Introdução - Thesaurus Editora

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Introdução - Thesaurus Editora
Raul de Xangô
Na rua
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Raul de Xangô
Na rua
© by Raul de Xangô – 2008
Ficha Técnica
Revisão
Moacyr de Oliveira Filho
Digitação
Luciana Melo e Naiara Windmoller
Programação Visual
Raul Evaristo
Arte de capa
Victor Tagore
www.thesaurus.com.br.
ISBN: 978-85-7062-xxx-x
Bxxx
CDU xxx.x
CDD xxx.x
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Composto e impresso no Brasil
Printed in Brazil
Raul de Xangô
Na rua
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SUMÁRIO
ENTRADA........................................................................................................... 13
CABEÇA............................................................................................................. 14
ANUNCIAÇÃO..................................................................................................... 15
FALANDO NA RUA AO HOMEM, ............................................................................ 19
OU A ESMO MESMO........................................................................................... 19
A SANTÍSSIMA OU IRREVERENTE TRINDADE DO HOMEM........................................... 23
BUSCANDO O ENCANTO NO MITO: A PRIMAVERA..................................................... 26
IMPRESSÕES DE UMA BRUXA IRREVERENTE........................................................... 28
ALELUIA, ALELUIA! FALTA O POVO ALELUIAR............................................................ 30
CONTINUAR FAZENDO, O SEGREDO É COMEÇAR...................................................... 33
A NOVA ESPERANÇA............................................................................................ 36
É MAGO, DANÇARINO, NINGUÉM.......................................................................... 39
A CONVENÇÃO DO MEDO..................................................................................... 41
DUALISMO FATAL: OS OPOSTOS SE ATRAEM........................................................... 44
NINGUÉM TEM NADA PARA ENSINAR A NINGUÉM ................................................... 47
ARTE SACRA DE RAUL DE XANGÔ........................................................................... 52
ESTÃO CONFUNDINDO AS COISAS......................................................................... 53
EM MEMÓRIA DO GOVERNADOR JOSÉ APARECIDO . ................................................ 56
SALVE AGOSTO! SEM AZAR E SEM DESGOSTO........................................................ 59
QUE FALA DA RUA, LUGAR DE TODOS NÓS............................................................. 62
SONHO: UMA CANÇÃO REPETIDA, SEM PARAR......................................................... 64
A ARTE É VÔO, NÃO É PULO NEM PINOTE............................................................... 66
Raul de Xangô
Na rua
A FORÇA CRISÁLIDA DE TANCREDO........................................................................ 70
ARAUTO DA ARTE DA VIDA.................................................................................... 73
A ARCA DE NEÓN FOI TRANSCENDENTE NA LOUCURA............................................... 75
CUIABÁ: VASILHA DO CRIADOR, AXÉ!..................................................................... 78
FUTEBOL........................................................................................................... 81
A MAGIA DO CARNAVAL OU O AFOXÉ..................................................................... 82
NOSSO BRUXO PREDILETO . ................................................................................ 84
ACHANDO SEM EXPLICAR O QUÊ........................................................................... 85
MELHOR MESMO É CONTINUAR FALANDO.............................................................. 87
PACTO COM O DIABO.......................................................................................... 90
LARO – IÊ......................................................................................................... 94
A VOZ SÓ PODERIA SER DO DEMÔNIO................................................................... 97
CONTA CORRENTE DO POVO: CONSTITUIÇÃO........................................................... 99
ALQUIMIA ÀS AVESSAS - TRANSMUTANDO O OURO EM CHUMBO............................. 102
AXÉ, RAUL DE XANGÔ!...................................................................................... 106
ABSORÇÃO. O ÉTER DA VONTADE........................................................................ 107
FILIGRANAS DO ÊXTASE..................................................................................... 109
O TEMPO MUDOU OU NÃO SERIA DO TEMPO UM DISFARCE?.................................. 112
A TERRA E O HOMEM........................................................................................ 115
A CASA DE LALU............................................................................................... 118
DIVAGAÇÕES OU INSENSATEZ, TALVEZ.................................................................. 121
SER LIVRE É ESTAR PRESENTE NO PRESENTE........................................................ 125
CARREGANDO LEMBRANÇAS OU COLHENDO EMOÇÕES........................................... 127
QUARTA-FEIRA SANTA........................................................................................ 130
QUANDO O ÍNDIO ERA SÓ MESMO ÍNDIO............................................................. 132
PORQUE BRASÍLIA É MÍSTICA.............................................................................. 136
Mais provisões e menos previsões............................................................... 139
PROCURA - SE.................................................................................................. 140
Raul de Xangô
Na rua
RAUL.............................................................................................................. 142
RITUAL DE SÁBADO DE ALELUIA NO TEMPLO DE XANGÔ AYRÁ DO CABOCLO ITAJACY.145
PRECEITOS MÁGICOS OU POESIA CÓSMICA.......................................................... 147
PARA RELAXAR EM DOIS MINUTOS...................................................................... 150
BEM-AVENTURADA A VIDA, O QUE SOMENTE BASTA............................................... 151
O MAGO BOÊMIO............................................................................................. 154
REFLEXÕES...................................................................................................... 156
TUDO É UM..................................................................................................... 158
O ANO É QUE VEM OU É A GENTE QUE VAI?......................................................... 161
O ANDARILHO NÃO ESTÁ SOZINHO...................................................................... 165
O COCHEIRO, A CARRUAGEM E O CAVALO............................................................. 168
RITOS E MITOS, NA ARTE ALTERNATIVA DA IMITAÇÃO DIVINA................................... 172
AS PEDRAS PRECIOSAS ESTÃO DENTRO DE NÓS.................................................... 176
O TEMPO......................................................................................................... 178
TRÊS DEGRAUS................................................................................................. 179
A LENDA DO KUNDARTIGUADOR.......................................................................... 181
SEM IDA NEM VOLTA UM INSÓLITO TRANSEUNTE.................................................. 183
UM EREMITA URBANO....................................................................................... 186
MULHER.......................................................................................................... 188
VONTADE: A PRECE MAIOR................................................................................. 189
AFORISMOS..................................................................................................... 190
FRAGMENTAÇÕES ............................................................................................ 192
AINDA FRAGMENTANDO..................................................................................... 194
SAÍDA............................................................................................................. 196
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Raul de Xangô
Na rua
Raul de Xangô
Na rua
Dedico este livro a você,
ressurreição de Anassuya,
ao meu filho Ricardo, Maçom Acaciano, e a todas as
pessoas que eu estimo e
amo.
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Na rua
ENTRADA
SINAL VERDE
Um livro do andarilho
na ambígua vida/rua,
nos permeios ocasionais
de vielas, becos, guetos
e avenidas formais,
sob os rigores do sol,
ante as mudanças da Lua.
Para o poeta sozinho
ou o sonhador de mãos dadas.
Ao que não tem um ninho,
ao que tombou e se perdeu
nas turvas encruzilhadas.
Um livro de quem não leu,
mas olha o céu de estrelas.
Sem ser cristão ou ateu,
sonha, canta e dança
no transe que permite vê-las.
Pouco vale o alfarrábio.
Buscar a fama e a glória.
O que se julga sábio.
Páginas soltas sem história,
indiferentes à censura.
Sem pretender ser memória.
Vida breve.
Qual satélite; pouco dura.
Um livro dos que amei
e morreram;
Dos que amo
e me permitem viver.
Do ontem e do hoje
que ainda não feneceram.
Um livro, assim como eu,
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CABEÇA
que estará sempre à mercê
de quaisquer que sejam os crivos.
Cabeça que nunca pára.
Rola, voa, não espera.
Se é outono ou primavera.
Em noite sombria ou clara.
Cabeça audaz, mandingueira.
Joga búzios, joga dados,
sem medir os resultados.
Arco de flecha ligeira.
Cabeça calou a voz,
guarda-se nos pensamentos,
transmutando sentimentos.
Não julga nem é algoz.
Cabeça, sete orifícios:
Boca, ouvidos, olhos, nariz.
Fonte, fluxo, chafariz,
Nas águas dos sacrifícios.
Obstinada cabeça.
Abóbora sobre os ombros,
com o peso dos escombros
da sina de quem mereça.
Raul de Xangô
Na rua
ANUNCIAÇÃO
“Foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma
cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma
virgem desposada com um varão de nome
José, da casa de Davi. E o nome virgem era
Maria. Entrou o anjo onde ela estava e
Disse-lhe: Ave, ó cheia de graça! O senhor
é contigo”.
Lc. I, 26 a 28
“Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de
Judá, eis que do Oriente vieram magos a
Jerusalém e perguntaram: “Onde está o
recém-nascido, rei dos judeus? Pois vimos
a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.
Eis que a estrela, que haviam visto no Oriente,
os precedia, até que chegou e ficou parada
sobre o lugar onde se achava o menino. Ao
verem o astro, exultaram com grandes
transportes de alegria. A seguir, abrindo
seus tesouros, ofereceram-lhe de presente,
ouro, incenso e mirra”.
Mt. II; 1, 2, 9, 10,11
I.
Sem preâmbulos, prólogo ou introdução, porque a palavra adequada será mesmo anunciação.
Como as novas se anunciam e se faz anúncio tudo o
que principia ou começa.
Este livro é como um começo. Inicial. Iniciático. Em dois tempos, mistura o cristão e o pagão
em busca do essencial. Entre cérebro e coração começa um jogo de saber e fé, gênio e engenho, forma
e substância, fazendo-se a explicação da inteligência
no amor. Raul traz para a rua o mistério. E rua aqui
é fluir dos encontros casuais ou, como o seu corres-
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Raul de Xangô
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pondente em espanhol -calle - serve para indicar em arquitetura religiosa as avenidas que nos altares conduzem aos
nichos onde se acham os santos. Firmam a convivência das
amizades ou devoções e às misérias do cotidiano imprime
a generosidade das esferas. Quer dizer, Raul, na rua, vê o
cosmos.
Conforme se passou com a encarnação do Verbo, aqui
se faz viva a palavra nos homens, estas mensagens atualizam
o espírito. E congregam-se reis e povo, a estrela guia, o anjo
baixa e avisa, a história continua o mistério. Sem tempo nem
espaço, fiel à terra, conforme figurou a Virgem Mãe, sempre
nova e antiqüíssima.
Também assim as coisas acontecem na sua aldeia, a
casa de Lalu, situada na periferia norte de Brasília, onde se
realizam os rituais da comunhão entre o divino e o humano.
Ali o sol e a lua cintilam, as estrelas tornam-se matemática.
Quando as pessoas se reúnem em círculo e cantam e dançam, é como se línguas de fogo baixassem ao recinto sagrado, nas ocasiões em que se celebram as efemérides siderais
na concruz dos solstícios ou equinócios. O deus incorpora,
e sobe a palavra em cânticos de harmonia e amor, paz e alegria. A terra exulta e abre-se aos céus:
“Quando os galos cantam,
as almas se levantam
e o mar recua.
No céu os anjos dizem amém,
no campo o lavrador diz aleluia.
Diz aleluia, diz aleluia,
eu digo aleluia.
Diz aleluia, diz aleluia,
Lalu diz aleluia”.
De vivências tais e sucessos semelhantes nasceu este
livro. Mensagens projetadas por meio do trabalho e dos dias.
Um frescor de vida incessantemente renovada o perpassa, e
a juventude eterna de um mundo incessantemente refeito
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faz-nos lembrar o acerto de Pietro Ubaldi, quando meditava sobre as correntes do pensamento diretamente ligado à
fonte original: “Envelheço e não morro, morrerei e viverei:
suprema experiência! O saber é um equilíbrio de espírito
e a revelação do mistério não se verifica senão quando se
alcança a fase de perfeição moral”.
Quando Raul celebra ou escreve, uma seta de luz vara
uma espiral e o torvelinho das graças desce e envolve as
quietudes da aldeia ou o burburinho das ruas. As pedras
falam, os arcanos se abrem, o rito se faz dia, e pelas copas e
raízes ritmicamente perpassam as verdades eternas.
“No princípio era o Verbo e o Verbo
Deus e o Verbo era Deus.
No início ele estava com Deus. Por Ele
tudo foi feito e sem ele nada se fez.
Ele era a vida de todo ser e a vida era
a luz dos homens. E a luz refulge nas
estava com
trevas e as trevas não puderam
ofuscá-la”.
Jô. I, 1 a 5
II.
O ouro, o incenso e a mirra são os símbolos da terra
a serviço de Deus. E a divindade também se manifesta fecundando o terrestre. Entre masculino e feminino, graça e
beleza, morte e ressurreição, à sombra da noite ou claridade
do dia, o que os mistérios atualizam é esse intercâmbio religioso. Tudo se interpenetra e completa. O horror faz-se júbilo, a vertigem se faz história e o mito coisa real. Como no
evangelho de São João, as trevas não ofuscam a luz. Pois há
um equilíbrio perfeito entre os dois atos extremos, a sabedoria antiga confirma-se na fé atual. Raul confirma as palavras
e os ritos. Abre-se o universo!
Assim podemos centrar-nos nos quatro cantos do
mundo, e nomear as coisas. É o norte e o sul, o leste e o
oeste. Orientação. E se invocam os arcanjos: Uriel, Miguel,
Rafael e Gabriel. Os elementais são chamados: gnomos e
silfos, salamandras e ondinas. A água e o fogo, a terra e o
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ar. E já vêm os bichos: o leão, a águia, o touro. A face final.
Marcos e João, Lucas e Mateus, anunciando o menino ou
aquele que deve morrer.
Na comunhão gozosa dos contrários que se completam, Raul enfim nos abre as portas da verdade. Movendo-se
com simpatia e sem preconceitos, fala-nos com a cabeça e o
coração. Ao peso da terra que ama e compreende, abre-nos
o segredo dos vôos e fecha o compasso dos cânticos da nossa
libertação.
Como ele próprio escreveu: “O melhor mesmo é continuar falando sem escolher caminhos, como o pássaro que
voa livre sobre campos verdes ou agrestes secos, sem perder
seu canto”.
Santiago Naud
Escritor e poeta.
Raul de Xangô
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FALANDO NA RUA AO HOMEM,
OU A ESMO MESMO
A rua é um templo, por isso nela são feitas procissões e cerimônias como a do “Círio Nazaré” e a da
“Festa do Rosário”.
Brasília é uma aldeia mística que ainda ascende no tempo, incrustada no cerrado, sem dono, nem
tradições. Por isso é que nela se busca uma realidade
cósmica, o real do novo homem que celebra a vida,
contestando as regras e as injunções que lhe foram
legadas.
No Centro-Oeste surgirão os grandes movimentos de amor, religiosidade e política; também de
arte - no canto, na dança e na poesia. Pois é nessa
região, precisamente, que os ancestrais encontraram
o ventre para a nova geração. É o começo de um
novo mundo e um novo tempo, onde a magia não
será mais nenhum mistério.
Evoé, Kore! Evoé, Kouros! (Jovens bruxos do
primitivismo, eternos amorosos). O novo homem, a
criatura do alvorecer está alerta. Na alegria, no sonho
e no êxtase. Por isso que a violência e a penúria da
época atual não significarão a decadência do homem
nem o abismo fatal. O homem encontrará fórmulas
que o ajudarão a descortinar o amanhã radioso.
Alguém chegou mesmo a dizer que “amar o
próximo perdeu o seu sentido crístico, porque o próximo passou a significar apenas os habitantes de
uma mesmo tribo”.
Não existe verdade sem beleza, nem religiosidade sem percepção. Há os que acham que na vida
tudo é ilusão; para os que se pautam nisso; não é
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demais trocar de ilusão; a ilusão que têm da vida por essa
outra dita ilusão, de que os homens mesmo iludidos não estão sozinhos na ilusão.
No interior das coisas é que se encontram as coisas.
O homem está precisando retroceder no tempo e no
espaço para se reintegrar na gira natural das coisas onde
pedra, planta, animal e homem geram um indizível, porém
matizado clã.
O homem está precisando é fazer as pazes com o primitivismo.
O homem não devia se olhar no rosto e, sim, na semelhança que tem com alguns animais, nas plantas que trazem
características das partes de seu corpo, nas pedras que lembram figuras ancestrais e nas folhagens de desenhos coloridos que balançam e se agitam com o vento, na dança dos
tempos onde todos são iguais.
O paraíso é amar a vida toda. O purgatório é quando
não se tem amor.
Feliz daquele que não separa, não divide, não soma,
nem diminui, mas que multiplica os sonhos e as ilusões.
De tanto perguntarem, eis porque falo a meu respeito.
Hoje, pratico um candomblé universalizado, o universo do cotidiano que está no povo. Nunca deixei de preservar
as tradições, mas o que mais preservo é o autêntico, a espontaneidade.
Sou apenas um mago. E se todos tomassem consciência de si mesmos, também poderiam sê-lo.
O mago é como o armeiro que guarda e zela todas as
armas; embora elas não lhe pertençam, entende os seus manejos, sabe lubrificá-las, conservá-las e até consertá-las. Tem
plena consciência de que essas armas não são dele e, sim,
dos poderes ocultos dos exus, éboras, orixás e arcanos. Por
isso é que um bruxo só pode usá-las se houver um consentimento superior, por uma causa justa também superior.
Cada ser humano deveria ser mago. O primeiro passo
para isso é coordenar o sono, a alimentação, o trabalho e o
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lazer, e, muito mais ainda, a meditação, o sonho, a imaginação e o êxtase.
As pessoas deveriam conversar com elas mesmas,
aprendendo, louvando, sem negar, nem punir. Quem fala
sozinho não está ficando doido. Doido está é quem os repreende.
Há os que nascem místicos e os que se tornam com o
tempo.
Nasci assim. Nada em mim foi feito. Porque já estava
feito. Considero-me só, livre e tranqüilo. E este é mais um
segredo.
O verdadeiro caminho é o infinito, o nada, Deus.
Importante é a criatura não se distanciar em nenhum
momento do seu instinto, mas sublimá-lo. Com isto, naturalmente, a mente se adestra e o espírito continua livre e
bailarino como no tempo quando ainda não possuía um corpo. É assim que se torna mais fácil o relacionamento com a
natureza e o Criador.
As pessoas têm mesmo é que se movimentar, girar,
dançar e por que não voar? As mulheres parindo em pé e os
homens morrendo andando.
Dentro do homem, que é o microcosmo, residem os
elementos e mistérios do universo. Há um deus sempre escondido e um demônio que fica à espreita.
Não entendo porque falam tanto do sobrenatural e,
até hoje, tudo que conheço pertence à natureza.
Não se deve falar pensando. Ah, quero sentir falando...
Tenho esperança que um dia deixarão de procurar
bruxos, magos, sacerdotes, pastores e gurus. É uma pena
desconhecer o valor e o potencial das energias telúricas e
cósmicas, privando-se da cura, da vigília e do caminho. O
risco da acomodação.
Os acomodados são subalternos de religiões arcaicas,
porém, os ousados e desobedientes tornam-se místicos. Os
novos magos.
Magia é tornar possível o que se acredita ser impos-
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sível. Reencontrando o saber, o ter, o querer, o fazer e o
vencer, com os conhecimentos ancestrais.
Se o gesto antecede a palavra, a magia antecede o conhecimento. Nada vem de fora, tudo está dentro de cada um
de nós.
Sou aliado do Exu Cósmico, o mensageiro que me leva
ao eventual desconhecido - nossa verdadeira origem/vida.
Ele é a roda, o cavalo e, quem sabe, a vassoura mágica do
terceiro milênio.
Somos todos loucos e ainda há tempo para os que não
o são.
O pior são os sete medos: da morte, do desconhecido,
da solidão, do sexo, da responsabilidade, do fracasso e do
ridículo.
É preciso celebrar a vida, o transe, o delírio, o sonho,
o êxtase e negar o terror, a discórdia e a intemperança.
O momento é de estímulo e apoio a tudo quanto for
verdadeiro e belo.
Ninguém precisa de salvação nem de libertação. O que
precisa é mergulhar para dentro de si mesmo.