NELSON MANDELA - Wander Bastos Adv

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NELSON MANDELA - Wander Bastos Adv
NELSON MANDELA – 94 ANOS
- a lição democrática africana Aurélio Wander Bastos *
A história da África do Sul não é a história de Nelson Mandela, mas é a
história do legendário líder negro na vitória contra o apartheid e a redefinição
da convivência africana com o modelo ocidental de poder. Neste contexto, a
África do Sul comemorou em 18 de julho os 94 anos de Nelson Mandela, mas
que a imprensa local, interessantemente, conservando a plataforma política da
resistência a mais ostensiva das discriminações raciais, na terra do próprio
povo discriminado, admite como 92 anos, mas nunca como 93.
Este simples indicativo etário, contudo, traduz o enigma interior do
homem que sobreviveu 20 (vinte) anos na prisão política de Robben Island,
entre 1962 e 1982, com trabalho forçado nas áreas de pedreira, dormindo
numa cela de 3 (três) metros quadrados, num simples acolchoado e usando um
modesto cobertor e em condições precárias de higiene. Desta cela, em ordem
unida, a sua liberdade era partir senão para os rochedos de trabalho forçado,
ou quebrar, no circuito interno do presídio, os grandes blocos de arenito,
trazidos das encostas rochosas, de onde se antevê a ilha de Santa Helena, o
tormento de Napoleão Bonaparte nos passados anos de 1815 até 5 de maio de
1821, em Long Wood House, onde faleceu.
Nelson Mandela foi preso em 1962, e definitivamente encarcerado, em
prisão perpétua, em 1964, como um agressivo militante da ala radical do
Congresso Nacional Africano – CNA, intitulada Umkonto Wesizwe (Lança da
Nação), o partido que implementou com Walter Sislu e Oliver Tambo, a
resistência racial por todos os meios ao apartheid. O CNA (African National
Congress) estava permeado por ideologias do pensamento de esquerda de
grande influência à época em todo o mundo colonial e subdesenvolvido, mas
que não perduraram nos anos finais das propostas de Mandela. Nesta mesma
linha de orientação, resistindo ao Africâner, língua que evoluíra da convivência
de todos os colonizadores, inacessível à compreensão dos dialetos tribais, não
permitia a mobilização dos tantos e diversificados mores e folkways do sul
africano.
Os anos de prisão, no entanto, que se prolongaram depois de Robben
Island até 1990, em prisão de segurança máxima, em Cape Town, estendendo
seu período de encarceramento para 28 (vinte e oito) anos, pragmaticamente
mostraram para Mandela, que convenceu tantos de seus companheiros, onde
não podiam fazer leituras de profundidade, que a República Africana dos Boers
(granjeiros), principalmente descendentes de holandeses, alemães, e também
ingleses e franceses, e outros povos, não seria vencida na forma primitiva das
lutas raciais. Por outro lado, o visionário líder estava convencido que os
confrontos, muitas vezes liderados por líderes tribais de grande capacidade
ofensiva e defensiva (como os zulus do passado), assim como, na exclusiva
forma dos movimentos de mobilização de massa, como as greves ou a
resistência ao ensino do africâner nas escolas, que prolongou-se a partir de
1952, não traduzia a exata estratégia senão para alcançar mudanças
estruturais, pelo menos para ocupar o poder com a população negra
majoritária.
Mandela, na sempre lúcida humildade de sua reflexão, traduzida em
liderança efetiva, convenceu-se, que, diferentemente de outros povos
ocidentais, também com tantos exemplos dos massacres no próprio continente
africano, que não havia outro caminho para vencer o apartheid senão usar os
caminhos dos próprios dominadores.
Neste sentido, não havia como
desconhecer, em primeiro lugar, naquela luta, que as estruturas de poder a se
conquistar, eram as organizações de poder ao modelo ocidental, em segundo
lugar, não havia como se desprezar o africâner como a língua pressuposta do
diálogo, apesar da língua do poder, mas alternativa, ao confronto, senão
convulsivo, necessário à convivência política.
Por fim, além destes dois grandes pressupostos de ação, Mandela
percebeu que o poder institucional e econômico, como não poderia deixar de
ser, estava com a população branca, mas era no poder local, localizado nas
áreas de savanas do interior do país, que estavam as tribos com seus ritos e
costumes de grande sacralidade. Deste quadro, emergem a aliança
fundamental da nova África do Sul, a população branca de classe média e a
classe alta, titulares dos negócios, e a grande massa da população tribal,
liderada na forma dos ritos, reinos e costumes tradicionais, e, no volume da
pressão, sequiosa de seus direitos civis, a partir do reconhecimento dos seus
direitos de igualdade, diferentemente das antigas demandas de classe, a
grande maioria negra das cidades, tomada pela pobreza, mas ideologicamente
despolitizadas.
O novo projeto de Mandela, que remanescia fundamentado na
eliminação do apartheid, buscava uma nova composição de alianças abertas
às novas circunstâncias do tempo, que sucedeu aos combativos anos de 1960.
Com muita clareza ele assim se manifestava Eu não tenho lutado contra a
dominação branca, eu tenho lutado contra a dominação negra. Eu tenho
sonhado com o ideal de uma sociedade livre e democrática, onde todos
possam viver juntos em harmoniosa convivência e igualdade de oportunidade.
É um ideal que eu espero viver, ver e alcançar, mas se for necessário, é um
ideal para o qual estou também preparado para morrer.
Finalmente, na dimensão de seu grande projeto democrático, a
República da África do Sul - RPA tornou-se um grande país negro, onde o
poder se organiza na forma ocidental, ficando em Pretoria a Capital
Administrativa, em Cape Town, a Capital Legislativa e em Beaufontaine a
Capital Judiciária, respeitando assim a evolução do Estado, na sua estrutura
clássica de poderes, ficando com Joanesburgo o império econômico comercial,
resguardando-se a dinâmica do mercado local e global, e o enclave de Soweto,
nas suas amplas faixas de pobreza, permeada pelas formas milenares da
cultura tribal.
* Advogado, Cientista Político e Professor Titular da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro e da Universidade Candido Mendes
Biografia de Nelson Mandela
1918 – Nasce em Umtata – Transkei (18 de julho).
1939 – Ingressa no Fort Hare College.
1940 – Deixa o Hare College por razões políticas.
1942 - Conclui o bacharelado em Artes e ingressa na Faculdade de Direito da
Witwatersrand University.
1942- Ingressa no CNA.
1952 – Qualifica-se, por correspondência, como advogado.
Inicia a advocacia em Joanesburgo.
1956 – Acusado e absolvido por ações radicais.
1961 – Comanda a fração radical do CNA contra o apartheid.
1962 – Sentenciado a 5 anos de prisão.
Suspensão política do CNA.
1964 – Sentenciado a prisão perpétua.
1982 – Transferido para a prisão de segurança máxima.
1990 – Libertado da prisão.
Legalização do CNA.
1993 – Recebe o Prêmio Nobel da Paz, juntamente com
C. W. de Klerk.
1994 – Eleito Presidente da República Sul-Africana.
1999 – Afasta-se da vida política.