acórdão nº 4524 - Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal
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acórdão nº 4524 - Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 04 de 08 de 2011, fls. 03/04 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL ACÓRDÃO Nº 4524 Classe Num. Processo Recorrente Advogado Recorrido Relatora : : : : : : 31 – Recurso Criminal 334-50 Ubiratan Dias de Lima Dr. Cláudio Vinícius Nunes Quadros - OAB/DF Nº 20.097 Ministério Público Eleitoral Desembargadora Eleitoral Nilsoni de Freitas Custódio EMENTA RECURSO CRIMINAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. ILICITUDE. INOCORRÊNCIA. CORRUPÇÃO ELEITORAL ATIVA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. OBJETIVIDADE JURIDICA. CRIME FORMAL. RESULTADO DANOSO. INEXIGÊNCIA. CRIME CONSUMADO COM MERA OFERTA DE DINHEIRO PARA OBTENÇÃO DE VOTO. CRIME IMPOSSÍVEL. ELEITORAS FICTÍCIAS. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. CONDUTA SOCIAL. SEM ELEMENTOS NOS AUTOS PARA AFERIÇÃO. PERSONALIDADE DO AGENTE DESFAVORÁVEL. PENA CORPORAL REDUZIDA. 1. As gravações ambientais são provas admitidas pela Justiça Eleitoral, desde que a gravação seja realizada por um dos interlocutores, mesmo sem a ciência do outro. (Precedentes TSE) 2. AFASTA-SE A PRELIMINAR DE ILICITUDE DA PROVA AMBIENTAL QUANDO A SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO SE ARRIMA EXCLUSIVAMENTE NESSE TIPO DE PROVA, MÁXIME QUANDO NÃO HÁ VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE OU PRIVACIDADE DE SEUS INTERLOCUTORES. 3. Pratica corrupção eleitoral ativa o agente que dá, oferece ou promete para outrem dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter o voto ou conseguir a abstenção de eleitor, ainda que a oferta não seja aceita. 4. Para a sua configuração faz-se necessário que as promessas e ofertas sejam diretas, concretas, objetivas, individualizadas e determinadas, com a finalidade específica de obter o voto do eleitor. 5. A intenção do legislador é a assegurar a lisura e a legitimidade do pleito eleitoral com a proteção do direito de voto, cujo sujeito passivo é a sociedade, o Estado. Assim, embora as sobrinhas do repórter jornalístico não ostentassem a condição de eleitoras, posto que fictícias, o delito de corrupção eleitoral ativa se consumou com a mera oferta de pagamento Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) em dinheiro, sendo desnecessário perquirir sobre a existência do resultado danoso. 6. Não se aplica o disposto no art. 17 do Código Penal, se o meio utilizado pelo acusado é idôneo, consubstanciado na oferta de pagamento em dinheiro, e o objeto não é impróprio, porquanto visa interferir na lisura do processo eleitoral em curso. 7. A circunstância judicial da conduta social trata do comportamento do agente no seio social, familiar e profissional, devendo ser valorados o relacionamento familiar, a integração comunitária e a responsabilidade funcional do agente. Não havendo nos autos elementos concretos e seguros para a sua aferição, a sua avaliação deve ser positiva. 8. Justificada a avaliação negativa da personalidade do réu se, à luz dos registros criminais anteriores ao cometimento do delito, com sentença transitada em julgado, evidencia-se que o envolvimento do acusado com o crime não é esporádico. 9. Recurso conhecido e parcialmente provido para reduzir a pena privativa de liberdade. Acordam os desembargadores eleitorais do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL, NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - relatora, JOÃO BATISTA TEIXEIRA, MARIO MACHADO, EVANDRO PERTENCE, CARLOS MOREIRA ALVES e JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS - vogais, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento nos termos do voto da relatora. Decisão UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e as notas taquigráficas. Brasília (DF), em 1º de agosto de 2011. Desembargador Eleitoral JOÃO MARIOSI Presidente Desembargadora Eleitoral NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO Relatora RENATO BRILL DE GÓES Procurador Regional Eleitoral 2 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) RELATÓRIO Cuida-se de recurso criminal interposto por UBIRATAN DIAS DE LIMA em face da sentença de fls. 110/120 proferida pelo d. Juiz da 4ª Zona Eleitoral do Distrito Federal, Dr. Manoel Franklin Fonseca Carneiro, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, condenando o recorrente como incurso nas sanções do art. 299, do Código Eleitoral, sendo-lhe aplicada a pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, calculados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente. Inconformado, o recorrente sustenta, nas razões recursais, que a prova na qual se amparou a sentença condenatória é ilícita, ao argumento de que a gravação ambiental somente é permitida se produzida em legítima defesa. Afirma que o crime de corrupção exige o sujeito passivo, o qual, no presente caso, é inexistente, visto que as pessoas as quais supostamente ofereceu dinheiro para obter votos à candidata distrital Natália Cotrim são fictícias. Colaciona jurisprudência 1 do Supremo Tribunal Federal e evoca o art. 5º, inc. LVI, da CF/1988 , a fim de corroborar sua tese de defesa. Por fim, pleiteia a absolvição, em razão da ausência de prova lícita a arrimar o decreto condenatório e da atipicidade da conduta. Caso mantida a condenação, pugna pela substituição da pena privativa de liberdade pela restrita de direitos ou pela redução do quantum da pena ao mínimo legal.2 O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões, asseverando que a sentença condenatória deve ser mantida, pois a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que é lícita a gravação ambiental para resguardar o interesse público, mormente se produzida em via pública. Afirma que a sentença condenatória se alicerçou também no depoimento da testemunha Roberto Maltichik, fato que afasta as alegações de prova única. Sustenta que a conduta é típica, pois a corrupção eleitoral, por se tratar de crime formal, prescinde da ocorrência de resultado, consumando-se mesmo sem a aceitação da oferta. Acrescenta que o bem jurídico protegido pela norma é a liberdade de sufrágio e a lisura do processo eleitoral, sendo inconteste a agressão a 3 esta última. Requer seja conhecido e desprovido o presente recurso. Parecer do e. Procurador Regional Eleitoral, Dr. Renato Brill de Góes, opinando pelo improvimento do recurso, sob o fundamento de que restou configurada a prática de corrupção eleitoral pelo recorrente, conforme o conjunto probatório constante nos autos4. É o relatório. 1 LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (...); 2 Fls. 132/144 Fls. 147/154 4 Fls. 163/166 3 3 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) VOTOS A Senhora Desembargadora Eleitoral NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO - relatora: Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade. UBIRATAN DIAS DE LIMA foi denunciado pela prática do delito descrito no art. 299, do Código Eleitoral, porque, segundo consta da peça acusatória, em 30 de setembro de 2010, no comitê de campanha da então candidata Natália Cotrim, localizado na CL 317, Lote B-3, Santa Maria – DF, região de jurisdição da 4ª Zona Eleitoral do DF, com vontade livre e consciente, ofereceu dinheiro a Roberto Waltchik e suas sobrinhas para obter voto à referida candidata. Após a instrução, o acusado foi condenado pelo crime de corrupção eleitoral, como incurso nas sanções do art. 299, da Lei 4.737/1965, à pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) diasmulta calculados à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente, não cabendo suspensão da pena e substituição por restritiva de direito, ante a sua conduta social e personalidade desfavoráveis. Inconformado, o sentenciado interpôs o presente recurso, sustentando que o decreto condenatório amparou-se em prova ilícita, qual seja, a gravação ambiental realizada pela testemunha Roberto Waltchik sem sua autorização. Aduz que o Supremo Tribunal Federal, em decisão no Recurso Extraordinário 583.937, no qual se reconheceu a existência de repercussão geral da matéria examinada, entendeu que a escuta ambiental é lícita, em caráter excepcional, desde que utilizada como meio de defesa, não sendo admitida de forma ampla e irrestrita. Afirma que os sujeitos passivos do suposto crime são as sobrinhas fictícias da referida testemunha, tratando-se, portanto, de crime impossível, visto que não se pode colocar à prova a liberdade de escolha de pessoas que não existem. Alega que a conduta de oferecer vantagem a pessoas é atípica se estas estão desprovidas de capacidade eleitoral ativa. Assevera que o eleitor deve ser identificado ou identificável para que se configure a prática do ilícito. Em preliminar, examino a alegação de ilicitude da prova produzida por gravação ambiental. O recorrente alega que a gravação de sua conversa com o repórter Roberto Waltchik é ilícita, visto que foi realizada sem sua autorização. O referido repórter do jornal “O Globo” fazia uma matéria sobre compra de votos no Distrito Federal no comitê central da campanha da então candidata à deputada distrital Natália de Jesus Cotrim, em Santa Maria-DF. A gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, a fim de documentar suposto ilícito a ser apurado em juízo, não implica em nulidade. Isso porque o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a produção de prova consistente em gravação de conversação que não exija a proteção da intimidade ou de outra garantia da integridade moral da pessoa humana, constitui-se em meio hábil a ensejar o decreto condenatório. 4 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) Em julgamento do Recurso Extraordinário 583.937, o Excelso Pretório reconheceu a existência de repercussão geral da matéria e reafirmou a jurisprudência daquela eg. Corte de Justiça, admitindo o uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores. Consta do voto condutor do referido recurso, da lavra do e. Ministro Cezar Peluso, ao citar Tércio Sampaio Ferraz Junior, que “ ‘O que fere a inviolabilidade do sigilo, é pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que deve ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro. Ou seja, a inviolabilidade do sigilo garante, numa sociedade democrática, o cidadão contra a intromissão clandestina ou não autorizada pelas partes na comunicação entre elas... o objeto protegido pelo inc. XI do art. 5º da CF, ao assegurar a inviolabilidade do sigilo, não são os dados em si, mas sua comunicação. A troca de informações (comunicação) é que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação.’ (in, Sigilo das operações de instituições financeira. In: Revista do IASP, nº 9/162)”. Acrescenta, ainda, que “‘Ilícita é a gravação de conversa alheia, o que envolve mesmo a prática de crime. Nenhum impedimento existe, entretanto, a que um dos participantes da mesma queira resguardar-se, mediante o registro fonográfico e, salvo justificáveis exceções, dele se utilize como prova.’ (REsp 9.012, Rel. Min. Eduardo Ribeiro)”. Sendo assim, o eg. STF entende que a utilização de gravação de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro como meio de prova não viola o art. 5º, LVI, da CF/1988, ressaltando que, nos casos em que se pretende fazer prova de inocência, extreme de dúvida a legitimidade de sua utilização. Por oportuno, colaciono o aresto do Recurso Extraordinário 583.937, in verbis: AÇÃO PENAL. PROVA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. REALIZAÇÃO POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. VALIDADE. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. APLICAÇÃO DO ART. 543-B, § 3º, DO CPC. É LÍCITA A PROVA CONSISTENTE EM GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. (RE 583937 QO-RG / RJ RIO DE JANEIRO REPERCUSSÃO GERAL NA QUESTÃO DE ORDEM NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO RELATOR(A): MIN. CEZAR PELUSO JULGAMENTO: 19/11/2009) De igual modo, as gravações ambientais são provas admitidas pela Justiça Eleitoral desde que a gravação seja realizada por um dos interlocutores, mesmo sem o conhecimento do outro. Nesse sentido são os julgados do TSE: 1. Agravo regimental no recurso especial. Prova. Gravação de conversa ambiental. Desconhecimento por um dos interlocutores. Licitude das provas originária e derivada. Questão de direito. Precedentes. O desconhecimento da gravação de conversa por um dos interlocutores não enseja ilicitude da prova colhida, tampouco da prova testemunhal dela decorrente. 2. Prova. Gravação de conversa ambiental. Transposição de fitas cassete para CD. Mera irregularidade formal. Não incidência da 5 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) teoria dos frutos da árvore envenenada. Retorno dos autos ao TRE para que proceda a novo julgamento do feito, como entender adequado. Agravo regimental a que se nega provimento. A prova formalmente irregular, mas não ilícita, não justifica a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada. (AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 28558, Acórdão de 11/09/2008, Relator(a) Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 30/9/2008, Página 13 ) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. DOAÇÃO DE TERRENO. OMISSÃO. ACÓRDÃO. AUSÊNCIA. CORRUPÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE VOTOS. CONFIGURAÇÃO. PROVA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. EXAME. POTENCIALIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PARCIALMENTE E DESPROVIDO. I - Não há afronta ao art. 275 do Código Eleitoral se o acórdão dos embargos de declaração esclarece o quanto foi questionado. II - A gravação efetuada por um dos interlocutores que se vê envolvido em fatos que, em tese, são tidos como criminosos, é prova lícita e pode servir de elemento probatório para a notitia criminis e para a persecução criminal, desde que corroborada por outras provas produzidas em juízo. III - Garantido o exercício do contraditório e da ampla defesa, é perfeitamente viável o uso da prova emprestada de um processo para instruir outro, mesmo que apenas uma das partes tenha participado daquele em que a prova fora produzida (precedentes). IV - A afirmação contida no aresto recorrido de que não ficou comprovado que o abuso do poder político não teve potencialidade para influir no resultado do pleito demanda reexame de provas, o que é inexeqüível na via especial (Enunciados nos 279/STF e 7/STJ). Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, desprovido. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 25822, Acórdão de 25/05/2006, Relator(a) Min. FRANCISCO CESAR ASFOR ROCHA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 17/8/2006, Página 115 ). Nessa linha de entendimento, afasto a preliminar de ilicitude da gravação ambiental, máxime quando não houve a violação da intimidade ou privacidade de quaisquer dos interlocutores e a sentença condenatória não se arrima exclusivamente nesse tipo de prova. Ultrapassado o óbice quanto à alegação de ilicitude da gravação ambiental, a questão central passa pela adequação da conduta do recorrente ao tipo previsto no art. 299 do Código Eleitoral, em virtude da afirmação de que a conduta do acusado é atípica, porquanto são fictícias as sobrinhas do repórter, tratando-se, portanto, de crime impossível, visto que não se pode colocar à prova a liberdade de escolha de pessoas que não existem. Consta da denúncia que ROBERTO MALTCHIK, repórter do Jornal “O Globo”, fazia uma matéria sobre a compra de votos no Distrito Federal e no dia 30 de setembro de 2011 compareceu ao comitê central da campanha da então candidata à deputada Distrital Natalina de Jesus Cotrim, situado na CL 317, lote B-3, Santa Maria. No local, Roberto foi atendido pelo acusado, que coordenava a campanha da candidata, e no curso da conversa, Ubiratan ofereceu a importância 6 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) de R$ 50,00 (cinquenta reais) para que as sobrinhas de Roberto fizessem trabalho de boca de urna no primeiro turno das eleições gerais de 2010 e votassem na candidata Natalia Cotrim. Cabe destacar que o acusado não negou a ocorrência da conversa, mas afirma que em nenhum momento vendeu ou ofereceu votos à venda (sic), nem para o repórter e nem para as sobrinhas dele, e que foi induzido pelo repórter a dar declarações que foram tomadas isoladamente, sendo que no contexto, o discurso principal era que o comitê não tinha dinheiro para dar a ninguém. Diante da insistência do repórter sobre a questão de emprego para as sobrinhas, acabou falando palavras que, tomadas isoladamente, resultaram na acusação presente. Ocorre que da leitura da transcrição do áudio gravado5, inferese que o acusado, ao oferecer R$ 50,00 (cinquenta reais) para que as sobrinhas do repórter trabalhassem na boca de urna, correlacionou a oferta de trabalho à promessa de voto na candidata Natália Cotrim, visto que perguntou ao interlocutor se aquelas votavam em Santa Maria, afirmando que se não votassem na localidade não poderiam fazer boca de urna para a referida candidata e votar nela, já que 6 teriam que se deslocar para votar em outra Zona Eleitoral. Confira-se: “M1 ... a gente mora aqui, tem duas sobrinha minhas, elas estão com vinte dois, vinte cinco anos... (...) M1 (...) ...aí eu queria saber se vocês têm alguma coisa de boca de urna para elas trabalhar (sic): M4 Ela vota aqui? Porque se não votar aqui não tem jeito. (...) M4 É, ó, a gente paga, a gente paga cinquenta reais para boca de urna, mas tem que votar, ser gente daqui e votar aqui, gente daqui assim, que mora em Santa Maria, morar no Gama não serve. Tem que votar em Santa Maria, porque o recurso que nós temos é para fazer só Santa Maria. M1 Tá, mas ela precisa votar aqui? Ela precisa... M4 É... tem que comprovar que vota aqui. M1 Porque a gente é lá de Ceilândia, a gente mora em Ceilândia. M4 Pois é, aí não dá, porque você vai ter que ir lá votar, ai só para você ir lá e voltar perde cinco horas. (...)” Como se verifica, não houve induzimento e deturpação do contexto, uma vez que o diálogo travado entre os interlocutores foi claro e direto, evidenciando-se a oferta de dinheiro pelo recorrente com o fim de obter o voto das supostas sobrinhas do repórter jornalístico à candidata Natália Cotrim. A autoria foi suficientemente comprovada pelos depoimentos testemunhais, eis que a testemunha Natália Cotrim, em depoimento judicial, confirma que o acusado trabalhava em sua campanha eleitoral, afirmando que este 7 era seu “braço direito” . A testemunha Roberto Waltchik fez o reconhecimento pessoal do acusado e declarou em seu depoimento que perguntou a Ubiratan “se tinha emprego para suas duas sobrinhas fictícias, mas como previamente 5 LAUDO PERICIAL ELABORADO PELA INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA – DITEC de fls. 53/61 6 Fls. 57 7 Fl. 79 7 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) arquitetado, disse que elas moravam em Ceilândia e que o acusado falou que se elas morassem em Santa Maria poderiam trabalhar na campanha mediante a remuneração de R$ 50,00 cada, mas desde que morassem e tivessem título de eleitor em Santa Maria, porque além do trabalho na campanha precisaria também do 8 voto delas” . O exame da prova colhida leva à inarredável conclusão da oferta em dinheiro feita pelo acusado ao repórter jornalístico para que as suas supostas sobrinhas trabalhassem na campanha de Natalia Cotrim e votassem na candidata. Em que pese à alegação do recorrente quanto ao crime impossível, ao argumento de que o sujeito passivo da conduta ilícita não existe, posto que são fictícias as duas sobrinhas do repórter, esta deve ser afastada. O Il. Magistrado sentenciante enfrentou a tese do crime impossível em razão da oferta ter sido feita às sobrinhas fictícias do repórter mediante os seguintes fundamentos: “No caso vertente, presente também o tipo subjetivo, a vontade deliberada de praticar a corrupção para obter vantagem eleitoral, sendo o crime formal, portanto desde que a oferta ilícita foi especificada e direcionadas a pessoas (Suzana Gomes, idem, p. 198), mesmo que inexistente, estão concretizados todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal em apreço, significando que o fato narrado é típico, estando o crime consumado. O fato da promessa do benefício, consistente em trabalho remunerado a pessoas inexistentes, já consuma esse crime formal, haja vista que não depende do resultado, por ser seu sujeito passivo o Estado, mesmo que se considere a opinião de alguns doutrinadores de que o eleitor também seria sujeito passivo, pois sempre restaria o Estado como sujeito passivo, não sendo destarte hipótese de crime impossível.” (CP art. 17). (g.n.) Adiante assevera o juiz de instância prima: “Também não se trata de crime impossível previsto no art. 17 – ‘Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.’ (...) No caso do art. 299, não há ineficácia absoluta do meio empregado para cometer o crime, pois esse foi cometido mediante o uso da palavra, cujo conteúdo se encontra devidamente provado pela gravação ambiental do diálogo entre o autor e a testemunha. E também não existe a impropriedade absoluta do objeto material sobre o qual deveria recair a conduta do agente, porque esse objeto como já analisado alhures, nesta decisão, é o próprio processo eleitoral. Somente na hipótese do sujeito passivo trata-se tão somente da pessoa do eleitor, essa tese seria aplicável, o que não é o caso”. (g.n.) Bem norteou-se o il. Magistrado sentenciante ao condenar o réu pelo delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, porquanto o sujeito passivo 8 Fl. 79 8 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) do crime é o Estado, que foi afetado diretamente pela conduta do agente ao ferir a lisura do processo eleitoral, não havendo de se falar em crime impossível. Essa figura delituosa prevê a pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de 05 (cinco) a 15 (quinze) dias-multa àquele que dá, oferece, promete, solicita ou recebe para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. O citado dispositivo legal enfeixa, em um único dispositivo, os delitos de corrupção ativa e corrupção passiva. Dessa forma, pratica corrupção eleitoral ativa o agente que dá, oferece ou promete para outrem dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter o voto ou conseguir a abstenção de eleitor, ainda que a oferta não seja aceita9. Para a sua configuração faz-se necessário que as promessas e ofertas sejam diretas, concretas, objetivas e individualizadas e determinadas, com a finalidade específica de obter o voto do eleitor. No caso em exame, foi comprovado por meio de robusto acervo probatório, o oferecimento pelo acusado da quantia de R$50,00 (cinquenta reais) as sobrinhas fictícias do repórter para que elas fizessem o trabalho de boca de urna e votassem na então candidata Natália Cotrim. Por ser de natureza formal, nas modalidades de dar, oferecer e prometer “não é necessário que o agente atinja a ‘meta optada’: basta o dano potencial ou o perigo de dano ao interesse jurídico protegido, cuja segurança fica, dessarte, pelo menos, ameaçada’, na observação de Nélson Hungria” (TRE/RO, REC. CRIM. 113, Relator Juiz Paulo Rogério José) Por certo, a intenção do legislador ao incriminar as condutas tipificadas no art. 299 do Cód. Eleitoral é a assegurar a lisura e a legitimidade do pleito eleitoral com a proteção do direito de voto, cujo sujeito passivo é a sociedade, o Estado10. Sendo assim, embora as sobrinhas do repórter jornalístico não ostentassem a condição de eleitoras, posto que fictícias, o delito de corrupção eleitoral ativa se consumou com a mera oferta de pagamento em dinheiro e, deste modo, não cabe perquirir sobre a existência do resultado danoso, pois inconteste a violação do bem jurídico tutelado que é a moralidade das eleições. Deste modo, não se aplica o disposto no art. 17 do Código Penal. O meio utilizado pelo acusado era idôneo, consubstanciado na oferta de pagamento em dinheiro, e o objeto não era impróprio, porquanto visava interferir na lisura e legitimidade do processo eleitoral em curso. Nesse sentido, decidiu o eg. TSE, in verbis: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2004. CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. ACERTO DA CORTE REGIONAL NO ENQUADRAMENTO DA CONDUTA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. NÃOPROVIMENTO. 1. A subsunção da conduta ao art. 299 do Código Eleitoral decorreu da análise do conjunto probatório, realizada na instância a quo. 9 Antônio Carlos Ponte, Crimes Eleitorais, Saraiva- 2008, p.103. Op. Cit. P. 104 10 9 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) Inviável o reexame, em sede especial eleitoral (Súmulas nos 7/STJ e 279/STF). 2. Não se aplica ao caso o art. 17 do Código Penal. A toda evidência, o meio era eficaz: oferta em dinheiro; e o objeto era próprio: interferir na vontade do eleitor e orientar seu voto. Não se trata, portanto, de crime impossível. 3. A corrupção eleitoral é crime formal e não depende do alcance do resultado para que se consuma. Descabe, assim, perquirir o momento em que se efetivou o pagamento pelo voto, ou se o voto efetivamente beneficiou o candidato corruptor. Essa é a mensagem do legislador, ao enumerar a promessa entre as ações vedadas ao candidato ou a outrem, que atue em seu nome (art. 299, caput, do Código Eleitoral). 4. A suposta inconstitucionalidade do art. 89 da Lei nº 9.099/95 revela apenas a insatisfação do agravante com o desfecho da lide. A jurisprudência do TSE (HC nº 396/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 15.9.2000) e a jurisprudência do STF (RE nº 299.781, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 5.10.2001) fixam que o benefício da suspensão condicional só se aplica aos acusados que não estejam, ao tempo da denúncia, sendo processados ou que não tiverem sido condenados por outro crime. Não é a hipótese dos autos. 5. Agravo regimental não provido. (AAG - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 8649 - Terra Roxa/SP, Acórdão de 05/06/2007,Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 08/08/2007, Página 229) (g.n.) Passo ao exame da individualização da pena. Na análise das moduladoras do art. 59 do Código Penal, o magistrado sentenciante considerou desfavoráveis a personalidade e a conduta social do acusado, incrementando em 06 meses de reclusão à pena base, tornandoa pena privativa de liberdade definitiva em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 10(dez) dias-multa. No que tange à personalidade do réu, asseverou o Il. Juiz que “a personalidade do acusado não lhe é favorável, pois embora tenha demonstrado ser pessoa calma e respeitosa, é também pessoa com tendência à desonestidade, falsificando documentos em várias ocasiões, atos pelos quais já foi condenado em primeira instância, e tendo cometido o presente crime de corrupção eleitoral, além de promover o trabalho ilícito de ‘boca de urna’ “. Embora a Súmula 444 do STJ vede a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base, no caso concreto o acusado possui uma condenação criminal transitada em julgado por crime anterior ao dos autos pela pratica dos crimes de falsificação de documento público (art. 297, CP) e de falsidade ideológica (art. 299) por seis vezes em continuidade delitiva (art. 71, CP). Desse modo, justificada a avaliação negativa da personalidade, pois, à luz dos registros criminais anteriores ao cometimento deste delito, com sentença transitada em julgado, restou evidenciado que o envolvimento do réu com o crime não é esporádico, ensejando uma apreciação mais severa da reprimenda. 10 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) Quanto à conduta social, esta trata do comportamento do agente no seio social, familiar e profissional, devendo ser valorados o relacionamento familiar, a integração comunitária e a responsabilidade funcional do agente. Não havendo nos autos elementos concretos e seguros para a sua aferição, a sua avaliação deve ser positiva. Nesse contexto, reduzo a pena privativa de liberdade imposta na sentença para 01 (um) ano e 03 (três) de reclusão, a ser cumprida em regime aberto. Mantenho a pena pecuniária de 10 dias-multa, calculados à razão de um trigésimo do salário mínimo, porquanto proporcional à pena corporal. Ausentes os requisitos subjetivos previstos no art. 44, inc. III do Código Penal, deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, reformando a sentença no tocante à dosimetria da pena, para fixá-la em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão. É como voto. O Senhor Desembargador Eleitoral JOÃO BATISTA TEIXEIRA - vogal: Acompanho a relatora. O Senhor Desembargador Eleitoral MARIO MACHADO – vogal: Senhor Presidente, quando o apelante fez a oferta para a dação do voto e mesmo para o trabalho de boca de urna, acreditava na existência das eleitoras e isso é suficiente para a tipificação em tese do crime de corrupção eleitoral, já que este é formal. Por outro lado, a eminente relatora procedeu uma dosagem que atende aos critérios próprios, razão pela qual acompanho o voto da relatora dando provimento parcial ao apelo nos mesmos termos em que o fez sua excelência. O Senhor Desembargador Eleitoral EVANDRO PERTENCE vogal: Acompanho a relatora. O Senhor Desembargador Eleitoral CARLOS MOREIRA ALVES - vogal: Acompanho a relatora. 11 Acórdão nº 4524 (Recurso Criminal nº 334-50) O Senhor Desembargador Eleitoral JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS - vogal: Acompanho a relatora. DECISÃO Conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da relatora. Unânime. Em 1º de agosto de 2011. 12