam sinais neurológicos focais ao exame físico.
Indivíduos com história prévia de epilepsia
ou lesão do SNC estão mais predispostos
convulsões
hiperatividade autonômica e / ou confusão mental
tremores
Incidência dos casos (%)
70
60
convulsões durante a SAA podem indicar
50
a presença de outras alterações, tais como
40
hipomagnesemia, hipoglicemia, alcalose
30
respiratória, aumento do sódio intracelular
20
e
10
0
traumatismo
com
hemorragia
intracraniana.
1
2
3
4
5
6
14
Dias após parar de beber
FIGURA 2.1:
a este tipo de complicação. Além disso,
Relação entre a interrupção do consumo de álcool e a incidência de
Um terço das convulsões não tratadas
sintomas de abstinência e suas complicações. FONTE: Trevisan LA, Boutros N, Petrakis
evoluem para o delirium tremens. Desde
IL, Krystal JH. Complications of alcohol withdrawal. Alcohol World Health Res. 1998;
modo, é fundamental que todas as crises
22(1): 61-6.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
13
convulsivas sejam tratadas. Pacientes sem história anterior
QUADRO 2.2: INTERFERÊNCIAS DO ÁLCOOL NO
METABOLISMO DA TIAMINA NO ORGANISMO.
de convulsões relacionadas à SAA respondem bem apenas
aos BDZ instituídos para o tratamento da SAA. O diazepam
(ou um BDZ de ação longa) é a medicação de escolha, na
dose de 10 ou 20 mg, via oral. O uso endovenoso é
APORTE
Déficit nutricional, uma vez que as “calorias vazias” do álcool
provocam saciedade e inibem a ingestão de alimentos, muitas
vezes por dias. Deste modo, há prejuízo no aporte das vitaminas
hidrossolúveis não produzidas pelo organismo (complexo B e ácido
ascórbico).
especialmente indicado durante os episódios convulsivos.
Quando houver história prévia de epilepsia, devem ser
mantidos os medicamentos já utilizados pelo paciente. Em
caso de crises isoladas não há indicação de carbamazepina,
tampouco de difenil-hidantoína (fenitoína) no tratamento
dessa complicação da SAA.
Mau hábito alimentar, pobre em vitamina B1 e rico em carboidratos
(CH). Como a quebra dos CH é realizada por enzimas tiaminodependentes, alfa-ketoglutarato desidrogenase e piruvato
desidrogenase, os níveis de tiamina ficam ainda mais prejudicados.
ABSORÇÃO
Pangastrite, comprometendo a produção de fator intrisneco pela
região fundica do estômago. O fator intrínseco é fundamental
para a absorção da tiamina na luz intestinal.
Ácido fólico (vitamina B9). A carência desta vitamina (como é o
caso dos usuários crônicos de grandes quantidades de álcool)
interfere negativamente na absorção de tiamina.
SÍNDROME DE WERNICKE - KORSAKOFF (SWK)
A síndrome de Wernicke-Korsakoff (SWK) é uma forma de
dano cerebral, por vezes letal, associada ao uso indevido de
álcool.
A síndrome é composta por duas entidades
nosológicas distintas, porém relacionadas: a encelopatia
de Wernicke e a psicose de Korsakoff.
Vômitos, prejudicando o processo e o tempo adequados de
absorção dos nutrientes.
ARMAZENAMENTO
Hepatopatias alcoólicas (hepatite, esteatose, cirrose),
comprometem a capacidade do fígado em armazenar tiamina.
AÇÃO ENZIMÁTICA
Redução da enzima ativadora da tiamina. Para servir como
cofator de enzimas responsáveis pela produção de energia
direcionada para a sintese de proteínas e mielina, a tiamina precisa
ser convertida em uma forma ativa pela enzima tiamina
pirofosfoquinase. O uso prolongado do álcool reduz a atividade
desta enzima, originando menos tiamina ativada.
Cerca de 10 - 20% dos dependentes de álcool apresentam
esta complicação, aparecendo principalmente entre a quarta
e a quinta década de vida.
A SWK está associada ao
déficit de tiamina (vitamina B1) no organismo. Qualquer
situação alteradora do processo de obtenção de tiamina pelo
organismo - síndrome de má-absorção, anorexia, hiperemese
gravítica, obstrução gastrointestinal, gastrectomia (parcial ou
total) alimentação parenteral prolongada, tireotoxicose e
hemodiálise - pode desencadea-la, mas o consumo excessivo
e prolongado do álcool é a causa de 90% dos casos.
Ativação de enzimas metabolizadoras da tiamina ativada. Além
de comprometer a formação, o consumo indevido e prolongado
de álcool, ativa enzimas destruidoras da tiamina ativada. Através
destes mecanismos, o álcool pode reduzir a atividade de
enzimas tiamino-dependentes e afetar o metabolismo cerebral,
mesmo quando o aporte e a absorção da vitamina estão
normais.
FONTE: [1] Hoyumpa, AM: Mechanisms of thiamine deficiency
in chronic alcoholism. American Journal of Clinical Nutrition
33:2750-2761, 1980. [2] Langlais, PJ: Role of diencephalic
lesions and thaimine deficiency in Korsakoff’s amnesia: Insights
from animal models. In Squire, LR, and Butters, N, eds.
Neuropsychology of Memory. New York: Guildford Press, 1992.
[3] Mesulam, MM; Van Hoesen, GW; and Butters, N: Clinical
manifestations of chronic thiamine deficiency in the rhesus
monkey. Neurology 27:239-245, 1977.
A tiamina tem papel fundamental na oxidação dos
carboidratos. A metabolização da glicose pelas células nervosas depende de enzimas cujo cofator enzimático é a
tiamina pirofosfato (quadro 2.2). Essa, por sua vez, é obtida a partir da fosforilação da tiamina pela enzima
tiamina fosofoquinase. O consumo de álcool interfere no metabolismo da tiamina no organismo de diversas
maneiras: diminui o aporte, prejudica a absorção, o armazenamento e a ação das enzimas tiamino-dependentes
(quadro 2.2, figura 2.2). Neste último caso, o álcool diminui a ação da tiamina fosfoquinase, além de aumentar a
metabolização da mesma (quadro 2.2). Isso provoca uma depleção de tiamina pirofasfato, reduzindo, assim, o
consumo de glicose pelos neurônios em até 60%. Os neurônios trabalham no limite energético, sem reservas.
14
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
Ingestão deficitária
de tiamina
Consumo excessivo e prolongado de álcool
Diminuição da absorção
da tiamina pelo trato
gastrintestinal
Diminuição da
fosforilação da
tiamina no cérebro
Diminuição dos níveis de tiamina pirofosfato (‘tiamina ativada’)
Diminuição da atividade da enzima α-ketoglutarato desidrogenase
Diminuição da oxidação do piruvato
Diminuição da
síntese de
neurotransmissores
Diminuição
da síntese de
ATP
Aumento
de ácido
láctico
Lesões bioquímicas
Morte celular
Lesões diencefálicas
Dano cortical por
ação direta do
álcool
Déficits de memória
e aprendizado
Demência
fenômeno cientificamente comprovado
Déficits
cognitivos
fenômeno provável
FIGURA 2.2: Os complexos mecanismos envolvidos na neurotoxicidade secundária ao déficit de tiamina (vitamina B1). Associado à queda
da ingestão de tiamina, o consumo de grandes quantidade de álcool por longos períodos compromete não apenas a absorção, mas também o
armazenamento hepático e a fosforilação da tiamina (tiamina ativada). A falta de tiamina fosforilada diminui a atividade das enzimas alfa-ketoglutarato
desidrogenase e piruvato desidrogenase, responsáveis pela produção de energia destinada à sintese de proteínas e mielina pelos neurônios. O
neurônio trabalha sempre no limite energético, sem reservas. Deste modo, tais oscilações provocam lesões ou mesmo morte celular, que se
traduzirão em déficits de memória e aprendizado e provavelmente quadros demenciais, potencializados pela ação tóxica direta do álcool.
FONTE: [1] Hoyumpa, AM: Mechanisms of thiamine deficiency in chronic alcoholism. American Journal of Clinical Nutrition 33:2750-2761, 1980.
[2] Langlais, PJ: Role of diencephalic lesions and thaimine deficiency in Korsakoff’s amnesia: Insights from animal models. In Squire, LR, and Butters, N,
eds. Neuropsychology of Memory. New York: Guildford Press, 1992. [3] Mesulam, MM; Van Hoesen, GW; and Butters, N: Clinical manifestations of
chronic thiamine deficiency in the rhesus monkey. Neurology 27:239-245, 1977.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
15
Deste modo, uma redução no aporte de glicose para a célula
QUADRO 2.3: ENCEFALOPATIA DE WERNICKE.
gera sofrimento, lesão e morte celular (figura 2.2). O resultado
são lesões focais no tálamo, hipotálamo, corpos mamilares e
assoalho do quarto ventrículo, degeneração do verme cerebelar
* Confusão mental
* Oftalmoplegia e nistagmo (vertical e horizontal)
* Ataxia
e neuropatia periférica. Histologicamente encontram-se células
inflamatórias, hemorragias petequiais e perda neuronal.
FONTE: Zubaran et al. Aspectos clínicos e
neuropatológicos da síndrome de Wernicke-Korsakoff.
Rev Saúde Pub 1996; 30(6): 602-8.
A encefalopatia de Wernicke tem início abrupto, com
QUADRO 2.4: SINAIS E SINTOMAS QUE INDICAM
rebaixamento do nível de consciência, distúrbios oculomotores e
A PRESENÇA DA ENCEFALOPATIA DE
ataxia cerebelar. O sintoma mais comum é a confusão mental
WERNICKE.
(82%), seguido dos distúrbios oculomotores (29%) e ataxia (23%).
Não é necessária a presença da tríade para o diagnóstico. Os
distúrbios oculomotores incluem nistagmo (horizontal ou vertical)
Usuários crônicos de álcool com qualquer um destes:
* Confusão mental
* Rebaixamento do nível de consciência
* Oftalmoplegia e nistagmo (vertical e horizontal)
e paralisia ocular completa (oftalmoplegia). A ataxia pode preceder
a confusão mental em dias e permanecer algumas semanas após
* Ataxia
* Distúrbios de memória
* Hipotermia com hipotensão
sua resolução desta.
FONTE: Royal College of Physicians. ALCOHOL - can
the NHS afford it? London: RCP; 2001.
A ausência de resposta clínica clara em 48-72 horas sugere mau
prognóstico. A mortalidade é ao redor de 17%. Embora a tríade desapareça em torno de um mês após o tratamento,
80 a 85% de todos os casos de encefalopatia de Wernicke evoluem para a síndrome amnéstica ou psicose de
Korsakoff .
O tratamento da encefalopatia de Wernicke deve ser prontamente
QUADRO 2.5: REPOSIÇÃO DE TIAMINA EM
INDIVÍDUOS COM DIAGNÓSTICO OU RISCO DE
instituído, tendo em vista o risco de morte e de evolução para a
ENCEFALOPATIA DE WERNICKE.
psicose de Korsakoff. A administração de tiamina previne a
progressão da doença e reverte as anormalidades cerebrais que
Diagnóstico confirmado
não tenham provocado danos estruturais estabelecidos.
(confusão mental, ataxia e oftalmoplegia)
1. Duas ampolas de Complexo B (EV) no SF0,9%
utilizado na hidratação do indivíduo (3 - 5 dias).
No entanto, a semelhança entre a encefalopatia de Wernicke e a
SAA grave, o delirium tremens e mesmo a intoxicação alcoólica
2. Tiamina 100mg (EV) ao dia lento até a melhora da
síndrome (3 - 5 dias)
3. Magnésio 50% 2 ml (IM), se houver hipomagnesemia
(quadro 2.4), faz com que esta patologia seja subdiagnosticada
com bastante freqüência. Apenas um terço dos casos apresenta
Diagnóstico presumido
(sinais comuns à SWK, SAA e delirium tremens)
a oftalmoplegia, sinal mais característico da encefalopatia. Desde
modo, todos os casos de sindrome de abstinência e delirium
devem ser tratados presumindo a presença da encefalopatia
de Wernicke.
1. Duas ampolas de Complexo B (EV) no SF0,9%
utilizado na hidratação do indivíduo (3 - 5 dias).
2. Tiamina 100mg 1 ampola (EV) lento
3. Tiamina 200mg (IM) por 7 - 10 dias.
4. Magnésio 50% 2 ml (IM), se houver hipomagnesemia
Período de alta ou após o décimo dia
Por se tratar de uma situação emergencial, casos confirmados
devem receber 100mg de tiamina endovenosa até a oftalmoplegia
melhorar (quadro 2.5). O desaparecimento da ataxia pode levar
dias ou semanas. Uma das causas de não-resposta ao tratamento
16
1. Tiamina 50mg (VO) às refeições.
2. Ácido Fólico 5mg (VO) às refeições
FONTE: Royal College of Physicians. ALCOHOL - can
the NHS afford it? London: RCP; 2001.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
é a hipomagnesemia. Portanto o sulfato de magnésio (1-2ml
QUADRO 2.6: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA
em solução de 50%) deve ser administrado por via
PSICOSE DE KORSAKOFF OU SÍNDROME
intramuscular concomitantemente. Casos onde o diagnóstico
AMNÉSTICA.
é presumido, a reposição de tiamina pode ser feita pela via
Uma síndrome associada a um comprometimento
intramuscular (quadro 2.5). Após um período de uso
crônico e proeminente da memória recente; a memória
remota está às vezes comprometida, enquanto que a
endovenoso / intramuscular, o indivíduo pode passar a receber
o aporte vitamínico por via oral (quadro 2.5).
imediata está preservada. Perturbações da orientação
temporal e cronológica de eventos são usualmente
evidentes, assim como as dificuldades em aprender
material novo. Confabulação pode ser marcante, mas
A psicose de Korsakoff ou síndrome amnéstica é
não está invariavelmente presente. Outras funções
classicamente descrita como uma condição crônica na qual
cognitivas estão em geral relativamente bem
ocorre um predomínio de amnésia retrógrada e anterógrada,
preservadas
e
os
defeitos
amnésticos
são
desproporcionais em relação às outras perturbações.
secundária e conseqüente ao curso crônico da encefalopatia
de Wernicke ou após delirium tremens. Em alguns casos pode
Diretrizes diagnósticas
progredir de forma insidiosa. A confabulação, considerada o
A síndrome amnéstica, induzida por álcool ou outras
sintoma típico, muitas vezes não está presente de forma
substâncias psicoativas, aqui codificada, deve
marcante e não é pré-requesito diagnóstico.
preeencher os critérios gerais para síndrome amnéstica
orgânica. Os requisitos primários para este diagnóstico
são:
Como o próprio nome sugere, os defeitos amnésticos são os
(1)
mais evidentes e estão mais efetados do que qualquer outra
perturbação cognitiva presente. Podem ocorrer alterações de
comportamento sugestivas de lesão no lobo frontal (apatia,
comprometimento
de
memória
recente
(aprendizagem de material novo); perturbações do
sentido de tempo (rearranjos da seqüência cronológica,
superposição de eventos repetidos em um só, ...).
inércia, negligência com o autocuidado, perda de insight), mas
(2) ausência de defeitos da memória imediata, de
não são necessárias para o diagnóstico. Boa parte dos
comprometimento
indivíduos acometidos evolui com empobrecimento cognitivo
(pensamento, aprendizagem, atenção) e afetivo (embotamento,
isolamento) importantes.
de
consciência
e
de
comprometimento cognitivo generalizado.
(3) história ou evidência objetiva de uso crônico (e
particularmente em altas doses) de álcool ou drogas.
FONTE: CID - 10 / OMS (1993)
Ao contrário da depressão maior e de alguns quadros
demenciais, onde o déficit de memória é geralmente percebido
com ansiedade e angústia, pacientes com síndrome amnéstica possuem pouca ou nenhuma crítica acerca de sua
amnésia e dos agentes causais. Tal ausência de crítica os expõe a uma série de complicações, muitas vezes
QUADRO 2.7: CONFABULAÇÃO
As confabulações constituem no relato de coisas fanstásticas que, na realidade, nunca aconteceram. Em grande parte, resultam de uma
alteração da memória de fixação e de uma incapacidade para distinguir as imagens produzidas pela fantasia. Na confabulação, lembranças
isoladas autênticas completam erroneamente lacunas da memória. Isto pode gerar tanto conteúdos absurdos e inverossímeis (oniróides),
como histórias providas de lógica e sentido.
Assim, a invenção livre é tomada por acontecimentos vividos (as confabulações preenchem um vazio de memória e se mostram como que
criadas para este fim). Ao mesmo tempo não há compromisso com o descrito. Uma mesma pergunta feita em períodos de tempo diferentes,
produzirá respostas distintas. Isso não acontece, por exemplo, no trantorno delirante, quando a nova leitura da realidade é estruturada e
estável, não mudando ao longo do tempo.
FONTE: Paim I. Psicopatologia. São Paulo: EPU, 1986.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
17
inviabilizadoras do convívio social (não cumprir compromissos, contestar promessas ou dívidas, se mostrar menos
hábil para negociar e resolver questões do dia-a-dia). A psicose de Korsakoff não é progressiva (como o mal de
Alzheimer) e em geral há algum padrão de melhora com a abstinência, longe de significar, porém, o retorno às
atividades habituais. De fato, ao contrário do que ocorre com a encefalopatia de Wernicke, o quadro clínico da
síndrome de Korsakoff não reverte sensivelmente após a reposição de tiamina.
Além disso, tais indivíduos se
apresentam para tratamento com grandes limitações psicossociais
decorrentes do seu uso crônico e intenso de álcool anterior
(desemprego, descrédito familiar, abandono social ...). O déficit
de memória dificulta a elaboração de um contrato entre o médico,
o paciente e a família. Muitas vezes, o paciente continua a beber,
justificando (ou negando) tal atitude com fabulações
inconsistentes, porém refratárias à qualquer argumentação. Isso
QUADRO 2.7: CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
ESSENCIAIS DO DELIRIUM .
(1) Rebaixamento do nível de consciência
Prejuízo da capacidade de focar e manter a atenção
(2) Desorientação do tempo e espaço
Falsos reconhecimentos de locais e pessoas
(3) Distúrbios da representação
Alucinações visuais, auditivas e tateis
pode levar o profissional e os familiares a buscar tratamento
incialmente em ambiente fechado e protegido. O diagnóstico
diferencial com demência alcóolica nem sempre é fácil.
(4) Causa orgânica
Há sempre uma explicação fisiopatológica plausível
(5) Natureza flutuante do nível de consciência
Piora no fim do dia (sundowning)
(6) Curso autolimitado
Desaparecimento espontâneo dos sintomas
Quanto à farmacoterapia, a clonidina (0,3mg 2 vezes ao dia),
tem sido associada à melhora discreta da memória recente. Esta
FONTE: APA. Practice guideline for the treatment of
patients with delirium. NY: APA; 1999.
também foi utilizada em combinação com os inibidores seletivos
da recaptação de serotonina (ISRS).
O propanolol (20mg/kg/dia) já foi ministrado visando ao controle dos
sintomas agudos. Recentemente, estudos abertos e relatos de caso têm encontrado melhora dos padrões cognitivos
em pacientes recebendo agentes anticolinesterásicos.
Infelizmente nenhum desses tratamentos parece ser
muito eficaz. Desse modo, os pacientes se beneficiam mais com abordagens cognitivo-comportamentias e
vocacionais voltadas à reorganização do seu cotidiano.
DELIRIUM NÃO É DELÍRIO.
DELIRIUM TREMENS
O delirium tremens caracteriza-se por um quadro
confusional agudo de natureza orgânica, flutuante e
autolimitado (quadro 2.7). Inicia-se cerca de 72 horas
* Delírio: Conjunto de juízos falsos, que não fazem sentido
para a cultura que o cerca e refratário à argumentação
racional. Ele se desenvolve a partir de transtornos préexistentes (esquizofrenia, trantorno delirante,...). Não há
alterações do nível de consciência e da orientação.
após a última dose e dura cerca de 2 a 6 dias (figuras
1.4 e 2.1). Apenas uma pequena parte dos abstinentes
evolue para este estágio. É uma condição de urgência
médica, associada a risco significativo de morte, porém,
* Delirium: Rebaixamento do nível de consciência, levando
a alterações cognitivas (desorientação temporo-espacial)
e da representação (alucinações). Ele se desenvolve a
partir de uma condição médica geral, de natureza orgânica.
com opções rápidas e eficazes de tratamento.
FONTE: Paim I. Psicopatologia. São Paulo: EPU, 1986.
O delirium tremens é uma complicação da síndrome de
abstinência do álcool (SAA). Desde modo, ele é invariavelmente acompanhado por sintomas de hiperatividade
autonômica. Além disso, há associação com distúrbios do sono (insônia, agitação noturna), psicomotores
(inquietação ou letargia) e emocionais
18
(ansiedade, medo, depressão, irritabilidade, raiva, apatia).
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
A sintomatologia habitual, em graus variados de intensidade,
QUADRO 2.8: CONDIÇÕES MÉDICAS GERAIS
caracteriza-se por estado confusional flutuante , com
COMUMENTE ASSOCIADAS COM DELIRIUM.
estreitamento do campo vivencial e marcado por desorientação
SISTEMA NERVOSO CENTRAL
temporal e espacial, prejuízo da memória de fixação (fatos
* Traumatismo cranio-encefálico (TCE)
recentes), desagregação do pensamento, alucinações e delírios,
* Convulsões
que se somam aos sinais e sintomas de abstinência iniciais
(tremor, inquietação/agitação psicomotora, insônia, sudorese,
febre leve, taquicardia, excitação autonômica pronunciada,...).
* Estado pós-ictal
* Doenças vasculares (p.e. encefalopatia hipertensiva)
* Doenças degenerativas
DISTÚRBIOS METABÓLICOS
O afeto é lábil, marcado por estados ansiedade e temor,
* Insuficiência renal (p.e. uremia)
podendo haver depressão, raiva, euforia ou apatia, com
* Insuficiência hepática (p.e. encefalopatia hepática)
mudanças repentinas e imprevisíveis de um estado para o outro
(labilidade afetiva).
* Anemia
* Hipóxia
* Hipoglicemia
* Deficiência de tiamina (encefalopatia de Wernicke)
O quadro alucinatório clássico é visual: insetos e pequenos
animais, mas pode haver também formas táteis, com sensação
de insetos e animais caminhando pelo corpo do paciente e
* Endocrinopatias
* Distúrbios hidroeletrolíticos
* Distúrbios do equilíbrio ácido-básico
DISTÚRBIOS CÁRDIO-PULMONARES
formas auditivas, que vão de ruídos e sons primários a vozes
* Infarto do miocárdio
de natureza persecutória. Os pacientes com quadros ilusionais
* Insuficiência cardíaca congestiva
tomam objetos por animais (p.e. o equipo do soro é uma cobra)
e identificam pessoas erradamente (falsos reconhecimentos).
A reação afetiva à experiência alucinatória é congruente e
* Arritmia cardíaca
* Choque
* Insuficiência respiratória
DOENÇAS SISTÊMICAS
geralmente marcada por ansiedade intensa (terror) e agitação.
* Infecções
Os delírios podem ser sistematizados ou não.
* Neoplasias
* Trauma severo
* Privação sensorial
Diagnóstico diferencial
O delirium possui sempre uma base orgânica, ou seja, a história
* Hipo / hipertermia
* Estados pós-operatórios
clínica, o exame físico, laboratorial e/ou de imagem são
INTOXICAÇÃO OU ABSTINÊNCIA
capazes de relacionar o delirium a uma condição médica geral,
* substâncias psicoativas
intoxicação ou abstinência de substâncias psicoativas,
exposição a toxinas ou uma combinação destes (quadro 2.8).
álcool, anfetaminas, canábis, cocaína, alucinógenos, inalantes,
opióides, sedativos, hipnóticos e outros
* medicamentos
anestésicos, analgésicos, anti-asmáticos, anticonvulsivantes,
No caso da SAA, tais combinações devem ser sempre
aventadas e investigadas. De maneira geral, todas as
anti-histamínicos, anti-hipertensivos, alguns antibióticos,
antiparkinsonianos, corticoesteróides, relaxantes musculares,
imunossupressivos, lítio, anticolinérgicos.
* toxinas
anticolinesterase, insecticidas organofosforados, monóxido de
condições médicas capazes de causar delirium são
complicações possíveis do uso prolongado e intenso do álcool
ou da síndrome de abstinência do mesmo (quadro 1.9).
carbono, dióxido de carbono, substâncias voláteis
(solventes, gasolina,...)
FONTE: APA. Practice guideline for the treatment of
patients with delirium. NY: APA; 1999.
Apenas para citar alguns exemplos, o uso indevido de álcool
está associado a quedas (TCE), doenças vasculares
(hipertensão arterial, AVC, IAM) e convulsões. Há risco de hepatopatias (hepatite, esteatose, cirrose), endocrinopatias
(pancreatite, pseudocushing, ...), infarto do miocárdio, neoplasias e hipotermia. A redução do consumo de alimentos
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
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Álcool e alcoolismo
Farmacológicos
Efeitos
tóxicos
diretos
Outras
Síndrome de Déficit
Hepatopatias Traumatismo causas
craniano
abstinência nutricional
Efeitos adversos ao sistema nervoso
FIGURA 2.3: O consumo crônico e intenso de álcool pode efetar o sistema nervoso de diversas maneiras, de forma direta e/ou indireta. Desse
modo, um princípio essencial no manejo clínico do delirium é a identificação e correção de todos os fatores etiológicos envolvidos. Para isso, a uma
história clínica cuidadosa (com o paciente - se possível - e seus familiares) e exames laboratoriais e de imagem são de fundamental utilidade.
FONTE: Oscar-Berman M, Shagrin B, Evert DL, Epstein C. Impairments of brain and behavior - the neurological effects of alcohol. Alcohol World
Health Res 1997; 21(1): 65-75.
QUADRO 2.9: EXAMES LABORATORIAIS GERAIS E ESPECÍFICOS PARA AUXILIAR O DIAGNÓSTICO DOS FATORES
ETIOLÓGICOS DO DELIRIUM.
BÁSICOS
ESPECÍFICOS
Devem ser solicitados para todos os pacientes com delirium.
Devem ser solicitados de acordo com a investigação clínica.
(1) Exames de sangue
(1) Exames de sangue
*
*
*
*
*
*
*
*
* sorologia para sífilis
hemograma completo
sódio, potássio, cálcio e magnésio
uréia / creatinina
glicemia
TGO / TGO / GGT
bilirrubinas totais e frações
albumina
fosfatase alcalina
venereal disease research labortory - VDRL
*
*
*
*
*
sorologia para HIV (ELISA)
pesquisa de metais pesados
pesquisa de medicamentos
níveis séricos de B12, folatos
células LE / anticorpos antinucleo (ANA)
(2) pesquisa de drogas psicotrópicas na urina
(2) Eletrocardiograma
(3) RX de tórax
(4) Urina I
(3) Urocultura
(4) Hemocultura
(5) Punção lombar (líquor cefaloraquidiano)
(6) Tomografia computadorizada do cérebro
(7) Ressonância nuclear magnética do cérebro
(8) Eletroencefalograma
FONTE: APA. Practice guideline for the treatment of patients with delirium. NY: APA; 1999.
20
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
(quantitativa e qualitativamente) pode ocasionar deficiências
QUADRO 2.10: CAUSAS REVERSÍVEIS DE
vitamínicas, anemias carenciais e hipoglicemia. Por fim, a
DELIRIUM QUE REQUEREM ATENÇÃO IMEDIATA.
combinação entre hepatopatia e sub / desnutrição pode
prejudicar a eficácia do sistema imunológico, aumentando os
riscos de infecção.
HIPOGLICEMIA
Diagnóstico:
Determinar a glicemia prontamente, por ponta de dedo
ou glicofita, além de solicitar o exame laboratorial.
Conduta:
Desde modo, considerando o usuário crônico de álcool, é
Tiamina 100mg (EV) - antecedendo à glicose
Glicose 50% 50ml (EV)
importante averiguar se além do delirium tremens, outras
complicações ocasionadas pelo consumo também estão
provocando alterações no funcionamento mental (figura 2.3).
Além da história clínica e do exame físico, exames laboratoriais
e de imagem podem ser úteis nesta etapa (quadro 2.9). Um
dos objetivos desta etapa é a descoberta de causas reversíveis
de delirium e a prevenção de complicações a partir do rápido
tratamento destes distúrbios. Os mais importantes são:
hipoglicemia, hipóxia / anóxia, hipertensão e deficiência de
tiamina (quadro 2.10).
HIPÓXIA
Diagnóstico:
Possui várias causas, tais como pneumonia, doenças
pilmonares obstrutivas ou restritivas, cardiopatias,
hipotensão severa, anemia, envenenamento por
monóxido de carbono.
Conduta:
Disponibilizar oxigênio imediatamente
Intervenção sobre a causa base
HIPERTERMIA
Diagnóstico:
Temperatura acima de 40,5°.
Conduta:
Resfriamento rápido.
Geralmente, os sintomas de delirium podem durar de alguns
dias a mais de dois meses. No caso da SAA complicada,
espera-se que o quadro não se arraste por mais de dez dias.
Assim, a permanência de sintomas após este período sugere
a presença de outra causa orgânica além da SAA.
Tratamento
O delirium tremens é indicação absoluta de internação. Os
pacientes devem passar pela mesma avaliação diagnóstica e
receber o mesmo tratamento suportivo não-farmacológico
descrito para os casos de SAA leve: permanência em ambiente
à meia-luz, desprovido de estímulos audio-visuais. Ao
entardecer ou em ambientes pouco iluminados, pode haver
piora do estado confusional, fenômeno conhecido por
sundowning. Em casos de agitação e confusão extremas é
necessário fazer a contenção mecânica (quadro 2.11), visando
à prevenção de auto / heteroagressividade.
ENCEFALOPATIA DE WERNICKE
Diagnóstico:
Pode ser confirmado ou presumido
Conduta:
Tiamina 100mg (EV), seguida de aplicações diárias por
via
endovenosa,
intramuscular
ou
oral
(vide a seção “síndrome de Wernicke - Korsakoff”).
DELIRIUM ANTICOLINÉRGICO
Uma causa de delirium freqüentemente não
diagnosticada.
Diagnóstico:
Confirmar a utilização terapêutica ou abusiva de
anticolinérgicos.
Conduta:
Suspender o fator causal
Em casos graves, considerar o uso de fisostigmina
Prevenção
No manejo da agitação e insônia da SAA / delirium
tremens evitar o uso de medicamentos com ação
anticolinérgica, tais como a prometazina, clorpromazina,
levomepromazina e tioridazina. Antidepressivos como
a amitriptilina (apesar de não indicada para estas
ocasiões) também possuem ação anticolinérgica
importante.
FONTE: APA. Practice guideline for the treatment of
As primeiras intervenções devem estar voltadas para as
patients with delirium. NY: APA; 1999.
condições agudas que normalmente acompanham os casos
graves de SAA / delirium tremens e são capazes de colocar a vida do paciente em risco. Muitas vezes, elas são
tratadas sintomaticamente, antes da determinação da etiologia específica e definitiva. É o caso das causas reversíveis
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
21
de delirium citadas anteriormente (quadro 2.10). Além
QUADRO 2.11: A CONTENÇÃO FÍSICA.
das causas reversíveis de delirium, patologias primárias
ou secundárias à SAA, tais como hipertensão arterial
Os pacientes agitados e violentos devem ser contidos, se
não forem suscetíveis à intervenção verbal. A contenção
sistêmica (HAS), diabetes mellitus e infecções devem
deve ser feita por uma equipe treinada, preferivelmente com
receber as condutas indicadas para cada caso e situação.
quatro ou cinco pessoas. É muito importante explicar ao
paciente o motivo da contenção.
No caso específico da hipoglicemia, vale relembrar que
Os pacientes devem ser contidos com as pernas bem
a encefalopatia de Wernicke é uma contra-indicação à
afastadas e com um braço preso em um lado e o outro preso
sobre a sua cabeça. A contenção deve ser feita de modo que
administração de glicose. Por sua vez, a hipoglicemia
as medicações possam ser administradas. A cabeça do
também provoca delirium, representa um risco de morte
paciente deve estar levemente levantada para diminuir a
considerável e por isso requerer aplicação imediata de
sensação de vulnerabilidade e reduzir a possibilidade de
aspiração.
glicose. Para evitar que uma conduta atrapalhe a outra,
é importante descartar rapidamente a hipoglicemia
(ponta de dedo ou glicofita) e em caso positivo, aplicar
tiamina endovenosa antes da administração de glicose.
A contenção deve ser removida, uma de cada vez a cada
cinco minutos, assim que o paciente seja medicado e
apresente melhora do quadro de agitação. Todo o
procedimento deve ser documentado em prontuário.
FONTE: Laranjeira R, Nicastri S, Jerônimo C, Marques ACPR.
A segurança do paciente e daqueles que o cercam é
Consenso sobre síndrome de abstinência do álcool e seu
importante para o bom andamento do tratamento e para
tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr 2000; 22(2): 62-71.
a prevenção de acidentes e complicações. Deste modo,
o estado confusional deve ser bem avaliado e monitorado durante toda a internação. Além disso, condutas
desagregadas, agressivas e suicidas requerem algumas vezes restrição física, visando a salvaguardar a integridade
do paciente e de terceiros (quadro 2.11). Habitualmente, a fase inicial do tratamento acontece em salas de
emergência ou em enfermarias, onde o paciente já se encontrava por algum outro motivo. Em ambos os locais, o
médico muitas vezes não cosegue monitorar a evolução do delirium intensivamente. Por outro lado, quadro
confusional é oscilante e nos primeiros dias tende a piorar. Desse modo, a equipe de enfermagem deve estar bem
orientada na detecção de sinais e sintomas de piora, para que novas condutas médicas possam ser introduzidas
prontamente.
A família do paciente deve ser orientada acerca da natureza (orgânica, relacionada ao consumo crônico e intenso
de álcool) e evolução da doença (flutuante e autolimitada) e encorajada a assumir um papel atuante no tratamento
da dependência do mesmo após a alta. A sintomatologia intensa do delirium tremens costuma deixar a família e
amigos bastante impressionados. O uso de álcool, então, torna-se uma coisa ‘mais séria’, ‘digna de tratamento’ e
não apenas um ‘exercício de vagabundagem e fraqueza moral’. Por isso, a internação para o tratamento do
delirium se torna um bom momento para motivar a todos para o tratamento. Por fim, o paciente deve receber alta
com consulta ambulatorial marcada para o tratamento da dependência do álcool.
A farmacoterapia do tratamento do delirium tremens tem dois objetivos principais: [1] o tratamento da hiperatividade
glutamatérgica, desencadeadora do quadro autonômico e [2] o manejo da inquietação e dos sintomas psicóticos. A
encefalopatia de Wernicke é um diagnóstico presumido e será tratada mesmo com a presença de apenas um dos
sintomas da tríade. Convulsões devem ser tratadas de acordo com as condutas expostas anteriormente.
22
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
Os benzodiazepínicos (BDZ), por sua
tolerância cruzada com o álcool (figura 1.4)
são o tratamento de escolha. Além disso,
sua ação relaxante muscular, ansiolítica e
anticonvulsivante alivia sintomas e previne
complicações.
Devido a intensidade do quadro autonômico
presente nas SAA (com ou sem delirium),
faz necessária uma sedação rápida e
intensa.
A
via
oral
deve
ser
preferencialmente escolhida. Quando a via
QUADRO 2.12: PRESCRIÇÃO PARA PACIENTES COM SAA
COMPLICADA POR DELIRIUM TREMENS.
1. Jejum / Dieta leve (1)
2. Soro fisiológico 0,9% 500ml (EV) 8/8h (2)
Complexo B 1 ampola
3. Diazepam 10 mg (VO) (3)
2 comprimido no início da administração, seguidos por
1 comprimido de 30 / 30’ até a sedação leve.
A dose total deve ser fracionada em quadro ou mais doses.
Diminuir 20% da dose diariamente até a suspensão da mesma.
4. Tiamina 100mg (IM) (4)
1 ampola por 7 - 10 dias
A partir do 8 - 11° dia: 1 cp de 300mg (VO) às refeições
5. Magnésio 50% (IM)
1 ampola de 2ml - se houver hipomagnesemia
6. Haloperidol 5 mg (IM) (5)
1 ampola em caso de agitação psicomotora
7. Propiciar um ambiente calmo, confortável, com pouca
estimulação de luz e som.
(1)
endovenosa for a única possível, deve-se
evitar a administração no soro fisiológico
ou glicosado, pois a estabilidade dos BDZ
nessas soluções é pobre.
A melhor
alternativa é a via endovenosa direta, com
administração lenta (5mg de diazepam a
Dependendo do nível de consciência e da sedação.
Nível basal de reposição. Considerar e repor perdas hídricas, tais como as
resultante da sudorese, da diarréia, ... Corrigir (se houver) os distúrbios
hidro-eletrolícos, após a chegda dos exames laboratoriais.
(3)
A prescrição de BDZ depende da gravidade dos sintomas. A presença de sintomas
ou de sedação são os parâmetros para o aumento ou diminuição da dose. Assim
que se encontrar uma dose estável, ou seja, aquela que elimina todos os sintomas
sem sedar o paciente, a mesma deve ser descontinuada ao longo de 7 a10 dias. A
prescrição de clordiazepóxido ou lorazepam deve ser feita na dose-equivalência de
diazepam prescrita (quadro 11).
(4)
Administração EV na vigência da tríade (quadro 2.5).
(5)
Repetir a administração a cada hora, caso a agitação persista (máximo: 20mg).
(2)
cada 2 minutos), para evitar o risco de
parada respiratória.
FONTE: Laranjeira R, Jerônimo C, Marques ACPR et al. Consenso sobre a
SAA e seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr 2000; 22(2): 62-71.
O tratamento com BDZ se incia com uma
dose de 20mg de diazepam, seguida por suplementações de 10mg até a sedação leve. Habitualmente, doses entre
80 e 120mg são suficentes para tal propósito. No entanto, doses acima de 300mg de diazepam podem ser atingidas
em pacientes com quadros mais graves e floridos. A velocidade da administração deve ser espaçada em pacientes
com complicações hepáticas ou renais. Quando a dose de sedação estável é atingida, a mesma deve ser fracionada
em quatro ou mais tomadas diárias e retirada ao longo de 7 - 10 dias (cerca de 20% ao dia).
Os antipsicóticos ou neurolépticos podem ser utilizados para melhorar a agitação psicomotora e os sintomas
psicóticos. Além disso, a associação entre neurolépticos e BDZ diminui a dose administrada deste último (menos
efeitos colaterais) e diminui o tempo de duração do delirium. Os neurolépticos clorpromazina e levomepromazina,
apesar de mais sedativos, diminuem significativamente o limiar convulsivo e possuem propriedades anticolinérgicas
(risco de delirium colinérgico). Dest e modo, estão contra-indicados nessa situação. A conduta neuroléptica de
escolha nesse caso é a aplicação de haloperidol. Nos países europeus e nos Estados Unidos há o hábito de
administrá-los por via endovenosa: 3mg de haloperidol e 0,5 - 1,0mg de lorazepam, com doses adicionais a cada
vinte minutos, até o desaparecimento dos sintomas. No Brasil, a via intramuscular é a mais utilizada: 5mg de
haloperidol, repetindo a aplicação a cada hora, até o controle dos sintomas (máximo de 20mg). O limite de dose,
aqui, visa à prevenção de complicações como distonia aguda, parkinsonismo, acatisia e síndrome neuroléptica
maligna, não havendo risco de overdose. A continuação do tratamento deve ser avaliado diariamente e pode ser
suspenso tão logo os sintomas desapareçam e a dose de BDZ esteja bem estabilizada.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
23
Alguns serviços utilizam bloqueadores beta-adrenérgicos (atenolol, propanolol) e agonista alfa2-adrenérgicos
(clonidina) para diminuir a taquicardia, a sudorese e oa tremores observados na síndrome de abstinência. Não há,
porém, consenso, tampouco protocolos específicos que justifiquem tal procedimento de rotina, ficando a indicação
para situações em que o clínico julge essencial o controle de tais sinais e sintomas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
American Psychiatric Association (APA). Practice guideline for the treatment of patients with delirium. NY: APA;
1999.
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in microvillous vesicles of rat small intestine. Alcohol and Alcoholism 24(2): 83-89, 1989.
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Laranjeira R, Nicastri S, Jerônimo C, Marques ACPR. Consenso sobre a Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA) e
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24
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
AMBULATÓRIO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA DOS ALUNOS DO QUINTO ANO
UNIAD - UNIFESP
2005

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