O desafio de formar gestores públicos sociais no estado da Bahia

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O desafio de formar gestores públicos sociais no estado da Bahia
VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
O desafio de formar gestores públicos sociais no estado da Bahia
Geraldo Machado
Monique Badaró Campos
I – Introdução
Os novos imperativos impostos ao Estado para promover o desenvolvimento social e eqüitativo da sua
população provocam a necessidade de formar gestores sociais com um novo perfil. Para isso uma série
de mudanças culturais devem acontecer, sobretudo na Administração Pública. Essa necessidade de
mudança passa pela adoção de um novo modelo de gestão integrador, sistêmico e totalizador, menos
identificado com a cultura burocrática e a importância dada a normas e padrões e com a fragmentação
em atividades e departamentos estanques.
O novo modelo de gestão demanda uma cultura de confiança, colaboração e compartilhamento, do
trabalho em equipe, da “transversalidade”, em que ações são desenvolvidas de maneira horizontal,
entre diversos níveis hierárquicos e até mesmo entre diversas instituições, promovendo relações mais
fluidas de intercâmbio e cooperação.
Com um modelo institucional em construção, marcado pela necessidade de constante orquestração de
interesses heterogêneos e multiplicidade de ações, a Fundação Luís Eduardo Magalhães vem
consolidando um papel de agente catalisador de soluções para a modernização da Administração
Pública, principalmente através de ações de capacitação para gestores públicos.
A formação de gestores sociais com novo perfil é entendida pela Fundação como um processo
estratégico de modernização do Estado tanto mais que foi, recentemente, criada uma Secretaria de
Combate à Pobreza e Desigualdades Sociais, evidenciando uma vontade política de reforçar a gestão
dos projetos sociais e otimizar os recursos empregados na área, de maneira a promover o
desenvolvimento social da Bahia.
A partir de uma reflexão inicial sobre o perfil do gestor social, este trabalho pretende passar em revista
os desafios e perspectivas da capacitação em um nível subnacional de administração.
II – Em Busca de um Perfil para o Gestor Social
Para além do compromisso de contribuir com a satisfação do interesse público, comum a todo servidor
público, é esperada do gestor social uma intencionalidade transformadora. Com efeito, a especificidade
da gestão social está em passar de uma cultura da gestão para a cultura da transformação, em que o
gestor assume a sua condição de sujeito para a mudança.
As propostas de mudança orientam-se no sentido da promoção de um modelo de desenvolvimento
social que seja eficaz, eficiente, eqüitativo e sustentável. Com este fim último, importa à gestão social
ser pluralista, adaptável e participativa. Ainda com conceito em construção, seu grande desafio está em
criar um ambiente propício à inovação, experimentação e criação de capital social, construção de rede,
ao estabelecimento de canais de comunicação efetivos tanto internamente quanto externamente, ao
diálogo e à concertação.
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“A gestão social eficiente deve tender a privilegiar a participação da comunidade, descentralizar
para os municípios, propiciar formação de redes, transparência, monitorar e avaliar programas. Tudo
isso impõe a necessidade de capacidades, atitudes, orientações e critérios gerencias muito
particulares, bem diferenciados dos que supõe a tradicional gerência” (Kliksberg, 2001).
As particularidades da gestão social requerem, portanto, aliar domínio cognitivo (conhecimento
teórico/técnico) e conhecimento operacional a habilidades, atitudes e sensibilidade à cultura (valores,
ritos, mitos, referenciais simbólicos).
A seguir, apresentamos as competências e habilidades que acreditamos fundamentais para os gestores
atuarem no social, ressaltando que elas não devem ser consideradas independentes, mas sobrepostas e
interrelacionadas.
2.1.O gestor social dinamiza redes
As redes vêm se configurando como um instrumento de gestão inovador para as organizações, sejam
elas do setor público, privado ou do terceiro setor. No setor público elas ganharam importância à
medida que o Estado deixa de ser o único ordenador da vida social e passa a dividir com a sociedade
funções e responsabilidades (Lechner, 1997).
No campo complexo das políticas sociais, onde os problemas são formados por uma série de questões
que se interagem, a gestão em rede permite estabelecer conexões com uma diversidade de atores
envolvidos, facilitando tanto a apreensão dos problemas na sua totalidade, quanto a construção de ações
integradas e de compromissos compartilhados. Trata-se de sistemas vivos que se formam em torno de
interesses comuns, intersecionando ações de diferentes esferas do poder público com ações civis e
abrindo espaços para novas formas de convivência social e aprendizado coletivo.
Neste contexto, o Estado aparece como a energia propulsora dessas interações feitas de pessoas,
grupos, organizações e/ ou movimentos cujos objetivos podem ser troca de informações ou
conhecimentos, resolução de problemas, formação de políticas ou proteção social, para citar apenas
alguns.
As redes se caracterizam não só pela pluralidade de atores como também pela autonomia e
interdependência das partes. Todos participam porque se complementam, têm algo a aportar. Há uma
nítida divisão de atividades entre os membros, pois nenhum membro pode dedicar-se a tudo ao mesmo
tempo e sozinho, tem que fazer delegações por algum tempo ou a tour de rôle.
Para que essas inter-relações sejam fluidas, necessita-se de animadores. O gestor social deve, assim,
desempenhar o papel de dinamizar essas ligações, mantendo-as vivas. Porém, por ser uma prática ainda
incipiente no Estado, ele precisa, antes de tudo, disseminá-las e consolidá-las, ainda que, para isso,
tenha que quebrar com os enclaves burocráticos. As parcerias interorganizacionais, a coordenação
intersetorial e as relações horizontais permitem, efetivamente, melhor receptividade às demandas
sociais.
A cultura de redes diz respeito, portanto, não só à melhoria da própria gestão interna da ação pública,
mas também ao reforço das ligações do Estado com a sociedade. Internamente, ajuda a eliminar ações
isoladas, uso ineficiente de recursos e magros resultados. A natureza estrutural da questão social
demanda políticas públicas coerentes e legitimadas, pois ação isolada não resolve problema algum.
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Maiores impactos e melhores resultados só serão obtidos a partir de esforços integrados.
As redes sociais são formadas por múltiplos atores que trazem consigo diferentes experiências e
linguagem, que têm pouca prática em trabalhar juntos e preconceitos mútuos (Kliksberg, 2001). O
gestor social tem que saber usar o melhor de cada um e desenvolver capacidade para a escutar,
negociar, concertar e planejar junto.
2.2. O gestor social sabe escutar
A gestão social demanda uma atitude de vigília em relação ao entorno cambiante, aos interesses e
desejos dos membros das diversas redes que se formam, às relações e vínculos que se constroem a
partir dessas tantas interações.
As soluções dos problemas sociais nascem, geralmente, no âmbito local, de baixo para cima. O contato
direto com os principais interessados é fundamental tanto para a análise da situação, formação e
implementação das ações, quanto para avaliações. Com efeito, a melhoria da prestação de serviços
públicos só acontece quando introduzida a partir da perspectiva do usuário.
Estudos realizados demonstram que o processo de melhoria e inovação de serviços surge da interação
com clientes e usuários. Essa interação, segundo Vignolo (1998), vai mais além que um mero interagir
com o cliente. Não se trata apenas de pedir comentários e sugestões, mas de “escutar” o outro, ou seja,
ter a disposição para abrir-se e comprometer-se com o mundo de interesses, preocupações e problemas
do outro. Nesse mesmo sentido vão as observações de Crozier (1997) que acredita que “para ser
inovadores e eficientes, os serviços têm que depender de uma compreensão cabal (que implica saber
verdadeiramente escutar) dos clientes potenciais e reais”.
Assim se passa com a interação com a comunidade, com o cidadão, cujas demandas são quase sempre
pouco claras e, ao contrário, obedecem a lógicas diferenciadas e são, muitas vezes, controversas.
Opiniões contraditórias e até mesmo paradoxais nas mesmas pessoas e grupos são comuns, raramente
existem consenso e uniformidade. Cabe, portanto, ao gestor social desenvolver a sensibilidade para
interpretar as aspirações da população em cada momento.
O saber escutar ajuda a estabelecer as relações de confiança indispensáveis à construção de “sinergias”
(Evans, 1996), “capital social” (Coleman. 1990) e, sobretudo, de soluções a partir do saber de todos e
de cada um.
2.3. O gestor social gestor da complexidade
Uma das principais tendências dos tempos atuais é a complexidade das nossas atividades. As
interdependências de povos, nações, sistemas e ambientes se intensificam e as mudanças são
constantes, rápidas e vertiginosas. A ação administrativa se diversificou enormemente, as
responsabilidades dos governantes e demandas sociais, por sua vez, aumentaram.
Os problemas sociais derivam de uma complexidade de fatores que interagem, tornando o campo
decisório mais complexo, fortemente interdependente e integrado. Podemos, cada vez menos, falar de
“soluções” aos problemas, dado que estas dão geralmente origem a novos problemas.
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A teoria básica de ecossistemas defende que uma abordagem holística é necessária ao se tratar de
sistemas complexos. De fato, ações projetadas para atingir apenas metas estritamente definidas são
contraproducentes. As relações entre os membros de uma comunidade ecológica são não-lineares e, em
conseqüência, existem raramente cadeias lineares de causa e efeito. Desse modo, uma perturbação não
estará limitada a um único efeito, mas tem probabilidade de se espalhar em padrões cada vez mais
amplos (Capra, 1996). No campo da administração pública, a atual tendência à descentralização,
participação comunitária e integração setorial acentua ainda mais a necessidade desse enfoque
sistêmico para as políticas.
Para responder à complexidade, o gestor social tem, primeiramente, que entender que a sua ação não é
independente e que a cooperação possui um maior valor de sobrevivência que a ação individualizada
ou a competição. Um gestor comprometido com este tipo de abordagem é capaz de desenvolver a
sabedoria sistêmica necessária para empreender mudanças, desencadear inovações em prol do
desenvolvimento social. Somente nessa perspectiva é que a complexidade deixará de ser um problema
e se tornará fonte de inovação e criatividade.
2.4 O gestor social sabe negociar
Os processos de formulação e implementação de políticas públicas se caracterizam pela constante
ocorrência de situações marcadas pela multiplicidade de demandas e choque de interesses. Demandam,
portanto, a aquisição de técnicas e conhecimentos básicos referentes à negociação, à mediação de
interesses, à construção de arranjos de cooperação e à "costura" de compromissos.
O domínio dessas técnicas é tanto mais crucial que a ação pública se torna cada vez mais
interdependente. Implica no desenvolvimento de um novo modelo mental que entende que o conflito,
qualquer que seja ele, não está na realidade objetiva, mas na mente das pessoas. Requer habilidade para
interpretar a situação como a interpreta o outro. Em uma negociação, a realidade, como é percebida por
cada uma das partes, constitui o problema e ao mesmo tempo o caminho para uma solução, desde que
as partes compreendam que os fatos não contribuem em nada para solucionar os problemas e que a
chave está em se colocar na perspectiva do outro.
Na área social, é imprescindível que o gestor aprenda a negociar com atores mais desagregados e
fragmentados, mais carentes e solicitantes, mais excluídos e menos cientes de seus direitos.
2.5 O gestor social é multicultural
Em um mundo de intensas trocas e influências externas, o movimento em direção à cultura de diálogo e
tolerância acelera-se. Nele, as qualidades e competências mais requeridas são a empatia e a
adaptabilidade cultural.
A pluralidade cultural existe tanto no seio de uma mesma sociedade, de uma mesma organização
quanto entre diferentes sociedades e organizações. A gestão social implica interações com atores de
meios formativos variados, diferentes culturas e lógicas de ação. Para estabelecer ligações com esses
atores, o gestor social tem que saber respeitar a diversidade.
“As pessoas, as famílias, os grupos (...) são portadores de cooperação, valores, tradições, visões da
realidade, que são sua própria identidade. Se isso for ignorado, saltado, deteriorado, importantes
capacidades aplicáveis ao desenvolvimento serão inutilizadas, e serão desatadas poderosas
resistências. Se, pelo contrário, se reconhecer, explorar, valorizar e potencializar sua contribuição
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pode ser muito relevante e propiciar círculos virtuosos com as outras dimensões do desenvolvimento”
(Kliksberg, 2001).
O sucesso das parcerias institucionais, do trabalho em rede e com equipes interdisciplinares também
depende da aceitação da diversidade, como valor fundamental da convivência humana. Gerir a
diversidade, conciliar as diferenças e promover conciliação são a chave para uma gestão social
eficiente.
O processo de formulação de políticas públicas sociais, além de uma abordagem interdisciplinar,
vimos, implica participação comunitária. De fato, a participação, além de trazer compromisso, melhora,
sobremaneira, os desenhos de políticas e projetos sociais, pois incorpora as reais necessidades da
comunidade.
“Posso aproximar-me do outro para tratar de fazer-lhe ver o que eu vejo (postura assistencial) ou
posso estar tratando de entender o que o outro diz ou faz para partir da percepção dele. Que não
haja uma identidade perfeita das coisas ou das pessoas é o que permite as variações e as escolhas,
as inovações e os avanços (e retrocessos) dos processos sociais...”. (Villasante, 2002).
2.6 O gestor social sabe inovar
A inovação é, hoje, um princípio fundamental e universal de sobrevivência de qualquer sistema, seja
ele biológico, produtivo, social ou político. Ao perderem sua capacidade de inovar, isto é, de se adaptar
às mudanças do entorno para manter a congruência com o mesmo, os sistemas simplesmente
desaparecem. (Vignolo, 2001).
Para institucionalizar a inovação nas organizações, é preciso estimular o pensamento criativo e as
paixões e romper, assim, com o pensamento racionalista segundo o qual a motivação central para
inovar é a busca pelo lucro. A partir de um estudo de casos com empresas inovadoras no Chile,
Vignolo (1998) identifica o “sentido de missão” como a chave da inovação. A existência de uma
missão que carrega valores, ideais, aspirações sociais e emoções coerentes com os diversos
interessados gera compromissos, prazer de fazer as coisas bem, motivação, elementos essenciais para a
geração de “estados de ânimo” propícios à inovação.
Outro elemento fundamental para o processo de inovação, ainda segundo Vignolo, é a interação da
organização com o seu meio tanto interno quanto externo: clientes, consumidores, usuários, cidadãos,
fornecedores, competidores e outros agentes relevantes. Neste sentido, a atuação em rede, o “escutar” o
outro, o diálogo, as relações de confiança constituem características distintivas das organizações
inovadoras.
2.7 O gestor social cria sinergias e capital social
Evans (1996) acredita que a sinergia Estado-Sociedade pode ser um grande catalisador de
desenvolvimento. Afirma que as “normas de cooperação e redes de engajamento cívico entre cidadãos
comuns podem ser promovidas pelo Estado e utilizadas para fins de desenvolvimento”. Constata,
porém, que, em função de estruturas sociais não igualitárias, os países do terceiro mundo não possuem
a base para construir relações sinérgicas. Estudos empíricos têm mostrado, no entanto, que é possível
construir sinergias.
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“...They suggest that even when social and political context is inauspicious, creative cultural and
organizational innovations can still produce results. Sometimes building synergy depends on
transforming established worldviews. Sometimes it involves introducing innovative “soft technologies
at the organizational level. Sometimes it involves simply rethinking the nature of the problem that a
government agency is trying to address. Any of these strategies can make synergy constructable.”
Evans (1996)
Na verdade, a construção de sinergias depende da percepção das pessoas sobre si mesmas e o outro e,
portanto, mesmo em sociedades autoritárias e pouco afeitas à participação, táticas institucionais
inovadoras desorganizadas podem promover sinergias, basta que a prática seja disseminada.
Evans está seguro de que a sinergia se constitui uma real possibilidade para os países que queiram
promover o bem-estar de seus cidadãos e que sua prática ajuda a promover capital social.
2.8 Gestor social usa a “inteligência estratégica”
A inteligência é freqüentemente definida como a capacidade de se adaptar ao ambiente. A inteligência
estratégica, por sua vez, é um termo utilizado no mundo empresarial para definir o conjunto de ações
de pesquisa, tratamento e disseminação de informação útil aos atores econômicos.
O ambiente gerencial, hoje, se caracteriza pela complexidade, incerteza, superabundância de
informação e pela obrigação de antecipar demandas, inovar, reagir, adaptar, “imitar” e tomar decisões
rápidas e acertadas. Para lidar com este ambiente, todo gestor necessita se engajar em uma política de
inteligência estratégica que englobe a implementação da função de observação e vigília com vistas a
detectar, analisar e monitorar todos os sinais que possam colocar em questão sua estratégia.
Para a área social, a inteligência estratégica pode se constituir em uma importante ferramenta de apoio
à gestão, pois ajuda a conhecer a realidade social para captar os sinais de mudança e poder antecipar,
agir, monitorar, avaliar e retroalimentar ações e políticas. Ajuda também a identificar experiências
nacionais ou internacionais, possibilitando, assim, aprender a partir de comparações e obter insumos
para possíveis soluções.
III – A Formação de Gestores Sociais: Desafios e Perspectivas
Os governos da atualidade estão sendo levados a adaptar seus sistemas de administração pública e de
governança aos desafios impostos pelas novas realidades. Para os governos da América Latina, o
desafio mais premente é promover o desenvolvimento social através da erradicação da pobreza e
inclusão social. E a realização desses objetivos requer uma administração pública eficaz, com recursos
humanos capacitados dentro de uma nova visão, com valores éticos e compromisso com o bem comum.
A Fundação Luís Eduardo Magalhães tem sido chamada pelas diversas secretarias do governo do
Estado da Bahia a apoiá-las no processo de melhoria da qualidade da educação e treinamento do seu
pessoal. Nesse sentido, um das suas maiores preocupações tem sido criar espaços para
questionamentos, reflexão, experimentação e inovação. Com uma atividade sistemática de coleta de
informações sobre experiências, metodologias, modelos de excelência, material didático e experts e de
promoção de seminários de sensibilização, a Fundação tem conseguido agregar algum valor a essa
atividade.
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Através do seu Centro de Inovação e Intercâmbio em Administração Pública, programa conjunto com a
Divisão de Administração e Economia Públicas do Departamento das Nações Unidas de Assuntos
Econômicos e Sociais – UN/DESA/DPEPA, a Fundação estará compartilhando com o Governo do
Estado da Bahia os resultados dos esforços dessa Divisão no que diz respeito à melhoria da qualidade
da formação na administração pública. O DPEPA, em parceria com a Associação Internacional de
Escolas e Institutos de Administração, criou um programa, com duração de 4 anos, que prevê não só a
avaliação das necessidades como também a assistência técnica e implementação de projetos. Na
verdade, um dos grandes papéis do Centro é aprender com as experiências de outros e promover este
tipo de aprendizagem na gestão pública.
No que diz respeito à formação de gestores públicos sociais, a Fundação, entendendo a importância,
especificidade do tema e, também, antecipando demandas, decidiu se debruçar sobre a questão, com o
objetivo de catalisar a construção de uma política de formação de gestores sociais para o governo do
Estado da Bahia, que esteja em congruência com o compromisso de mudança e de promoção do
desenvolvimento social.
A sua primeira medida foi buscar conhecer experiências já consagradas em formação de gestores
sociais, como o “Curso de Directivos en Diseño y Gestión de Políticas y Programas Sociales” do
INDES – Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social do BID – Banco Interamericano de
Desenvolvimento, por exemplo, considerado um dos mais importantes. Em seguida, contatou
especialistas nacionais e internacionais na área social e de formação de pessoal. No momento, está
mapeando os gestores do Estado que trabalham quer seja na formulação de políticas sociais, quer seja
na implementação de programas sociais. O objetivo é organizar, em parceria com a Escola de
Administração da Universidade Federal da Bahia, que está iniciando um curso de gestão social, um
grupo focal, formado pelos gestores públicos das Secretaria de Combate à Pobreza e Desigualdades
Sociais, de Trabalho e Assistência Social, de Saúde, de Educação e de Planejamento, pelos gerentes de
projetos sociais que compõem o PPA – Programa Plurianual 200-2003 e dirigentes de órgãos da
administração indireta voltados para a área social. A reunião visa avaliar as necessidades em formação
e retirar relevantes inputs do público-alvo.
Ao desafio de ajudar a construir uma política de capacitação dos recursos humanos para a área social, a
partir da reflexão sobre perfis desejáveis e análise de necessidades soma-se o de promover mudanças
na estrutura administrativa do Estado e na sua forma de relacionamento com a sociedade.
3.1 Mudança na Cultura Organizacional
A gestão do governo do Estado da Bahia é ainda fortemente marcada pela ação setorial isolada, pela
visão fragmentada e, no que tange à área social, existe, muitas vezes, um grande vazio da ação pública.
Superposições de funções e preocupação em se proteger as fronteiras setorias marcam a conduta das
secretarias e organismos públicos. As áreas Econômica, de Ação Social, Planejamento, Educação,
Saúde, etc dificilmente trabalham de maneira coordenada, articulada, em rede, explorando todas as
interconexões possíveis, mas, ao contrário, tendem a defender firmemente o seu território. Falta o
entendimento de que as problemáticas sociais têm raízes múltiplas e profundamente inter-relacionadas.
O Estado carece, portanto, de uma gestão social efetiva. Só recentemente, com a criação da Secretaria
de Combate à Pobreza e Desigualdades Sociais e do Fundo Social de Combate à Pobreza, tornou o
social o centro de sua ação administrativa. A gestão social eficiente é aquela que otimiza o rendimento
dos esforços dos atores sociais no enfrentamento dos grandes déficits sociais, e que melhora o
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funcionamento e resultados do investimento em capital humano e social ( Kliksberg 1996).
A Secretaria de Combate à Pobreza e Desigualdades Sociais foi criada com a finalidade de promover,
coordenar, acompanhar e integrar as ações governamentais destinadas a reduzir a pobreza e a
desigualdade social e as suas respectivas causas e efeitos.
Segundo Kliksberg (2002), a questão da gestão social vai além da simples coordenação, necessita uma
gestão sinérgica que aproveite as potencialidades de complementaridade, integração e externalidades
que podem surgir da ação conjunta das organizações participantes. Sem este enfoque sinérgico, afirma,
não poderemos esperar por uma eficiência e impacto de programas sociais.
A formação, portanto, de um novo perfil de gestores passa, efetivamente, por uma mudança na cultura
das organizações. E, como afirma Crozier, não se mudam as instituições por decreto. Trata-se aqui de
um processo longo e doloroso, em que o modo de atuar isoladamente terá que dar lugar a um novo,
baseado em arranjos cooperativos, tanto operacional como estrategicamente.
3.2 Descentralização Administrativa para os Municípios
Outro grande desafio da formação de gestores sociais diz respeito aos Municípios. Entendemos que a
descentralização é imprescindível para a melhoria da gestão social, sobretudo no que tange à entrega de
serviços públicos. De maneira geral, e a Bahia não é exceção, os municípios não possuem área
institucional especializada no social, e mesmo quando existe alguma, ela faz parte de outras áreas.
Ademais, nos municípios mais afastados, os servidores municipais possuem, na sua grande maioria, um
nível baixíssimo de formação e, por conseguinte, baixíssima capacidade para executar políticas sociais.
O seu modelo gerencial é ainda fortemente marcado pelo clientelismo e patrimonialismo. Nesse
sentido, a questão que se coloca é como melhorar a capacitação dos gestores sem intervir nesses
aspectos.
A Fundação apoiou a Secretaria da Fazenda a implementar um programa de capacitação municipal na
área financeira cujo objetivo era ajudar os dirigentes a disciplinar a conduta das políticas fiscais dentro
da Lei de Responsabilidade Fiscal. Apoiou, também, a Secretaria de Planejamento, Ciência e
Tecnologia a implementar o Programa Faz Cidadão, que tem como objetivo viabilizar o
desenvolvimento dos 100 municípios mais pobres. Coube à Fundação coordenar as ações de
capacitação dos líderes comunitários do Fórum criado para realizar o diagnóstico local e formar um
plano de desenvolvimento baseado na metodologia DLS (Desenvolvimento Local Sustentável), do
Comunidade Solidária.
Através dessas experiências, podemos constatar o grau de carência dos nossos municípios e as
dificuldades de intervenção de qualquer natureza. Sobressai a urgência em formar uma política para
capacitação dos recursos humanos locais de maneira a fortalecer o governo municipal.
3.3 Participação Popular
Outro desafio para a formação de gestores sociais é a introdução da variável participativa no desenho,
gestão e avaliação das políticas e programas públicos. Ainda que já se saiba que, além de melhorar o
rendimento dos projetos e garantir a sua continuidade, a participação ajuda a fortalecer a cidadania, o
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Estado da Bahia não tem tradição de se articular com a sociedade civil e as comunidades pobres para
encontrar soluções válidas para os problemas. Na verdade, temos um déficit histórico de participação
no país, apesar de algumas importantes e concretas experiências a exemplo do orçamento participativo
de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e da criação dos Conselhos de Saúde e dos Conselhos
Municipais de Educação.
Quanto à retórico já se aceita a participação, mas os desenhos de políticas, na sua grande maioria, ainda
são feitos intramuros, nos enclaves burocráticos. Os organismos multilaterais de financiamento, por
outro lado, já vêm impondo essa prática nos projetos que financiam, porém, muitas vezes, quando há
participação no desenho ou em alguma outra etapa do processo, não se incorpora os frutos desse
diálogo, gerando fortes frustrações nas comunidades e comprometendo disposição futura para outros
processos participativos.
Através do já mencionado Programa Faz Cidadão e da experiência com a elaboração da Agenda Social
para os Jovens de Salvador, demos-nos conta de que existe um potencial latente de participação no
Estado, mas que, concretamente, falta consolidar a prática. Com o Faz Cidadão, a questão que se
colocou foi como fazer para atender os anseios expressos pela população durante o processo
participativo. Foram mobilizados líderes na comunidade para compor um Fórum e construir uma
agenda de prioridades para o desenvolvimento da comunidade. Não temos certeza se esta agenda está
sendo implementada, quanto mais que, como fora mencionado anteriormente, os municípios possuem
baixíssima capacidade de implementar políticas sociais. Para a Agenda Social, reunimos praticamente
todos os atores envolvidos com programas de jovens e conseguimos, após 20 encontros, elaborar um
documento. O problema que se coloca agora é como transformar essa agenda em políticas públicas.
Apesar de estarmos dominando algumas técnicas aplicáveis aos processos participativos, temos ainda
muito que avançar e aprender.
3.4 Avaliação de Programas e Políticas Públicas
Outra questão crítica para a formação de gestores sociais é a avaliação. Não temos cultura de avaliação,
no seio do governo nem da sociedade. O cidadão brasileiro, não muito diferente do da América Latina,
não tem a cultura de análise, avaliação e proposição de políticas e serviços públicos. Mesmo dotando os
gestores dos melhores instrumentos e ferramentas de avaliação, se não temos essa cultura, não
avançaremos muito. Por outro lado, o Estado não adotou, como prática, a análise sistemática dos
resultados de sua ação. Os sistemas de informação gerencial que poderiam auxiliar na construção de
indicadores não possuem dados atualizados, confiáveis e precisos. Sabemos que a construção de
indicadores é fundamental para a avaliação e constitui-se, hoje, no desafio comum a muitos países.
Assim, além de transformar a avaliação em um poderoso instrumento de melhoria da sua performance,
o Estado tem, ainda, que desenvolver mecanismos de participação ativa da comunidade, dos usuários
dos serviços.
3.5 Articulação Setorial
Para a criação de uma gestão pública social de boa qualidade, é preciso melhorar a articulação entre as
políticas econômicas e sociais. No governo do Estado da Bahia e mesmo no Brasil, o social ainda está
desvinculado do econômico. As resoluções de fundo sobre políticas econômicas que vão incidir
decisivamente sobre o social são tomadas sem a anuência da área social. Falta uma grande interlocução
dessas áreas. Do mesmo modo, ainda impera a visão de que a ação deve estar separada da planificação.
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3.6 Formação Continuada
As estratégias de recursos humanos do setor público tendem a orientar a formação para os gestores que
estão ingressando no Estado, esquecendo os que já operam no serviço público. Os novos profissionais,
em contato com uma geração de servidores burocráticos não atualizados, poderão acabar se
convertendo em um deles. A questão que se coloca é como fazer para que as novas gerações de
gestores sociais permaneçam agentes de transformação da cultura organizacional e do modelo de
gestão de políticas e programas e que a geração atual possam renovar-se.
Nesse sentido, a criação de uma estrutura de formação continuada, com acompanhamento pós formação, assistência técnica e avaliação de performance e de novas necessidades em capacitação
ajudaria a manter vivo o compromisso de inovação e adaptação permanente.
A proposta é construir uma ampla rede formativa, composta por instituições de ensino e formação e por
responsáveis de Recursos Humanos do Estado, para troca de conhecimentos e experiências e para
pensar a gestão social a partir de novos marcos interpretativos e como campo de reflexão, estudo,
formação e ação.
IV. Considerações Finais
Todos os aspectos levantados anteriormente demonstram que um dos maiores desafios da formação de
gestores sociais está em adaptar a organização, no caso a Administração Pública, para a aplicação das
novas capacitações. Estas mudanças implicam a construção de uma nova cultura organizacional, aberta
à inovação, avaliação, aprendizado coletivo e contínuo, cooperação e participação da população e de
uma administração capaz de atender e dar solução efetiva aos problemas sociais.
Outro importante desafio é integrar a capacitação aos objetivos organizacionais e metas globais
prioritárias. Neste sentido, é de fundamental importância identificar as necessidades em capacitação a
partir do contexto local, de maneira a avalia-las, reavalia-las e atualiza-las constantemente. Importa
também traçar um perfil do gestor social, não apenas a partir da visão teórica mas também das
estratégias organizacionais e da própria prática social.
Formar gestores sociais significa antes de tudo formar cidadãos. Os programas de formação devem,
portanto, se concentrar na preparação de cidadãos que compreendam a problemática social na sua
totalidade e que possam vir a contribuir para a sua melhoria. Ajuda-los a melhor compreender o meio
ambiente, sua ecologia e sua cultura, de maneira a desenvolverem sensibilidade aguçada pela sua
comunidade.
O papel da Fundação Luís Eduardo Magalhães é catalisar soluções inovadoras para a formação,
implementação e gestão de uma política orgânica de fortalecimento e desenvolvimento da gestão social
transformadora no Estado da Bahia.
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Geraldo Machado
Formado em engenharia elétrica pela Universidade Federal da Bahia. Tem atuado nos últimos 15 anos
em posições executivas em organizações públicas. Foi Diretor da Fundação Cultural do Estado da
Bahia, Diretor Executivo do Promoexport – Centro Internacional de Negócios da Bahia, Secretário de
Indústria, Comércio e Mineração do Governo do Estado da Bahia e, atualmente, é Diretor-geral da
Fundação Luis Eduardo Magalhães. Presidente do Conselho de Administração do Liceu de Artes e
Ofícios e da Fundação Casa de Jorge Amado e membro do Conselho de Cultura do Estado.
Monique Badaró Campos
Bacharel em Relações Internacionais pelo Institut d’Etudes en Relations Internacionales, Paris, França
e Mestranda em Gestão Pública pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Coordenadora do
Centro Internacional de Inovação e Intercâmbio em Administração Pública da Fundação Luís Eduardo
Magalhães.
As comunicações com os autores podem ser endereçadas a:
Fundação Luís Eduardo Magalhães.
3° Avenida, 310 – Centro Administrativo da Bahia,
Salvador- Bahia, Brazil, 41746-900
Tel. +55.71.370 3994 / 3995
Fax +55.71.370 3993
E-mail: [email protected]
Website: www.flem.org.br
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