Uma nova gestão na educação brasileira: as mudanças reais

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Uma nova gestão na educação brasileira: as mudanças reais
VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
Uma nova gestão na educação brasileira : as mudanças reais
Sergio Tiezzi
Assessor Especial do Ministro da Educação
Brasil
Introdução
Em 1994, faltando seis anos para o final do século 20, o mundo estava em plena era do conhecimento e
exigia trabalhadores e cidadãos crescentemente qualificados. Os avanços tecnológicos e gerenciais no
mundo da produção implicavam que o progresso e mesmo a sobrevivência das nações dependiam cada
vez mais de sua capacidade de criar e de incorporar conhecimento aos bens e serviços, produzidos para
um mercado global cada vez mais competitivo, sofisticado e exigente.
Na política, a afirmação da democracia no Brasil trazia como condição e corolário a participação
informada, crítica e consciente do cidadão na vida social. Aí também, o acesso à educação mostrava-se
indispensável para lidar com a crescente diversidade e complexidade da vida social e política.
Nesse cenário, o país não podia se conformar com a educação que tinha.
No Brasil temos 60 milhões de estudantes, cerca de 1/3 da nossa população, distribuídos pelos vários
níveis de ensino. Praticamente uma população do tamanho da França e quase o dobro da Argentina. Em
1998, o total do gasto público em educação no país chegou a 5,2% do PIB, bem acima do que se
verifica na Argentina, no México ou na Coréia.
A estratégia adotada nos últimos oito anos foi a de implementar políticas claras e complementares em
todos os níveis, de maneira a formar um todo coerente e com um sentido preciso. Alguns eixos
nortearam todo o trabalho: a universalização; a equidade; promoção da cidadania como objetivo do
processo de ensino/aprendizagem; a descentralização de recursos e competência; avaliação permanente
em todos os níveis de ensino; o fortalecimento da capacidade de gestão de gestores estaduais e
municipais e o respeito à diversidade regional brasileira.
Hoje, oito anos depois, temos um cenário educacional completamente distinto: a escolaridade dos
alunos entre 7 e 15 anos, que em 1994 era de 86% é hoje de 97%. Foi um crescimento extraordinário,
se pensarmos que o Brasil conseguiu antecipar e superar a meta estabelecida junto à UNESCO no
Plano Decenal de Educação para Todos, que previa elevar a, no mínimo, 94% a cobertura da população
em idade escolar até 2003. Na faixa dos 20% mais pobres, o salto foi de 75% para 93%. No Nordeste –
região mais pobre do país – a escolarização cresceu 22 pontos percentuais, praticamente eliminando a
desigualdade entre as regiões no acesso ao ensino fundamental. Dados igualmente animadores podem
ser apresentados sobre a ampliação do acesso ao ensino infantil, médio e profissional. No ensino
superior passamos de 1,7 milhões de estudantes para quase 3 milhões nesse período. Ao aumento das
matrículas correspondeu o aumento nas conclusões em todos os níveis: desafogou-se o sistema,
reduziu-se a defasagem idade-série.
Muito se tem falado sobre os grandes avanços da educação brasileira. Nas palavras do Presidente
Fernando Henrique Cardoso, foi feita uma revolução silenciosa na educação, dentro da normalidade
institucional, mas não por isso menos radical em seus resultados. Esse trabalho tem obtido
reconhecimento dentro e fora do Brasil.
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Há uma outra revolução, menos visível, mas de enorme importância como suporte desse processo: a
revolução na gestão da educação brasileira: uma reflexão estratégica que redundou num plano de ações
para a educação no país. Era preciso construir um compromisso real da sociedade e dos três níveis de
governo com a qualidade, o financiamento e o gerenciamento do sistema educacional; implantar um
novo estilo de gestão, onde se destacassem a equidade, a descentralização com controle social, a
construção de parcerias e o foco em resultados finais.
Criou-se um arcabouço jurídico mais propício, estabeleceu-se redes de organizações para a missão de
educar, obtive-se maior participação e comprometimento dos Estados e municípios.
Descentralizamos, simplificamos, desburocratizamos: da compra da merenda escolar ao dinheiro direto
na escola, da escolha dos livros didáticos aos cartões da Bolsa-Escola, os recursos e as
responsabilidades cada vez mais foram sendo repassados aos municípios, às direções e conselhos
escolares, às famílias dos alunos. Não se trata apenas de um mecanismo simples de repasse de verbas,
mas, sobretudo, de uma transferência de poder. Fortaleceu-se a sociedade e criou-se condições
estruturais – e com sustentabilidade – para o bom funcionamento das escolas.
A Transformação Gerencial
O Brasil convive com duas temporalidades muito distintas no que se refere aos serviços públicos. Uma
delas diz respeito ao tempo da burocracia, que é o tempo vagaroso, obstaculizado, dos processos e
prazos. A outra é o tempo social – num país com tamanhas desigualdades, este tempo é o da urgência.
A co-existência destes dois tempos significa que, apesar de todos os avanços, existe ainda um
distanciamento entre os anseios e necessidades da população e a capacidade do governo, em suas três
esferas, em satisfazê-los. As transformações da política educacional iniciadas em 1995 tinham clareza
quanto a tarefa de diminuir a distância entre estas duas temporalidades.
Em 1995, o trabalho começou com um diagnóstico objetivo e livre de preconceitos. As tradicionais
receitas batiam nas mesmas teclas: construir mais escolas, aumentar – dobrar, triplicar – os orçamentos
da educação. Ousou-se contestá-las. O Brasil não gastava pouco em educação: gastava mal. Estudos
mostravam que, dos recursos destinados à educação, apenas um terço chegava às salas de aula,
enquanto os outros 2/3 se perdiam nos corredores da burocracia. A distribuição dos recursos
financeiros não estimulava a universalização e reforçava as diferenças regionais. As regiões mais ricas
apresentavam sistemas educacionais mais desenvolvidos em comparação com o Norte e Nordeste,
perpetuando as condições sócio-econômicas e regionais desiguais.
Era preciso trabalhar na conformação de um novo marco legal para o setor. Em 1996 foi aprovada a
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394/96), peça central das profundas
transformações por que passa o sistema educacional brasileiro. Com ela, ficaram claros os papéis e as
responsabilidades de cada nível de governo: União, estados e municípios. Mas a universalização do
ensino fundamental requeria uma radical alteração do processo de financiamento da educação e de sua
vinculação com o gerenciamento do sistema educacional. Para isso o principal instrumento foi a
criação do Fundef – o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério. Desde sua implantação efetiva em 1998, o Fundef tem proporcionado a efetiva aplicação de
recursos a melhoria da qualificação e da remuneração dos professores. Com isso, melhorou a qualidade
da escola, e alcançamos o inédito índice de 97% das crianças matriculadas no ensino fundamental.
Isto não poderia ter sido obtido, em tão pouco tempo, pelo governo federal ou pelo Ministério da
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Educação sozinhos. O caminho trilhado pelo MEC e compartilhado pelas demais instâncias
governamentais e sociais tem sido o das parcerias. Parcerias significam suspender antagonismos em
prol do bem comum. O aumento da participação dos governos locais aproxima o cidadão dos
tomadores das decisões, fortalecendo o controle das ações públicas pela comunidade. Os conselhos
municipais e as Associações de Pais e Mestres (APM) viabilizam a instituição de um verdadeiro
diálogo público, criando relacionamentos produtivos entre governo e cidadão. Incentivamos tal
processo em todos nossos programas.
Implantamos o programa Bolsa Escola Federal – programa decisivo no combate à pobreza estrutural –
em prazo recorde, dentro de uma concepção inteiramente apoiada no compromisso das Prefeituras, na
participação dos Conselhos Municipais e no repasse dos recursos diretamente aos beneficiários finais,
sem intermediação burocrática. Isso ajuda a encurtar a distância entre as temporalidades: o tempo lento
da burocracia e o tempo urgente dos reclamos sociais.
Essa inovação implicou o estudo detalhado das dificuldades do setor de educação e das alternativas
para os problemas encontrados. Desta forma iniciamos a transformação do funcionamento do sistema
de ensino. Pudemos determinar as atividades necessárias do ponto de vista legal, administrativo, de
conteúdo e comunicação, para que as alterações visualizadas como cruciais para o ensino produzissem
resultados efetivos para os cidadãos. Forma diferente de proceder da burocracia que desenha ações e
programas a partir de suas estruturas e normas e não das reais necessidades da sociedade. Esse
procedimento significou, inclusive, alterações constantes na estrutura do Ministério da Educação, que
não contava com equipes e procedimentos, por exemplo, para a TV Escola (ensino à distância) ou para
a Bolsa-Escola.
Os resultados alcançados são animadores. Colocam-nos na direção de um futuro melhor para nosso
país. Foram frutos não apenas de firme compromisso político, mas também de um sistemático processo
de transformações gerenciais. O que foi realizado não foi efeito mágico ou temporário. São os efeitos
de um projeto bem concebido, inovador, ousado, que soube usar a criatividade e a perseverança para
alcançar os resultados a que se propôs. Este é o caminho da transformação que o Brasil precisa.
Descentralização e Participação
Desde o início dos anos 80, um conjunto de reformas político-institucionais redundaram na recuperação
das bases federativas do Estado brasileiro e na autonomia dos entes federativos. A retomada das
eleições diretas para os governos estaduais em 1982, a definição dos municípios como entes autônomos
na Constituição de 1988, tendo como consequência uma descentralização fiscal implicaram em
relações próprias a um Estado federativo. As relações entre os três níveis de governo passaram então a
operar sobre bases institucionais inteiramente distintas daquelas que caracterizaram as relações
intergovernamentais durante o regime militar. Em termos político-institucionais, nos anos 90, governo
federal, governos estaduais e governos municipais passaram a ser autônomos, soberanos e
independentes.
Nesse contexto foi possível avançar com o processo de descentralização no Brasil. Após o texto
constitucional de 1988 criou-se bases políticas e institucionais para avançar no processo de
descentralização.
As cidades são o espaço para construção da cidadania, para o convívio harmonioso e fértil das
diferenças. A descentralização permite o florescimento de experiências, a delegação de poderes, a
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multiplicidade de decisões e que cada localidade procure a sua vocação e suas próprias soluções. O
atual governo teve determinação política de levar a cabo este processo em toda área social. Na
educação, descentralizou-se tudo.
O objetivo foi descentralizar a execução de recursos federais, reforçar a autonomia gerencial e a
participação social e contribuir para a melhora da estrutura física e pedagógica das escolas. A começar
pelo FUNDEF que, ao definir fonte estável de recursos ao financiamento dos gastos, define critérios
explícitos para sua aplicação e distribuição entre esferas de governo. Desse modo, gera uma saudável
concorrência entre estados e municípios por alunos matriculados, induzindo melhoria da qualidade da
educação pública.
Outro aspecto da descentralização na educação são os programas do MEC. Houve um esforço no
sentido de descentralizar recursos e poder de decisão relativo aos programas para a ponta do sistema,
em alguns casos de modo bem profundo.
O programa da merenda escolar acrescenta recursos automáticos aos cofres municipais. Recursos que
não estão sujeitos à negociação política, cujos montantes serão tanto maiores quanto maiores forem os
alunos sob sua responsabilidade. Trata-se de um desenho particularmente atraente do ponto de vista do
gestor local. O Programa Dinheiro Direto na Escola transfere recursos para a Associação de Pais e
Mestres – que opera como unidade executora do programa. Dessa forma, a gestão de recursos
financeiros desloca-se diretamente para a unidade escolar. A educação profissional é cada vez mais
local e comunitária, a partir do financiamento inicial e da assistência técnica do Ministério. O Bolsa
Escola Federal, por sua vez, transfere recursos diretamente às mães dos alunos para que elas decidam o
que é melhor para a educação de seus filhos.
Do ponto de vista gerencial, um município pode observar novas soluções adotadas por outros, anotar
sucessos ou fracassos, e adotar suas próprias práticas, tendo se beneficiado da experiência de outros. As
decisões do Ministério da Educação foram dirigidas para dar capacidade de gestão dos recursos –
financeiros, organizacionais, humanos – da educação aos estados e municípios.
Não basta, entretanto, apenas descentralizar. A sustentabilidade desse processo depende da apropriação
dos programas por parte dos beneficiários – um efetivo controle social. Ao fornecer numerosas arenas
para a tomada de decisão, a descentralização envolve muitas pessoas no processo de governo,
melhorando a própria qualidade das decisões.
É preciso ressaltar os resultados extremamente positivos no que se refere à ampliação dos níveis de
interesse e participação da comunidade na definição de políticas locais e no controle e avaliação dessas
políticas. Embora ainda existam muitos obstáculos, limitações e mesmo distorções nesse processo,
pode significar a médio e longo prazo uma ruptura com os padrões de participação política e cidadania
de um enorme segmento da população brasileira. Trata-se de apostar na capacidade que essas
iniciativas, para perdurarem no tempo e terem efeitos multiplicadores, terão de gerar mais capital
social, favorecendo uma perspectiva de parceria entre governo e sociedade. O passo decisivo é o
aumento da permeabilidade do Estado às demandas e às soluções da sociedade por meio da criação de
espaços de diálogo público que atualizem as fronteiras da cidadania, radicalizando a democracia.
Na área da educação existem uma série de experiências bem sucedidas tanto no âmbito estadual como
municipal. À cada projeto do MEC associa-se a obrigação da criação de um conselho comunitário de
acompanhamento e supervisão dos programas. Inovamos, inclusive, ao levar ao limite permitido pela
legislação brasileira o poder de fiscalização efetiva desses conselhos sobre a aplicação dos recursos
públicos transferidos pelo governo. As contas do FUNDEF são abertas para o Conselho de Educação
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local e a sociedade em geral, prescindindo do sigilo bancário.
O terreno em que se enraiza todo esse processo é o da heterogeneidade social e regional que caracteriza
o Brasil, com diferentes capacidades técnico-administrativas instaladas e a cultura política de cada
região. Aí convivem experiências bem sucedidas e tentativas frustradas, vitórias e retrocessos. As
diferentes trajetórias de cada política, a multiplicidade de casos e as distintas respostas impedem as
generalizações.
A descentralização é fundamental, mas a melhoria dos serviços depende sobretudo da capacidade de
instalar núcleos regionais dinâmicos e produtivos, com razoável capacidade gerencial, dotados de infraestrutura e de recursos humanos qualificados, juntamente com o esforço de organização financeira e
administrativa. De todo modo, para a eficácia e eficiência é decisivo transferir o poder de decisão, isto
é, transferir a condição básica de eficiência dos programas cada vez mais para a ponta do sistema. O
processo de descentralização com efetiva participação comunitária se transforma também numa
experiência radical de ‘orçamento participativo’. A partir daí, passam a produzir inovações capazes de
prestar serviços de modo qualitativamente melhor.
Hoje há no Brasil uma forte experimentação de políticas no nível local sob formas mais autônomas.
Esta ‘inovação que vem de baixo’ sem dúvida vem acumulando aprendizagem institucional
significativa, capaz de atuar de forma decisiva para o pleno desenvolvimento social. São inovações
extremamente importantes e tendem a mudar o perfil da política social brasileira.
Avaliação e Informação como Instrumento de Política
Os resultados atingidos ocorreram, além do estabelecimento claro de prioridades e da ação em
consonância com as mesmas, também em decorrência da produção de avaliações e informações que
permitiram um monitoramento objetivo do desempenho do sistema de ensino, em todos os seus níveis.
Das alterações gerenciais que empreendidas, vale destacar a evolução da avaliação da educação por
meio do trabalho do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP. A alta qualidade
das suas pesquisas tornou-as instrumento indispensável ao planejamento e à execução das políticas
públicas do Ministério da Educação e de outros níveis de governo. Em todos os níveis, temos contado
com um conjunto de dados e análises que permitem a tomada de decisões e a agilização dos programas,
de modo a aumentar sua eficácia, eficiência e efetividade. Graças a elas, além de gastar mais, o
governo está gastando melhor os recursos.
Foi criado e desenvolvido um Sistema Nacional de Avaliação do sistema educacional brasileiro. Esse
sistema estabelece metas de melhoria da qualidade do ensino, define objetivos de curto, médio e longo
prazos, difunde metodologias e divulga os resultados obtidos de maneira ampla. Não se avalia somente
o aluno – elo final de uma cadeia de condições que precisam estar adequadas e ajustadas para que ele
alcance o desempenho de que é capaz –, a avaliação começa no trabalho do próprio MEC, e passa por
cada um dos sistemas de ensino. Hoje a avaliação contínua de todos os níveis de ensino é uma
realidade hoje no Brasil. Avaliações que sofreram resistências no início e hoje são exigências da
sociedade e instrumento de cidadania. Antes restrito aos meios acadêmicos e publicações
especializadas, temas de certa complexidade, como critérios e metodologia de avaliação, são agora
discutidos em editoriais e artigos da imprensa.
Somente em relação ao ensino superior, temos hoje três processos complementares de avaliação: o
Exame Nacional de Cursos – conhecido como Provão; o Censo da Educação Superior e a Avaliação
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das Condições de Oferta – realizada por comissões de especialistas. Além de democratizar a
informação, favorecer a fiscalização e o controle social e apontar as deficiências, esses resultados
servem de base para que o Ministério decida se renova ou não o credenciamento das instituições e dos
cursos. Na pós-graduação brasileira temos a avaliação realizada a cada dois anos pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior – CAPES, vinculada ao Ministério da Educação,
historicamente constituída e de enorme reputação junto a toda comunidade acadêmica em atuação no
país.
Criou-se o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, como um alternativa ao vestibular tradicional,
aceito já por mais de 350 instituições de ensino. O Sistema de Avaliação do Ensino Básico – SAEB,
que investiga o desempenho dos alunos do ensino fundamental e médio, teve o escopo e a cobertura
ampliados, além de revisões metodológicas. É reconhecido atualmente, no mundo, como um dos
processos mais desenvolvidos de avaliação do rendimento escolar.
Anualmente é realizado o Censo Escolar. As informações dessa pesquisa orientam a execução de
políticas e programas, inclusive a sistemática de financiamento do ensino fundamental, cuja base é o
volume de alunos que freqüentam as escolas pertencentes a cada município ou estado. O FUNDEF
utiliza os resultados do Censo Escolar para a definição dos coeficientes de distribuição dos recursos dos
estados, municípios e das complementações federais destinadas ao ensino fundamental.
Todas essas informações estão disponíveis ao público no portal do Ministério da Educação na Internet
(http://www.mec.gov.br).
Quanto ao próprio Ministério, a avaliação é realizada em cada programa, por consultorias
especializadas e imparciais, que apontam nossos erros e acertos. Temos perseverado neste caminho,
mesmo que algumas vezes o que os relatórios nos contam não seja exatamente o que seria agradável de
ouvir. Mas o balanço é altamente positivo.
A partir de iniciativa pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, foi feita em 1999 uma
Pesquisa de Avaliação da Satisfação dos Usuários do Serviço Público, onde a educação foi muito bem
avaliada. Realizada em 1999, de forma inédita, mostrou que a educação alcançou 79% de satisfação
dos usuários. Ouvir com atenção os usuários dos serviços é uma forma sofisticada de avaliação. Por
meio desse precioso instrumento parte do setor privado brasileiro conseguiu vencer os desafios da
globalização na década de 90.
A qualidade do trabalho feito pelo INEP nos últimos cinco anos lhe valeu reconhecimento
internacional. Graças aos avanços feitos nos sistemas de avaliação e de informação, o Brasil participa
hoje em estudos internacionais comparativos como o WEI – World Educational Indicators, da
UNESCO/OCDE, e o PISA 2000 da OCDE, que permitem um diagnóstico da situação do Brasil em
relação aos demais países.
A ação pública tem que estar submetida à avaliação permanente. Quem implanta as políticas é o
primeiro responsável por avaliá-la. É preciso verificar se o caminho traçado está correto e se o
resultado da ação concreta está sendo alcançado. Hoje, o Brasil conta com um sistema de avaliação da
educação comparável ao que de melhor existe no plano internacional.
Com esta política rompemos com paradigmas muito arraigados no setor público brasileiro. Não
tínhamos tradição, como outros países, de avaliar os serviços que prestamos. Ao instaurarmos a
avaliação como um dos pilares da nossa gestão, conquistamos um instrumento gerencial que tem sido
de enorme relevância para confirmar bons resultados, corrigir eventuais desvios de rota e melhorar os
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serviços. A avaliação constitui uma orientação estratégica, como deveria ser em toda a administração
pública, de todos os níveis.
Há ainda muito por fazer, mas o processo de avaliação é que vai poder mostrar, a cada momento, onde
já chegamos e indicar o caminho correto.
Conclusão
O mundo atual requer transformações profundas no funcionamento do setor público. Implementá-las
demanda clareza de propósitos, compromissos firmes e interação com a sociedade. Este assunto é
prioritário na agenda do país, pois a gestão pública influi, positiva ou negativamente, sobre todos os
outros, seja a condução da política econômica, seja a execução de projetos sociais.
A gestão do Ministério da Educação nos últimos oito anos possibilitou, a partir desses elementos,
colocar a educação na agenda pública do país de uma maneira definitiva, além de introduzir no próprio
Ministério muitos elementos que faltaram durante décadas: pensamento estratégico e conceitos
modernos de gestão, além evidente de habilidade política para introduzir mudanças.
As dificuldades persistem e não são simples para um país com um passivo social derivada de décadas
de atraso. Se é verdade que o Brasil já está formando 6 mil doutores e quase 20 mil mestres por ano, e
que se destaca na produção científica e na pesquisa de alto nível, também é verdade que temos muito a
avançar nos padrões desejáveis de qualidade na educação básica. Se a universalização do ensino
fundamental já é uma realidade, temos pela frente o desafio de melhorar mais e mais a qualidade do
ensino público brasileiro.
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SOUZA, Paulo Renato (2000).
Resumo biográfico
Mestre em planejamento urbano pela Universidade de Brasília (UnB). Foi diretor da secretaria de
gestão do Ministério do Planejamento (1999-2001); assessor da Casa Civil da Presidência da República
para a área social (1995-1998); analista de informações sociais e econômicos da Fundação Seade do
governo de São Paulo (1992-1995). Atualmente é assessor especial do Ministro Paulo Renato Souza no
Ministério da Educação do Brasil.
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Gráficos
Frequência na Escola de Crianças de 7 a 14 anos,
por níveis de renda
Porcentagem
99
97
94
94
93
97
93
87
83
75
1992
5º quinto
4º quinto
20% mais ricos
1999
3º quinto
2º quinto
1º quinto
20% mais pobres
Fonte: IBGE/PNAD 1999
A universalização do acesso à educação se manifesta claramente por meio da redução das diferenças de
escolarização entre as camadas de renda da população. Em 1992, a escolarização das crianças de 7 a 14
anos, pertencentes às famílias mais pobres, era 22% inferior à das crianças das famílias mais ricas. De
cada quatro crianças pobres uma estava fora da escola. Em 1999, a escolarização das crianças mais
pobres havia aumentado 18 pontos percentuais – um crescimento nove vezes maior que a escolarização
das crianças mais ricas. Assim, a distância entre as duas camadas opostas de renda reduziu-se para
apenas 6%. O mesmo ocorreu com as faixas intermediárias de renda, nas quais se reduziram as
distâncias de escolarização entre elas
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Frequência na Escola do 1º quinto de renda
crianças de 7 a 14 anos, por região
Porcentagem
94
93
92
83
82
79
78
70
1992
Sudeste
Sul
Centro O este
N orte
1999
Nordeste
Fonte: IBGE/PNAD 1999
Na medida em que se reduziram as diferenças de escolarização entre as camadas de renda da
população, as diferenças regionais também foram diminuindo. Em 1992, a escolarização das crianças
de 7 a 14 anos, pertencentes às famílias mais pobres da região Nordeste, era muito baixa. Cerca de 30%
destas crianças não freqüentavam a escola. O Nordeste encontrava-se muito abaixo da região CentroOeste, que apresentava a melhor escolarização daquele ano, entre as crianças mais pobres, embora
fosse igualmente baixa. No final da década, as crianças mais pobres do Nordeste estavam plenamente
integradas no processo de universalização do ensino, assim como as das demais regiões, de maneira
que as diferenças regionais praticamente inexistem. A escolarização no Nordeste cresceu 22 pontos
percentuais entre as crianças mais pobres – quase o dobro do crescimento no Sudeste, que foi de 12
pontos percentuais.
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