Volume 33 - Número 1 - Janeiro/Março, 2014

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Volume 33 - Número 1 - Janeiro/Março, 2014
ASTM CODENT GAEDOW 33(1): 01-36 ISSN 0101-7772
Volume 33 - Número 1 - Janeiro/Março, 2014
1
Órgão oficial da
Gastroenterologia
Endoscopia Digestiva
A Revista GED – Gastrenterologia Endoscopia Digestiva é o órgão oficial de circulação trimestral da SOBED
(Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva), da FBG (Federação Brasileira de Gastroenterologia), da
SBH (Sociedade Brasileira de Hepatologia), do CBCD (Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva) e da SBMD
(Sociedade Brasileira de Motilidade Digestiva). Fundada pelo Capítulo de São Paulo da SOBED em 1982,
durante a gestão do Prof. Dr. Arnaldo José Ganc. Registrado na Lei de Imprensa em 19/11/1981, sob o
nº 1.870, Lv. A, no 5o Registro de Títulos e Documentos de São Paulo.
Indexada nas seguintes bases de dados
LILACS, SCOPUS, EMBASE/EXCERPTA MÉDICA, LATINDEX e ADSAÚDE
Editor Chefe
Paulo Roberto Arruda Alves (SP)
Editores Responsáveis
José Murilo Robilotta Zeitune (SP) – Gastroenterologia
Nelson Adami Andreollo (SP) – Cirurgia Digestiva
Paulo Roberto Arruda Alves (SP) – Endoscopia Digestiva
Rimon Sobhi Azzam (SP) – Motilidade Digestiva
Aécio Flávio Meirellez Souza (SP) – Hepatologia
Editores Associados
Arnaldo J. Ganc (SP)
Jaime Natan Eisig (SP)
Eduardo Luiz Rachid Cançado (SP)
Marcelo Averbach (SP)
Sânzio S. Amaral (SP)
Conselho Editorial – Brasil
Admar Borges da Costa Jr. (PE), Ana Maria Pittella (RJ), Antonio Frederico N. Magalhães (SP), Artur Parada
(SP), Bruno Zilberstein (SP), Claudio Coy (SP), Deborah Crespo (PA), Decio Chinzon (SP), Edmundo Pessoa
Lopes (PE), Edna Strauss (SP), Edson Pedro da Silva (SC), Everson Artifon (SP), Flair Carrilho (SP), Flavio Quilici (SP),
Henrique Coelho (RJ), Hugo Cheinquer (RS), Ismael Maguilnik (RS), João Carlos Andreolli (SP), João Galizzi
Filho (MG), José Galvão Alves (RJ), Julio Cesar U. Coelho (PR), Lix A.R. Oliveira (SP), Lorete M.S. Kotze (PR),
Lúcia Câmara Castro Oliveira (RJ), Luiz Gonzaga Vaz Coelho (MG), Luiz Pimenta Modena (SP), Luiz Roberto
Lopes (SP), Márcio M. Tolentino (SP), Marcus Túlio Haddad (RJ), Mario Pessoa (SP), Martha Pedroso (SP),
Maurício Fernando de Almeida Barros (SP), Orlando J.M. Torres (MA), Paulo Bittencourt (BA), Paulo R. Ott
Fontes (RS), Paulo Roberto Savassi Rocha (MG), Paulo Sakai (SP), Ramiro Mascarenhas (BA), Raymundo
Paraná (BA), Ricardo A. Refinetti (RJ), Roberto Dantas (SP), Sérgio Gabriel Barros (RS), Tomas Navarro
Rodriguez (SP), Venâncio A.F. Alves (SP), Vera Lúcia Andrade (MG), Walton Albuquerque (MG)
Editores Internacionais
Daniel Sifrim (Bélgica), Dirk J. Gouma (Holanda),
Helena Cortez Pinto (Portugal), Jorge Daruich (Argentina)
Expediente Editorial
Coordenadora Geral: Fátima Lombardi dos Santos
Endereço da Secretaria Editorial da Revista GED:
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2.391, Conj. 102 – 01452-000 – São Paulo, SP
Tel.: (11) 3813-1610 – Fax: (11) 3032-1460
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Tiragem: 7.000 exemplares
Periodicidade: trimestral
Circulação: nacional para todos os associados da SOBED, FBG, SBH, CBCD e SBMD
Números anteriores e separatas: [email protected]
Editoração Eletrônica, Distribuição, Impressão e Publicidade
E-mail: [email protected]
Tel.: (11) 3186-5600
3
Sumário
Sumário
Artigo Original
1 Avaliação das características clínicas,
epidemiológicas e endoscópicas dos
pacientes com hemorragia digestiva
alta em um hospital do sul de Santa
Catarina
Evaluation of clinical and epidemiological
and endoscopic features of patients
with upper gastrointestinal bleeding in a
hospital in southern Santa Catarina.
Vanessa Pereira Leal, Flávio Bianchini, Suelen Regina Totti
4
7 Estudo prospectivo para tratamento
de acalasia pela técnica de miotomia
endoscópica POEM (Peroral
Endoscopic Myotomy)
Prospective study of POEM – Peroral
Endoscopic Myotomy in the treatment of
esophageal achalasia
Caroline Josino Leonardi, Marcelo Cury
14 Abordagem endoscópica do
Divertículo
de Zenker
Endoscopic approach for Zenker’s Diverticulum
Hunaldo Lima de Menezes, Ricardo Ferreira de Lira,
Paula Nathany Ferreira Lira, Karen Peixoto Cabús
Relato de Caso
18 Nesidioblastose do adulto: relato de
caso
Adult nesidioblastosis: case report
Francisco Antônio Araújo de Oliveira, José Erialdo
da
Silva Júnior
ISSN 0101-7772
21 Linfangioma perianal: relato de caso
H Perianal lymphangioma: case report
Rodrigo Ciotola Bruno, Marcos Ednelson Garcia
Bello, Márcia Lanzoni de Alvarenga, Maria
Auxiliadora Prolungatti Cesar, Luiz Arnaldo Szutan
23 Abscesso hepático por Klebsiella
pneumoniae e suas complicações
sistêmicas
Liver abscess by Klebsiella pneumoniae
and its systemic complications
Rodrigo Ciotola Bruno; Marcos Ednelson Garcia
Bello; Márcia Lanzoni de Alvarenga; Maria
Auxiliadora Prolungatti Cesar4; Luiz Arnaldo
Szutan
27 Megacólon psicogênico em gêmeos:
relato de caso
Psychogenic megacolon in twins: case
report
Thays Araujo Souza Pinto, Vivianne Correia dos
Santos Moraes, Bruno Correia Ulisses Sobreira,
Ângela de Fátima Correia, Adriana Araujo Souza
Santos, Priscila Rodrigues Néspoli
29 Doença de Caroli tratada com
derivação interna
Caroli’s Disease treated with internal
bypass
André Rossetti Portela, José de Alencar Gonçalves de
Macedo, Flávio Augusto Lima de Moraes, Fernanda
Mescolin de Paula Dias, Paulo Henrique de Almeida,
Guilherme Velloso Diniz
Resumos comentados
33 Editor: Paulo Roberto Arruda Alves
Diretoria das Sociedades
Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED)
Diretoria Biênio 2013-2014: Presidente: João Carlos Andreoli • Vice-Presidente: Ramiro Robson Fernandes
Mascarenhas • 1º Secretário: Jairo Silva Alves • 2ª Secretária: Silvana Dagostin • 1º Tesoureiro: Dalton Marques Chaves
• 2º Tesoureiro: Luis Fernando Tullio • Sede: Rua Peixoto Gomide, 515 – cj. 14 – 01409-001 – São Paulo, SP – Tel/Fax:
(11) 3148-8200/ 3148-8201 – e-mail: [email protected] – site: www.sobed.org.br
Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG)
Diretoria Biênio 2013-2014: Presidente: José Roberto de Almeida • Vice-Presidente: Mauro Bafutto • Secretário Geral:
Adávio de Oliveira e Silva • 1ª Secretária: Roberta Cavalcante de Almeida • Diretor Financeiro: Roberto Magalhães M.
Filho • Coordenador do FAPEGE: José Galvão-Alves • Presidente-Eleita (2015-2016):. Maria do Carmo Friche Passos
• Sede: Av. Brig. Faria Lima, 2391, 10º andar – cj. 102 – 01452-000 – São Paulo, SP – Tel: (11) 3813-1610/ 3813-1690.
Fax: (11) 3032-1460 – e-mail: [email protected] – site: www.fbg.org.br
6
Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH)
Diretoria 2014-2015: Presidente: Edison Roberto Parise • 1º Vice-Presidente: Cláudio G. Figueiredo Mendes • Secretária
Geral: Edna Strauss • Secretário Adjunto: Hugo Cheinquer • 1º Tesoureiro: Isaac Altikes • Sede: Av. Brigadeiro Faria
Lima, 2391 cj. 102 | São Paulo - SP - CEP 01452-000 | Telefone: (11) 3812-3253 • (11) 3032-3125 (fax) | secretaria@
sbhepatologia.org.br
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD)
Diretoria Biênio 2013-2014: Presidente: Ivan Cecconello • Vice-Presidente: Nicolau Gregori Czezko • 1º Secretário:
Nelson Adami Andreollo • 2º Secretário: José Eduardo Pereira Monteiro da Cunha • 1º Tesoureiro: Marco Aurélio Santo
• 2º Tesoureiro: Paulo Herman • Presidente-Eleito (2015-2016): Bruno Zilberstein • Sede: Av. Brig. Luís Antonio, 278 –
6º andar – salas 10/ 11 – 01318-901 – São Paulo, SP – Tel: (11) 3289-0741/ 3266-6201/ 3288-8174. Fax: (11) 3288-8174 –
e-mail: [email protected] – site: www.cbcd.org.br
Sociedade Brasileira de Motilidade Digestiva (SBMD)
Diretoria - Gestão 2012-2014: Presidente: Sânzio Santos Amaral • Vice-Presidente: Sérgio Gabriel S. Barros
• Secretária Geral: Angela C. G. M. Falcão • 1o Secretária: Stella M. M. Regadas • 1o Tesoureiro: Luiz Henrique S. Fontes
• 2º Tesoureiro: Wellington M. Machado. Sede: Av. Brigadeiro Faria Lima, 2391, Conj. 102, Jardim Paulistano – 01452-000 –
São Paulo, SP – Fone: (11) 3518-9117 – e-mail: [email protected] – site: www.sbmd.org.br
Informações aos Autores
Modificado em setembro de 2012
A GED, órgão oficial da Sociedade Brasileira de Endoscopia
Digestiva – SOBED, da Federação Brasileira de Gastroenterologia
– FBG, da Sociedade Brasileira de Hepatologia – SBH, do Colégio
Brasileiro de Cirurgia Digestiva – CBCD e da Sociedade Brasileira
de Motilidade Digestiva – SBMD, tem por objetivo a divulgação de
trabalhos que contribuam para o progresso da Gastroenterologia,
da Endoscopia Digestiva, da Hepatologia, da Cirurgia Digestiva e
da Motilidade Digestiva.
São publicáveis as colaborações que, enviadas à Secretaria da
GED (Av. Brig. Faria Lima, 2.391 – 10o andar – cj. 102 –1452-000
– São Paulo, SP, e-mail [email protected]), forem aceitas pelo Conselho Editorial e não tenham sido previamente publicadas e nem
o venham a ser, simultaneamente, em outros periódicos. Serão
aceitos artigos escritos na língua portuguesa. A critério do Conselho Editorial, poderão ser considerados manuscritos em língua
inglesa e castelhana.
8
A GED adota as regras da Uniform Requirements for Manuscripts
Submitted to Biomedical Journals emitidas pelo International Co
mmittee for Medical Journal Editors, disponível na Internet (http://
www.i cmje.org).
Conteúdo da GED
Editoriais
Destinam-se à apresentação de temas de natureza polêmica,
atual e de impacto, nos quais os editores da GED percebam
a necessidade de manifestar de forma sintética a visão destes
editores, abordando ou não artigos publicados na GED. Serão
escritos pelos editores e/ou membros do Conselho Editorial ou,
mediante convite, por outros especialistas.
Artigos Originais
De pesquisa clínica e/ou experimental, devem apresentar a
aprovação da pesquisa pelo Conselho de Ética do hospital, serviço
ou instituição onde o trabalho foi realizado. Os artigos devem ser
estruturados com os seguintes itens: Resumo e Unitermos, Su
mmary e Keywords, Introdução, Métodos, Resultados, Discussão,
Conclusões e Referências (acompanhado de unitermos). O título
do Artigo Original deverá ser bilíngue (português e inglês).
Introdução – Em que se apresenta a justificativa para o estudo,
com referências relacionadas ao assunto e o objetivo do artigo.
Métodos – Em que se apresentam: a) descrição da amostra
utilizada; b) mencionar se há consentimento informado; c)
identificação dos métodos, aparelhos e procedimentos utilizados,
de modo a permitir a reprodução dos resultados pelos leitores;
d) breve descrição e referências de métodos publicados mas
não conhecidos amplamente; e) descrição de métodos novos ou
modificados; f) se for o caso, referir a análise estatística utilizada,
bem como os programas empregados.
Resultados – Em que serão apresentados os resultados em
sequência lógica, em forma de texto, tabelas e ilustrações;
recomenda-se evitar repetição excessiva de dados em tabelas
ou ilustrações e no texto. No texto, números menores que 10
serão grafados por extenso; de 10 em diante, serão expressos
em algarismos arábicos.
Discussão – Em que serão enfatizados: a) os aspectos
originais e importantes do artigo, evitando repetir dados já
apresentados anteriormente; b) a importância e as limitações
dos achados, confrontando com dados da literatura;
c) a ligação das conclusões com os objetivos do estudo;
d) as conclusões decorrentes do estudo.
Referências – As Referências devem ser numeradas na ordem
em que são citadas primeiramente no texto. Elas devem seguir
as regras do Uniform Requirements for Manuscripts Submitted
to Biomedical Journals – http://www.i cmje.org. Alguns exemplos
mais comuns são apresentados a seguir.
Exemplos:
1. Artigo padrão em periódico (devem ser listados todos os
autores; se houver mais de seis, citar os seis primeiros,
seguidos por et al..): Alper CA, Kruskal MS, Marcus-Bagle
Y, Craven DE, Katz AJ, Brint SJ, et al... Genetic prediction of
response to hepatitis B vaccine. N Engl J Med. 1989;321:70812.
2. Autor institucional: NHI Consensus Development Panel on
Helicobacter pylori in Peptic Ulcer Disease. Helicobacter
pylori in peptic ulcer disease. JAMA. 1994;272:65- 9.
3. Livro com autor(es) responsável(is) por todo o conteúdo:
With TK. Bile pigments. New York: Academic Press, 1968.
4. Livro com editor(es) como autor(es): Magrath I, editor. The
non-Hodgkin’s limphomas. 2nd ed. London: Arnold, 1997.
5. Capítulo de livro: Warshaw AL, Rattner DW. Residual co
mmon duct stones and disorders of duodenal ampullae.`In:
Ellis H, editor. Maingot’s abdominal operations. New York:
Lange Publishers, 1990:1471-2
Os títulos dos periódicos devem ser abreviados de acordo com
o Index Medicus (List of Journals Indexed). Se o periódico não
constar dessa lista, grafar o nome por extenso.
Tabelas – As tabelas devem possuir um título sucinto, com
itens explicativos dispostos em seu pé. Devem ser numerados
sequencialmente com algarismos arábicos.
Figuras – Serão aceitas figuras em preto e branco. Figuras
coloridas poderão ser publicadas quando forem essenciais para
o conteúdo científico do trabalho; nesses casos, o ônus de sua
publicação caberá aos autores.
Artigos de Revisão
Somente serão aceitos quando, a convite dos editores da
publicação, fizerem parte da linha de pesquisa do autor,
comprovada pela presença de artigos originais na bibliografia e
citados no texto.
Informações aos Autores
Relato de Caso
Devem ser objetivos e precisos, contendo os seguintes itens:
1) Resumo e Unitermos, Su mmary e Keywords; 2) Introdução; 3)
Relato objetivo; 4) Discussão; 5) Conclusões; 6) Referências. O
título do Relato de Caso deverá ser bilíngue (português e inglês).
Cartas ao Editor
Cartas endereçadas ao(s) editor(es) serão consideradas
para publicação se promoverem discussão intelectual sobre
determinado artigo de publicação recente. Devem conter título
informativo e não mais que 500 palavras. Se aceita, uma cópia
será enviada ao autor do trabalho que suscitou a discussão, com
convite para submeter uma réplica que será publicada junto com
a carta.
Conflito de interesses
10
Conforme determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(RDC 102/2000) e do Conselho Nacional de Saúde (196/96)
o(s) autor(es) deve(rão) tornar explícito, por meio de formulário
próprio (Divulgação de potencial conflito de interesses), qualquer
potencial conflito de interesse relacionado ao artigo submetido. A
presente exigência visa informar sobre relações profissionais e/
ou financeiras (como patrocínios e participação societária) com
agentes financeiros relacionados aos produtos farmacêuticos ou
equipamentos envolvidos no artigo, os quais podem teoricamente
influenciar as interpretações deste. A existência ou não de conflito
de interesses declarado estará ao final de todos os artigos
publicados.
Bioética de experimentos com seres humanos
Experimentos envolvendo seres humanos devem seguir resolução específica do Conselho Nacional de Saúde (196/96), disponível na Internet (http://conselho.saúde.gov.br//docs/Resoluções/Reso/96de96.doc), incluindo a assinatura de um termo
de consentimento informado e a proteção da privacidade dos
voluntários.
Bioética de experimentos com animais
Experimentos envolvendo animais devem seguir resoluções
específicas (Lei 6.638, de 8/5/1979, e Decreto 24.645, de
10/7/1934).
Ensaios clínicos
Artigos que contêm resultados de ensaios clínicos deverão
possibilitar todas as informações necessárias à sua adequada
avaliação, conforme previamente estabelecido. Os autores deverão
refeir-se ao “CONSORT” (www.consort.statement.org).
Revisão pelos pares
Todos os artigos submetidos serão avaliados por dois revisores,
os quais emitirão parecer fundamentado que servirá para o(s)
editor(es) decidir(em) sobre sua aceitação. Os critérios de avaliação
incluem originalidade, contribuição para corpo de conhecimento
da área, adequação metodológica, clareza e atualidade. Os artigos
aceitos para publicação poderão sofrer revisões editoriais para
facilitar sua clareza e entendimento sem alterar seu conteúdo.
Direitos autorais
Todas as declarações contidas nos artigos serão da inteira
responsabilidade dos autores. Aceito o artigo, a GED passa a
deter os direitos autorais do material. Assim, todos os autores
dos artigos submetidos à GED devem encaminhar um Termo
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correspondência receberá 20 separatas impressas do artigo e o
arquivo correspondente em formato pdf.
Como enviar o artigo
O(s) autor(es) deve(m) encaminhar:
• Carta de apresentação assinada por todos os autores ou pelo
primeiro autor em nome dos demais, contendo: 1) informação
à respeito de submissão prévia ou dupla ou submissão de
qualquer parte do artigo atual; 2) uma declaração de relações,
financeiras ou não, que possam levar a conflito de interesses; 3)
uma declaração de que o artigo foi lido e aprovado por todos
os coautores e que os critérios necessários para a declaração
de autoria (consultar Uniform Requirements for Manuscripts
Submitted to Biomedical Journals) foram alcançados por todos
os autores e que cada autor afirma que os dados do manuscrito
são verdadeiros; 4) nome, endereço, telefone e e-mail do autor
para correspondência; ele será o responsável pela comunicação
com os outros autores a respeito de revisões e provas gráficas.
• Termo de Divulgação de Potencial Conflito de Interesses.
• Termo de Transferência de Direitos Autorais.
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papel tamanho carta em somente um dos lados, com margens de
2,5 cm e espaço 1,5, numerando as páginas no canto superior
direito; as legendas das figuras, as figuras propriamente ditas e
as tabelas devem vir ao final, anexadas a cada cópia; assinalar no
texto os locais adequados para inserção de figuras e tabelas.
• Três conjuntos de figuras em cópia fotográfica brilhante.
• Um CD contendo somente um arquivo do texto, correspondente
ao artigo, e os arquivos correspondentes a fotos ou figuras.
Como preparar o CD
• CD formatado compatível com IBM/PC;
• Usar editor de texto Microsoft Word para Windows;
• O arquivo de texto deve conter somente o texto, da página-título
até as referências, e as tabelas;
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• Colocar no CD a última versão do artigo, idêntica à versão
impressa;
• Etiquetar o CD informando o programa e a versão utilizados, bem
como o nome do arquivo.
A submissão do artigo pelo correio eletrônico (e-mail) possibilita
maior agilidade no procedimento de revisão. Para isso, será
necessário o envio dos arquivos contendo o texto e as figuras para
o e-mail da GED ([email protected]).
Mensagem aos editores com identificação dos autores deve ser
enviada, acompanhada dos endereços convencional e eletrônico
e de informações sobre o formato utilizado. O artigo deverá ser
enviado em anexo, como attachment, no formato Word para
Windows. As figuras deverão estar nos formatos jpeg ou tiff.
Informations to Authors
GED is the official journal of the Brazilian Society of
Digestive Endoscopy – SOBED, the Brazilian Federation of
Gastroenterology – FBG, the Brazilian Society of Hepatology
– SBH, the Brazilian College of Digestive Surgery – CBCD,
and of the Brazilian Society of Digestive Motility – SBMD,
and the purpose of the journal is to publish papers that
may contribute towards the progress of Gastroenterology,
Digestive Endoscopy, Hepatology, Digestive Surgery and
Digestive Motility. Papers sent to the GED Secretariat (Av.
Brig. Faria Lima, 2.391 – 10o andar – cj. 102 –1452-000 –
São Paulo, SP, Brazil, e-mail [email protected]), which are
accepted by the Editorial Board, and which have not been
previously or will not be concomitantly published in other
journals may be published.
14
Papers drafted in the Portuguese language will be
accepted. At the discretion of the Editorial Board, papers
in the Spanish and in the English language may also be
accepted.
GED adopts the Uniform Requirements for Manuscripts
Submitted to Biomedical Journals of the International
Co mmittee for Medical Journal Editors, available in the
Internet (http://www.i cmje.org).
GED Contents
Editorials
Intended to present polemic, current, and impacting topics
whenever GED editors feel the need to present their view
in a synthetic manner, whether or not such topics are
presented in GEDpublished papers. Editorials are written
by the editors and/or by Editorial Board members, or by
invited specialists.
Original Articles
Clinical and/or experimental research papers should
present the approval of the research given by the Ethics Co
mmittee of the hospital, clinic, or institution were the study
was carried out. The following items must be included: Su
mmary (and keywords), Introduction, Methods, Results,
Conclusions, References, and Su mmary and Keywords. The
title of the Original Article must be bilingual (Portuguese
and English).
Introduction – Presents the justification for the study, with
references related to the topic and the objective of the
paper.
Methods – Presenting: a) description of the sample used;
b) mention whether or not an informed consent has
been obtained; c) identification of methods, devices, and
procedures used in order to permit reproduction of the
results by the readers; d) brief description and references
to methods that have been published but that are not
broadly know; e) description of new methods or of modified
methods; f) mention the statistical analysis or the software
used, as the case may be.
Results – Presenting results in a logical sequence, in
text format with tables and illustrations; authors should
avoid excessive information repetition in the tables and
illustrations and in the text. In the text, numbers below ten
will be written in full, whereas numbers 10 and beyond will
be written in Arabic numbers.
Discussion – Emphasis will be given to: a) original and
major aspects of the paper, without repetition of the aspects
previously presented; b) relevance and limitations of the
findings, comparing them to information in the literature; c)
connection of the conclusions to the objectives of the study; d)
conclusions arising out of the study.
References – Bibliographic references should appear in the
order in which they are first quoted in the text. They should
follow the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted
to Biomedical Journals – http://www. i cmje.org. Some of the
more usual example are presented.
Examples:
1. Standard paper in journals (all authors must be listed;
if they are more than six, list the first six followed by et
al..): Alper CA, Kruskal MS, Marcus-Bagle Y, Craven DE,
Katz AJ, Brint SJ, et al... Genetic prediction of response to
hepati tis B vaccine. N Engl J Med. 1989;321:708-12.
2. Autor institucional: NHI Consensus Development Panel on
Helicobacter pylori in Peptic Ulcer Disease. Helicobacter
pylori in peptic ulcer disease. JAMA. 1994;272:65- 9.
3. Book with author(s) responsible for the full text With TK.
Bile pigments: New York: Academic Press, 1968.
4. Book with editor(s) as author(s): Magrath I, editor. The
non-Hodgkin’s limphomas. 2nd ed. London: Arnold,
1997.
5. Chapter of a book: Warshaw AL, Rattner DW. Residual
co mmon duct stones and disorders of duodenal
ampullae. In: Ellis H, editor. Maingot’s abdominal
operations. New York: Lange Publishers, 1990:1471-2.
The titles of journal should be abbreviated according to the
Index Medicus (List of Journals Indexed). If the journal is not
included in such list, write the name in full.
Tables – Tables should have a su mmarized title, with explanatory
co mments at the foot of the table. They should be sequentially
numbered with Arabic numbers.
Figures – Black and white figures will be accepted. Color figures
may be published when they are essential for the scientific
contents of the paper; in such case, the cost of publishing
colored figures will be covered by the authors.
Informations to Authors
Letters to the Editor
Letters sent to the editor(s) will be considered for publication
if they carry an intellectual discussion regarding a recently
published article. They should have an informative title and not
more than 500 words. If accepted, a copy will be sent to the
author of the paper that raised the discussion, with an invitation
to submit a reply to be published together with the letter.
Conflict of interests
As determined by the Sanitary Surveillance Agency (RDC
102/2000) and by the National Health Council (196/96)
author(s) should inform explicitly in the adequate form
(Disclosure of potential conflict of interests) about any potential
conflict of interests related to the paper submitted. This
requirement is intended to inform about professional and/or
financial relations (with sponsorships and corporate interests)
with financial agents related to medical drugs or equipment
involved in the paper, which may theoretically influence the
interpretation of the paper. The existence or non-existence of a
declared conflict of interests shall be included at the end of all
articles published.
Bioethics of experiments involving human beings
16
Experiments involving human beings shall follow the specific
resolution of the National Health Council available in the Internet
address (http://conselho.saúde.gov.br//docs/Resoluções/Reso/
96de96.doc), including the signature of an informed consent
and the protection to volunteer privacy.
Bioethics of experiments involving animals
Experiments involving animals shall follow specific resolutions
(Law 6,638, of May 8, 1979, and Decree 24,645, of July 10,
1934).
Clinical Assays
Article containing results of clinical assays should disclose all
information required for their proper evaluation, as previously
established. Authors shall refer to the “CONSORT” (www.
consort. statement.org).
Review by peers
All articles submitted shall be evaluated by two analysts,
who shall issue a fundamented opinion to be used by the
editors to decide whether or not the paper will be accepted.
Evaluation criteria include originality, contribution to the body
of knowledge in the area, methodological adequacy, clarity, and
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editorial revisions to improve clarity and understanding without
changing its contents.
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receiving letters from the readers will receive 20 printed copies
of the article and the corresponding pdf file.
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• A letter of submission signed by all authors or by the first
author to appear in the list on behalf of all authors, containing:
1) information regarding a prior or double submission of any
part of the paper being submitted; 2) a declaration of relations,
financial or otherwise, that could lead to a conflict of interests;
3) a declaration that the article has been read and approved
by all coauthors and that the criteria to claim authorship
(see Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to
Biomedical Journals) have been met by all authors and that
each author represents that the information in the manuscript
is true; 4) name, address, telephone number, and e-mail of the
author who will receive letters; this author will be responsible
to co mmunicate revisions and print proofs to the other
authors.
• Deed of Disclosure of a Potential Conflict of Interests.
• Deed of Copyright Assignment.
• Three copies of the paper typed in double space, printed in
letter-sized paper only on the front (without printing on the
back), margins of 2.5 cm and 1.5 space, with pages numbered
in the upper right corner; figure legends, figures, and tables
should be placed at the end, attached to each copy; indicate
in the text the place to insert figures and tables.
• Three sets of figures in shiny photographic copies.
• A CD containing the text file only, with the paper text, and the
files containing photographs or figures.
How to prepare the CD
• Formatted CD compatible with IBM/PC;
• Use Microsoft Word for Windows text software;
• The text file to contain only the text, from the title page to the
references, and the tables;
• Figures are not to be included in the text file;
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Artigo Original
Avaliação das características clínicas, epidemiológicas e
endoscópicas dos pacientes com hemorragia digestiva alta
em um hospital do sul de Santa Catarina
Evaluation of clinical and epidemiological and endoscopic features of patients
with upper gastrointestinal bleeding in a hospital in southern Santa Catarina
Vanessa Pereira Leal1, Flávio Bianchini2, Suelen Regina Totti3
Objetivo: Avaliar as características clínicas, epidemiológicas e endoscópicas dos pacientes com hemorragia
digestiva alta (HDA) submetidos à endoscopia digestiva alta (EDA) no Hospital Nossa Senhora da Conceição,
Tubarão–SC, e assim determinar as principais etiologias,
mortalidade intra-hospitalar e possíveis fatores que possam contribuir para a mortalidade. Métodos: Estudo
transversal realizado por meio de formulário construído para esta pesquisa, contendo as variáveis clínicas,
epidemiológicas e endoscópicas dos pacientes que
foram submetidos à EDA devido ao episódio de HDA,
no período de janeiro a agosto de 2012. Resultados:
Foram registrados 60 casos, a idade média foi de 63,80
anos, 74,5% eram do sexo masculino. A principal causa de HDA foi úlcera péptica (56,4%), seguida por
varizes esofágicas (20%). A média do tempo de internação
de todos os pacientes foi de 12,2 dias. Dos 43 pacientes
com HDA não varicosa, 37,1% foram submetidos à terapêutica endoscópica, a maioria escleroterapia, enquanto
que naqueles com HDA varicosa, 83,3% foram tratados
endoscopicamente (todos com ligadura elástica). Ressangramento relatado em 18,2%. A mortalidade global foi de
10,9%. Os pacientes que apresentaram ressangramento
intra-hospitalar tiveram maiores tempo de internação e
mortalidade.
Conclusão: A HDA pode trazer um risco à vida e a
terapêutica endoscópica é um recurso importante para
redução de mortalidade, de ressagramento e a de necessidade de cirurgia. Com a assistência adequada, os desfechos desfavoráveis ficam em torno de pacientes mais
idosos e com múltiplas doenças.
Unitermos: Hemorragia Gastrointestinal, Endoscopia
Gastrointestinal, Trato Gastrointestinal Superior.
Summary
Objective: Evaluate the clinical, epidemiological and
endoscopic features of patients with upper gastrointestinal bleeding (UGB) who underwent esophagogastroduodenoscopy (EGD) at Hospital Nossa Senhora da
Conceição, Tubarão-SC, and thus determine the main
causes, and possible hospital mortality factors that may
contribute to mortality. Methods: Cross-sectional
study using a questionnaire constructed for this research,
containing the clinical, epidemiological and endoscopic
characters of patients who underwent EGD due to UGB
episode, from January 2012 to August 2012. Results:
60 cases were reported, the mean age was 63.80 years,
74.5% were male. The main cause of UGB was peptic
ulcer (56.4%), followed by esophageal varices (20%).
1. Acadêmica do Curso de Medicina – Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). 2. Médico e Professor da Universidade do Sul de Santa
Catarina (UNISUL). 3. Acadêmica do Curso de Medicina – Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Endereço para correspondência:
Vanessa Pereira Leal - Rua Lauro Muller, 432 – apto. 1102 - Centro – Tubarão – SC - CEP: 88701-100 / e-mail: [email protected] Recebido
em: 05/09/2013. Aprovado em: 30/10/2013.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):1-6
1
33(1):1-6
Resumo
Avaliação das características clínicas, epidemiológicas e endoscópicas dos pacientes
com hemorragia digestiva alta em um hospital do sul de Santa Catarina
The average length of stay for all patients was 12.2 days.
Of the 43 patients with non-variceal upper gastrointestinal
bleeding, 37,1% underwent therapeutic endoscopic, most
sclerotherapy. While those with varicose UGB, 83.3% were
treated treated endoscopically (all with ligation). New bleeding was reported in 18.2%. The overall mortality was 10.9%.
Patients who had rebleeding had higher length of stay and
mortality. Conclusion: UGB has a life-threatening, endoscopic therapy is an important feature in reducing mortality,
rebleeding and the surgery. With appropriate assistance, the
unfavorable outcomes, are around older patients with multiple diseases.
Keywords: Gastrointestinal Hemorrhage, Endoscopy Gastrointestinal, Upper Gastrointestinal Tract.
Introdução
33(1):1-6
2
A hemorragia digestiva alta (HDA), definida pela perda de
sangue gastrintestinal proximal ao ângulo de Treitz, é uma
emergência médica, sendo responsável por uma quantidade
considerável de hospitalizações anualmente1-3.
As principais causas de HDA são: úlcera péptica
gastroduodenal (35-50%), erosões gastroduodenais (8-15%),
esofagite (5-15%), varizes esofágicas e/ou gástricas (5-10%),
laceração de Mallory-Weiss (15%), malformações vasculares
(5%) e outras condições. Os principais agentes etiológicos
das úlceras pépticas são a infecção pelo Helicobacter pylori
e o uso de anti-inflamatórios não esteroidais 4,5.
A HDA varicosa representa uma das principais complicações
da hipertensão portal. Naqueles casos em que a etiologia da
hipertensão portal é a cirrose hepática, o risco de mortalidade
é 20 a 40% em cada episódio. Nos casos de HDA não
varicosa, a mortalidade pode chegar a 10%6-10.
Devido à ausência de estudos sobre esse tema na região e
à magnitude da HDA (suas diversas etiologias, abordagens
terapêuticas e morbimortalidade), é importante estudar o
perfil clínico, epidemiológico e endoscópico dos pacientes
com HDA.
Neste estudo, buscou-se avaliar as características clínicas,
epidemiológicas e endoscópicas dos pacientes com HDA
submetidos à endoscopia digestiva alta (EDA) no Hospital
Nossa Senhora da Conceição, Tubarão – SC e, com isso, determinar as principais etiologias, mortalidade intra-hospitalar
e investigar possíveis fatores que possam contribuir para a
mortalidade nos casos de HDA.
Métodos
Estudo do tipo transversal realizado no Hospital Nossa
Senhora da Conceição de Tubarão, SC, durante o período
de janeiro a agosto de 2012. O projeto de pesquisa que
orientou a realização desse estudo foi submetido ao Comitê
de Ética em Pesquisa da Unisul e aprovado sob protocolo
nº 12.007.4.01.III.
Participaram do estudo todos os pacientes submetidos à
EDA devido ao episódio de HDA. A amostra foi obtida por
demanda e foram coletados os dados de cada paciente
pelos prontuários médicos e registrados em um formulário
construído especificamente para esta pesquisa, contendo as
variáveis de interesse. Foram incluídos no estudo os pacientes
com idade superior a 25 anos de idade, que representam
novas internações por HDA ou aqueles que apresentaram
HDA durante uma internação por outro motivo e que se
submeteram à EDA. As definições usadas no estudo são
apresentadas a seguir:
● HDA varicosa inclui os diagnósticos etiológicos: varizes
gástricas e varizes esofágicas e gastropatia da hipertensão
portal. HDA não varicosa inclui: úlcera péptica, esofagite ou
úlcera esofágica, gastrite ou duodenite hemorrágica, síndrome, lesão maligna e lesão Dieulafoy. Instabilidade hemodinâmica é definida como frequência cardíaca acima de 100
batimentos por minuto. Choque é definido como uma
pressão sanguínea sistólica menor que 90 mmHg11.
● Consumo excessivo de álcool é definido, conforme a
Organização Mundial da Saúde, em mais de 21 unidades por
semana para homens e mais de 14 unidades por semana
para mulheres; cada unidade de álcool corresponde a 10
gramas de álcool, assim 50 ml de cachaça correspondem
a 2,5 unidades; 350 ml de cerveja correspondem a 1,7
unidades12.
● Nos pacientes com HDA não varicosa aplica-se o escore
Rockall, calculado com base em dados clínicos e endoscópicos, e a classificação Forrest, a saber: sangramento ativo
definido pela presença de um vaso jorrando (Forrest Ia) ou
porejamento de sangue (Ib), sangramento recente definido
pela presença vaso visível não sangrante (IIa), um coágulo
na base da lesão (IIb) ou hematina na base da úlcera (IIc) e
sem hemorragia pela presença de lesão com base limpa, sem
evidência de sangramento (III)13.
Mortalidade intra-hospitalar é considerada como aquele
paciente que venha a falecer durante a internação hospitalar.
O formulário continha questões referentes a dados demográficos (idade, gênero, procedência), clínicos (manifestação
clínica, choque, episódio prévio, profilaxia secundária, uso
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):1-6
V. P. Leal, F. Bianchini, S. R. Totti
Os dados foram coletados em planilha própria e tabulados
no programa Epidata 3.1. Após tabulação foram transportados, armazenados e analisados no programa estatístico SPSS
18.0., sendo apresentados em números absolutos e proporções, e os dados quantitativos em medidas de tendência
central (média) e dispersão. A análise foi realizada pelo teste
de Qui-quadrado e teste t-student, conforme conveniência,
ambos com níveis de significância de 95%.
Resultados
No período do estudo foram registrados 60 casos de HDA,
quatro dos quais foram excluídos por falta de dados nos
prontuários e um por ter idade inferior a 25 anos, obtendo-se
assim uma amostra total de 55 pacientes. A idade média foi de
63,8 ± 12,47 anos. Quarenta e um pacientes (74,5%) eram do
sexo masculino.
A principal apresentação clínica foi melena, presente em 67,3%
dos pacientes, seguida por hematêmese (52,7%) e instabilidade
hemodinâmica (30,9%). A presença de choque durante o episódio
de HDA ocorreu em 16,4% dos pacientes. Doze pacientes (21,8%)
já haviam apresentado um episódio de HDA, a maioria destes não
varicosa (58,3%).Entre os pacientes da casuística, 21,8% usaram
algum anti-inflamatório não esteroidal, 34,5% anticoagulantes,
3,6% corticoesteroides e 16,4% faziam uso abusivo de álcool.
A frequência das comorbidades é apresentada na tabela 1.
A principal causa de HDA foi úlcera péptica (56,4%), seguida
por varizes esofágicas (20%), lesão de Dieulafoy (9,1%),
síndrome de Mallory-Weiss (7,3%), varizes gástricas (1,8%),
gastrite hemorrágica (1,8%) e outras causas (n=2), que foram:
duodenite hemorrágica e outro, cuja fonte do sangramento não
foi identificada na EDA.
Os pacientes que apresentaram HDA durante uma internação hospitalar por outro motivo totalizaram 20% (n=11). O
tempo médio de internação foi de 12,2 ±17,3 dias. O Escore de Rockall, aplicado a portadores de HDA não varicosa (43 pacientes, 78,18%), foi subdividido em classes
de pontuação: entre 3-5 pontos (41,9%, n=18), 6-8 pontos (39,5%, n=17) e menor que três pontos (18,6%, n=8).
A maioria dos pacientes não necessitou de tratamento
endoscópico (52,7%). A frequência dos tratamentos endoscópicos empregados é demonstrada na tabela 2.
Tabela 1: Frequência das comorbidades. Relação entre comorbidades com ressangramento intra-hospitalar e mortalidade.
Comorbidades
Frequência
n (%)
Risco de
ressangramento*
n (%)
Mortalidade**
n (%)
Diabetes mellitus
17 (30,9)
3 (17,6)
p=0,9
1 (5,9)
p=0,042
HAS
38 (69,1)
6 (15,8)
p=0,49
4 (10,5)
p=0,89
Cardíaca
23 (41,8)
3 (14,3)
p=0,55
2 (9,5)
p=0,79
Renais
5 (9,1)
1 (20)
p=0,91
2 (40)
p=0,029
Pneumológica
7 (12,7)
–
p=0,18
2 (28,6)
p=0,1
Cirrose
17 (30,9)
4 (23,5)
p=0,49
3 (17,6)
p=0,28
Neurológica
7 (12,7)
3 (37,5)
p=0,12
2 (25)
p=0,16
Coagulopatia
2 (3,6)
p=0,49
P=0,61
Neoplasia
maligna
4 (7,3)
1 (25)
p=0,71
1 (25)
P=0,34
3
Pós-IAM
8 (14,5)
p =0,14
1 (12,5)
p=0,87
Pós-AVC
3 (5,5)
p=0,4
1 (33,3)
p=0,2
33(1):1-6
de drogas e/ou medicações, comorbidades, tempo de internação, morte intra-hospitalar, ressangramento) e ainda
dados referentes à hemorragia (etiologia, Escore de Rockall,
classificação de Forrest) e ao tratamento (hemotransfusão,
drogas, tratamento endoscópico, cirurgia).
Total
55 (100)
*Número de pacientes com comorbidade específica que ressangraram.
**Número de pacientes com comorbidade específica que foi a óbito.
p = Qui-quadrado
Tabela 2. Tratamento endoscópico utilizado de acordo com a
causa da HDA.
Varicosa
Frequência
n
Ligadura
n (%)
Escleroterapia Não realizou
n (%)
n (%)
Varicosa
12
10 (83,3)
-
2 (16,6)
Varizes
esofágicas
11
10 (90,9)
-
1 (9,1)
Varizes
gástricas
1
-
-
1 (100)
Não
varicosa
43
2 (4,6)
14 (32,5)
27 (62,7)
Úlcera
péptica
31
-
9 (29)
22 (71)
MalloryWeiss
4
2 (50)
1 (25)
1 (25)
Dieulafoy
5
-
4 (80)
1 (20)
Gastrite
1
-
-
1 (100)
Outros
2
-
-
2 (100)
Total
55 (100)
12 (21,8)
14 (25,5)
29 (52,7)
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):1-6
Avaliação das características clínicas, epidemiológicas e endoscópicas dos pacientes
com hemorragia digestiva alta em um hospital do sul de Santa Catarina
Nos pacientes com HDA não varicosa, encontrou-se durante
a realização da EDA: (a) lesão com base limpa – classificação
de Forrest III (35%), seguido por (b) fundo de hematina –
Forrest IIc (20%), (c) vaso visível – Forrest IIa (20%), (d)
coágulo aderido à base – Forrest IIb (15%) (e) ativo em jato
Forrest Ia (5%) e (e) ativo em babação – Forrest Ib (5%).
Em nossa casuística, o total de pacientes com necessidade de
transfusão de hemoderivados devido à HDA foi: (a) concentrados de hemácias (76,4%, n=42), (b) plasma fresco congelado (7,3%, n=4) e (c) concentrado de plaquetas (1,8%,
n=1). Evidência clínica de ressangramento intra-hospitalar foi
relatada em 10 indivíduos (18,2%), após a primeira EDA e tratamento adequado. A mortalidade global intra-hospitalar foi de
10,9%, na HDA não varicosa, 7,27% e a varicosa, 3,63%. Não
houve associação entre a causa de HDA e óbitos (p=0,31).
33(1):1-6
4
Não houve associação significativa entre o índice de
ressagramento intra-hospitalar e o diagnóstico endoscópico
(36,4% nas HDA por varizes esofágicas, 25% nas por
síndrome de Mallory-Weiss e 16,1% naquelas por úlcera
péptica, p=0,588). Também não houve associação entre
pacientes já internados e a causa da HDA (p=0,325), bem
como pacientes já internados e ressangramento intrahospitalar (p=0,38). As associações entre as comorbidades
com ressangramento intra-hospitalar e mortalidade são
mostradas na tabela 1.
A associação entre a mortalidade com o diagnóstico
endoscópico é apresentada na tabela 3.
Tabela 3. Mortalidade de acordo com a causa da HDA
Causa da HDA
Mortalidade n (%)
Úlcera péptica (n=31)
1 (3,2)
Varizes gástricas (n=1)
-
Varizes esofágicas (n=11)
2 (18,2)
Síndrome de Mallory Weiss (n=4)
1 (25)
Lesão de Dieulafoy (n=5)
1 (25)
Gastrite hemorrágica (n=1)
-
Outros (n=2)
1 (50)
Total (n=55)
6 (10,9)
A relação entre mortalidade e o fato da HDA ocorrer em um
paciente já internado por outro motivo quase foi significativo
(p=0,052), com óbito de 50% nos já internados, enquanto
que aqueles cujo motivo da internação foi a própria HDA,
83,7% sobreviveram.
Houve associação significativa entre a causa da HDA e a
necessidade de transfusão de hemácias (p=0,042). Todos
pacientes com HDA por síndrome de Mallory-Weiss, lesão
de Dieulafoy e gastrite hemorrágica receberam concentrado
de hemácias, provavelmente pela baixa incidência destas
afecções, enquanto que 81,8% daqueles cuja causa da
hemorragia foi varizes esofágicas e 74,4% dos quais a causa
foi úlcera péptica necessitaram de transfusão. Não houve
relação significativa entre a necessidade de hemotransfusão
e mortalidade.
Não houve correlação entre o Escore de Rockall e a mortalidade (p=0,28). Observou-se maior taxa de óbitos (17,6%) nos
pacientes com pontuação entre 6-8, seguida pelos pacientes
com 3-5 pontos (mortalidade de 5,6%). A relação entre o
Escore de Rockall e a presença de ressangramento intrahospitalar quase foi significativa (p=0,057). Dos pacientes
com pontuação entre 6-8, 29,4% tiveram ressagramento.
Por sua vez, pacientes com 3-5 pontos apresentaram
ressangramento em 5,6% dos casos e nenhum paciente com
pontuação menor que três pontos ressangrou.
Não houve associação entre a classificação de Forrest e
mortalidade (p=0,332) ou ressagramento após adequado
tratamento endoscópico (p=0,183).
Observou-se uma associação entre a taxa de ressangramento intra-hospitalar e mortalidade (p=0,032). Os pacientes que ressangraram tiveram uma mortalidade de 30%. Entre os que não apresentaram ressangramento, por sua vez,
93,3% sobreviveram. O tempo de internação dos pacientes
que foram a óbito foi de 33,5 ± 26,2 dias e os que sobreviveram tiveram tempo de internação menor, com média de
9,6 ± 14,3 dias.
Discussão
O presente estudo foi realizado em um centro acadêmico do
sul de Santa Catarina, que centraliza o atendimento de 19 municípios da região e que possui equipe médica especializada
e equipamentos adequados para o atendimento do paciente
vítima de HDA, o que pode ser limitado em outras regiões do
Brasil. As características gerais da amostra estudada, como
idade e sexo, foram semelhantes aos relatos da literatura14-18,
geralmente pacientes idosos, sendo a maioria homens.
Cerca de um quinto dessa amostra já tivera um episódio
prévio de HDA, o que se aproximou a um estudo feito no
Brasil15 e de outro na Colômbia14.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):1-6
V. P. Leal, F. Bianchini, S. R. Totti
Dos pacientes que sofreram HDA, a maioria apresentava
comorbidades significativas. Aproximadamente um terço
possuía doença cardíaca ou cirrose, o que trazia um risco
elevado de morte. E cerca de 2/3 dos pacientes apresentavam
doenças crônicas como diabetes mellitus e hipertensão
arterial sistêmica, provavelmente devido ao fato da maioria
dos pacientes ser idosa.
Nesta casuística, houve significância estatística entre mortalidade e a presença de doenças renais – este dado se mantém
em concordância com a literatura23, confirmando desfechos
favoráveis em pacientes jovens e sem comorbidades. Nenhuma das comorbidades teve relação com maior risco de
ressangramento intra-hospitalar18.
Provavelmente nossa casuística divergiu desse resultado porque teve uma amostra pequena e avaliou as comorbidades
isoladamente. Poder-se-ia supor que a soma de múltiplas
comorbidades em um único paciente aumente sobremaneira o risco de morte e ressagramento. Estes dados orientam
na identificação dos pacientes com maior risco de desfecho
desfavorável.
A frequência na Escala de Rockall se assemelhou a um estudo
recente18, no qual a maioria dos pacientes tinha pontuação de
3 a 5 pontos. Era esperado haver forte correlação entre uma
maior pontuação no Escore de Rockall com ressangramento e
mortalidade intra-hospitalar, como demonstrada em diversos
estudos14,16,18.
como a lesão de base clara (III) e fundo hematínico (IIC) na
classificação de Forrest, descartando assim a necessidade
de tratamento endoscópico.
Em nossa pesquisa, nenhum caso necessitou de cirurgia, o
que sugere o uso efetivo de inibidores da bomba de prótons
precocemente e a eficácia da EDA diagnóstica e terapêutica,
deixando o tratamento cirúrgico como última opção1416,19,24,25
.
Ressangramento intra-hospitalar ou novo sangramento após
a primeira EDA e tratamento adequado foram superiores aos
estudos atuais18,26,27. Apesar do índice de ressangramento
intra-hospitalar ser maior em nossa pesquisa, a mortalidade
global situou-se em índice semelhante a estudos com
baixo ressangramento. Foi significativa a análise entre
ressangramento intra-hospitalar e mortalidade; os pacientes
que apresentaram sinais clínicos de ressangramento tiveram
maior índice de mortalidade (Razão de Prevalência=4,29).
A mortalidade global encontrada em nossa pesquisa, em torno
de 10%, mantém-se em concordância com a literatura14,18,22, 26,28,
porém em relação à HDA varicosa, a mortalidade foi inferior à
reportada em estudos atuais29,30.
Quase foi significativa a associação da mortalidade com o
fato do paciente já estar internado, associação significativa
em um estudo recente18. Dos pacientes que apresentaram
HDA durante a hospitalização, 50% foram a óbito, enquanto
os que internaram devido à HDA, menos de um quinto
morreram.
Possivelmente o paciente já internado possui maior risco de
morte devido à coexistência de doenças graves e idade mais
avançada. O tempo médio de internação dos pacientes que
foram a óbito foi muito maior (três vezes) do que os que
sobreviveram.
Entretanto, em nossa pesquisa, a relação com ressangramento
intra-hospitalar teve uma tendência a ser significativa e a
relação com mortalidade não foi significativa, apesar de os
pacientes com pontuações maiores irem mais a óbito e mais
ressangrarem. O número limitado de pacientes pode ter sido
responsável por essa falta de significância.
Comparações deste estudo com outros de cidades ou países
diferentes podem ser confundidas por alterações no tamanho da amostra, metodologia, critérios e definições utilizadas.
É difícil interpretar a relevância de alguns achados, pois o histórico sobre doenças prévias e o uso de medicações também
depende do esclarecimento dos pacientes e da disposição
dos profissionais em registrá-lo.
Em nossa amostra, todos os pacientes com manifestação
clínica de HDA foram submetidos à EDA, porém o tratamento
foi empregado em metade dos casos (52%), pois uma grande
parcela da amostra já apresentava lesões mais inocentes,
A gestão de HDA mudou claramente nas últimas décadas.
As mudanças mais significativas foram em relação à terapia
endoscópica e aos fármacos. Isso foi demonstrado durante a
pesquisa pela baixa necessidade de terapêutica cirúrgica.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):1-6
5
33(1):1-6
Da mesma forma que, em outras pesquisas14,15,18,19, o diagnóstico etiológico mais prevalente foi a úlcera péptica,
porém em nossa série esta proporção foi um pouco maior14,15,18,
provavelmente refletindo um uso prolongado, sem controle e inadequado de anti-inflamatórios não esteroidais. Em
nossa amostra, o uso desta classe de medicação foi um pouco maior que estudos atuais14,15,18, fato este que representa
um fator de risco bem estabelecido para HDA20,21.
Avaliação das características clínicas, epidemiológicas e endoscópicas dos pacientes
com hemorragia digestiva alta em um hospital do sul de Santa Catarina
Os avanços endoscópicos e farmacológicos ajudaram a
reduzir a taxa de mortalidade da HDA, doença que hoje
em dia pode ter desfecho desfavorável, principalmente em
pacientes idosos com comorbidades.
CONCLUSÃO
Fica claro pelos dados apresentados que a HDA é uma
emergência médica, com risco de vida. Nos últimos anos,
houve grandes avanços no manejo através da terapêutica
endoscópica, usada em metade dos nossos casos, a qual foi
o principal recurso responsável em diminuir a mortalidade,
ressagramento e necessidade de cirurgia. Torna-se evidente
em nosso estudo que assistência adequada aos episódios
de HDA diminui os desfechos desfavoráveis, reservando-os
para pacientes mais idosos e com múltiplas doenças.
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33(1):1-6
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GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):1-6
Artigo Original
Estudo prospectivo para tratamento de acalasia pela técnica de
miotomia endoscópica POEM (Peroral Endoscopic Myotomy)
Prospective study of POEM – Peroral Endoscopic Myotomy in the treatment of
esophageal achalasia
Caroline Josino Leonardi1, Marcelo Cury1
Resumo
Unitermos: POEM (Peroral Endoscopic Myotomy),
Acalasia, Miotomia a Heller Laparoscópica.
Summary
Peroral endoscopic myotomy (POEM) has recently
been described in humans as a treatment for achalasia.
This concept has evolved from developments in natural
orifice translumenal endoscopic surgery (NOTES) and
has the potential to become an important therapeutic
option. We describe our approach as well as our initial
clinical experience as part of an ongoing study treating
achalasia patients with POEM. Three patients with esophageal motility disorders were enrolled in and underwent
POEM. This completely endoscopic procedure involved
a mid esophageal mucosal incision, a submucosal tunnel
onto the gastric cardia, and selective division of the circular and sling fibers at the lower esophageal sphincter. The
mucosal entry was closed by conventional hemostatic
clips. All patients had postoperative esophagograms before discharge and initial clinical follow-up 3 weeks postoperatively. All (3 of 3) patients successfully underwent
POEM treatment. After the procedure, smooth passage
of the endoscope through the gastroesophageal junction was observed in all patients. Operative time ranged
from 120 to 240 minutes. No leaks were detected in the
swallow studies and mean length of stay was 4 days. No
clinical complications were observed, and at the initial
1. Residentes em Cirurgia Geral no Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul – Campo Grande MS. Endereço de correspondência: Caroline Josino Leonardi - Rua Hibiscos, 106 - Cidade Jardim - Campo Grande – MS - CEP: 79040-690/ email:
[email protected]. Recebido em: 03/01/2014. Aprovado em: 12/02/2014.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):7-13
7
33(1):7-13
Miotomia endoscópica por via oral (POEM) foi recentemente descrita em humanos como tratamento para a
acalasia. Este conceito tem evoluído a partir de desenvolvimentos na cirurgia endoscópica transluminal por
orifícios (NOTES) e com potencial para se tornar uma
importante opção terapêutica para o tratamento de megaesôfago. Neste estudo prospectivo descrevemos nossa abordagem com o POEM e a experiência inicial para
o tratamento de pacientes com acalasia. Três pacientes
com distúrbios da motilidade esofágica foram submetidos ao POEM. Este procedimento endoscópico consiste
em uma incisão na mucosa do esôfago, formando um túnel submucoso até cárdia para divisão seletiva das fibras
circulares do esfíncter inferior do esôfago (EIE). Essa
entrada na mucosa é fechada por clipes hemostáticos
endoscópicos. Todos os pacientes tiveram esofagogramas e manometrias esofágicas no pré e pós-operatório
para acompanhamento clínico, comparativo, em 3 meses.
Todos os três pacientes foram submetidos com sucesso
ao tratamento POEM, e a miotomia tinha um comprimento médio de 13 cm. O tempo operatório variou 115-120
minutos. A permanência no hospital foi de 4 dias. Nossa
experiência inicial com o procedimento POEM demonstra
sua segurança operacional, sendo considerados bons os
resultados clínicos iniciais. Embora os dados de avaliação
a longo prazo devam ser estudados, o POEM poderia se
tornar o tratamento de escolha para acalasia.
Estudo prospectivo para tratamento de acalasia pela técnica de miotomia
endoscópica POEM (Peroral Endoscopic Myotomy)
follow-up, all patients reported dysphagia relief without reflux
symptoms. Our initial experience with the POEM procedure
demonstrates its operative safety, and early clinical results
have shown good results. Although further evaluation and
long-term data are mandatory, POEM could become the treatment of choice for symptomatic achalasia.
Keywords: POEM (Peroral Endoscopic Myotomy),
Achalasia, Endoluminal Surgery, Heller Myotomy.
Introdução
Acalasia é uma desordem rara da motilidade esofágica,
que se caracteriza por relaxamento parcial ou ausente do
esfíncter inferior do esôfago (EIE) e/ou aperistalse do corpo
esofágico1. Os sintomas clínicos mais comuns são disfagia
progressiva, emagrecimento, regurgitação dos alimentos
não digeridos e dor retroesternal1,2.
33(1):7-13
8
Após a suspeita clínica, o diagnóstico é confirmado pela
manometria esofágica (ME), mas o exame radiológico de
esôfago contrastado (esofagograma) traz muitas informações importantes, como o grau de dilatação do esôfago –
megaesôfago, fundamental para o estadiamento da doença.
Quanto ao exame endoscópio de esôfago e estômago, além
de excluir as formas de pseudoacalasia, pode apresentar
boa correlação para classificar o megaesôfago na ausência
de disponibilidade de exame radiológico3.
Estudos da fisiopatologia da acalasia descrevem que a
lesão do plexo mioentérico ocorre mais intensamente nos
neurônios inibitórios, sendo os neurônios excitatórios lesados em graus variáveis de intensidade, o que provoca
variações na apresentação da doença motora do esôfago4.
Sendo assim, as modalidades de tratamento desta patologia
são baseadas em reduzir ou mesmo “parar” a tonia do EIE,
seja ela via endoscópica, laparoscópica ou farmacológica.
No entanto, as vantagens de cada opção de tratamento
devem ser individualizadas em cada paciente.
No tratamento farmacológico, os medicamentos (nitratos
e bloqueadores de canais de cálcio), atuam no relaxamento da musculatura lisa, diminuindo a pressão EIE. Porém
esse relaxamento não é satisfatório, desempenhando um
papel ineficaz no tratamento do megaesôfago6,7, com efeitos
colaterais pouco toleráveis, como dor de cabeça, tonturas e
edema de membros inferiores7.
O tratamento endoscópico com injeção de toxina botulínica
nas terminações nervosas das junções neuromusculares do
EIE faz uma desnervação química nos neurônios deste local,
reduzindo seu tônus6,7. Este tratamento produz respostas
imediatas com excelentes taxas de sucesso, aproximandose de 90%. No entanto, os resultados duram apenas 6-9
meses na maioria dos pacientes, e apenas metade deles se
beneficia por apenas 1 ano8.
A dilatação endoscópica (DE) produz bons resultados a
curto prazo9. No entanto, as investigações de acompanhamento a longo prazo em grande escala8,10 relataram
recorrência desfavorável dos sintomas clínicos, com a
necessidade de dilatações recorrentes.
Do ponto de vista cirúrgico, a Cardiomiotomia a Heller via
laparoscópica (CH) é considerada atualmente o tratamento
de escolha para acalasia. As revisões sistemáticas e metanálises, que compararam métodos de tratamento existentes
para acalasia, descobriram que a cirurgia é superior à
dilatação4,11. No entanto, o principal evento adverso após a
cirurgia é o refluxo grave, que hoje pode ser limitado com
a confecção de uma válvula através de uma fundoplicatura.
Porém, com o desenvolvimento do NOTES (Cirurgia
Endoscópica Transluminal por Orifícios), um novo método
endoscópico vem crescendo no tratamento da acalasia
e usa a divisão do esfíncter esofagiano inferior através da
mucosa esofágica para seu tratamento, designado Peroral
Endoscopic Myotomy (POEM). A técnica surgiu em 2007
com Pasricha et al.13 em um modelo animal, usando um túnel
na submucosa para a realização da miotomia. E, em 2010,
Inoue et al.14 relataram o primeiro estudo em seres humanos
em que se consagrou a técnica do POEM, com excelentes
resultados.
Objetivos
Os objetivos deste estudo piloto foram investigar a viabilidade
e segurança do POEM, e avaliar sua eficácia a curto prazo,
através de um escore de sintomas (Escore de Eckardt15)
já validado e da manometria esofágica (ME), no Setor de
Endoscopia do Hospital Regional do Mato Grosso do Sul
(HRMS).
Métodos
Estudo prospectivo longitudinal, envolvendo indivíduos
submetidos à miotomia endoscópica do EIE para tratamento
de acalasia. O procedimento foi realizado no dia 9 de outubro
de 2013 e os pacientes foram acompanhados por três meses
para controle dos sintomas e das pressões manométricas.
O estudo não apresenta conflito de interesse.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):7-13
C. J. Leonardi, M. Cury
Critérios de inclusão
Pacientes maiores de 18 anos portadores de acalasia,
confirmada por manometria esofágica (ME) e complementada com a realização de Esofagograma (EG) e Endoscopia
Digestiva Alta (EDA) para estadiamento, com ausência de
tratamento prévio.
Critérios de exclusão
Pacientes com: comorbidades em esôfago e estômago durante EDA e EG (esôfago de Barrett, estenose esofágica,
lesões esofágicas malignas e pré-malignas), doenças sistêmicas não controladas ou incapacitantante (pacientes com
risco ASA 3, 4 ou 5), ausência de consentimento informado,
cirurgias gástricas e/ou esofágicas prévias, coagulopatias,
gravidez e quaisquer terapia endoscópica anterior.
Avaliação da sintomatologia
Após a inclusão e revisão dos exames supracitados, os
pacientes foram estadiados quanto à classificação de
megaesôfago (Tabela 1) e pelo Escore de Eckardt15 que
avalia a gravidade dos sintomas de disfagia (Tabela 2).
Procedimento
Os pacientes foram internados para limpeza esofágica e
jejum, mantidos com dieta líquida sem resíduos 16 horas
antes do procedimento e em jejum absoluto 8 antes do
mesmo. Os antibióticos (ceftriaxone e metronidazol) foram
administrados na realização do procedimento e mantidos nos
5 dias de internação.
Tabela 2 - Escore de Eckardt. Quanto maior a pontuação
do escore, os sintomas são mais pronunciados. Escore < 3
define alívio dos sintomas após terapia.
Sintomas
Escore
Perda de
peso kg
Disfagia
Dor
retroesternal
Regurgitação
0
ausente
ausente
ausente
ausente
1
<5
eventual
eventual
eventual
2
5-10
diariamente
diariamente
diariamente
3
>10
cada refeição
cada refeição
cada refeição
Escore de Eckardt15
O POEM foi realizado no Setor de Endoscopia do Hospital
Regional do Mato Grosso do Sul, sob anestesia geral e a técnica foi realizada conforme descrito por Inoue et al 3. O endoscópio utilizado foi o aparelho padrão de visão frontal com
9 mm da marca Olympus e insuflação intermitente de dióxido
de carbono (CO2).
Após revisão esofagogástrica, realizou-se a ressecção da
mucosa esofágica, iniciando 10 cm antes da transição esofagogástrica. Esta foi precedida por injeção de uma solução
salina com azul de metileno na submucosa para, criando
bolha (figura 1), facilitar a incisão na mucosa e, subsequente,
tunelização da camada submucosa.
Figura 1 - Visão endoscópica da mucosa elevada esofágica
(“bolha”) e incisão na mucosa para permitir a inserção do
endoscópico para formação do túnel submucoso.
Tabela 1 - Classificação do megaesôfago por sinais radiológicos do esofagograma
Grau I
Esôfago de calibre normal (< 4 cm); retardo no
esvaziamento do esôfago e
retenção do contraste.
Grau II
Dilatação 4-7 cm; nível de bário, hipotonia do
EIE e ondas terciárias.
Grau III
Dilatação 7-10 cm; grande retenção de
contraste. Afilamento distal e Hipotonia do EIE.
Grau IV
Dilatação >10 cm; Dolicomegaesôfago.
Ultrapassa os limites do mediastino, invade
campos pulmonares e descansa sobre a cúpula
frênica esquerda.
Classificação de Resende e cols20
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):7-13
9
33(1):7-13
Ética
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do
Hospital Regional do Mato Grosso do Sul, protocolo para
pesquisa número 024/2013.
Estudo prospectivo para tratamento de acalasia pela técnica de miotomia
endoscópica POEM (Peroral Endoscopic Myotomy)
Durante todo o procedimento foi utilizado o eletrocautério da
marca ERBE. A incisão vertical sobre a bolha criada anteriormente na mucosa esofagiana foi de aproximadamente 1,5 cm
de comprimento e expôs a submucosa subjacente.
Figura 3- Visão endoscópica da miotomia; fibras musculares circulares do esôfago. A camada longitudinal
está intacta.
A partir deste ponto, inicia-se a dissecção em sentido distal de um túnel submucoso (figura 2), que afasta a camada
mucosa da camada muscular. Essa etapa é realizada cuidadosamente para evitar a lesão da mucosa adjacente e consequente perfuração esofágica.
Figura 2 - Visão endoscópica do túnel submucoso; camada
muscular do lado esquerdo, e mucosa do lado direito.
33(1):7-13
10
Figura 4 - Visão endoscópica do fechamento da incisão na mucosa esofágica com clipes endoscópicos.
Na medida em que a dissecção se aproxima da junção esofagogástrica, torna-se trabalhosa devido ao estreitamento local
(curvatura menor da cárdia). Terminada a realização do túnel
submucoso, inicia-se a miotomia das fibras circulares (figura 3).
Identificadas as fibras musculares circulares, a divisão ocorre de
maneira proximal para distal.
As fibras longitudinais são preservadas e, ao se observar fibras
musculares oblíquas (características da musculatura gástrica), a
miotomia progride por 3 cm da cárdia e tornando-se completa.
Após a miotomia, todo ar insuflado no túnel é aspirado,
colabando o túnel submucoso. A mucosa aberta é fechada
com aplicação de clipes endoscópicos (Endoclipes da
Olympus), conforme figura 4, e uma revisão na hemostasia
é realizada.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):7-13
C. J. Leonardi, M.Cury
A progressão da dieta foi de maneira gradual até uma dieta
regular a partir do quinto dia de procedimento. O inibidor
de bomba de prótons na dose plena via endovenoso na
internação foi realizado, e mantido por via oral até o retorno
em 3 meses.
Todos os pacientes foram agendados para uma visita de
acompanhamento aos 3 meses pós-POEM para revisão por
EDA, ME e avaliação dos sintomas baseados na escala de
Eckardt.
Gráfico 2 - Avaliação das pressões de repouso do esfíncter
esofagiano inferior (EIE) pré e pós-procedimento (3 meses)
35
30
25
20
15
10
5
Pré-procedimento
Pós-procedimento
Miotomia endoscópica
Gráfico de Wilcoson
Resultados
O POEM foi realizado em três pacientes (dois homens e 1
mulher), com idade média de 60 anos (faixa de idade de 5576 anos), que preencheram todos os critérios de inclusão.
O procedimento durou em média aproximadamente 117 min
(115-120), e o comprimento da miotomia foi de 13 cm.
O sucesso no tratamento foi definido por um Escore de
Eckardt < 3, alcançado em todos os pacientes já que a
mediana do escore era de 11 pontos (p=0,174) - Gráfico 1.
Gráfico 1 - Avaliação do escore de Eckardt15 pré e pósprocedimento (3 meses).
Tais sintomas foram facilmente controlados após o fechamento do túnel e revertidos com o término do procedimento
devido à facilidade com que o CO2 é rapidamente difundível.
Não foram observadas complicações.
Discussão
Este é o primeiro estudo prospectivo sobre a miotomia
endoscópica no estado de Mato Grosso do Sul. Nossa
experiência inicial demonstrou que o POEM é uma terapia
viável, segura e eficaz, merecendo consideração como um
tratamento primário para a acalasia.
14
12
10
Pressão de repouso
Todos foram submetidos ao procedimento descrito acima,
sendo que um paciente evoluiu com pneumomediastino.
Neste houve pequena instabilidade hemodinâmica durante
o procedimento.
8
A técnica do POEM foi baseada em um princípio semelhante
ao da Miotomia a Heller3,12. O tempo médio de procedimento
foi 117,0 minutos (115-120), semelhante ao relatado nos
estudos do Japão e Europa13,14.
6
4
2
0
Pré-procedimento
Pós-procedimento
Miotomia endoscópica
Gráfico de Wilcoson
Todos os pacientes obtiveram alívio da disfagia com melhora
significativa no Escore de Eckardt, realizado 3 meses após o
procedimento (Tabela 3). O alívio da disfagia é acompanhado
por uma melhora significativa nos resultados manométricos,
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):7-13
11
33(1):7-13
Permaneceram em jejum por 24h, seguido de esofagograma
(EG) para descartar qualquer extravasamento de contraste.
Excluído complicações, os pacientes se alimentaram com
dieta líquida restrita.
A manometria esofágica apresentou também um resultado
extremamente eficaz, já que a média das pressões iniciais do
EIE pré-POEM eram de 19,5 mmHG e pós-POEM foi de 8,9
mmHg (p=0,069) - Gráfico 2.
Escore de Eckardt
Após procedimento
Os pacientes foram extubados imediatamente após o término
do procedimento e, conforme recuperação anestésica, eles
foram encaminhados para a enfermaria do HRMS.
Estudo prospectivo para tratamento de acalasia pela técnica de miotomia
endoscópica POEM (Peroral Endoscopic Myotomy)
com redução substancial das pressões de relaxamento
do EIE (Tabela 3). Embora o tamanho da amostra não
seja suficiente para ver alguma diferença na resposta ao
tratamento entre os diferentes tipos de procedimento,
especulamos que POEM tem uma taxa de alívio da disfagia
comparável àquela com a Miotomia a Heller laparoscópica.
Esses mesmos resultados foram observados em outras
séries de estudos prospectivos 2,3,6,13-15.
Tabela 3 - Comparação dos escores de disfagia e valores
manométricos pré e pós (3 meses) POEM, em cada
paciente.
Caso I
Parâmetros
Pré-POEM
Pós-POEM
Eckhardt (0-12)
9
0
Pressão de repouso
do EIE ( mm hg)
(14-34)
17
8
Parâmetros
Pré-POEM
Pós-POEM
Eckardt (0-12)
11
0
Pressão de Repouso
no EIE ( mm hg)
(14-34)
10,5
4
Parâmetros
Pré-POEM
Pós-POEM
Eckardt (0-12)
12
1
Pressão de repouso
do EIE ( mm hg)
(14-34)
31
14,7
Caso II
33(1):7-13
12
Caso III
Os pacientes queixaram-se de dor retroesternal significativa
no 1º dia após procedimento, causada provavelmente pela
esofagomiotomia intratorácica. Esse sintoma foi verificado
em outro estudo também16.
A extensão da miotomia endoscópica foi de 10 cm, o que
é maior que os 7 cm da miotomia cirúrgica. O Consenso
de Kagoshima para acalasia recomendou que a miotomia
cirúrgica se estenda 4-5 cm no esôfago e de 2-3 cm para
o estômago16,18. A miotomia mais curta ou miotomia sem
extensão para cárdia gástrica pode resultar em recidiva
precoce da disfagia18.
O comprimento ideal de miotomia após POEM ainda é
discutível, mas uma extensa miotomia para o procedimento
teve como objetivo garantir o alívio sintomático adequado16.
Estudos mostraram que a DRGE após a Miotomia a Heller
Laparoscópica poderia se desenvolver em até 60% dos
pacientes19.
Atualmente, a Sociedade Americana de Cirurgiões Gastrointestinais e Endoscópicas recomendou a realização de um
procedimento antirrefluxo após a MHL17. Este procedimento não é possível com as técnicas atuais de POEM, mas a
integridade dos mecanismos naturais antirrefluxo em torno
da JGE é importante para prevenir o refluxo. Tais mecanismos não são interrompidos no POEM diferentemente do que
ocorre na MHL. Isso poderia ser uma das razões para a baixa incidência de DRGE nesse procedimento endoscópico.
Portanto, o acompanhamento clínico destes pacientes é essencial para avaliar o risco de longo prazo da DRGE após
POEM. Estes primeiros resultados parecem comparáveis
à Miotomia a Heller, entretanto deve ser confirmada por
períodos de seguimentos mais longos, ainda não presentes
na literatura.
Os dados atuais, incluindo o nosso, indicam claramente
a segurança do procedimento. O único evento adverso
de relevância clínica observada em nossa série foi o
desenvolvimento de um pneumomediastino em um (1)
paciente.
Mas não houve consequências pós-operatórias desta
complicação. Inoue et al. descreveu esta ocorrência, bem
como em 10% de sua série mais recente de mais de
100 pacientes, e teorizou que poderia ocorrer devido à
permeação de gás através das fibras musculares longitudinais
do esôfago14.
Além disso, houve uma melhoria significativa na qualidade
de vida após 4 meses de POEM, especialmente para o
domínio da saúde mental. Isso pode estar relacionado ao
constrangimento social e incapacidade induzida por disfagia
que limita a alimentação.
Nossos resultados mostram que o POEM parece ser um
tratamento altamente eficaz para acalasia, resultando em uma
taxa a curto prazo de 100%, com melhora significativa na
pontuação dos sintomas (Escala de Eckardt) e manometria,
os mesmos reproduzidos no grupo japonês14 e em centros
europeus13.
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GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):7-13
13
33(1):7-13
Referências
Artigo Original
Abordagem endoscópica do Divertículo de Zenker
Endoscopic approach for Zenker’s Diverticulum
Hunaldo Lima de Menezes1, Ricardo Ferreira de Lira2, Paula Nathany Ferreira Lira2, Karen Peixoto Cabús2
Resumo
33(1):14-17
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Keywords: Zenker’s Diverticulum, dysphagia, endoscopy.
O Divertículo de Zenker (DZ) é o mais comum dos
divertículos do esôfago. Consiste numa desordem rara
caracterizada pela protrusão da hipofaringe posterior
numa região de fragilidade anatômica. É uma doença
do idoso, do sexo masculino que tem, como principal
sintoma, a disfagia e possui tratamento essencialmente
cirúrgico. O objetivo deste estudo é relatar quatro casos
clínicos de divertículo de Zenker com enfoque para o
tratamento endoscópico dessa afecção, demonstrando
as principais vantagens desse procedimento em relação
às técnicas de cirurgia aberta.
Unitermos: Divertículo de Zenker, Disfagia, Endoscopia.
Summary
Zenker’s diverticulum is the most co mmon esophageal diverticula. It is a rare disorder characterized by the protrusion of the
posterior hypopharynx in an anatomic weak region. It is a male,
elderly disease whose main symptom is dysphagia and it has
surgical treatment essentialy. The aim of this study is to report
four clinical cases of Zenker’s diverticulum focusing on endoscopic management of this problem, showing the main advantages of this procedure compared to open surgery techniques.
Introdução
O Divertículo de Zenker (DZ) ou divertículo faringoesofagiano é uma desordem rara com uma incidência
anual estimada em 2:100.0001. Caracteriza-se pela
protrusão da hipofaringe posterior entre as fibras do
músculo constritor faríngeo inferior e as fibras transversas
do músculo cricofaríngeo2 em uma região de fragilidade
anatômica, denominada triângulo de Killian3. O DZ é
caracterizado como um pseudodivertículo isto porque
não acomete todas as camadas do esôfago, apenas a
mucosa e a submucosa4.
O DZ é mais comum em homens numa proporção de 4:1
e ocorre na faixa etária compreendida entre a sétima e
oitava décadas de vida, sendo raro antes dos quarenta
anos 5,6. Sua fisiopatologia ainda não está esclarecida1.
As primeiras explicações estão relacionadas à incoordenação entre a contração faríngea e o relaxamento do
esfíncter superior do esôfago1,2,7. Pesquisas sugerem que
o aumento da pressão na hipofaringe durante a deglutição estaria envolvido na patogênese do divertículo2. A
principal manifestação clínica é a disfagia alta que, no início,
é intermitente, progredindo lentamente7. Conforme aumenta
1. Professor da Disciplina de Sistema Digestório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil. 2. Acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil. Endereço para correspondência: Ricardo Ferreira
de Lira - Av. Durval de Góes Monteiro - Cond. Village Planalto, 4229 - Quadra A - Casa 135 - CEP: 57061-290 - Tabuleiro dos Martins – Maceió –
Alagoas - Brasil/ e-mail: [email protected]. Recebido em: 14/12/2013 Aprovado em:.13/02/2014.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):14-17
H. L. de Menezes, R. F. de Lira, P. N. F. Lira, K. P. Cabús
O diagnóstico é estabelecido pela anamnese, exame físico e
radiografia contrastada do esôfago. A endoscopia digestiva
alta também revela essa afecção, embora o estudo radiológico
seja frequentemente suficiente6,7.
O tratamento é cirúrgico7 e várias abordagens foram desenlvolvidas, incluindo diverticulectomia e diverticulopexia
transcervical, com ou sem miotomia do músculo cricofaríngeo,
bem como as técnicas minimamente invasivas utilizando
diverticulectomia endoscópica10 que, nos últimos anos, têm
se tornado o procedimento de escolha em virtude de sua
baixa morbidade.
O objetivo deste estudo é relatar quatro casos clínicos de DZ
com enfoque para o tratamento endoscópico desta afecção.
O segundo caso se refere a um paciente de 72 anos, sexo
feminino, com quadro de engasgo, halitose e disfagia crônica.
A endoscopia digestiva alta mostrou saco diverticular de
2,5 cm.
O terceiro caso é de um paciente de 85 anos, sexo masculino,
com disfagia cervical e pneumonia de repetição. O exame
endoscópico demonstrou um divertículo de 3,0 cm.
O quarto relato é de um paciente de 89 anos, sexo masculino,
queixando-se de odinofagia e perda de peso. Foi solicitada
endoscopia digestiva alta que demonstrou um divertículo
faringoesofageano de 5,0 cm.
Todos os pacientes foram submetidos à diverticulectomia
endoscópica com anestesia geral, em centro cirúrgico, utilizando cateter tipo faca, conectado a bisturi elétrico com
corrente de corte, com secção total do septo diverticular,
seguida da passagem de sonda nasoenteral para alimentação,
permanecendo até deglutição indolor no 5° dia (Figuras 2 e 3).
Figura 2 - Diverticulectomia endoscópica.
Relato de casos
O primeiro caso trata de um paciente idoso de 76 anos, sexo
masculino, com diagnóstico prévio de Doença de Parkinson
há um ano, apresentando quadro de disfagia cervical, tosse
e perda de peso há seis meses. Foi realizada endoscopia
digestiva alta que revelou divertículo faringoesofágico com
saco diverticular de 2,0 cm (Figura 1).
Figura 1: Divertículo de Zenker demonstrado na endoscopia
digestiva alta.
15
33(1):7-13
a gravidade da doença, outros sintomas são relatados: regurgitação de alimentos não digeridos, aspiração, deglutição ruidosa,
halitose, alterações da voz, dor retroesternal e surgimento de
uma massa em região cervical4. É comum a perda de peso nesses indivíduos8. A complicação mais frequente é a pneumonia
aspirativa, mas também podem ocorrer perfuração, sangramento e desenvolvimento de carcinoma9.
Figura 3: Resultado final da diverticulectomia endoscópica.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):14-17
Abordagem endoscópica do Divertículo de Zenker
No seguimento, todos os pacientes foram submetidos a
controle endoscópico e radiológico com seis e doze meses,
que demonstraram o sucesso do tratamento endoscópico
(Figura 4).
Figura 4: Endoscopia digestiva alta realizada no controle
após 12 meses do procedimento.
riscos4, constituindo qualidades significativas, uma vez que
são pacientes idosos que possuem condições clínicas desfavoráveis9. No entanto, nem todos os pacientes podem ser
tratados por endoscopia.
As contraindicações para a abordagem endoscópica estão
relacionadas com o tamanho do divertículo, sendo preferencialmente indicada a diverticulectomia endoscópica para divertículos com diâmetro entre 2 a 5 cm3.
A incidência de complicações relacionadas ao procedimento
endoscópico na literatura é menor de 10%, e as possíveis
complicações consistem em formação de fístulas, infecção do
mediastino, lesão do nervo laríngeo recorrente, hemorragia e
perfuração4.
Em estudo retrospectivo de Gutschow et al., que avaliaram os
resultados de seis diferentes técnicas, incluindo cirurgias abertas
e procedimentos endoscópicos, as técnicas transcervicais
resultaram em melhor alívio sintomático, principalmente em
pacientes com divertículos pequenos.
33(1):14-17
16
Discussão
Com os avanços da medicina, a expectativa de vida está
aumentando progressivamente e as doenças dos idosos estão se tornando mais prevalentes3. O DZ é o mais comum
entre todos os divertículos esofagianos, representando 75%
deles. Nos portadores de disfagia, sua incidência é de 1,8%,
o que representa 0,11% de 20.000 estudos radiológicos do
esôfago e 4% dos doentes com afecção do esôfago 5,11.
Pelo pequeno desconforto que o paciente apresenta no início do quadro, geralmente procura o serviço médico já com
divertículos de médio a grande volume12. Como o principal
sintoma é disfagia e o acometimento se dá predominante
em idosos, outras afecções devem ser investigadas no diagnóstico diferencial: neoplasias, hérnia hiatal, megaesôfago,
estenose esofágica péptica ou química e doença do refluxo
gastroesofágico10.
Os autores que preconizam a abordagem endoscópica do
DZ afirmam que o procedimento é vantajoso por ser minimamente invasivo e estar associado a tempos cirúrgicos
mais curtos, recuperação pós-operatória mais rápida, início
precoce da ingesta oral, menos complicações e menores
Saeti et al. referem que, em 37% de seus pacientes submetidos ao procedimento endoscópico, houve necessidade de
um segunda abordagem, fato que torna o procedimento mais
oneroso que o cirúrgico8. Por outro lado, U mmels et al. referemse ao procedimento endoscópico como o “padrão ouro” para
o tratamento do DZ3. Van Overbeek relata os resultados do
tratamento endoscópico com 545 pacientes ao longo de trinta
anos, obtendo melhora satisfatória da disfagia em 91% deles,
com taxas de complicações muito baixas13.
Apesar de o tratamento endoscópico ser preconizado por
muitos autores, ainda não há evidências de que essa abordagem seja melhor que a cirurgia aberta. Os tratamentos
endoscópico e cirúrgico do DZ têm resultados comparáveis
para segurança e efetividade e a pesquisa cirúrgica sobre o
DZ necessita de trabalhos que propiciem um maior nível de
evidências3.
Conclusão
A presença de DZ deve ser sempre cogitada em paciente
idoso com disfagia cervical e, mesmo tratando-se de doença
pouco frequente, é importante conhecer seus sinais e
sintomas e diagnosticá-la no início, evitando complicações.
A decisão de que tipo de tratamento melhor se aplica a cada
paciente com DZ deverá considerar principalmente a experiência local, o risco cirúrgico do paciente e o tamanho do
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H. L. de Menezes, R. F. de Lira, P. N. F. Lira, K. P. Cabús
divertículo. Em nossa casuística, o procedimento endoscópico demonstrou baixa morbidade, segurança e efetividade,
evitando a necessidade de cirurgia aberta e mostrandose uma excelente ferramenta no tratamento dos divertículos
faringoesofagianos.
Referências
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Relato de Caso
Nesidioblastose do adulto: relato de caso
Adult nesidioblastosis: case report
Francisco Antônio Araújo de Oliveira¹, José Erialdo da Silva Júnior²
Resumo
33(1):18-20
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Em 1938, Laidlaw utilizou o termo nesidioblastose
referindo-se a uma neodiferenciação das ilhas beta de
Langerhans, originada do epitélio dos conductos pancreáticos1. Suas consequências clínicas são decorrentes dos
efeitos da hipoglicemia sintomática: lipotimias, convulsões
e até coma metabólico. A enfermidade é comum em neonatos com hipoglicemias persistentes, mas rara em adultos. Apresentamos um caso em paciente do sexo masculino, reportando a contribuição da ecoendoscopia para o
diagnóstico e tratamento.
Unitermos: Nesidioblastose, Hipoglicemia Sintomática.
Summary
In 1938, Laidlaw first described nesidioblastosis, as Langerhans islets differenciation, arising by pancreatic ducts.
Clinical consequences are result of symptomatic hypoglycemia effects, like: lipothymy, loss of consciousness
or even metabolic coma. The pathology is co mmon in
infants with persistent hypoglycemia, but rare in adults.
We describe a case in a 63 years old man, reporting
the contribution of endosonograpy for diagnosis and
treatment.
Keywords: Nesidioblastosis, Symptomatic Hypoglycemia.
Introdução
Hipoglicemia secundária à nesidioblastose é rara em
adultos, e sua patogênese continua desconhecida2. Sinais
incluem hipoglicemias crônicas e recorrentes, geralmente
acompanhadas de sintomas neurológicos. Apresentamos
o caso de um paciente do sexo masculino de 63 anos,
com hipoglicemias de repetição (30mg/dl), lipotimias e
convulsões. Através da ecoendoscopia, foi visualizada lesão em corpo pancreático compatível com insulinoma.
Após ressecção cirúrgica e breve período assintomático,
evoluiu com nova queda dos níveis glicêmicos. Em novo
estudo endossonográfico com punção aspirativa com
agulha fina, foi identificada área de hiperplasia e hipertrofia de células beta no remanescente pancreático pela
análise citopatológica. A este acometimento da glândula
pancreática, denominamos nesidioblastose.
Relato de Caso
Homem de 63 anos iniciou quadro de hipoglicemias sintomáticas em novembro de 2010 (28-30mg/dl),
apresentando turvação visual, lipotímias e síncopes
frequentes, que eram revertidas após infusão venosa de
glicose hipertônica.
Realizou ultrassom de abdome, tomografia e
ressonância magnética, não sendo encontradas
lesões pancreáticas. Não havia lesões intracranianas.
Foi encaminhado à ecoendoscopia, a qual identificou
lesão hipoecogênica homogênea, medindo 6,9 mm x 6,1
mm, na transição corpo/cauda pancreática (Figura 1).
Considerando a alta probabilidade de tratar-se de
insulinoma, o paciente foi encaminhado à cirurgia,
sem necessidade de punção ecoguiada. A análise do
produto de pancreatectomia corpo/caudal evidenciou
tumor neuroendócrino bem diferenciado de 0,7 cm, sem
invasão vascular, com margens livres, coloração positiva
para keratina e cromogranina, compatível com insulinoma
(Figura 2).
1. Membro Titular da SOBED, Endoscopista Assistente e Preceptor da Residência Médica de Endoscopia do Hospital Geral de Fortaleza e
Clínica Endodiagnose do Hospital São Camilo – Fortaleza - CE. 2. Cirurgião Oncológico do Hospital São Camilo – Fortaleza – CE. Endereço para
correspondência: Francisco Antônio Araújo Oliveira - Avenida Rui Barbosa, 880 – apto. 302 - Bairro Meireles – Fortaleza – Ceará - CEP: 60.115220/ e-mail: [email protected]. Recebido em: 15/09/2013. Aprovado em: 20/10/2013.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):18-20
F. A. A. de Oliveira, J. E. da Silva Jr.
Figura 3: Punção ecoguiada (22 G) e injeção de
corante intralesional (EUS-FNT).
A coloração pelo método HE mostrou epitélio acinar e ductal,
com raras mitoses, sendo, portanto, suspeito para neoplasia. Entretanto, as colorações para keratina e cromogranina
foram negativas, não configurando tumor neuroendócrino.
O paciente foi novamente encaminhado à cirurgia, realizando
ultrassom transoperatório, guiado pelo corante (Figura 4.),
com enucleação da lesão em processo uncinado.
Figura 2: Coloração positiva para keratina.
Permaneceu assintomático por 1 ano e 2 meses. Novamente,
apresentou episódios de hipoglicemia sintomática, com níveis
de 30mg/dl. Realizou TC de abdome, RNM e octreoscan para
estudo detalhado da cabeça pancreática (remanescente póscirúrgico), não sendo encontradas novas lesões.
Figura 4: Ultrassom intraoperatório guiado por corante.
Em novo estudo endossonográfico, foi identificada lesão
hipoecogênica homogênea, medindo 5,8 mm, em periferia
do processo uncinado. Diante do encontrado, alguns
questionamentos foram levantados, tais como: seria possível
uma lesão tão pequena produzir hipoglicemia sintomática?
Qual conduta tomaríamos frente a esta nova lesão?
Após discutirmos com a equipe assistente, optamos realizar
punção aspirativa com agulha fina (EUS-FNA) e coloração
da lesão (EUS-FNT), no sentido de facilitar a enucleação
cirúrgica. Utilizando agulha 22 G, foram preparadas lâminas
para citologia e “cell block” para estudo histopatológico.
Além disso, injetamos 1,0ml de tinta-da-China intralesional
(Figura 3). Não houve incidentes imediatos.
O estudo anatomopatológico revelou ausência de lesões
tumorais (keratina e cromogranina negativas); no entanto,
havia quadro de hiperplasia e hipertrofia de ilhas beta do
tecido pancreático, quadro esse denominado nesidioblastose.
Houve melhora imediata dos níveis glicêmicos. O paciente
encontra-se assintomático até a presente data.
Discussão
Existem poucas séries de casos de nesidioblastose, sendo
a maioria dos reportes em forma de relato de caso. Apesar
de rara, a nesidioblastose deve ser considerada frente a
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):18-20
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33(1):18-20
Figura 1: Ecoendoscopia setorial, evidenciando lesão
hipoecoica bem delimitada de 6,9 mm na transição
corpo/cauda, compatível com insulinoma.
Nesidioblastose do adulto: relato de caso
um caso de hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente no
adulto (HHP). Deve-se investigar, inicialmente, insulinoma
e hipoglicemia factícia, já que essas são as causas mais
frequentes3. No adulto, essa síndrome é rara, sendo causa
de quadro clínico e laboratorial idêntico ao insulinoma, mas
sem existir essa formação tumoral.
Patologicamente, a HHP foi associada à existência de alterações focais ou difusas do tecido pancreático, como a nesidioblastose. Há autores que incluem neste termo alterações
histológicas, que vão desde uma proliferação difusa e desorganizada de células das ilhotas pancreáticas, até variantes
do normal, passando por hiperplasia (Figura 5), hipertrofia,
microadenomatose e adenomatose focal das ilhotas4.
evitando lesões nos ductos biliar e pancreático5. Aspectos
sonográficos incluem hipoecogenicidade, padrão homogêneo e ausência de cápsula.
Com o grande número de cirurgias bariátricas realizadas
nos tempos atuais, surgem as primeiras séries de casos de
hipoglicemias não insulinomatosas nesse grupo específico.
Inicialmente, todos são tratados de forma sintomática,
com infusão de glicose, bloqueadores de canais de cálcio,
diazóxido ou octreotídeo.
Com a persistência do quadro, a nesidioblastose deve ser
aventada. Secreção aumentada de peptídeo glucagonlike tipo 1 e diminuição dos níveis de grelina estão sendo
implicados na hipertrofia das células beta em pacientes
submetidos à cirurgia bariátrica6.
O tratamento definitivo da nesidioblastose é difícil, havendo alta possibilidade de recidivas após pancreatectomias
parciais. Hipoglicemias recorrentes após ressecção de 70%
do pâncreas podem indicar a possibilidade de coexistência
de hiperplasia das ilhas beta no remanescente pancreático7.
33(1):18-20
20
Referências
Figura 5: Análise anatomopatológica revelando hiperplasia e hipertrofia das ilhas beta do parênquima pancreático
(áreas brancas), configurando quadro de nesidioblastose.
Métodos de imagem como ultrassonografia, tomografia e
ressonância magnética podem contribuir para o diagnóstico
de insulinomas, mas são inúteis no diagnóstico da nesidioblastose.
A ecoendoscopia assumiu papel fundamental no diagnóstico
e planejamento da terapêutica por possibilitar a visualização
de diminutas lesões, definir seu aspecto histológico através
da punção ecoguiada e a demarcação para facilitar a cirurgia,
evitando grandes ressecções.
Entretanto, mesmo com o auxílio da ecoendoscopia, a ultrassonografia transoperatória costuma ser necessária para visualizar o foco da doença, especialmente na faixa pediátrica,
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Relato de Caso
Linfangioma perianal: relato de caso
Perianal lymphangioma: case report
Rodrigo Ciotola Bruno1, Marcos Ednelson Garcia Bello2, Márcia Lanzoni de Alvarenga3, Maria Auxiliadora Prolungatti
Cesar4, Luiz Arnaldo Szutan5
Introdução
O linfangioma é um tumor benigno que pode se desenvolver em qualquer região do corpo, uma vez que se origina de lesão dos vasos linfáticos. A apresentação perianal
deste tipo de tumor é rara. O histórico do paciente e o exame físico nos levaram a suspeitar do tumor e identificá-lo.
Este relato de caso envolve um paciente do sexo masculino com histórico de tumor que pode ser encontrado na
região perineal. O tratamento escolhido foi cirurgia e o
diagnóstico definitivo dado pelo patologista.
O linfangioma é um tumor benigno dos vasos linfáticos
que pode aparecer principalmente na cabeça, pescoço,
axilas, tronco e tecidos viscerais1. No entanto, a apresentação perineal deste tipo de tumor é rara e caracterizada por lesões pedunculadas, nódulos subcutâneos ou
massas acinzentadas compressíveis e bem definidas1-3.
A literatura relata que o tumor pode ser congênito ou
adquirido. Relatamos um caso de linfangioma perianal
com ênfase no tratamento cirúrgico, pois este tipo de
tumor possui potencial maligno1.
Unitermos: Doenças do Ânus, Cirurgia Colorretal e
Períneo.
Summary
Lymphangioma is a benign tumor that can develop
anywhere on the body, since it is derived from a lesion of
the lymphatic vessels. Perianal presentation of this kind of
tumor is rare. Patient history and a physical examination
led us to suspect and identify the tumor. This case report
is about a male patient with a history of a tumor that can
be found throughout the perineal area. The treatment of
choice is surgery and definitive diagnosis is given by the
pathologist.
Keywords: Anus diseases, Colorectal Surgery and
Perineum.
Relato de caso
Paciente I.A.R., do sexo masculino, 36 anos de idade,
natural de São José dos Campos, estado de São Paulo.
Durante três anos, o paciente sentia dor no reto ao final
da evacuação, além da verificação de sangramento e do
aumento gradual de um tumor na região perianal direita.
Com o aumento da dor durante a evacuação, houve a
ocorrência de febre que levou o paciente a buscar auxílio
médico no Hospital da Universidade de Taubaté.
O paciente foi submetido a exame proctológico completo
que revelou dois pólipos anais, um anterior, associado
a uma fístula anorretal superficial, e outro posterior. O
exame também detectou lesões verrucosas coalescentes,
que mediam entre 1 e 5 mm em área de 2x8 cm da região
1. Médico Cirurgião Geral e Coloproctologista do Hospital Vivalle Rede D’or São Luiz e Mestre em Cirurgia Geral pela Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo. 2. Médico Cirurgião Geral. 3. Patologista no Hospital da Universidade de Taubaté e Professora Assistente
no Hospital da Universidade de Taubaté. 4. Mestre e Doutora pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Professora
Assistente na Universidade de Taubaté. 5. Mestre e Doutor pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Professor Assistente
na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Endereço para correspondência: Rodrigo Ciotola Bruno - Praça Cândida M.
Cesar Sawaia Giana, 02 - Vila Ady’ana - São José dos Campos – SP - CEP: 12243-003 /e-mail: [email protected]. Recebido em: 16/09/2013.
Aprovado em: 23/10/2013.
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Resumo
Linfangioma perianal: relato de caso
perianal direita, a cerca de 6 cm da extremidade do ânus. Pelo
exame retal detectou-se esfíncter hipertônico, com mucosa
regular, uniforme, sem lesões ou inchaço palpável (figura 1).
Resultado da anuscopia: mucosa intacta sem tumores visíveis
e hemorroida interna (grau II), anterior e posterior, lados
direito e esquerdo. Papila hipertrófica na região posterior.
Discussão de caso
O linfangioma é um tumor benigno dos vasos linfáticos, na
maioria das vezes congênito, que pode afetar o pescoço, o
ombro, as axilas e, mais raramente, o períneo1,e que pode ser
classificado2 como: microcístico (caso do nosso paciente e
tipo mais comum)3, macrocístico ou higroma cístico.
Os sintomas são não específicos e podem se manifestar na
forma de inchaço, encolhimento ou deformidade do sacro ou
região do períneo, como abscessos ou fístula recorrente e
processos de fistulização, como neste caso2. Podem também
se confundir com outras enfermidades, como a herpes zoster,
e podem provocar a compressão das estruturas adjacentes1.
As complicações mais comuns são o sangramento intralesional e a infecção do conteúdo linfático. A literatura recente
não recomenda a biópsia devido ao risco de infecção e malignidade2.
33(1):21-22
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Figura 1: Pólipos anais de lesões perianais verrucosas
(linfangioma).
O procedimento cirúrgico corrigiu a fístula anorretal superficial
e extirpou os pólipos e as lesões perianais do lado direito. Não
houve complicações. O paciente recebeu alta no primeiro dia
após a operação para acompanhamento ambulatorial.
A imagem histopatológica mostra a pele com capilares linfáticos
proliferados e dilatados na derme superficial (Figura 2).
O tratamento se baseia na escleroterapia ou ressecção
cirúrgica do tumor. A escleroterapia objetiva destruir o
endotélio, resultando na obliteração e fibrose dos canais
linfáticos superficiais e profundos. As substâncias mais
comumente utilizadas são o etanol, o Ethibloc e o OK-432 2,4.
O tratamento cirúrgico é considerado referência. A
ressecção deve ser concluída quando possível e deve incluir
a cisterna profunda do tumor. A taxa de recorrência é de
40% para extirpação incompleta e de 17% para a extirpação
macroscopicamente completa do linfangioma1,4. Não se
recomenda a radioterapia3.
No caso relatado, a extirpação foi completa, com uma
margem de segurança. Durante o tratamento ambulatorial,
não se observou recorrência ou desenvolvimento de outros
tumores até o presente.
Referências
Figura 2: Slide do tumor verrucoso com coloração de
hematoxilina e eosina, ampliado 400 vezes.
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GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):21-22
Relato de Caso
Abscesso hepático por Klebsiella pneumoniae e suas
complicações sistêmicas
Liver abscess by Klebsiella pneumoniae and its systemic complications
Rodrigo Ciotola Bruno1, Marcos Ednelson Garcia Bello2, Márcia Lanzoni de Alvarenga3, Maria Auxiliadora Prolungatti
Cesar4, Luiz Arnaldo Szutan5
Abscesso hepático por Klebsiella pneumoniae é incomum em países ocidentais e tem sido associado a complicações severas, sobretudo em pacientes diabéticos.
A manifestação clínico-laboratorial da doença é inespecífica. Endoftalmite é uma rara complicação de septicemia por Klebsiella pneumoniae. Atraso terapêutico pode
resultar em perda visual acentuada e irreversível.
Relatamos um caso de abscesso hepático por Klebsiella
pneumoniae complicado com endoftalmite, embolia pulmonar séptica e endocardite em homem diabético.
Unitermos: Abscesso Hepático Piogênico, Klebsiella
pneumoniae, Sepse, Endoftalmite, Drenagem Percutânea,
Drenagem Cirúrgica, Diabetes.
Summary
Klebsiella pneumoniae liver abscess is unco mmon in western countries and has been associated with severe complications, especially in diabetic patients. The clinical and
laboratory manifestations of the disease are nonspecific.
Endophthalmitis is a rare complication of septicemia due
to Klebsiella pneumoniae. Therapeutic delay can result in
severe and irreversible visual loss. We report a case of
Klebsiella pneumoniae liver abscess complicated by endophthalmitis, septic pulmonary emboli and endocarditis
in diabetic man.
Keywords: Pyogenic Liver Abscess, Klebsiella pneumoniae, Sepsis, Endophthalmitis, Percutaneous Drainage,
Surgical Drainage, Diabetes.
Introdução
Abscesso hepático piogênico (AHP) é uma infecção
intra-abdominal rara em países ocidentais1. Escherichia
coli tem sido o patógeno mais isolado em AHP, correspondendo de 35% a 45% dos casos registrados ao redor
do mundo1-3. Entretanto, nas últimas 3 décadas, AHP por
Klebsiella pneumoniae (Kp) tem emergido como problema global1,2.
Klebsiella pneumoniae sorotipo K1 (Kp K1) possui alta
virulência3 e tem sido significativamente associada a
complicações por AHP, tais como sepse, endoftalmite,
meningite, fasciíte necrotizante, abscesso cerebral, embolia pulmonar séptica e empiema4-7.
A taxa de disseminação da infecção por Kp K1 varia
de 3,5% a 20%6,8. O risco estimado de desenvolver
endoftalmite é de 3% a 7,8% em pacientes com AHP
por Kp, podendo levar à cegueira ou enucleação do olho
afetado7,8.
Diabetes mellitus (DM) é a comorbidade mais comum
em portadores de AHP por Kp, com prevalência variando de 45% a 75%2-4. Complicações oculares e do sistema
1. Cirurgião do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), Recife. PE, Brasil. 2. Estudante
de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (F cm/UPE), Recife. PE, Brasil. 3. Médica Residente em Cirurgia
Geral do HUOC, Recife. PE, Brasil. 4. Prof. Titular de Cirurgia Abdominal da F cm/UPE, Chefe do Serviço de Cirurgia Geral e Transplante Hepático
do HUOC. Endereço de correspondência: Rodrigo Ciotola Bruno - Pça Cândida Maria César Sawaia Giana, 2 - Vila Adyanna - São José dos
Campos - SP - Brasil - CEP: 12243-003/email: [email protected] Recebido em: 13/09/2013. Aprovado em: 31/10/2013.
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Resumo
Abscesso Hepático por Klebsiella pneumoniae
e suas Complicações Sistêmicas
nervoso central (SNC) por Kp K1 têm sido especialmente
relatadas em pacientes diabéticos1,3. Taxa de letalidade por
AHP em países ocidentais tem variado de 5,6% a 19%1. Alta
mortalidade foi observada em casos complicados com embolia pulmonar séptica ou empiema5. Pacientes com AHP não
drenado foram a óbito em quase 100% dos casos9.
O presente trabalho aborda um caso de AHP por Kp
complicado com endoftalmite, embolia pulmonar séptica e
endocardite em homem diabético.
abscesso hepático guiada por ultrassonografia (USG).
Imediatamente, foram drenados 700mL de material
purulento, com amostra enviada para cultura. Paciente foi
encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Após
3 dias, foi realizada evisceração ocular, sem intercorrências.
A cultura de abscesso hepático foi positiva para Kp (sensível
aos antibióticos em uso). Evoluiu intubado, taquicárdico, com
disglicemia (glicemia capilar de 114 a 211), sem melhora
clínica significativa, sendo associado metronidazol.
No 5º dia pós drenagem percutânea, foi realizada laparotomia
exploradora (LE), com nova drenagem de abscesso em lobo
hepático direito (Figura 1).
Relato de caso
A.S., sexo masculino, 47 anos, diabético, admitido com
história de dor abdominal difusa, de forte intensidade, há
30 dias, acompanhada de dispneia, náuseas, astenia, anorexia e perda ponderal de 10 kg. Há 1 semana da admissão,
evoluiu com distensão abdominal, exoftalmia importante do
olho esquerdo e edema em membros inferiores.
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Ao exame físico inicial, estava desorientado, hidratado,
afebril, hipocorado (2+/4+), acianótico, anictérico, com
edema em mmII (3+/4+), taquicárdico (FC = 130bpm), sem
anormalidades em ausculta cardíaca, normotenso, ausculta
respiratória com murmúrio vesicular reduzido em base
de hemitórax direito, taquipnéico (FR = 24ipm), abdome
globoso, distendido, doloroso difusamente à palpação, fígado
palpável a ± 10 cm do rebordo costal direito.
Apresentava celulite em olho esquerdo, com saída de
secreção purulenta. Trazia tomografia computadorizada
(TC) de abdome mostrando fígado aumentado de volume,
com 3 lesões intraparenquimatosas em lobo direito,
heterogêneas, sólido-císticas, multiseptadas, a maior
delas medindo 15,5 x 15 x 14 cm, volume de 800 cm3, as
demais medindo 4 cm e 3 cm em seus maiores diâmetros,
ausência de dilatação em árvore biliar, baço com contornos
regulares, aumentado de volume, além de múltiplas lesões
nodulares intraparenquimatosas pulmonares, bilaterais, de
tamanhos variados, algumas com cavitações centrais. TC de
tórax identificou tais lesões pulmonares, sugerindo êmbolos
sépticos, além de derrame pleural de volume moderado,
bilateral, com aspecto loculado à direita, associado à
atelectasia/consolidação do parênquima adjacente, bem
como pequeno derrame pericárdico.
Foi iniciado tratamento ocular tópico com moxifloxacino e
antibioticoterapia sistêmica com piperacilina/tazobactam.
Paciente evoluiu com piora clínica, sendo acrescentado
aztreonam à terapia e realizada drenagem percutânea de
Figura 1: Drenagem cirúrgica de abscesso em lobo hepático
direito com fixação de dreno cavitário.
Após 48h, paciente evoluiu com episódios de febre
(temperatura axilar máxima (Tax máx) de 38,2°C).
Exames laboratoriais mostravam hemoglobina = 8,5 g/
dL, hematócrito = 26,8%, leucócitos = 11.820/ mm3
sem desvio, escore do Acute Physiology And Chronic
Health Evaluation (APACHE II) = 20. Nova TC de abdome
mostrou redução da massa hepática (dimensões de 14 x
11 x 10 cm, volume de 320 cm3). TC de tórax foi repetida,
persistindo os achados radiológicos anteriores. No 21º dia
de internamento hospitalar (DIH), ecodopplercardiograma
realizado evidenciou valva mitral com folheto anterior
espessado e pequena imagem móvel em face ventricular,
sugestiva de vegetação.
Foi iniciado vancomicina. Devido à persistência da febre, foram
associados meropenem e polimixina B, sem melhora clínica.
No 29º DIH, o paciente apresentou hipotensão importante,
sendo iniciada noradrenalina. Apesar dos esforços, evoluiu
para o óbito.
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R. C. Bruno, M. E. G. Bello, M. L. de Alvarenga, M. A. P. Cesar, L. A. Szutan
AHP resulta de infecção bacteriana de parênquima hepático,
com subsequente infiltração local por células inflamatórias e formação de material purulento1. Acometimento de
lobo hepático direito tem sido a apresentação clínica mais
comum5.
Vários estudos têm demonstrado que estirpes invasivas
da Kp infectam o fígado via circulação portal, a partir da
translocação bacteriana do epitélio intestinal4,5.
DM é considerado fator de risco principal para AHP por Kp e
suas complicações2,6-8, sendo associado com resultados visuais precários em pacientes com endoftalmite5,8. Hiperglicemia
pode interferir na quimiotaxia de leucócitos polimorfonucleares, comprometendo a fagocitose de sorotipos encapsulados
K1 e K2 da Kp, aumentando a susceptibilidade de portadores de DM tipo 2 à disseminação da infecção7,8.
As manifestações clínicas mais observadas em pacientes
com AHP por Kp são febre, calafrios e dor abdominal. Náuseas e vômitos ocorrem em cerca de 25% dos casos. Leucocitose, trombocitopenia, hiperglicemia, aumento sérico de
proteína C reativa e resultados anormais de testes de função
hepática são comuns5.
AHP apresenta evolução subaguda. A formulação da hipótese diagnóstica é dificultada pelo caráter clínico-laboratorial
inespecífico da doença9.
Há controvérsias quanto ao exame de imagem mais sensível para diagnóstico de AHP. Segundo Küster Filho e
colaboradores, a USG abdominal apresentou sensibilidade
de 92% para diagnóstico da doença, sendo considerada
o método diagnóstico de eleição. Entretanto, em outros
estudos, a TC apresentou melhor sensibilidade, em torno de
94%, contra 83% a 87% da USG abdominal para o diagnóstico de AHP. A sensibilidade diagnóstica da cintilografia
hepática foi a menor, ficando em torno de 70%9.
AHP por Kp K1 causa disfunções orgânicas catastróficas
devido a complicações irreversíveis oculares e do SNC
(perda da visão no olho afetado, quadriplegia, paraparesia,
prejuízo na função cortical superior), podendo levar a morte
em pouco tempo1,3.
Endoftalmite bacteriana endógena é uma rara complicação
intraocular de septicemia por Kp, envolvendo humor aquoso
e/ou vítreo7,10, sendo considerada importante preditor de
mortalidade8. A maioria dos casos de endoftalmite associada
com AHP por Kp é aguda, de rápida progressão, sendo
considerados emergência médica, pois o atraso no tratamento pode resultar em perda visual severa ou cegueira,
apesar de tratamento apropriado6,10. No entanto, o diagnóstico
de endoftalmite é frequentemente retardado ou inicialmente
equivocado7.
Uma característica importante da endoftalmite por Kp
é o potencial do olho não afetado de ser acometido pela
doença. Assim, pacientes não devem ser tratados como
se tivessem um problema monocular7. Antibioticoterapia
adequada ou mesmo vitrectomia, se realizadas dentro de
48h do atendimento inicial, podem salvar visão útil em alguns
pacientes2,7.
Devido à barreira hemato-ocular, concentração intravítrea de
drogas sistêmicas é menor após administração endovenosa
de antibióticos7. Assim, ambas as vias, intravenosa e intravítrea, devem ser usadas para tratamento de endoftalmite5.
Embora injeção intravítrea de antibiótico possa resultar em
toxicidade retiniana, catarata, glaucoma e descolamento retiniano, Sheu e colaboradores observaram que a incidência
dessas complicações foi relativamente menor se comparada
aos melhores resultados visuais obtidos com o tratamento
intravítreo da endoftalmite por Kp8.Vitrectomia deve ser considerada em casos de falha na resposta à terapêutica intravítrea inicial8,10.
Em um estudo desenvolvido por Lee e colaboradores, tanto
susceptibilidade in vitro quanto resultados clínicos embasaram o uso de cefalosporinas de 1ª geração em combinação
com aminoglicosídeos como antibioticoterapia sistêmica inicial para tratamento de AHP por Kp, exceto em casos de
choque, insuficiência respiratória aguda e escore APACHE II
≥ 206. Contudo, a efetividade de tais combinações terapêuticas ainda não foi avaliada em ensaios clínicos randomizados5.
Cefalosporinas de amplo espectro foram reservadas para
tratamento de pacientes com endoftalmite, meningite ou
fatores de risco para infecção disseminada, devido a sua
boa penetração vítrea e no SNC6. Foi recomendado uso de
cefalosporinas de 3ª geração por 2 a 4 semanas para AHP
único e por 6 semanas para abscessos hepáticos múltiplos5.
Carbapenêmicos são a droga de escolha para Kp produtora de
β-lactamase5. No entanto, devido a raros relatos de AHP por
Kp produtora de β-lactamase, antibióticos como ampicilinasulbactam, cefalosporinas de 3ª geração, aztreonam e quinolonas podem ser usados5.
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Discussão
Abscesso Hepático por Klebsiella Pneumoniae
e suas Complicações Sistêmicas
Esteroides intraoculares podem ter efeito benéfico na
endoftalmite por diminuírem destruição tecidual ocular resultante da resposta inflamatória do hospedeiro7.
A maioria dos estudos sugere que dexametasona intravítrea
é benéfica para preservar arquitetura ocular e função retiniana. Entretanto, a eficácia do tratamento intravítreo com
corticosteroides precisa ser testada em ensaios clínicos
posteriores7.
Segundo Siu e colaboradores, embora drenagem percutânea
guiada por USG venha sendo amplamente usada devido aos
avanços da radiologia intervencionista, a drenagem hepática cirúrgica resultou em melhores resultados em pacientes
sépticos, com doenças mais severas e alto risco de morte
(escore APACHE II ≥ 15)5, como também comprovaram
Küster Filho e colaboradores 9.
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26
As técnicas de drenagem percutânea guiadas por USG são
menos invasivas e traumáticas do que laparotomia. Contudo,
pacientes evoluindo com dor abdominal difusa e choque, na
suspeita de ruptura de AHP, LE é o tratamento mais indicado9.
Videolaparoscopia também permite adequada exploração
da cavidade abdominal, realização de drenagem de abscesso
e coleta de material para cultura, mas está associada a maior
risco de contaminação da cavidade, semelhante à drenagem
cirúrgica aberta9.
Assim, a princípio, devem ser considerados os métodos
de punção dirigida, deixando laparotomia para pacientes
que se apresentem com comprometimento do estado
geral, abscessos rotos, e em casos de múltiplos abscessos,
quando não for possível efetuar drenagem de forma menos
invasiva9.
Quadro clínico severo (APACHE II ≥16, choque séptico,
insuficiência respiratória aguda) e endoftalmite foram
relacionados a prognóstico sombrio em pacientes com AHP
por Kp, apesar de terapia agressiva5,6,8. Contudo, melhores
resultados clínicos podem ser obtidos se o tratamento for
iniciado precocemente5.
O paciente em questão foi admitido com AHP em fase disseminada da doença. Devido ao início tardio do tratamento, a evisceração do olho esquerdo foi inevitável. Apesar de
realização de drenagem do abscesso (percutânea e cirúrgica)
e antibioticoterapia agressiva, os resultados obtidos foram precários. Diabetes associado a complicações resultantes da septicemia por Kp (embolia pulmonar séptica, endocardite, choque
séptico) contribuíram para o desfecho clínico fatal.
Conclusão
Pacientes diabéticos com AHP por Kp devem ser investigados quanto a complicações secundárias à septicemia. Tratamento tardio do quadro infeccioso pode ser incapaz de evitar
danos físicos irreversíveis, resultando em piores prognósticos, comumente fatais.
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Relato de Caso
Megacólon psicogênico em gêmeos: relato de caso
Psychogenic megacolon in twins: case report
Thays Araujo Souza Pinto1, Vivianne Correia dos Santos Moraes2, Bruno Correia Ulisses Sobreira3, Ângela de Fátima
Correia4, Adriana Araujo Souza Santos5, Priscila Rodrigues Néspoli6
trica, o megacólon idiopático relaciona-se, sobretudo, a
causas psicogênicas2.
Megacólon psicogênico (MP) é uma doença difícil de ser
diagnosticada. O artigo propõe a descrever um caso de MP
em crianças gêmeas com idade de 6 anos. Sua relevância
científica está na escassez de relatos na literatura sobre
gêmeos que possuem esta patologia ao mesmo tempo.
Relato de caso clínico
Unitermos: Megacólon Psicogênico, Constipação, Crianças.
Summary
Psychogenic Megacolon (MP) is a disease hard to diagnose. The article aims to describe a MP case in twin children at the age of six years. The scientific relevance of this
submission lies in the scarcity of reports on twins with this
same pathology at the same time.
Keywords: Psychogenic Megacolon, Constipation,
Children.
Introdução
O megacólon é uma dilatação anormal do cólon intestinal.
Quanto à etiologia adquirida, prevalecem, ainda, os casos
de megacólon idiopático1. Compreendem-se, como idiopáticos, os casos intratáveis de distúrbios de motilidade
com origem desconhecida. Na gastroenterologia pediá-
Pacientes masculinos, 6 anos, gêmeos univitelinos, negros, internados em hospital de emergência em Itaperuna, RJ, apresentando distensão abdominal e constipação
intestinal. Ao exame físico, ostentavam ausência de queixas álgicas ou náuseas. Uso de laxantes para estimular a
defecação.
Durante a gestação, apesar de pré-natal regular, a progenitora desconhecia estar gerando gemelares univitelinos,
sendo identificada uma segunda criança, apenas, durante
o parto. A evolução dos sintomas coincidiu, cronologicamente, com a separação violenta dos pais. A partir daí,
exibiram disfasia, terror noturno, hiperatividade e agressividade, suscitando acompanhamento psicoterápico e
fonoaudiológico.
Após realização de clister opaco (duplo contraste), foi
verificado trânsito retrógrado do intestino grosso sem
obstáculos, todavia, houve dilatação do retossigmoide
associada à indentação posterior do reto, além da presença de resíduos fecais sólidos nas duas crianças. Foi
diagnosticado megacólon idiopático em ambos, com causa psicogênica não específica. O tratamento processouse com drogas pró-cinéticas e risperidona.
1. Acadêmica de Medicina da Universidade Iguaçu - Itaperuna - RJ - Brasil. 2. Acadêmica de Medicina da Universidade Iguaçu - Itaperuna - RJ - Brasil.
3. Acadêmico de Fisioterapia da Universidade Federal de Pernambuco - Recife – PE - Brasil. 4. Instrutora do Mestrado e Doutorado no Programa PróMultiplicadores do Portal da CAPES da Universidade Federal de Pernambuco e Especialista em Educação, Normatização e Revisão de Dados - Recife - PE Brasil. 5. . Mestre em Ciências da Religião com ênfase em Saúde Mental e Docente do Curso de Medicina da Universidade Iguaçu – Itaperuna – RJ Brasil. 6. Médica do Serviço de Gastroenterologia do Hospital São José do Avaí e Docente na Universidade Iguaçu – Itaperuna – RJ - Brasil. Endereço
para Correspondência: Universidade Iguaçu, Campus V, Itaperuna – RJ - BR 356 - km 2- Cidade Nova – Itaperuna – RJ – Brasil - CEP: 28.300-000/
e-mail: [email protected] Recebido em: 12/01/2014 Aprovado em: 13/02/2014.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):27-28
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33(1):27-28
Resumo
Megacólon psicogênico em gêmeos: relato de caso
Discussão
Segundo a teoria de Freud3, na fase anal, a criança desenvolve traumas que repercutirão em distúrbios intestinais, bem
como comportamentos compulsivos, acumulativos e desregrados. A mãe é apontada como mediadora deste processo.
Assim, de posse do diagnóstico psicogênico, a progenitora
foi submetida a uma triagem através do MINI (Mini Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional), versão 5.04, para avaliar
a existência de Transtorno de Ansiedade Generalizada, cujo
resultado ostentou alta prevalência de ansiedade materna.
O tratamento do megacólon psicogênico tem estreita relação com a causa. A condução clínica visa a manter o hábito
intestinal regular. O manejo cirúrgico é aplicado em casos
refratários. Em ambos os casos, é importante o acompanhamento psiquiátrico para a obtenção da resposta terapêutica
satisfatória1.
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33(1):27-28
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GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):27-28
Relato de Caso
Doença de Caroli tratada com derivação interna
Caroli’s Disease treated with internal bypass
André Rossetti Portela1, José de Alencar Gonçalves de Macedo2, Flávio Augusto Lima de Moraes3, Fernanda Mescolin de
Paula Dias3, Paulo Henrique de Almeida4, Guilherme Velloso Diniz5
A doença de Caroli é uma moléstia rara, de apresentação
clínica variável, caracterizada por dilatações císticas da
árvore biliar. O escopo é relatar o caso de um paciente
masculino, 80 anos, internado com icterícia, prurido, dor
epigástrica e hepatomegalia. A propedêutica de imagem
definiu o acometimento do lobo esquerdo do fígado e da
via biliar principal. Após avaliação multidisciplinar, diante
das alterações clínicas e laboratoriais do paciente, foi
optado pela realização de colédoco-jejuno e hepáticojejuno anastomose em Y de Roux. O pós-operatório
transcorreu com melhora clínica e laboratorial; o
paciente permanece assintomático após seis meses de
acompanhamento. O tratamento proposto pelos autores
se mostrou eficiente e não inviabiliza uma ressecção
hepática futura.
Unitermos: Doença de Caroli, Hepatectomia e Tratamento da Doença de Caroli.
Summary
Caroli’s desease is a rare illness, has a variable clinical presentation, characterized for expand cystic biliar tract. The
goal is report a case of a man, 80 year old, admitted with
jaundice, itch, epigastric pain and enlarged liver. Imaging
findings showed dilatations in left hepatic lobe and principal biliar tree. After multidisciplinary evaluation, against
clinical and laboratorial changes of the patient, have done
coledocojejunal and hepaticojejunal anastomosis in Y
and Roux. The postoperative course was uneventful and
the patient has been six mounths without changes. The
treatment proposed for authors were efficient and don’t
unfeasible a hepatic resection in the future.
Keywords: Caroli’s Disease, Hepatectomy and Caroli’s
Disease Treatment.
Introdução
A doença de Caroli (DC), descrita pela primeira vez por
Jacques Caroli, em 1958, é uma enfermidade pouco frequente, caracterizada por dilatações císticas do trato biliar
hepático. A incidência anual é de cerca de um caso por
milhão de habitantes. Apresentação clínica, tratamento e
prognóstico estão relacionados à extensão do acometimento do trato biliar1-6. O objetivo é reportar o caso de um
paciente portador de DC, acometendo o lobo esquerdo
do fígado, tratado com derivação interna colédoco-jejunal
e hepático-jejunal em Y de Roux sem ressecção e revisar
a literatura afim.
1. Cirurgião Geral e Oncológico, Assistente da IIª Clínica Cirúrgica da Santa Casa de Belo Horizonte – MG e Assistente do Instituto Mário Penna/
Hospital Luxemburgo – Belo Horizonte - MG. 2. Cirurgião Geral e do Aparelho Digestivo e Assistente da IIa Clínica Cirúrgica da Santa Casa de
Belo Horizonte – MG/ TCBCD. 3. Residente de Cirurgia Geral da Santa Casa de Belo Horizonte - MG. 4. Cirurgião Geral e Assistente da IIa Clínica
Cirúrgica da Santa Casa de Belo Horizonte - MG. 5. Cirurgião Geral, Mestre em Cirurgia – UFMG, Assistente da IIa Clínica Cirúrgica da Santa Casa
de Belo Horizonte – MG e Cirurgião do Hospital Cristiano Machado – FHEMIG. Endereço para correspondência: André Rossetti Portela - Rua
Engenheiro Amaro Lanari, 130 - Carmo-Sion- Belo Horizonte – MG - CEP: 30310-580/e-mail: [email protected]. Recebido em:
14/12/2013. Aprovado em: 13/02/2014.
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Resumo
Doença de Caroli tratada com derivação interna
Relato do caso
Paciente, 80 anos, masculino, internado com quadro de dor em
região epigástrica e hipocôndrio direito associada à icterícia,
colúria, acolia fecal e prurido com evolução de dez dias. Sem
relato de febre ou vômitos. Ao exame físico apresentava-se
ictérico (3+/4+), com dor à palpação em região epigástrica
e hipocôndrio direito, fígado palpável a 02 cm do rebordo
costal direito. Passado de epigastralgias e úlcera gástrica há
cinquenta anos. Hipertenso controlado e tabagista.
Exames laboratoriais mostrando FA = 414 (VR: 90 a 360
U/L), GGT = 769 (VR: 7 a 45), TGO = 116 (VR: 11 a 39), TGP
= 151 (VR: 30 a 60), Bilirrubinas totais = 19,9 (VR: até 1,2)
(Direta = 16,2 [VR: até 0,4]; Indireta = 3,68 [VR: 0,1 a 0,6]),
TP = 16,7 (VR: 10,0 a 14,0), AP = 54,6% (VR: 70 a 100%),
RNI = 1,45 (VR: 0,92 a 1,20), TTPa = 36 (VR: 24 a 38).
33(1):29-32
30
A ultrassonografia de abdome total evidenciou fígado de
dimensões aumentadas, hiperecogenicidade periportal difusa e dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas com
cálculos nas vias biliares e formações saculares no hilo hepático com cálculos, colédoco com 14,4 mm, vesícula biliar
de paredes espessadas e com um pólipo medindo 15,1x14,6
mm em fundo vesicular.
A colangiorressonância mostrou fígado de dimensões aumentadas do lobo direito e reduzidas do lobo esquerdo, imagens sugestivas de cálculos localizadas em colédoco, sendo a
maior delas em seu terço distal com cerca de 17,0 mm e demais menores que 4,0 mm, condicionando moderada dilatação
de vias biliares intra e extra-hepáticas e do ducto pancreático
principal. Colédoco com diâmetro máximo de 19,0 mm.
Figura 1 – Ressonância Nuclear Magnética de abdome em T2,
evidenciando dilatações saculares da via biliar principal em
lobo esquerdo do fígado.
Vias biliares do lobo esquerdo dilatadas, aspecto irregular
e sacular segmentar, destacando-se em seu interior múltiplas imagens sugestivas de cálculos, a maior delas com
9,0 mm. Vesícula biliar distendida com cálculos em seu interior, o maior com 3,0 mm (Figura 1).
Após discussão multidisciplinar devido ao quadro clínico, à
idade avançada, à piora do status performance e ao distúrbio
de coagulação, foi descartada a realização de hepatectomia
esquerda.
Submetido em 29/05/13 à colecistectomia, coledocotomia,
coledocolitotomia, colédoco-jejuno anastomose láterolateral em Y de Roux, hepaticotomia de ducto do segmento
III com hepático-jejuno anastomose látero-terminal neste
ponto com a mesma alça (Figura 2). Instalado Seprafilm®
sobre lobo esquerdo e deixado dreno tubular sentinela em
região das anastomoses (Figura 3).
Figura 2 – Imagem peroperatória: seta larga, anastomose
colédoco-jejunal látero-lateral já confeccionada. Seta fina:
anastomose hepático-jejunal látero-terminal, sendo confeccionada em Y de Roux.
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):29-32
A. R. Portela, J. A. G. de Macedo, F. A. L. de Moraes, F. M. P. Dias, P. H. de Almeida, G. V. Diniz
vida. Dor abdominal no quadrante superior direito, icterícia
e hepatomegalia podem preceder as crises recorrentes de
colangite, abscesso hepático e sepse. As dilatações saculares
multifocais e irregularidades dos ductos biliares intrahepáticos resultam em prejuízo do fluxo biliar, predispondo a formação de múltiplos cálculos que se depositam nas
saculações ou se impactam no colédoco, levando à colangite.
Esta última pode recorrer, se não tratada, devido à obstrução
ocasionada pela litíase e também pelo retardo do fluxo biliar.
Paciente apresentou boa evolução no pós-operatório, com
melhora progressiva do quadro colestático, recebendo alta
hospitalar no sétimo dia de pós-operatório com orientação de
acompanhamento ambulatorial regular. O exame anatomopatológico da peça cirúrgica revelou quadro de colecistite crônica associada à colesterolose e à colelitíse. Encontra-se em
acompanhamento ambulatorial há seis meses sem alterações
clínicas ou laboratoriais.
Discussão
A DC é uma moléstia rara, caracterizada por dilatações saculares, multifocais e irregulares dos ductos biliares. Pode
ser classificada em duas formas distintas, sendo a DC tipo
I sem caráter hereditário, congênita, definida como dilatação
segmentar multifocal das vias biliares intra-hepáticas de um
lobo hepático, mais frequentemente do lobo esquerdo, na
ausência de outras doenças hepáticas ou viscerais.
Já a DC tipo II é hereditária, com provável padrão de transmissão autossômico recessivo, caracterizada por acometimento de todo o fígado, associada frequentemente com
fibrose hepática e doença renal policística2-5.
A DC ocorre com mais frequência entre a segunda e quarta
década de vida. Em aproximadamente 20% dos pacientes,
o diagnóstico tem sido retardado até a vida adulta, como no
caso relatado4,6-9.
O paciente é geralmente assintomático durante os primeiros 5 a 20 anos de vida ou, mais raramente, durante toda a
O diagnóstico da DC é feito frequentemente de forma incidental, após exames de imagem solicitados para outro fim.
A história detalhada, exame físico e de imagem são fundamentais para o diagnóstico da DC. Pode-se utilizar ultrassonografia ou tomografia computadorizada de abdome.
Apesar da alta sensibilidade da colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) para o diagnóstico da
doença, esta deve ser reservada para um possível tratamento de colangites e como uma alternativa prévia ao
tratamento cirúrgico definitivo. Atualmente, a colangioressonância é o método de eleição por não ser um exame invasivo
e apresentar menor custo do que a CPRE9,11,12.
Devido ao número reduzido de casos, restam dúvidas com
relação ao tratamento da DC. Antibioticoterapia, CPRE e
ácido ursodesoxicólico são algumas alternativas de tratamento e prevenção da colangite até que o paciente adquira
condição para o tratamento definitivo.
Caso a doença esteja restrita a um lobo ou segmento hepático, a ressecção parece ser a melhor alternativa pois reduz o
risco de malignidade, a morbidade da colangite de repetição e
parece ser curativo. Doença difusa complicada com colangite
recorrente ou cirrose é de difícil condução clínica, sendo o
transplante hepático muitas vezes a única e última opção de
tratamento6,7,11,13,15-17.
O tratamento oferecido ao paciente relatado levou em conta
a avaliação clínica, status performance, alterações nas provas
de coagulação e hiperbilirrubinemia presentes nos exames
pré-operatórios. Portanto tais achados levaram os autores a
crer que a hepatectomia resultaria em uma morbimortalidade
elevada. Entretanto, a ressecção hepática não foi descartada
sendo que, para tal, alguns cuidados foram tomados, como
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Figura 3 – Imagem peroperatória: aspecto final da
cirurgia, com a aplicação da placa de Seprafilm® sobre
o lobo esquerdo do fígado.
Outra complicação é o colangiocarcinoma com um risco
relativo de 7% a 24% e incidência cem vezes maior nos
portadores de DC do que na população geral. Sugerese que a neoplasia decorra de exposição prolongada do
epitélio ductal a elevadas concentrações de ácidos biliares
não conjugados ou carcinógenos biliares4,6-10.
Doença de Caroli tratada com derivação interna
a instalação da placa de Seprafilm® com a qual esperamos
obter uma reabordagem mais fácil da cavidade abdominal e
a realização das duas anastomoses, colédoco-jejunal e hepático-jejunal em Y de Roux. Esta última poderá ser ressecada
juntamente com a peça e aquela permanecerá como derivação definitiva.
Conclusão
O tratamento curativo da DC parece ser a ressecção hepática
dos segmentos acometidos. No entanto, as opções de tratamento devem ser avaliadas caso a caso. A derivação cirúrgica
interna parecer ser uma opção viável para pacientes selecionados que não possuem condição para ressecção no momento do diagnóstico. Tal tratamento não impede a ressecção
futura, o que acreditamos nem sempre ser necessário.
Referências
33(1):29-32
32
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GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):29-32
R esumos C omentados
O
s trabalhos comentados a seguir apresentam dois assuntos extremamente relevantes.
O estudo das lesões serrilhadas tem levantado a possibilidade de uma terceira via na carcinogênese colorretal, como chamam a atenção os trabalhos abaixo, em especial da polipose serrilhada.O
uso extensivo de antibióticos tem se acompanhado de um aumento na incidência de colites por
Clostridium dificile. Evidenciar os fatores concorrentes no desenvolvimento destas colites pode
colaborar em sua prevenção, particularmente nos pacientes submetidos ao tratamento simultâneo
de outras condições gastroenterológicas e que recebem inibidores de bomba de prótons. Os trabalhos resumidos nos estimulam a examinar as evidências a favor e contra tal associação.
Esta seção recebe contribuições enviadas para o e-mail [email protected] , constando no assunto da
mensagem “Resumos Comentados” (serão aceitos, no máximo, dois coautores).
Paulo Roberto Arruda Alves – Editor Chefe
Serrated Polyposis: rapid and relentless development of colorectal neoplasia
Daniel L Edelstein, Jennifer E Axilbund, Linda M Hylind, Katharine romanos, Constance A Griffin, Marcia Cruz-Correa, Francis M Giardiello. Gut. 2013; 62
(3): 404-408.
Resumo
Objetivo: Polipose serrilhada (PS) é uma doença rara,
com vários pólipos hiperplásicos colorretais e, muitas
vezes, associados também a adenomas sésseis. Embora
associado com o câncer colorretal, o curso da PS não
está bem estabelecido.
colorretais adicionais na colonoscopia de controle.
Pólipos serrilhados ou adenomas foram encontrados
em 25 pacientes (61%) na primeira colonoscopia e
em 83% na última colonoscopia. Pólipos serrilhados ou
adenomas ocorreram em 68% dos pacientes com colonoscopia de controle.
44 pacientes com PS foram estudados. Os resultados
de 146 colonoscopias, com acompanhamento médio
de 2 anos (variação 0-30 meses) e uma média de 1
ano (variação 0,5-6 anos) entre as colonoscopias de
controle, foram avaliados. Também foram realizadas
endoscopia digestiva alta em metade dos pacientes
estudados.
Três pacientes tiveram câncer colorretal. Onze pacientes
(25%) foram submetidos à cirurgia (tempo médio de
diagnóstico da PS 2,0 ± 0,9 anos). Após a cirurgia, todos
os sete pacientes pesquisados desenvolveram pólipos
recorrentes no cólon remanescente. Não foi encontrada associação entre neoplasia colorretal, sexo e/ou
quantidade inicial de pólipos encontrados na primeira
colonoscopia.
Resultados
Conclusões
A idade média de diagnóstico de PS foi de 52,5 ± 11,9
anos (variando entre 22 e 78 anos). Em dois casos
(5%), outro membro da família também era acometido
de PS. Nenhum dos 22 pacientes apresentava pólipos
gastroduodenais. Todos os pacientes tiveram pólipos
A PS foi responsável pelo aparecimento da neoplasia
colorretal e se manifestou ainda no cólon remanescente
após a cirurgia. Estes resultados sustentam a conduta
da vigilância com colonoscopia anual e a realização de
colectomia quando indicada.
Métodos
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33
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Polipose Serrilhada: desenvolvimento rápido e implacável
da neoplasia colorretal
Pólipos serrilhados são marcadores para neoplasia
colorretal avançada?
Are serrated polyps markers for advanced colorectal neoplasia?
Douglas K. Rex. Jornal Watch. 2009; 10 (7).
Resumo
O grupo heterogêneo de lesões conhecidas como pólipos
serrilhados é comumente subdividido em pólipos hiperplásicos,
pólipos serrilhados sésseis (também chamados de adenomas
sésseis serrilhados) e os verdadeiros adenomas serrilhados.
Embora se acredite de que alguns tipos de pólipos serrilhados
compartilhem alterações moleculares (incluindo mutações
BRAF, o CpG fenótipo metil e a instabilidade de microssatélites) com câncer colorretal (CRCs), pouco se sabe sobre o
potencial de malignidade de todo o grupo.
33(1):29-32
34
Para determinar se grandes pólipos serrilhados estão associados com risco elevado de neoplasia avançada sincrônica,
os pesquisadores realizaram um estudo transversal de 4.714
indivíduos assintomáticos, de risco médio, que foram submetidos à colonoscopia como parte de um estudo de teste de
DNA fecal. Destes indivíduos, 467 tiveram neoplasia avançada (definida como adenomas tubulares ≥ 1 cm, adenomas
vilosos, displasia de alto grau ou adenocarcinoma invasivo)
e 109 deles que se apresentaram com neoplasia avançada
também tinham pólipos serrilhados ≥ 1 cm. Os 4.247 participantes sem neoplasia avançada na colonoscopia serviram
como controles.
Os dois grupos foram comparados para potenciais fatores de
risco, incluindo idade, sexo, índice de massa corporal, histórico familiar de CRC, a presença de grandes (≥ 1 cm) ou
múltiplos (≥ 3) pólipos serrilhados, e presença de pequenos
(< 1 cm adenomas tubulares).A análise multivariada mostrou
que a idade avançada (≥ 80; odds ratio, 4,51, 95% CI, 1,4314,3, P=0,01), a presença de grandes pólipos serrilhados
(OR, 3,24; IC 95% 2,05-5,13, P<0,0001), e a presença de ≥ 3
adenomas tubulares <1 cm (OR, 2,33; IC 95% 1,37-3,96, P<
0,0017) foram fatores de risco independentes para neoplasia
colorretal avançada sincrônica. A localização destas lesões
(cólon direito ou esquerdo) tiveram associações semelhantes
com neoplasia avançada (RUP, 3,38 e 2,66, respectivamente,
p=0,62).
Comentários
Os critérios da Organização Mundial de Saúde para a síndrome
da polipose serrilhada exige a presença de uma ou mais das
seguintes características:
● Pelo menos cinco pólipos serrilhados proximais ao cólon
sigmoide, dos quais dois ou mais são ≥ 10 mm;
● Pólipos serrilhados proximais ao sigmoide em um indi-
víduo que tem um parente de primeiro grau com síndrome
da polipose serrilhada; e
●Q
uantidade superior a 20 pólipos serrilhados de qualquer tamanho, distribuídos por todo o cólon.
Um pequeno subconjunto de pólipos serrilhados, particularmente os com displasia, pode evoluir para adenocarcinoma através de uma via diferente que a já conhecida
até então, isto é, a sequência adenoma-carcinoma que se
desenvolve através de alterações nas proteínas: APC, K-ras,
DCC, p53 h mmR – hMSH2, hMLH1, hPMS1 e hMSH6.
Os pólipos serrilhados (também denominados adenoma
serrilhado séssil) correspondem a uma forma agressiva de
pólipo hiperplásico, porém de maior tamanho, com potencial para malignidade, com localização predominante em
cólon direito e que podem evoluir para o câncer colorretal
devido a uma alteração genética, causada por instabilidade
microsatélite através da metilação do DNA das ilhas CpG e
uma mutação do gene BRAF.
O reconhecimento dessa outra via representa uma grande
mudança de paradigma em nossa compreensão da carcinogênese do cólon. Embora essa via já esteja bem estabelecida, muitos desafios ainda terão que ser enfrentados,
incluindo a melhoria na detecção de lesões serrilhadas e a
determinação dos intervalos de vigilância adequados após
a sua remoção.
Em resumo, a história natural da polipose serrilhada é consistente com uma síndrome genética hereditária caracterizada por desenvolvimento rápido se comparada à via
adenoma-carcinoma, e um risco significativo de câncer
colorretal. Ao contrário de outras poliposes, lesões gastroduodenais não foram encontradas nesta condição. Além
disso, a recorrência da neoplasia colorretal no pós-operatório
nos segmentos colorretais remanescentes ocorre rapidamente. As características da polipose apóiam a possibilidade
de vigilância colonoscópica anual em pacientes com cólons
não operados e avaliação endoscópica bianual naqueles
com colectomia que mantiveram segmentos colorretais.
Essas recomendações são consistentes com os de especialistas que promovem a vigilância naqueles pacientes
tratados por via endoscópica para PS. A vigilância do
segmento retal remanescente deve ser realizada a cada
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6-12 meses. Entretanto, mais estudos são necessários
para melhorar a detecção dos pólipos serrilhados e para
fornecer mais informações sobre a sua história natural, a
fim de elaborar diretrizes baseadas em evidências para o
seu manejo clínico.
Renzo Ruiz e Lila Bicalho: Estagiários do Serviço de Endos-
copia Digestiva do Hospital Alemão Oswaldo Cruz - São Paulo,
SP. Endereço para correspondência: Rua Martiniano de
Carvalho 1.049 – apto. 71 M - Bela Vista - São Paulo - SP CEP 01321-001/ e-mail: [email protected]
O quanto os inibidores de bomba de prótons contribuem
para as infecções por C. difficile?
PPIs and recurrent C. difficile infection: no association?
Leontiadis GI, Miller MA, Howden CW. Am J Gastroenterol. 2012 Jul;107(7):1020-1.
Duas revisões sistemáticas e metanálises publicadas no
American Journal of Gastroenterology concluíram que o uso
de inibidores de bomba de prótons (IBP) é associado a um
aumento de 70% no risco de infecção por Clostridium difficile
(CD). Os dois trabalhos empregaram diferentes metodologias,
mas atingiram conclusões muito similares. Entretanto, a qualidade da evidência dos estudos individuais que foram incluídos
nestas análises é relativamente fraca; logo as conclusões
devem ser interpretadas com cautela. Estudos observacionais e até revisões sistemáticas bem conduzidas de outros
estudos observacionais raramente dão evidência adequada
para provar casualidade e não só mera associação. Dado o
largo uso de IBPs e a crescente incidência de infecção por
CD e sua importância, é importante que esta associação seja
adequadamente explorada.
Inibidores de bomba de prótons e risco para infecção recorrente
por Clostridium difficile em pacientes hospitalizados
Proton pump inhibitors and risk for recurrent Clostridium difficile infection among inpatients.
Freedberg DE, Salmasian H, Friedman C, Abrams JA. Am J Gastroenterol. 2013 Nov; 108(11):1794-801
Resumo
Objetivos: Estudos observacionais sugerem que os inibidores
de bomba de prótons (IBPs) são um fator de risco para infecção
por Clostridium difficile (CD). Os dados também sugerem
associação entre o uso de IBPs e a recorrência desta infecção,
apesar da falta de estudos de larga escala focando apenas em
pacientes hospitalizados. Nós, portanto, fizemos uma análise de
coorte retrospectiva de pacientes hospitalizados com infecção
por Clostridium difficile para avaliar os IBPs enquanto fator de
risco para infecção recorrente por CD nesta população.
Métodos
A partir de prontuários eletrônicos, identificamos pacientes
adultos, hospitalizados entre 1 de dezembro de 2009 e 30
de junho de 2012, com infecção por CD definida como um
primeiro teste positivo para toxina B nas fezes e que rece-
beram tratamento adequado. Foi feita uma busca nos prontuários por fatores clínicos incluindo receita de IBPs, outros
tipos de tratamento supressor de ácido, antibióticos não relacionados à infecção por CD e comorbidades. A exposição
primária era uso de IBP durante hospitalização ao mesmo
tempo de tratamento para infecção por CD. Recorrência foi
definida como segundo teste de fezes positivo para toxina em
15 a 90 dias após o primeiro teste. Recorrência da infecção
por CD no grupo exposto a IBP e não exposto foi comparada
com teste tipo log-rank. Análise de risco proporcional multivariada de Cox foi realizada para controlar aspectos demográficos, comorbidades e outros fatores clínicos.
Resultados
Foram identificados 894 pacientes com infecção inicial por
CD. A incidência cumulativa da recorrência no coorte foi de
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):33-36
35
33(1):33-36
Resumo
23%. Prescrição de IBPs ao mesmo tempo de tratamento para
infecção por CD não foi associada com recorrência da infecção
(HR=0.82; 95% CI=0.58-1.16). Raça negra (HR=1.66; 95%
CI=1.05-2.63), idade avançada (HR=1.02, 95% CI=1.011.03) e maior número de comorbidades (HR=1.09, 95%
CI=1.04-1.14) foram associados com recorrência da infecção.
Observando a mortalidade em 90 dias entre os recebedores
de IBPs (p=0.02), analisamos os pacientes que sobreviveram
a este período. Novamente, não foi vista associação entre uso
de IBPs e recorrência de infecção por CD (HR=0.87; 95%
CI=0.60-1.28). Além disso, não houve associação entre recorrência da infecção por CD e maior duração ou dose de IBPs.
Conclusão
Entre adultos hospitalizados com Clostridium difficile, o uso
concomitante de IBPs e do tratamento para infecção por CD
não foi associado com recorrência desta infecção. Cor negra,
idade avançada e número de comorbidades foram fatores
preditivos para a recorrência. Estudos futuros devem testar
intervenções para prevenir a recorrência da infecção por Clostridium difficile entre pacientes com alto risco.
Comentários
33(1):29-32
36
Com o aumento da incidência e do número de casos fatais
(e aparecimento de cepas mais virulentas) da infecção por Clostridium difficile na população de pacientes hospitalizados e a
detecção de sua incidência também na comunidade em geral1,
iniciou-se uma busca por outros fatores associados à sua ocorrência além dos já conhecidos antibióticos relacionados a esta
infecção. Desde então vem sendo estudada a associação do uso
dos inibidores de bomba de prótons com esta infecção, com crescente interesse, devido principalmente à grande disseminação do
uso desta classe de medicamento em todo o mundo no ambiente
hospitalar ou fora deste2,3. A diminuição da acidez gástrica é
mencionada como principal hipótese para o aumento da infecção
por Clostridium difficile nos pacientes em uso de inibidores de
bomba de prótons4, com maior chance de sobrevivência da
bactéria no tubo digestivo. Porém, a associação da ocorrência de
infecção por Clostridium difficile com o uso de antagonistas H2
não é tão descrita.
Em 2012, duas metanálises publicadas5,6 sugeriram a associação do uso de IBPs e infecção por Clostridium difficile; porém
estas foram realizadas a partir de estudos observacionais, de
qualidade fraca, resultando em grande heterogeneidade nos
resultados destas metanálises. A maioria dos estudos incluídos
não separava populações de riscos diferentes (idade, comorbidades, uso de outras medicações), não distinguia entre
infecção inicial e recorrência, entre pacientes hospitalizados
ou não, não relatava confirmação laboratorial da infecção por
CD, dose e duração do tratamento com IBP, e se houve prescrição apenas (revisão de prontuários eletrônicos) ou efetivamente uso do IBP na população estudada. Apesar de em
uma das metanálises não ter sido identificado viés de publicação, os resultados sugerem ocorrência de outros fatores
de confusão, ainda não identificados. Outra metanálise, muito
bem conduzida, questiona a qualidade da evidência da literatura e não relata associação dos IBPs com o risco de infecção
por Clostridium difficile 7
Um estudo publicado no mesmo periódico em 2013 mereceu
um novo editorial sobre o assunto, e, apesar de não ser uma
metanálise e sim um estudo de coorte retrospectivo, foi
bem conduzido e fornece informações valiosas a respeito do
estudo da associação entre IBP e infecção por CD. Foi analisada somente uma população de pacientes hospitalizados e
a associação do uso de IBPs com a infecção inicial e também
com a recorrência da infecção por CD. Além disso, a infecção
e a recorrência de diarreia por CD foi bem definida por teste
laboratorial padronizado para este diagnóstico. Este estudo
não identificou o uso de IBPs como fator preditor de infecção
ou recorrência da infecção por C. difficile, porém identificou
alguns fatores associados à recorrência, como idade, raça
negra e mais comorbidades. Certamente, novos estudos
avaliando esta relação serão publicados no futuro. Poucas
são as chances de se fazer um estudo prospectivo, visto que
não seria possível privar qualquer paciente com indicação de
supressão de ácido gástrico do uso dos medicamentos necessários. Porém, estudos retrospectivos bem conduzidos podem
ajudar a esclarecer fatores que influenciem na ocorrência da
infecção por Clostridium difficile.
Referências Bibilográficas
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are proton pump inhibitors to blame? World J Gastroenterol. 2013;19(40):6710-3.
2. Deshpande A, Pant C, Pasupuleti V, Rolston DD, Jain A, Deshpande N, et
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Clostridium difficult-associated disease: a case-control analysis matched by
propensity score. J Clin Gastroenterology. 2012;46 (5):397-400. 4. Stewart DB,
Hegarty JP. Correlation between virulence gene expression and proton pump
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Ehrinpreis MN. Clostridium difficile-associated diarrhea and proton pump
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6. Kwok CS, Arthur AK, Anibueze CI, Singh S, Cavallazzi R, Loke YK. Risk of
Clostridium difficile infection with acid suppressing drugs and antibiotics: metaanalysis. Am J Gastroenterol. 2012;107(7):1011-9. 7. Tleyjeh IM, Bin Abdulhak
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proton pump inhibitor therapy and clostridium difficile infection: a contemporary
systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2012;7(12):e50836.
Laura Melina Fernandez e Marleny Novaes Figueiredo:
Estagiárias bolsistas (Bolsa A/B) pela Sociedade Brasileira
de Coloproctologia no Instituto Angelita e Joaquim Gama, S.
Paulo/SP. Endereço para correspondência: Rua Manoel da
Nóbrega, 1.564 - São Paulo – SP – CEP: 04001-084/ e-mail:
[email protected]
GED gastroenterol. endosc. dig. 2014: 33(1):33-36

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