recursos, capacidades e competências: uma

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recursos, capacidades e competências: uma
RECURSOS, CAPACIDADES E COMPETÊNCIAS: UMA ANÁLISE
MULTI CASO NA INDUSTRIA BÉLICA BRASILEIRA
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O setor bélico é um dos mais importantes para a economia. Para a pesquisa foi desenvolvida uma abordagem
qualitativa através de estudos de caso em três empresas do setor (ENGESA, AVIBRÁS e EMBRAER).
Conceitualmente é dada prioridade a autores como Wernerfelt(1984), Prahalad e Hamel(1990), Stalk, Evans e
Shulman(1992) e Collis e Montgomery(1995) com enfoque estratégico baseado em recursos, capacidades e
competências. Faz uma análise entre esses conceitos para explicar a sustentabilidade de empresas do setor bélico face
ao desenvolvimento ou não de competências essenciais. O artigo destaca que aquelas empresas que desenvolveram
suficientes capacidades e competências estratégicas tornaram-se mais competitivas globalmente, indiferentes a
problemas conjunturais, enquanto aquelas que não as desenvolveram completamente acabaram tendo quedas
acentuadas ou determinando sua saída do setor bélico, para outros de menor valor agregado ou de menor
competitividade. Dada a limitação da pesquisa que expurga outros fornecedores de equipamentos e material bélico,
recomenda-se para estudos futuros a ampliação da base pesquisada, como forma de corroborar nos estudos de
competitividade e criação de bases de crescimento sustentável para a indústria bélica nacional independente de
orçamentos nacionais.
Palavras-chave: Recursos; Capacidades; Competências; Industria Bélica
Mestre em Administração; Especialista em Comunicação, Marketing, Administração Hoteleira, Educação e Administração em Negócios;
Professor da UnG, Unimes, Unipalamres e Fundetec. [email protected].
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RESOURCES, CAPABILITIES, AND COMPETENCES: AN MULTI CASE ANALISYS ON MILITARY
INDUSTRY IN BRAZIL. The military industry is one of the most important for a national economy. For this
research a qualitative approach was developed with case studies in three Brazilian companies in military industry
(ENGESA, AVIBRÁS, and EMBRAER). For theoretical basis is given priority to authors as Wernerfelt(1984),
Prahalad, and Hamel(1990), Stalk, Evans, and Shulman(1992) and Collis, and Montgomery(1995) with resources,
capabilities and competences-based strategies focus. Is make an analysis among those concepts to explain the
sustainability of firms in the Brazilian military industry face to the development, or not, of its core competences. The
article highlights that those companies that developed enough capabilities and strategic competences became more
competitive globally, indifferent to problems of the situation, while those that didn't develop them completely ended
tends accentuated falls or determining its exit of the military industry, for others industry with smaller added value or
smaller competitiveness. Given the limitation of the research, that purges other Brazilian suppliers of equipments and
armaments, it is recommended for future studies the enlargement of the researched base, as form of corroborating in
the studies of competitiveness and creation of bases of maintainable growth for the Brazilian military industry
independent of national budgets.
Keywords: Resources; Capabilities; Competences; Military Industry
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INTRODUÇÃO
Muitos países, entre os quais o Brasil, enfrentam uma tensão entre as suas
reais necessidades de defesa e de segurança nacional e restrições orçamentárias. Nos
EUA os gastos totais em defesa são de 15% contra 3% no Brasil segundo dados do
FMI(1999). O setor bélico é um dos mais importantes para a economia de qualquer
país desenvolvido. Exemplos de subsídios são inúmeros: a Comissão Européia ajuda
a Airbus, nos Estados Unidos a NASA e o DoD (Department of Defense) são os
grandes impulsionadores da economia americana, e a indústria aeronáutica e
aeroespacial, são significativas na indústria bélica, onde recebem substanciais verbas
para P&D (pesquisa e desenvolvimento) e grande parte do sucesso da economia
norte-americana tem origem em P&D ligadas ao DoD. No Brasil o BNDES e as
forças armadas tem esse papel. Um dos principais componentes das despesas de
defesa está na compra de armas.
A produção e comércio de armas e suprimentos militares é uma das
conseqüências da capacidade de uma nação inventar e inovar segundo a abordagem
de Porter(1993). A situação sugere a necessidade de um país examinar suas
necessidades de P&D, bem como dos seus sistemas de inovação, avaliar suas
capacidades, examinar suas restrições, e sugerir políticas que tornem todo o sistema
de P&D e de inovação efetivos e capazes de serem integrados em seu sistema de
defesa. Essa indústria de material de defesa, também chamada indústria bélica,
destaca-se pelos elevados valores dos contratos de fornecimento, além de ter como
característica, nos produtos, um alto grau de desenvolvimento tecnológico e de
agregação de valor, o que a posiciona como um dos ramos mais disputados do
comércio internacional.
Este cenário motivou a presente pesquisa, que busca o entendimento do real
estágio de capacidades e competências da indústria bélica brasileira, com base nas
análises e estudos de caso de três das mais importantes empresas fabricantes de
material de defesa no Brasil.
Opta-se por realizar um estudo de caso, com ênfase para a demonstração das
capacidades e competências dessas empresas que as fizeram, em curto espaço de
tempo, surgir no cenário em que se inseriram, inclusive internacionalmente,
destacando-se dos seus competidores e conquistando clientes tradicionalmente
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compradores de armamentos de empresas baseadas nos países desenvolvidos, há
muito tempo detentores de parcelas significativas desse mercado.
OBJETIVOS DA PESQUISA
A pesquisa tem por objetivo identificar como a indústria de material de
defesa, ou indústria bélica brasileira, vem desenvolvendo a partir da alocação dos
seus recursos, capacidades, competências e conhecimentos. O que se coloca como
ponto central da pesquisa é a verificação das capacidades e competências que
tornaram a indústria bélica brasileira em importante fornecedor desses produtos,
assim como verificar como algumas delas sucumbiram, apesar de fornecerem para
forças armadas de dezenas de países, como forma de explicar o estágio de
desenvolvimento da indústria bélica brasileira e sua competitividade.
O trabalho de análise abrange três das principais empresas constituintes da
indústria bélica brasileira, casos estes considerados relevantes para a pesquisa:
ENGESA- ENGENHEIROS ESPECIALIZADOS S.A., AVIBRÁS AEROSPACIAL
S.A. E EMBRAER- EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA. As empresas
escolhidas para a pesquisa, tiveram um início de atividades semelhante, ou seja,
todas começaram
por fornecer ao Governo Brasileiro produtos e serviços de
remodelação de veículos, viaturas e aeronaves obsoletas, chegando a deter
conhecimento e tecnologia necessárias e suficientes para o projeto, desenvolvimento
e fabricação de novos produtos, competindo no mercado internacional.
METODOLOGIA
Optou-se por tratar a pesquisa como estudo de casos múltiplos, como base
para verificar a relação existente entre a teoria da estratégia baseada em recursos
internos, ou seja, baseada em recursos, capacidades, competências e conhecimento.
Buscou-se a comparação entre os resultados apresentados pela indústria como um
todo e os resultados apresentados por três empresas particularmente estudadas, que
representa a amostra da mesma. Trabalhou-se com documentos, entrevistas,
observações e informações disponíveis nos estudos históricos existentes. Para a
pesquisa abandonou-se a análise de dados de importação e exportação dado que,
neste mercado, os armamentos aparecem sob a rubrica de “bens de capital”.
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Para Yin (2002:32-33) “Um estudo de caso é uma investigação empírica que:
investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real,
especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente
definidos” e o autor acrescenta “A investigação de estudo de caso enfrenta uma
situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que
pontos de dados, e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidências, com os
dados precisando convergir em um formato de triângulo, e, como outro resultado,
beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a
coleta e a análise de dados” Quanto às limitações da pesquisa a crítica é feita quanto
ao método de pesquisa, altamente sujeito a análises intuitivas, primitivas,
incontroláveis.
A pesquisa foi conduzida junto a funcionários ou ex-funcionários, bem como
executivos e técnicos com conhecimentos avançados em relação às conquistas feitas
em P&D nas empresas analisadas, além do conhecimento acumulado, inclusive junto
a clientes militares no exterior, e processos de inovação ou transferência de
tecnologia.
REFERENCIAL TEÓRICO
Um dos pilares que alicerçam a pesquisa na teoria da administração
estratégica é exatamente o desafio em se encontrar formas através das quais é
desenvolvida e mantida a competitividade das empresas.
Wernerfelt (1984), Prahalad e Hamel (1990), entre outros pesquisadores,
apresentam o tema como uma abordagem conhecida como “visão da empresa
baseada em recursos”, conforme citado por Oliveira Jr. (2001). Nesse enfoque,
surgiu uma abordagem que combina a análise interna e externa da organização,
suportada por uma estrutura apoiada na base de que os recursos internos à
organização comandam o desempenho da empresa, propondo que os recursos
internos da empresa sejam os principais determinantes da sua competitividade. Tal
abordagem é oposta àquela que aborda a análise da indústria (PORTER,1986), onde
o principal determinante da competitividade da empresa é a sua posição no meio em
que opera.
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A empresa baseada em recursos traz à luz a discussão, em aspecto bastante
atual, e a princípio, sobre uma forma de se compreender a razão existente entre
recursos e produtos, da mesma forma que se analisa como certos produtos
necessitam de recursos para o seu desenvolvimento, tanto quanto recursos podem ser
utilizados para diversos produtos. Dessa forma, o debate está centrado no trabalho de
Wernerfelt (1984), onde ficam definidos os recursos como algo que pode ser pensado
como um ponto forte ou um ponto fraco da empresa, ou também como ativos, sejam
tangíveis ou intangíveis, relacionados de modo semipermanente à empresa. Na
esteira das definições de Wernerfelt, tais recursos podem ser o nome da marca,
conhecimento tecnológico desenvolvido na empresa, capital, equipamentos,
utilização de pessoal qualificado, contratos de negócios, etc.
Ainda sob o enunciado por Wernerfelt (1984) tem-se o enfoque da utilização
de recursos como a principal vantagem competitiva da empresa, através do avanço
sobre o que foi denominado pelo autor como “posição de recursos”, vale dizer, a
possibilidade de aplicar recursos para desenvolver uma posição competitiva mais
difícil de ser alcançada pelos demais.
Wernerfelt (1984:175) enuncia que “as empresas precisam encontrar aqueles
recursos que possam sustentar uma barreira através da posição de recursos, de forma
que nenhuma outra empresa possua atualmente barreira semelhante, e onde a
empresa perceba uma boa possibilidade de estar entre as poucas bem-sucedidas em
construí-la. As empresas devem avaliar recursos que combinem bem com aqueles
que a empresa já possui e que eles tenham que enfrentar apenas uns poucos
competidores também capazes de adquirir o recurso” .
Dessa discussão, tem-se que a principal contribuição da empresa baseada em
recursos, para o desenvolvimento e sustentação de uma vantagem competitiva, ou
seja, a necessidade de um recurso que seja difícil de imitar, transferir, comprar,
vender ou substituir, e que, além de tudo, ainda exerça uma integração sistêmica com
outros recursos da empresa (tangíveis ou intangíveis).
Hitt, Ireland e Hoskisson (2001), realçam dois enfoques diversos e
complementares para formular estratégias empresariais, sendo que em uma delas, a
formulação estratégica parte de uma análise do ambiente externo, onde a empresa
busca identificar a melhor forma de se posicionar frente ao mercado em que atua, e a
outra, a formulação da estratégia tem início com uma análise do ambiente interno da
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empresa, na qual se procura identificar os principais recursos e capacidades que
possibilitem uma vantagem competitiva sobre a concorrência. No mesmo passo que a
primeira visão proposta pelos autores apóia-se nos estudos de economia sobre as
organizações industriais, a segunda uma abordagem da estratégia baseada em
recursos, capacidades e competências.
Stalk, Evans e Shulman (1992) fazem uma distinção entre recursos e
capacidades, mas não há como separá-las totalmente, visto que mantém ligações tão
fortes que são difíceis de serem diferenciadas.
Na visão de Collis e Montgomery (1995), duas empresas não podem possuir
os mesmos recursos, em virtude de terem passado por um conjunto diferente de
experiências, adquirido diferentes bens e habilidades e haverem construído culturas
distintas ao logo das suas existências. Ainda conforme esses autores, “a performance
superior estará, então, baseada no desenvolvimento de um conjunto de recursos
distintamente competitivos e no seu desdobramento em uma estratégia bem
concebida” (COLLIS e MONTGOMERY, 1995:120).
Prahalad e Hamel (1990) estabelecem através da abordagem baseada em
recursos, especialmente o desenvolvimento de recursos intangíveis. Desse modo para
Prahalad e Hamel (1990:82)
as competências essenciais representam “a
aprendizagem coletiva da organização, especialmente relacionada a como coordenar
diversas habilidades de produção, integrar múltiplos streams de tecnologias”, ou
então, como posteriormente enunciaram, em contraponto de Hamel e Prahalad
(1995:203), mais do que uma habilidade ou tecnologia isoladamente, tem-se que
“competências essenciais são o conjunto de habilidades e tecnologias que habilitam
uma companhia a proporcionar um benefício particular para os clientes” .
O real entendimento das razões porque uma empresa alcança resultados
superiores, assim como quais são as suas capacidades distintivas que alicerçam tais
resultados, é uma forma de reconhecer as competências essenciais da empresa.
Ancorado nesse ponto, firma-se que competências e capacidades são dotadas de um
caráter dinâmico, posto que necessitam ser transformado com a meta de preencher as
mudanças no ambiente competitivo, em um processo contínuo.
Releva notar que da mesma forma que as competências essenciais asseguram
a vantagem de uma empresa, também podem, por outro turno, constituíram-se em
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fonte de dificuldades para a empresa, no futuro, como pode ser visto nos estudos de
caso desta pesquisa. Importante papel é desempenhado pelos governos, na medida
em que é da administração publica que emanam os programas educacionais, de
incentivo à pesquisa, linhas de financiamento, ajuda econômico-financeira, de
fomento a atividades industriais e agrícolas, enfim, de políticas específicas,
influenciando as decisões das empresas no que concerne a localização das atividades
geradoras de empregos e competências.
Oliveira Jr. (2001:130), ao conceituar a empresa como agente de criação e
transferência de conhecimento, mostra que a principal contribuição da abordagem
baseada em recursos para o desenvolvimento de uma vantagem competitiva
sustentável é a resposta à proposição da necessidade de desenvolvimento de um
recurso de difícil imitação, transferência, negociação, substituição e que “ deve
estabelecer uma integração sistêmica com os demais recursos da organização.
De todo esse arcabouço teórico, a empresa é entendida com o um “estoque de
conhecimento” (OLIVEIRA JR., 2001:131) ou que “o conhecimento organizacional
como o mais valioso recurso estratégico; a habilidade para criá-lo e aplicá-lo é a mais
importante capacidade para gerar vantagem competitiva” (JOÃO, 2001a:306).
ESTUDO DE CASO 1: AVIBRAS AEROESPACIAL
A AVIBRAS é dedicada à produção de equipamentos de defesa com ênfase
no setor aeroespacial. Suas atividades tiveram início na década de 1960, e com o
desenvolvimento de capacidades e conhecimentos aeroespaciais, passou, então, a
construir sistemas de artilharia já na década de 70. A AVIBRAS também foi pioneira
na pesquisa espacial brasileira desenvolvendo e produzindo os primeiros foguetes de
sondagem da família Sonda, Sonda I e Sonda II, cujos lançamentos inauguraram a
Base da Barreira do Inferno (Natal - RN) e o Programa Espacial Brasileiro.
Na área de defesa a AVIBRAS tem um histórico de desenvolvimento de
capacidades na produção de sistemas de armamentos inovadores e eficazes. A
empresa oferece sistemas para defesa antiaérea, sistemas de armamento ar-terra,
sistemas de foguete terra-terra e um crescente número de mísseis avançados para
várias finalidades. A guerra do Iraque contra o Irã na década de 80 foi o trampolim
da AVIBRAS que há inseriu no crescente mercado bélico internacional, rapidamente
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expandindo suas vendas, baseado no sistema ASTROS(Artillery Saturation Rocket
System).
Uma viatura lançadora de foguetes ASTROS custa hoje US$ 350 mil, contra
US$ 1,3 milhão do seu similar americano MRLS, sem considerar que o sistema
brasileiro oferece recursos e capacidades superiores às do seu concorrente. Este fato
é, por assim dizer, uma competência da organização, que lhes conferem uma
vantagem competitiva inigualável. Releva notar que toda a concepção, projeto,
desenvolvimento, fabricação e tecnologia envolvidos no ASTROS são genuinamente
brasileiros, apesar dos poucos recursos disponíveis,
localizados em centros de
excelência em pesquisa como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica e todo o
complexo do CTA, INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, IME- Instituto
Militar de Engenharia, USP, e outros.
A AVIBRAS enfrentou, a partir de 1989, sérias dificuldades financeiras,
apesar dos contratos assinados representarem um elevado montante. Os valores
oficiais dos contratos são considerados “informações sensíveis”, que no jargão
militar significam informações secretas, ou de segurança nacional. Também não há
contabilização do exato montante dos contratos. Os países compradores também não
aceitam a divulgação do que compraram, nem os valores dos contratos, por razões
estratégicas. Com a perda dos fornecimentos dos sistemas ASTROS para os países
que estavam negociando contratos, a AVIBRAS apresentou situação financeira
extremamente delicada, demitindo, entre janeiro e maio de 1989, 3800 dos seus 4200
colaboradores.
Após a paralisação total dos novos negócios com os países do Oriente Médio
e Ásia, a empresa precisou encontrar outras caminhos a seguir, e começou a prestar
serviços de pintura de precisão, já que dispunha de um setor de pintura de foguetes
da mais alta qualidade, tanto em termos de instalações, como de processo industrial.
Aproveitando tal facilidade, a Caloi encomendou a pintura das suas bicicletas
durante um período de tempo bastante significativo, tomando proveito da
excepcional qualidade da pintura a custos muito compensadores. Paralelamente,
também devido à experiência adquirida com eletrônica fina, após alguns anos de
fabricação de equipamento militar, a AVIBRAS introduziu em sua gama de produtos
os computadores tipo PC, vendendo-os no mercado, mas sem muita divulgação nem
publicidade.
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Recentemente, foi retomado o desenvolvimento do sistema ASTROS, assim
como a negociação de novos contratos com países da África e Ásia. Diversificando
os negócios, a AVIBRAS tem uma nova empresa no grupo, a AVIBRAS Divisão
Naval, e detém, no Brasil, a representação da indústria aeronáutica russa Sukhoi,
participando do processo de licitação internacional para reequipamento da Força
Aérea Brasileira.
A AVIBRAS hoje possui mais de trinta anos de experiência em
desenvolvimento, fabricação e integração de eletrônica embarcada, complexos
softwares de combate, e sistemas de armamentos ar-terra, ar-ar e terra-ar, e todos
foram recentemente atualizados para que pudessem ser utilizados em “conflitos
inteligentes”, são portanto armas inteligentes, assim como as utilizadas pelo exercito
norte-americano na Segunda Guerra do Golfo.
ESTUDO DE CASO 2: ENGESA - ENGENHEIROS ESPECIALIZADOS S.A.
A ENGESA iniciou as suas atividades no início da década de 1960 atuando
em obras rodoviárias, com ênfase nas obras de arte (pontes, viadutos), passou
posteriormente a fabricar peças especiais, dos tipos utilizados pelo Exército
Brasileiro nas suas máquinas de terraplanagem e construção civil, e logo se tornou o
principal fornecedor desses itens para reposição. Em seguida iniciou um programa de
reforma e atualização de unidades militares, tais como jipes, caminhões (sobras da
Segunda Guerra Mundial). O crescimento da ENGESA, com tais fornecimentos, foi
substancial, inclusive porque a companhia realizou um bom trabalho de projeto,
desenvolvimento e
adaptação de peças, componentes e unidades mecânicas
completas para os obsoletos veículos e viaturas militares brasileiros.
O passo seguinte foi a fabricação de blindados para o Exército Brasileiro.
Consolidou o seu corpo técnico, adquiriu tecnologia, robusteceu-se em conhecimento
e seguiu esse novo caminho, vendendo a unidade fabril de fabricação de parafusos e
elementos de fixação especiais. Após quatro anos de desenvolvimento estava pronto
o “Cascavel”, um blindado leve. Com um preço extremamente favorável, o Exército
Brasileiro conseguiu aprovar verbas orçamentárias, para, a partir do final da década
de 60, reequipar todas as suas unidades de infantaria blindada do país.
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O veículo de transporte de tropas utilizado pelo Exercito Brasileiro foi
atualizado e reformado pela ENGESA, e reprojetado tornou-se o “Urutu”, que deu
origem a uma família de blindados leves e anfíbios, que inseriram a ENGESA no rol
das empresas capacitadas a fabricar veículos blindados em todo o mundo,
concorrendo com os tradicionais fabricantes russos, romenos, tchecos, franceses,
ingleses e norte-americanos. Tal capacidade fez com que a ENGESA abocanhasse
extensas fatias do mercado, mormente nos países do chamado terceiro mundo, como
a Índia, Paquistão, América do Sul, e do Oriente Médio, que necessitavam de
blindados de qualidade mas com preços acessíveis e baixos custos de manutenção, o
que era plenamente atendido pelo Cascavel, Urutu e posteriormente pelo Jararaca
(veículo construindo para efetuar transporte anfíbio). Seguindo a mesma trilha que a
AVIBRAS, a ENGESA buscou capital para a sua sustentação financeira através da
venda de centenas de blindados ao Iraque, pais este que se consolidou nas décadas de
70 e 80 como um importante aliado militar do Governo Brasileiro.
O sucesso dos blindados da ENGESA no conflito Irã-Iraque, fez com demais
países se interessassem pelos produtos, vindo posteriormente a adquiri-los. Esse
movimento em direção à Ásia fez com que o mercado da ENGESA fosse expandido
sobremaneira, atingindo os fornecimentos para as forças armadas de 67 países
espalhados pelo globo, inclusive a China.
Dessa forma, não tinha interesse em fabricar o blindado sobre lagartas
(esteiras), ou tanque de guerra. Eram veículos muito caros, e o mercado estava
regularmente abastecido deles pelas companhias européias e pelas sobras norteamericanas, sendo que os clientes da companhia não dispunham de orçamentos
adequados para a compra de viaturas, e os Cascavel, Urutu e Jararaca (poucas
unidades desse blindado foram vendidas) cumpriam esse compromisso custobenefício que, inclusive, era uma das suas grandes vantagens competitivas.
Após longo período de insistentes pedidos, a ENGESA resolveu atender à
solicitação do seu cliente preferencial, que pretendia comprar 300 tanques,
inicialmente, podendo chegar a até 500. Detentora de competências nesse campo de
atuação, a ENGESA partiu para a consecução desse novo objetivo, iniciando, do
marco zero, vale dizer, a concepção, o novo produto da sua linha. Emergindo de uma
ampla avaliação de todos os produtos semelhantes existentes no mundo, a companhia
entendeu que algo como o tanque alemão Leopard seria exeqüível, e rumou nesse
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sentido, ou seja, conseguir fazer um tanque de guerra que fosse tão bom como o
germânico. Após trabalhar arduamente por mais de três anos, a companhia construiu
cinco protótipos, que foram entregues ao Exército Brasileiro para testes.
Buscando as encomendas finais, e tendo consumido cerca de US$ 300
milhões no projeto, a ENGESA obteve do Exército Brasileiro a notícia de que não
haveria mais a compra, nem a curto e nem a médio prazo, por absoluta falta de
verbas orçamentárias. Somente em outubro de 1988 os protótipos do tanque (Osório)
desembarcaram na Arábia Saudita, para um teste comparativo com os Giat
(franceses), Chieftain (ingleses) e M1A1 Abram (norte-americanos). Na ponderação
final, no qual o Osório estava em folgada vantagem, entraria o fator custo, o que
também foi ponto de vantagem. O preço do tanque brasileiro era de US4 1,5 milhão,
contra US$ 3,8 do Giat, US$ 4,9 do Chieftain, e US$ 7,5 do Abram. Era de se
esperar que o contrato fosse dado à ENGESA, não fosse uma enorme pressão política
e diplomática dos Estados Unidos sobre as autoridades de defesa da Arábia Saudita.
Pouco tempo depois, um acontecimento poria definitivamente uma pedra sobre essa
pretensão da ENGESA, e isso aconteceu com a erupção, no início de 1990, da
Guerra do Golfo, onde os Estados Unidos desembarcaram, nos primeiros dias do
conflito, 600 tanques M1A1 Abram, a título de “colaboração” com a Arábia Saudita.
Voltando ao Brasil, os diretores da companhia buscaram conseguir que o
Exército Brasileiro lhe pagasse os investimentos, ou comprasse os tanques, sem,
entretanto, qualquer êxito. A empresa já havia fabricado 300 carcaças do Osório, que
com a desistência do Exército Brasileiro em comprar os blindados, acabaram por se
tornar a mais triste testemunha do fim de uma empresa, que teve decretado a sua
falência por não pagar débitos no montante de US$ 450 milhões, relativos aos US$
300 milhões que investira e o restante aos juros bancários que incidiram sobre os
empréstimos assumidos.
ESTUDO DE CASO 3: EMBRAER
A empresa foi fundada em 1969 pelo Ministério da Aeronáutica do Brasil
com o intuito de fabricar aeronaves militares e comerciais. Entre os primeiros
sucessos da empresa figura o Xavante, 1971, construído sob licenciamento da
empresa italiana Aermacchi, para atender principalmente a Força Aérea Brasileira;
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em 1972 veio o Ipanema uma aeronave desenvolvida para pulverização agrícola; em
1973 foi a vez do Bandeirante a primeira aeronave de passageiros com 19 assentos.
Os primeiros pedidos para exportação chegaram do Chile e do Uruguai, para
prosseguir com vendas crescentes a vários países da Europa e depois adentrar o
competitivo mercado norte-americano.
A empresa foi privatizada em dezembro de 1994. Ainda em 1995 começou
uma transformação na empresa para obter condições de atuar em um ambiente de
competição bastante acirrada. Reduziu os níveis hierárquicos, focando o mercado
consumidor, customizando ao máximo seu produto, atuando com maior flexibilidade,
interação e autonomia, reduzindo prazos e custos. A empresa também assumiu o
compromisso de completar a família de jatos regionais desenvolvendo aparelhos para
até 110 passageiros e disputar com as grandes empresas do setor (como a Boeing e a
Airbus). Esta decisão foi tomada após vários centros de pesquisa concluírem que o
mercado de aviação regional cresceria em níveis muito maiores que a média do
mercado. A Embraer atualmente é a quarta maior fabricante de aeronaves comerciais
do mundo, figurando somente atrás da Boeing, da Airbus e da Bombardier.
A integração entre a Embraer e seus fornecedores tem sido fundamental para
o seu sucesso. Muitos desses fornecedores mantêm unidades dentro da própria
empresa, compartilhando riscos e desenvolvendo novas tecnologias, sendo parceiros
preferenciais, e fornecendo para a companhia sistemas completos, ao invés de
componentes, desenvolvendo assim um relacionamento de parceria.
Especificações, definições e financiamento, tudo era mais complexo, sendo
que os financiamentos estavam sempre sujeitos a pressões dos orçamentos nacionais.
Entretanto, os preços unitários de venda e os lucros continuavam sendo muito
maiores na área de defesa, embora, com o passar do tempo, o mercado tivesse ficado
mais sensível a preços e menos sensível a desempenho. As vendas no setor de defesa
não estavam sujeitas às restrições da OMC quanto aos subsídios às exportações. A
direção da empresa estava disposta a se expandir, e não a limitar, a atuação no
mercado de defesa mundial. Apesar de as vendas na área terem correspondido a
quase um terço das vendas acumuladas, elas caíram para 7% da receita da Embraer
em 1999 (embora mais de 50% da frota da Força Aérea Brasileira ainda fosse
baseada em produtos da companhia e apesar de as forças aéreas de 20 outros países
também utilizarem aeronaves militares da empresa).
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Havia portanto um consenso de que, se a Embraer quisesse manter seu papel
estratégico no âmbito do sistema brasileiro, precisaria iniciar outro programa,
especialmente levando em conta o estado avançado do investimento de US$ 1,5
bilhão no projeto do caça subsônico AMX, desenvolvido através de uma iniciativa
conjunta com o Governo da Itália, para as forças aéreas brasileira e italianas. A
empresa estava se transformando de fabricante de aeronaves militares para
fornecedora de sistemas de defesa inteligentes. Assim, procurou obter de seus novos
parceiros franceses transferências de software e de tecnologias de sistemas para o
setor de defesa, em última análise com o objetivo de, além do desenvolvimento de
aeronaves militares, passar também a se envolver com outros sistemas para defesa
naval e terrestre. Entre suas prioridades correntes, estava o Governo Brasileiro que
analisava uma compra substancial de caças.
A Embraer e seus novos aliados franceses estavam conscientes de que sua
parceria não era uma garantia de que venceriam a concorrência para fornecimento do
novo caça brasileiro. Durante toda a sua existência, a Embraer sempre manteve um
estreito relacionamento com o Centro Técnico Aeroespacial e o seu Instituto
Tecnológico de Aeronáutica, visando projetos e desenvolvimento dos seus produtos.
ANÁLISE DOS CASOS
As empresas da amostra participam de um mercado altamente competitivo e
especializado. Essa participação pressupõe conhecimentos e/ou capacidades
avançadas em áreas onde há poucos competidores e a entrada de novos competidores
é bastante complexa na ótica de Porter (1986). Na visão de estratégias baseadas em
recursos e capacidades, bem como no desenvolvimento de competências essenciais,
nota-se que houve um desenvolvimento considerável nos recursos e capacidades
dessas empresas, mas não necessariamente um desenvolvimento de competências
essenciais, que leva a uma vantagem competitiva sustentável. Dentre as empresas
analisadas somente a Embraer desenvolveu um conjunto de competências essenciais,
de modo mais enfático para a aviação civil, que faz com que se torne mais
competitiva no mercado internacional, mas como as competências são da
organização, e não de uma unidade estratégica isoladamente, percebe-se que esta tem
condições de avançar de modo sustentável no desenvolvimento de jatos militares,
bem como sistemas de defesa, dentro do âmbito de suas competências essenciais e
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tecnológicas. Como exemplos de competências para a Embraer têm-se:
conhecimento do cliente, estabelecimentos de alianças estratégicas, incluindo
participação de risco e transferência de tecnologia, desenvolvimento de projetos e
montagem de aeronaves (JOÃO, 2001b) bem como a compreensão do modelo de
negócios de seus clientes (NASSIF, 2003).
As demais empresas, em determinados momentos de sua existência,
desenvolveram
de
modo
geral
capacidades
e
competências
tecnológicas
consideráveis, mas que não apresentavam um direcionamento estratégico e
sustentável, e desse modo, não podem ser consideradas como competências
essenciais (HITT, IRELAND e HOSKISSON, 2001).
CONCLUSÕES FINAIS
Como visto o setor bélico é um dos mais importantes para a economia de
qualquer país desenvolvido e um grande impulsionador da economia como no caso
da Embraer que é simultaneamente um dos maiores exportadores e importadores
brasileiros. Verbas substanciais estão envolvidas em P&D havendo forte interação
com Universidades e centros de pesquisa, sejam estes militares ou civis. A produção
e comércio de armas e suprimentos militares é uma das conseqüências da capacidade
de uma nação inventar e inovar segundo a abordagem de Porter (1993).
Como objetivo inicial deste artigo foi o de saber até que ponto o
desenvolvimento de capacidades e competências essenciais foram responsáveis pela
ascensão, ou queda, de empresas brasileiras pertencentes à indústria bélica. Foi dada
prioridade a autores como Wernerfelt (1984), Stalk, Evans e Shulman (1992),
Prahalad e Hamel (1990) e Collis e Montgomery (1995). Para a pesquisa abandonase a análise de dados de importação e exportação dado que neste mercado os
armamentos aparecem sob a rubrica de “bens de capital” e foi desenvolvida uma
abordagem qualitativa através de estudos de caso em três empresas do setor
(ENGESA, AVIBRÁS e EMBRAER), por serem significativas no setor nas últimas
décadas.
A pesquisa foi realizada com questionários semi-estruturados sendo o perfil
dos entrevistados executivos e técnicos com conhecimentos avançados em relação às
realizações feitas em P&D pelas empresas analisadas nos estudos de caso, além do
16
conhecimento acumulado e processos de inovação ou transferência de tecnologia. A
pesquisa analisou alguns elementos chaves como: 1) a questão da P&D e do sistema
de inovação do setor; 2) desenvolvimento de recursos, capacidades, competências
essenciais e conhecimento; 3) os fatores de competitividade nacional para o setor de
indústria bélica. Tecnologias como as de eletrônica fina (software, computadores,
semicondutores, telecomunicações) e tecnologia de manufatura e de materiais,
estabelecem o campo de batalha de capacidades avançadas para a indústria bélica o
que leva a uma política integrada de P&D.
O artigo destaca que aquelas empresas que desenvolveram suficientes
capacidades e competências estratégicas tornaram-se mais competitivas globalmente,
indiferentes a problemas conjunturais, enquanto aquelas que não as desenvolveram
completamente acabaram tendo quedas acentuadas ou determinando sua saída do
setor bélico, para outros de menor valor agregado ou de menor competitividade.
Dada a limitação da pesquisa que expurga outros fornecedores de equipamentos e
material bélico, recomenda-se para estudos futuros a ampliação da base pesquisada,
como forma de corroborar nos estudos de competitividade e criação de bases de
crescimento sustentável para a indústria bélica nacional independente de orçamentos
nacionais.
REFERÊNCIAS
1 PORTER, M. E., A Vantagem Competitiva das Nações, Rio de Janeiro:
Campus, 1993
2 YIN, R., Estudo de Caso – Planejamento e Métodos, Porto Alegre: Bookman,
2001
3 WERNERFELT, B., A resource-based view of the firm. Strategic Management
Journal, v. 5., 1984, p. 171-180
4 PRAHALAD, C.K., HAMEL, G., The Core Competence in the Corporation,
Harvard Business Review, 1990, Maio-Junho, p.79-91
5 OLIVEIRA JR, M.M., Competências Essenciais e Conhecimento na Empresa,
in Gestão Estratégica do Conhecimento, São Paulo:Pioneira Thomson Learning,
2001.
17
6HITT, M.A., IRELAND, R.D. e HOSKISSON, R.E.,Strategic Management:
competitiveness and globalization: concepts. Austrália: South-Western College.
2001, 550p.
7 STALK, G., EVANS, R. e SHULMAN, L., Competing on capabilities: the new
rules of corporate strategy. Harvard Business Review, March-April, 1992, p. 57-69
8 COLLIS, D. e MONTGOMERY, C., Competing on resources: strategy in the
1990s. Harvard Business Review, 1995, July-August. p. 118-128
9 HAMEL. G. e PRAHALAD, C.K. Competindo pelo futuro: estratégias
inovadoras para obter o controle do seu setor e criar os mercados de amanhã. Rio
de Janeiro: Campus, 1995. 377p.
10 JOÃO, B., Estratégias Emergentes in Gestão Estratégica de Negócios,
CAVALCANTI, M. (org), São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001a
11 JOÃO, B., Das Competências Essenciais às Estratégias Baseadas no
Conhecimento, In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 25., 2001,
Campinas. Anais. Campinas:ANPAD, 2001b
12 NASSIF, L., O PC da aviação, Folha de S. Paulo, São Paulo, 26 set. 2003,
p.B3
13 PORTER,M., Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e
da Concorrência, Rio de Janeiro: Campus, 1986

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