Guia de Estudos CDI - 2007

Transcrição

Guia de Estudos CDI - 2007
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COMISSÃO DE DIREITO
INTERNACIONAL
Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
Comissão de Direito Internacional
Carta de Apresentação
Caros Especialistas!
É com o maior prazer e orgulho que lhes damos as boas vindas ao guia de
estudos da Comissão de Direito Internacional da SOI 2007. Neste documento vocês
encontrão linhas gerais sobre os dois temas que serão discutidos durante nossa sessão
em outubro. Confiamos na sua dedicação e afinco, e sintam-se à vontade para contactar
a mesa diretora para dirimir qualquer dúvida. Aproveitando o momento ainda informal,
e buscando contrastar com o clima deveras formalista do resto do documento, vamos
agora nos apresentar de uma forma ligeiramente mais exótica que o usual.
Lucas Galvão de Britto, presidente e idealizador desta comissão, aluno
do 9º período do curso de direito, passa tanto tempo em simulações que até arranjou sua
namorada em uma delas. Dizem que ele cozinha bem, no entanto ninguém ainda teve
coragem de provar. Auto-intitulado sushi-man, seus cortes na mão certamente o
impediram de escrever parte do guia, mas não de atender as milhares de ligações de
seus co-diretores. Por seu incontestável saber tecnológico, garante que a CDI vai ser o
comitê mais high-tech de todos.
Como 1º vice-presidente, Fernando Varela de Albuquerque Mosca, é
aluno do 6º período do curso de direito e por trás de sua timidez, fineza e formalidades
de um lorde inglês, esconde um misterioso ser que, para relaxar das tensões diárias, é fã
incondicional de todas as novelas da Globo, freqüenta raves e jura que dorme (embora
ninguém tenha testemunhado isso). Tem inusitadas explosões emotivas intercaladas
com urros e uma risada digna de filme de terror apresentado por Zé do Caixão.
Como 2ª vice-presidente, Beatriz Figueiredo Campos da Nóbrega, cursa
atualmente o 5º período do curso de direito e é seguramente a diretora mais viajada da
Comissão: já residiu nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Zimbábue, Noruega,
Tailândia, Botswana, além de ter feito intercâmbio em uma comunidade kiwi na Nova
Zelândia. Dirige alucinadamente rápido o seu carro vermelho e sua paixão pela famosa
escuderia italiana foi crucial na decisão de passar uns tempos em Milão, mas como sua
carreira de modelo não decolou, hoje tem de se conformar em estrear novos modelitos
em modelos da ONU.
Como presidente do Comitê de Projetos, Maria da Fofura, cursa o 8º
período do curso de direito e também é conhecida por Mariana Costa Guimarães
Klemig (pronuncia-se Clêmigui). Apaixonada por línguas, tentou montar um curso
intensivo de quéchua, aymará e outros idiomas que de tão estranhos não ousamos
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Comissão de Direito Internacional
escrever seus nomes. Por só comer comida Sadia, promete que ficará de boca fechada
em todos os coffee breaks pois somente será servida comida Perdigão.
Sobre o malabarista, faz-tudo, Relator Geral e já quase-cavaleiro-jedi
Rochester de Oliveira Araújo, dizem que ele freqüenta as aulas do 6º período do curso
de direito e é certamente o maior diretor da Comissão. Após um teste de DNA provouse originário de Manchester, da casa de Winchester e, mesmo assim, continua
atendendo ligações no Natal que tratam sobre o consumo nada moderado de Chester.
Os temas em questão são complexos, e um trabalho de diplomacia criativa será
muito importante para nosso sucesso. A capacidade de trabalhar de forma objetiva em
equipe fará toda a diferença. Desta forma, agradecemos desde já a escolha por nossa
companhia, e fazemos votos de boa jornada a todos. Sintam-se em casa, vamos
aproveitar a oportunidade para aprender, discutir e fazer amigos.
Sinceramente,
Lucas Galvão, Fernando Mosca, Beatriz Nóbrega, Mariana Klemig e Rochester
Araújo.
Mesa Diretora da Comissão de Direito Internacional – SOI 2007
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Comissão de Direito Internacional
INTRODUÇÃO
SOBRE A COMISSÃO
DE DIREITO INTERNACIONAL
2. ORIGEM
A Comissão de Direito Internacional (adiante CDI ou simplesmente Comissão)
surge após a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de 19471
com o intuito de ser o órgão consultivo técnico-jurídico desta organização. Dois são
seus propósitos: a codificação (positivação) e o desenvolvimento progressivo do direito
internacional público.
3. MEMBROS
Essa Comissão é composta por 34 membros escolhidos pela Assembléia Geral
das Nações Unidas com base em seu mérito acadêmico e obedecendo a normas de
representatividade por continente2. Ao estabelecer estes como critérios, a ONU optou
por formar seu órgão técnico com os melhores doutrinadores de todos os continentes,
garantindo, ao mesmo tempo, a pluralidade de culturas jurídicas e a qualidade jurídicocientífica dos trabalhos.
Vale salientar que, por serem escolhidos pelo mérito acadêmico, os
especialistas não representam seus países, nem a convicção dos Estados dos quais são
nacionais. A independência é um direito e um dever do especialista da CDI que deve
primar pelo avanço dos mecanismos jurídicos internacionais, estudando-os, criticandoos e propondo soluções práticas e efetivas aos problemas enfrentados.
4. TRABALHOS
A Assembléia Geral da ONU, através de suas resoluções, sugere à Comissão
que esta discuta temas de grande relevância aos seus Estados-membros, para que esta
possa estudá-los e devolver-lhe relatórios com estudos e soluções propostas ao
problema. Para tanto, o seu trabalho é dividido em duas fases: a discussão geral e aquela
em seu Comitê de Projetos (draft committee, no inglês).
1
A Comissão foi criada pela resolução AG 174/47.
A resolução 36/39 da Assembléia Geral de 1981 define que a escolha dos
membros da Comissão devem obedecer ao seguinte critério de representatividade: oito
nacionais de estados africanos, sete nacionais asiáticos, três nacionais da Europa
oriental, seis latino americanos, oito nacionais da Europa Ocidental e outros países.
Além desses dois cargos são de posições rotativas: um é ocupado em rodízio por um
nacional da Ásia ou da América Latina, o outro é resultante de um rodízio entre a
Europa Ocidental e os Estados africanos.
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Comissão de Direito Internacional
Nesse primeiro instante, a Comissão, na presença de todos os seus membros,
discute o tema e alcança conclusões gerais sobre o tema. Essas conclusões são reunidas
por um Relator que deve propor um relatório ao final da Sessão Anual. Esse relatório
servirá de base para que, em um momento posterior e, caso necessário for, reúna-se e
proceda a elaboração de um projeto de texto normativo que possa sanar o problema
identificado no relatório anterior. Esses projetos podem ser tanto de tratados
(convenções, pactos, etc.) ou de cláusulas a serem incorporadas em textos normativos já
existentes. Essas proposições integrarão um segundo relatório que deverá ser
encaminhado juntamente com o primeiro à Assembléia Geral da ONU.
É importante não confundir a CDI com uma espécie de poder legislativo
internacional. A distinção deve ser reforçada, pois a Comissão não tem o poder de
impor normas. Ela apenas sugere redações de textos normativos para que os Estados
possam, se assim soberanamente optarem, ratificá-las e transformá-las então em normas
jurídicas internacionais exigíveis.
Assim, para que possam desempenhar da melhor forma possível os propósitos
de codificação e desenvolvimento progressivo do direito internacional, devem os
juristas da Comissão considerar também essa limitação política. Logo, é importante que
cada uma das soluções propostas seja considerada, além do seu teor jurídico, pela sua
relevância política, aplicabilidade e efetividade diante do cenário internacional.
5. ORGANIZAÇÃO DA COMISSÃO
Para melhor desempenho de suas atividades, a Comissão tem seus trabalhos e
debates coordenados por um presidente que é assistido por dois vices, que podem,
sempre que necessário for, substituí-lo em suas funções. Ainda no corpo principal da
CDI, existe a figura do Relator Geral, que registrará os posicionamentos dos
especialistas nos debates, sendo responsável também pela elaboração do relatório final.
O Comitê de Projetos, por ser um braço da CDI, tem funcionamento distinto de
seu corpo principal, o que se dá, especialmente, pela diferença de metodologia e de
resultados esperados deste órgão. Por isso mesmo, possui um presidente distinto
daquele da Comissão, que deverá coordenar os trabalhos durante a reunião do Comitê.
A Comissão de Direito Internacional da SOI 2007 buscará empreender o
máximo de fidelidade na simulação dos trabalhos da CDI, realizando algumas
adaptações nas regras de procedimento deste órgão, adaptando-as às especificidades de
um Modelo das Nações Unidas3.
3
As regras especiais de procedimento para os debates da CDI estão disponíveis
no sítio eletrônico da SOI (www.soi.com.br). Sua leitura é fortemente recomendada a
todos os especialistas e interessados no trabalho da Comissão.
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Comissão de Direito Internacional
RECOMENDAÇÕES FINAIS
Para um melhor andamento e fluidez dos trabalhos, recomenda-se aos
especialistas da Comissão de Direito Internacional da SOI 2007 uma leitura atenta, em
seus estudos prévios aos debates, de documentos basilares do Direito Internacional,
como a Convenção de Viena dos Direitos dos Tratados (1969) e a Carta da Organização
das Nações Unidas (Carta de São Francisco, 1945), além das orientações apontadas pelo
guia de estudos.
Parágrafo único. Durante os debates a mesa diretora fornecerá todo o material
disponível de estudos para consulta, inclusive documentos oficiais, como tratados e
convenções, que os especialistas requisitarem para o desenvolvimento dos trabalhos.
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Comissão de Direito Internacional
TEMA A
CLÁUSULA DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA
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INTRODUÇÃO
FAVORECIDA
E
CONCEITO:
A
CLÁUSULA
DA
NAÇÃO
MAIS
No Acordo Geral de Comércio e Tarifas de 1947 (GATT, na sigla em inglês),
já no seu artigo primeiro, está determinado que quando um Estado-parte conferir
tratamento vantajoso a outro Estado deverá estendê-lo de forma incondicional e
imediata aos demais Estados-parte. Essa é a previsão da Cláusula da Nação Mais
Favorecida (CNMF)4, que atua nas relações comerciais entre os membros do antigo
GATT e da atual Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ao esboçar esse tratamento com bases igualitárias, a CNMF fundamenta-se sob
os dois princípios maiores do sistema GATT/OMC: o princípio da não-discriminação e
a liberalização do comércio. Por isso mesmo, é talvez a regra mais coerente com o
principal objetivo da OMC que é assegurar que o comércio internacional flua o mais
fácil, previsível e livremente possível.
Seria então garantindo aos demais Estados-parte da obrigação o mesmo
tratamento dado àqueles Estados com cujas relações comerciais fossem mais
favorecidas que se poderia, assim, eliminar as barreiras comerciais e promover o acesso
igualitário e plural ao comércio internacional.
A dinâmica simples da Cláusula, contudo, enfrenta alguns problemas quando
transposta ao nosso mundo marcado por desigualdades e concorrência. Não são raros os
casos em que é necessário à OMC pronunciar-se em suas instâncias decisórias para
identificar quando há – ou não – desrespeito à CNMF. A visão interdisciplinar que vem
moldando o conceito de desenvolvimento e a proliferação de tratados bilaterais de
comércio e investimento, além da formação de blocos regionais de integração
econômica, vem colocando novos e importantes questionamentos quanto à
aplicabilidade – e adequação – da previsão originária da CNMF.
Antes de um aprofundamento sobre o problema, necessário se faz perpassar
algumas noções introdutórias sobre o que é e como funciona a OMC. Disso tratará a
sessão seguinte deste guia.
4
Existem ainda outros mecanismos similares cuja elaboração antecede a
previsão do GATT, anota HOMBECK (Apud. YANAI, 2002, p.3) que o primeiro
registro escrito de uma “Cláusula da Nação Mais Favorecida” se deu em 1226, ainda
durante a baixa idade média, quando o Imperador Frederico II concedeu à cidade de
Marselha os mesmos privilégios garantidos à Pisa e Genova.
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Comissão de Direito Internacional
1. A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO (OMC)
1.1. BREVE HISTÓRICO E PRINCÍPIOS GERAIS DO
GATT/OMC
Após a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente entre novembro de 1947 e
janeiro de 1948, cinqüenta e seis países, reunidos em Havana, redigiram um projeto que
propunha a criação de uma Organização Internacional de Comércio (OIC), que seria
uma agência especializada das Nações Unidas. No entanto, a OIC acabou não dando
certo. Como explica Silvia Menicucci de Oliveira:
Em dezembro de 1950, por uma variedade de razões, a
administração dos Estados Unidos não conseguiu a ratificação
da Carta de Havana no congresso, o que acarretou a extinção
prematura dessa organização, visto que grande parte do fluxo de
comércio internacional era creditada a esse país. Esse fato
refletiu na operacionalização do GATT, uma vez que fora
elaborado no contexto de existência da OIC. (OLIVEIRA, 2005,
p.130)
Assim, apesar do fracasso da OIC como instituição, o grupo preparatório da
Conferência de Havana havia criado, em 1946, um Acordo Geral Sobre Tarifas e
Comércio (no inglês General Agreement on Tariffs and Trade) – GATT, que foi
subscrito em 1948 por 23 países. O GATT não foi concebido, inicialmente, para ser
uma organização, mas sim “um acordo comercial multilateral dinâmico” (SEITENFUS,
2005, p. 212).
No entanto, mesmo sem ser oficialmente uma organização, o GATT passou a
ter aspectos de uma organização, na medida em que ditava as regras (normas
procedimentais) para os Estados signatários do acordo e era também um fórum de
negociação comercial, em que se procura aproximar as posições dos Estados-Partes. A
última rodada de negociação sobre o GATT, em 1994, no Uruguai, acabou por dar
origem à Organização Mundial do Comércio – OMC.
Atualmente, a OMC concentra suas atividades em três grandes acordos: o já
referido GATT, de 1994, e os acordos que vieram como desdobramento dos temas
discutidos na Rodada Uruguai e tratam de temas como propriedade intelectual e suas
nuances – patentes, design de produtos, direitos reservados e afins -, materializado no
“Acordo sobre aspectos dos direitos e propriedade intelectual relacionados ao
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Comércio” (TRIPS, sigla em inglês); e o GATS – sigla na língua inglesa para Acordo
Geral Sobre Comércio em Serviços.
Deste modo, os acordos celebrados no âmbito da OMC, embora tenham grande
abrangência por tratarem de temas variados como agricultura, têxteis, propriedade
intelectual, regulação sanitária e outros, são norteados por uma série de princípios5,
dentre os quais: (i) Tratamento Nacional: diz, em linhas gerais, que uma vez
internalizado no mercado, os produtos devem ser tratados igualmente aos produzidos
localmente; (ii) Liberalização Comercial: para a Organização, diminuir as barreiras é
um dos caminhos mais óbvios de se alcançar o livre comércio. No entanto, a própria
OMC reconhece que a abertura de mercados implica em ajustes e sustenta a
“liberalização progressiva”. Aos países em desenvolvimento foi dado mais tempo para
cumprir as obrigações exigidas; (iii) Previsibilidade: aliada a estabilidade, este princípio
enseja a previsão de alguma vantagem que determinado Estado visa fornecer, i.e. a
indicação de que alguma barreira será excluída, o que vem a promover, entre outros,
emprego e atração de investimentos, antes mesmo que a exclusão se materialize; (iv)
Cláusula da Nação Mais Favorecida: um dos princípios basilares da OMC, forma,
juntamente com o citado Tratamento Nacional, as regras de não-discriminação. A
CNMF consagra importantes restrições/waivers, dentre as mais relevantes: a de que
países podem conceder acesso preferencial aos mercados para países em
desenvolvimento; e a de benefícios concedidos por meio dos ditos tratados bilaterais,
que ocorrem entre dois Estados em particular, sob uma expectativa de possível
formação de Blocos Regionais. Estas restrições serão abordadas com maiores detalhes
no decorrer deste estudo.
1.2. ÁREAS DE ATUAÇÃO E O PROCESSO DE TOMADA
DE DECISÃO NA OMC
A atuação da OMC se divide basicamente em três frentes: um fórum de
negociação multilateral; a formação, o estabelecimento e a utilização de um conjunto de
regras que os Estados-membros se propõem a seguir; e um Mecanismo de Solução de
Controvérsias.
Deste modo, assim como as Organizações Internacionais em geral, a OMC
constitui-se de um fórum, em que os Estados podem discutir idéias e tentar chegar a
acordos. Tais acordos constituem-se numa tentativa de harmonizar os mecanismos de
compra e venda no comércio internacional, cada país utilizando-se de suas vantagens
comparativas por setor ou grupo de produtos. Assim, as chamadas “rodadas de
5
Mais informações gerais sobre estes e outros princípios, bem como temas
concernentes ao funcionamento da OMC podem ser encontrados no documento
Understanding the WTO, que serviu de fonte para a presente pesquisa e pode ser
encontrado
no
sítio:
http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/understanding_e.pdf
9
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negociação” são encontros que tentam aprimorar as regras feitas em acordos anteriores,
discutindo sempre novos temas e buscando novas oportunidades de transações.
Diz-se ainda que os acordos oriundos das rodadas de negociação, os já
mencionados GATT, GATS e TRIPs, formam um conjunto de regras que vinculam os
Estados partes. De acordo com informações da própria OMC, os acordos manifestam
os princípios de liberalização e suas exceções permitidas; os compromissos individuais
dos países para diminuir tarifas e barreiras comerciais, bem como abrir mercados de
serviços; ditam procedimentos para resolução de disputas; dão tratamento especial para
países em desenvolvimento e requerem notificação dos governos para que façam suas
políticas comerciais de forma transparente, notificando a OMC das regras e medidas em
vigor nos seus territórios.
A terceira face da OMC, o Mecanismo de Solução de Controvérsias, possui um
rol de procedimentos um pouco mais complexo. Genericamente, os procedimentos se
estabelecem da seguinte maneira: primeiramente, os Estados-parte num suposto litígio
são obrigados a proceder a consultas com vista aos esclarecimentos dos fatos e à
definição de uma solução. Caso não haja acordo como conseqüência das consultas, está
instalado oficialmente o litígio, que será levado, como previsto no Tratado de
Marrakesh6, ao órgão de Solução de Controvérsias (OSC) também intitulado painel.
Estabelecido o painel, a OMC constituiu um Grupo Especial (GE) integrado por
especialistas independentes que trabalharão de maneira confidencial e cujos pareceres
individuais somente serão divulgadas sob o resguardo do anonimato. O processo como
um todo, envolvidas todas as fases, inclusive uma eventual apelação, não pode
ultrapassar 12 meses.7
2. CNMF E O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
2.1. UM DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
É um conjunto de princípios e regras no fundamento dos quais o homem,
enquanto indivíduo e membro do corpo social (Estado, nação, povo...) poderá
obeter na medida do possível, a satisfação das necessidades econômica,
6
Nome dado ao Tratado Constitutivo da OMC, que em seu Anexo 2 traz as
disposições sobre o aqui mencionado Mecanismo de Solução de Controvérsias. A
versão em inglês do referido anexo está disponível no endereço eletrônico
http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/28-dsu.pdf].
7
Sobre o aspecto decisório na OMC, bem ensina OLIVEIRA (2005, p.77): “(...)
há que se destacar que a OMC conferiu preeminência jurídica formal à prática do
consenso já existente no GATT (...). Como as normas são o verdadeiro ativo da OMC,
devem ser aceitas por todos e não impostas pela heteronomia do poder de alguns,
contribuindo para a segurança jurídica de todos os membros da OMC e para a força
vinculante de suas normas”.
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sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento
de sua personalidade.
- Z. Haquani.
Alcançar um pleno e efetivo Direito ao Desenvolvimento: nisto reside um dos
maiores desafios do século XXI. Confirmada pelas desigualdades sócio-econômicas
persistentemente vigentes no mundo hodierno, tal constatação reflete os obstáculos que
a Cláusula da Nação Mais Favorecida (CNMF), fundamentada no princípio de nãodiscriminação, enfrenta a fim de fazer prevalecer uma justa e autêntica
multilateralização de privilégios no âmbito das transações comerciais verificadas no
plano internacional.
Dada a ampla e decisiva influência que o fator desenvolvimento apresenta
sobre a forma e prossecução das relações econômicas entre as nações, o direito à sua
efetivação deve ser continuamente assegurado a fim de que haja uma autêntica
implementação daquilo que se conhece por CNMF.
A origem do direito ao desenvolvimento remonta à Carta da ONU de 1945
(preâmbulo e artigo 1.3). Pode-se, contudo, observar que suas bases são, de fato,
anteriores à Carta de São Francisco – noção esta corroborada pela Declaração da
Filadélfia da OIT, que data de 1944 e que já expressava que todos os homens: “tienen el
derecho tanto al bienestar material como al desarrollo espiritual, en condiciones de
libertad y dignidad, de seguridad económica y de igualdad de oportunidades”. No
entanto, é só no ano de 1986 que esse direito foi formal e mundialmente conclamado8.
momento a partir do qual ele passa a ser exigível, simultaneamente, como direito
individual do ser humano e como direito coletivo inerente a todo e qualquer povo,
cabendo aos Estados elaborar e implementar políticas públicas capazes de garantir a real
concretização de tal direito, tanto no plano interno como no internacional, bem como
assegurando sua efetividade presente e futura.
Surgira, então, com fundamento nas discussões acerca das disparidades
existentes entre as economias dos países do hemisfério norte e as do hemisfério sul, a
consagração do desenvolvimento como parte integrante do Direito Internacional Público
(DIP). E, mais especificamente, enquadrou-se o Direito Internacional do
Desenvolvimento ao ramo do DIP denominado “Direito Internacional Econômico”,
tendo em vista o pensamento economicista predominante com relação ao
desenvolvimento após a segunda guerra mundial. Hodiernamente sabe-se que a
realidade de uma análise internacional do desenvolvimento envolve outros aspectos
deveras importantes para a sua observação, tal seja, um olhar político, social e jurídico
da mesma sorte. Segundo Silvia Menicucci de Oliveira, “o direito ao desenvolvimento
pode ser considerado como resultado da composição de duas idées-forces, os direitos
humanos e o desenvolvimento”(OLIVEIRA, 2005, p. 477). De tal forma, pode-se
avaliar tal direito sob o prisma da conciliação entre estas duas principais vertentes.
8
A primeira menção à existência de um direito ao desenvolvimento, em um
documento internacional de ampla aceitação entre os Estados, dá-se com a Declaração
Sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986.
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Aqui, analisar-se-á, primeiramente, os fundamentos do desenvolvimento em si para, em
seguida, atermo-nos à relação entre o Direito ao Desenvolvimento e os Direitos
Humanos como um todo.
De acordo com o que nos ensina Álvaro Vieira Pinto, o desenvolvimento
consiste em um processo (PINTO, 1959, p. 32). Mais do que isso, ele é um processo de
caráter dinâmico que foi tendo seu conceito modificado conforme a evolução histórica
das relações internacionais. Inicialmente restrito ao campo econômico, o
desenvolvimento incorporou, aos poucos, matizes das demais disciplinas, tornando-se,
portanto, produto de um processo cumulativo que se irradia por áreas diversas da
mutante vida em sociedade. Tal caráter multidisciplinar evidencia-se na própria
Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, que define, já em seu
preâmbulo:
[...] o desenvolvimento é um processo econômico, social,
cultural e político abrangente, que visa o constante incremento
do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com
base em sua participação ativa, livre e significativa no
desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí
resultantes9.
A fim de se alcançar este objetivo, deve-se, então, conservar a análise
interdisciplinar dos problemas e desafios enfrentados pelo corpo social, da mesma
forma que devem ser considerados os princípios presentes na Carta da Organização das
Nações Unidas; os dispositivos da DDD, da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; além de importantes documentos
das Nações Unidas e de suas agências especializadas que reafirmam o direito de o
homem desfrutar de desenvolvimento integral, bem como de progresso econômico e
social.
Além dos preceitos de tais documentos, é indispensável manter em mente,
ainda, o direito dos povos à autodeterminação; ao exercício de, soberania total sobre
suas riquezas e recursos naturais; às liberdades fundamentais - sem qualquer distinção
relativa à raça, sexo, língua ou religião –; à supressão de injustiças provocadas por
situações nas quais a violação dos direitos humanos se fez evidente e marcante – tais
como o colonialismo, neocolonialismo, o apartheid e demais formas de atentados contra
a integridade dos povos -; bem como à paz e segurança internacionais cuja vigência se
faz indispensável à realização plena do direito ao desenvolvimento.
2.1.1. Evolução e Fases do Conceito de Desenvolvimento
9
Vide
a
íntegra
da
Declaração
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/spovos/lex170a.htm
1
2
em:
Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
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O conceito de desenvolvimento, portanto, apresenta dimensões diversas e
abrangentes que, comprovadamente, expandem-se ao longo dos tempos. Reforçando tal
idéia, Oliveira nos ensina que, de fato, pode-se apontar quatro fases distintas indicativas
do processo evolutivo de ampliação da noção de desenvolvimento (OLIVEIRA, 2005,
pp. 485-492).
A primeira delas (1946-1964) equivale à chamada “era da modernização”, na
qual, conforme Georges Abi-Saad, preponderou a idéia de que as deficiências internas
seriam as responsáveis por um desenvolvimento interior insuficiente, de modo que os
investimentos externos eram vistos como indispensáveis – já que seriam eles os
responsáveis por um alcance mais rápido do desenvolvimento (ABI-SAAD, 1988,
p.43).
No segundo período (1965-1975), o desenvolvimento passou a ser considerado
como problema de abrangência global, não mais restrito ao âmbito interno. Dever-se-ia,
agora, buscar soluções mediante uma integração internacional voltada à redistribuição
de riquezas. Para tanto, considerado o então contexto global da época - marcado pela
rígida especialização da produção de matérias-primas a qual os países subdesenvolvidos
estavam fadados -, despertou–se a necessidade de reformulação nas normas
regulamentadoras das transações internacionais a fim de que se suprimisse o tradicional
mecanismo de trocas ensejador de um sistemático esgotamento dos recursos do país em
desenvolvimento.
Essa noção de que o problema do desenvolvimento consistia em uma
preocupação de todo o sistema econômico internacional, conforme concluído pela I
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em 196410,
inspirou o movimento chamado NOEI, ou melhor, o movimento em prol de uma Nova
Ordem Econômica Internacional aprovado, em 1974, pela ONU11. Este movimento
reuniu, portanto, diversos princípios, direitos e demandas dos países em
desenvolvimento que se encontravam desfavorecidos e mesmo prejudicados pelas
relações de dominação de cunho econômico - típicas do século XX e que legitimavam a
manutenção de uma perversa estratificação entre ricos e pobres afirmada pela então
postura "imperial" dos países desenvolvidos –, esclarecendo que a relação entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos era mútua, e não unilateral.
Em um terceiro momento, iniciado por volta de 1975, passa-se a exigir uma
atuação mais eficaz por parte do Estado no sentido de promover uma melhoria na
qualidade de vida da população, priorizando-se as questões sócio-culturais. Ao mesmo
tempo, tem-se uma verdadeira crise, a partir dos anos 80, na estrutura econômica
internacional, dado a alta dos juros, o incremento da dívida externa, o crescente
protecionismo, bem como a redução dos empréstimos cedidos aos países em
desenvolvimento.
10
United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), realizado
em 30 de dezembro de 1964, em Genebra (Suíça), com a finalidade de promover o
comércio internacional. Vide: www.unctad.org
11
Res. 3201/S-VI (mai/1974), da ONU.
1
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Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
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Na quarta e última fase do referido processo, buscou-se ampliar a
possibilidade de participação popular no âmbito institucional para que, então, fosse
criado um ambiente mais apropriado e favorável a um pleno e sustentável
desenvolvimento. Neste período, com o fim da Guerra Fria e com o aumento relativo da
participação dos países subdesenvolvidos no cenário internacional, abre-se maior
espaço para reivindicações concernentes à redução das disparidades entre nações, à
democracia, bem como em relação aos direitos humanos.
Logo, não se pode mais conceber que o desenvolvimento seja atingido tãosomente através de avanços na seara econômica. Seguindo o mesmo entendimento
apresentado no Relatório Mundial de Desenvolvimento de Washington (1999/ 2000)12,
a ele deve também se agregar conteúdo significativamente social, visto que o
entendimento corrente da DDD procede no sentido de englobar todas as dimensões que
o termo desenvolvimento envolve. Pois, segundo Cláudia Perrone Moisés:
[...] com a Declaração da Assembléia Geral das Nações Unidas
sobre o direito ao desenvolvimento (41/128 de 4 de dezembro de
1986), positivaram-se todas as dimensões que o termo
desenvolvimento implica (PERRONE, 1999, p.182).
Hoje, o desenvolvimento deve ser integral e sustentável, de modo que todos os
demais direitos humanos sejam devidamente respeitados.
2.1.2.
O surgimento do Direito ao Desenvolvimento e sua
relação com os demais Direitos Humanos
En matière de développement, on ne peut se soustraire à la
logique des droits de la personne.
- Mary Robinson
Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos
12
“The principal goal of development policy is to create sustainable
improvements in the quality of life for all people. While raising per capita incomes and
consumption is part of that goal, their objectives – reducing poverty, expanding access
to health services, and increasing educational are also important. Meeting these goals
requires a comprehensive approach to development”. World Development Report
1999/2000, Washington, 1999, p.13.
1
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Comissão de Direito Internacional
“Tanto quanto os direitos humanos, a noção de desenvolvimento ocupa
posição central nas preocupações das Nações Unidas”, afirma Ignacy Sachs (SACHS,
2007, documento de internet).A consecução de ambos, desempenha, portanto, função
supremamente relevante aos objetivos perquiridos pela ONU. Mas a interpretação
segundo a qual os direitos humanos e o direito ao desenvolvimento configuram-se em
direitos paralelos soa errônea. Com a proclamação da DDD, firmou-se a intrínseca
relação entre tais direitos, melhor dizendo, foi conferido, através dessa declaração, o
status de direito humano ao direito ao desenvolvimento, conforme observado por
Claude Albert Colliard (COLLIARD, 1987).
Destarte, a realização plena do Direito ao Desenvolvimento deve dar-se,
necessariamente, de forma conjugada com a preservação do conjunto de direitos
essenciais ao homem a fim de que este possa manter sua liberdade e dignidade - de
acordo com a própria DDD, a pessoa humana é o sujeito central do processo de
desenvolvimento e essa política de desenvolvimento deveria assim fazer do ser humano
o principal participante e beneficiário do desenvolvimento13.
De tal forma, não se pode falar em desenvolvimento sem que o personagem
humano esteja sendo respeitado em seus direitos fundamentais (base jurídica da vida
humana) sejam eles de primeira, segunda ou terceira geração.
Quanto a esta controversa divisão dos direitos fundamentais14, seus defensores
acreditam que os direitos consagrados nas primeiras declarações, nomeadamente a
Declaração de Virgínia de 1776 e a Declaração Francesa de 1789, são considerados de
primeira geração. Estes compreendem direitos civis e políticos – relativos à liberdade
política, à livre iniciativa econômica, à manifestação da vontade, à liberdade de
pensamento, à liberdade de ir e vir - e têm por titular o próprio indivíduo em oposição
ao Estado. A segunda geração dos direitos humanos, desdobramentos naturais da
primeira geração de direitos e relativa aos direitos metaindividuais, resulta do embate
entre o pensamento liberal e as idéias socialistas e englobam os direitos sociais,
econômicos e culturais – saúde, educação, previdência e assistência social, lazer,
trabalho, segurança, transporte. Os direitos humanos de 3ª geração, por sua vez,
congregam direitos humanos e coletivos, tendo como titular não mais o indivíduo, mas
sim grupos humanos. Sendo fruto das lutas sociais e das transformações sócio-políticoeconômicas dos últimos três séculos, esta geração de direitos reflete as conquistas
sociais e democráticas como o direito à paz, ao progresso, à biodiversidade e ao meioambiente, à autodeterminação dos povos, entre outros direitos difusos.
13
Vide preâmbulo da Declaração Sobre Direito ao Desenvolvimento (41/128 de
4 de dezembro de 1986).
14
Tal divisão foi formulada, inicialmente, por Karel Vasak - que a apresentou
em 1979, em Estrasburgo, em conferência ocorrida no Instituto Internacional de
Direitos Humanos - e teve Norberto Bobbio como manifesto defensor. Contudo, outros
doutrinadores refutam tal segmentação, notadamente o professor Antônio Augusto
Cançado Trindade, que a julga fragmentária, desprovida de fundamento jurídico e,
portanto, incompatível com a complexidade que ao direito é peculiar.
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Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
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As três gerações correspondem, respectivamente, aos direitos relativos à
liberdade, igualdade e fraternidade. Mas há ainda quem fale em uma quarta geração de
direitos humanos, ligados à globalização dos mesmos e absorvendo a tendência atual de
inovações tecnológicas, relativas à comunicação, à democratização da informação e à
Internet.
Considerando-se tal fragmentação dos direitos fundamentais, o direito ao
desenvolvimento enquadrar-se-ia, de acordo com Abi-Saab, como sendo de terceira
geração (SAAB, 1988, p.12). Este grupo de direitos, também conhecido como “direitos
de solidariedade”, reflete a necessidade que o corpo social modernamente organizado
tem de garantir os direitos decorrentes das novas relações coletivas. O Ministro Celso
de Melo reforça tal noção ao declarar que:
[...] os direitos de terceira geração, que materializam poderes de
titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as
formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e
constituem um momento importante no processo de
desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos
humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais
indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.
(MELLO Apud. MORAES, 2006, p. 26)
.
Tendo sua origem vinculada à revolução jurídica e social iniciada, em nível
internacional, com a descolonização asiática e africana, os direitos de terceira geração
surgem num contexto de conscientização dos Estados em relação a problemas globais e
comuns, dada à intensificação do processo de globalização e interdependência entre as
nações – exigindo-se, assim, uma tomada conjunta de decisões e, por conseguinte, de
uma cooperação internacional, o que vem justamente a ser frisado por esta classe de
direitos fundamentais, que privilegia não apenas a paz, o meio-ambiente, mas também
a reflexão acerca do Direito ao Desenvolvimento.
De acordo com Rabih Ali Nasser, “o tema do desenvolvimento era estranho ao
direito internacional até o fim da Segunda Guerra Mundial” (NASSER, 2003, p.41). O
surgimento deste direito remonta, então, ao fim desta guerra, que, juntamente com a
criação da Organização das Nações Unidas (1945), fez com que a temática dos Direitos
Humanos ganhasse força no cenário internacional e se firmasse, juntamente com a paz e
a segurança globais, como um dos objetivos essenciais da organização.
Contudo, havia, ainda, a inegável necessidade de se agregar caráter jurídico
impositivo a tal direito, a fim de lhe conferir coercibilidade e, conseqüentemente,
efetiva observância.De tal modo, intentou-se, após a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, adotar um tratado capaz de regular o Direito ao Desenvolvimento.No
entanto, dado o então contexto mundial, que se fazia marcantemente bipolar, as
divergências ideológico-políticas entre as duas então superpotências (EUA e URSS)
impediram a concepção de tal instrumento. No entanto, apesar de este não ter sido
1
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possível, foi possível, de acordo com Lafer, do soft law para o hard law15 ainda “na
vigência da bipolaridade EUA/URSS”, através da adoção, em 1966, de dois pactos: o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais16. Com essa divisão, os EUA assumiram sua posição
de defensores dos direitos de primeira geração retratados no primeiro pacto, enquanto a
URSS se pôs a defender os de segunda geração contidos neste segundo documento. No
entanto, essa ideologia bipartida surgida no segundo pós-guerra ainda não se mostrava
capaz de abarcar e sanar a totalidade das questões e problemas mundiais. Havia, ainda,
um grupo em particular marginalizado pela então predominante bissegmentação
mundial: os países subdesenvolvidos.
Assim, em meados dos anos 60, dado o elevado grau de insatisfação, este
grupo resolveu insurgir-se contra a realidade da época. Neste contexto, as chamadas
nações de Terceiro Mundo, prejudicadas pela então divisão entre Norte/Sul e cientes das
patentes desigualdades econômicas e sociais inerentes à estrutura internacional de então,
articularam-se diplomaticamente e passaram a exigir mudanças. Como bem lembrado
por Oliveira,
[...] o funcionamento insatisfatório da economia internacional,
sua notória inabilidade de suprir as expectativas dos países em
desenvolvimento e suas falhas em gerar os níveis desejados de
crescimento ou satisfazer as necessidades básicas da grande
maioria dos povos do mundo levaram, nos anos 70, à busca por
uma NOEI (OLIVEIRA, 2005, p. 532)
Com esse movimento, já anteriormente mencionado, fortaleceu-se a ideologia
do desenvolvimento e abriu-se o caminho rumo ao reconhecimento do direito ao
desenvolvimento como fundamental integrante do rol dos direitos humanos.
A consagração desse reconhecimento dá-se, então, em 1986, com a DDD17.
Esta, que surge como resposta à bipolarização do sistema típica do período de Guerra
15
Enquanto a hard law engloba os documentos e costumes internacionais que
apresentam efeito vinculante obrigatório – incluindo, assim, as convenções ou normas
escritas (lex lata), bem como as decisões jurisprudenciais da Corte Internacional de
Justiça; a soft law diz respeito à chamada lex ferenda, ou lei em formação, que são as
leis de caráter vinculante discutível – abrangendo, destarte, recomendações, resoluções,
declarações e relatórios da ONU.
16
Ambos os pactos foram adotados pela Resolução n.º 2.200-A da Assembléia
Geral das Nações Unidas, no ano de 1966, contudo sua entrada em vigor só se dá
posteriormente, em 1971.
17
A DDD foi elaborada através de um longo processo de debates e opiniões
divergentes. Em 4 de dezembro de 1986 foi, enfim, possível a sua aprovação por 146
nações da comunidade internacional. Contudo, houve a oposição por parte dos Estados
Unidos e a abstenção dos seguintes países: Dinamarca, Islândia, Alemanha, Suécia,
Finlândia, Reino Unido, Israel e Japão.
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Fria, vem a confirmar o caráter indivisível, universal e inalienável do direito ao
desenvolvimento, segundo reforçado pelo artigo 9º dessa declaração. Com esta, além de
se buscar a concretização dos princípios defendidos pala NOEI; a paz e a segurança
internacionais passam a ser exaltadas como elementos fundamentais ao
desenvolvimento; e os Estados tornam-se efetivamente obrigados a fornecer os meios
necessários ao desenvolvimento de seu povo, a elaborar as políticas necessárias ao
alcance do desenvolvimento - não só em nível nacional, mas também no plano
internacional -, como também se responsabilizam por combater os obstáculos à
efetivação de tal direito. Ainda segundo essa declaração, admite-se a pessoa como
imprescindível ao direito ora em pauta, não só por dele ser principal beneficiária, mas
também por a ela caber o papel de fundamental participante ativa em sede de sua
reivindicação e exigência de concretização.
Torna-se indispensável, então, na realidade hodierna marcada por uma nova
ordem portadora de crescentes desafios à economia global, a realização dos Direitos
Humanos para que se alcance um desempenho econômico efetivamente sustentável.
Essa noção veio a ser reforçada na Conferência de Copenhague (1995)18, na qual
reconheceu-se o investimento social e o desenvolvimento como elementos
indissociáveis, tendo-se constatado, conforme afirmado por Oliveira, que o
[...] desenvolvimento econômico deve caminhar de mãos dadas
com o desenvolvimento social”, tendo-se em vista que: “(i) o
direito ao desenvolvimento é ele próprio um direito humano; (ii)
o tipo de desenvolvimento social, econômico, cultural, político
visado é aquele no qual todos os direitos humanos possam ser
plenamente realizados (OLIVEIRA, 2005, p.685)
Para que tal seja possível, aplica-se, então, a CNMF. Em um mundo onde os
países mais pobres não têm orçamento nem estrutura suficientes para garantir a
subsistência dos excluídos, essa cláusula surge como potencial alternativa à atenuação
dos efeitos sociais decorrentes de práticas comerciais entre países dotados de status de
CNMF. Isso porque, a partir da aplicação desta, poder-se-á exigir os direitos dos povos
à livre organização em comunidades de nações solidárias, conforme modalidades
destinadas a evitar o qualquer efeito de dominação dos mais fortes sobre os mais fracos;
o direito de proteção via barreiras de ordem comunitária; bem como o direito de
controle sobre os movimentos de capitais dos quais os fluxos e refluxos são brutais –
como na Ásia oriental de 199719- que findam por desorganizam economias e afundar a
18
Vide seu texto em: <http://www.un.org/esa/socdev/wssd/index.html>.
Começando pela Tailândia e pela Indonésia atingindo, posteriormente, outros
países asiáticos, investidores estrangeiros começaram a retirar o seu dinheiro dos países.
As bolsas caíram, alguns bancos quebraram e as moedas sofreram grandes
desvalorizações. Assim, tal contexto conduziu, no ano de 1997, a parte oriental da Ásia,
a uma acentuada crise econômica marcada por uma grande flutuação entre o dólar e o
iene.
19
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população na depressão - sempre prezando-se pelo não-discriminação das relações
econômicas.
Além dessa medidas, a Cláusula da NMF vincula-se à promoção do respeito
aos direitos humanos também por outras formas. Notadamente, destaca-se o fato de a
não-concessão do status de CNMF poder ser utilizada como espécie de sanção a
determinados países infratores dos direitos humanos, de modo que atuaria como
reprimenda à violação destes. Ilustrativamente, tem-se o caso da China20.
Esta, que apresenta um histórico repleto de trangressões às convenções globais
de direitos humanos - por perseguir implacavelmente seus dissidentes e opositores,
submeter seus prisioneiros políticos a tortura, cárceres precários, julgamentos sem
direito a defesa e execuções, além de haver relatos sobre o cultivo de órgãos humanos
de seus prisioneiros, sem contar com os campos de trabalhos forçados e o alto índice de
trabalho infantil que ainda persistem em abrigar a realidade chinesa -, provocou um
debate quanto à legitimidade do seu status de CNMF. Suscitada em 1994, essa
discussão foi deflagrada após a ultrajante morte de pró-democratas em Tiananmen, o
que levou os Estados Unidos a repensar se os privilégios comerciais decorrentes dessa
cláusula deveriam ser renovados ou suspensos no que tange às relações mantidas com o
governo chinês.
Portanto, em contraposição à dinâmica comercial exclusivamente voltada ao
crescimento econômico, sem que se considere o desenvolvimento econômico em si,
deve ser proclamada a primazia dos direitos fundamentais da pessoa humana – que,
necessária e prioritariamente, devem ser respeitados em detrimento de qualquer lucro
comercial que se mostre potencialmente prejudicial à sociedade.
A rentabilidade das atividades econômicas não deve, assim, sobrepor-se ao
bem-estar social. Para tanto, a CNMF deve ser efetivamente aplicada a fim de que os
interesses mercantis nao venham a afetar, seja a curto ou a longo prazo, o direitos
humanos nem, por conseguinte, o direito ao desenvolvimento – que, por sua vez, atua
efetivamente no sentido de assegurar que os direitos humanos sejam considerados,
normativa e institucionalmente, no cenário econômico internacional.
2.2. O Direito ao Desenvolvimento e o sistema internacional de
comércio
Nenhuma nação é absolutamente auto-suficiente. Para suprir as necessidades
inerentes a cada organização nacional, recorre-se ao sistema internacional de comércio
por meio do qual bens e serviços são trocados através das fronteiras internacionais.
Assim considerado, o comércio internacional mostra-se um processo
aparentemente simples. Contudo, ele oculta, de fato, um sem-número de implicações e
20
WALLER, Wynne Pomeroy et IDE, Marianne E. The Polls – Poll Trends:
China and Human Rights. In: Public opinion. Quaterly Volume 59. American
Association for Public Opinion Research, 1995. pp. 133-143.
1
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conseqüências que afetam desde o setor econômico ao social, cultural e político - não se
podendo negar, então, sua decisiva influência sobre o fator desenvolvimento.
Com seu crescimento potencializado pelo processo de globalização e o
conseqüente aumento do fluxo de capitais entre as economias, esse comércio vem sendo
responsável pelo aumento da interdependência entre as nações. No entanto,
contrariamente ao esperado, não se obteve, com isso, a almejada redução das
disparidades entre os membros de tal comércio21, de modo que a miséria não foi
diminuída. De fato, vem se verificando um aumento na dependência dos países em
desenvolvimento notadamente quanto aos investimentos e importações feitos pelos
desenvolvidos - o que, de certa forma, contribui para assemelhar o sistema internacional
de comércio atual à Divisão Internacional do Trabalho (DIT) típica do período colonial,
visto que aqueles continuam exportando majoritariamente matéria-prima, enquanto
estes a industrializam.
O modelo atual de comércio internacional vem, portanto, demonstrando-se
como um verdadeiro entrave à efetivação do direito ao desenvolvimento22. Cientes de
tal realidade, as Nações Unidas vêm, assim, em inúmeras resoluções, buscando
identificar e suprimir as razões ensejadoras de tal obstáculo. Efetivamente, um de seus
grupos de trabalho admitiu, em 199423, a globalização da economia mundial e, portanto,
a intensificação do comércio mundial, como motivador de novas barreiras ao direito ao
desenvolvimento, notadamente quanto à restrição do poder de ação dos governos na
elaboração de suas políticas econômicas e na adequação destas às necessidades de
desenvolvimento.
Nesse contexto, duas questões devem ser postas em relevo quanto à realização
do direito ao desenvolvimento no âmbito do comércio internacional: o Tratamento
Especial e Diferenciado (TED) e a possibilidade de acesso aos mercados, entendimento
também seguido por Mennicucci (OLIVEIRA, 2005, p. 691). Ambos devem, ao menos
21
Segundo a Declaração Ministerial na Ocasião do 40º aniversário do Grupo dos
77, da Conferência das Nações Unidas Para o Comércio e o Desenvolvimento: “14.O
processo de globalização e liberalização tem produzido efeitos não uniformes entre os
países. As disciplinas e obrigações internacionais estão também crescentemente
adotando regras que moldam as escolhas de políticas de desenvolvimento dos países
em desenvolvimento.Estes progressos, que têm tido efeitos econômicos e sociais
negativos, ressaltam a importância de se garantir o âmbito para políticas para países
em desenvolvimento apresentarem objetivos de desenvolvimento nacional baseados nas
suas necessidades de desenvolvimento, financeiras e de comércio”.
22
O comércio internacional tem sido, hoje, considerado um dos principais
motivadores da desigualdade entre países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Vide:
SENDAGUE, Ahmed Belhadj. Le Droit de L’Homme ao Développement, 1995, p. 144145; e BEDJAOUI, Mohammed. The Right to Development. In: BEDJAOUI,
Mohammed. International Law: Achievements and Prospects. 1991, p. 1199-1200.
23
Vide: Doc. NU: E/CN.4/1995/11, 5 September 1994, Question of the
realization of the right to development on its second session.
2
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em tese, nortear as relações comerciais realizadas no exterior, já que os Estados são,
segundo o parágrafo 2º. do artigo 4º. da DDD, incumbidos da
[...] ação permanente para promover um desenvolvimento mais
rápido dos países em desenvolvimento. Como complemento dos
esforços dos países em desenvolvimento, uma cooperação
internacional efetiva é essencial para prover esses países de
meios e facilidades apropriados para incrementar seu amplo
desenvolvimento.
O último dos dois mencionados fatores se faz indispensável ao processo
desenvolvimentista de qualquer nação, devendo, necessariamente, ser estendido a todos
os países desejosos de participar do sistema internacional de trocas. Aceder ao mercado
internacional é alargar o mercado consumidor, é potencializar as oportunidades de
investimentos, é aumentar a produtividade e a especialização e também o progresso
tecnológico da nação comerciante – confirmando-se, então o potencial e influência da
faculdade de acesso ao mercado quanto à promoção do desenvolvimento de um país.
Assim, garantir tal faculdade às nações, notadamente às mais pobres, faz-se função dos
Estados atuantes no conjunto da economia mundial, permitindo-se que, em caráter
excepcional, o acesso ao mercado pelos Países em Desenvolvimento (PED’s) e dos
Países Menos Desenvolvidos (PMD’s) seja facilitado.
Quanto ao TED, este foi criado na Rodada Tóquio, pela decisão “Cláusula de
Habilitação”24. Seu texto data de 1979 e surge permitindo que a relação entre os países
participantes da OMC seja relativizada de acordo com os diferentes graus de
desenvolvimento dos mesmos, devendo ser dada atenção especial aos problemas e
condições particulares dos PED’S e PMD’s. Sua importância reside, principalmente, no
fato de estes países encontrarem grandes dificuldades em fazer prevalecer seus
interesses e exigências no âmbito das decisões tomadas na OMC já que esta, apesar de
ser considerada uma das mais democráticas organizações internacionais, nem sempre
permite que a opinião de tais países seja ouvida, conferindo, exclusivamente aos países
24
No inglês Enabling Clause.Vide a íntegra da decisão em: “Differential and
More Favourable Treatment Reciprocity and Fuller Participation of Developing
Countries, decisão de 28 de novembro de 1979 (L/4903)” Disponível em:
http://www.worldtradelaw.net/tokyoround/enablingclause.pdf.
2
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com representação em Genebra, o direito de voto e de participação em seu Conselho
Geral25.
Além disso, esse déficit democrático é ainda reforçado pelo sistema de
entendimento único (“single undertaking”) adotado pela OMC. Segundo este, os
acordos multilaterais firmados no seio desta não podem ser adotados separadamente,
mas somente integralmente por todos os países-Membros – restringindo-se aos PED’s e
PMD’S, então, a possibilidade de escolha quanto aos acordos dos quais queiram tomar
parte, o que de fato compromete a viabilidade de políticas nacionais de
desenvolvimento que estejam em dissonância com tais acordos uniformemente
adotados.
O crescimento das desigualdades internacionais deve-se, em grande parte, a um
sistema econômico mundial injusto e à manutenção de certo imperialismo, dada a
dominação econômica estrangeira. A colonização direta praticamente desapareceu nos
anos 60, mas foi substituída por uma colonização ainda mais perniciosa: a colonização
econômica. Hoje, os instrumentos e estruturas que reforçam este processo são,
principalmente, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e, mais
recentemente, os acordos da Organização Mundial do Comércio. Indícios dessa corrente
realidade - marcada por uma verdadeira transferência de recursos do Sul em direção ao
Norte que impede o pleno desenvolvimento daquele – refletem-se na necessidade de
tomada de decisões como aquelas adotadas na Rodada de Doha, restando, contudo,
saber se as previsões idílicas então delineadas serão, de fato, colocadas em prática.
Segundo Gunnar Myrdal, “eqüidade nas relações econômicas internacionais
exige regras do jogo favoráveis ao parceiro mais fraco” (MYRDAL, 2007, documento
de Internet). Assim, a fim de se construir uma estrutura de comércio internacional justa
e capaz de beneficiar tanto aos países ricos como aos pobres e, de tal forma, contornar a
realidade então vigente, imprescindível se torna o fomento à realização das medidas
retratadas – o acesso ao mercado e a TED: medidas primordialmente voltadas para um
dever de cooperação para com o desenvolvimento insuficiente típico das nações em
desenvolvimento, dadas suas inerentes necessidades.
Assim, tais se tornam instrumentos indispensáveis ao alcance da efetivação do
direito ao desenvolvimento porque, a fim de que esteja conciliado com a promoção
deste, o desempenho do sistema internacional de comércio deve ser pautado por um
modelo eqüitativo de governança.
Conforme observa o ex-secretário de Estado dos EUA, Colin Powell26, “entre
nossas outras prioridades [as do governo americano], nada é mais importante do que a
25
“A falta de representação ou a representação precária dos países em
desenvolvimento em Genebra, prejudica seriamente a sua capacidade de
participar dos progressos da OMC” (SIKHAKHANE, 2007, documento de
internet). Vide:< http://usinfo.state.gov/journals/ites/0200/ijep/ij020011.htm>.
2
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promoção do comércio internacional” e continua, justificando, “o comércio
internacional cria riquezas”. Contudo, tais riquezas não podem ficar nefasta e
discriminatoriamente restritas aos países desenvolvidos. A própria DDD reforça a
premente necessidade de revisão das práticas comerciais internacionais, em seu
preâmbulo, ao mostrar-se ciente de que os esforços a nível internacional para promover
e proteger os direitos humanos devem ser acompanhados de esforços para estabelecer
uma nova ordem econômica internacional.
Para tanto, torna-se indispensável a aplicação da CNMF a fim de que se torne
possível a consecução de uma substancial mudança na vigente estrutura do comércio
internacional, no que diz respeito aos tratamentos discriminatórios que suas
repercussões persistem em provocar. Empregando e, então, validando tal cláusula no
âmbito prático, os atores do sistema de comércio internacional poderão, enfim, tornar
viável o alcance do objetivo teórico inicialmente perquirido pelos idealizadores desse
comércio: uma expansão do fluxo de capitais entre as nações que seja capaz de
promover o bem-estar dos povos mediante um efetivo e democrático aumento de sua
renda real.
2.3. Direito ao Desenvolvimento em relação à CNMF e ao Princípio
da não-discriminação
A não-discriminação consiste no basilar princípio de todo o sistema
multilateral de comércio inaugurado com as regras estabelecidas pelo sistema
GATT/OMC. De fato, a importância desse princípio é tamanha que o GATT e sua
sucessora, a OMC, foram criadas com o intento principal de eliminar, no âmbito do
comércio internacional, atos que o contrariem e que, conseqüente e inevitavelmente,
viessem a interferir no pleno desenvolvimento das nações prejudicadas. Tal princípio
encontra-se expressamente previsto nos acordos GATT/OMC, manifestando-se, nestes,
através da chamada regra do tratamento nacional, bem como da ora tratada CNMF.
A CNMF pode ser considerada como elemento concretizador do princípio da
não-discriminação. De fato, o emprego dessa cláusula, no âmbito das relações
comerciais modernas, pode ser resumido, basicamente, com a seguinte máxima: no
comércio mundial não deve haver tratamentos discriminatórios.
Destarte, a CNMF, sendo inclusive conhecida como “princípio da nãodiscriminação”(LUIZ, 2006, p.43), figura, então, como uma das mais importantes regras
da OMC. Determinando que as nações contratantes do Acordo Geral desta não devem
conferir às demais nações um tratamento menos favorável do que aquele estabelecido
26
Vide a íntegra do texto em: “Opinião: Secretário de Estado Powell Fala sobre Projeto
de
Negociações
Comerciais”.
Disponível
em:
<http://livrecomercio.embaixadaamericana.org.br/?action=artigo&idartigo=21>.
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Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
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em um acordo bilateral, a CNMF atua de forma a potencializar o caráter multilateral de
tal organização.
Poder-se-ia, então, dizer que tal cláusula configura-se num instrumento de
promoção da democracia nas relações comerciais internacionais, dado que a
bilateralidade dos acordos configura-se em um elemento de flagrante discriminação em
relação aos demais membros do mercado mundial? A OMC vem, continuamente,
aprovando regras que visam estimular o comércio multilateral. A CNMF, ao contribuir
no reforço ao alcance desse objetivo, pode ser tida como promotora, de fato, de uma
igualdade de oportunidade nas trocas efetuadas em nível internacional ou sua aplicação
prática não condiz com sua motivação teórica?
Enquanto uma das principais bases do Direito Internacional Público, a CNMF
contribui, também, à afirmação da igualdade soberana dos Estados quanto à política de
comércio internacional. Logo, disso pode-se inferir o evidente alcance que os efeitos de
uma devida aplicação da CNMF, por seu caráter anti-discriminatório, pode ter sobre o
desenvolvimento de uma nação. De fato, antes de sua implementação no âmbito da
OMC, o sistema de comércio internacional vinha caminhando contínua e
progressivamente rumo a uma verdadeira fragmentação mundial das nações em blocos
econômicos. Assim, com o aprofundamento de uma segmentação entre países do Norte
e países do Sul, tendia-se cada vez mais a uma subordinação nefasta destes em relação
aos interesses de dominação daqueles – visto que os países desenvolvidos, detentores
dos mais avançados meios de produção e tecnologia, buscavam subordinar comercial,
financeira e tecnologicamente os países tidos como pobres, subdesenvolvidos.
Essa tentativa de subordinação inelutavelmente ainda permanece, contudo,
atentou-se para o fato de não haver uma relação unilateral de dependência do Terceiro
Mundo em relação ao Primeiro; a relação inversa também é verdadeira.27 Há,
efetivamente, uma interdependência entre eles, dado que, conforme já afirmado,
nenhuma nação, considerando-se o conjunto de suas necessidades, faz-se
completamente auto-suficiente.
A OMC, regulando os acordos sobre o comércio e estabelecendo a extensão do
tratamento conferido a uma nação mais favorecida, procurou reverter essa conjuntura de
injusta subordinação não apenas procurando eliminar a discriminação comercial formal,
mas também aquela de cunho material – desde que esta não esteja devidamente
excetuada por um dos casos previstos nos textos legais. Com tal finalidade, mais uma
vez vem a atuar a CNMF: uma vez constatada a existência de uma medida
discriminatória, gerar-se-ia, a partir de então, a presunção de não alinhamento para com
o sistema OMC, justamente por atentar contra um de seus pilares – o princípio da nãodiscriminação e, conseqüentemente, contra tal cláusula.
Contudo, a prática vem nos demonstrando que suplantar, concomitantemente,
discriminações formais e materiais não vem sendo uma tarefa de fácil realização. A
27
Segundo a Declaração Ministerial na Ocasião do 40º aniversário do Grupo dos
77, de 12 de junho de 2004, da Conferência das Nações Unidas Para o Comércio e o
Desenvolvimento: “28. O diálogo e as negociações do Norte-Sul exigem uma
cooperação genuína para o desenvolvimento através da associação global.”
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base teórica da CNMF, segundo a qual todos os Estados gozarão da liberalização do
comércio internacional em bases igualitárias, vem encontrando dificuldades em se
adequar integral e eficazmente à realidade da economia global - marcada pelas
diferenças, em termos de desenvolvimento, entre os Estados. Persistem, de fato, no seio
da OMC, profundas deficiências no combate aos tratamentos discriminatórios
verificados no âmbito fático28 - que, muitas vezes, encontram-se mascarados através das
exceções que acompanham a CNMF. Urge, então, uma premente revisão dos
desdobramentos práticos que ora vêm sendo alcançados pela atual noção de
desenvolvimento, a fim de que o verdadeiro significado deste - atingido com a
mencionada consagração do direito ao desenvolvimento enquanto componente dos
direitos humanos – reflita-se adequadamente no sistema multilateral de comércio.
O sustentável desempenho deste sistema depende da garantia de direito ao
desenvolvimento às nações. Este, por sua vez, só será adequada e efetivamente
garantido caso se encontre conjugado a uma política de não-discriminação. Deste modo,
deve-se buscar transformar a CNMF em autêntico instrumento de concretização do
princípio da não-discriminação. Mas como concretizar tal anseio no âmbito prático, não
o restringindo ao campo meramente teorético?
3. ADEQUAÇÃO DAS EXCEÇÕES DA CNMF
Ao tratar das exceções da CNMF no sistema GATT/OMC, importa retomar os
objetivos do art. I:1 do GATT 194729. O referido dispositivo requer, em essência, que
membros da OMC estendam o tratamento da CNMF a “produtos similares” com
respeito a tarifas, regulações em importação e exportação, cobranças e regulações
internas. Assim, os produtos “similares” de todos os membros da OMC devem ter o
mesmo tratamento que o mais vantajoso acordado por um Membro para produtos de
qualquer território dentro da jurisdição daquele membro.
28
Segundo a Declaração Ministerial na Ocasião do 40º aniversário do Grupo dos
77, de 12 de junho de 2004, da Conferência das Nações Unidas Para o Comércio e o
Desenvolvimento: “12. As expectativas de uma maior segurança global e de uma ordem
econômica social internacional justa não foram realizadas. O mundo atual está tomado
por problemas sociais e econômicos agudos, muitos dos quais de natureza estrutural”.
Disponível em: <http://www.unctad.org/pt/docs/td405_pt.pdf>.
29
Art. I, 1: “Em relação a deveres e encargos aduaneiros de qualquer tipo
impostos a ou em conexão com importação ou exportação, ou impostos sobre a
transferência internacional de pagamentos de importações ou exportações, e em relação
aos métodos de incidência de tais deveres e encargos, e em relação a todas as regras e
formalidades em conexão com exportação e importação, em em relação a todas as
questões referidas nos parágrafos 2 e 4 do artigo III, qualquer vantagem, favor,
privilégio ou imunidade garantido (a) por qualquer parte contratante, a qualquer
produto, originado em, ou destinado a qualquer outro país, deve ser acordado
imediatamente e incondicionalmente ao produto similar originado em ou destinado a
territórios de todas outras partes contratantes (...)”.
2
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Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
Comissão de Direito Internacional
As principais exceções à CNMF encontram-se estabelecidas no artigo XXIV
do GATT, que trata de Integração Regional; no art. XIII da OMC, com relação à não
aplicação de tratados comerciais multilaterais entre estados membros particulares e; o
denominado Sistema Geral de Preferências (SGP), que é aplicado em vários
documentos da OMC e versa sobre tratamento preferencial de tarifas aos países em
desenvolvimento. Tais exceções serão abordadas com maiores detalhes adiante.
As demais exceções, cujo estudo aqui não será aprofundado, não são menos
importantes, mas possuem aplicabilidade mais restrita, concernindo: tráfico de fronteira
entre países limítrofes (GATT, art. XXIV:3); preferências históricas ao tempo de
assinatura do GATT, como as existentes na Comunidade Britânica e; as chamadas
exceções gerais ao sistema GATT como um todo que podem ter aplicação para a
CNMF, como medidas necessárias à proteção da moral pública, vida e saúde (GATT
art. XX) e as exceções relativas à segurança (GATT art. XXI).
Destaque-se, ainda, que a compreensão das exceções à CNMF dentro do
sistema OMC será importante para o estudo da Cláusula em tratados bilaterais, isto
porque tais tratados podem vir a objetivar um acordo regional futuro (exceção do
GATT, art. XXIV) ou a especificidade de Jurisdição de cada Estado poderá vir a
impedir um acordo multilateral, o que implica em acordos bilaterais, principalmente na
área de investimentos estrangeiros. O estudo da CNMF em Tratados Bilaterais, por sua
relevância, será abordado em tópico específico deste guia, a posteriori30.
3.1. Art. XXIV, GATT 1947: Integração Regional31
Ao tratar da noção de Integração Regional importa ter em mente a questão das
fronteiras e limites entre Estados. Isto porque, embora os limites políticos e econômicos
geralmente coincidam, as zonas de livre comércio e união aduaneiras representam uma
flexibilidade destas fronteiras, na medida de interesse dos Estados-parte. Em resumo,
esses dois tipos de integração se diferenciam pelo fato de as primeiras implicarem na
eliminação dos direitos alfandegários e outras restrições entre os acordantes, enquanto
que, nas uniões aduaneiras, há uma tarifa ou regulação externa comum – a exemplo do
Mercosul.32
30
Vide item 4.4 deste guia.
O GATT 1947 traz definições relevantes sobre a temática de integração
regional, em seu artigo XXIV. Importa notar que o texto do GATT 1947 é
constantemente atualizado por anexos e emendas nas rodadas da OMC e sua principal
alteração foi a do próprio acordo de 1994, que instituiu a OMC como organização. O
texto
de
1947
encontra-se
na
íntegra
em
http://www.wto.org/English/docs_e/legal_e/gatt47_e.pdf. Tal texto deve ser lido em
conjunto com o entendimento específico dos Membros da OMC sobre a interpretação
do art. XXIV do GATT, feita em 1994, cuja versão em inglês está disponível em
http://www.wto.org/English/docs_e/legal_e/10-24.pdf.
32
O Mercosul foi criado em 1991, por meio do Tratado de Assunção, como zona
de livre comércio e institucionalizado pelo Protocolo de Ouro Preto, em 1994.
31
2
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Desta feita, percebe-se que a integração regional, por meio dos chamados
blocos regionais, privilegia os Estados-parte, enquanto mantém as barreiras para os
Estados que não são parte, o que poderá, então, levar a resultados contrários a CNMF
em função deste tratamento diferenciado. A lógica para a permissibilidade de blocos
regionais dentro do sistema OMC está ligada ao fato de os membros do bloco
eventualmente ampliarem a adesão para outros membros, expandindo os benefícios33.
Assim, as zonas de livre comércio e uniões aduaneiras eliminam as barreiras comerciais
e tarifárias intra-zona, estimulando o livre comércio, que é um dos princípios basilares
da OMC. Sobre esta aparente contradição, Silva traz importantes questionamentos:
Um questionamento que surge é o de que se tais blocos servem
como facilitadores do comércio, buscado estender (sic) em um
segundo momento, mesmo que a longo prazo, suas vantagens
para os demais, por que se constituem a partir de uma exceção
ao princípio da não-discriminação, ou em última análise à
CNMF? Além disso, será que tais blocos não podem ser tratados
como uma flexibilização do princípio ao invés de uma
derrogação total do mesmo? (SILVA, 2006, p.130)
Como bem ensina a autora, é entendimento da doutrina que a derrogação do
princípio para determinada situação é mais recomendável do que a flexibilização, uma
vez que esta última poria em risco o próprio funcionamento do sistema multilateral que
rege a OMC, fundamentada em seus princípios.
Assim, dentro da lógica dos blocos regionais, embora se mostrem como
confronto à regra geral de não-discriminação, poderão ser aceitos desde que atendidos
certos critérios para amenizar os efeitos danosos desta derrogação.
Os critérios encontram-se divididos pelo nível de integração que atinge cada
bloco, e sua regulação encontra-se disposta em essência no § 8º do art. XXIV, mas com
importante abordagem também nos § 5° e 6° do referido artigo. Para as áreas de livre
comércio, que representam um estágio mais avançado de integração, em essência, duas
condições básicas deverão ser atingidas: primeiramente, tarifas e outras barreiras ao
comércio devem ser eliminadas com respeito substancialmente a todo comércio dentro
da região; e segundo, as tarifas e outras barreiras aplicadas a Estados que estão fora da
região não podem ser maiores ou mais restritivas do que eram antes do bloco regional se
oficializar.
Atualmente é considerado uma União Aduaneira, em função da adoção da Tarifa
Externa Comum (TEC).
33
Neste sentido: LEE, Y.S. Bilateralism under the World Trade
Organization. Hamline University School of Law. Berkeley Eletronic Press, 2005.
Disponível em: http://law.bepress.com/expresso/eps/1333
2
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3.1.1.
Caso prático: Canadá – Medidas relacionadas a
automóveis34
Em 1998 o Japão requisitou consultas com o Canadá com relação a medidas
adotadas por esse país no setor de automóveis. O Japão afirmava que nos termos de
legislação canadense pela qual se aplicava o acordo “Auto Pact” entre Estados Unidos e
Canadá, somente um limitado número de fabricantes canadenses de automóveis reuniam
condições para importar veículos e peças automotivas com isenção tarifária e distribuílos nos regimes de atacado e varejo.
A Comunidade Européia veio, posteriormente, a requerer consultas sobre o
mesmo tema junto ao Canadá, alegando grande parte das mesmas reclamações do
Japão, Foi então acionado um Grupo Especial da OMC sobre tais reclamações, quais
eram: os requisitos do programa “CVA – Canadian Value Added” seriam incompatíveis
com o parágrafo I, art. 1 do GATT (Cláusula da Nação Mais Favorecida); com o art. III,
§4° também do GATT, (Tratamento Nacional); art. III, §1° do Acordo de Subsídios e
Medidas Compensatórias que trata de subsídios proibidos) e; arts. II e XVI do GATS.
O Canadá apelou das decisões do Grupo Especial sobre os temas acima
elencados, e o Órgão de Apelação se manifestou sobre cada um deles. Em especial
quanto à violação da CNMF no GATT, decidiu o Órgão que as extensões dos direitos
eram incompatíveis com a CNMF, pois o art. I:1 abarca não somente a discriminação de
direito, mas também a discriminação de fato e na verdade as extensões dos direitos em
questão somente se outorgam para um grupo pequeno de países em que determinado
exportador estava afiliado a fabricantes/importadores canadenses que reuniam as
condições estabelecidas. O Grupo Especial indeferiu a defesa do Canadá de que o art.
XXIV (que trata de Integração Regional) permite outorgar as isenções para membros do
NAFTA – North American Free Trade Agreement – (México e Estados Unidos) porque
constatou que tais isenções eram também concedidas a países distintos e porque nem
todos os fabricantes destes países tinham direito a obter tais isenções.
Por fim, fundamentando-se no parecer do Órgão de Apelação sobre todos os
temas alegados pelo Japão, o Órgão de Solução de Controvérsias fez recomendações ao
Canadá, que foram seguidas a partir de 2001.
3.2. Art. XIII, OMC: Não aplicação de acordos multilaterais de
comércio entre estados particulares.
A exceção em questão visa regular a situação de adesão de membros à OMC
posterior à entrada em vigor do GATT 1947.
34
O sumário oficial da disputa em questão, DS139, está disponível na língua
inglesa
no
endereço:
http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds139_e.htm.
2
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Assim dispõe o art. XIII, 1 da OMC, por seu Tratado de Marrakesh: “Este
acordo e os Acordos Multilaterais dos anexos 1 e 2 não se aplicarão entre dois
membros quaisquer se qualquer um deles, no momento em que se torna Membro, não
aceita sua aplicação.” Entendem-se duas condições para a aplicação deste artigo: (i)
para membros ao tempo em que a OMC entrou em vigor, isto é, os contratantes do
GATT 1947, só poderão usar o artigo em pauta quando o art. XXXV já tenha sido
aplicado e efetivo entre tais membros ou; (ii) entre membros quando um deles tenha
acedido ao amparo do art. XII se o Membro que não aceita a aplicação tiver notificado a
Conferência Ministerial sobre esse fato.
Em termos práticos, a CNMF teria aplicação nas condições desta exceção na
seguinte situação: Estado B, aderindo ao Acordo, é requerido a conferir tratamento
eqüitativo em função da CNMF aos demais membros e estes, por sua vez, a conferir o
mesmo tratamento a B. No entanto, um determinado Estado A, já membro da OMC,
poderá ter razões para não conferir de imediato todos os direitos e obrigações para este
novo membro. Não lhe restará, contudo, e por mais pertinentes que sejam suas razões,
escolha em conferir tal tratamento, pois se 2/3 (dois terços) dos membros da OMC
consentirem a adesão do novo membro, ele deverá receber tratamento eqüitativo por
parte de todos os membros e, logo, também pelo Estado A. O Art. XIII, todavia, ainda
provê meios de acessão para o Estado B quando não é atingida a maioria de 2/3 citada,
permitindo a não-aplicação pelos membros que assim não o desejarem ou ainda que seja
atingida tal maioria, o artigo também respeita o direito de não-aplicação, estabelecidos
alguns critérios, entre países que se encontram na posição do estado A ora citado.
Apenas para ilustrar a situação supracitada, adite-se que os Estados Unidos, em
1995, notificou o Conselho Geral da OMC de que não aplicaria o Acordo Geral nem os
anexos 1 e 2 de acordo para a Romênia. Em 1997, os Estados Unidos retiraram sua
notificação.
A discussão sobre a adesão de novos membros ao sistema GATT/OMC traz
importante reflexão acerca de possíveis restrições – tanto por parte do membro que
adentra a Organização frente aos demais, como destes em relação àquele. Vez que a
limitação de sua adesão fundamentada em preferências históricas, poderia violar os
princípios maiores da Organização, dificultando a consecução de um de seus objetivos
principais: liberalização do comércio internacional.
3.3. Tratamento Diferenciado para Países em Desenvolvimento: o
Sistema Generalizado de Preferências – SGP
A idéia de um Sistema Geral de Preferências surgiu durante a 1ª Conferência
das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), em 1964. A
proposta consistia, fundamentalmente, na criação de um sistema de preferências
generalizadas e não recíprocas, em que os países desenvolvidos reduziriam as tarifas
aduaneiras que incidissem sobre as mercadorias importadas do grupo de países em
desenvolvimento, adquirindo tais mercadorias, vantagens no preço com relação aos
produtos dos países desenvolvidos que não gozassem do benefício.
Faz-se importante ressaltar que a concepção do sistema surge exatamente na
época dos anos 60, quando ganharam força as discussões desenvolvimentistas
2
9
Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
Comissão de Direito Internacional
justamente porque, nesse período, se acelerava o processo de industrialização tardia dos
países em desenvolvimento, e o sistema seria uma ajuda para escoar a produção
nascente de manufaturados desses países, colaborando para superar as dificuldades de
acesso a mercado surgidas com os altos custos iniciais de produção, e ainda aumentar a
possibilidade de investimentos estrangeiros nesses países.
No entanto, neste primeiro momento, muitos países da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foram contra o sistema, pois
muitas questões técnicas surgiram para dificultar sua possível aplicação. As discussões,
todavia, continuaram e, em 1968, foi reconhecido o Sistema, mesmo percebidas as
limitações de não poder se configurar como unificado, em razão das diferenças
estruturais e sistemas de proteção tarifária entre os países.
Como afirma Oliveira, o SGP acabou se tornando um sistema composto de
esquemas nacionais individuais, com bases comuns e capaz de oferecer aos países em
desenvolvimento oportunidades para aumentar as suas exportações. Pelo sistema, “cada
país desenvolvido seria livre para determinar a exata natureza das concessões
tarifárias que incluiria no seu esquema nacional” (OLIVEIRA, 2005, p. 201).
O fundamento jurídico do SGP foi criado em 1971, quando as partes
contratantes do GATT o admitiram como exceção a Cláusula da Nação Mais
Favorecida (CNMF), suspendendo o artigo I do Acordo por um período de 10 anos, por
meio do tratamento tarifário preferencial para produtos originários de países em
desenvolvimento, desde que tais preferências não criassem limitações ao comércio das
demais partes contratantes. Deste modo, tecnicamente, o benefício terminaria em 1981,
mas com a decisão da Rodada Tóquio em 1979, que criou a “Cláusula de
Habilitação35”, estabeleceu-se que, genericamente, as partes poderiam conceder
tratamento mais diferenciado aos países em desenvolvimento36, em seus termos, sem
necessariamente conceder tratamento diferenciado e mais favorável às outras partes,
observado o disposto na CNMF, criando uma exceção permanente a esta. 37
Importa dizer, ainda, que os programas de SGP não são completamente
genéricos no que tange a abrangência de produtos, chegando, inclusive, a excluir alguns
produtos que seriam muito importantes na pauta de exportação dos países em
desenvolvimento, tais como produtos em couro, têxteis, aço e cerâmica. Isto se dá
porque nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, os produtores nacionais
destes itens alegam não ter condições de competir com produtos importados dos países
em desenvolvimento, que produzidos com menor custo, chegam ao consumidor final
35
No inglês: enabling clause.
Não houve uma implementação padrão e unificada do SGP por parte dos
países concedentes. A Comunidade Européia, por exemplo, iniciou suas concessões em
1971 e os Estados Unidos em 1975, por meio de seu “Trade Act”. A lista atual de países
beneficiados e concedentes pode ser encontrada no sítio da UNCTAD, com devidas
notas explicativas, em: http://www.unctad.org/en/docs/itcdtsbmisc62rev1_en.pdf.
37
Decisão dos Membros de 28 de Novembro de 1979, sobre “Differential and
More Favourable Treatment, Reciprocity, and Fuller Participation of Developing
Countries” BISD 26S/203.
36
3
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com menor preço. Assim, estabelecem-se os principais questionamentos sobre o SGP:
quais os limites para estimular a produção dos países em desenvolvimento e sua
inserção no comércio mundial sem danificar a indústria dos países concedentes? Ou,
ainda, até que ponto à exceção à reciprocidade é válida genericamente para os países em
desenvolvimento quando cada um destes países apresenta diferenças entre si quanto ao
grau de desenvolvimento?
Os questionamentos anteriores têm sido alvo de grandes discussões nas rodadas
de negociação da OMC, tendo os membros já consentido quanto a importância de um
tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento, mas divergido essencialmente
nos parâmetros de aplicação deste tratamento. Como a progressiva liberalização
comercial é um dos princípios norteadores da OMC, as regras do sistema têm mudado e
muitas tarifas e quotas em têxteis e produtos agrícolas têm sido eliminadas.
Em termos práticos, pode-se notar uma tendência de que o SGP não mais seja
utilizado quando os países atingem maiores níveis de desenvolvimento, e quando um
produto de determinado país beneficiário se torna competitivo. No entanto, os critérios
para determinação de um produto “competitivo” não são claros, sobressaindo, após a
Rodada Uruguai, uma tendência de redução das margens preferenciais, e uma tentativa
de torná-los uma ferramenta de promoção voltada somente aos grupos de Países Menos
Desenvolvidos (PMDs).38
3.3.1.
Caso prático: União Européia – Tarifas preferenciais
para países em desenvolvimento39
Em dezembro de 2001 o Conselho Europeu anunciou a Regulação n°
2501/2001 do Sistema Geral de Preferências – SGP, abrangendo o período de 1° de
janeiro de 2002 a 30 de dezembro de 2004. A regulação consistia em: (i) acordos gerais;
(ii) acordos especiais de incentivo à proteção dos direitos do trabalho; (iii) acordos
especiais de incentivo para a proteção do meio ambiente; (iv) acordos especiais para
países menos desenvolvidos; e (v) acordos especiais para combater a produção de
drogas e tráfico – “Acordo das drogas”.
Entre os acordos supracitados, os gerais se aplicariam para os países em
desenvolvimento em geral, enquanto que o das drogas teria sua aplicação restrita à doze
países: Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras,
Nicarágua, Paquistão, Panamá, Peru e Venezuela.
38
Interessante estudo sobre o tratamento diferenciado dado aos países em
desenvolvimento dentro da OMC, sob a ótica destes, pode ser achado no working paper
do South Centre intitulado “Special and Differential Treatment for Developing
Countries
in
the
WTO”,
disponível
em:
http://www.southcentre.org/publications/workingpapers/wp02.pdf .
39
O sumário oficial da disputa em questão, DS246, está disponível na língua
inglesa em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds246_e.htm.
3
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Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
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A Índia argumentou que tal regulação seria discriminatória, já que somente 12
países beneficiários teriam acesso ao mercado da Comunidade européia com isenção
tarifária completa, enquanto todos os outros países em desenvolvimento teriam que
pagar as tarifas integralmente ou no máximo reduzidas. Desta feita, em 2002 a Índia
requisitou consultas ao órgão de Solução de Controvérsias da OMC alegando a
inconsistência da regulação européia com a CNMF e a Cláusula de Habilitação. Em
2003 foi estabelecido um Painel para tratar do caso.
O Painel da OMC aceitou o argumento indiano de que a concessão européia
violava o art. I:1 do GATT (CNMF). A União Européia recorreu, sob o argumento de
que “não discriminação” não implica em proibir um tratamento diferenciado dentro do
próprio sistema SGP, desde que tal tratamento seja para responder às necessidades
especiais de países em desenvolvimento.
Em essência, o Órgão de Apelação aceitou o argumento europeu, revogando
totalmente, pois, a decisão do painel. A decisão ilustrou que a concessão de diferentes
tarifas para diferentes beneficiários do SGP não é expressamente proibida e que essa
diferenciação pode ser contemplada como meio de tratar uma situação específica.
Ademais, o Órgão considerou ainda que o “Acordo das drogas”, nos termos em que se
apresentava, era ilegal, pois não apresentava critérios objetivos sobre quem poderia se
beneficiar.
Por fim, o Órgão de Solução de Controvérsias recomendou em 2004 que a
Comunidade Européia alterasse seus requisitos para critérios mais claros de
diferenciação dentro do programa e em 2005 esta anunciou uma nova regulamentação,
seguindo as decisões do painel. A Índia expressou dúvidas se essa regulamentação
realmente implementava, em todos os seus termos, a recomendação do Órgão, e se
reservou ao direito de retomar o tema no futuro, caso julgue necessário.
3.4. Tratados Bilaterais de Investimento
Em dias atuais, os tratados bilaterais de investimento têm sido considerados
pelos Estados como uma das estratégias de fomento ao desenvolvimento. Por esta razão,
a liberalização dos investimentos estrangeiros é tema polêmico nas discussões
internacionais em virtude do receio de que uma liberalização retire a autonomia estatal
de gestão de investimentos, sobretudo nos setores considerados estratégicos como
energia e telecomunicações.
Neste cenário, é constante a noção alegada pelos investidores de que
determinados mecanismos governamentais possam criar incertezas para os
investimentos, e é como alternativa que surgem os tratados bilaterais de investimento.
Por outro lado, a concessão exagerada de liberdades para os investidores pode gerar
elementos negativos para os países, sobretudo às nações em desenvolvimento, quando
flexibilizam suas normas ambientais e sociais.
Encontrar uma ponderação entre as necessidades sócio-econômicas dos países
e a proteção dos seus recursos e instituições tem sido um dos maiores desafios do estudo
da dinâmica de investimentos e o debate jurídico tende a utilizar como parâmetro, ainda
3
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que de modo incipiente, as regras do sistema multilateral, como a CNMF, respeitados os
seus limites, para a regulação dos tratados bilaterais.
3.4.1.
O caso Maffezini x Espanha40
Para um melhor entendimento do caso a ser tratado, importa traçar
primeiramente noções sobre interpretação da Cláusula da Nação Mais Favorecida. A
CNMF, esteja ela expressa em um acordo multilateral ou um tratado bilateral, deve
seguir a regra geral para interpretação de Tratados disposta no art. 31, 1 da Convenção
de Viena Sobre Direito dos Tratados: “Um tratado deve ser interpretado de boa-fé
segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de
seu objetivo e finalidade”. Ademais, como bem ensina Fietta (2005), ao se interpretar
uma CNMF em um tratado, deve-se considerar o princípio ejusdem generis, i.e.,
interpretação restritiva. O art. 9.1 dos projetos de artigos de 1978 sobre a CNMF, da
Comissão de Direito Internacional, afirma que CNMFs conferem “somente aqueles
direitos que estejam contidos no limite da problemática de que trata a causa”.
Por meio de um terceiro princípio, o do res inter alios acta, os atos dos
contraentes não podem prejudicar nem beneficiar terceiros. Deste modo, um terceiro
Estado C que tenha firmado acordo com A e se depare com uma situação em que se
sinta menos favorecido ou prejudicado devido a um tratado firmado entre A e B a
qualquer tempo, poderá requerer a extensão dos benefícios que foram concedidos a B, a
fim de alcançar um tratamento eqüitativo.
O caso em questão é de grande importância por formar precedente jurídico
quanto à aplicação da CNMF para jurisdição e mecanismos de solução de controvérsias
no contexto de arbitragem relacionada a investimentos, mais especificamente
investimentos realizados por meio dos tratados bilaterais de investimento (BITs).
Em 1997, o Centro Internacional para Solução de Disputas em Investimentos –
ICSID, sigla em inglês - recebeu do Sr. Emílio Augustin Maffezini, argentino, um
pedido de arbitragem contra o Reino da Espanha. O reclamante, Sr. Maffezini, alegou
que recebeu tratamento desfavorável da Espanha em relação aos seus investimentos em
um empreendimento para a produção e distribuição de produtos químicos na região
espanhola da Galícia. Tal tratamento era dito desfavorável em virtude de comparação
com tratamento dado aos investidores chilenos, que, segundo o reclamante, estavam
sendo privilegiados por meio de um tratado bilateral entre Espanha e Chile.
O tratado entre Espanha e Argentina, em seu art. IV, §2°, continha a seguinte
CNMF: “Em todos os termos sujeitos a esse acordo, este tratamento não poderá ser
menos favorável do que o estendido por cada Parte para investimentos feitos em seu
território por investidores de um terceiro país”. (grifo nosso)
Assim, baseando-se nesta cláusula, o reclamante se beneficiou de um
tratamento mais favorável quanto ao mecanismo de solução de controvérsias contido no
tratado entre Chile e Espanha, que diferentemente do tratado desta com a Argentina, que
40
Caso n° ARB/97/7
3
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previa solução de controvérsias somente depois de 18 meses sem resolução no direito
interno, previa a arbitragem depois de um período de seis meses.
Desta feita, tendo analisado a linguagem da Cláusula NMF que provia
tratamento mais favorável em relação a “todos os termos”, como grifado anteriormente,
o Tribunal instaurado para o caso no ICSID entendeu que se um tratado negociado com
terceira parte contém previsões mais favoráveis à proteção dos direitos do investidor do
que aqueles presentes no tratado entre as primeiras partes, tais previsões devem ser
extensivas ao beneficiário da cláusula MFN.
Desta feita, o caso Maffezini se consolidou como precedente jurídico, pois
provou que CNMFs podem ser aplicadas à mecanismos de solução de controvérsias em
investimentos e questões de jurisdição.
4. QUESTÕES A SEREM DEBATIDAS
Com vistas a facilitar as discussões entre os especialistas da Comissão de
Direito Internacional, é traçado aqui um roteiro com alguns questionamentos
importantes sobre a Cláusula da Nação Mais Favorecida.
1. Os tratados internacionais definem a CNMF a contento?
2. Qual o papel do Direito ao Desenvolvimento na interpretação da
Cláusula da Nação Mais Favorecida?
3. De que forma a CNMF pode auxiliar na diminuição das desigualdades
econômicas entre os Estados?
4. As exceções traçadas no âmbito da OMC cumprem a meta do princípio
da não discriminação?
5. Há elementos que possam caracterizar uma norma costumeira diferente
daquela traçada no acordo do GATT?
6. Qual a relação da CNMF com os Direitos Humanos?
7. Os Tratados Bilaterais são exceções à CNMF?
8. Até que ponto os Tratados Bilaterais podem contribuir para a realização
do Direito ao Desenvolvimento?
Vale lembrar que o rol aqui trazido não é taxativo, muito menos obrigatório,
servindo tão somente de sugestão para discussão.
REFERÊNCIAS
3
4
Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
Comissão de Direito Internacional
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TEMA B
OBRIGAÇÃO DE PROCESSAR
OU EXTRADITAR
1. INTRODUÇÃO
Em tempos de economia e vida globalizadas as fronteiras parecem diluir-se
com o passar do tempo. As distâncias são engolidas por cada vez mais modernos e
eficientes meios de transporte e telecomunicações. Nesse cenário, todos os aspectos
cotidianos tendem a mudar para adaptar-se a essa nova dinâmica. É assim com as
empresas, o trabalho, as amizades, as compras... e também com o crime.A regra geral é
a de que cabe ao Estado perseguir e punir os crimes cometidos em seu território
(MIRABETE, 2004, p.74). Isso não representava um problema no tempo em que
surgiram os Estados modernos. A mobilidade de pessoas, bens, relações não conhecia a
intensidade de nossos dias. As pessoas passavam a vida sem conhecer outros países e a
repercussão de suas ações dificilmente alcançava outros lugares que não a sua própria
cidade.
2.1.Evolução histórica da Persecução Penal
Antes de tratar da dinâmica da persecução e do processo penal moderno, faz-se
necessário traçar algumas linhas sobre a evolução da própria persecução penal, de forma
a entender o seu desenvolvimento, compreendendo a importância de suas características
em especial do papel da soberania nacional na repreensão do crime41.
Embora a história do Direito Penal tenha início com o surgimento do próprio
homem, não se pode afirmar a existência de um sistema orgânico de princípios
processuais penais nos tempos primitivos. Todos os fenômenos naturais maléficos eram
tidos como resultantes das forças divinas para castigar àqueles que não obedeciam às
supostas obrigações impostas pelos deuses. Assim, a pena, na sua origem mais remota,
significava uma forma de vingança desproporcionada com a ofensa e aplicada sem
preocupação de justiça.
41
As fases de evolução da vingança penal foram diversas e não se sucederam
sistematicamente, de forma que a apresentação feita a seguir possui apenas um caráter
didático.
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Na fase da vingança privada, o cometimento de um crime contra uma pessoa
estranha à tribo gerava a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social, que agiam
sem proporção à ofensa, atingindo não só o agressor como também todo o grupo no
qual ele estava inserido. Assim, a reação era a da “vingança de sangue”, considerada
como obrigação religiosa e sagrada, que resultava numa verdadeira guerra movida pelo
grupo ofendido àquele que pertence o ofensor, culminando na eliminação de um dos
grupos.
Com a evolução social, para evitar a destruição das tribos, surgiu a lei de talião
que limitava a reação à ofensa a um mal idêntico ao praticado, sendo um grande avanço
na história do Direito Penal por reduzir a abrangência da ação punitiva. Posteriormente
surgiu a composição, sistema pelo qual o ofensor se livrava do castigo com a compra de
sua liberdade, constituindo a origem remota das formas modernas de indenização do
Direito Civil e da multa do Direito Penal.
Mais adiante, com o fortalecimento da influência decisiva da religião na vida
dos povos antigos, surgiu a fase da vingança divina onde o castigo era aplicado pelos
sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando intimidar a
sociedade no cometimento de mais crimes.
Por fim, a fase da vingança pública surge com uma maior organização social,
especialmente com o desenvolvimento do poder público, e com o objetivo de dar uma
maior estabilidade ao poder estatal. A pena, portanto, perde sua índole sacra para
transformar-se em uma sanção imposta em nome da autoridade pública, representando
os interesses da sociedade.
Atualmente, é impossível negar a positividade da noção da soberania estatal42,
como também o seu caráter de elemento constitutivo para a necessária existência de um
Estado. Todavia, não é mais adequado aderir à concepção absolutista da soberania,
tendo em vista que na sociedade internacional contemporânea, amplamente interestatal,
a soberania de cada Estado colide com as dos demais, concorrentes e iguais. Portanto,
essa limitação não deriva da vontade estatal, mas da necessidade da coexistência dos
sujeitos de direito internacional (FERRAJOLI, 2002, p.1).
Os desafios de hoje levantam inúmeros questionamentos sobre como proceder
com essa nova e crescente criminalidade transnacional. Quando há obrigação de um
Estado em processar? Quando haverá obrigação em extraditar? As respostas não
transparecem em meio à heterogeneidade de normas e políticas adotadas. O crescente
crime organizado de certa forma limitou a ação do Estado por algum tempo.
Ultrapassando os limites soberanos do Estado, surgiram delitos que não mais atingem
42
A própria Carta da ONU, em seu art. 2º, afirma: “A organização está baseada
no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”.
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uma única jurisdição. É diante desta nova onda crescente que vem o Estado a se
aparelhar de formas melhores para punir e combater esses atos criminosos.
Enquanto os criminosos pensam de forma livre em novas situações, se
favorecendo de alguns obstáculos encarados pelo Estado, este também evolui, mas a
uma marcha menor. As ferramentas capazes de auxiliar o Estado nesses casos vêm se
aperfeiçoando, mesmo assim, existe um sentimento da comunidade internacional que
passos maiores precisam ser dados.
Forçando então esta comunidade a máxima cooperação possível entre ela
mesma, em busca do combate eficaz a essas formas criminosas, a extradição se perfaz
como um desses artefatos, traduzindo-se em um instrumento jurídico cooperativo que
possibilita o incremento da prestação jurisdicional estatal na seara penal, o qual iremos
abordá-la a seguir.
2. EXTRADIÇÃO
A extradição foi o primeiro método utilizado no trato penal do crime
transnacional43. O seu mecanismo básico é bastante simples: trata-se de um processo
formal em que um Estado – requerido – entrega o acusado fugitivo para outro –
requerente – no qual o delito foi cometido44 para ser submetido a julgamento ou para
cumprimento de pena (BANTEKAS, 2003, p.179).
Os grandes pensadores do direito internacional (op. cit.) não questionam a
respeito da eficácia da prática da extradição. No entanto, discordam com relação se esta
prática deve ser resultado de uma obrigação legal ou de uma obrigação moral, ou seja,
um dever de extraditar inerente a todos os Estados.
Atualmente, não há nenhuma regra de direito internacional que obrigue
qualquer Estado a extraditar para outro um criminoso que se encontre em seu território.
Deste modo, o procedimento extradicional tem como fundamento o princípio do pacta
sunt servanda e o interesse mútuo de assistência legal entre os Estados, e se concretiza
43
Um dos primeiros documentos internacionais que traz previsão de extradição
de quem se tem notícia foi celebrado no Egito antigo, entre o faraó Ramsés II e o rei
hitita Hattisuli em 1291 a.C.
44
Há, no entanto, a possibilidade de extradição mesmo quando o Estado
requerente não é aquele em que o delito foi cometido, como mostra bem o caso
Pinochet. Para mais detalhes sobre esse caso vide sessão X.X.
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através da realização de tratados bilaterais ou multilaterais baseados no princípio da
reciprocidade. 45
Os tratados de extradição podem ser definidos como acordos celebrados entre
os Estados, por meio dos quais eles estabelecem regras para a entrega recíproca dos
indivíduos que tenham praticado o delito no território de um deles e se refugiado dentro
das fronteiras do outro.
Na ausência de tratado ou convenção com o Estado requerente, pode surgir a
declaração de reciprocidade46, ou seja, a extradição poderá ser concedida se o governo
requerente, em condições idênticas, puder prometer, de acordo com a lei do seu país, a
entrega futura de um delinqüente que venha a ser solicitado pelo governo requerido.
1. Princípios que regem a extradição
1. Dupla incriminação
Atualmente, a maioria dos tratados de extradição contém a regra da dupla
incriminação para que o pedido com a intenção de extraditar seja satisfatório. Em linhas
45
A prática internacional quanto à elaboração de textos normativos é variada e
demonstra diversos posicionamentos quanto à forma adotada, assim para ilustrar essa
diferença, observa-se que enquanto os Estados Unidos preferem a utilização de tratados
bilaterais como base legal para os casos de extradição, os Estados europeus preferem a
utilização de tratados multilaterais.
46
Há, contudo, Estados que consideram essa prática demasiadamente precária
quando comparada ao procedimento de extradição, como é o caso do Reino Unido.
REZEK expõe o posicionamento inglês: “[...] Apregoa-se que limitando suas relações
extradicionais aos países com os quais celebre tratados específicos, pode o Estado,
selecionar com mais prudência tais países, evitando envolver-se com aqueles que não
adotem princípios penais semelhantes aos seus.” (REZEK, 1995, p. 214). CASTRO
relembra que no caso de extradição de Ronald Biggs – criminoso inglês que ficou
conhecido pelo “assalto ao trem pagador” em 1963 e, após condenado, fugiu para o
Brasil – a extradição não pode, em um primeiro momento, ser concedida devido à
ausência de um tratado específico entre a República Federativa do Brasil e o Reino
Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, tal fato levou os Estados à conclusão de um
tratado que entrou em vigor em 1997.
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gerais, esse mandamento preceitua que só haverá extradição se a conduta praticada for
punível tanto no Estado requerente quanto no Estado requerido.
Essa regra decorre da observância do princípio geral do direito penal nulla
poena sine lege praevia. Assim, os Estados não são obrigados a extraditar um criminoso
se a conduta por ele praticada não for considerada criminosa em seus territórios, como
também não faria sentido um Estado requerer a extradição de uma pessoa cuja conduta
não é punível em sua legislação.
Em geral os tratados europeus sobre extradição definem que um crime será
passível de extradição se este estiver relacionado a um mínimo nível de penalidade da
conduta em ambos os Estados47. Por outro lado, nos Estados Unidos e no Reino Unido,
a prática mais comum presente nos tratados sobre extradição é relacionar de forma
taxativa quais os crimes que serão passíveis de extradição. Desta forma, pode-se
concluir que este método acaba limitando demasiadamente os casos que permitem a
extradição, pois eles só poderão ocorrer somente se o delito estiver previsto na referida
relação. Assim, atualmente, a maioria dos tratados sobre extradição dá preferência em
classificar os casos como aqueles que estão relacionados a um mínimo nível de
penalidade da conduta.
2. Especialidade
Este princípio se caracteriza pelo compromisso assumido pelo Estado
requerente de não processar o extraditado por um crime diverso daquele que
fundamentou o seu pedido, consagrando-se como um princípio presente em quase todos
os tratados internacionais. Desta forma, quando o Estado requerente desejar processar o
extraditado por um crime diverso do pedido, deverá fazer um pedido de extensão da
extradição.48
47
O Código de Bustamante em seu art. 353 traduz esse requisito com a seguinte
regra: “Para que a extradição possa ser pedida é necessário que o fato que a motive
tenha caráter de delito na legislação do Estado requerente e da do requerido”.
48
Há alguns anos, o Brasil pediu a extensão da extradição ao Estado da Costa
Rica no conhecido caso de Jorgina Maria de Freitas Fernandes, tendo em vista que o
governo brasileiro havia pedido sua extradição baseada somente em uma Ação Penal
cuja sentença havia condenado a ré apenas pelos crimes de peculato e formação de
quadrilha. Ocorre que Jorgina também respondia por outros processos criminais que
tramitavam em Justiças distintas. Assim, para que a ré pudesse responder criminalmente
pelos outros crimes, foi necessária a solicitação da extensão da extradição, junto ao
governo da Costa Rica, o que foi perfeitamente possível, pois ambos os países são
subscritos do Código de Bustamante, cujo artigo 377 permite a extensão da extradição.
Caso contrário, Jorgina ficaria impune pelos outros crimes que não deram ensejo ao
pedido extradicional.
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Assim, pode-se afirmar que o princípio da especialidade possui uma
característica mista, porque, além de propiciar maior confiança nas relações entre os
Estados no combate à criminalidade, garante ao extraditando o direito de ser informado
sobre o motivo e a causa da acusação, funcionando como um efeito limitativo da
extradição.
Já a extensão da extradição permite que o Estado requerente possa julgar e
punir o extraditando por crimes anteriores ao pedido, evitando com isso a impunidade.
Uma conseqüência deste princípio é o procedimento da reextradição que ocorre
quando o indivíduo é extraditado para um Estado e este concede sua extradição a um
terceiro Estado. No entanto, conforme pode ser observado no artigo décimo quinto49 da
Convenção Européia sobre Extradição, se o Estado requerente – do primeiro processo
de extradição – não conseguir uma autorização do Estado requerido originariamente
permitindo tal procedimento, ele ficará impedido de entregar o indivíduo a um terceiro
Estado. Deste modo, evita-se que um terceiro Estado utilize-se da reextradição com a
finalidade de processar ou julgar um criminoso que, por alguma razão, não lhe seria
restituído diretamente.
3. Non bis in idem
O princípio do non bis in idem trata-se de um princípio universal, e não diz
respeito somente ao instituto extradicional,pois reflete um sentimento de justiça, na
medida em que ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo fato. É
encontrado, comumente, nos tratados de extradição e se destina a atender dois
propósitos: a soberania do país requerido, porque o seu sistema judicial deve prevalecer
em relação ao Estado requerente, e a garantia dos direitos fundamentais do indivíduo. O
artigo 9º da Convenção Européia sobre Extradição de 195750 afirma que a extradição
deve ser recusada se as autoridades competentes do Estado requerido já houvesse
realizado o julgamento final.
No entanto, ainda existem divergências quanto à interpretação e aplicação
deste princípio. As cortes no Reino Unido, bem como nos Estados unidos, têm
considerado que ele não deve ser aplicado para as audiências de extradição, podendo,
portanto, que um mesmo indivíduo seja solicitado com relação aos mesmos crimes por
vários países. Porém, a Extradição deverá ser recusada caso as autoridades do Estado
49
O artigo 15 - Re-extradição para um terceiro estado - exceto da maneira prevista no artigo 14,
parágrafo 1.b, o Estado requerente não deve, sem o consentimento do Estado requerido, entregar a um
terceiro Estado uma pessoa que lhe foi entregue e que está sendo procurada, por esse terceiro Estado, em
relação às ofensas cometidas antes de sua entrega.
50
Artigo 9 - Non bis in idem - A extradição não será concedida se o julgamento final foi aprovado
pelas autoridades competentes da parte requerida em cima da pessoa reivindicada respectivamente à
ofensa ou às ofensas para que a extradição é solicitada. A extradição pode ser recusada se as autoridades
competentes da parte requerida decidirem não instituir ou não terminar procedimentos respectivamente à
mesma ofensa ou ofensas.
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requerido tenham dado início ao processo de acusação referente à ofensa na qual a
extradição é solicitada.51
2. Sistemas Internos na Cooperação Penal Internacional
1. Sistema Judiciário
Por ser o mecanismo da extradição, na sua essência mais doutrinaria e legalista,
uma cooperação judicial, há, justificadamente, uma tendência a se facilitar a cooperação
judicial entre países ou blocos, desvinculando os aspectos políticos envolvidos no seu
processo. Nesse primeiro caso, temos o sistema interno judicial, em que o processo de
extradição vincula-se unicamente a decisões jurídicas. Esse sistema defende em sua
extremidade a cooperação direta entre os poderes judiciários de Estados que já possuam
uma avançada harmonia em suas relações. Um exemplo da aplicação desse sistema
judicial é o Mandado de Detenção Europeu52 (no inglês European Arrest Warrant). O
mandado de detenção europeu é o fruto de um trabalho de cinco anos do Conselho
Europeu que iniciou o planejamento do projeto no Conselho Europeu de Tampere,
Finlândia, em outubro de 1999, sendo instituído pelo Conselho da Europa em junho de
200253, e programado para entrar em vigor em maio de 2004. O mandado tenta dar um
passo significativo no que diz respeito à cooperação penal internacional. Com a sua
aplicação, uma autoridade judiciária tem capacidade de emitir o mandado de detenção
que irá legitimar a autoridade judiciária do local em que o condenado ou acusado se
encontre a capturá-lo e entregar, sem os ditames burocráticos referentes à extradição, a
autoridade que solicitou a detenção. Dentro dos seus limites estabelecidos, poderão ser
alcançados pelo mandado qualquer acusado de um crime em que seja estabelecida a
pena mínima de 1 ano de privação de liberdade, podendo ou não ser nacional do país
que solicitou a prisão. Neste contexto, em um prazo de 90 dias, a pessoa deverá ser
entregue para as autoridades competentes solicitantes.
Ao Estado executor do mandado cabe a recusa em alguns casos como no da
observância ao princípio do ne bis in idem, se já houver decisão com trânsito em
julgado por algum Estado-Membro pela mesma razão do mandado contra a mesma
pessoa, se o crime cometido for possível de anistia, ou ainda se no Estado executor a
pessoa não poder ser responsabilizada devido a sua idade. Ainda em observância a
prazos prescricionais pode o Estado executor, sempre fundamentadamente, recusar o
mandado.
51
É importante salientar que na audiência de extradição apenas se discute a
possibilidade ou não do acusado ser extraditado, diferentemente do que ocorre no
processo de acusação no qual já se discute a culpabilidade do agente com relação aos
crimes imputados a ele.
52
Para maiores informações sobre esse mecanismo, vide o site do Parlamento Europeu
em: <http://ec.europa.eu/justice_home/fsj/criminal/extradition/fsj_criminal_extradition_en.htm>.
53
Decisão2002/584/JHA . Decisão-quadro do Conselho Europeu em 13 de junho de
2002. Essa decisão atinge a todos os Estados-Membros em regra geral.
4
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As conseqüências da adoção desse sistema estão além da celeridade no processo
e do afastamento de questões políticas no processo de extradição.
O princípio non bis in idem fica suspenso, uma vez que não é necessária a
autoridade executora do mandado observar a existência em seu ordenamento do similar
punível, como no processo de extradição. Não foi a toa que o Mandado de Detenção
Europeu sofreu diversas críticas, até mesmo internas 54. Desde a alegação de ofensa aos
direitos civis e fundamentais como a não mais garantia de vinculação do cidadão à
ordem jurídica a qual ele está inserido, indo além como considerando ameaçada a
soberania, possivelmente concretizada através da violação do princípio de extraditar e
na inserção exagerada da jurisdição alheia no território nacional, através de mecanismos
judiciários do próprio Estado.
Não substituindo o processo de extradição, o Mandado de Detenção Europeu é a
forma de sistema interno que vincula somente o poder judiciário nesse processo de
cooperação penal internacional. Possível de funcionamento somente então, como já dito
anteriormente, entre Estados com avançada harmonia legislativa material e
procedimental, bem como em suas relações diplomáticas, ou mesmo somente dentro de
blocos avançados, com uma evolução histórica firme e principalmente amparados por
um aparato de cooperação judicial como na União Européia.
2. Sistema Executivo
Se por um lado a extradição em sua essência mais legalista é uma forma de
cooperação judicial, por outro, historicamente, ela é mais tratada como uma prática de
relações diplomáticas entre os Estados.A difusão global acerca dos tratados bilaterais de
extradição evidencia essa prática, e ainda mais no que se trata da extradição sob
oferecimento de reciprocidade.
Nesse caso, a extradição de uma pessoa é realizada após ser firmado a
reciprocidade do país que a solicitou, devendo este instantânea ou posteriormente,
extraditar terceiro de interesse para julgamento do país que irá extraditar o acusado. Não
vulgarizando a cooperação jurídica envolvida, a extradição no caso se torna moeda de
barganha internacional, sujeita, portanto, aos imperativos políticos e diplomáticos
oriundos das relações praticadas na sociedade internacional.
No Sistema Executivo, o que temos, é a desvinculação da função judiciária no
processo de extradição. No entanto, o afastamento por completo do poder judiciário é
inadmissível. Assim, a observância de aspectos jurídicos no processo de extradição é
essencial, como em todos os princípios tratados anteriormente que fazem parte do
procedimento de extradição.
54
Mesmo com toda essa construção, o sistema encontra resistência até mesmo
internamente entre alguns Estados-Membros como no caso da Itália e da Alemanha. A própria Corte
Constitucional Alemã já tem jurisprudência decidindo pela nulidade do Mandado de Detenção Europeu.
Extremamente interessante é a construção doutrinária feita no julgado pela Corte criticando esse sistema,
cujo
exemplo
encontra-se
disponível
em:
<http://www.bundesverfassungsgericht.de/en/decisions/rs20050718_2bvr223604en.html>.
4
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Nesse sistema, o poder judiciário não é a autoridade principal que irá decidir
acerca da extradição. A este caberá a consulta jurídica para caracterizar ou não a
extradição como possível e legal dentro do que exposto no caso concreto e nas leis que
regem o ordenamento do Estado. Ao Poder Executivo, por sua vez, ficam reservadas as
decisões sobre quando e a quem irá incidir decisivamente o processo de extradição no
Estado.
A princípio esse sistema não alcança seus fins primordiais e sofre críticas
quanto ao abuso do Poder Executivo diante da finalidade do processo de extradição que
é o de julgar o acusado. Entretanto, vale atentar para as justificativas desse sistema. Em
observância à teoria do checks and balances, a participação do Poder Executivo no
processo de extradição não adentra no campo da legalidade da mesma. Cabe ao poder
executivo, no caso, decidir em quais situações irá se efetivar a extradição. Em
observância a soberania do Estado, caberá a este decidir ou não se irá utilizar do seu
poder de jurisdição para agir, sobre uma pessoa que embora esteja sob sua jurisdição, é
perquirida criminalmente por fato externo a esta.
Sendo assim, seria uma questão de garantia da soberania e jurisdição do poder
executivo conceder ou não a extradição ao estado solicitante. Como todos os poderes
têm a função de zelar pela soberania, não se configuraria como abuso do Poder
Executivo nesse sistema o controle sobre os processos de extradição. Entretanto a
recusa por sua parte faz surgir uma questão mais complicada, a de se geraria ou não a
obrigação ao Estado que recusou a extradição, de processar e se for o caso punir a
pessoa envolvida no processo pelos mesmos fatos que consubstanciaram a solicitação55.
3. Sistema Misto
Por fim, doutrinariamente, surge um sistema que tentando acumular os
aspectos positivos dos dois sistemas opostos, une-os em um novo sistema central.
O sistema Misto é o sistema que aceitando a cooperação penal internacional
como principal função da extradição, acresce a esse a capacidade que o poder executivo
tem nas decisões importantes do Estado que envolva os conceitos de soberania e
jurisdição.
Sendo esse sistema o que vigora, por exemplo, no Brasil, temos a presença
tanto do poder judiciário quanto do poder executivo no processo de extradição. O
procedimento brasileiro para extradição compreende três fases, sendo a primeira e a
última cabíveis ao poder executivo e a segunda fase de responsabilidade do poder
judiciário.
A primeira fase é a de comunicação, em que os agentes diplomáticos do Brasil
e do país solicitante entram em contato para estabelecer os fatos e pedidos a que se
refere o processo de extradição.
Por sua vez, na segunda fase, cabe ao Supremo Tribunal Federal o julgamento
sobre o processo de extradição como versa a própria Constituição Federal de 88 na sua
alínea g, inciso I do artigo 102:
55
Mais sobre esse tema poderá ser encontrado na sessão 3 deste Guia de
Estudos.
4
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Art. 102 - Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
[...]
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
Por fim, na terceira fase, cabe ao chefe do Poder Executivo, após o deferimento
do Supremo Tribunal Federal, decidir sobre a extradição. Somente existirá a terceira
fase se, na segunda, o resultado for pelo deferimento, ou seja, pela autorização do
Supremo Tribunal Federal, ao processo de extradição, cabendo ao poder executivo não
mais analisar as situações jurídicas envolvidas, mas sim outras questões que venham a
ser levantadas.
Não se confundem o sistema misto adotado pelo Brasil com o sistema
executivo, uma vez que a análise negativa do Supremo Tribunal Federal, ou seja, aquela
que decide pela não continuidade do processo de extradição vincula a decisão do poder
executivo, que não irá mais poder decidir diferente dessa. Esse sistema misto é o que
melhor obtém êxito nas críticas e assim também na aceitação pela maior parte dos
Estados, como por exemplo os membros do Mercosul.
3.
Crimes Extraditáveis
Devido a uma forte relutância com relação à aplicação do direito tributário de
outro Estado, a extradição costuma ser recusada nos delitos fiscais a menos que as
partes contratantes tenham expressamente concordado com a inclusão dos crimes fiscais
no tratado. No entanto, o crescimento de crimes de ordem financeira, o tráfico de drogas
e, mais especificamente, a lavagem de dinheiro, tem conduzido voluntariamente um
aumento no número de Estados que estão incluindo os crimes fiscais nos tratados de
extradição.56
Por outro turno, o mesmo não se observa quanto à extradição por crimes
militares. A prática dos Estados tem sido pela negativa de extradição nesses casos e
ainda hodiernamente observa-se relutância em extraditar pessoas nos casos de ofensas
56
Convenção Européia sobre Extradição, Artigo 4 - Ofensas militares - A extradição para as
ofensas sob a lei militar que não são ofensas sob a lei criminal ordinária é excluída da aplicação desta
convenção.
4
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militares – que, vale frisar, não são as mesmas ofensas previstas na lei penal ordinária
de cada Estado.57
1. Extradição de nacionais
A maioria dos países prefere exercer a sua jurisdição penal sobre seus próprios
cidadãos se o delito foi cometido tanto em seu território quanto no em território
estrangeiro. Tal anseio fomentou regras inseridas em vários tratados internacionais,
inclusive na Convenção Européia sobre Extradição58. A princípio, essa exceção está
ligada à soberania nacional, que em alguns países é considerada um direito
fundamental59.
Para determinar se uma pessoa é cidadã de um país ou não, deve ser levada em
consideração a legislação estatal sobre nacionalidade – comumente expressa já nos
textos constitucionais. A esse respeito existem diversos sistemas, que variam dos mais
rígidos – que a exemplo de muitos países europeus(BANTEKAS, 2003, p.179) exigem
critérios sanguíneos muito estreitos – àqueles mais flexíveis - como aqueles dos estados
nórdicos, que, por exemplo, consideram todos os residentes registrados como sendo
nacionais, mesmo levantando em consideração o interesse de alguns terroristas que
procuram o refúgio em um destes estados para evitar a extradição com base na
residência.
2. Crimes Políticos
57
Artigo 5 - Ofensas fiscais - A extradição será concedida, de acordo com as provisões desta
convenção, para ofensas em relação aos impostos, de deveres, de costumes e de troca somente se as partes
contratantes tenham assim decidido em relação a uma ofensa ou categoria de ofensas.
58
Artigo 6 - Extradição de nacionais – 1. a) a parte contraente terá o direito de recusar à
extradição de seus nacionais. b) Cada parte contratante pode, por uma declaração feita a tempo da
assinatura ou do depósito de seu instrumento de ratificação ou acessão definir, ate onde se refere o termo
"nacionais" com o sentido dessa convenção. c) A nacionalidade será determinada no momento da decisão
a respeito da extradição. Se, entretanto, a pessoa reivindicada está reconhecida primeiramente como um
nacional do Estado requerido durante o período entre a época da decisão e o momento contemplado para a
rendição, o Estado requerido pode se aproveitar da provisão contida no subparágrafo a deste artigo. 2. Se
o Estado requerido não extradita seu nacional, o pedido do Estado requerente submeterá o caso a suas
autoridades competentes a fim de que as providências possam ser tomadas se elas são consideradas
apropriadas. Com esta finalidade, os arquivos, as informações e as exibições em relação à ofensa serão
transmitidas pelos meios estabelecidos no artigo 12, parágrafo 1. O Estado requerente será informado do
resultado de seu pedido.
59
A própria Constituição Federal do Brasil considera já em seu art. 1º, I trata a
soberania como fundamento da República Federativa do Brasil, ao lado de outros
direitos fundamentais como a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
4
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Os crimes políticos podem ser considerados como aqueles dirigidos, subjetiva
e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das
instituições políticas e sociais. Desta forma, pode-se inferir que os delitos políticos se
diferenciam dos delitos comuns, na medida em que nestes a criminalidade é
considerada absoluta e repudiada por todos os povos, tornando-se ofensivos à
segurança universal, ao passo que, nos primeiros, a natureza da infração pode ofender
exclusivamente o Estado requerente, enquanto que para o Estado requerido a ação pode
ser honrosa e tornar-se até um ato heróico.
Por isso, a maioria dos tratados internacionais proíbe a extradição dos
criminosos políticos60 e não define o crime político, o que torna difícil a aplicação e a
interpretação no caso concreto. No entanto, há dois critérios para solucionar esta árdua
conceituação: o critério objetivo, que considera o crime político como aquele
perpetrado contra a ordem política estatal; e o critério subjetivo, que considera o crime
político como aquele cometido com a finalidade política.
Doutrinariamente, os crimes políticos são divididos em puros e em relativos
(CASTRO, 2003, p. 43). Os puros correspondem aqueles que possuem motivação e
expressão política predominantes e não envolvem o uso da violência. Os relativos
caracterizam-se pela motivação e pelo objetivo político do autor, porém são praticados
através da violência, no contexto de uma guerra civil, de uma revolução ou de um
movimento de libertação nacional. Caso a violência não atinja pessoas inocentes, nem
os fatos constituam uma infração penal comum, o entendimento dominante é no sentido
de que em relação a eles, também não deva ser deferida a extradição.
4.
Iniciativas internacionais
1. O acordo de extradição do MERCOSUL
Com o objetivo de harmonizar as legislações existentes nos quatro países do
Mercosul sobre a matéria extradicional, houve a necessidade de celebrar um acordo que
tratasse de tal matéria de forma mais uniforme, visando à cooperação penal
internacional. Além dos quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai), também integram esse acordo a República da Bolívia e a República do Chile.
O Acordo obriga os Estados-partes a entregarem, reciprocamente, as pessoas
que se encontrem em seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas
autoridades competentes de outro Estado, para serem processadas pela prática
presumida de algum delito, que, conforme o art. 1º, respondam a um processo já em
60
O Código de Bustamante, em seu art. 355, exclui expressamente os delitos
políticos da extradição: “Estão excluídos da extradição os delitos políticos e os com ele
relacionados, segundo a definição do Estado requerido”
4
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curso (extradição instrutória) ou para a execução de uma pena privativa de liberdade
(extradição executória)61.
Neste instrumento jurídico não foram elencados os crimes suscetíveis à
extradição, pois tal medida poderia torná-lo obsoleto com o passar do tempo, na medida
em que os crimes avançam e se modernizam de forma muito rápida. Neste caso, foi
escolhido definir a suscetibilidade à extradição, referindo-se à gravidade do delito, cuja
pena privativa de liberdade, em ambos os Estados, deve ter duração máxima não
inferior a dois anos (art. 2º, §1º)62.
A extradição só deverá ser concedida quando houver um mínimo de gravidade
no fato imputado ao extraditado. Por isso, os fatos delituosos de pequena gravidade não
são passíveis de extradição. Segundo esse Acordo, para haver extradição, os tipos
penais não necessitam ter o mesmo nomen iuris, mas os fatos que fundamentam a
acusação ou a condenação devem ter equivalência no Estado requerido.
Por fim, o Acordo de extradição do Mercosul, no que tange às suas disposições
materiais, está em perfeita sintonia com os direitos fundamentais reconhecidos em nível
internacional, acolhendo princípios como o do non bis in idem (art.12) e o da
especialidade (art.14); o Estado requerido não extradita se no Estado requerente for
aplicada pena de morte ou a prisão perpétua ao delito cometido (art. 13); a nãoconcessão da extradição por crimes políticos (art. 5º) e militares (art. 6º); dentre várias
outras garantias ao indivíduo que os Estados-partes se obrigam a não violarem.
2. Convenção Européia de Extradição
Pela Convenção Européia de Extradição de 1957 todos os países contratantes
se obrigam a extraditar para o Estado requerente qualquer pessoa que tenha cometido
qualquer crime passível de extradição, isto é, qualquer crime que esteja relacionado com
o mínimo nível de tolerância penal em ambos os Estados. No entanto, não são obrigados
a extraditar agentes de delitos políticos, fiscais ou militares. As partes contratantes
também têm o direito de recusar a extradição de seus nacionais e, em alguns casos, pode
recusar a extradição de pessoas que tenham cometido delitos que sejam punidos com
pena de morte pelo Estado requerente.
61
A extradição instrutória se diferencia da extradição executória, porque, na
primeira, o pedido é formulado para que o extraditando seja processado no Estado
requerente, enquanto na segunda, o pedido é feito para que ele cumpra uma pena
proferida através de sentença transitada em julgado.
62
Segundo CASTRO, se a extradição for requerida com base em vários delitos
praticados pelo extraditando, cada um com uma pena inferior a dois anos, mas com
soma excedendo esse prazo, a extradição não poderá ser concedida,pois cada fato
deverá ser apreciado isoladamente.
4
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3. Convenção para Simplificação dos Procedimentos de
Extradição de 1995
Esta convenção foi criada com o intuito de facilitar a extradição entre os
Estados-membros da Convenção Européia de Extradição de 1957, aumentando a
eficiência dos procedimentos que existem atualmente sem afetar a aplicação dos
procedimentos que já se encontram em aplicação por alguns Estados-membros. Em
alguns casos onde a pessoa detida consente com a extradição e o Estado requerido
também a concede, todo o procedimento formal da extradição é evitado.
A convenção foi designada para simplificar o procedimento da extradição
através da aplicação de uma estrutura legal flexível entre os Estados-membros da União
Européia que reduz atrasos produzidos pelo sistema mais antigo. Fornecendo as
condições da Convenção que devem ser cumpridas, as partes contratantes concordam
em aplicar medidas simplificadas para a rendição dos fugitivos.
4. O modelo das Nações Unidas para tratados sobre
extradição
O modelo de tratado sobre extradição das Nações Unidas foi adotado pela
Assembléia Geral das Nações Unidas em 1990 e é complementado pelas Provisões
Complementares para o Modelo de Tratado sobre Extradição. Estes instrumentos fazem
parte de uma das iniciativas das Nações Unidas para promover o desenvolvimento de
uma efetiva cooperação internacional em matéria criminal, e incentivar a
implementação de medidas nacionais e internacionais para inibir o crime organizado. O
tratado modelo foi organizado para proporcionar uma espécie de estrutura padrão para
os Estados realizarem seus acordos bilaterais, regionais e multilaterais sobre extradição.
O referido documento também aponta a importância dos Estados em firmar
tratados e acordos sobre o assunto, tendo em vista o recente desenvolvimento do direito
internacional. Em seu preâmbulo, o tratado enfatiza que quando os tratados sobre
extradição são realizados, os Estados nunca devem esquecer-se de todos os princípios
que norteiam a proteção dos direitos humanos.
5.
Extradição e o Direito Internacional dos Direitos Humanos
A convenção Européia sobre Direitos Humanos foi assinada em Roma em
1950 e passou a vigorar somente a partir de 1953. Define os padrões internacionais
mínimos para a proteção dos direitos humanos e fornece efetivos procedimentos de
aplicação. A Corte Européia de Direitos Humanos tem demonstrado o interesse em
conciliar o conflito entre as obrigações decorrentes dos tratados de extradição e as
obrigações decorrentes de convenções em favor dos direitos humanos. Enquanto há uma
5
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necessidade em buscar equilíbrio entre a proteção dos direitos fundamentais do
indivíduo e do interesse público, se a corte concordar que a aplicação da extradição é
um risco para o sujeito extraditado, então esse contra-senso será a favor da nãoextradição. Desta forma, seguindo esta lógica, o artigo terceiro dessa Convenção63
exemplifica uma das significativas limitações à aplicação do processo de extradição,
como será demonstrado a seguir.
No caso de Soering X Reino Unido (BANTEKAS, 2003, p. 207)., a corte
opinou no sentido de que extraditar uma pessoa para outro Estado onde existe indícios
substanciais para acreditar que ela corre o risco de sofrer tortura ou tratamento
degradante, seria uma clara violação ao artigo terceiro da Convenção Européia sobre
Direitos Humanos. No caso em questão, o Reino Unido foi solicitado pelos Estados
Unidos para extraditar um cidadão alemão de acordo com os termos do tratado de
extradição que havia sido incorporado ao direito britânico. O cidadão alemão foi
acusado de cometer um assassinato no estado da Virgínia (EUA) e argumentou que sua
extradição seria uma violação ao artigo terceiro da convenção. Em casos desta natureza,
o estado da Virgínia pode impor pena de morte que geralmente implica no prisioneiro
passar um longo período de tempo no corredor da morte.
O acusado concordou que a pena de morte não era por si só contrária à
Convenção, no entanto argumentou que a exposição ao corredor da morte poderia ser
considerada como forma degradante de tratamento, o que infringiria o já mencionado
artigo terceiro da Convenção.
3. O PROCESSO POR CRIME INTERNACIONAL PENAL
É complexo o processo de extradição, pois envolve diversas variáveis a serem
analisadas no caso concreto, seja de origem subjetiva – relativa a pessoa envolvida no
processo, seja de ordem objetiva – referente aos Estados envolvidos.
Entretanto, a necessidade de satisfação da justiça é maior do que os problemas
apresentados pela extradição que possam impossibilitá-la. Para tanto, iremos expor
outras medidas a serem tomadas que possam sanar os casos em que a extradição não se
mostra uma ferramenta adequada.
Para este fim, outros mecanismos foram criados. Estes mecanismos funcionam
igualmente através de cooperação da comunidade internacional e, diante de suas
peculiaridades, apresentam as suas próprias controvérsias.
Humanamente, entendemos que a justiça é obrigatória e não deve ser olvidada
por questões políticas, dentre outras. Mas, a questão levantada é que, uma vez sendo o
Estado o detentor da exclusividade da aplicação da justiça, pois, segundo o conceito
63
Artigo 3.º da Convenção Européia sobre Direitos Humanos - Proibição da
tortura: Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos
ou degradantes.
.
5
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clássico de soberania, ele é o único ente com autonomia e poder coercitivo no âmbito
interno de sua jurisdição, estaria esse Estado obrigado a aplicar a sua jurisdição? Em
outras palavras, pode o Estado dispor de sua obrigação de perseguir penalmente?
No âmbito interno brasileiro, a doutrina mais comum entende a jurisdição
como uma função do Estado, como o encargo que têm os órgãos estatais, de promover a
pacificação de conflitos interindividuais, nas palavras de Ada Pellegrini
Grinover.(GRINOVER, 2003, p. 139)
Em sendo o encargo que assume o poder público, a jurisdição - no âmbito
interno brasileiro, vale ressalvar - está ligada a obrigatoriedade. Uma vez tendo tomado
para si a jurisdição como função, o Estado obriga-se a realizar a prestação jurisdicional
quando necessário e invocado.
Entretanto, essa questão deixa de ser pacífica quando o fato provocante ocorreu
externamente a ela. Entre os limites à jurisdição, encontramos os limites internacionais
a esta. Estes limites existem para a convivência pacífica entre os diversos Estados
regularizando - em especial quando se trata de matéria penal - a extensão de sua
soberania e competência para julgamento. Segundo essa regra, não haveria a obrigação
do Estado em processar, ou seja, agir com sua jurisdição sobre pessoa que tenha
cometido fato externo ao seu alcance. Temos novamente a impunidade ancorada nas
docas da legalidade. Se, por outro lado, existir a obrigação do Estado em realizar a
prestação jurisdicional, cabe à Comissão teorizar sobre quais casos a aplicação da
justiça falará mais alto do que as amarras da jurisdição.
Temos ainda a possibilidade da aplicação de uma jurisdição internacional, que
seria capaz de alcançar os casos específicos que, embora competentes os tribunais
nacionais, não houvesse por parte destes a prestação do dever jurisdicional. Estamos
tratando aqui de uma corte internacional que seria capaz de julgar estes casos: o
Tribunal Penal Internacional (TPI).
1. Tribunal Penal Internacional
A criação do Tribunal Penal Internacional64 é um marco na evolução histórica
do direito. Assim como todo o direito internacional, o Direito Penal Internacional
evoluiu significativamente mais nas últimas décadas do que nos últimos séculos.
1. Tribunal Penal Internacional e os Tribunais Nacionais –
O dilema da soberania estatal e a jurisdição internacional
Não surpreende a existência de núcleos de conflitos entre o TPI e o que regra
algumas constituições nacionais. No próprio ordenamento brasileiro, encontramos
alguns casos dessa suposta incompatibilidade entre os dois ordenamentos.
Podemos expor, por exemplo, a previsão que há no Estatuto de dependendo da
gravidade do ato e da periculosidade do agente, ser culminada a este uma pena privativa
de liberdade de caráter perpétuo.65 Por sua vez, a Constituição Federal claramente veda
64
O TPI foi criado através do Estatuto de Roma de 1998, cujo teor pode ser
encontrado em: <http://www.mj.gov.br/sal/tpi/estatuto.htm>.
65
Artigo 77, 1.b. do Estatuto de Roma
5
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a aplicação de uma punição de caráter perpétuo em seu texto. 66 Existem outros conflitos
com mais teor processual do que material, como a imprescritibilidade do crime ou a
ausência de prerrogativa para foro de agentes políticos.
É tendo por base esses conflitos que se origina a dificuldade do TPI para se
tornar uma ferramenta mais efetiva para a comunidade internacional. Podemos encarar
esses conflitos por duas óticas, que embora impliquem em duas correntes distintas,
partem de um mesmo ponto, que é o conceito de soberania, sendo tratadas a seguir.
2. O Conceito de Soberania adotado e suas implicações
Podemos apresentar dois conceitos diversos de soberania, embora deste
existam dezenas, que trazem em sua adoção algumas conseqüências.
No conceito clássico de soberania, a pessoa encontra-se inserida na ordem
jurídica em que se localiza, devendo respeitar acima de tudo o poder máximo a que está
vinculado, que não admite poder maior ou mesmo igual a ele (suprema potestas
superiorem non recognoscens)67. Assim, o Estado, detentor da soberania, não admite
que a prestação jurisdicional seja realizada por outro que não exclusivamente ele, sendo
o TPI uma ameaça à soberania do Estado. Do mesmo modo, tal prestação é
desnecessária, uma vez que o próprio Estado tem a capacidade de aplicar a justiça
dentro de seu território.
Poderia ainda, sob esse conceito, o Estado adaptar seu
ordenamento para alcançar os crimes transnacionais, Por exemplo, a morte ilegal de
civis pode ser tipificada como assassinato, independentemente de ter havido alguma
intenção de cunho político ou outro aspecto.68
Por sua vez, abraçando um conceito mais moderno de soberania, como dito por
Ferrajoli (FERRAJOLI, 2002, p.1), esta é um conceito jurídico e político, que deve ser
extraído do sistema hermético e trazido para contemporaneidade, onde há entre os
Estados uma relação de mutualismo ou simbiose69, trazida pela globalização, mas sem
prejuízo da essência dessa soberania apresentada pelos clássicos, como o trazido por
Rezek:
Os Estados se põem de acordo com seus homólogos na
construção da ordem internacional, e na fidelidade aos
parâmetros dessa ordem, a partir da premissa de que aí vai um
esforço horizontal e igualitário de coordenação no interesse
coletivo. Atributo fundamental do Estado, a soberania o faz
titular de competências que, precisamente porque existe uma
66
67
68
Artigo 5° inciso XLVII, alínea “b” da Constituição Federal de 1988
Poder Superior que não reconhece outro acima de si. Tradução Própria.
Vale lembrar que a máxima Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege é basilar no
direito penal e não é admitida analogia in malan parten, no caso não estamos tratando de analogia ou
crime sem prévia lei, mas sim de um acolhimento pelo ordenamento interno do fato tipificado sob outro
nomen juris.
69
Protocooperação, mutualismo e simbiose são conceitos originariamente trazidos pela
biologia mas que ganharam espaço nas ciências sociais especialmente com Niklas Luhmann em algumas
de suas teorias como a da autopoiesis.
5
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ordem jurídica internacional, não são ilimitadas, mas, nenhuma
outra entidade as possui superiores. (REZEK, 1995, p.215)
Diante dessa flexibilização, o Tribunal Penal Internacional não mais é encarado
como uma ameaça. Este não é uma construção alienígena trazida para o ordenamento de
todos os Estados. É fruto de um trabalho de consenso de mais de 150 Estados,
detentores de sua soberania que em conjunto construíram a excelsa Corte, procurando
arduamente conciliar, mesmo frente às diversidades culturais, políticas e principalmente
de seus distintos sistemas jurídicos, uma forma de instaurar a paz e a justiça em seu
âmbito mais suntuoso.
Com vista a garantir a eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana, o
Estado abre mão da antes exclusividade normativa e passa a se submeter a cooperação
internacional, com a presença de novos sistemas normativos garantidores do resultado
dessa cooperação. O TPI entra em cena como sistema extra, capaz de reforçar a
observância dessa cooperação.
3. Conflito de Jurisdições – a Ponderação entre o Princípio
da soberania e o da jurisdição universal
Devemos atentar que a jurisdição do TPI não é alheia, mas sim de interesse do
Estado tratado. Nas palavras de Cachapuz:
Importante sublinhar que o Tribunal Penal
será uma jurisdição estrangeira, mas
internacional, de cuja construção o Brasil
portanto, um vínculo mais estreito com a
(CACHAPUZ DE MEDEIROS, 2000, p.
original).
Internacional não
uma jurisdição
participa, e terá,
Justiça nacional.
14, destaques do
Não sendo uma jurisdição estrangeira, e sim jurisdição internacional, por não
ser vinculada a nenhum Estado e assim a um interesse político, o TPI co-habita junto
com todas as outras jurisdições, sem feri-las, principalmente quando observado o
princípio que o rege, o princípio da complementaridade70.
Não há conflito entre normas, mas sim, entre princípios, e como apresentado
por parte da doutrina, um método a ser adotado, a exemplo de Barroso (BARROSO,
2001, p.26), quando se trata de princípios, não deve haver subsunção, mas sim
ponderação, cabendo ao intérprete fundamentadamente fazer sua escolha sem prejuízo
de nenhum dos dois princípios.
Temos que ponderar acerca dos princípios envolvidos, como o princípio da
soberania e o da jurisdição universal. Assim não temos o conflito entre a Constituição
do Estado tratado e o Estatuto de Roma, mas sim a ponderação entre princípios
envolvidos. O princípio da soberania reserva ao Estado o poder jurisdicional, enquanto
70
O princípio da Complementaridade ou Suplementariedade será alvo de tópico
próprio mais adiante, devido a sua importância.
5
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que o princípio da jurisdição internacional faculta aos Estados estabelecerem sua
jurisdição com a finalidade de perseguir, processar e punir os que apareçam como
responsáveis de graves crimes contra o Direito Internacional. Nessa ponderação,
devemos observar a violação dos direitos humanos e assim decidir sobre qual princípio
irá prevalecer – sem detrimento do outro – e será aplicado.
4. Princípio da complementaridade
O Princípio da Complementaridade é o princípio basilar de funcionamento do
Tribunal Penal Internacional. É anterior até mesmo a este, pois em 1994, quando a
Comissão de Direito Internacional (CDI) remeteu à Assembléia Geral o esboço do
estatuto solicitado71 do Tribunal Penal Internacional, já havia a presença deste princípio
no projeto entregue.
Seu papel é permitir a existência do Tribunal Penal Internacional sem
interferir na ordem jurídica dos sistemas internos dos Estados. Mais do que possibilitar
a existência harmônica, o princípio ainda, de acordo com o Estatuto de Roma, admite
serem os tribunais nacionais os encarregados primários de investigar, processar, julgar e
condenar os crimes. A complementaridade do Tribunal surge no momento em que se
constatar a inércia dos tribunais nacionais em desempenhar suas funções. Essa
complementaridade é um desdobramento da origem do Tribunal Penal Internacional.
Diferentemente dos tribunais ad hoc, o TPI retira a sua autoridade do próprio
consentimento dos Estados que ratificaram o seu estatuto. Nos tribunais ad hoc, essa
autoridade é um apêndice do Conselho de Segurança da ONU, e essa é uma das razões
de sofrerem tantas críticas72. Conseqüente, o TPI possui o caráter de complementaridade
à jurisdição nacional, apenas importando-se com os casos que internamente não houver
processo correndo quando deveria já ter sido instaurado, ou quando este não tiver um
andamento natural e ficar evidenciada a má fé do Estado, ou o seu desinteresse em dar
curso ao caso73.
71
Em 1990, por sugestão de Trinidad e Tobago, a Assembléia Geral solicitou à
Comissão de Direito Internacional a elaboração de um projeto de estatuto para o
Tribunal Penal Internacional. Posteriormente, com base essencialmente neste projeto e
com adição também de outras fontes como o Projeto Siracusa e debates, o Estatuto de
Roma foi elaborado por fim e aprovado posteriormente, em 1998.
72
O Professor Luigi Condorelli (informação verbal em Curso de Inverno em
Direito Internacional – 1,2005. Belo Horizonte – MG) é um dos que seguem essa
corrente de críticas. Essas críticas incluem ainda a de que o Conselho de Segurança
estaria ultrapassando suas competências originárias, uma vez que na Carta da ONU não
receba nenhuma competência judicial. Além dele podemos encontrar também críticas
direcionadas aos tribunais ad hoc no discurso do douto Presidente da Corte Criminal
Internacional, Philippe Kirsh, proferido em 31 de março de 2005, em Washington, DC.
Acessado em <http://www.oas.org/documents/spa/speeches_otlist.asp>.
73
O mesmo princípio observa-se na prática de outras cortes internacionais,
como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Européia de
Direitos Humanos.
5
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O caráter complementar do TPI subdivide-se em duas frentes de atuação
(TOMAZ, 2004, p. 153). A primeira diz respeito a somente ativar sua jurisdição diante
daqueles que o ratificaram, sendo assim complementar aos Estados interessados. A
segunda frente diz respeito ao interesse do TPI em julgar somente os casos em que por
qualquer razão, não houver interesse do Estado em obter êxito na prestação da
jurisdição com o julgamento do acusado.
O Estatuto em seu artigo 17 não se preocupa somente em apresentar o
princípio da complementaridade74 em seu escopo, quando traduz somente ser possível a
admissibilidade na ausência ou insuficiência do processo, mas também traz as situações
e os nortes para se averiguar quando poderá ser considerado o processo insuficiente para
aquele caso75.
Além da complementaridade do TPI, devemos ressalvar que o estatuto
não se descuidou na hora de decidir, de forma específica, em quais casos o TPI terá
competência para julgar76.Quando falamos da competência estamos tratando dos tipos
penais em que o TPI pode ser provocado, previstos em seu estatuto em um rol
exaustivo.77 Sendo estes crimes, como versa o próprio caput do artigo, os de maior
reprovação pela comunidade internacional, é sobre eles que se debruçará o TPI, não se
ocupando com crimes menores que podem facilmente ser atendidos na esfera nacional.
Na época da construção do estatuto, os pontos mais exaustivos a serem
trabalhados foram justamente o consenso sobre quais atos seriam inclusos no campo
da competência do TPI78. Por conseqüência, temos conceitos amplos dos crimes
previstos, com a exigência da razoabilidade do aplicador na hora de aplicá-los.
2.
Direitos Jus Cogens e Erga Omnes
Existem casos em que a comunidade internacional repudia certas práticas
com tanta veemência que sua punição independe de ratificação de tratados ou de outro
74
Não só doutrinariamente está explícito o princípio da complementaridade. No
artigo 17 do Estatuto de Roma temos os juízos que tornam possíveis de admissão o caso
pelo TPI.
75
O próprio princípio da complementaridade é alvo de críticas especialmente
por aqueles que não ratificaram o Estatuto de Roma.
76
O artigo 5° do Estatuto de Roma. Traz que a competência do TPI irá atingir os
crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes a
77
Acerca do item 2 do artigo 5°, o conceito de Agressão ainda não foi firmado
dentro da Assembléia dos Estados Partes e nem mesmo nas Nações Unidas, sendo um
dos atuais alvos de maior dedicação da CDI, visto a importância do conceito em
diversos temas. Sendo assim, o TPI fica suspenso de julgar sobre o crime de agressão
pelo menos até o ano de 2009, quando ocorrerá a revisão do estatuto e espera-se chegar
a um consenso acerca do tema.
78
Um dos temas que mais geraram debates acalorados foi a inserção ou não dos
Crimes Sexuais dentre o rol de competência do TPI.
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mecanismo qualquer. A efetivação desse direito será sempre cogente – jus cogens - e
oponível a todo e qualquer ser humano que o viole – erga omnes.
Dessa forma, o julgamento do acusado pode ser efetuado no tribunal nacional
tanto do Estado onde fora cometido o crime, como em outro Estado, existindo
responsabilidade do Estado em promover esse julgamento (BROWNLIE, 2003, p.
568). Ao tratarmos deste tópico, que abarca os casos em que está envolvida alguma
norma jus cogens, iremos subdividi-lo em duas abordagens. A primeira apresentando a
possibilidade que um Estado teria de aplicar na sua jurisdição a norma, satisfazendo a
justiça, se o Estado assim for interessado, e na segunda trataremos da injunção ao
Estado de promover esse processo.
O conceito da norma Jus Cogens é trazido por Rezek como:
Jus cogens - O direito ‘que obriga’, o direito ‘imperativo’, foi
tema originalmente teorizado nesta área por juristas de
expressão alemã, destacando-se Alfred Verdross e Friedrich
Von Heydte, nos anos que precederam a segunda grande guerra.
Seria ele o conjunto de normas que, no plano do direito das
gentes, impõem-se objetivamente aos Estados, a exemplo das
normas de ordem pública que em todo sistema de direito interno
limitam a liberdade contratual das pessoas. (REZEK, 1995,
p.110).
Não há subversão dos Estados a essa norma, mas sim observação a ela, visto
seu caráter excepcional.. Embora muito se discuta sobre a natureza da norma Jus
Cogens, tem ela como fonte principal os costumes, e no aspecto que estamos tratando,
a repressão aos atos criminais de maior desejo a serem expurgados de qualquer
ordenamento.
1. Possibilidade de Agir
No tocante a primeira questão levantada, a natureza da norma jus cogens
possibilita ao Estado que pretende julgar o caso, que assim o faça. O que sustenta essa
capacidade do Estado é a Jurisdição Universal, que faculta a eles aplicar sua jurisdição
uma vez interessado e estando na custódia de criminoso, independentemente da
nacionalidade do mesmo, ou das vítimas envolvidas, e também do local que fora
cometido o crime, desde que esse se trate de graves crimes contra o Direito
Internacional. Esse pensamento vem sendo firmado há algum tempo e encontra até
mesmo jurisprudência nesse sentido. No julgamento da Corte Internacional de Justiça
sobre o caso de Genocídio (Bósnia Herzegovina vs. Iugoslávia)79, a Corte adotou o
raciocínio abaixo:
79
Summary of the Judgment of 11 July 1996 - Case concerning Application of the
Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (Bosnia and Herzegovina v.
Yugoslavia). par. 27-33.
5
7
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[...] a respeito dos problemas territoriais ligados à aplicação da
convenção, a Corte é de acordo que em observância ao objetivo e
finalidade da Convenção que os direitos e as obrigações salvo guardados
pela convenção são direitos e obrigações erga omnes. A corte anota que
a obrigação de que cada Estado tem, de impedir e punir o crime de
genocídio não está limitado territorialmente pela convenção (Grifo
nosso).
Firma então o raciocínio que a norma jus cogens é aquela que independe de
aceitação expressa para vigorar no ordenamento, uma vez que tenha um caráter especial
diante das outras, bem como as obrigações erga omnes, em regra oponíveis a todos. Os
princípios a serem os norteadores da aplicação no caso concreto devem ser os princípios
gerais reconhecidos pelas nações civilizadas, a fim de libertar a comunidade destas e de
outras formas tão repugnantes de crimes (BROWNLIE, 2003, p. 568).
2. Obrigatoriedade de agir
Agora enfrentamos a questão mais controversa a ser aqui tratada, a da
obrigatoriedade de ação de um Estado perante um ofensor às normas penais.
Existe uma obrigação do Estado em exercer sua jurisdição penal, se o fato
delitivo ocorreu fora de seu território? Por motivos acadêmicos, vamos ainda
acrescentar que o fato consiste não de delito leve, mas de natureza grave, com grande
poder ofensivo à comunidade internacional. Iremos analisar a seguir algumas
justificativas apresentadas que tentam fundamentar essa obrigação.
1. Obrigação decorrente do princípio da complementaridade
Já visto anteriormente, o princípio da complementaridade possui ainda outro
desdobramento que preferimos reservar para este tópico. De alcance limitado, esta
fonte busca vincular os Estados signatários do Estatuto de Roma à sua obrigação de
processar os criminosos internamente, e não mais só os dispor à jurisdição
internacional. O princípio obriga os Estados a agirem diante do caso concreto, com os
seus próprios instrumentos judiciais, processando e julgando quem comete tais crimes.
O estatuto garante explicitamente em seu preâmbulo quando trás:
Relembrando que é do dever de cada Estado submeter à sua
jurisdição criminal os responsáveis por crimes internacionais80
80
Preâmbulo do Estatuto de Roma. No original “Rappelant qu'il est du devoir de chaque État de
soumettre à sa juridiction criminelle les responsables de crimes internationaux”.
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A própria complementaridade já apresentada anteriormente decorre do caráter
secundário do TPI, que reserva a obrigação de punir primariamente aos Estados. Se é
subsidiariamente que pode punir o TPI, ele funciona também como um órgão
fiscalizador da aplicação da justiça internamente.
A ratificação do estatuto por si é capaz de gerar ao Estado a obrigação de em
cooperação com a comunidade internacional, reprimir as espécies criminais trazidas
através do processo criminal (DISSENHA, 2005, p.57).
2. Novo aspecto da responsabilidade dos Estados
A responsabilidade internacional dos Estados vem se firmando,
consuetudinariamente, e cada vez mais jurisprudencialmente com decisões de Cortes
Internacionais. Essa doutrina e jurisprudência firmam como princípio geral de Direito
Internacional a responsabilidade do Estado perante o indivíduo, outro Estado e à
comunidade internacional, assegurando que quando violar norma internacional é
gerada a obrigação de reparar diante de seu encargo.
A teoria apresentada para justificar o compromisso do Estado em processar o
criminoso é a da extensão dessa responsabilidade, ao constatar que a aplicação da
justiça é uma finalidade do Estado, e que a sua escusa gera uma obrigação de
reparação pelo próprio Estado. Para essa construção então temos dois aspectos a
serem considerados.
O primeiro é a possibilidade de tratar a inaplicação da justiça como uma
ofensa à norma internacional, uma vez a justiça sendo objetivo de toda a comunidade
internacional
Em segundo lugar, tratamos da conseqüência desta responsabilidade. Ao
gerar uma obrigação de reparação, o Estado aí encontra a sua obrigatoriedade de fazer
cumprir a justiça por seus meios jurisdicionais.
A reparação tem a função, pela própria etimologia do termo, de restaurar,
dentro do possível, a lesão causada. Se a lesão trazida é a ofensa à justiça, a reparação
direta seria a aplicação desta. Aí surge então a obrigação do Estado em processar e
julgar. Esta obrigação é decorrente da cooperação vertical entre os Estados, bem como
a adotada no que diz respeito aos Tribunais ad hoc.
Com sucesso, Trindade traz as obrigações internacionais a que se submetem os
Estados:
A supervisão internacional da compatibilidade dos atos internos dos
Estados com suas obrigações internacionais de proteção; a
compatibilização e prevenção de conflitos entre as jurisdições
internacional e nacional em matéria de direitos humanos; a obrigação
internacional dos Estados de provimento de recursos de direito interno
eficazes; e a função dos órgãos e procedimentos do direito público
interno. (TRINDADE, 2005)
3. Obrigação decorrente de Tratados
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Por fim trazemos a obrigação do Estado gerada pela ratificação de tratados. Em
um aspecto mais aprofundado, trazemos a obrigação gerada pela ratificação de Tratados
de Direitos Humanos, uma vez observado o caráter especial do tema que dizem respeito.
Com o firmamento cada vez maior do Direito de Intervenção Humanitária,
fundado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, o Estado obriga-se perante os
demais membros da comunidade internacional a de forma eficaz promover a garantia
aos Direitos Humanos. Mesmo a soberania de um Estado pode ser relativizada diante da
ofensa aos Direitos Humanos como apresenta Rodrigues:
Neste prisma, se um Estado trata sua população de forma brutal, ele está
negligenciando sua obrigação de proteger seus cidadãos e, por isso, pode
lhe ser negada a prerrogativa da autonomia soberana em virtude de uma
ação coletiva (...) Para que seja considerada uma ação resultante da
associação entre direitos humanos e segurança internacional, a resolução
que a autorizou deve fazer menção ao Capítulo VII, declarando a
situação humanitária uma ameaça à paz mundial. (RODRIGUES, 2000.
P.95)
A despeito da obrigação do Estado em agir quando tratar-se de ofensa a esses
direitos, a jurisprudência também já coopera como no apresentado pela Corte
Interamericana (ORENTLICHER, 1991, p. 2577) no voto do Ilmo. Cançado Trindade81:
Qualquer ato ou omissão do Estado, por parte de qualquer de seus
Poderes – Executivo, Legislativo ou Judiciário – ou agentes do Estado,
independentemente de sua hierarquia, em violação de um tratado de
direitos humanos, gera a responsabilidade internacional do Estado Parte
em questão.
Importante a inclusão da omissão do Estado no voto de Trindade quando traz
assim a responsabilidade da prestação da Justiça para o Estado.
Diversos são os tratados, especialmente de direitos humanos, que trazem a
obrigatoriedade do Estado em aplicar a justiça e ter mecanismos eficientes para a
preservação do princípio da dignidade da pessoa humana através mecanismos jurídicos.
Fontes como esta são a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de
Genocídio que apresenta no seu artigo 4° a expressão “serão punidos” ao tratar dos
agentes que cometeram esse delito, a Convenção de Genebra de 1949 trazendo
expressamente a obrigação de julgar e processar (“aut dedere aut judicare”), os
81
Voto proferido no caso “La ultima tentación de Cristo”. No original: “cualquier acto u
omisión del Estado, por parte de cualquier de los Poderes – Ejecutivo, Legislativo o Judicial – o
agentes del Estado, independientemente de su jerarquía, em violación de um tratado de derechos
humanos, genera a responsabilidad internacional del Estado Parte em cuestión.” Tradução Livre. Pode
ser acessado em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf>
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Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2007
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Estatutos dos Tribunais Internacionais da ex-Iuguslávia e de Ruanda, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, como já apresentada.82
Assim, podemos apresentar uma construção não só consuetudinária, que por si
só já teria força, mas também jurisprudencial e doutrinária da obrigação do Estado em
processar e julgar os que cometem crimes graves, de maior potencial ofensivo à
comunidade internacional.
4. QUESTÕES A SEREM DEBATIDAS
Com vistas a facilitar as discussões entre os especialistas da Comissão de
Direito Internacional, é traçado aqui um roteiro com alguns questionamentos
importantes sobre a Extradição e a existência de uma obrigação internacional de
processar penalmente.
9. A regulação internacional sobre extradição trata o tema a contento?
10. O modelo de tratados bilaterais é adequado aos mecanismos de
cooperação internacional em matéria processual penal?
11. Existe uma obrigação internacionalmente exigível entre os Estados de
que os mesmos processem penalmente criminosos internacionais? Se
sim, quais os seus limites?
12. O Tribunal Penal Internacional é uma ferramenta lícita para atuar em
conjunto com qualquer ordenamento interno?
13. Como encarar o possível conflito entre o Tribunal Penal Internacional
e a soberania de um Estado?
14. O que levar em consideração na ponderação entre o Princípio da
Soberania e o da Jurisdição Universal?
15. O princípio da Complementaridade é absoluto?
16. Quando tratar-se de norma Jus Cogens ou Erga Omnes existe a
possibilidade do Estado de processar e punir o suspeito do crime
internacional?
17. Essa possibilidade pode ser encarada como uma obrigação?
18. Quais os elementos que podem configurar uma norma como jus cogens
ou erga omnes para serem aplicadas no caso? E quais seriam os
cuidados para não haver desvio ou abuso destas normas?
19. A simples responsabilidade do Estado é capaz de gerar obrigação para
este de processar e punir?
20. Os tratados podem ser interpretados como uma formalização da
obrigação do Estado em processar e punir? E os Tratados de Direitos
Humanos, possuem uma vinculação especial a essa obrigação?
21. Quais são as opções eficazes disponíveis no sistema internacional
capazes de punir o crime transnacional?
82
DISSENHA, Rui Carlo. Opra sit, p. 67.
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Vale lembrar que o rol aqui trazido não é taxativo, muito menos obrigatório,
servindo tão somente de sugestão para discussão no âmbito da simulação.
REFERÊNCIAS
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London: Cavendish, 2003.
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constitucional brasileiro. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, jul/set
2001.
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1993.
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Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. Traduzido por Maria Manuela Farrajota, Maria
João Santos, Victor Richard Stockinger, Patrícia Galvão Teles.
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Constituição Brasileira. In: O que é o Tribunal Penal Internacional. Câmara dos
Deputados. Série ação parlamentar, n. 110. Brasília, 2000.
CASTRO, Joelíria Vey de. Extradição – Brasil e Mercosul. Curitiba: Juruá,
2003.
CONSELHO europeu. Decisão-quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002,
relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os EstadosMembros - Declarações de alguns Estados-Membros aquando da aprovação da
decisão-quadro. Acesso em 09 de setembro de 2007. Disponível em: <http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:32002F0584:EN:NOT>.
DAILLIER, Patrick; DINH, Nguyen Quoc; PELLET, Alain. Direito
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por Vítor Marques Coelho.
DISSENHA, Rui Carlo. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba,
v.1, n.1, jan./jun.2005, p. 57.
FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno.Nascimento e crise do
Estado nacional. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
GRINOVER, Ada Pellegrini. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2005.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. v.1. São Paulo: Atlas,
2004.
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Rights Violations of a Prior Regime. Yale Law Journal, New Haven, junho de 1991, n.
100, pp. 2537-2615.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar, 7ª Ed. São
Paulo: Saraiva, 1995.
RIBEIRO, Gleice. O Supremo Tribunal Federal e o controle dos processos de
extradição. In: Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB, Brasília, v.
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RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos:
A prática da intervenção humanitária no pós-guerra fria. Rio de Janeiro: Renovar,
2000. pp. 95-98.
SHEARER, I. A. Extradition in International Law. Manchester: Oceana, 1971.
TOMAZ, Carlos Alberto Simões. Metamorfoses nos conceitos de direito e
soberania. O Princípio da Complementaridade. O Tribunal Penal Internacional e a
constituição. In: Revista ESMAFE – Escola de Magistratura Federal da 5ª Região. N.
08. Recife, 2004.
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TEMA B
ANEXO I
ESTUDO DE CASO:
EXTRADIÇÃO DE PINOCHET
Antecedentes – No dia 11 de setembro de 1973, um golpe de direita removeu o então
regime esquerdista do Presidente chileno Salvador Allende, que foi apreendido e,
posteriormente, morto. Uma junta militar liderada pelo General Pinochet - que mais
tarde se tornaria chefe de Estado – foi responsabilizada pela organização e realização do
golpe. Não há dúvida que durante todo o seu regime (1973 –1990), milhares de pessoas
foram apreendidas, torturadas e assassinadas.. no entanto, apesar de não saber
exatamente se Pinochet realizou pessoalmente algum desses atos, alegava-se contra ele
que tais fatos ocorreram sob seu incentivo e conhecimento.
Em 1998, já depois da queda do seu regime ditatorial de quase trinta anos, Pinochet,
então senador chileno, visitou um Londres com o intuito de receber tratamento médico.
Neste momento, as autoridades judiciais espanholas solicitaram a extradição do
senador com base nas acusações dirigidas a ele durante o seu governo ditatorial. Apesar
de alguns espanhóis terem sido vítimas deste regime, a maioria das acusações não
tinham conexão com a Espanha, que alegou sua jurisdição com relação à crimes de
homicídio, tortura e genocídio com base no princípio processual da jurisdição universal.
Diante da situação, Pinochet iniciou, perante a justiça inglesa, os procedimentos
necessários para um habeas corpus e para que as acusações fossem judicialmente
revistas. Inicialmente, as duas acusações feitas contra Pinochet foram indeferidas, pois a
Justiça inglesa concluiu que, como chefe de Estado, Pinochet teria imunidade com
relação às acusações sofridas, além de, alguns dos crimes alegados no pedido de
extradição, não fossem considerados crimes passíveis de extradição pela legislação
inglesa até o ano de 1989.
Diante disso, o governo espanhol apelou da decisão e adicionou nas acusações os
crimes de genocídio, seqüestro e homicídio. A apelação foi deferida baseado no fato de
que Pinochet não poderia alegar imunidade com relação à crimes de direito
internacional e que qualquer argumento relacionado a dupla criminalidade seria de
mínima relevância, concluindo-se que todas as acusações correspondiam a crimes
extraditáveis. No entanto, este último julgamento foi revogado, pois foi alegado que o
mesmo não teria sido completamente imparcial.
Depois disso, foi dado a oportunidade à República do Chile de ampliar o rol de
acusações contra Pinochet, que foi prontamente atendida com a inclusão de mais 10
acusações. As inclusões relacionadas aos fatos ocorridos antes de Pinochet assumir a
presidência no Chile, fizeram com que toda a atenção fosse voltada para o princípio da
dupla criminalidade, uma vez que o ex-ditador não mais poderia alegar imunidade de
chefe de Estado.
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Depois de muita análise, a decisão final, em respeito ao princípio da dupla
criminalidade, requereu que Pinochet solicitasse sua imunidade apenas com relação às
acusações de homicídio e conspiração para homicídio, ambos na Espanha, e tortura e
conspiração para a tortura cometidos depois de 29 de setembro de 1988. Assim, apesar
do pedido de imunidade ter obtido êxito com relação às acusações de homicídio e
conspiração para homicídio, o procedimento de extradição foi deferido com relação a
alegação de que Pinochet havia organizado e autorizado crimes de tortura depois de 8
de dezembro de 1988, a data na qual a Justiça inglesa concluiu que ele não mais agia
sob qualquer alegação de imunidade, pois seus atos eram contrários ao direito
internacional. Esta decisão é de grande relevância, na medida em que ilustra alguns dos
problemas que ocorrem quando cortes nacionais são provocadas para solucionar casos
envolvendo sérias violações aos Direitos Humanos, e abre espaço para se pensar nas
possíveis vantagens que um Tribunal Penal Internacional ofereceria diante de tais fatos.
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