anais eletrônicos xviii epi 2015
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anais eletrônicos xviii epi 2015
Projeto Gráfico Lyssa Gonçalves Costa Comissão Organizadora do XVIII EPI Delvânia Góes (Rondonópolis) Fernanda de Mello Cardoso (Rondonópolis) Lediane Manfé de Souza (Sorriso) Lyssa Gonçalves Costa (Cuiabá) Organização dos Anais Ana Antônia de Assis Peterson Lyssa Gonçalves Costa Conselho Editorial Profa. Dra. Ana Antônia de Assis Peterson Profa. Dra. Eladyr Maria Norberto da Silva Profa. Me. Lediane Manfé de Souza Profa. Me. Lyssa Gonçalves Costa Prof. Me. Natália Salomé de Souza Promoção: Encontro de Professores de Inglês (18. ; 2015: Rondonópolis, MT). Colaboração e Práticas Integradoras [recurso eletrônico]/ Ana Antônia de Assis Peterson, Lyssa Gonçalves Costa (orgs.). – Associação de Professores de Língua Inglesa do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: APLIEMT, [2016]. 115 p.: il. ISSN: 2447-5343 1. Linguística Aplicada. 2. Professor de Língua Inglesa. 3. Prática integradoras. I. Título. II. Título: professor pesquisador. III. APLIEMT. SUMÁRIO PREFÁCIO ................................................................................................................. iv FÓRUM XVIII EPI: Práticas colaborativas e integradoras Lyssa GONÇALVES-COSTA ...................................................................................... 5 A QUESTÃO DA AUTORIA NO ROMANCE HIPERTEXTUAL 253 Alice Garcia SILVEIRA ................................................................................................ 7 O PIBID – LETRAS PORTUGUÊS/INGLÊS: PRÁTICAS INICIAIS E VETERANAS MEDIADAS PELAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO DOS MULTILETRAMENTOS Domingos Pinto de FRANÇA; João Felipe Assis de FREITAS; Sabrina Aglae SONAI .................................................................................................................................. 17 OS DESAFIOS NA ELABORAÇÃO DE UM CURSO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE DOIS PROFESSORES DO NÚCLEO DE IDIOMAS E INGLÊS SEM FRONTEIRAS Felipe Ferraz de MIRANDA; Marcos TAVARES;Vinícius Carvalho PEREIRA; Márcia PENNA .......................................................................................................... 25 PRIMEIRAS IMPRESSÕES: REFLEXÕES DE UMA DOCENTE SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO NO NÚCLEO DE IDIOMAS DA UFMT EM RONDONÓPOLIS Fernanda de Mello CARDOSO ................................................................................. 28 i RELATOS DE EXPERIÊNCIA NAS TURMAS PRE-INTERMEDIATE E ELEMENTARY DO PROGRAMA DE TUTORIA EM LÍNGUA INGLESA Gabriel Fritz COVARI; Karihelen Polesso CERUTTI; Emiliana Fernandes BONALUMI .................................................................................................................................. 40 ENTRADA DE UMA PROFESSORA DE INGLÊS INICIANTE NA ESCOLA PÚBLICA: DESAFIOS E REALINHAMENTOS João Pedro Amorim FRANCESCHI; Paula Tuany Silva CAFÉ; Itália Cristina Maciel PINHEIRO; Eladyr Maria Norberto da SILVA ............................................................ 45 A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM E SUA MEDIAÇÃO NA FORMAÇÃO HUMANA DENTRO E FORA DO AMBIENTE ESCOLAR: UM ESTUDO DO PACTO DO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO Isabel Gomes de MORAIS; Tatiane Souza ALVES................................................... 54 LETRAMENTO CRÍTICO, MULTILETRAMENTOS E O ENSINO DE LÍNGUAS: UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA Jordana LENHARDT; Solange M. de BARROS ........................................................ 62 UMA EXPERIÊNCIA COM PROJETO INTERDISCIPLINAR EM AULAS DE INGLÊS NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA Nadir Claudino da SILVA NETA; Maurício Lima Minuzzo dos SANTOS; Eladyr Maria Norberto da SILVA .................................................................................................... 75 DESPERTANDO O INTERESSE E A PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTES NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA NA ESCOLA PÚBLICA: UMA PESQUISA-AÇÃO Nadir Claudino da SILVA NETA; Paula Tuany SILVA CAFÉ; Talita Siqueira de OLIVEIRA; Alice Garcia SILVEIRA ........................................................................... 81 ii ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM A INDISCIPLINA NAS AULAS DE INGLÊS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA EM CONTEXTO DE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES Paula Tuany Silva CAFÉ; Nadir Claudino da SILVA NETA; Eladyr Maria Norberto da SILVA ........................................................................................................................ 91 FICÇÃO E NARRATIVIDADE NO GAME LIFE IS STRANGE Rejania Francisca da Cruz SANTIAGO..................................................................... 98 PRÁTICAS E IDENTIDADE PROFISSIONAL DE UMA PROFESSORA DE INGLÊS BEM SUCEDIDA NA ESCOLA PÚBLICA: UM ESTUDO DE CASO Talita Siqueira de OLIVEIRA; Maria Victória Queiroz de CARVALHO; Eladyr Maria Norberto da SILVA .................................................................................................. 108 iii PREFÁCIO Na segunda edição dos Anais eletrônicos do Encontro de Professores de Inglês (EPI) é possível nos certificar do grande sucesso dos momentos de reflexão promovidos pela Associação dos Professores de Língua Inglesa do Estado de Mato Grosso (APLIEMT) e pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). No XVIII EPI, nos propomos a discutir (e vivenciar) os sentidos de “Colaboração e Práticas Integradoras”. Sendo que com a participação dos convidados e dos inscritos foi possível referir às práticas de pesquisa e formação que abarcaram professores/pesquisadores de diferentes segmentos da educação pública e privada, bem como aos alunos, professores em formação e professores/pesquisadores da universidade. Ademais, vivenciamos e compartilhamos ações e práticas pedagógicas que integraram saberes e esforços entre (e para além) das áreas do conhecimento, promovendo – acima de tudo – uma compreensão de mundo mais abrangente. Da mesma forma, reconhecemos novos meios e caminhos para a dialogicidade entre os saberes e para uma percepção mais complexa das realidades e dos desafios sociais de nosso contexto. Assim sendo, retomando a fala da Presidente, Delvânia Góes, para concluir que através do EPI foi possível “instigar, provocar e inspirar o professorpesquisador-aprendiz-inovador que há em cada um de nós”. Agora, mais uma vez, todo o conhecimento e aprendizado gerado durante os dias 09 e 10 de outubro de 2015 foram eternizados nas páginas que seguem este prefácio. Mas, antes de convidar a todos e toda a se deliciarem com novas descobertas colaborativas e integradoras, agradecemos a colaboração e o trabalho integrado de Ana Antônia de Assis Peterson, pelos direcionamentos, Eladyr Maria Norberto da Silva, pelo apoio, Lediane Manfé de Souza e Natália Salomé de Souza, pelas horas de dedicação. Boas leituras, Lyssa Gonçalves Costa iv FÓRUM XVIII EPI: Colaboração e Práticas integradoras Lyssa GONÇALVES-COSTA O Fórum do XVIII Encontro de Professores (EPI) oportunizou que os professores, alunos e outros participantes trouxessem suas próprias perspectivas sobre a temática abordada durante o evento e as diferentes discussões apresentadas nas palestras, mesa redonda e comunicações. Após as provocações apresentadas, os participantes se reuniram e propuseram suas próprias opiniões e experiências, enquanto alunos e professores. Ao término, um representante de cada grupo trouxe um pouco do que relatado, sendo, então, oito speakers: professores experientes e iniciantes, alunos de primeira ou segunda graduação, membros do Pibid e, também, do Parfor. De maneira geral, houve muitos relatos de como a integração entre professores de diferentes áreas tem se mostrado de grande valia. Interessa frisar que, dentre as falas, práticas colaborativas mostram-se possíveis em diferentes contextos, em escolas rurais, centrais ou periféricas e, até mesmo, entre cidades vizinhas. A palestra de abertura, com a professora Doutora Sandra, motivou Gleici a refletir como projetos estabelecidos interdisciplinarmente trouxeram também a transformação pessoal e profissional dos docentes engajados. Essa integração proporcionou a aproximação entre colegas, pois – nas discussões sobre os planejamentos e, posteriormente, sobre os andamentos e percursos dos projetos – dificuldades que, antes pareciam insuperáveis, mostram-se comuns a mais de um professor e, assim, puderam estabelecer novas estratégias de ação. Os alunos, por sua vez, puderam interagir e integrar conhecimentos, ansiando por mais mudanças nas práticas diárias. Gleici concluiu que todo o desenrolar proporcionou no crescimento em prol dos professores, dos alunos e, claro, da comunidade escolar. Rinaldo, aluno do Pibid, concordou que as discussões entre pares colaboram com a co-construção, fazendo que, após compartilhar esses momentos, os valorizassem e buscassem tratar sempre com os colegas momentos dessa valia. Para ele, estar em sala de aula fez perceber que quando há a falta de integração, muitas outras dificuldades emergem, impedindo – inclusive – a implantação de ideias por parte dos professores e dos alunos. Rinaldo viu – durante sua experiência – que participar de um projeto, como o Pibid, fez que novos horizontes se abrissem para uma realidade local e global, além da sua própria. Daniela, professora da rede estadual há mais de 10 anos, participa de grupos de estudo em sua escola. O que pode ter se iniciado como uma obrigação se tornou em momentos de aprendizado e trocas de conhecimento. Em 2015, trabalharam com sequências didáticas (tratava-se do que é, quais possibilidades, a aplicabilidade etc). Em certo momento, seu grupo estudo decidiu pela valorização de autores e escritores locais, mato-grossenses, e para tal necessitaram passar por grande carga de leituras e discussões. Todas essas ações eram ampliadas e chegavam aos 5 alunos, em diferentes disciplinas com abordagens diversas. O trabalho com uma autora de Rondonópolis-MT, por exemplo, culminou em um encontro entre ela e os alunos, podendo dar a oportunidade a eles de diálogos além da sala de aula. Através dos relatos, fica perceptível que todos os esforços dos professores por práticas mais integradoras são claras aos próprios alunos, que – por sua vez – sentem-se motivados a colaborar e trazer suas próprias ideias, culminando em novos subprojetos. Essas ações proporcionam a tomada de consciência de que a educação não é um projeto para o futuro, abstrato e distante, mas para o presente, o agora e nesse momento. Perceber que todas as ressignificações que perpassam na sala de aula, nos grupos de estudos e nas conversas com os colegas trazem novas nuances de como podemos ver o mundo e os processos de aprendizado. Cristiane, por exemplo, ansiava por mudar o velho discurso de que não tem como se aprender inglês quando nem se sabe o português. E, a partir de conversas colaborativas com colegas, surgiu a ideia da integração de duas escolas em municípios vizinhos. Tal fato motivou e engajou ainda mais os alunos. Cristiane e sua colega colaborada se surpreenderam com os resultados e com todas as implicações que o projeto teve em suas práticas pedagógicas. Para que os alunos pudessem escrever suas cartas aos novos amigos, muito mais do que planejado emergiu, acrescentando novos e inesperados caminhos à ideia inicial. Fátima e Francis passaram por momentos de incertezas sobre os projetos estabelecidos. Fátima se propôs a ensinar a escrita e a leitura de textos em língua inglesa a surdos. Francis estruturou atividades que oportunizassem aos seus alunos, de comunidade rural, que filmassem seus cotidianos e vida pessoal. Ambos tiveram as expectativas ultrapassadas e refletiram em diferentes etapas para saber como poderiam trazer a vida de seus alunos à sala de aula, como entrar no mundo deles? Fernanda, professora do Idiomas sem Fronteiras, se viu desafiada ao adentrar em um contexto acadêmico de ensino de inglês. Ela pôde perceber que, ao dar a liberdade aos alunos para se mostrarem em sala e demostrar os seus próprios conhecimentos, deu muito mais possibilidades de trabalho a si mesmo. O refletir sobre a própria prática trouxe implicações pessoais e profissionais a ela. Conforme os relatos dos representantes, ficou perceptível que ferramentas pedagógicas, tal como o Fórum do XVIII EPI ou grupos de estudos, possibilita, portanto, problematizações acerca das aulas de línguas que demonstram que é possível ultrapassar o estudo de regras, valorizando – inclusive – a cultura local. Ao término das discussões, ainda pairava no ar um questionamento: Por que não quebrar as barreiras impostas pelas paredes da sala de aula através do inglês? 6 A QUESTÃO DA AUTORIA NO ROMANCE HIPERTEXTUAL 253 Alice Garcia SILVEIRA1 Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: De acordo com Compagnon (2001), a questão da autoria é um dos pontos mais controversos nos estudos da Literatura. Na crítica literária, nas escolas e até mesmo na Universidade, é comum observar que muito do que se diz a respeito de uma obra está vinculado à vida do autor e ao contexto histórico e social no qual ele estava inserido quando de sua escritura, como se fora uma confidência, conforme evidenciado por Barthes (1988). Este artigo tem o objetivo de refletir sobre a questão da autoria em um romance hipertextual - 253 – a partir das perspectivas de Roland Barthes, Michel Foucault e Mikhail Bakhtin, a fim de encontrar uma definição sobre o papel do autor e do leitor nessa obra da Ciberliteratura. PALAVRAS-CHAVE: romance hipertextual; literatura; autoria. ABSTRACT: According to Compagnon (2001), authorship is one of the most controversial matters in literary studies. Much of what is said about a text is related to its author‟s life and historical and social context, as a secret which is delivered by him, according to Barthes (1988). This paper aims to reflect about authorship in a hypertextual novel – 253 - from the perspectives of Roland Barthes, Michel Foucault and Michael Bakhtin, in order to discuss the roles of the author and the reader in this text. KEYWORDS: hypertextual novel; literature; authorship. Introdução A figura do autor nos estudos da literatura é um dos aspectos em que há mais divergência de teorias. Compagnon (2001) afirma que esse é um dos pontos mais controvertidos da Literatura. O autor de uma obra é figura importante desde a idade média, como afirma Foucault (2003). Os textos, livros e discursos começaram a ter uma autoria declarada a fim de punir autores de possíveis discursos transgressores. É também comum observarmos que, quando lemos a resenha de alguma obra literária na internet, discutimos com colegas sobre determinados livros e até nas aulas de Literatura, quase sempre se relaciona diretamente o autor, sua vida e seu contexto político e social à obra. Os críticos literários, professores de literatura das escolas e universidades e até o leitor comum costumam dar rosto a uma obra e atribuir ao autor sua intenção, “como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só e mesma pessoa, o autor, que nos entregasse a sua „confidência‟” (BARTHES, 1988, p.58). A Literatura vem, ao longo dos anos, passando por mudanças na forma como é concebida. Como muitas mudanças causadas por novas tecnologias, o advento da internet trouxe, também, uma nova forma de escrita, a Ciberliteratura, classificada por Viires (2005) segundo um termo genérico que pode ser dividido em três instâncias: qualquer texto que esteja disponível para leitura na internet (i); textos literários não profissionais (ii), que têm como principal referência os Fanfictions, 1 Instituto de Linguagens, E-mail: [email protected] 7 textos produzidos por fãs de determinados escritores e obras que se baseiam nas histórias e seus personagens para criarem suas próprias; literatura hipertextual e cibertexto (iii). O meio digital tem características que possibilitam uma maior interação entre o texto e o leitor. A literatura de hipertexto faz com que a sequência das informações seja multilinear, permitindo que o leitor tenha acesso a diferentes locais, de acordo com as próprias escolhas, colocando em questão, assim, o papel do autor e do leitor nesse tipo de literatura. Este artigo tem o objetivo de analisar a questão da autoria no romance hipertextual 253, de Geoff Ryman, à luz das teorias de Roland Barthes, Mikhail Bakhtin e Michel Foucault, a fim de refletir a respeito do papel do autor nesse (relativamente) novo tipo de literatura. Este trabalho está organizado da seguinte forma: primeiramente, serão apresentadas as teorias de Barthes, Bakhtin e Foucault sobre a relação entre o autor e sua obra; em seguida, o romance hipertextual 253 é exposto para, na sequência, ter sua autoria analisada; finalmente, apresentam-se as considerações finais. A questão da autoria Nesta seção serão apresentadas as teorias de Roland Barthes, Mikhail Bakhtin e Michel Foucault sobre a autoria, evidenciando seus pontos convergentes e divergentes, e em seguida o romance hipertextual 253, que será objeto de análise deste artigo. A questão da autoria segundo Barthes, Bakhtin e Foucault As obras de Roland Barthes, Mikhail Bakhtin e Michel Foucault que dizem respeito à autoria, ainda que abordem diferentes perspectivas, defendem que o autor de uma obra não é, por assim dizer, a pessoa autor. Em “A morte do autor” (1988), Barthes afirma que há certa tirania na cultura corrente, em que o autor é o centro da imagem da literatura, com seus gostos, histórias e paixões. Barthes atribui à linguística papel importante na destruição do autor, a partir do seu princípio da Enunciação, dispensando, assim, o papel dos interlocutores. Além disso, defende que um texto, quando recebe uma explicação única, fechada, relacionada exclusivamente ao que o autor “quis dizer”, acaba por ser limitado em sua interpretação, concepção esta conveniente para a crítica, que “explica seu texto”. Quando o autor é afastado do texto, portanto, torna-se impossível a decifração deste, pois o texto é formado não em sua origem, o autor, mas sim em seu destino, o leitor, e é este o verdadeiro dono da escrita, a figura (e não pessoa) que encerra tudo o que é necessário para o sentido do texto. Este sentido não é único, não podendo ser, portanto, explicado pela crítica. A questão de que o leitor não deve ser considerado pela literatura, desmerecido pela crítica, é então um mito que deve ser invertido: o autor morre para que nasça o leitor, real responsável pela constituição da obra. De perspectiva mais filosófica, Michel Foucault, em “O que é um autor?” (2003), defende que o autor é uma figura aparentemente exterior e anterior à obra, sinalizando, assim, que não importa quem escreve. Tendo a escrita se libertado da 8 obrigação da interioridade, fica extinto, assim, o tema da expressão: a obra é autossuficiente. Além do tema da expressão, Foucault também examina a relação do texto com o autor a partir do tema da morte: nas antigas epopeias e nas narrativas árabes, esta última exemplificada pela história de Sherazade, das Mil e uma noites, escrevia-se com o pretexto de fugir da morte, que calaria, para sempre, o autor. O tema da morte passou por uma metamorfose em nossa cultura: o autor, que antes utilizava a escrita para adiar seu inevitável fim, se dá, agora, ao direito de extinguir-se, de apagar-se dos livros. Dessa forma, a marca do escritor é a sua ausência na obra, e seus signos estão desprovidos de qualquer particularidade de quem a escreveu. Tal afirmação assemelha-se à morte do autor, de Barthes (1988); entretanto, para Foucault, não basta apenas excluir totalmente a figura do autor, mas sim definir sua função na obra. Enquanto Foucault defende a anterioridade e a exterioridade do autor em relação à obra, Barthes (1988) utiliza o termo scriptor para definir a figura que nasce ao mesmo tempo que seu texto e tem como tempo eternamente o aqui e o agora. Importante questão abordada por Foucault é também a questão do limite da obra: Mas suponhamos que se trate de um autor: será que tudo o que ele escreveu ou disse, tudo o que ele deixou atrás de si faz parte de sua obra? Problema ao mesmo tempo teórico e técnico. Quando se pretende publicar, por exemplo, as obras de Nietzsche, onde é preciso parar? É preciso publicar tudo, certamente, mas o que quer dizer esse “tudo”? Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, certamente. Os rascunhos de suas obras? Evidentemente. (....) Mas quando, no interior de uma caderneta repleta de aforismos, encontra-se uma referenda, a indicação de um encontro ou de um endereço, uma nota de lavanderia? Obra ou não? (FOUCAULT, 2003, p. 9). Para Foucault, estudar a definição da palavra “obra” é mais problemático que o estudo do autor, visto que não existe teoria para isso. Torna-se, portanto, impossível definir os limites de uma obra literária, principalmente quando entra a questão da noção da escrita: “Uma obra não é aquilo que é escrito por aquele que é um autor?” (FOUCAULT, 2003, p. 8). Outro importante teórico que aborda a questão do papel do autor na obra é Mikhail Bakhtin, em sua “Estética da Criação Verbal” (1992), no capítulo “O problema do herói na atividade estética”. Para Bakhtin, o autor é criador e define a função estética da obra: sua consciência abrange a consciência da personagem, em uma posição axiológica. O herói tem seus conceitos de valor, constituindo a sua visão valorativa dentro da obra. O autor-criador, que se difere do autor-pessoa, organiza esteticamente o conteúdo a partir de sua própria posição axiológica. O autor-criador, para Bakhtin, tem consciência externa da consciência do herói, além da consciência de si próprio. Duas consciências diferentes, sendo uma delas consciência da outra, dão condições necessárias para que a exotopia (olhar externo sobre outro) ocorra. Dessa forma, a presença do autor, ainda que não física, se dá mais claramente do 9 que nas teorias de Foucault e Barthes, pois Bakhtin leva em consideração a posição axiológica do autor que se reflete no autor-criador. 253 O romance hipertextual 253 or tube theatre foi publicado virtualmente em 1996 e teve versão impressa em 1998, com textos de Geoff Ryman, escritor canadense contemporâneo que tem como outras publicações Was... (2002) e Lust (2005). A obra é descrita pelo próprio autor como “a novel for the Internet about London Underground in seven cars and a crash2” (RYMAN, s/d., n/p.). 253 narra a história de uma viagem no metrô de Londres entre a Embankment Station e a Elephant &Castle, que pode terminar em um acidente, The End of the Line. A história conta com 253 personagens, que são os passageiros do metrô, distribuídos em sete vagões com trinta e seis passageiros em cada, além do motorista. Ao acessar o endereço eletrônico, na Home Page (Figura 1), o leitor tem acesso a diferentes links onde pode escolher, entre outras opções, ler sobre qualquer um dos passageiros, verificar o porquê do nome da obra, consultar o mapa de viagem, acessar os anúncios que estão disponíveis nos vagões do trem, acessar as notas de rodapé (que explicam elementos presentes no texto, como as estações de trem), ou ir direto para o fim da linha, onde é possível saber o que acontece em cada um dos vagões no momento da colisão. Desde o começo da leitura, o leitor tem a opção de escolher qual link selecionar para dar continuidade à história, decisão que o levará a narrativas diferentes, de forma não linear, característica comum aos hipertextos. Figura 1: Logo da Home Page do romance hipertextual 253 Fonte: www.ryman-novel.com. Na seção Journey Planner (Figura 2), há a opção de selecionar qualquer um dos sete vagões para ter acesso às personagens em seus assentos, e cada uma delas é definida segundo suas características e interesses. Ao clicar em uma das personagens, o leitor é direcionado para uma página onde pode ter acesso a 2 “Um romance para a internet sobre o metrô de Londres, sete vagões e uma batida.” 10 informações organizadas sempre em três blocos: Outward appearance, Inside information e What is she/he doing or thinking (um exemplo pode ser visto na Figura 3). Note-se que cada uma das páginas sobre as personagens contém 253 palavras em sua estrutura, sem contar seus títulos e subtítulos, replicando o título da obra, a quantidade de personagens no desastre e o percurso do metrô, segundo a iconografia do logo da obra. Figura 2: Journey Planner. Fonte: www.ryman-novel.com 11 Figura 3: Passageiro do Vagão 4. Fonte: www.ryman-novel.com Em meio ao texto de apresentação das personagens, é possível ter acesso a links que podem levar o leitor a outras personagens, a anúncios, ou ainda a notas de rodapé. Esta não linearidade, característica do hipertexto, faz com que o leitor exerça uma função diferente da ensejada por grande parte das obras de literatura tradicional, não apenas no processo de significação, mas também no desenvolvimento da narrativa, como veremos na seção posterior. 253 apresenta características estruturais que se assemelham à sua narrativa. O próprio espaço da obra, um metrô, com sua estrutura ramificada, não linear e indefinida, pode ser associado ao processo de leitura. O leitor, assim como um passageiro, faz seu próprio percurso na história: pode escolher qual caminho seguir, fazendo um percurso particular e que não pode ser definido por ninguém, a não ser por ele mesmo, configurando-se também como coautor do texto. Entretanto, ao mesmo tempo em que o caos se apresenta, há uma organização peculiar presente em vários aspectos da obra: na nota do autor sobre 12 como funciona a obra; na estrutura dos carros, que organiza os personagens a partir de seus números de poltronas, nomes e interesses (Figura 4); no mapa de viagem que, ainda que ramificado, dá certa sensação de escolha de qual caminho seguir; na reincidente organização estrutural dos textos das personagens. Figura 4: Organização das personagens no Vagão 4. Fonte: www.ryman-novel.com Análise Uma notável característica do romance hipertextual 253, bem como de todos os outros hipertextos, é o papel do leitor na composição da narrativa. Dotados de infinitas possibilidades, os caminhos escolhidos pelo leitor levam a diferentes personagens e determinam a sequência da história. O leitor pode, inclusive, retroceder e mudar de direção sem prejuízo para a leitura, bem como ir direto ao The end of line, que é descrito como “Sensation and violence at last. Discover the horrible end of the carriage of your choice3” (Hyman, n.d, n.p). Chegar ao fim da linha, nesta obra, não significa necessariamente o fim da leitura; ali estão disponíveis opções para que o leitor tenha acesso a todos os elementos contidos em sua estrutura. É possível retroceder visitando o Journey Planner, consultar o fim da 3 “Finalmente, sensação e violência. Descubra o terrível fim do vagão de sua escolha.” 13 linha em outros carros, voltar para a explicação de como funciona a obra ou as notas de rodapé. O texto deixa claro que o fim é determinado pela escolha do leitor. É importante salientar ainda que a narrativa produzida pelo leitor durante sua escolha não tem uma materialidade. Em um livro tradicional, por exemplo, o texto é impresso e mantém-se disponível para a leitura enquanto da duração do suporte e pode ser recuperado a qualquer momento, assim como um arquivo em PDF ou um vídeo salvo em mídia digital. No caso desse romance hipertextual, a sequência que é produzida pelo leitor durante a navegação existe apenas no momento de sua leitura. Os textos que a compõem estão disponíveis virtualmente, mas a narrativa produzida desaparece ao mesmo tempo em que ocorre, a menos que os textos sejam copiados e colados em um documento, o que foge da proposta da obra. Esta característica pode ser importante para definir o papel do autor e do leitor, visto que a sequência narrativa não existe sem que o leitor faça sua intervenção a partir do que achar conveniente. O link “Why 253?” direciona o leitor para uma explicação de Hyman sobre o nome da obra, sobre a descrição dos personagens/passageiros. Esta página traz também um comentário sobre o papel do leitor e do autor na obra: Do you sometimes wonder who the strangers around you are? This novel will give you the illusion that you can know. Indeed, it can make you feel omniscient, Godlike. This is a pleasurable sensation. But please remember that once you leave 253, you are no longer Godlike. The author, of course, is 4 (HYMAN, s/d, n/p.) . O trecho acima evidencia a consciência do autor do texto sobre o que acontece nos vagões do trem e sobre o que se passa com as personagens da narrativa. O leitor tem, também segundo o trecho, a ilusão de que compartilha dessa onisciência. De acordo com Bakhtin (1992), o autor-criador é o constituinte do objeto estético, e é marcado pelo princípio da exotopia. O autor tem uma consciência superior à da personagem, dando acabamento, assim, à sua imagem externa. Em um romance hipertextual como o 253, sabemos que o leitor tem autonomia para seguir sua própria direção na narrativa, e talvez seja possível que ele faça parte, também, dessa relação exotópica, comportando-se, portanto, como autor-criador durante a leitura. O leitor, temporariamente onisciente enquanto dentro da obra, sabe desde o início o desfecho trágico que aguarda as personagens no fim da linha, pois tem a consciência superior a elas, que serão surpreendidas pelo acidente. O nascimento do leitor pode significar também o desaparecimento do autor. De acordo com Foucault (2003): Mas há outra coisa: essa relação da escrita com a morte também se manifesta no desaparecimento das características individuais do sujeito que 4 “Você já se perguntou quem são os estranhos à sua volta? Este romance vai te dar a sensação de que você é capaz de saber. De fato, ele pode fazer com que você se sinta onisciente, como se fosse Deus. Esta é uma sensação prazerosa. Mas, por favor, lembre-se de que, uma vez que você deixa o 253, você não é mais como Deus. O autor, é claro, o é.” 14 escreve; através de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito que escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita. Tudo isso é conhecido; faz bastante tempo que a crítica e a filosofia constataram esse desaparecimento ou morte do autor (FOUCAULT, 2003, n/p.). Sabemos que o romance hipertextual, como disposto no endereço eletrônico, teve seu conteúdo escrito por alguém. Ryman idealizou e produziu todo o texto presente na obra, e essa obra leva a sua assinatura. Entretanto, é preciso observar que, a partir do momento em que o site foi ao ar e Ryman saiu de cena, o destino da narrativa diz respeito exclusivamente àquele que visita o endereço e faz suas escolhas, de acordo com suas próprias particularidades, e não as do autor. Todas as escolhas – ir direto ao fim da linha, visitar um personagem, clicar aleatoriamente e sem critérios, ou simplesmente desistir e fechar a página, evitando o acidente – são particularidades que definitivamente não dizem respeito a Geoff Ryman. A ausência de particularidades do escritor no texto fica igualmente evidente na teoria de Roland Barthes, em “A morte do autor” (1998): O Autor, quando se acredita nele, é sempre concebido como o passado do seu próprio livro: o livro e autor colocam-se a si próprios numa mesma linha, distribuída como um antes e um depois: supõe-se que o Autor alimenta o livro, quer dizer que existe antes dele, pensa, sofre, vive com ele; tem com ele a mesma relação de antecedência q ue um pai mantém com o seu filho. Exatamente ao contrário, o scriptor mod erno nasce ao mesmo tempo que o seu texto (BARTHES, 1998, p. 59). Esta afirmação de Barthes é fácil de ser confirmada no 253: o romance e o autor não estão na mesma linha, como um antes e depois. A obra só é construída no momento em que o leitor constrói sua narrativa, não existindo, portanto, um depois: o autor morre para que nasça o leitor. Foucault, em sua conferência “O que é um autor?” (2003), levantou uma questão que convém ser discutida neste trabalho: Qual é o limite de uma obra? No caso de 253, os textos são fragmentados em links, todos escritos por Geoff Ryman. Seria, cada uma delas, uma obra do mesmo autor? Ou todos os textos formariam uma grande obra? Como já dito anteriormente, não existe definição precisa para a questão da obra, e essa discussão talvez seja mais difícil de ser empreendida até do que a própria questão da autoria. Dada essa indefinição e levando em conta que o leitor pode ter a decisão final sobre a narrativa, pode-se cogitar que o conjunto de textos que dá origem à narrativa seja também de propriedade do leitor que a produziu. 15 Considerações finais Este trabalho apresentou uma análise sobre a questão da autoria em um romance hipertextual a partir das teorias de Michel Foucault, Mikhail Bakhin e Roland Barthes. O autor é visto para Bakhtin como o detentor da consciência das personagens, dando-lhes acabamento estético; Foucault apresenta, além da definição da função-autor, uma importante questão sobre o limite da obra; Barthes apresenta a tese da morte do autor, o qual deixa de existir com o surgimento do leitor. O hipertexto faz com que o leitor tenha acesso a uma multilinearidade impossível de ser controlada pelo escritor dos textos, fazendo com que cada leitor que tenha acesso ao seu conteúdo tenha uma experiência de leitura única, apresentando marcas peculiares de sua escolha. A consciência da consciência das personagens que é atribuída ao autor por Bakhtin (1992) pode ser atribuída, também, ao leitor que participa como um autor no desenvolvimento de um romance hipertextual, tendo a onisciência (como se fosse Deus) de tudo o que acontece dentro dos vagões do trem. A indefinição do limite da obra, conforme Foucault (2003) também fica clara nesse romance: cada link pode ser tido como uma obra, bem como cada sequência de escolhas feitas pelo leitor. É viável que o desaparecimento do autor seja um fator facilmente identificável nesse tipo de literatura, que não tem suporte material e que não pode mais ser relida, visto que não é tarefa fácil atribuir características que não existem materialmente a uma narrativa que existe apenas quando é lida e que desaparece após a sua leitura. A única figura que tem acesso a essa obra é aquele que é realmente responsável por sua autoria: o leitor. Referências BAKHTIN, Mikhail Mikhaĭlovich. Estética da criação verbal. Livraria Martins Fontes, 1992. BARTHES, Roland. A morte do autor. O rumor da língua, v. 2, p. 57-64, 1988. COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 2001. FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. O que é um autor, v. 3, p. 97128, 2003. RYMAN, Geoff. 253, or tube theatre. Disponível em: <www.ryman-novel.com> VIIRES, Piret. Literature in Cyberspace1. Folklore: electronic journal of folklore, 2005. 16 O PIBID – LETRAS PORTUGUÊS/INGLÊS: PRÁTICAS INICIAIS E VETERANAS MEDIADAS PELAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO DOS MULTILETRAMENTOS Domingos Pinto de FRANÇA Universidade Federal de Mato Grosso João Felipe Assis de FREITAS Instituto Federal de Mato Grosso Sabrina Aglae SONAI Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: O objetivo deste texto é propor uma reflexão acerca do PIBID – Letras Português/Inglês como um espaço tanto para a formação profissional de futuros professores, quanto para o intercâmbio de experiências com professores da rede pública, que já atuam na área de ensino de língua inglesa, e, que, de algum modo, buscam, na preparação de suas aulas, a aplicação das tecnologias da informação e da comunicação no contexto escolar. Em razão disso, concordamos com o entendimento de Roxane Rojo (2012) de que é fundamental que as equipes gestora e pedagógica repensem como as novas tecnologias da informação podem transformar os hábitos institucionais de ensinar e aprender na contemporaneidade, pois, desse modo, as mídias digitais exercem funções cada vez mais complexas em sociedades globalizadas nas quais os multiletramentos estão presentes como suportes linguísticos responsáveis pela redefinição dos papéis colaborativos entre aluno e professor. PALAVRAS-CHAVE: PIBID; TICs; Multiletamentos. ABSTRACT: The purpose of this paper is a reflection on the PIBID – Letters Course Portuguese/English as a space for the training of future teachers and for the exchange of experiences with public school teachers who already work in the English teaching area and, somehow, seek, in preparing their lessons, the application of information and communication technologies in the school context. Because of that, we agree with the understanding of Roxane Rojo (2012) of what it is essential that the management and educational teams rethink how new information technologies can transform the institutional habits of teaching and learning in contemporary times, for thus, digital medias perform complex functions in globalized societies in which multiliteracies are present as linguistics supports responsible for the redefinition of collaborative roles between student and teacher. KEYWORDS: PIBID; TICs; Multiliteracies. Introdução A sociedade, os meios de comunicação e a natureza linguística dos enunciados passam continuamente por intensos processos de reestruturação. Nos últimos anos, o grande investimento por parte dos setores públicos e privados no desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação – tais como: redes de computadores, banda larga, telefonia móvel, iPads, entre outros – possibilita a 17 integração e a hibridização dessas diferentes linguagens. Por exemplo, o celular adquire o status de smartphone justamente por reunir em si múltiplas funções de outros aparelhos eletrônicos. Em virtude disso, circulam números cada vez maiores de novos tipos de gêneros – dentre eles: os multiletramentos – em ciberambientes, os quais, por sua vez, propiciam novas formas de reconstrução e ressocialização do conhecimento. Com base em uma pedagogia dos multiletramentos, um grupo de pesquisadores dos letramentos5, conhecido como Grupo de Nova Londres, doravante GNL, afirma a necessidade de a escola perceber a existência dos novos letramentos emergentes e de incluir nos currículos a grande variedade de culturas já presentes nas salas de aula de um mundo altamente globalizado. Na verdade, a abordagem pedagógica do GNL é a de promover o ensino, especialmente o de uma língua estrangeira, por meio de uma proposta que contemple a multiculturalidade das sociedades e a multimodalidade dos textos. Nesse sentido, a Internet desempenha um papel fundamental para o contexto escolar pelo fato de constituir um espaço de comunicação eletrônica, essencialmente interativo, entre aluno e professor. Por direcionarmos nosso texto para o ambiente de sala de aula, mais precisamente, para as práticas iniciais e veteranas mediadas pelo uso das tecnologias da informação e da comunicação, propomos uma reflexão acerca do PIBID – Letras Português/Inglês como um espaço tanto para a formação profissional de futuros professores, quanto para o intercâmbio de experiências com outros professores da rede pública, que já atuam na área de ensino de língua inglesa, e, que, de alguma maneira, buscam, na preparação de suas aulas, a aplicação das tecnologias da informação e da comunicação na escola. Assim, o presente artigo possui a seguinte estrutura: a) caracterização e funcionamento dos multiletramentos, na qual abordaremos as características gerais e a performance dos multiletramentos; e b) as razões de uma pedagogia dos multiletramentos e sua aplicabilidade no ambiente da escola, pois, como demonstraremos, as tecnologias podem colaborar com o ensino-aprendizagem de inglês. Caracterização e funcionamento dos multiletramentos Não é nenhuma novidade que o ensino de inglês, na atualidade, tem inúmeras possibilidades de suporte em termos de materialidade tecnológica. A partir do uso consciente das tecnologias, o ensino de inglês torna-se possivelmente mais interativo, tendo em vista o desenvolvimento de um local de aprendizagem diferente da sala de aula. Aliás, o ensino de inglês pode se valer de uma combinação de recursos tecnológicos tradicionais com os ambientes interativos, o que dá origem, segundo Sharma e Barrett (2007), à chamada blended learning6. Dessa forma, o professor pode aprimorar e adequar o seu trabalho às demandas dos alunos. 5 Rojo (2012) menciona alguns nomes, dentre eles: Courtney Cazden, Bill Cope, Mary Kalantzis, Norman Fairclough, Jim Gee, Gunther Kress, Allan e Carmen Luke, Sara Michaels e Marin Nakata. 6 Trata-se de “aprendizagem mesclada”. 18 Entretanto, o dado mais importante não é somente o uso da tecnologia em si, mas o que se faz com ela. Ao argumentar a respeito do uso eficaz da tecnologia, Bush (1997) afirma a necessidade da inserção do aprendiz na era digital, de modo que o mesmo aprimore, com o tempo, sua própria autonomia. Em outras palavras, o estudante precisa conhecer bem as ferramentas de aprendizagem de inglês disponíveis na web para que ele possa fazer uso consciente das mesmas. Além disso, o eficiente manuseio das tecnologias como instrumentos pedagógicos pressupõe o uso efetivo também dos novos gêneros textuais provenientes da internet. Em razão da multiculturalidade e da multimodalidade dos textos semióticos7, torna-se praticamente imperativo o trabalho com os multiletramentos na escola, pois: a) eles são interativos; mais que isso, colaborativos; b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos [verbais ou não]); c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas) (ROJO, 2012, p. 23). Por trás desses multiletramentos que requerem a adoção de novas práticas tanto de produção quanto de recepção críticas, há, ainda, de acordo com Rojo (2012, s/p, com adaptações), uma nova ética que já não se baseia “tanto na propriedade [...], mas no diálogo entre os novos interpretantes [...]” e novas estéticas, pois essas, devido ao caráter subjetivo dos textos, estabelecem valores distintos de um público para outro. De fato, o uso dessas novas práticas de letramento “passa a ser uma demanda social e não uma mera “opção” colocada para os indivíduos” (BRAGA, 2013, p. 40). Nesse sentido, os sujeitos são chamados a exercer, conscientemente, múltiplos papéis sociais no espaço virtual, em razão das múltiplas possibilidades de trocas comunicativas. Na verdade, “o ciberespaço, cenário privilegiado da cibercultura, é em sua essência político” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 28). Isso ocorre porque, devido às peculiaridades do ciberespaço, “é possível produzir o sentido coletivamente, cooperativamente, no jogo das subjetividades e das linhagens, para além das fronteiras das culturas, das religiões, dos territórios, dos pequenos poderes” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 30-1). Tal posicionamento reforça o argumento de que a interatividade constitui, inevitavelmente, a essência da tecnologia – e por consequência dos multiletramentos –, haja vista que o diálogo e a cooperação dos usuários integram o conteúdo da Internet. Essa abordagem multisemiótica da web está diretamente relacionada ao funcionamento efetivo dos multiletramentos. É por intermédio da “computação em 7 Dionisio e Vasconcelos (2013) explicam que a multimodalidade tem sido usada para caracterizar textos constituídos por combinação de recursos de escrita, som, imagens, gestos, movimentos, expressões faciais etc. Essa nuance multimodal dos textos semióticos é um dos traços mais relevantes da multiculturalidade, a qual possibilita a reunião de diferentes elementos culturais em suas produções. Nessa perspectiva, Bakhtin (2006), ao propor um estudo a respeito dos gêneros textuais, afirma que os recursos semióticos se entrelaçam no texto e, consequentemente, criam novos efeitos de sentido. 19 nuvem”8, que ocorrem, por exemplo, as trocas eletrônicas de mensagens, síncronas e assíncronas; as postagens de ideias e textos, com ou sem comentários de outros; e, os diálogos entre os textos em rede. Embora a computação em nuvem dependa da ampliação, acesso e democratização das bandas de transmissão, “ela passa a dispensar a propriedade, inclusive das máquinas, ferramentas e serviços” (ROJO, 2012, p. 25), tendo em vista que na nuvem, o índice de compartilhamento de dados é cada vez mais alto. Essa é a lógica de funcionamento de alguns sites, tais como: GoogleDocs, Prezi e YouTube, dentre outros. Todavia, algumas escolas da rede estadual de ensino básico da capital matogrossense ainda vivem uma realidade relativamente diferente à proposta de diálogo e cooperação da Internet. Para os participantes do PIBID – Letras Português/Inglês, entre eles bolsistas e professores, a falta principalmente de infraestrutura para um laboratório de informática evidencia uma das deficiências da gestão administrativa da escola pública. Não há apenas dilemas com um laboratório, mas também com computadores – por vezes ultrapassados. Em algumas situações, o acesso à rede Wi-Fi não estabelece, com sucesso, a conexão. Nesse caso, o trabalho pedagógico com os multiletramentos fica prejudicado, pois a tendência é o professor fazer uso, exclusivamente, de métodos tradicionais de ensino para a concretização de sua proposta pedagógica. Apesar desse cenário pouco estimulante para a prática com os multiletramentos, é oportuno lembrar que a escola é o resultado da soma de esforços coletivos, tanto das equipes gestora e pedagógica, bem como da comunidade de pais e/ou responsáveis. Essa dimensão qualitativa da educação, presente no art. 1º da Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 19969, além de atribuir a todos a corresponsabilidade na construção do conhecimento, abrange os processos formativos existentes na vida do indivíduo. Em um sistema democrático de ensino como esse, a participação dos profissionais da educação em parceria com os grupos de pais e/ou responsáveis torna-se uma ferramenta imprescindível para o desenvolvimento e aprimoramento das políticas educacionais. As razões de uma pedagogia dos multiletramentos e sua aplicabilidade no ambiente da escola Os avanços tecnológicos já fazem parte da realidade da sala de aula e os nossos alunos estão cada vez mais conectados com o conhecimento interativo e colaborativo originário das mídias em geral. A respeito disso, “[...] podemos conjecturar que, nesses casos específicos, o aprendiz vai precisar da ajuda do professor, dos colegas de turma e das comunidades on-line para superar suas lacunas de conhecimento” (BRAGA, 2013, p. 63). Essas lacunas, mencionadas por Braga, são aquelas que, infelizmente, dado a dinamicidade dos acontecimentos, o livro didático não consegue acompanhar. 8 Essa expressão é conhecida também como cloud computing. Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. 9 20 A popularização da Internet, especialmente dos celulares de última geração, coloca os alunos absolutamente atualizados com os mais diferentes suportes de comunicação. Assim, mais do que nunca, os professores se veem na posição de aprendizes da pedagogia dos multiletramentos. Por vezes, a insistência de alguns professores em não buscar uma atualização das novas ferramentas educacionais contribui para a manutenção de um status quo no qual o ensino de inglês ainda ocorre de modo tradicional. Em uma tentativa de mudança desse paradigma, a universidade – enquanto instituição responsável pela formação de professores – tem estabelecido, nos últimos anos, um relacionamento estreito com algumas escolas públicas de ensino básico por meio do PIBID. Nessas circunstâncias, o PIBID – Letras Português/Inglês colabora com o processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa ao colocar um acadêmico desse curso em contato direto com um professor. Esse convívio possibilita, dentre tantas vantagens, a revisão da pedagogia dos multiletramentos, pois, muitas vezes, os discursos da academia e da escola costumam ser ideologicamente distintos quanto ao uso das TICs. Com efeito, há um senso comum que ainda enxerga a academia como um ambiente praticamente ideal para o uso das ferramentas tecnológicas; ao passo que na escola, a realidade permanece quase desprovida de tecnologia. Consoante isso, Costa (2006, p. 19) aponta “a necessidade de se analisar a escrita e a leitura de adolescentes no ciberespaço mediadas pela Internet e algumas possíveis implicações sociais, culturais, psicológicas, (meta) cognitivas e (meta) linguísticas”. O olhar aguçado do professor, que agora assume novos papéis, pode ser capaz de traçar as melhores estratégias para a observação tanto cognitiva quanto linguística e assim se tornar o mediador do conhecimento na vida escolar do aluno. Por mais que se tente ficar fora do processo tecnológico, ele nos invade. Muitas são as reclamações, por parte dos professores, quando o assunto é o uso de tecnologias em sala de aula, tais como: “não dispomos de um laboratório equipado e de última geração”; “não temos um técnico a nossa disposição”; “não temos cursos para nos ensinar a usar as novas tecnologias”; “não temos rede Wi-Fi disponível”; “não temos notebook”; “não queremos aprender a mexer com isso”; “não somos dessa geração e, portanto, não precisamos usar isso”. Todas essas colocações parecem ser pertinentes se direcionarmos nosso olhar para a realidade do ensino público em nosso país. Ir ao encontro do uso dos multiletramentos pode propiciar grandes desafios, porém são passíveis de êxito. Talvez uma possível solução para os impasses dos professores esteja no planejamento e execução de um projeto político pedagógico que possa contemplar a exigência de implantação de laboratórios equipados na escola e a sua assistência periódica com técnicos contratados para tal finalidade. Contudo, enquanto isso não acontece, o uso do celular, disponível para a maior parte dos alunos, pode e deve ser usado como um grande aliado em projetos que os possibilite a fazer pesquisas e montagens de vídeos, de modo a complementar as atividades que são propostas em sala de aula. Assim, o espaço de aprendizagem deixa os muros da escola e envolve a 21 comunidade escolar. Essas iniciativas aprimoramento intelectual do aprendiz: • • • USUÁRIO FUNCIONAL Competência técnica Conhecimento prático ANALISTA CRÍTICO Entende que tudo o que é dito e estudado é fruto de seleção prévia podem proporcionar, inclusive, • CRIADOR DE SENTIDOS Entende como diferentes tipos de textos e tecnologias operam • TRANSFORMADOR Usa o que foi aprendido de novos modos o Figura 1: Mapa dos Multiletramentos. Fonte: ROJO, 2012, p. 29. O quadro acima aponta-nos a necessidade de uma formação holística em que o aluno seja capaz de operar todas as suas potencialidades. Para Rojo (2012, p. 28, grifos do original), “isso envolve, é claro, letramentos críticos. E esse é outro espaço de atuação escolar: transformar o “consumidor acrítico” – se é que ele de fato existe – em “analista crítico”. A autora ainda define: Resumidamente, tratava-se de formar um usuário funcional que tivesse competência técnica (“saber fazer”) nas ferramentas/textos/práticas letradas requeridas, ou seja, garantir os “alfabetismos” necessários às práticas de multiletramentos (às ferramentas, aos textos, às línguas/linguagens). Mas esse patamar, claramente, não basta a essa “pedagogia”: a questão é alfabetismos funcionais para que (e em favor de quem) (ROJO, 2012, p. 29). A partir dessa citação, infere-se que o envolvimento do professor é de extrema relevância para a aprendizagem do aluno. A junção de duas gerações – uma de “imigrantes digitais”, nesse caso, os professores, e, “nativos digitais”, os alunos10 – traz benefícios para ambas às partes e, assim, muitas lacunas do conhecimento poderão, enfim, ser preenchidas. Na esteira desse raciocínio, outra possível solução para o uso dos multiletramentos na escola é o trabalho com gêneros textuais. Por certo que “nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos” (BAKHTIN, 2006, p. 268), e justamente, por isso 10 Os conceitos de “imigrantes digitais” e “nativos digitais” são termos usados por Braga (2013). 22 que o professor, enquanto mediador do conhecimento, necessita manter-se conectado com as novas práticas pedagógicas. Essa integração do sistema da língua só é possível porque: Nessa relação dialética e, portanto, dialógica, o homem realiza intervenções na máquina, ao mesmo tempo em que aprende com ela as novas pistas e demandas de transformações, desbancando a soberania da relação sujeitoobjeto que, agora, tanto sujeito como máquinas são igualmente dinâmicos (TAKAKI, 2012, p. 150). A relação de mão dupla sujeito-objeto, como descrito por Takaki, demonstra a importância da integração do homem e da máquina, ou seja, professor/computador, aluno/computador e aluno/professor. Considerações finais Respeitadas as diferenças locais onde cada sala de aula está localizada, temos que o uso das ferramentas tecnológicas não pode ser ignorado. As profundas transformações que já conquistamos são justamente oriundas de todo um processo de experimentação. Tentar interrompê-lo é o mesmo que tentar apagar a história do homem desde os seus primeiros vestígios nas cavernas. Os ícones lá desenhados já apontavam para o inevitável progresso que vivemos na contemporaneidade. Nessa perspectiva, o uso das ferramentas tecnológicas pode e deve constituir um suporte para auxiliar o trabalho pedagógico do professor. As aulas tradicionais não precisam ser deixadas de lado, entretanto há que se pensar em ressignificar a prática e tentar acompanhar, ao máximo, os avanços que surgem a cada aplicativo ou site. Por meio de programas como o PIBID, por exemplo, novos rumos são delineados para o contexto de ensino-aprendizagem de inglês na escola pública, pois as trocas de experiências entre as gerações proporcionam a implantação de modelos que almejam um ensino de inglês com mais qualidade e onde os novos professores se sintam mais confortáveis com a prática da sala de aula. Apesar do pouco tempo de implantação do PIBID – Letras Português/Inglês, é visível que esse programa já fornece caminhos que, aliados a outras práticas pedagógicas como os multiletramentos, poderão provocar grandes transformações no processo de ensino-aprendizagem de inglês. Logo, os multiletramentos estabelecem um novo direcionamento para que, enquanto professores, possamos expandir as possibilidades de avanços em todos os campos do conhecimento e, mais ainda, nos possibilitar a aprendizagem colaborativa com os nossos alunos. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad.: Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 23 BRAGA, Denise B. Ambientes digitais: reflexões teóricas e práticas. São Paulo: Cortez, 2013. BRASIL. Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 10 abr. 2016. BUSH, Michael D. (ed.). Technology-enhanced language learning. Chicago: NTC, 1997. DIONISIO, Angela Paiva; VASCONCELOS, Leila Janot de. Multimodalidade, gênero textual e leitura. In: BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (orgs.). Múltiplas linguagens para o ensino médio. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. FREITAS, Maria Tereza A.; COSTA, Sérgio R. Leitura e escrita de Adolescentes na internet e na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010. ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012. SHARMA, Pete; BARRETT, Barney. Blended learning: using technology in and beyond the language classroom. Oxford: Macmillan, 2007. TAKAKI, Nara H. Letramentos na sociedade digital: navegar é e não é preciso. Jundiaí: Paco Editorial, 2012. 24 OS DESAFIOS NA ELABORAÇÃO DE UM CURSO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE DOIS PROFESSORES DO NÚCLEO DE IDIOMAS E INGLÊS SEM FRONTEIRAS Felipe Ferraz de MIRANDA Universidade Federal de Mato Grosso Marcos TAVARES Universidade Federal de Mato Grosso Vinícius Carvalho PEREIRA Universidade Federal de Mato Grosso Márcia PENNA Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: O programa Inglês sem Fronteiras (ISF) tem como principal objetivo incentivar o aprendizado de línguas junto à comunidade acadêmica, além de propiciar a capacitação de professores de línguas estrangeiras. Através desse programa, tivemos a experiência de preparar e conduzir um curso intitulado “Estratégias de Leitura em Língua inglesa”. Neste relato apresentamos os principais desafios (aprender quais eram as estratégias de leitura e como ensiná-las; entender quais eram os objetivos a serem atingidos com o curso; arriscar e deduzir quais textos e atividades teriam êxito em sala; e tornar as aulas atrativas e interessantes aos alunos) e decisões tomadas (incluir e alterar atividades às aulas; gerar interação entre os alunos) durante a elaboração, destacando a importância que o trabalho colaborativo e reuniões junto à equipe do ISF tiveram nesse processo, gerando trocas de experiência e críticas construtivas em relação ao nosso trabalho. Ao final da oferta, como resultados observamos que os alunos exibiam um maior desempenho em relação à leitura e obtivemos aprimoramento considerável como professores em formação. PALAVRAS-CHAVE: Inglês sem Fronteiras, Estratégias de Leitura, Experiência. ABSTRACT: The Inglês sem Frontreiras Program (ISF) main objective is to foster the learning of languages within the academic community, besides providing preservice development of foreign languages teachers. Through this program we were given the chance to prepare and lead a “Reading Strategies in EnglishCourse”. In this report we present the main challenges (learning the reading strategies and how to teach them; understanding the objectives to be achieved with the course; risking and deducting what texts and activities would work during a class; making classes appealing and interesting for students) and the decisions made (including or changing activities to classes; creating interactions between students). We herein emphasize the importance of collaborative work and meetings with the ISF team throughout this process, by promoting experience exchanges and feedback to our work. By the end, we noticed that students showed a better reading performance and we obtained a great development as pre-service teachers. KEYWORDS: Inglês sem Fronteiras, Reading Strategies, Experience. 25 Introdução O programa Inglês sem Fronteiras (IsF), coordenado pelo Núcleo de Idiomas (NucLi) dentro da UFMT, tem como principal objetivo incentivar o aprendizado de línguas junto à comunidade acadêmica (alunos, professores e servidores técnicoadministrativos da UFMT), além de propiciar a capacitação de professores de línguas estrangeiras. Através desse programa, os dois primeiros autores deste artigo, na condição de alunos de graduação em Letras Português-Inglês e professores do NucLi, foram convidados a conduzir um curso de 32 horas intitulado “Estratégias de leitura em Língua Inglesa”. Neste relato, descrevemos brevemente o curso e seu processo de elaboração e condução, além de discutirmos os principais desafios que enfrentamos e os resultados obtidos. Desenvolvimento Toda a preparação do curso foi realizada em 3 etapas: pré-curso, durante o curso e pós-curso. Pré-curso Antes do início das aulas, realizamos reuniões junto ao coordenador pedagógico do programa para decidirmos quais os objetivos de um curso de Estratégias de Leitura, bem como acerca do programa que seria adotado, a partir das estratégias de leituras mais relevantes para o público-alvo. Além disso, frequentamos reuniões com os demais professores do NucLi, no intuito de compartilhar o planejamento do curso e receber críticas e ideias dos outros membros do ISF. Ainda nessa etapa, decidimos que as estratégias de leitura necessárias para turmas do nível A2 seriam as de conhecimento prévio, linguagem não verbal, inferência pelo contexto, palavras chaves e cognatas, skimming e scanning, pois julgamos serem as mais importantes para facilitar o entendimento de um texto em língua inglesa. Os temas a serem discutidos nas aulas durante o curso foram escolhidos aleatoriamente (como, meio ambiente, tecnologia, saúde, etc.) apenas para refinar a procura por textos que seriam trabalhados semanalmente. Durante o curso No decorrer das aulas, testamos nossas ideias e efetuamos mudanças e aprimoramento em algumas aulas, tais como o acréscimo de jogos, vídeos e discussões, com o intuito de tornar as aulas mais dinâmicas, pois notamos que estas estavam ficando repetitivas e percebíamos que os alunos aparentavam uma reação negativa, possivelmente de desmotivação. Notamos que o trabalho em duplas ou em pequenos grupos de discussão sobre os textos, em muitos casos era muito vantajoso para o aprendizado dos alunos, permitindo uma colaboração para melhor entendimento do material lido. Assim, passamos a incentivá-los a serem mais colaborativos durante o ato de leitura. Novamente, as reuniões semanais com os professores do ISF foram de extrema ajuda para o ajuste de algumas atividades das aulas, pois colhíamos ideias de atividades que outros colegas estavam usando em 26 suas aulas, ou recebíamos um parecer a partir de microaulas que ministrávamos nessas reuniões. Pós-curso Novas reuniões junto ao grupo foram feitas para a troca de experiências adquiridas durante o processo, com vistas a reflexões sobre o trabalho docente e a ajustes do curso para sua reoferta no NucLi. A partir dessas reflexões coletivas e do parecer colhido junto aos alunos, alguns textos foram trocados, pois eram muito longos, de assuntos demasiadamente específicos ou de difícil entendimento para os alunos. Além disso, analisando os resultados das avaliações de aprendizagem, notamos que os alunos fizeram uso adequado de todas as estratégias apresentadas em sala. Com isso, decidimos, na próxima oferta, abrir um maior espaço durante as aulas para debates em torno do tema do texto em inglês e português (já que os níveis de conhecimento de inglês dos alunos nem sempre era o mesmo). Pudemos também observar outros resultados ao final do curso: os alunos estavam mais atentos à leitura e à interpretação, e desenvolvemo-nos como professores em formação, pois tivemos uma significativa experiência em sala de aula, sob a supervisão da coordenação pedagógica. No que tange às dificuldades inerentes a elaborar um curso de inglês, tivemos de: aprender quais eram as estratégias de leitura e como ensiná-las; entender quais eram os objetivos a serem atingidos com o curso; arriscar e deduzir quais textos e atividades teriam êxito em sala; e tornar as aulas atrativas e interessantes para os alunos. No início dos planejamentos, não pressupúnhamos muita interação entre os alunos, e sim uma prática mais individual de leitura. No entanto, adaptamos o planejamento das aulas para a próxima oferta de acordo com o contexto ISF. Nesse caso, como os cursos são modulares, os alunos acabam esperando atividades orais e auditivas mesmo sabendo que determinado curso é focado em leitura. Além disso, consideramos no planejamento da reoferta a necessidade de gerar mais discussões e acrescentar informações sobre o tema e conteúdo dos textos através de vídeos, atividades e infográficos, criando mais diálogos (em inglês e português). Percebemos ainda ser muito rica e vantajosa a troca de informação entre alunos e entre os alunos e o professor, de modo que decidimos, para a próxima oferta, adicionar temas de acordo com as áreas de interesse dos alunos. Conclusão A nosso ver, conseguimos realizar com êxito a elaboração e aplicação do curso, mesmo com alguns fatores que necessitaram de mais estudo e que foram alterados durante ou após o curso. Ressaltamos ainda, a importância que o trabalho colaborativo e a troca de experiências com os professores e coordenadores do IsF durante as reuniões do NucLi tiveram na realização desse trabalho. 27 PRIMEIRAS IMPRESSÕES: REFLEXÕES DE UMA DOCENTE SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO NO NÚCLEO DE IDIOMAS11 DA UFMT EM RONDONÓPOLIS Fernanda de Mello CARDOSO Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Este trabalho apresenta uma experiência considerando os contatos iniciais e a oportunidade de prática de ensino para uma professora de inglês recémformada dentro do NucLi na UFMT, Campus de Rondonópolis. O objetivo é compartilhar uma parcela do processo da prática reflexiva (PIMENTA, 2006; CONTRERAS, 2002) desta docente em relação ao primeiro curso presencial lecionado: Leitura em Língua Inglesa. Para estabelecer a discussão, este estudo apresenta reflexões baseadas nas expectativas, no planejamento e na preparação (HARMER, 2001; CAZDEN; COPE; FAIRCLOUGH; GEE, 1996; WALLACE, 1997; GRELLET, 1981), e no aprendizado da prática vivida durante o curso de 16 horas. Além disso, os resultados de uma pesquisa de feedback feita com os alunos no último dia de aula fornecem mais dados e contribuem para uma reflexão mais profunda. PALAVRAS-CHAVE: NucLi; Leitura em Língua Inglesa; Reflexão do Professor. ABSTRACT: This paper presents an experience regarding the initial contacts and the opportunity of practice for an undergraduate teacher of English inside NucLi (Center of Languages) at UFMT (Federal University of Mato Grosso), campus in the city of Rondonópolis. The aim is to share some of this teacher‟s reflexive practice process (PIMENTA, 2006; CONTRERAS, 2002) concerning the first classroom course taught: Reading in English. In order to establish the discussion, the study presents that teacher‟s reflections based on the expectations, planning and preparation (HARMER, 2001; CAZDEN; COPE; FAIRCLOUGH; GEE, 1996; WALLACE, 1997; GRELLET, 1981), and the hands-on learning experienced throughout the 16-hour program. Also, the results of a feedback survey done with the students on the last day provide more data and contribute to a deeper reflection. KEYWORDS: NucLi; Reading in English; Teacher‟s Reflections. Introdução Há séculos a necessidade e o acesso à comunicação e à interação entre povos e culturas têm crescido. Consequentemente, mais possibilidades de intercâmbio cultural estão sendo ofertadas e com maior acessibilidade ao público brasileiro e internacional. Isto é, o fenômeno da globalização rompe com as barreiras geográficas, aproximando países, culturas, indivíduos, gerando uma interação maior e aumentando as possibilidades de ensino acadêmico ao redor do mundo. Inúmeras oportunidades de estudos em outros países surgem a cada dia e o sonho de muitos universitários em estudar no exterior torna-se cada vez mais possível. 11 O Núcleo de Idiomas (NucLi) é vinculado ao programa Idiomas sem Fronteiras (IsF). Através do NucLi, são ofertados cursos presenciais em língua estrangeira destinados à comunidade acadêmica de nível A1 a C1 do Quadro Europeu Comum de Referência (QCE), com foco no desenvolvimento de habilidades linguísticas para internacionalização, inclusive preparação para exames internacionais de língua. 28 Em prol destas realizações, promovido pelo Ministério da Educação (MEC) através da Secretaria de Educação Superior (SESu) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o programa ISF (Idiomas sem Fronteiras) foi elaborado para atender às demandas de programas de intercâmbio governamentais. O objetivo do programa Idiomas sem Fronteiras (IsF) é promover o ensino de línguas e o desenvolvimento das habilidades linguísticas, ao mesmo tempo que estimula o crescimento acadêmico e a mobilidade estudantil para países estrangeiros. Além disso, tem como foco impulsionar mudanças no ensino de línguas estrangeiras em instituições de ensino superior. A iniciativa do MEC, além de propiciar essas ações, que são vantagens para os estudantes, também gera oportunidades de emprego para professores (sejam eles alunos de graduação e pós-graduação ou graduados e vinculados ao serviço público). O programa permite propiciar um espaço para crescimento e desenvolvimento tanto na formação inicial de professores quanto na formação continuada. Dito isso, motivada pela valorização do ensino de línguas em ambientes acadêmicos, pelo interesse no crescimento intelectual e profissional dos estudantes universitários do Brasil e pelo câmbio sócio-político e cultural que o programa IsF oferece, dedico-me a levantar uma breve reflexão sobre as minhas primeiras impressões ao lecionar para a minha primeira turma dentro do NucLi na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus universitário de Rondonópolis. Neste relato de experiência, em primeiro lugar apresento o curso e a turma e, de forma concisa, reflito sobre a minha formação e o embasamento nos estudos filosóficos da graduação, nos quais me amparei para trabalhar a disciplina Leitura em Língua Inglesa. Mais profundamente, em seguida, detalho a experiência de planejar o curso, colocá-lo em prática e ser professor “pesquisador de sua própria prática” (PIMENTA, 2006, p. 43) que reflete criticamente sobre sua atuação docente. Além disso, trago os resultados de uma pesquisa de feedback12 sobre a experiência dos alunos que participaram do curso. Por fim, concluo com algumas considerações sobre as realizações e a experiência vivida e refletida. O curso, a turma e a preparação da professora Como foi citado na introdução, a turma de Leitura em Língua Inglesa da Oferta seis13 dos cursos presenciais do NucLi na UFMT, Campus de Rondonópolis, foi a minha primeira turma. Esta também foi uma das três turmas que deram início aos trabalhos do programa nesta instituição. Por ser uma das turmas pioneiras do NucLi no Campus Universitário de Rondonópolis (CUR), acredito que seja crucial tratar e compartilhar a experiência de 12 A pesquisa de feedback, em forma de questionário, é distribuída aos alunos ao final de cada curso e foi elaborada com intuito de aprimorar a experiência dos participantes do NucLi. 13 Ao longo do ano são ofertados diversos cursos, e cada oferta é organizada pela gestão do NucLi. Neste caso, o curso Leitura em Língua Inglesa estava incluída na Oferta 6 (seis) de 2015. 29 trabalho e aprendizado na perspectiva do professor enquanto elaborador de um curso dentro de um programa iniciante para o contexto mencionado. O curso Leitura em Língua Inglesa da Oferta seis foi ofertado com uma duração de 16 horas (1 mês), distribuídas em encontros de segunda e quarta das 17:00 às 19:00 que aconteceram no período de 20 de agosto à 15 de setembro no ano de 2015. Os alunos que permaneceram até o fim do curso são os que compõem a turma que descrevo aqui. Digo isso porque houve casos de estudantes matriculados que nunca apareceram e também algumas desistências ao decorrer do curso. O máximo de alunos presentes foram doze e, conforme as aulas iam acontecendo, este número diminuiu para sete, depois seis e, por último, cinco. Apesar das inscrições permitirem vinte alunos por disciplina – número que foi atingido para este curso no sistema – não obtivemos esta quantidade na realidade do contexto. O grupo de cinco alunos que concluíram o curso era uma turma bem diversificada, na qual havia alunos de cursos de graduação e técnicos da UFMT, os quais também eram estudantes de cursos de graduação no campus. Dentre esta diversidade houve participação de graduandos de cursos nas áreas das exatas e humanas, sendo eles: Engenharia Agrícola e Ambiental, Letras Inglês, Sistemas de Informação e Administração. Outra multiplicidade que vale mencionar é o fato de que cada participante do curso tinha uma origem diferente – a maioria era natural de diferentes lugares do país, exceto dois alunos que eram rondonopolitanos – fato que contribuiu para a troca de experiências e conhecimentos. Além disso, semelhante a qualquer sala de aula de faculdade e/ou universidade, a faixa etária era variada. Por ser a minha primeira experiência docente com a comunidade universitária, busquei fundamento nos estudos filosóficos e linguísticos que explorei durante a graduação. Pimenta (2006) valoriza a teoria, uma vez que ela tem importância fundamental na formação dos docentes, pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada, oferecendo perspectivas de análise para que os professores compreendam os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais, e de si próprios como profissionais (PIMENTA, p. 24). Para conciliar esta minha realidade com a pluralidade dentre uma turma tão pequena em tamanho, porém tão profunda em conhecimento e vivência, encarei o desafio com base nas sugestões de Pimenta (2006) que nos aconselha a abraçarmos a nossa prática como uma pesquisa. A autora interpreta o teórico Schön que [...] propõe, uma formação profissional baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, e o reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram em ato [...] (PIMENTA, 2006, p. 19). 30 Nesta perspectiva, tive respaldo nas teorias do professor reflexivo-crítico que pondera criticamente sobre sua atuação “com o objetivo de entender a forma em que realmente se abordam as situações problemáticas da prática” (CONTRERAS, 2002, p. 105), estas que foram discutidas nas disciplinas de Estágio de Observação e Regência e contextualmente tratadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e nas Orientações Curriculares do Ensino Médio (OCEMs). Além disso, apoiei-me nos estudos da disciplina de Linguística Aplicada (HARMER, 2001; CAZDEN; COPE; FAIRCLOUGH; GEE, 1996) e em material de apoio sobre as habilidades e compreensão de leitura (WALLACE, 1997; GRELLET, 1981) e o ensino de inglês instrumental (SOUZA; ABSY, 2005). Na seção a seguir, discorro sobre a experiência em si com a turma, levando em consideração o meu planejamento, a prática e as minhas reflexões. Por fim, trago os dados recolhidos na pesquisa de feedback feita ao término do curso. The Real Deal Previamente ao início do curso, os professores do NucLi tiveram algumas semanas para fazer o planejamento e elaborar as aulas. Para Harmer (2001), o ato de planejar é um auxílio para o professor de línguas “porque possibilita que os professores pensem sobre o caminho a seguir e lhes permite o tempo para ter ideias para a aula de amanhã e da próxima semana”14 (p. 121). De acordo com o mesmo teórico, o planejamento é valioso para o educador linguístico, pois além de ser útil para ele, ajuda os alunos a terem mais confiança e por isso respondem mais positivamente às aulas (HARMER, 2001). Pensando nos ensinamentos de Harmer (2001) sobre a importância de planejar, meu primeiro passo foi analisar os “detalhes da oferta” (publicado no sistema pela gestão do IsF) que descrevem a disciplina e incluem informações como: ementa, justificativa, nível, conteúdo programático, metodologia e referência bibliográfica. Com isso em mãos, textos referenciais da bibliografia, um livro sobre o ensino de leitura em língua inglesa com uma abordagem instrumental (SOUZA; ABSY, 2005), fontes e ferramentas da internet, a minha formação e experiência profissional, dei início ao meu planejamento. Optei por não planejar todo o curso antes de começá-lo, pois queria conhecer a turma e dar-lhes a oportunidade de escolher temas de interesse deles para estudo. Dessa forma, pude trabalhar com um ensino mais contextual e de acordo com a necessidade dos alunos, sem deixar de atender às demandas do curso. Por isso, fundamentei-me nas perspectivas dos multiletramentos que visam o ensino contextualizado “como uma forma de concentrar nas realidades do aumento local de diversidade e conectividade global”15 (CAZDEN; COPE; FAIRCLOUGH; GEE, 1996, p. 64). Pensando nesta visão e nos objetivos de ensino do NucLi citados na introdução, as aulas aconteceram de forma interativa e com foco no engajamento 14 15 Tradução livre. Tradução livre. 31 dos alunos com a língua, no contexto acadêmico. Estudamos as estratégias e habilidades de leitura relevantes para a compreensão de textos extraídas do livro Leitura em Língua Inglesa: Uma abordagem instrumental e, partindo do preceito de que para desenvolver a habilidade de leitura é significativo o trabalho com todas as habilidades que podem auxiliar no processo – já que a leitura não se limita a textos escritos apenas –, propus o trabalho com todas as habilidades (reading, speaking, listening e writing) a partir de textos multimodais (artigos de notícias online, imagens, cartuns, memes, áudios, vídeos, etc), pois segundo Grellet (1999, p. 7) “sempre quando possível, é importante o uso de textos autênticos”16. Os exercícios de reading comprehension dos textos, feitos em sala, foram elaborados segundo o estilo e a linguagem do TOEFL17. Um dos objetivos do IsF é preparar estudantes universitários para o intercâmbio, e para praticar mais em casa os alunos utilizaram sites que disponibilizam material do TOEFL para auxílio. Outras orientações aos alunos sobre a dedicação ao aprendizado foram: a) ter contato com a língua inglesa de alguma forma todos os dias por no mínimo 1 hora, b) utilizar apenas o inglês para falar e postar no grupo do aplicativo de celular, Whatsapp, que criamos c) dedicar-se 100% ao aprendizado da língua já que estávamos em greve e o curso era de curta duração. As atividades desenvolvidas eram variadas, houve momentos nos quais os alunos atuavam como professores e apresentavam suas compreensões e opiniões sobre os textos, e seus colegas avaliavam e questionavam. Além disso, tivemos um debate sobre um texto acompanhado por áudio que discutia policiamento em favelas, o qual foi extraído do site de notícias americano National Public Radio (www.npr.org). Grellet (1999), um dos teóricos referenciais que trata das questões sobre o desenvolvimento de habilidades de leitura, explica que é relevante que haja uma variedade de exercícios, pois “isto é um fator importante para a motivação e é necessário quando se trata de habilidades diversas” 18 (GRELLET, 1999, p. 9). Com isto em mente, as atividades descritas aqui foram pensadas com o intuito de realmente envolver os alunos no aprendizado, promovendo um ambiente de interação no qual eles fossem os agentes e construtores de conhecimento, pois afinal, isto é o que compreendo por formação e crescimento pessoal e intelectual. Durante o mês, participamos de uma competição criada pela equipe NucLi/CUR na qual os alunos das turmas da Oferta seis tinham que divulgar os cursos e o NucLi em rede social, no Facebook. A interação e a dedicação da turma de Leitura em Língua Inglesa revelaram-se nesta atividade, todos os alunos participaram de forma bem ativa e, no final fomos os vencedores da competição e ganhamos um jantar em uma pizzaria local. Outro aspecto expressivo, foi que durante o curso usufruímos de momentos de feedback sobre as atividades, os exercícios, as aulas, uma verdadeira troca de 16 Tradução livre. Prova aplicada pelo NucLi como requisito para participação nos cursos, sendo que este exame é um dos mais exigidos por programas de intercâmbio no mundo 18 Tradução livre. 17 32 experiências na qual os alunos tinham a oportunidade de falar sobre o que estava sendo efetivo para o aprendizado, ou não, e com isso avaliávamos o nosso desempenho. Pensando no aproveitamento, a equipe NucLi/CUR montou uma pesquisa de feedback19 para ser distribuídas aos alunos ao final de cada curso. A seguir, as minhas reflexões sobre a pesquisa e sobre a experiência como um todo. A pesquisa buscou saber sobre os objetivos dos alunos, se suas expectativas foram atendidas, ou não, e se pretendiam continuar cursando as aulas presenciais do NucLi/CUR. Além disso, o mesmo questionou quais aspectos do curso poderiam ser elogiados e/ou aprimorados permitindo que os participantes contribuíssem com sugestões. A seguir, destaco alguns pontos que são relevantes, com base nos dados, para se estabelecer uma reflexão mais profunda sobre a experiência de todos os envolvidos: professora e alunos. A primeira pergunta investigou saber por que o aluno escolheu o curso, as respostas20 foram: Participante 1: Para aprimorar e melhorar meu conhecimento... Participante 2: Porque desejo ter proficiência... Participante 3: ...queria começar com um curso que me ensinasse o essencial para aprender...a leitura. Participante 4: Para melhorar minha leitura... Participante 5: ...porque me ajudaria no aperfeiçoamento da pronúncia... A segunda pergunta investigou quais eram os objetivos dos alunos ao escolher estudar a língua inglesa. A seguir destacam-se alguns dos retornos dos alunos. Participante 1: Meu maior objetivo é conseguir fazer intercâmbio. Participante 2: ...ter proficiência, fazer intercâmbio... Participante 3: ...poder fazer intercâmbio no futuro e também expandir meu conhecimento. Participante 4: Conhecimento. Quero conseguir ler, entender e conversar quando eu precisar... Participante 5: ...interesse em intercâmbio e o conhecimento. Ressalto as respostas citadas acima, pois são dados que estão em consonância com os objetivos do programa mencionados na introdução. Deste modo, interpreta-se que o propósito do ensino de línguas dentro do IsF tem fundamento ao projetar um trabalho de ensino-aprendizagem contextual, o qual foi bem elaborado ao basear-se no aumento da interação intercultural e, por isso oferece cursos que estão de acordo com as metas acadêmicas e profissionais dos estudantes universitários de nosso país. Além de evidenciar esta semelhança nos objetivos, vale apontar que quando questionados se as expectativas referentes ao curso foram alcançadas, todos os cinco participantes responderam positivamente e justificaram suas respostas com pontos relevantes do curso para eles, como destacados a diante: 19 20 O questionário encontra-se nos Anexos. As respostas dos participantes na integra encontra-se nos Anexos. 33 Participante 1: Foram sim, e muito. As aulas foram muito proveitosas, e de fácil compreensão. Participante 2: Sim. Aprendi várias estratégias de leitura e conheci novas palavras. Participante 3: Sim, pois aprendi justamente o que eu queria aprender, que são as técnicas e habilidades de leitura. Participante 4: Sim...aprendi algumas técnicas importantes para facilitar a leitura...E através do amplo material do estudo consegui aprender palavras novas. Participante 5: Sim. Pude colocar em prática o que já sabia e aprendi muito mais. Diante destas contestações, ao refletirem sobre a experiência, observamos que o rendimento do aprendizado assimilado foi marcante para os alunos. Logo, comprova-se novamente que os objetivos do curso e os objetivos do programa Idiomas Sem Fronteiras (IsF) – bases da elaboração e planejamento de cada curso – estão de acordo com os dos alunos. Pensando nisto, Grellet (1999, p. 9) afirma que “cada leitor traz seu próprio significado ao que lê, baseado no que ele espera do texto e no seu conhecimento prévio”21, ou seja, cada leitor, cada aprendiz, tem seus objetivos e seus contextos que lhe fornece fundamentos e reflete nos novos conhecimentos e aprendizados. Ademais, no feedback da questão número seis os alunos descreveram quais aspectos mereciam ser elogiados e entre eles sobressaiu o prestígio da professora e de toda a equipe NucLi/CUR, como se evidencia abaixo: Participante 1: Quero elogiar a professora e a coordenadora pelo empenho. Participante 2: Ótima didática. Participante 3: ...o incentivo aos alunos, para que façam outros cursos e não fiquem desanimados. Participante 4: A preocupação (atenção) da professora, sempre nos atendendo fora de sala de aula. Nos fornecendo conhecimento e outras alternativas para aprender fora da aula. Participante 5: A professora Fernanda usou métodos de ensino que possibilitaram maior aprendizagem dos alunos, até mesmo dos que tinham maior dificuldade. A reação positiva dos alunos beneficia o trabalho do NucLi/CUR, pois indica que mesmo dentre uma greve, um programa iniciante como este pode ter resultados que confirmam a autenticidade, a seriedade, a responsabilidade do projeto, e igualmente expõem as vantagens em participar dos cursos presencias gratuitos oferecidos aos discentes, docentes e técnicos de universidades federais do Brasil. Além do mais, esta realimentação constata o empenho de toda equipe e em específico valoriza a formação, o engajamento, a dedicação, o planejamento, a responsabilidade, entre outros fatores, desta professora. Na sequência, finalizo este relato com algumas ponderações sobre a vivência. 21 Tradução livre. 34 Considerações sobre a experiência Levando em consideração os resultados obtidos com os questionários da pesquisa de feedback, e a experiência como um todo, considero o período de trabalho com a turma um ganho de crescimento e conhecimento profissional e pessoal, tanto para mim quanto para a turma. O retorno que recebi foi vantajoso para a meu planejamento de cursos futuros e para a minha formação como professora iniciante. Além disso, interpretando os dados, apesar da insatisfação dos alunos com a curta duração do curso, os mesmos expressam o seu rendimento no curso de forma satisfatória. Ademais, os mesmos fatores provaram que as intenções do programa estão de acordo com os objetivos dos alunos em estudar uma segunda língua e, por isso o trabalho do NucLi/CUR merece ser prestigiado, portanto, há de se conscientizar ainda mais a comunidade acadêmica sobre os benefícios do IsF e dos cursos presenciais. Vale ressaltar que a experiência relatada aqui serviu como um tutorial, uma base, para minhas futuras práticas docentes, pois o trabalho do professor pesquisador reflexivo-crítico só tem a somar para o aprendizado e formação deste que está em contínuo desenvolvimento. No final, ao tornar a sua prática um campo de pesquisa, quem cresce mais profissionalmente e intelectualmente é o próprio professor, pois é capaz de distanciar-se e ser observador, aquele que problematiza a sua atuação docente. Um aspecto negativo sobre o curso foi a baixa frequência de alunos – como de costume muitos viajam a suas cidades de origem quando possível – e devido ao fato de estarmos em greve durante o período do curso, interpretamos que esta desvantagem aconteceu pelo simples fato de que muitos universitários não se encontravam em Rondonópolis. Com isso em mente, para as próximas ofertas intensificamos a divulgação (uma das sugestões dadas por participantes da pesquisa de feedback) do NucLi/CUR e dos cursos presenciais, procurando conscientizar todos sobre a relevância de aprender outro idioma, especialmente para quem busca participar da internacionalização das universidades federais brasileiras. Mesmo que houve este fator negativo, muitos outros positivos foram observados e merecerem ser valorizados e mencionados. Entre eles, a participação intensa dos alunos que permaneceram até o final do curso, o comprometimento com as aulas, as atividades, a presença, o aprendizado, a responsabilidade em continuar participando de outros cursos (inclusive alguns lecionados por esta professora). Concluo minhas reflexões sobre o conhecimento internalizado no que diz respeito ao planejamento, a escolha de materiais, a elaboração do curso, o desenvolvimento do mesmo ao decorrer das atividades, a formação profissional que está em constante crescimento, com base nesta prática ressaltando que toda experiência é um aprendizado, e que um professor graduado nunca é completamente formado, por isso é importante que sempre estejamos dispostos a avaliar, reavaliar, reconstruir, reformular, ressignificar, problematizar, a nossa prática docente. Ser professor pesquisador reflexivo-crítico é “produzir conhecimento a partir da prática, desde que na investigação reflita intencionalmente sobre ela, 35 problematizando os resultados obtidos com o suporte da teoria” (PIMENTA, 2006, p. 43). Referências CAZDEN, C.; COPE, B.; FAIRCLOUGH N.; GEE J. A pedagogy of multiliteracies: Designing social features. et al Harvard Educational Review; Spring 1996; 66, 1; Research Library pg. 60. CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2006, p. 17-52. GRELLET, F. Developing reading skils: a practical guide to reading comprehension exercises. London: CUP, 1981. HARMER, J. The practice of English language teaching. 3rd ed. Edinburgh: Longman, 2001. PIMENTA, Selma. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S.G.; SOUZA, Adriana; ABSY, Conceição [et al] Leitura em Língua Inglesa: Uma abordagem instrumental. São Paulo: Disal, 2005. WALLACE, C. Reading. Oxford: Oxford Universtity Press, 1992. 36 ANEXO A – Pesquisa de Feedback do NucLI/CUR Pesquisa NucLi/CUR Visamos, através deste questionário, aprimorar a experiência dos participantes do NucLi/CUR. Por favor, conte-nos sobre a sua experiência com as aulas presenciais ao responder às seguintes questões. As respostas serão compartilhadas entre a equipe do NucLi/CUR e, caso citados, os dados citados serão omitidos ou modificados para assegurar a sua privacidade. Solicitamos seus dados pessoais caso tivermos dúvidas sobre as suas respostas para que possamos solicitar esclarecimentos, se necessário, e melhorar a experiência para futuros alunos. Desde já agradecemos a sua participação nesta pesquisa. Nome: Telefone: E-mail: Curso: Horário: Professor: 1. Por que você escolheu o curso acima citado? ________________________________________________________________________ 2. Quais são os seus objetivos ao escolher estudar a língua inglesa? ________________________________________________________________________ 3. De qual maneira a equipe do Nucli/CUR pode lhe ajudar a alcançar estes objetivos? ________________________________________________________________________ 4. Ao ingressar nas aulas presenciais do Nucli/Cur, qual era sua expectativa sobre o curso escolhido? ________________________________________________________________________ 5. As suas expectativas referentes ao curso foram alcançadas? Se sim, de qual forma? Se não, por quê? ________________________________________________________________________ 6. Há algum aspecto do curso que você gostaria de elogiar? ________________________________________________________________________ 7. O que poderia ser melhorado, em sua opinião? ________________________________________________________________________ 8. Você pretende continuar cursando as aulas presenciais do Nucli/CUR? Se não, poderia explicar o motivo de não continuar? ________________________________________________________________________ 9. Como você acha que poderíamos aumentar a participação do corpo acadêmico da UFMT/CUR nas aulas do Nucli? ________________________________________________________________________ 10. Outras sugestões ou comentários: ________________________________________________________________________ 37 ANEXO B – Resultados da Pesquisa Participante 1 Pergunta 1 Para aprimorar Porque desejo Porque eu queria Para melhorar Porque o horário e melhorar meu ter proficiência começar um minha leitura, era compatível conhecimento na língua inglesa.curso que me já que eu tenho com minhas na língua inglesa. ensinasse o vontade de ler horas vagas e essencial para muitas coisas porque me aprender a que eu encontro,ajudaria no Língua Inglesa, porém estão em aperfeiçoamento que é a leitura. inglês. da pronúncia da língua inglesa. Meu maior - ter proficiência Adquirir um Conhecimento. Diferencial no objetivo é (para mestrado) segundo idioma, Quero conseguir currículo, conseguir fazer - fazer para poder fazer ler, entender e interesse em intercâmbio. intercâmbio intercâmbio no conversar quandointercâmbio e o - para viajar futuro e também eu precisar. E umconhecimento. expandir meu dia eu vou conhecimento. precisar! As melhores. FoiDisponibilizando Oferecendo cadaApresentando Continuar muito proveitoso.este curso em vez mais cursos materiais e disponibilizando vários horários. para conteúdos que cursos como o complementar possam me que foi ofertado. meu manter conectada conhecimento nacom a língua Língua Inglesa. inglesa. E continuar ofertando cursos. Achei que seria Ter mais Ler textos, Aprender alguns Aperfeiçoamento difícil, já que no conhecimento aprender “truques” para da pronúncia e teste foi uma sobre a língua estratégias, facilitar a adquirir experiência inglesa. técnicas que leitura, além de conhecimento assustadora. Porém pudessem aumentar meu sobre a língua tive uma ótima facilitar minha vocabulário. e cultura inglesa. oportunidade. leitura. Foram sim, e Sim. Aprendi Sim, pois aprendiSim...aprendi Sim. Pude muito. As aulas várias estratégiasjustamente o quealgumas técnicascolocar em foram muito de leitura e eu queria importantes paraprática o que já proveitosas, e deconheci novas aprender, que são facilitar a sabia e aprendi fácil compreensão. palavras. as técnicas e leitura...E atravésmuito mais. habilidades de do amplo material leitura. do estudo consegui aprender palavras novas. Quero elogiar a Ótima didática. Sim, o incentivo A preocupação A professora professora e a aos alunos, para (atenção) da Fernanda usou Pergunta 2 Pergunta 3 Pergunta 4 Pergunta 5 Pergunta 6 2 3 4 5 38 coordenadora pelo empenho. Pergunta 7 Pergunta 8 Pergunta 9 Pergunta 10 que façam outrosprofessora, métodos de cursos e não sempre nos ensino que fiquem atendendo fora possibilitaram desanimados. de sala de aula. maior Nos fornecendo aprendizagem conhecimento e dos alunos, até outras alternativas mesmo dos que para aprender tinham maior fora da aula. dificuldade. Poderia melhorarSala com ar A estrutura das Queria que o Maior duração do nas horas/aulas, condicionado 16 salas, acho que curso que eu fiz curso. O pouco horas é pouco. funcionando. poderiam fosse maior. tempo disponível disponibilizar não permitiu ser salas bem visto todo o equipadas para as conteúdo. aulas. Com certeza vouSim, porém este Sim, enquanto euSim! Sim. continuar. é o único horário puder, estarei que tenho fazendo. disponibilidade. Repassando de Divulgando mais Divulgando, Continuar com a Maior divulgação sala em sala. As os benefícios dosincentivando os divulgação. nas salas de aula, vezes anúncio cursos, contandoalunos, redes sociais, etc. presencial surte com a ajuda da mostrando os mais efeito. SGP (gestão de benefícios que pessoas) e podem ter sindicato para fazendo o curso. divulgar para os técnicos e com os coordenadores, para divulgar para os alunos (quando voltar as aulas) Só elogios. Gostei muito do Gostei bastante Maior carga Parabéns curso presencial,do curso, é uma horária. e recomendarei oportunidade para que outros para todos. façam também. 39 RELATOS DE EXPERIÊNCIA NAS TURMAS PRE-INTERMEDIATE E ELEMENTARY DO PROGRAMA DE TUTORIA EM LÍNGUA INGLESA Gabriel Fritz COVARI22 Universidade Federal de Mato Grosso Karihelen Polesso CERUTTI23 Universidade Federal de Mato Grosso Emiliana Fernandes BONALUMI24 Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Este trabalho é uma apresentação do projeto de tutoria de língua inglesa em que discutiremos a sua importância, bem como os resultados das turmas de níveis “elementar” e “pré-intermediário”. O programa é voltado para o ensino de conteúdos gramaticais, de conversação e de redação, com base nos corpora on-line e tem sido desenvolvido de forma a facilitar a compreensão da língua pelos alunos interessados, atendendo alunos de vários cursos do campus de Rondonópolis. A elaboração do material didático se dá por meio dos corpora on-line, cujos conteúdos são textos e frases típicas do nosso cotidiano, buscando uma aproximação do aluno com a Língua Inglesa por meio de frases do seu contexto e que abordam o conteúdo estudado, pois como sabemos, a melhor maneira de compreensão da gramática inglesa é com a prática. Através de exercícios entregues para os alunos é possível compreender o conteúdo e assim, praticar. Os alunos que comparecem frequentemente as aulas e fazem as atividades que são propostas pelo aluno tutor conseguem ter um bom proveito do conteúdo e uma boa compreensão dos tópicos discutidos. A Tutoria de Língua Inglesa auxilia os alunos tutores na preparação e vivência da prática docente, principalmente na relação com os alunos e conhecimento das especificidades do ambiente de sala de aula, sob uma perspectiva de futuros professores. No presente resumo também relataremos nossas experiências em sala de aula como alunos tutores. O Projeto de Tutoria em Língua Inglesa possui como objetivos elaborar exercícios de gramática e aulas de redação e conversação na língua inglesa. PALAVRAS-CHAVE: Elaboração de material didático; corpus on-line; ensinoaprendizagem de língua inglesa. ABSTRACT: This work is a presentation of English language tutoring project in which we will discuss its importance, as well as the results of class levels "elementary" and "pre-intermediate." The program is aimed at teaching grammar content based on online corpora and has been developed to facilitate the understanding of the language by interested students, students attending various courses on the campus of Rondonópolis. The preparation of teaching materials is through the corpora online, whose content is text and is typical of our everyday phrases, seeking an approximation of the student with the English language through sentences of context which address the content studied, because as we know, the 22 Graduando Letras-Inglês; Campus de Rondonópolis Graduanda Letras-Inglês; Campus de Rondonópolis 24 Coordenadora do Programa de Tutoria em Língua Inglesa; Campus de Rondonópolis 23 40 best way of understanding English grammar is with practice. Through exercises delivered to the students, they can understand the content and thus practice. Students often attend classes and do the activities that are proposed by the tutor and are able to get a good advantage of the content and a good understanding of the discussed topics. The English Language Tutoring helps tutors students in the preparation and experience of teaching practice, particularly in relation to students and knowledge of the specificities of the classroom environment, from a perspective of future teachers. On the following abstract, we will report our experiences in classroom as Tutor Students. The English Language Tutoring Project aims for the elaboration of grammar exercises, speaking and writing in English. KEYWORDS: Teaching material elaboration; on-line corpus; English teaching and learning. Introdução Com o avanço da informática e, com isso, a busca por conhecimentos, o ensino de língua inglesa por meio de corpora tem tido um amplo desenvolvimento no contexto brasileiro. Porém, a escassez de resultados de pesquisas com corpora ainda é presente. Com base nisso, este trabalho visa contribuir para uma reflexão acerca de uma possibilidade, entre inúmeras outras existentes, de uso de corpora em sala de aula. Os corpora, assim como coloca-nos Berber Sardinha (2004), desempenham um papel importante na conscientização do aprendiz, uma vez que lhe permitem visualizar e compreender diversas possibilidades existentes no momento de realizar escolhas linguísticas. Pensando nisso, o Programa de Tutoria em Língua Inglesa foi constituído. Este programa intitulado como “Elaboração de material didático de língua inglesa por meio do corpus on-line”, é uma iniciativa da Professora Doutora Emiliana Fernandes Bonalumi, Coordenadora do Programa de Tutoria em Língua Inglesa, que vem sendo desenvolvido desde 2013. Vale ressaltar que ainda têm-se muitos desafios a enfrentar, tais como a falta de infraestrutura do curso e a evasão de alunos. Este projeto, assim como outros, visa fortalecer a permanência dos alunos no campus, além de oferecer reforço aos alunos que entram na Instituição com deficiência em gramática, conversação e redação em língua inglesa. Além de demonstrar como este projeto está acontecendo na Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Rondonópolis, este artigo visa descrever como as atividades de tutoria são elaboradas pelos alunos tutores com base nos corpora on-line e nos livros didáticos. Portanto, objetiva-se por meio deste trabalho, descrever como este projeto de língua inglesa está ocorrendo, para que assim, possa incentivar as práticas de ensino, com o intuito de trazer melhorias na área de língua estrangeira. Metodologia Para a metodologia deste trabalho, utilizamos como referências os corpora on-line que são utilizados pelo Programa de Tutoria em Língua Inglesa, bem como os livros didáticos. CORPORA ON-LINE: 41 • BNC (British National Corpus): http://sara.natcorp.ox.ac.uk/lookup.html. • COCA (Corpus of Contemporary American English): http://www.americancorpus.org. LIVROS DIDÁTICOS: OXENDEN, C. LATHAN-KOENING, C. New English File Elementary. Student‟s Book. Oxford: OUP, 2008. OXENDEN, C. LATHAN-KOENING, C. New English File Pre-Intermediate. Student‟s Book. Oxford: OUP, 2008. Para a elaboração do material didático para as aulas, os alunos tutores utilizam os exercícios já existentes no final dos livros didáticos New English File e os reelaboram com novas frases retiradas dos corpora COCA e BNC. Além disso, a explicação gramatical do conteúdo proposto para aquela aula também é retirado dos livros didáticos. Resultados Antes de descrever como o Programa de Tutoria em Língua Inglesa se constitui, deve-se ponderar o que o maior contribuinte para os estudos de Corpus no Brasil, Tony Berber Sardinha, menciona: [...] a Linguística de Corpus ocupa‐se da coleta e da exploração de corpora, ou conjuntos de dados linguísticos textuais coletados criteriosamente, com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística. Como tal, dedica‐se à exploração da linguagem por meio de evidências empíricas, extraídas por computador (BERBER SARDINHA, 2004, p. 3). Os corpora que o projeto mencionado utilizam são os corpora on-line BNC (British National Corpus), constituído de 100 milhões de palavras de inglês britânico, tanto falado quanto escrito, e o COCA (Corpus of Contemporary American English), compreendido de aproximadamente 400 milhões de palavras. Além disso, o projeto ainda baseia-se nos exercícios do livro didático New English File (Elementary e Pre-Intermediate). Visto isso, vale mencionar como o programa é aplicado. Como dito anteriormente, o Projeto de Tutoria em Língua Inglesa é voltado para o ensino de conteúdos, com base nos corpora on-line e no livro didático mencionados no parágrafo anterior e tem sido desenvolvido de forma a facilitar a compreensão da língua pelos alunos interessados. O projeto atende alunos de vários cursos da Universidade Federal do Mato Grosso, campus de Rondonópolis e possui aulas de conversação, redação e gramática. A elaboração do material para as aulas se dá com base na reelaboração dos exercícios extraídos do livro didático. Os corpora on-line auxiliam quanto a esta reelaboração, uma vez que trabalhamos com textos e frases típicas do nosso cotidiano extraídos dos corpora on-line, buscando sempre uma aproximação do aluno com a Língua Inglesa. As frases do contexto estudantil e que abordam os conteúdos estudados auxiliam na compreensão do conteúdo proposto. Além disso, 42 os corpora possuem opções onde o usuário pode delimitar o nível de língua inglesa, encontrando frases que embora sejam autênticas, são apropriadas aos níveis Elementary e Pre-Intermediate. A melhor maneira de compreensão da gramática inglesa é com a prática. Através de exercícios entregues para os alunos, é possível compreender o conteúdo e assim, praticar. Os alunos que comparecem frequentemente as aulas e fazem as atividades que são propostas pelo tutor, conseguem ter um bom proveito do conteúdo e uma boa compreensão dos tópicos discutidos. Além disso, o programa de tutoria consiste no ensino da língua inglesa por alunos tutores (que também estão construindo conhecimentos), com aulas presenciais, havendo dois encontros semanais, sendo que um é relacionado ao ensino de gramática e o outro ao ensino de conversação e redação. Atualmente, considera-se o aprendizado em língua estrangeira um processo dinâmico e muito ativo de construção do sentido, em que neste contexto, o aluno interage às aulas, mostrando interesse e buscando a proficiência. Considerações finais A tutoria de Língua Inglesa auxilia os alunos tutores na preparação e vivência da prática docente, principalmente na relação com os alunos e conhecimento das especificidades do ambiente de sala de aula, sob uma perspectiva de futuros professores. No que diz respeito aos corpora, mais precisamente a Internet, podemos comentar que infelizmente esta facilidade ainda não está disponível para todos e em todas as escolas de ensino fundamental e médio, dificultando a inserção do material utilizado pela tutoria, baseado em corpora on-line em outros universos. O aluno tutor, para a elaboração do material didático, precisa ter acesso à Internet. No ambiente discorrido, campus Rondonópolis, esta não é uma dificuldade presente. Pode ser mencionado como dificuldade a desistência dos alunos que se matriculam e não frequentam às aulas, tirando, assim, a oportunidade daqueles que têm interesse em participar, uma vez que cada turma da tutoria possui quinze alunos da própria Instituição que se inscreveram gratuitamente no site da referida Universidade e, na medida em que atinge este número de estudantes, não é possível a matrícula de um novo discente nesta turma. O Projeto de Tutoria tem sido de grande importância para as vidas acadêmicas dos alunos tutores, pois ensina a ministrar aulas, desenvolvê-las, cumprir com prazos e horários e a seguir orientações da professora tutora responsável, a qual auxilia nas atividades elaboradas, bem como fornece sugestões a respeito das aulas que serão ministradas. Referências BERBER SARDINHA, T. Lingüística de Corpus. Barueri, SP: Editora Manole, 2004. 43 BRITISH NATIONAL CORPUS. Disponível em http://www.hcu.ox.ac.uk/BNC. Acesso em 23 de junho de 2016. CORPUS OF CONTEMPORARY AMERICAN ENGLISH. http://corpus.byu.edu/coca/. Acesso em 23 de junho de 2016. Disponível em OXENDEN, C. LATHAN-KOENING, C. New English File Elementary. Student‟s Book. Oxford: OUP, 2008. ______. New English File Pre-Intermediate. Student‟s Book. Oxford: OUP, 2008. 44 ENTRADA DE UMA PROFESSORA DE INGLÊS INICIANTE NA ESCOLA PÚBLICA: DESAFIOS E REALINHAMENTOS25 João Pedro Amorim FRANCESCHI26 Universidade Federal de Mato Grosso Paula Tuany Silva CAFÉ27 Universidade Federal de Mato Grosso Itália Cristina Maciel PINHEIRO28 Universidade Federal de Mato Grosso Eladyr Maria Norberto da SILVA29 Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Esta pesquisa colaborativa, focada nos desafios e realinhamentos de uma professora iniciante na escola pública, visa a produção de conhecimento e desenvolvimento profissional dos envolvidos: professora iniciante, professores em formação inicial e professora orientadora, atenuando o distanciamento entre teoria e prática. O contexto da pesquisa são turmas de ensino fundamental e médio, que, segundo a professora, apresentam desinteresse e apatia tanto pela vida quanto pela aprendizagem em aulas de inglês. Os dados foram coletados por meio de notas de campo, narrativa autobiográfica, diários e sessões reflexivas. Serão apresentados resultados parciais da pesquisa e reflexões sobre a relevância desta experiência para seus participantes. Almeja-se que as experiências e conclusões advindas desta pesquisa possam contribuir para o aperfeiçoamento profissional de todos os envolvidos. A esperança é que a colaboração que nasce desta pesquisa possa gerar aprendizagem e construir conhecimentos que integrem teorias e práticas, possibilitando, assim, uma melhor compreensão da complexa realidade da educação e da sociedade contemporânea. PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa colaborativa; ensino de inglês; formação de professores. ABSTRACT: This collaborative research study, focused on the challenges and realignment of a novice English teacher working in a public school, aims at producing knowledge and fostering professional development of the participants: a novice teacher, pre-service teachers, and a teacher educator, as it seeks to bridge the gap between theory and practice. It takes place at elementary and secondary level classes, whose students apparently show lack of interest and apathy towards learning the language and life in general. The data were collected through fieldnotes, autobiographical narrative, diaries, and reflective sessions. Partial results and reflections on the relevance of the study for the participants will be presented. It is 25 Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo subsídio recebido. 26 Bolsista de iniciação à docência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. 27 Bolsista de iniciação à docência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. 28 Professora Colaboradora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. 29 Coordenadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. 45 expected that the experiences and outcomes of this study will contribute to the professional development of all the participants and that this collaborative work can generate both knowledge and learning that will afford integration between theory and practice and a better understanding of the complex reality in education and contemporary society. KEYWORDS: Collaborative research; English language teaching; teacher development. Introdução Professores iniciantes, frequentemente, vivenciam dilemas e frustrações em seus primeiros anos de ensino. Estas experiências podem levá-los a reconstruir sua identidade profissional, a se desenvolverem como professores ou, ainda, a desistirem da carreira docente (ASSIS-PETERSON; SILVA, 2010). Ao iniciar seu trabalho em uma escola pública de Cuiabá/MT, Itália, uma professora recém-formada, e uma das autoras deste artigo, se depara com turmas desmotivadas com as aulas de língua inglesa e com a vida. Até certo ponto, sua história de início de carreira nos faz recordar a de Liana, outra jovem professora recém-formada em Letras, que lecionava inglês em turmas de ensino médio e fundamental em uma escola pública de Cuiabá, e que nos foi apresentada em AssisPeterson e Silva (2010). Nas duas histórias, há semelhanças nos problemas que encontraram ao iniciarem seu trabalho na escola pública e no choque de realidade pelo qual passaram. No entanto, percebem-se diferenças na forma como cada uma lidou/está lidando com os desafios encontrados. Liana optou por desistir da profissão. Itália, por sua vez, deparando-se com tais situações, procura o suporte de um grupo de estudos, do qual participou quando aluna de graduação para, juntos, desenvolverem uma pesquisa colaborativa em suas aulas. Nesse sentido, esta pesquisa é motivada pela busca de soluções para abordar o problema de falta de interesse de um grupo de alunos do ensino médio nas aulas de inglês de uma professora iniciante. Ao tentar compreender a questão que aflige a professora e encontrar formas de abordá-la, pretende-se também identificar e analisar os desafios enfrentados e os realinhamentos feitos em sua prática pedagógica. A seguir, definimos o que é pesquisa colaborativa e descrevemos as etapas e as ferramentas que estão sendo adotadas nesta pesquisa. Serão apresentados e discutidos os resultados parciais obtidos até o momento, a partir das sessões reflexivas que compõem o estudo. Finalmente, concluiremos retomando os objetivos e refletindo sobre os benefícios da pesquisa para cada um dos seus participantes e para a formação de professores de línguas. Metodologia De acordo com Ibiapina (2008), pesquisa colaborativa é a prática investigativa que envolve a ação colaborativa entre pesquisadores e professores em projetos comuns voltados à “resolução dos problemas sociais, especialmente aqueles vivenciados na escola, contribuindo com disseminação de atitudes que motivam a 46 coprodução de conhecimentos voltados para a mudança da cultura escolar e para o desenvolvimento profissional dos professores” (IBIAPINA, 2008, p. 23). Esta pesquisa está sendo desenvolvida como parte das ações do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) de Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá, por dois bolsistas de iniciação à docência, uma professora de inglês da escola pública colaboradora e a coordenadora do projeto. A pesquisa foca as ações da professora em duas turmas de 9º ano do 3º ciclo de ensino fundamental e uma turma de 1º ano do ensino médio, com aproximadamente vinte e cinco alunos por turma em uma escola pública de Cuiabá/MT. Os estudantes têm, em média, treze a dezessete anos e conhecimento básico da língua alvo. Na visão da professora, esses alunos são jovens desestimulados não só com os estudos, mas também com a vida, e passam por uma série de situações de risco em sua vida pessoal. A pesquisa colaborativa é marcada por um constante processo de reflexão. Para promover condições para o desenvolvimento da reflexão crítica e formativa, esta pesquisa conta com a ajuda de ferramentas mediadoras, tais como narrativas (auto)biográficas da professora, a observação colaborativa por parte dos bolsistas por meio de notas de campo, as sessões reflexivas e a produção de textos reflexivos dos participantes da pesquisa. As sessões reflexivas são encontros que ocorrem semanalmente, com a finalidade de promover o estudo de textos relevantes, a reflexão interpessoal e intrapessoal e a análise da prática da professora a partir dos registros feitos de suas aulas por meio de notas de campo e diário reflexivo. Cada um dos participantes tem o papel de conduzir o outro à reflexão crítica sobre sua prática, questionando e pedindo esclarecimentos sobre as escolhas feitas. Dessa forma, as sessões reflexivas promovem a reelaboração de conceitos e práticas pedagógicas e a avaliação das possibilidades de mudança da atividade docente (IBIAPINA, 2008, p. 97). As funções de cada participante são diferenciadas, mas se integram para atingir os objetivos da pesquisa. A professora observa sua prática de sala de aula e relata suas reflexões em um diário, apontando os acontecimentos relevantes ocorridos nas aulas. Os bolsistas também observam as aulas da professora e produzem notas de campo sobre os pontos relevantes da aula e sobre a relação entre a professora e seus alunos. Os dados produzidos são enviados à professora coordenadora e são compartilhados e discutidos nas sessões reflexivas. Os bolsistas de iniciação à docência, por sua vez, produzem textos síntese das sessões reflexivas. Cabe à coordenadora selecionar textos a serem estudados e discutidos, levantar questões a serem discutidas a partir dos dados coletados e das sínteses das sessões reflexivas e orientar cada colaborador no decorrer da pesquisa. Ao optarmos por esta metodologia de pesquisa, desejamos compreender as questões levantadas pela professora – os desafios – e encontrar formas de agir, que possam melhorar sua prática e, por conseguinte, o processo de aprendizagem de seus alunos – possíveis re-alinhamentos. Esperamos, também, por meio do estudo e do diálogo colaborativo, possibilitar a construção de conhecimentos que agreguem 47 teoria e prática e uma melhor compreensão de questões que afetam rotina da sala de aula. Resultados e discussões Pelo fato desta pesquisa estar em andamento, serão apresentados resultados preliminares, a partir das discussões feitas em algumas das sessões reflexivas realizadas até o momento. Na primeira sessão reflexiva, discutiu-se o contexto em que a professora está inserida e seus motivos para se desenvolver esta pesquisa. Professora Itália relatou sobre sua formação, suas perspectivas antes de entrar na escola, fez uma retrospectiva de sua experiência na escola, quais são os seus problemas e desafios. Em outro encontro, seu relato oral foi complementado pela discussão de uma narrativa escrita, em que ela relata os marcos de sua carreira profissional e reflete sobre os fatores que influenciam suas escolhas e práticas, como se pode notar no excerto abaixo, que condensa partes de seu relato. Comecei a faculdade aos 16 anos. No início, era só paixão pela vida em Seattle, paixão pelas famosas letras de rock and roll, vontade de aprender uma língua estrangeira que me possibilitasse viajar pelo mundo tranquilamente. Com o tempo e acontecimentos da vida, a maturidade veio e eu mudei. Foi quando conheci o Pibid – projeto que modificou meus pensamentos, visões e, quiçá, o futuro. As minhas primeiras experiências como professora foram como bolsista Pibid. Naquele momento, defini o que eu era como profissional. Eu, que antes, só pensava em momentos de alegria e festas, passei da fase adolescente para a pessoa que preocupa com a educação e, aos poucos, fui percebendo o quanto os adolescentes, que deveriam ser fontes de sonhos e desejos, agora se mostravam pessoas desestimuladas, sem perspectivas em longo prazo. (Relato Retrospectivo escrito por Itália – 19/09/2015) As reflexões feitas em ambas as sessões permitiram ao grupo conhecê-la melhor e compreender as razões que a levaram a buscar a pesquisa colaborativa. Profa. Itália foi bolsista Pibid durante dois anos em sua graduação. Nesse período, acontecimentos dentro e fora do contexto universitário contribuíram para a construção de sua identidade profissional. As sessões geraram textos reflexivos por parte dos bolsistas acerca de suas percepções sobre a professora e as questões que a inquietam, evidenciadas nos excertos abaixo dos colaboradores da pesquisa, referentes às suas primeiras impressões sobre Profa. Itália: (...) Vale ressaltar, sobre toda conversa que tivemos hoje, que, mesmo Itália sendo uma professora pouco experiente na escola pública, ela conseguiu perceber a necessidade de descobrir uma forma de ensinar os alunos sobre esse „novo caminho de vida‟ que pode resultar em um grande despertar, levando-os a olhar um pouco para fora de seus pequenos mundos. Ela permitiu a si e a nós, quanto professores em formação inicial, refletirmos sobre a sua própria prática em sala, sem receios, a fim de encontrarmos uma forma melhor de ensinar (...) (Paula, Notas Reflexivas, 21/08/2015) 48 Na reunião com Itália, tive uma ótima impressão dela como professora, pois, apesar dela, já no início de sua carreira docente, se ver em meio a grandes problemas (o desinteresse e indisciplina dos alunos), não só procura meios para tentar resolver esses problemas (fazendo, inclusive, amizades visando um melhor ambiente e, ainda, auxílio para suas aulas), como também, permite fazer de suas aulas um lugar de pesquisa, visando, ao final desta pesquisa, ter um ambiente que estimule os alunos, para que esses tenham um bom aproveitamento nas aulas de inglês. (Pedro, Notas Reflexivas, 20/08/2015) Tanto no seu relato quanto no seu depoimento nas primeiras sessões reflexivas, dentre as questões que mais chamam a atenção de Itália, nesse pouco tempo de experiência, está a (des)motivação de seus alunos. Ainda em formação inicial, quando participou do Pibid como bolsista de iniciação à docência, Itália se encantou com as teorias de motivação de Dornyei (2001) para promover a aprendizagem de inglês e buscou formas de aplicar estratégias motivacionais para envolver os alunos em suas aulas. Já como professora iniciante, a motivação continua sendo foco de seu olhar. Contudo, ela percebe que não bastam estratégias e atividades motivadoras para engajar seus alunos no processo de aprendizagem. Ela se inquieta com a indiferença de seus alunos nas aulas. Segundo seu depoimento, eles, geralmente, não são indisciplinados, mas ficam alheios e não interagem. Seu desejo é encontrar uma forma de ensinar inglês e, ao mesmo tempo, estimulá-los para assumirem seu espaço no mundo e encontrarem sentido em suas vidas. A perspectiva da professora sobre sua prática e seus alunos levou à discussão sobre a abordagem da educação linguística, tendo como base Garcez (2008), em outra sessão reflexiva. Esta abordagem propõe que o ensino de línguas tenha como objetivo maior a formação do cidadão que seja capaz de participar criticamente no mundo, apto ao trânsito nas sociedades complexas contemporâneas e preparado para o enfrentamento com a diversidade e o trânsito intercultural. Garcez (2008) contrapõem a educação linguística com o treinamento linguístico, em que o desenvolvimento da proficiência linguística do aluno é colocado em primeiro lugar. O autor afirma que o ensino de língua com vistas ao treinamento linguístico está fadado ao insucesso na escola pública por não contar com as condições de tempo e estrutura necessários para sua prática. Ele propõe a metodologia por meio de projetos para a realização da educação linguística. Após a discussão da proposta de Garcez, cada um dos participantes produziu um texto reflexivo para registrar sua visão sobre educação linguística e a possibilidade desta abordagem ser utilizada nas aulas. Para Profa. Itália, esta abordagem parece oferecer as condições necessárias para um trabalho produtivo com seus alunos. Porém, ela prevê dificuldades em aplicá-la com êxito pela falta de estrutura da escola para a realização de projetos. Para os dois bolsistas Pibid, a educação linguística poderia ser colocada em prática nas turmas da Profa. Itália, desde que o ensino da língua não ficasse em segundo plano. Eles argumentam que 49 não se pode abandonar a esperança de ensinar inglês na escola pública para a proficiência linguística, uma vez que esta, muitas vezes, é a única oportunidade de os alunos aprenderem a língua. As discussões sobre a viabilidade de adoção desta abordagem, nas aulas de Profa. Itália, serão retomadas mais em frente, acompanhadas de estudos de textos sobre o assunto. Uma das sessões reflexivas dedicou-se à leitura e discussão sobre pesquisa colaborativa, sua sistematização e os dispositivos de formação e reflexão a serem utilizados. Discutiu-se, também, quais seriam os papeis, as expectativas e contribuições de cada participante no processo da pesquisa. A professora espera que sua participação nesta pesquisa possa contribuir com os professores em formação e com outros professores iniciantes ou não, que passam pelos mesmos anseios que ela, lhes mostrando que teoria e prática podem e precisam ser trabalhadas para solucionar problemas no ensino. Para os bolsistas, o fato de estarem, ainda, em formação, faz com que a pesquisa lhes proporcione um aprendizado centrado na realidade do chão da escola. A oportunidade de acompanhar a professora em suas aulas e discutir as questões de sua prática nas sessões reflexivas faz com que tenham uma visão mais realista da relação teoria e prática e das razões e fatores que orientam as ações da professora em sala de aula. Para a coordenadora do projeto, esta pesquisa se apresenta como uma oportunidade de acompanhar de perto o desenvolvimento profissional de uma professora iniciante e de professores em formação inicial e de, juntos, construírem conhecimento sobre as questões que permeiam a vida do professor – construção de identidade profissional, relação professor-aluno, escolhas metodológicas para o ensino de língua, entre outras. Nos encontros seguintes, foram realizadas discussões sobre as aulas da Profa. Itália, utilizando-se como base as notas de campo coletadas a partir de aulas observadas pelos professores em formação e os diários escritos pela própria docente a respeito das respectivas aulas. Relataremos, a seguir, duas cenas de um dia de aula, discutidas em uma das primeiras sessões que focaram as aulas e os alunos, as quais foram selecionadas para serem discutidas. As cenas foram observadas pelos dois bolsistas e descrevem comportamentos dos alunos durante a aula e as ações da professora. A aula iniciou às 13h58min, com Itália distribuindo algumas folhas de atividade. “Prof., eu não sei ler isso aqui, não!”, diz um aluno. “Prof., ferrou! Eu não sei nada disso aqui, não!”, diz uma outra aluna. Itália diz que irá explicar, ainda, a atividade. Ela explica a atividade que será desenvolvida: eles [os alunos] irão ouvir uma receita: “Hungarian Cabbage and Noodles”. Alguns alunos entram na sala e interrompem o listening. Itália os questiona a respeito do atraso e os acomoda para o lado esquerdo/central da sala. Em resposta a um dos alunos, Itália diz que faz essa reorganização, pois eles “ficam afastados e encostam na parede para dormir. (no lado esquerdo há janelas).” (Pedro, Notas de Campo, 9º E, 28/09/2015) 50 Nesse trecho, temos um exemplo de como era a dinâmica das aulas, como os alunos lidavam com o conteúdo que era ministrado e como a professora reagia a determinadas atitudes, ora questionando-os, ora reorganizando-os a fim prevenir uma possível dispersão. É possível notar também o quanto os alunos eram pessimistas frente à aprendizagem do da língua inglesa. Antes mesmo de ouvirem a explicação da professora, já concluíam que a atividade não seria efetiva. Ao discutirem o episódio na sessão reflexiva, foi levantada a hipótese de que tal atitude por parte dos alunos estaria possivelmente ligada a crenças de que o inglês é difícil de se aprender. Estudos apontam o quanto as crenças têm um papel fundamental no ensino de língua estrangeira (BARCELOS, 2004), podendo influenciar positiva ou negativamente no processo de ensino e aprendizagem. A próxima cena de sala de aula ilustra como os eventos da vida cotidiana do aluno se mesclam com os acontecimentos de sala de aula e podem vir a interferir no seu comportamento na aula. Como, nesse momento, já havia alguns alunos conversando, ela [Profa. Itália] começou a completar os primeiros gaps das sentenças. Imediatamente, alguns alunos reclamaram dizendo “Não, professora, não, não faz isso”. E aí ela começou a explicar o próximo assunto, dizendo “Do you like eating?”, “Do you prefer salty food or sweet food?” – eles não entenderam. Então, ela disse “Parece uma pergunta boba, mas eu conheço gente que não gosta de eating”. Nisso, um aluno disse que não gosta de almoçar e ela disse “Como assim?”, e outro tomou a palavra dizendo “a gente acorda e já te que almoçar, não sinto gosto da comida, por isso não gosto”, uma aluna (a que estava no celular inicialmente) interrompeu dizendo “É claro, acorda tarde! Duvido se tivesse que acordar às 7 da manhã, às 12 tenho certeza que ia querer almoçar”. A professora disse “é verdade, concordo”, e logo continuou dizendo “que vida boa né?”. E o segundo aluno, o que disse que não sentia gosto da comida, disse “Quero ver, vamos trocar de lugar, aí você vai pra minha casa e ver o inferno que é lá!”A professora ouviu meio que sem reação e continuou, perguntou o que o brasileiro mais come. Então, eles foram dizendo e ela colocando as palavras em inglês no quadro. Às 14:45, a música de troca de sinal tocou e alunos saíram da sala de aula (Paula - Notas de Campo, 9ª E, 28/09/2015) Ao analisar esse episódio na sessão reflexiva, indagou-se à Profa. Itália o motivo pelo qual ela “ignorou” o aluno. Ela disse que, na verdade, não reagiu ao comentário porque não havia escutado a fala dele, que muito dizia sua vida particular e fora da sala de aula. A reflexão que se seguiu lembra que “o que acontece dentro da escola é muito mais o resultado da cadeia de relações que constrói o dia-a-dia do professor, do aluno e do conhecimento; e muito menos a atitude e decisão isolada de um desses elementos (André, 1992, p. 35) e enfatiza a importância de dar voz ao aos alunos e ouvi-los. Uma análise parcial das aulas da Profa. Itália parece confirmar sua impressão de que vários de seus alunos estão dispersos e, aparentemente, desinteressados na aula. Os dados também apontam para questões da vida pessoal dos alunos, que podem estar interferindo na dinâmica dos alunos em sala. Como encaminhamentos 51 para melhor compreender ambos os aspectos das aulas, os colaboradores definiram que iriam observar melhor a metodologia e as estratégias de ensino da professora para verificar se o desinteresse dos alunos poderia estar relacionado à forma como as aulas estavam sendo conduzidas. Definiram também que, para um melhor diagnóstico a respeito dos anseios dos alunos que, até então, estão sendo retratados como indivíduos desmotivados e apáticos tanto em relação às aulas de língua inglesa bem como para com a vida, seria aplicado um questionário aos alunos. A partir deste, espera-se melhor compreender o comportamento desses alunos em sala de aula e auxiliar Profa. Itália a lidar com as questões que a fizeram iniciar esta pesquisa. Considerações finais Foram aqui apresentados alguns dos temas que estão sendo abordados nas sessões reflexivas de uma pesquisa colaborativa entre uma professora de inglês iniciante da escola pública, dois bolsistas de iniciação à docência do Pibid e uma professora orientadora. Outros tópicos estão em pauta para discussão e reflexão e, futuramente, serão apresentados, em outras produções acadêmicas, resultados das demais sessões reflexivas em que professora e bolsistas discutem a prática de sala de aula, conforme observada por ambos, com a mediação da professora orientadora. Encontrar formas de motivar os alunos nas aulas de inglês parece ser uma tarefa desafiadora, pois essa desmotivação, possivelmente, começa fora da sala de aula e foge ao alcance do professor que foca suas aulas apenas no conteúdo da disciplina e tem pouco acesso à vida dos alunos fora dos muros da escola. Esperase, com esse trabalho, auxiliar a professora a encontrar meios de aproximação com seus alunos, para que estes possam desenvolver sua autoestima e seus sonhos, bem como instigá-los para o aprendizado da língua. Ao abrir as portas de sua sala de aula aos demais colaboradores, Profa. Itália se dispõe a ouvir e observar sua prática não só a partir de seu olhar, mas dos outros também, e a refletir em conjunto, em busca de mudanças. Para os dois professores em formação inicial, esta pesquisa tem se configurado como uma oportunidade privilegiada de poderem acompanhar de perto a prática de uma professora iniciante e, com ela, poderem discutir os pontos que mais lhes chamam a atenção em sala. Nesse sentido, as sessões reflexivas têm proporcionado momentos de descobertas, diferenças e negociações de pontos de vista. Para a professora orientadora, esta pesquisa lhe propicia conhecer mais de perto o dia a dia do professor iniciante na escola pública. Tem sido, ao mesmo tempo, gratificante e desafiador participar do diálogo que se estabelece nas sessões reflexivas, com sua diversidade de vozes e perspectivas. Esperamos que as experiências e conclusões advindas desta pesquisa possam contribuir para o aperfeiçoamento profissional de todos os envolvidos – professora, bolsistas, professora orientadora. A esperança é que a colaboração que nasce desta pesquisa possa gerar aprendizagem e construir conhecimentos que 52 integrem teorias e práticas, possibilitando, assim, uma melhor compreensão da complexa realidade da educação e da sociedade contemporânea. Referências ANDRÉ, M. E. D. A. Cotidiano escolar e práticas sócio-pedagógicas. In: Em Aberto, Brasília, ano 11, n. 53, jan./mar. 1992. ASSIS-PETERSON, A. A. SILVA, E. M. N. Não tenho estoque de sonhos para me manter em pé: construção de identidades de uma professora de inglês. In: BARROS, S. M. ASSIS-PETERSON, A. A. A formação crítica de professores de línguas: desejos e possibilidades. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010 p. 145-174. BARCELOS, A. M. Crenças sobre aprendizagem de línguas, linguística aplicada e ensino de línguas. Linguagem e Ensino, v. 7, n. 1, p. 123-156, 2004. DÖRNYEI, Z. Motivational Strategies in the Language Classroom. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. GARCEZ, P. M. (2008). Educação linguística como conceito para a formação de profissionais de Língua Estrangeira. In L. Masello (Org.), Português lengua segunda y extranjera em Uruguay: Actas del Primeiro Encontro de Português Língua Estrangeira do Uruguai (pp. 51-57). Montevidéu: Universidad de la República, Faculdad de Humanidades y Ciencias de la Educación/Comisión Sectorial de Investigación Científica. IBIAPINA, M. L. M. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e produção conhecimentos – Brasília: Líber Livro Editora, 2008. 53 A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM E SUA MEDIAÇÃO NA FORMAÇÃO HUMANA DENTRO E FORA DO AMBIENTE ESCOLAR: UM ESTUDO DO PACTO DO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO Isabel Gomes de MORAIS Tatiane Souza ALVES RESUMO: A linguagem constitui-se como forma ideológica na criação de sentidos da vida do ser humano e como tal, está presente em todos os lugares. Deste modo, o presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a importância da linguagem para a formação pessoal, intelectual e social de cada pessoa. Teremos como análise o ensino no CEJA (Centro de Ensino para Jovens e Adultos) da cidade de Rondonópolis que, por sua vez, fundamentaliza um importante papel no ensino da linguagem na aquisição de conhecimento dos estudantes e observa a formação do educando como uma necessidade desenvolvida através da linguagem no processo de ensino e aprendizagem dentro e fora do ambiente escolar. Para tanto, utiliza-se os trabalhos de BONINI, 2014 e SIMÕES, 2013, dentre outros que dão seu parecer em relação à importância da linguagem na formação humana. PALAVRAS-CHAVE: Linguagem; Formação humana; Ambiente escolar. ABSTRACT: The language is constituted as ideological in the creation of meanings in the human life and as such, it is present everywhere. This way, the aim of this article is to talk about the importance of the language to the personal formation, intellectual and social for each person. We will have as object of analysis teaching in CEJA (Education Center for Youth and Adult) from the city of Rondonopolis that, in turn, has been developing an important work in the students' knowledge acquisition and it follow the student’s training as a need developed through language in the teaching and learning process within or out of the school environment. Therefore, it is used the BONINI, 2014 e SIMÕES, 2013 work among others which will contribute to the importance in the human development. KEYWORDS: Language. Human formation. School environment. Introdução A linguagem é um fator predominante para a aquisição de conhecimentos de qualquer cidadão. E para que esse processo se realize é necessário que seja desenvolvido no decorrer da formação do ser humano. Partindo dessa perspectiva, o presente artigo tem como finalidade discorrer sobre a importância da área de linguagem para a formação pessoal, intelectual e social de cada pessoa. Para tanto, serão utilizados como base neste trabalho, os documentos OCEB, 2012 (Orientações Curriculares para Educação Básica) e os PCN, 1999 (Parâmetros Curriculares Nacionais). Observando a modalidade EJA (Ensino para Jovens e Adultos) que oferta a educação básica com os Ensinos Fundamental e Médio já bastante difundida no país, teremos como análise o ensino no CEJA (Centro de Ensino para Jovens e adultos) da cidade de Rondonópolis. Será discutido o estudo do Pacto do fortalecimento do ensino médio e sua contribuição para reflexões para a prática 54 pedagógica na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias dentro e fora do ambiente escolar. É relevante elucidar que para ocorrer aprendizagem significativa no educando, é preciso haver uma integração dos profissionais da escola na realização de atividades que façam sentido na vida do aluno e ainda consigam fazer a mediação necessária do ensino, para que ele se torne agente autônomo e ativo na criação de sua identidade dentro e fora do ambiente escolar, sendo o autor de sua própria aprendizagem. Formação da área de linguagem A linguagem é algo que nasce com o ser humano, é uma ferramenta essencial à construção do conhecimento. Todavia, precisa ser desenvolvida ao longo da formação de cada pessoa. O ser humano precisa da socialização de mundo para construir sua própria identidade e mediar suas ações. Sendo assim, as manifestações humanas somente ocorrem através da linguagem. Com relação ao tema Linguagem, as OCEB (2012, p. 64) salientam que: A socialização não é própria apenas do ser humano, mas, nele, ela apresenta-se como natural, justifica-se como necessidade de sobrevivência e materializa-se na constante interação. Por meio de gestos corporais, de expressões verbais e visuais, conscientes e/ou inconscientes, todos contendo um lado afetivo, a projeção social típica do ser humano concretiza-se. Todas essas manifestações simbólicas produzem efeitos no outro e são reconhecidas como linguagem. Nesse sentido, a utilização da linguagem constitui-se como uma prática ideológica de maneira que ao ser produzida trabalha-se com valores, conceitos e comportamentos os quais são, geralmente, do conhecimento dos interlocutores e/ou comum a eles. Trata-se de algo que é fundamental no processo de socialização humana, pelo fato de estar presente na interação e caracterizar-se pelas relações estabelecidas entre as pessoas em função da convivência e do trabalho, resultando assim em prática social a qual é modificada conforme as condições existentes. As OCEB (2012) também corroboram que interagir pela linguagem é antecipar as reações do interlocutor diante do que dizemos e tal processo é chamado de interpretação e sem ela é impossivel falar, escrever, produzir efeitos de sentido ou reconstruir sentidos já que é baseada em ideias e manifestações de comportamento. Historicamente, a concepção da área de linguagens perpassou por inúmeras transformações as quais foram necessárias para que se consolidasse ao que chamamos atualmente de “Linguagens, Códigos e suas tecnologias”, e de acordo com os PCN (2001), na nova organização do ensino médio, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física e Informática integram uma mesma área de conhecimento: a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Com essa nova mudança, ficaram mais claras as possibilidades de haver integração dentro das disciplinas e assim oportunizar um planejamento que possibilite maior 55 participação dos educandos na sala de aula, de forma que todos possam falar a mesma língua na arte de desenvolver o ensino e aprendizagem na comunidade escolar. O estudo do Pacto no ambiente escolar Os estudos realizados na escola durante o período de formação dos professores, com os profissionais envolvidos para possíveis reflexões e ações em busca de melhorias na prática pedagógica voltada aos alunos que compõem o corpo discente do ensino médio, tiveram muita importância para a prática docente, visto que causaram vários apontamentos e discussões até então adormecidas na escola. Muitos olhares dentro da educação passaram a ser observados com mais cautela, de modo que, durante o estudo, os professores puderam compartilhar suas angústias, anseios, medos e expectativas no exercício de sua profissão. Foram seis cadernos estudados pelos professores que lecionavam no ensino médio, todos bastante relevantes dentro de cada área ou disciplina específica. Como a escola é composta pela modalidade CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos), que contempla em seu currículo escolar a divisão das disciplinas feitas por áreas do conhecimento, observa-se que a formação oferecida pelo “Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio” veio a somar com algumas práticas já existentes nesse contexto escolar. O ensino ofertado na escola é dividido em três áreas: Linguagens, Ciências Humanas e Ciências da natureza. Todavia, o enfoque a ser comentado neste trabalho é na “Área de linguagens”, a qual inclui os profissionais com licenciatura em Letras, Educação Física e Arte. Todos os alunos de educação básica, principalmente os alunos da EJA têm os seus direitos assegurados por lei em obter o ensino oferecido pela escola. A maioria desses discentes não terminaram os estudos na idade própria e recorreram à EJA para finalizar essa etapa. A LDBEN em seu Art. 37° inciso I assegura aos alunos que são trabalhadores o direito de permanência na escola, respeitando seus interesses e condições de vida e de trabalho. O ensino médio, de acordo com as OCEB (2012), deve responder ao desafio de atender a maioria dos jovens sem interromper o acesso ao trabalho e também proporcionar a continuidade nos estudos. Nessa perspectiva, o inciso II e III apontam que o aluno se adapte à sua jornada de trabalho sem se desprender da formação ética de continuar sua aprendizagem desenvolvendo autonomia e o pensamento crítico no ambiente escolar. A escola, por sua vez, busca através das atividades pedagógicas desenvolver um ensino centrado nos interesses dos alunos; e uma das principais práticas dentro do ambiente escolar era dar espaço ao educando através de diversas atividades extraclasses oportunizando-os ao conhecimento e acessibilidade em locais talvez nunca antes frequentado por alguns desses estudantes fazendo com que se sentissem integrados e valorizados tendo prazer em aprender mesmo fora do ambiente escolar. Assim, o Caderno IV da Etapa II (2014) referente à Formação de professores do ensino médio aponta que os componentes curriculares existentes na área de 56 Linguagens se integram em função de todos terem como objetivo o desenvolvimento de sujeitos para atuarem em práticas sociais, as quais podem ser inunciativas, artísticas ou corporais, se tornando dessa maneira uma única área curricular pelo fato de focalizarem as práticas de linguagem como integrante no processo de ensino e aprendizagem. Vale ressaltar que as integrações das disciplinas citadas no referido caderno ocorrem nessa escola e são métodos já utilizados pelos docentes e inclusos nos planejamentos semanais. Um exemplo são as aulas práticas de Educação Física juntamente com as de Língua Inglesa na quadra da escola. Os professores desenvolvem aulas que tematizam práticas corporais com as manifestações da linguagem implícita e explícita no contexto de aprendizagem recíproco. Os alunos aprendem além dos componentes e movimentos vinculados à saúde corporal, a pronunciar e escrever essas mesmas práticas em outro idioma. Contudo, ao mesmo tempo que praticam os exercícios físicos durante a aula, adquirem conhecimento com informações do ambiente, partes do corpo e cuidar da própria saúde em outra língua. O caderno do Pacto ressalta ainda que “[...] a ampliação de saberes envolve experienciar e constrastar práticas diversas, gerando debates, pesquisas, e a reflexão sobre o próprio processo de inserção nessas práticas, de modo que os estudantes desenvolvam autonomia para sua atuação no mundo fora da escola”. (BONINI, 2014, p.10). Para tanto, durante o planejamento de aula, foram desenvolvidas estratégias de ensino que possibilitaram trabalhar oficinas e aulas culturais desempenhando assim práticas sociais que proporcionaram a integração dos alunos com o conteúdo estudado em sala de aula no ambiente extraclasse. Haja vista que muitos alunos desconhecem as atividades culturais oferecidas no município unicamente pela falta do hábito de participar delas. A escola com o seu papel emancipador busca trazer a integração entre os alunos e o meio social abrindo horizontes e despertando interesses em relação à própria cultura. Dessa forma, pode-se dizer que a linguagem constitui-se como essencial nas relações humanas pelo fato de perpasssar várias práticas sociais integrando áreas que contribuem para a construção de conhecimentos. Em relação à atuação do professor de língua estrangeira no ensino médio, os PCNs (2010) sugerem que os professores, por sua vez, desenvolvam a competência de criticidade no aluno, mudando o foco contextualizado dos conteúdos, além de salientar que é fundamental que os docentes dominem o idioma a ser ensinado buscando meios inovadores que despertem o interesse dos educandos em aprender uma segunda língua. Nesse raciocínio, as reflexões feitas a partir dos estudos do Pacto, juntamente com as integrações das disciplinas na área de linguagem durante o planejamento por área, são desenvolvidas aulas extraclasse, realizadas através de oficinas culturais que levam o aluno a viver na prática diferentes momentos de aprendizagem no meio social. Um exemplo significativo e prático foi uma aula cultural no Rondon Plazza Shopping. Os alunos puderam usar o passeio para observar a língua inglesa além dos livros didáticos, ao pesquisar sobre o estrangeirismo existente em produtos 57 consumidos por eles com frases e palavras em inglês encontradas em várias lojas que antes passavam despercebidas aos olhos de muitos. De acordo com os PCN (2012), o professor de língua estrangeira no ensino médio deve lançar mão de conhecimentos linguísticos e metalinguísticos dos alunos, estabelecer pontos de convergência e de contraste, assim como colocar o aluno frente a situações reais de uso do idioma, que ultrapassam o teórico e o metalinguístico. O documento do Pacto afirma ser notável que a linguagem constitua várias visões de mundo e passa a ser formadora de sentidos através das práticas sociais que envolvem as relações humanas. Dessa maneira, a linguagem implica múltiplas situações em ocasiões sociais que desenvolvem sentidos amplamente representados pelos usuários da língua, e pode estar presente numa partida de futebol, na escrita de uma redação ou seja, em todas essas modalidades faz-se necessário a compreensão de diferentes formas de linguagem. Após a aula realizada no Rondon Plazza Shopping, a euforia de vários alunos com comentários a respeito das diferentes aprendizagens em um ambiente além da escola, trouxe aos professores envolvidos um olhar de contentamento em observar possibilidades de tornar um aluno reflexivo crítico ao mediar seu aprendizado num ambiente fora da escola. Contudo, diante das aulas culturais e oficinas trabalhadas em um ambiente diferente, pôde-se notar o quão significativo e importante foi para os alunos participarem dessa prática pedagógica. Formação do currículo do ensino médio Refletindo sobre as práticas e as relações destas com o campo teórico do currículo, questionam-se quais implicações essas reflexões podem ter ao considerarmos as necessidades e o direito à educação que possuem os alunos e ainda, qual o sentido do conhecimento e como podemos pensar a relação entre conhecimento escolar e os sujeitos, alunos jovens (e adultos) do ensino médio na atualidade? Considerando que o ensino médio, ao longo dos anos esteve voltado em determinado momento para a formação acadêmica, objetivando o preparo para o ingresso no ensino superior, e outras vezes, estava voltada para uma formação cujo preparo destinava-se ao trabalho, segundo Simões e Silva (2013), devemos pensar a escola como um local cujo desafio não se limite aos interesses mais imediatos e pragmáticos, mas que tenha como desafio pensar a formação humana em sua plenitude. Deste modo, pensar a organização pedagógico-curricular do ensino médio é pensar as diferentes juventudes que o frequentam, suas identidades, suas culturas e suas necessidades. Nesta perspectiva, Simões e Silva (2013) nos afirmam que o ensino médio deve ser sustentado na e pela finalidade de uma formação humana integral. Formação esta que esteja de acordo com as transformações históricas e sociais as quais geram e sustentam essa diversidade de juventudes, considerando sempre as diferentes formas de se viver a juventude e o que oferecemos em termos de currículo, de saberes, de práticas. 58 De acordo com os autores, respaldados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolução CNE/CEB 02/2012), que elegem as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular, o avanço do conhecimento científico e tecnológico, sugerem pensar o currículo partindo da contextualização dos fenômenos naturais e sociais, bem como de sua significação a partir das experiências dos sujeitos, sem hierarquizar os saberes, as áreas e as disciplinas. Sendo assim e propõe que a atividade curricular do ensino médio seja organizada a partir de um eixo comum – trabalho, ciência, tecnologia e cultura. Nesse sentido, deve-se pensar currículo como “seleção dos conhecimentos e das práticas sociais historicamente acumulados, considerados relevantes em um dado contexto histórico” (SIMÕES & SILVA, 2013, p.12), como algo construído coletivamente, com a participação de todos os elementos envolvidos no processo tais como alunos, professores, coordenadores pedagógicos, gestores visando assim, a unidade entre o que se planeja e o que se realiza. Planejar o currículo, segundo Silva (2000 apud Simões e Silva, 2013), se torna construção de significados e de valores culturais e reconhecimento de que estes estão relacionados à dinâmica de produção do poder na sociedade. Sendo as decisões sobre o currículo marcadas pelas relações de poder que se estabelecem na sociedade e na escola, daí ser a mediação do currículo, possibilidade de tomada de consciência a respeito das relações de poder e de controle presentes nas instituições. O currículo se institui também como seleção da cultura quando a escola se “organiza” e se “apropria” da cultura fazendo determinadas “representações” desta produzindo práticas que objetivem realizar a ação educativa. Faz-se necessário dar novos sentidos ao currículo escolar, através de constantes discussões e reflexões por meio da construção coletiva dos educadores da instituição escolar organizando o currículo e desenvolvendo atividades relacionadas às dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, com objetivo em atender às necessidades e características sociais, culturais, econômicas e intelectuais dos estudantes. A atuação dos educadores da EJA é outro fator bastante discutido nas (OCEB, 2012) sobre a reflexão pedagógica durante a criação do currículo. O documento salienta que a priori não seja centrado apenas em conteúdo mas, em práticas pedagógicas que visam observar as necessidades e possibilidades de acordo com a realidade de cada discente. As ideias devem ser intencionais em contexto sistematizado relacionando conhecimento e aprendiz dentro de seu processo social e histórico, de modo que, não se pode esquecer a relação de vida do alunado dentro do trabalho, sociedade e cultura de modo que, a atitude de aprender não deva partir somente dos alunos mas também dos profissionais que acreditam na transformação da educação e zelam pelo cuidadoso ato de ensinar, respeitando os valores e conhecimento trazidos por cada cidadão. No referente à contextualização do currículo escolar, como também na criação do projeto político pedagógico, é de responsabilidade da instituição escolar a 59 elaboração de projeto que envolva a participação dos educandos em seu contexto. Para entender esse processo, foi criado por cada área do conhecimento uma pesquisa intitulada de “Tema gerador”. O professor faz um diagnóstico no primeiro dia de aula no início de cada trimestre com intuito de dar voz ao aluno, ao proporcionar debate em grupos através de alguns temas relacionados a saúde, educação, direitos humanos etc. A partir das observações colhidas, será posteriormente pensado pela área como trabalhar um tema integrador mais discutido pelos alunos durante a aula. É necessário buscar meios que aguce e desperte a atenção dos alunos para a participação das atividades propostas dentro ou fora da classe. Todavia, é preciso haver o comprometimento de todos os professores para que o trabalho seja desenvolvido com êxito durante o planejamento por área. Acredita-se que é na convivência com os sujeitos envolvidos no processo educativo que se pode reconstruir a relação do fazer pedagógico a partir de uma concepção mais ampla, atribuindo sentido e significado para a ação educativa. Considerações finais Sabe-se que o processo de ensino e aprendizagem na educação das escolas públicas do país é um trabalho constante e bastante importante para a formação dos alunos durante sua vida escolar. Não se pode esquecer que os professores são os formadores e mediadores do ensino no contexto educacional. Mas é preciso ser frisado que a educação não é formada só pelos docentes e também que não ocorre somente dentro da instituição escolar. Nesse entendimento, o Caderno de Orientações Didáticas para EJA CODE (2010 p.16) ressalta: Por isso, há que reafirmar que a aprendizagem, no âmbito da Educação Escolar, implica explicitações do estágio atual de conhecimento e o esforço sistemático de sua superação, pelo reconhecimento de valores, dos modos de ser e das visões de mundo predominantes; e que o que se vive e se aprende na escola não pode ser a simples reprodução do que se vive e se aprende fora dela. Essa educação deve ultrapassar os muros da escola e ocorrer de forma que alunos e professores se integrem para desenvolver um trabalho emancipador, buscando conhecimentos necessários à formação humana. Seja através da integração social ou munido do esforço da própria vontade em adquirir sabedoria. Sabe-se que a Educação para Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade que tem como objetivo ensinar pessoas que trabalham durante um período e precisam estudar em outro. Isso os leva a desenvolver habilidades de estudo que melhore seu potencial como profissional que reconhece seus direitos e como cidadãos integrantes de um meio social comum. E oportunizar àqueles indivíduos que já estão em idades avançadas e procuram a escola em busca de melhores oportunidades e dignidade no mercado de trabalho (OCEB 2012). Os professores em conjunto com todos profissionais da escola buscam novas atitudes na criação de um currículo que consiga quebrar barreiras que inibem a 60 quisição do conhecimento. As OCEB (2012 p. 65) elucidam sobre a construção de sentidos recheada de conhecimento que ocorre quando o aluno interage com o mundo e aprende a ter voz e dela fazer o uso no exercício de sua cidadania. Neste sentido, observa-se a relevância do estudo do Pacto nacional para o ensino médio nas escolas visto que, estamos encaminhando ao desenvolvimento do aprendiz ao planejar distintas formas de ensinar através de atividades dentro e fora da escola. Isso proporciona ao educando um novo olhar sobre o que é escola. Essa observação busca um outro modelo de ensinar e aprender que perpassa os labirintos daquele esteriótipo antigo em pensar que a obtenção do conhecimento somente ocorre “dentro da sala de aula” e nada mais. Deste modo, vale ressaltar que as escolas que pensam além de seus próprios muros e oportunizam um olhar autônomo aos seus alunos estão, por sua vez, reinventando o ensino médio e a educação básica no Brasil. Referências BONINI, A. et al. Formação de professores do ensino médio, Etapa II - Caderno IV - Linguagens. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. 1. ed. Curitiba: UFPR / Setor de Educação, 2014. BRASIL. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Caderno de Orientações didáticas para EJA Língua Estrangeira - Inglês: etapas complementar e final – São Paulo : SME / DOT, 2010. 145p. http://goo.gl/iK4OOd acesso em 10 de agosto de 2015. BRASIL. Secretaria da receita federal. Consulta referente à Resolução CNE/CEB nº 5/2010, que fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Funcionários da Educação Básica pública. Brasília, (DF), 1º de março de 2011. http://goo.gl/adiWUl acesso em 12 de Maio de 2015. MATO GROSSO, Secretaria de Estado de Educação. Orientações Curriculares: Concepções para a Educação Básica. / Secretaria de Estado de Educação e Mato Grosso. Cuiabá: Gráfica Print, 2012, p. 100. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio. Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica/MEC, 1999. SIMÕES, Carlos Artexes; SILVA, Monica Ribeiro da. Formação de professores do ensino médio, etapa I - caderno III: o currículo do ensino médio, seu sujeito e o desafio da formação humana integral / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1 ed. Curitiba: UFPR/Setor de Educação, 2013. 61 LETRAMENTO CRÍTICO, MULTILETRAMENTOS E O ENSINO DE LÍNGUAS: UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA Jordana LENHARDT Universidade Federal de Mato Grosso Solange M. de BARROS Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Pretende-se, com este trabalho, apresentar a análise de enunciados de uma entrevista concedida por uma professora de língua materna do Centro Socioeducativo de Rondonópolis-MT, no intuito de verificar se a mesma atribui relevância à consciência crítica da linguagem e do mundo para as aulas de línguas. A partir dos indícios dessa análise, relata-se como um curso de formação críticoreflexiva, no âmbito do letramento crítico e dos multiletramentos, foi pensado para os educadores da unidade escolar do Centro Socioeducativo, à luz de Freire (1987), que coloca a relação entre consciência de mundo e de si mesmo em razão direta, e de Papa (2008), que defende que as práticas pedagógicas emancipatórias devem estar conectadas em todas as esferas do contexto social. Esse estudo de caráter discursivo, ainda em fase inicial, faz parte da pesquisa de mestrado de Lenhardt (2016) e baseia-se em pressupostos teóricos e metodológicos da Análise Crítica do Discurso (Fairclough, 2003) e do conceito de representações de atores sociais (Van Leeuwen, 1997). A análise dos enunciados apontou que – se professores do Centro Socioeducativo desejam forte engajamento em práticas linguísticas emancipatórias – seria crucial e urgente a elaboração e execução de cursos de formação continuada voltados para promoção de posturas reflexivas e de conscientização crítica da linguagem acerca das práticas discursivas e pedagógicas no ensino de línguas. PALAVRAS-CHAVE: Discurso; letramento crítico; formação continuada; emancipação; transformação social. ABSTRACT: We aim, with this paperwork, to analyze some statements of an interview granted by a mother language teacher of the Socio-educational Center in the city of Rondonópolis-MT, in order to verify if she assigns relevance to the critical awareness about the language and the world around the language classes. From the data taken from these analyses, we report how the critical-reflexive course, on the Critical Literacies and multiliteracies, was developed for school unit teachers of the Socio-educational Center. In the light of authors as Paulo Freire (1987), that place the relation between the world conscience and the self-conscience in a direct reason, and Papa (2008) who defends that emancipatory teaching practice must be connected in all the spheres of the social context. The study, of discursive character, still in a preliminary level, is part of Lenhardt (2016) master‟s research, and is grounded in theoretical and methodological assumptions of Fairclough‟s (2003) Critical Discourse Analysis and in the concept of Van Leeuwen‟s (1997) Social Actor‟s Representation. The statements analyses pointed that – if the Socioeducational Center teachers wish strong commitment on emancipatory linguistic practices – it would be urgent and crucial the development and implementation of continuing education courses aiming to promote reflexive postures and critical awareness of language about the discursive and pedagogical practices on the language teaching. 62 Key-words: Discourse; Critical literacy; continuing education; emancipation; social transformation. Introdução O conceito de Socioeducação, ou Educação Social, refere-se à aprendizagem voltada para o convívio social e para o exercício da cidadania. A Socioeducação, a partir de sua vigência, construiu o lastro de sua sustentação enquanto política pública e tem como base princípios, concepções e objetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei 8.069/90 – (BRASIL, 1990), o qual constitui um marco nacional para o desenvolvimento das políticas de atenção à infância e adolescência. O Estado brasileiro, mediante o poder judiciário, passou a aplicar medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei, como aqueles do Centro Socioeducativo, que estão sob a tutela estatal em instituições com regime de semiliberdade e/ou de internação. A sociedade civil e o Estado tiveram por conquista, posteriormente, a construção de um Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE (CONANDA 119/2006) -, que define os princípios, conceitos e objetivos da Socioeducação enquanto política pública, e que recentemente, em 18 de janeiro de 2012, passou a vigorar como lei no Brasil, sob o número 12.594/2012. Como uma nova maneira de o indivíduo se relacionar consigo e com a sociedade, a educação social significa educar para o coletivo, desenvolvendo ações de promoção pessoal e social, trabalhando orientação e educação formal, atividades desportivas, de lazer e profissionalização, bem como questões inerentes ao desenvolvimento do sujeito frente aos desafios da vida em liberdade. A Socioeducação, como práxis pedagógica, segundo as normativas vigentes, deve desenvolver um trabalho reflexivo, crítico e construtivo, através dos processos educativos orientados à transformação e emancipação social. Nesse sentido, pensar e discutir educação de qualidade, no contexto da socioeducação, pressupõe um ensino alicerçado em práticas pedagógicas críticas e reflexivas, com vistas à consciência crítica da linguagem e do mundo, o que requer do profissional docente interesse e disposição no sentido de não acolher, pura e simplesmente, discursos vigentes como verdadeiros, mas tornar-se um eterno pesquisador. Como nos diz Paulo Freire (1998, p. 30), “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”. O presente artigo tem por objetivo analisar os enunciados de uma entrevista concedida por uma professora de língua materna do Centro Socioeducativo de Rondonópolis, no mês de maio de 2015, a qual nos serviu de base para a definição dos temas e conceitos a serem abordados no curso de formação continuada “Letramento Crítico, Multiletramentos e o Ensino de Línguas”, oferecido aos docentes atuantes na escola deste Centro Socioeducativo. O artigo está organizado da seguinte maneira: inicialmente, apresentamos a contextualização acerca da socioeducação, em seguida, tecemos algumas breves considerações sobre consciência linguística crítica, letramento crítico e multiletramentos, análise crítica do discurso e as representações de atores sociais. 63 Na sequência, expomos a metodologia e a análise dos dados. E, finalmente, apresentamos a conclusão. Fundamentação Teórica Há um aspecto de tensão na sociedade, evidencia Appadurai (2000 apud Monte Mór, 2012), principalmente no que diz respeito à exclusão social, que envolve pessoas em meios e condições menos privilegiadas. O autor entende que essa exclusão está ligada a uma exclusão epistemológica, já que os desprivilegiados não participam da construção dos discursos, de comunicações e de sentidos, sendo-lhes dificultados os acessos a essa nova linguagem. Na esteira da concepção de língua de Gramsci (1986) que a entende como conjunto de noções e de conceitos determinados de caráter ideológico e não somente palavras vazias de conteúdo, entende-se que a conscientização crítica da linguagem torna possível a busca de acesso a práticas discursivas emancipatórias direcionadas à cidadania plena. Para tal, apresentamos os fundamentos teóricos que embasam este estudo. Consciência Linguística Crítica Abordada por Fairclough em sua obra “Discurso e Mudança Social” (2001), a Consciência Linguística Crítica, doravante CLC, objetiva recorrer à linguagem e à experiência discursiva dos aprendizes, para ajudá-los a tornarem-se mais conscientes da prática em que estão envolvidos como produtores e consumidores de textos, das forças sociais, relações de poder e ideologias, seus efeitos sobre as identidades e relações sociais, bem como o papel do discurso nos processos de mudança social e cultural. Acreditamos que a CLC tem muito a contribuir para a emancipação das pessoas , pois, segundo Fairclough (1995), ela visa à transformação das relações de poder e tem por objetivo despertar a consciência dos sujeitos sobre tais relações na linguagem, e também promover o „fortalecimento‟ dos sujeitos envolvidos, para a efetiva cidadania democrática. Ao posicionar-se discursivamente, através de textos orais ou escritos, a pessoa apresenta suas representações do mundo material, social e mental, portanto expressa seus sentimentos, emoções e identidade, afirma Barros (2015). Por essa perspectiva, a língua é uma estrutura considerada abstrata e os textos surgem nos eventos sociais, os quais podem ser reconhecidos através de elementos linguísticos presentes nos próprios textos. Assim, conforme Papa (2008), uma prática pedagógica emancipatória deve estar conectada em todas as esferas do contexto social e a consciência crítica do mundo e de si mesmo estão, em razão direta, comprometidas uma com a outra. Letramento Crítico e Multiletramentos Os conceitos de letramento crítico e multiletramentos são de extrema importância para o ensino de línguas. Para Kleiman (1995; 2015), a linguagem tem um papel constitutivo não só nos saberes, mas nas configurações identitárias e nas relações que formam, conformam, deformam, informam, transformam as realidades que construímos. O ensino de línguas precisa se posicionar criticamente em relação 64 aos poderes hegemônicos, baseando-se em aspectos culturais, epistêmicos, econômicos, raciais e de gênero. A autora assevera que precisamos de forte embasamento em lugares e ações concretas, como atores sociais, pois há uma luta antiga e concreta, pelo direito de escolher nossa língua de expressão. O conceito de multiletramentos, na concepção de Cope e Kalantzis (2006), focaliza duas mudanças importantes: o crescimento da relevância atribuída à diversidade linguística e cultural, pois, em um mundo globalizado, é necessário negociar diferenças todos os dias; a influência das novas tecnologias, que provêm de modos variados ou multimodais, exigindo, assim, um novo conceito de letramento, multimodal. Neste sentido, emerge a necessidade de se incorporarem às aulas de línguas não somente habilidades e competências referentes a aspectos linguísticos, mas também considerações socioculturais e significações multimodais aliadas às novas tecnologias de informação e comunicação. Em seu artigo “Multiletramentos Críticos e o Ensino de Língua Inglesa no Brasil”, Jesus e Lima (2015) nos esclarecem que, atualmente, essa noção de Letramento tem abraçado a ideia de Letramento Crítico, como prática social plural e situada que reflete valores culturais, políticos, ideológicos e linguísticos de determinado grupo social, conduzindo, assim, os aprendizes à construção de sentidos e à criação de seus próprios textos. Os autores, na esteira de Rojo e Moura (2009), destacam a necessidade de ampliação do escopo de competência da escola para que leve em conta os efeitos multissemióticos, políticos, culturais e sociais. Análise Crítica do Discurso Desenvolvida por Norman Fairclough (1995), “a teoria social do discurso” é uma abordagem de Análise Crítica do Discurso (ACD), composta por três propriedades básicas: relacional, dialética e transdisciplinar. Para o autor, "o discurso não é simplesmente uma entidade que pode ser definida independentemente: somente analisando conjuntos de relações podemos chegar a um entendimento dele" (FAIRCLOUGH, 2010, p. 03). A ACD, para Resende e Ramalho (2006), constitui um modelo teóricometodológico aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social. Com ela, mapeiam-se relações entre os recursos linguísticos utilizados por atores sociais e grupos de atores sociais, assim como aspectos da rede de práticas em que a interação discursiva se insere. Para os analistas do discurso, importa a investigação de como os sistemas linguísticos funcionam na representação de eventos, na construção de relações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias no discurso. Na abordagem proposta por Fairclough (2003), o discurso é entendido como o uso da linguagem como forma de “prática social”, como uma forma de ação no mundo, por isso não há como pensá-lo de forma estática, sem movimento. Em consonância com este pensamento, a teoria das representações de atores sociais, de Van Leeuwen (1997), nos dá uma dimensão de como o texto está ligado, irremediavelmente, a um contexto e, ainda, que as escolhas linguísticas constroem representações sociais, podendo gerar inclusão ou exclusão. Dessa forma, uma análise linguística está vinculada ao caráter social dos textos. 65 Representação de Atores Sociais A representação de atores sociais, proposta por Van Leeuwen (1997), constitui-se em uma abordagem teórico-metodológica que relaciona diversos modos pelos quais os atores sociais são representados, com as escolhas linguísticas que os usuários fazem para representar suas experiências de mundo. Por meio de tais escolhas, esses usuários podem operar para incluir ou excluir os atores sociais, sejam eles indivíduos ou mesmo grupos. O teórico dispõe de duas categorias essenciais para as representações de atores sociais, as quais denomina de Exclusão e Inclusão. O processo de exclusão pode ocorrer por supressão, uma forma de excluir sem deixar referência dos atores sociais em qualquer parte do texto, ou por encobrimento, que consiste em colocar os atores sociais em segundo plano. Em relação à inclusão, Van Leeuwen (1997) argumenta ser o processo em que reside a grande força política da representação dos atores sociais, já que no discurso as representações e as relações dos atores sociais sofrem uma distribuição que não necessariamente reflete a prática social. A representação por inclusão pode ocorrer pela ativação e/ou passivação dos atores sociais no texto, sendo que, na primeira, os atores sociais são representados como força ativa numa ação e, na segunda, os atores sociais são submetidos às ações, quando não se revelam afetados por elas. Procedimentos Metodológicos e Analíticos Este trabalho faz parte da linha de pesquisa Formação Crítica do Educador de Línguas: Análise Crítica do Discurso e Realismo Crítico, do Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagem, da Universidade Federal de Mato Grosso, e tem como objetivo analisar práticas discursivas de uma professora de língua materna do Centro Socioeducativo de Rondonópolis – MT, para verificar se a mesma atribui relevância à consciência crítica da linguagem e do mundo para as aulas de línguas. O presente estudo está em curso desde março de 2015; encontra-se ainda em fase preliminar e, neste artigo, aborda a composição e organização do curso de formação crítico-reflexiva ofertado aos educadores da unidade escolar constituída dentro do Centro Socioeducativo de Rondonópolis, no âmbito do Letramento Crítico, o qual foi executado no Centro de Formação de Professores – CEFAPRO. O curso tinha por objetivo promover uma reflexão com os professores sobre a consciência crítica da linguagem, de seu papel na manutenção ou transformação das relações assimétricas de poder e do caráter ideológico da língua. O Centro Socioeducativo de Rondonópolis – MT atende adolescentes do sexo masculino e possui uma escola na unidade, a qual funciona vinculada à Escola Estadual Dom Wunibaldo Talleur, como salas anexas. Suas aulas acontecem em dois períodos, matutino e vespertino, e são ofertados 3 níveis de ensino: inicial, intermediário e avançado, independente do ano e/ou ciclo cursado pelo adolescente na escola regular. O nível inicial corresponde à alfabetização, o intermediário, ao segundo e terceiro ciclos do ensino fundamental, e o nível avançado, ao ensino 66 médio das escolas regulares. No período da manhã, estudam os adolescentes internados cumprindo medidas de privação de liberdade; os alunos da tarde estão em regime provisório e aguardam o parecer da justiça quanto a sua liberação ou internação. O quadro da Seduc30, responsável pelas aulas na unidade, é composto por 8 docentes e 1 coordenador; porém, há ainda uma série de outros atores sociais envolvidos no processo de socioeducação desses adolescentes, todos eles ligados a SEJUDH31: agentes, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Neste trabalho, analisaremos dados coletados em uma entrevista com a professora Luciana (nome fictício), realizada em 15 de maio de 2015, no Centro Socioeducativo de Rondonópolis – MT. A docente trabalha há dois (2) anos com os alunos do nível inicial, sendo uma das responsáveis por seu processo de alfabetização e possui um vínculo muito forte com seus alunos, é muito dedicada e atenciosa. Os enunciados da entrevista da professora foram transcritos e analisados por meio de várias leituras em busca de categorias discursivas com base na materialidade linguística, com o propósito de examinar e relaciona os diversos modos pelos quais os atores sociais são representados, com as escolhas linguísticas que os usuários fazem para representar suas experiências de mundo. Procurou-se manter a transcrição dos enunciados de acordo com o que se ouviu na gravação. Análise e interpretação dos enunciados de dados Após análise preliminar dos dados transcritos, duas categorias emergiram: diversidades linguísticas em ambiente socioeducativo e ensino-aprendizagem de jovens e adolescentes privados de liberdade. No excerto a seguir, Luciana comenta sobre o uso de gírias em sala de aula do Centro Socioeducativo por jovens e adolescentes privados de liberdade. Vejamos o que ela diz: Excerto 1 hoje em dia a gente... tem assim diversos grupos sociais, então assim... tem a questão da, das gírias, dessa linguagem característica deles, que é uma coisa também muito forte, tanto lá fora, quanto aqui dentro, né? Mas eu acho que aqui se sobressai, por conta... do mundo mesmo que eles vivem... (Entrevista realizada em 15/05/2015) Ao falar sobre a linguagem no processo de ensino aprendizagem de jovens e adolescentes em privação de liberdade, Luciana diferencia a linguagem dos educandos daquela de outros grupos sociais. A professora emprega a forma verbal “ter”, no sentido de existir, para representar as diferenças linguísticas nas diversas classes sociais, como podemos perceber em "tem assim diversos grupos sociais". Ao utilizar o advérbio de lugar „aqui‟, a docente refere-se ao Centro Socioeducativo 30 31 Secretaria de Estado de Educação Secretaria de Justiça e Direitos Humanos 67 de Rondonópolis, porém há exclusão por supressão do ator social, pois não há referências aos atores sociais, diretores, gerentes, coordenadores, agentes, professores do Centro Socioeducativo e nem às atividades desempenhadas por eles. O uso do pronome em primeira pessoa, “eu”, é uma estratégia usada pelo falante como forma de autoexpressão (MAITLAND e WILSON, 1987, p. 498), quase sempre no intuito de passar mensagens que expressem nossos pensamentos e sentimentos, ocupando, assim, lugar central no processo comunicativo e, por se tratar do gênero entrevista, o participante tem a oportunidade de dar informações ou emitir opiniões. No enunciado "eu acho", Luciana expressa sua opinião, evidenciando que o uso da linguagem dos alunos se diferencia daquele praticado no mundo exterior à escola do Centro Socioeducativo, em função do "mundo mesmo em que eles vivem". Distancia, desse modo, sua realidade da realidade vivida por estes adolescentes, pois o mundo caracterizado como sendo “deles”, marcado pelo possessivo na terceira pessoa do plural, é uma realidade à parte da realidade das demais pessoas. No excerto que segue, Luciana aborda a questão das gírias utilizadas pelos jovens e adolescentes privados de liberdade. Ela diz: Excerto 2 ... então assim, é tudo muito, é gíria, então assim... eles tem uma dificuldade na hora da escrita... de ta, assim... eles querem escrever da forma como é falado, então eles não têm, os que já conseguem, né? Os que não, a gente já tem uma maior facilidade, pra ta ensinando, então a gente, eles próprios falam, ah... “eu escrevo da forma como eu falo”. (Entrevista realizada em 15/05/2015) O termo “gíria”, segundo o dicionário Houaiss (2001, p. 1453), em sua primeira acepção significa “linguagem informal caracterizada por um vocabulário rico em idiomatismos metafóricos”; já o dicionário Aurélio (FERREIRA,1999, p. 989), em sua primeira acepção nos traz: “linguagem de malfeitores, malandros etc., com a qual procuram não ser entendidos pelas outras pessoas”. Neste excerto, o léxicogramatical “gíria” é utilizado por Luciana para representar a linguagem informal dos adolescentes e seu vocabulário próprio. A entrevistada deixa transparecer que os jovens e adolescentes privados de liberdade utilizam-se das gírias para se comunicar e isso dificulta o ensinoaprendizagem. Luciana, mediante a forma verbal “ter”, afirma que os adolescentes possuem “dificuldade”, o que pode ser atribuído ao uso frequente das gírias. Ao referir-se aos socioeducandos, Luciana usa as formas verbais “querer” e “escrever”. Esses verbos parecem indicar a falta de sucesso dos alunos em escrever e, principalmente, o abismo entre a linguagem falada por aqueles que estão, como eles, à margem da sociedade, e o que se espera da linguagem escrita, enquanto forma padrão, marcando seu contexto de exclusão social. Ao fazer uso do enunciado "A gente tem maior facilidade pra tá ensinando", a referência “a gente” indica que tanto e a professora quanto os demais educadores 68 têm objetivos comuns com relação ao ensino, e deixa transparecer que a pessoa está comprometida com determinado grupo, com seus propósitos e interesses coletivos. A escolha pelo referencial “a gente” inclui, por ativação, vários atores sociais em uma ação, bem como cria uma atmosfera de solidariedade e envolvimento coletivos. Dessa forma, ocorre a inclusão por ativação dos atores sociais. Esse tipo de ativação “ocorre quando os atores são representados como forças ativas e dinâmicas numa atividade” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 187). Percebemos, nesse trecho, que Luciana deixa transparecer que os alunos alfabetizados possuem ainda maior dificuldade na escrita, pois "querem escrever da forma como é falado", evidenciando, mais uma vez, a distância entre a linguagem utilizada por esses adolescentes e a norma padrão, que deve ser empregada na escrita; porém, esse distanciamento parece não acontecer com os professores, atores do mesmo trecho, levando-nos a entender que os referidos professores não se utilizam de gírias e sabem separar a linguagem escrita da falada. Isso demonstra uma latente manutenção e reprodução das formas de poder e desigualdades sociais existentes, antes de servir, de fato, aos interesses dos próprios alunos e explorar criticamente as culturas. Segundo Foucault (1979 apud PAPA, 2008), o docente precisa desconstruir discursos dominantes que trazem implícitos “regimes de verdade”, e os conteúdos escolares, para a autora, devem privilegiar as experiências dos educandos muito mais do que o conhecimento oficial e supervisionado. A seguir, discutimos as representações da professora acerca do ensinoaprendizagem de jovens e adolescentes privados de liberdade. Vejamos: Excerto 3 É muito complicado, eles não querem saber de nada mesmo, então, a gente tenta trabalhar coisa atrativa, a partir daquilo que eles já, da vivência mesmo... isso é muito similar também à escola normal. (Entrevista realizada em 15/05/2015) Nesse trecho da entrevista, Luciana expressa que a realização de ações pedagógicas no socioeducativo é bastante dificultosa. Ela utiliza-se da forma verbal “ser”, seguida do advérbio de intensidade „muito‟, para atribuir complicações às atividades pedagógicas realizadas. Ao referir-se aos jovens e adolescentes, a professora diz que "eles não querem saber de nada", sinalizando a falta de interesse desses adolescentes em estudar a língua padrão, tão diferente da utilizada por eles. Mas não restringe esse desinteresse às salas de aula do Centro Socioeducativo, atribuindo-o aos alunos em geral, ao afirmar: „isso é muito similar também à escola normal‟. Luciana, ao usar o sujeito “a gente”, inclui-se por ativação no processo de ensino-aprendizagem de jovens e adolescentes em risco social, representando-se como força ativa e dinâmica nesta atividade (VAN LEEUWEN, 1997, p. 187). A expressão "A gente tenta trabalhar coisa atrativa" demonstra que Luciana, apesar das dificuldades, reflete criticamente, pois, mesmo diante de obstáculos, busca soluções no coletivo. Conforme Barros (2015, p. 137): 69 [...] a reflexão crítica, na qualidade de atividade coletiva, envolve processo de „autocrítica‟, com interesse libertador, em que o professor age diante de um problema, buscando soluções no coletivo. Além de refletirem sobre suas ações, os professores questionam as estruturas sociais em que trabalham (BARROS, 2015, p. 137). O enunciado "Similar também à escola normal" revela que Luciana faz uma comparação entre a escola do Socioeducativo e a escola regular, pois parece acreditar que os docentes desta última também enfrentem dificuldades em ensinar a norma padrão da escrita. O uso do item léxico-gramatical “normal” revela que Luciana diferencia o ambiente educacional do Centro Socioeducativo, e dos adolescentes privados de liberdade, do ambiente educacional das demais escolas. Tal diferenciação pode representar que ela considere o primeiro menos eficaz. No exemplo que segue, Luciana fala do trabalho desenvolvido no Centro Socioeducativo, retratando as dificuldades enfrentadas para desenvolver trabalhos diferenciados e mais próximos do contexto dos adolescentes. Vejamos o que ela diz: Excerto 4 Eles gostam muito de Rap... Hip-Hop... Então, ano passado a gente trabalhou e nós fomos muito criticados... nós tivemos um cuidado assim de selecionar as letras tal...nós professores fomos muito criticados, é... assim... porque essa música traz apologia ao crime, ...então assim, é muito complicado, assim... tudo que a gente vai trabalhar, a gente enfrenta assim, essa... digamos que opressão porque é o tempo todo assim eles... (Entrevista realizada em 15/05/2015) Luciana enfatiza que os jovens e adolescentes gostam de participar de atividades que envolvem seu contexto. O emprego do advérbio de intensidade „muito‟ revela o alto grau de aceitação quando realizados trabalhos didáticos diferenciados, como com a música. Ao dizer “eles gostam muito de Rap”, Luciana indica que o desenvolvimento de atividades desse tipo estimula os alunos e desperta seu interesse pela aprendizagem. Ao falar sobre as formas diferenciadas de se trabalhar em ambiente socioeducativo, a docente expressa que, apesar do esforço empregado pelos professores, as práticas didáticas são criticadas e repreendidas. A expressão, “a gente” seguida da forma verbal “trabalhar”, sinaliza que os professores do Socioeducativo são incluídos por força ativa nas atividades pedagógicas, mas que, por mais que se esforcem, há impedimentos para a realização de trabalhos diferenciados. O emprego da expressão “nós fomos muito criticados” demonstra divergências entre a prática do exercício docente e os demais agentes que atuam no Centro Socioeducativo, e Luciana volta a atribuir, por meio do verbo “ser”, seguido do advérbio de intensidade “muito”, alto grau de dificuldade em relação aos trabalhos didáticos realizados em ambiente socioeducativo. A professora marca, também, a resistência dos demais atores a essas atividades, ao utilizar-se do verbo "enfrentar" e do substantivo "opressão". 70 Do ponto de vista macrossocial, faz-se necessário apreender outros significados presentes nos enunciados de Luciana. Conforme Bhaskar (1998), há uma necessidade de se compreender as camadas mais profundas da realidade, que estão materializadas nos discursos. De acordo com Barros (2015), os discursos são moldados pelas estruturas e podem ser reproduzidos ou transformados. Nesse sentido, os enunciados de Luciana estão reproduzindo principalmente o discurso hegemônico da superioridade da variante padrão da língua em relação às demais, caracterizando como dificuldade de escrita o fato de os alunos escreverem como falam, diferenciando a linguagem dos adolescentes pelo uso das gírias e caracterizando-a como uma linguagem própria, diferente e distante da dos professores: "a linguagem deles". Percebemos, no contexto socioeducativo, relações de poder permeadas por uma ideologia de dominação de classes. A expressão “tudo que a gente vai trabalhar, a gente enfrenta, assim, essa... digamos que opressão” é um exemplo de relações assimétricas. Nesse enunciado se manifestam sentidos de que as relações sociais, que permeiam o ambiente socioeducativo, são historicamente hegemônicas e, de acordo com Barros (2015), estas relações procuram o tempo todo manter, construir ou romper relações de dominante e dominado. Conclusão A análise e interpretação dos dados da entrevista com a professora aqui apresentada, também foi corroborada por alguns dados advindos de observação de campo, que, por questão de espaço e por ter a análise ainda incompleta, não os incluí neste artigo. Os dados da entrevista com a professora foram suficientes para nos indicar que um curso de formação continuada que promovesse a reflexão, poderia se útil aos professores do Centro Socioeducativo a fim de evitar, principalmente, a reprodução de discursos hegemônicos. O ensino de línguas vem sendo transformado pela globalização, o que nos traz a necessidade de analisar a linguagem, não de forma puramente individual ou situacional, mas como prática social. Fairclough, em sua obra “Discurso e Mudança Social” (2001, p.19), explica os modos como as mudanças sociais estão ligadas a processos sociais e culturais mais amplos, e em consequência disso é preciso considerar a importância do uso da análise linguística como método para estudar a mudança social. Nessa perspectiva, pontuamos, ainda, a necessidade de desenvolver não só estudos da linguística, mas estudos de linguagem com o pensamento social e político relevante. Após a análise dos dados apresentada, o curso de formação continuada, a ser proposto por nós, foi intitulado “Letramento Crítico, Multiletramentos e o ensino de línguas”, e ofertado entre setembro e novembro de 2015 aos professores do Centro Socioeducativo de Rondonópolis, no intuito de favorecer o ensino de línguas, pautado na consciência crítica da linguagem, com vistas à emancipação dos atores envolvidos neste processo, sejam eles docentes ou alunos. A professora cujos enunciados foram analisados, é um exemplo de profissional. Seu talento no trato com os adolescentes é notável, o que resulta em 71 carinho e admiração deles para com ela. Contudo, através da entrevista concedida, pudemos perceber que seu discurso, assim como o de muitos professores da rede pública estadual de Mato Grosso, e certamente de outros estados, historicamente, aponta para a reprodução de discursos hegemônicos e das ideologias das classes dominantes. A ementa do curso foi, portanto, constituída, priorizando reflexão e produção colaborativa de conhecimentos acerca dos conceitos de letramento crítico, multiletramentos e o ensino de línguas, materna e estrangeira, em uma perspectiva emancipatória, no intuito de promover reflexão e evitar a reprodução de tais discursos. Seguindo a perspectiva crítica de Thompson (2002), o curso de formação continuada no âmbito do Letramento Crítico e dos Multiletramentos objetivou favorecer o desenvolvimento da consciência linguística crítica dos docentes através da reflexão desses conceitos e, principalmente, da percepção das ideologias presentes no discurso, vistas como uma das formas de assegurar temporariamente a hegemonia pela disseminação de representações particulares de mundo como se fossem as únicas possíveis e legítimas. Como afirma Thompson (2002, p. 77), as ideologias servem necessariamente “para estabelecer e sustentar relações de dominação”. Nessa direção, Ramalho e Resende (2011) estabelecem que o primeiro passo para superar relações assimétricas de poder e para a (auto)emancipação daqueles que se encontram em desvantagem pode estar no desvelamento das ideologias. Ao pensarmos em emancipação, decidimos trabalhar com os conceitos de Letramento Crítico e Multiletramentos pelas seguintes razões. O Letramento Crítico destaca a importância da linguagem para mudanças e transformações sociais, seu papel de centralidade no novo modo de produção capitalista, baseado no conhecimento e na informação, que, como Ramalho e Resende (2011, p.55) pontuam, pressupõe “uma economia baseada no discurso”. A abordagem dos Multiletramentos ressalta que o novo capitalismo depende das tecnologias de comunicação, o que para Giddens (2002, p. 22 apud Ramalho; Resende, 2011) pode ser definido como “traços básicos da modernidade”: separação de tempo e espaço e mecanismos de desencaixe e reflexividade institucional. Podemos avaliar que o poder é sustentado através de discursos hegemônicos e exercido por meio de sistemas de comunicação e redes de informação, sendo eles que organizam internamente as práticas diárias e comuns. O curso foi realizado em parceria com o CEFAPRO de Rondonópolis, o qual, além de ceder o espaço, forneceu a certificação de 40h aos participantes. Sua estrutura foi composta de 10 encontros presenciais semanais de 3h, com uma hora virtual prevista para leitura prévia do material trabalhado. Os docentes obtiveram a certificação pela totalidade do curso. No curso os professores se mostraram dispostos à inovação e tiveram a oportunidade não somente de produzir reflexões de âmbito crítico, mas também, e principalmente, de desenvolver planos de aulas e aplicar atividades baseadas nos 72 dos conceitos de letramento crítico e de multiletramentos, mantendo como foco principal o exercício da prática pedagógica frente à realidade. Referências BARROS, Solange Maria de. 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No decorrer das observações preliminares do contexto escolar, constataram-se situações de desinteresse pelo inglês e falta de concentração dos alunos nas aulas, dificultando o ensino e a aprendizagem da língua. Nesse sentido, foram realizados projetos que abordaram aspectos culturais de forma crítica e reflexiva fundamentados nos princípios da educação linguística. Ao final, percebeuse um aumento no interesse e na participação dos alunos nas aulas, bem como o desenvolvimento do senso crítico que lhes abriu possibilidades para refletirem sobre seu papel na sociedade em um mundo globalizado, por meio do estudo da língua inglesa. PALAVRAS-CHAVE: educação linguística; ensino de inglês; projetos. ABSTRACT: The national and state curriculum guidelines for the English language in high school level recommend project-work based methodology, comprising interdisciplinary and intercultural issues and affording multiliteracy practices that are relevant to the students. This article aims at reporting an experience based on the language education perspective, which was carried out by Pibid pre-service teachers in English lessons in a public high school in Cuiabá/MT. The observation data revealed lack of interest and concentration by the students in the classes, which seemed to interfere in the language teaching-learning process. In order to cope with the unfavourable situation, cultural focused projects were carried out, following the critical and reflexive principles of language education. In the end, there was a clear 32 Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo subsídio recebido, aos nossos colegas, bolsistas de iniciação à docência do Pibid de Inglês da UFMT, e à Professora Supervisora Pibid. Lillian N. dos Santos, que participaram desta experiência conosco. 33 Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês. 34 Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês. 35 Coordenadora de Área do PIBID Inglês UFMT – Cuiabá / CAPES; Departamento de Letras, Instituto de Linguagens. 75 improvement in the students‟ interest and participation in the lessons. The students also had the opportunity to reflect upon their role in society in a globalised world as they were learning English. KEY WORDS: language education; English language teaching; project work. Introdução Este trabalho objetiva relatar a experiência de bolsistas de iniciação à docência de Inglês com um projeto interdisciplinar e intercultural, desenvolvido nas aulas de turmas do 9º ano de uma escola pública de Cuiabá no período de setembro a novembro de 2014. Pesquisas em escolas públicas desenvolvidas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) de Inglês em Cuiabá contextualizam as dificuldades enfrentadas pelos professores ao tentar compreender a apatia, o desinteresse e a não participação dos alunos nas aulas de Língua Inglesa (LI) e promover o interesse dos alunos pela aprendizagem da língua (CAFÉ; OLIVEIRA; SILVA; SILVA, 2014). Tendo em vista este cenário, faz-se necessária uma abordagem que possibilite o ensino da língua de maneira relevante, abordando aspectos interculturais e desenvolvendo o aluno integralmente. Nesse sentido, a perspectiva da educação linguística parece oferecer possibilidade de viabilizar a aprendizagem da LI ao investir no desenvolvimento e na conscientização do aluno acerca de sua identidade, e na sua formação como cidadão para a compreensão da sociedade complexa e diversa que o cerca. Ao promover situações de aprendizagem da língua que colocam o aluno frente à diversidade cultural, que alargam os limites do seu mundo, ao mesmo tempo em que o levam a refletir sobre sua vida e suas comunidades de atuação, a educação linguística poderá contribuir para que o aluno conquiste sua autonomia e procure, a partir da aprendizagem da língua, meios para construir seu capital cultural (GARCEZ, 2008, p. 3). No decorrer das observações do contexto escolar, ao iniciar seus trabalhos na escola parceira em 2014, os bolsistas Pibid constataram situações de desinteresse e falta de concentração dos alunos nas aulas de inglês, que pareciam dificultar o ensino e a aprendizagem da língua. Com o intuito de encontrar possíveis soluções para envolvê-los, foi desenvolvido o projeto “English in The World” em quatro turmas do 9º ano, fundamentado nos princípios da educação linguística (RIO GRANDE DO SUL, 2009). O projeto “English in The World” objetivou proporcionar aos alunos conhecimento sobre cultura de países de LI, estimulando a apreciação de outros povos de forma crítica e a reflexão sobre sua própria cultura. A partir de pesquisas e atividades realizadas, foram produzidos vídeos, banners e cartazes contendo aspectos e curiosidades culturais sobre os países selecionados. A seguir, será relatada a experiência com o projeto, com destaque para a metodologia adotada, as etapas de realização do projeto e os resultados obtidos. 76 Metodologia Com objetivo de despertar e interessar os alunos nas aulas de LI, optou-se por realizar um projeto de caráter interdisciplinar e intercultural com quatro turmas de 9° ano de uma escola pública de Cuiabá, envolvendo, ao todo, setenta e oito alunos. O projeto foi desenvolvido em dez aulas semanais por oito bolsistas, que trabalharam em dois grupos de quatro, cada qual acompanhando duas turmas de alunos. O trabalho em sala de aula se deu por meio do sistema de tutoria a grupos de aproximadamente nove alunos, sob a orientação da professora supervisora e da coordenadora de área do Pibid de Inglês. Com base nas Orientações Curriculares Nacionais e visando contemplar os objetivos da eaxperiência aqui relatada, a escolha metodológica, embasada em projetos, parte das dificuldades observadas e da necessidade de, juntamente com os alunos, descobrir meios para solucioná-las. A pedagogia de projetos é centrada no aluno e orientada para a criação de um produto final. Segundo Fried-Booth (2002, p. 8), o processo para a elaboração de um produto final traz a oportunidade de os alunos desenvolverem sua autoconfiança e independência e de trabalharem em grupo em um ambiente do mundo real colaborando na realização de uma tarefa. O desenvolvimento de projetos para a aprendizagem de línguas proporciona condições para o aumento da motivação e a utilização das quatro habilidades linguísticas em LI (listening, writing, speaking e reading) por meio de práticas sociais relevantes. Estes elementos podem promover um ambiente favorável à aprendizagem e o envolvimento dos alunos nas aulas. Resultados e discussões: A experiência O projeto “English in the World”, cujos principais objetivos pautaram-se na promoção do conhecimento e apreciação da cultura de países da LI de forma crítica, proporcionando a reflexão sobre sua própria cultura, teve sua sequência didática dividida em quatro etapas. A primeira etapa consistiu na apresentação dos objetivos do projeto, divisão dos grupos e sorteio dos continentes e países. Na definição dos países foco dos projetos, tomou-se o cuidado de escolher dois países de cada continente e não somente aqueles pertencentes ao círculo interno, Reino Unido e Estados Unidos, mas também os que fazem parte do circulo externo, como Nigéria, África do Sul, Índia, Austrália, Irlanda, Canadá e Jamaica (KACHRU, 1992 apud SCHMITZ, 2014), oportunizando ao aluno o contato com a diversidade linguística e cultural. Inicialmente, observou-se estranhamento e resistência por parte dos alunos quanto a entrarem em contato com o contexto e cultura de alguns países, principalmente aqueles pertencentes ao circulo externo. Porém, no desenrolar do projeto, com o suporte dos bolsistas, atividades críticas e pesquisas produzidas, a objeção inicial transformou-se em interesse e necessidade de conhecer e compreender as peculiaridades da cultura e do contexto de outros povos. Na etapa seguinte foram apresentados vídeos sobre sotaques de diferentes falantes de LI ao redor do mundo, pesquisas e documentários sobre cada país selecionado para o projeto da turma. O foco da discussão sobre os vídeos se 77 estabeleceu na preocupação de mostrar que uma mesma língua pode ser falada de diferentes formas em diferentes contextos, levando-os a refletirem e discutirem o tema. Após a exibição dos vídeos, os alunos foram estimulados a buscar informações a respeito do país selecionado, desenvolvendo, assim, habilidades de busca de informações via Internet ou por outros meios de acesso à informação. Este processo de coleta de dados possibilitou o enriquecimento cultural e promoveu a aprendizagem de forma integrada a outras áreas do conhecimento em relação à aspectos geográficos e sociais, favorecendo, assim, uma introdução ao trabalho interdisciplinar nas aulas de LI. A partir de pesquisas realizadas pelos alunos, foram elaboradas atividades que deram base para o texto principal da apresentação oral e dos banners e cartazes para divulgar as informações coletadas dos países selecionados. As atividades incluíram informações básicas, curiosidades e os principais feriados e festividades dos países. Um dos exercícios estruturou-se de forma que os alunos completassem lacunas com as respectivas informações a respeito dos itens pesquisados, assim, compartilhando com o grupo os novos conhecimentos adquiridos. Essa atividade gerou uma resposta positiva dos alunos, que, ao reconhecerem seus dados e trechos pesquisados organizados no corpo do exercício, se sentiram mais envolvidos e parte integrante do projeto. Esta etapa de construção dos textos para a apresentação dos resultados do projeto evidenciou o aumento de interesse dos alunos pelo projeto, tendo sido uma das mais bem avaliadas por eles nos questionários aplicados ao final do projeto. A etapa 3 consistiu da confecção dos banners e dos cartazes, do ensaio da apresentação oral dos textos produzidos na etapa 2 e da gravação da apresentação em vídeo, sendo que, para cada país, havia um grupo de alunos responsável pela comunicação oral e pela elaboração do banner. Devido à falta de recursos disponibilizados pela escola para a impressão de banners, os alunos transferiram a arte iniciada em PowerPoint para cartolinas. No entanto, a importância de uma primeira versão em um programa acessado por meio da Internet deve ser ressaltada, posto que permitiu um trabalho de letramento digital e o contato do aluno com o manuseio de uma ferramenta útil para seus estudos. A princípio, os alunos mostravam-se receosos nos ensaios; no entanto, aos poucos, com apoio dos bolsistas, perderam a timidez e se permitiram vivenciar a experiência de se expressarem em LI para comunicar as informações de seus projetos. Este foi um momento em que tiveram sua visão de língua e de si mesmos ampliadas, ao reconhecerem a língua do outro como parte de seu mundo e como ferramenta de inserção por meio da qual a cognição pode ser desenvolvida. Os bolsistas ofereceram suporte aos alunos quanto à pronúncia e à compreensão dos textos, bem como os auxiliaram na criação da primeira versão do cartaz, feito em PowerPoint. Esta assistência sustenta-se na perspectiva da zona de desenvolvimento proximal (ZDP) de Vigotsky (1978), na qual o aluno desempenha uma atividade que, sozinho, não teria condições de realizar. Dessa forma, a zona de desenvolvimento real do aluno é ampliada, criando uma gama de possibilidades 78 potencialmente atingíveis. Esse processo é de suma importância, uma vez que promove e desenvolve a autonomia do aluno. A conclusão do projeto se deu na etapa 4 com a apresentação dos cartazes e vídeos produzidos à comunidade escolar. O ato de divulgar e compartilhar o produto final de seu trabalho com a comunidade escolar proporcionou aos alunos não só um momento de auto avaliação de sua aprendizagem, mas também o reconhecimento do seu trabalho aos olhares do grupo maior e a oportunidade de vivenciar uma experiência de aprendizagem autêntica com a língua usada para propósitos reais de comunicação. Após o término do projeto foram aplicados questionários avaliativos com o objetivo de reunir a percepção dos alunos em relação ao projeto e verificar se os objetivos foram alcançados. Os resultados mostraram a aprovação dos alunos quanto às atividades propostas e ao projeto desenvolvido. Evidenciaram também as percepções dos alunos de que, ao realizarem a aprendizagem por meio de projeto, não só desenvolveram habilidades de fala em LI, com ênfase no preparo da gravação dos vídeos, e de leitura, por meio das pesquisas em busca de informações sobre os países; mas também desenvolveram habilidades necessárias para o trabalho em equipe e a concentração nas atividades em sala de aula. Considerações Finais Tendo em vista os objetivos iniciais do projeto de promover o ensino intercultural e interdisciplinar da LI como forma de interessar e motivar o aluno da escola pública, o êxito foi atingido, visto que uma crescente participação foi notada durante o desenvolvimento das aulas e atividades propostas. Para os bolsistas, a experiência foi vista de forma positiva, pois possibilitou a ligação entre teoria e prática, o aprendizado sobre o trabalho com sistema de tutoria por meio de projetos e a vivência de novas metodologias em consonância com as Orientações Curriculares para o ensino de língua estrangeira. Ao entrarem em contato com a metodologia de ensino de língua por meio de projetos e a perspectiva da educação linguística, os bolsistas obtiveram experiência e enxergaram novas possibilidades em abordagens diferentes daquelas tidas como tradicionais em sala de aula, ampliando sua visão a respeito do processo de ensino da LI. O aluno, por sua vez, trabalhando por meio de tutoria, obteve maior suporte dos bolsistas, resultando em um aproveitamento significativo das atividades propostas. Por meio do projeto, com enfoque na educação linguística, puderam conhecer outras culturas, assim como valorizar a sua própria. Esta experiência lhes permitiu estabelecer relações entre informações de natureza global e local, conectar conteúdos, desenvolver o senso crítico e lhes abriu possibilidades para refletirem sobre seu papel na sociedade em um mundo globalizado, por meio do estudo da LI. Referências CAFÉ, P. T. S.; OLIVEIRA, T.S; SILVA, T. C. A; SILVA, E. M. N. Um estudo de caso sobre ensino e aprendizagem de inglês em turmas do ensino fundamental 79 de uma escola pública. Comunicação oral apresentada na V Semana Acadêmica/UFMT, Cuiabá, MT, 2014. FRIED-BOOTH, D.. Project Work. 2nd Ed. Oxford: Oxford University Press, 2002. GARCEZ, P. M. (2008) Educação linguística como conceito para a formação de profissionais de Língua Estrangeira. 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Cambridge MA: Harvard University Press, 1978. 80 DESPERTANDO O INTERESSE E A PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTES NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA NA ESCOLA PÚBLICA: UMA PESQUISA-AÇÃO36 Nadir Claudino da SILVA NETA37 Universidade Federal de Mato Grosso Paula Tuany SILVA CAFÉ38 Universidade Federal de Mato Grosso Talita Siqueira de OLIVEIRA39 Universidade Federal de Mato Grosso Alice Garcia SILVEIRA40 Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Dentre os principais obstáculos enfrentados pelos professores de Inglês nas escolas públicas estão o desinteresse e a desmotivação dos alunos pela aprendizagem de língua, os quais acarretam uma série de consequências no ensino/aprendizagem. Este artigo tem como objetivo relatar a pesquisa-ação desenvolvida por bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência de Inglês em turmas de 6º e 9ºs anos de uma escola pública de Cuiabá, com o intuito de despertar o interesse dos alunos pelo Inglês e envolvê-los nas aulas. A pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas. A primeira consistiu na observação das aulas de Inglês por meio de notas de campo e entrevistas com os alunos, com a professora e com o coordenador pedagógico da escola. Nas segunda e terceira etapas, foi definido e implementado um plano de ações na tentativa de solucionar as questões identificadas, que envolveu a adoção do sistema de tutoria em pequenos grupos, ensino de Inglês por meio de projetos e estudos sobre adolescentes e (in)disciplina no contexto escolar para compreender o comportamento e o processo de aprendizagem dos alunos. As ações foram acompanhadas e avaliadas por meio de observações das aulas e questionários aplicados aos alunos no final dos projetos. Na última etapa, foi feita análise dos dados coletados, cujos resultados indicaram aumento de participação e interesse dos alunos e melhora significativa no processo de ensino/aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa-ação; escola pública; ensino de inglês. ABSTRACT: Among the main obstacles faced by English teachers in public schools are the lack of interest and demotivation of students for language learning, which 36 Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo subsídio recebido; à Coordenadora de área do Pibid de Inglês, Profa. Dra. Eladyr Maria Norberto da Silva, pela orientação que nos deu ao longo de todo o processo de realização desta pesquisa; aos colegas bolsistas de iniciação à docência do Pibid que colaboraram na coleta dos dados; e aos membros da comunidade escolar – coordenador pedagógico, Profa. Lillian Santos, supervisora do s Pibid, e aos alunos das turmas do 6º e 9º anos, por sua participação na pesquisa e pela oportunidade que nos deram de aprendizagem no contexto escolar. 37 Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês UFMT – Cuiabá / CAPES 38 Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês UFMT – Cuiabá / CAPES 39 Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês UFMT – Cuiabá / CAPES 40 Ex-bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Inglês UFMT – Cuiabá / CAPES 81 entails a number of consequences in the teaching/learning process. This article aims to report an action research carried out by pre-service teachers of the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência in English with groups of 6th and 9th grades in a public school in Cuiabá-MT, the study intended to raise the students' interest in English and engage them in class. The study was developed in four stages. The first consisted of gathering data through observation of English classes through field notes and interviews with students, the teacher and the pedagogical coordinator of the school. In the second and third stages, an action plan was implemented in order to try to solve the issues identified, which involved the adoption of a mentoring system in small groups, teaching English through project-work and studies on adolescents and (in)discipline in the school context to understand the students‟ behavior and the learning process. The actions were monitored through observations of lessons and questionnaires given to students at the end of the projects. In the last stage an analysis of the collected data was made. The outcomes indicated increased participation and interest of the students and significant improvement in the teaching / learning process. KEYWORDS: Action research; public school; English teaching. Introdução O ensino de língua inglesa tem passado por sucessivas reformas desde que implantado no Brasil em 1809, em que tem sido ora negligenciado, ora indevidamente tratado (SANTOS, 2011). Turmas heterogêneas e numerosas, salas mal equipadas e a desvalorização do professor, bem como a visão desprestigiada da língua pelo próprio aluno que, geralmente, não acredita que poderá ser beneficiado com o ensino da língua ou que não vê relevância em aprendê-la, são alguns dos vários obstáculos que influenciam negativamente o processo de ensino/aprendizagem do inglês na escola pública. Segundo Cox e Assis-Peterson (2008, p.50), a desvalorização da língua inglesa na escola pública se dá por diversos fatores, como a baixa carga horária que impossibilita o aprofundamento dos conteúdos, professores leigos e material didático desatualizado, insuficiente ou inexistente, além de crenças negativas dos alunos e de seus pais e da própria escola sobre o ensino da língua na escola pública. Estudos mostram que, dentre os principais obstáculos enfrentados pelos professores nas escolas públicas estão o desinteresse e a desmotivação dos alunos pela aprendizagem de língua inglesa, fatores estes que acarretam uma série de implicações no processo de ensino/aprendizagem (PERIN, 2005; COX; ASSISPETERSON, 2008). Santiago e Silva (2015) afirmam que a questão da indisciplina nas aulas é fator recorrente nas pesquisas sobre o ensino de inglês na Educação Básica no Brasil (ZOLNIER; MICOLLI, 2009; RIBEIRO, 2011; HIRATA, 2012 apud SANTIAGO; SILVA, 2015). A indisciplina, aqui entendida como participação negativa, envolve uma ampla gama de comportamentos passivos e ativos, como a não realização das atividades em sala, conversas paralelas, atrasos ou não comparecimento às aulas e resistência em falar a língua-alvo (WADDEN; MCGOVERN, 1991, p. 119). Obstáculos semelhantes foram encontrados pelos professores em formação, participantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) de 82 Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em turmas de língua inglesa do 6º e 9º anos de uma escola pública de Cuiabá, ao iniciarem seus trabalhos em maio de 2014. Com intuito de melhorar esse quadro, foi realizada uma pesquisa-ação, que buscou encontrar meios para despertar o interesse dos alunos pela língua inglesa e envolvê-los nas aulas. Será apresentada a seguir a metodologia adotada para a realização desta pesquisa, definindo o que é entendido por pesquisa-ação e apresentando como os dados foram coletados e analisados. Em seguida, cada uma das etapas da pesquisa-ação será descrita: a identificação dos problemas, o planejamento e a implementação das ações em sala de aula e a avaliação dos resultados obtidos, a partir do olhar dos bolsistas e dos alunos participantes da pesquisa. E, finalmente, será feita uma reflexão sobre os resultados alcançados. Metodologia A pesquisa-ação envolve um projeto de caráter investigativo e de intervenção, conduzido pelo professor em sala de aula, realizado em fases: identificação e investigação do problema; formulação de uma hipótese; intervenção; análise; relato do resultado, buscando compreender aspectos do processo de ensino/aprendizagem e trazer mudanças na prática de sala de aula (RICHARDS; LOCKHART, 1996). Esta pesquisa-ação foi realizada por bolsistas de iniciação à docência do Pibid de Inglês, sob a orientação da coordenadora de área do projeto e a supervisão da professora de inglês das salas em que atua na escola, com a participação de 103 alunos dos 6º e 9os anos de uma escola pública de Ensino Fundamental de Cuiabá, entre maio e dezembro de 2014. Os focos principais da pesquisa foram o desinteresse e a falta de concentração nas aulas de língua inglesa. A pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas: identificação do foco da pesquisa, por meio de observação de aulas e entrevistas, elaboração e execução de um plano de ações e avaliação do trabalho realizado, segundo os olhares dos bolsistas e dos alunos. Durante a etapa de observação, a coleta de dados se deu por meio de notas de campo produzidas pelos bolsistas, entrevistas estruturadas com os alunos e entrevistas semiestruturadas com o coordenador pedagógico e com a professora supervisora do Pibid. Na etapa de ação, os dados foram coletados a partir de anotações em diários reflexivos produzidas pelos bolsistas Pibid e questionário avaliativo aplicado aos alunos ao final da pesquisa. A análise dos dados, em ambas as etapas, envolveu a elaboração de categorias e temas que permitissem a identificação e compreensão das questões a serem abordadas na pesquisa e dos resultados alcançados ao longo da execução das ações em sala de aula. A pesquisa-ação As etapas registradas na pesquisa-ação, objetivando mudanças e melhoras, assemelham-se ao processo de diagnóstico e tratamento de um paciente. Primeiramente, há um trabalho que procura detectar as causas da questão 83 encontrada, um planejamento visando a descoberta das melhores ações de intervenção e, depois de aplicadas as estratégias, ocorre a observação e reflexão acerca dos métodos utilizados (TRIPP, 2005). Visando descrever e refletir sobre as etapas por nós vivenciadas, apresentaremos, a seguir, um relato do que realizamos, buscando, assim, colaborar com a compreensão de aspectos do processo de ensino/aprendizagem de Inglês na escola em que atuamos e, se possível, promover mudanças na prática de sala de aula. Identificando as questões a serem abordadas e definindo o plano de ações Ao se iniciar o trabalho na escola, com o objetivo de compreender a situação e preparar os bolsistas para atuar nas aulas, foi feita uma revisão de literatura sobre pesquisas feitas nas aulas de inglês em escolas públicas de Mato Grosso (ASSISPETERSON; SILVA, 2012; LYONS, 2009; dentre outros), leitura e discussão sobre as Orientações Curriculares Estaduais para a Língua Inglesa no Ensino Fundamental e os Parâmetros Curriculares Nacionais, análise do livro didático adotado, leitura e discussão sobre a metodologia de ensino de língua por meio de projetos (FRIED-BOOTH, 2002; HOLDEN, 2009). A partir dos estudos feitos e da análise dos dados coletados nas entrevistas e notas de campo durante o período de observação do contexto escolar, foram identificadas duas questões que pareciam dificultar o processo de ensino/aprendizagem de inglês nas turmas observadas: o desinteresse e a indisciplina constantes. Foi decidido, então, em conjunto com a professora supervisora e a coordenadora de área do Pibid, um plano de ações, que envolveu a adoção da metodologia de ensino de línguas por meio de projetos; o sistema de tutoria em pequenos grupos, em que cada turma contou com o apoio de quatro bolsistas e cada bolsista ficou responsável por um grupo de seis a oito alunos; e o desenvolvimento de um ciclo de estudos sobre o processo de aprendizagem de adolescentes, indisciplina e gerenciamento de sala de aula. Implementando as ações em sala de aula Com o objetivo de despertar o interesse dos alunos pela Língua Inglesa foram desenvolvidos dois projetos em sala de aula. O projeto English Everywhere, com o foco no Inglês que faz parte do mundo dos alunos do 6º ano, foi realizado em um período de três meses, de setembro a novembro de 2014. Teve suas aulas conduzidas pela professora supervisora e os alunos organizados em pequenos grupos estiveram sob a tutoria de um bolsista. Ao longo das aulas, os alunos foram orientados a procurar e perceber evidências do Inglês que estava a sua volta, seja em casa, na escola, em seu bairro, na cidade e, até mesmo, na Internet. As palavras, expressões e objetos encontrados como evidências foram representados em um produto final, em forma de cartaz, confeccionado pelos próprios alunos com a ajuda dos bolsistas e da professora supervisora. O projeto English in the World foi realizado em quatro turmas de 9º ano de setembro a novembro de 2014. Seguindo o sistema de tutoria, teve como foco informações gerais, cultura, feriados e festas tradicionais de países de língua 84 inglesa, tais como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Irlanda, e também aqueles que não fazem parte do círculo central dos países que falam a língua inglesa (CANAGARAJAH, 1999), tais como África do Sul, Nigéria, Canadá, Jamaica, Índia e Austrália. Cada sala foi dividida em quatro grupos, que desenvolveram atividades sobre dois países. A partir das pesquisas sobre esses países, que envolveram letramento digital e atividades em sala que, em diversas ocasiões, levaram a práticas de letramento crítico, os alunos produziram um banner e uma gravação em vídeo sobre cada país estudado, os quais foram apresentados à comunidade escolar na culminância do projeto. Paralelamente às atividades que estavam sendo desenvolvidas na escola, foi realizado um ciclo de estudos sobre adolescentes, (in)disciplina e autoridade do professor e gerenciamento de sala de aula, em que foram realizadas leitura e discussão de textos da área e definição de estratégias motivacionais e de gerenciamento para serem aplicadas em sala de aula. Os resultados a partir do olhar dos bolsistas A análise longitudinal das observações feitas nos diários dos bolsistas, que trabalharam com ambas as turmas, mostrou mudanças gradativas no comportamento dos alunos ao longo do trabalho com os projetos. Os trechos abaixo de diários de bolsistas que atuaram na turma do 6º ano mostram as diferenças percebidas no comportamento dos alunos em aulas no início e no final do projeto. 41 Quando a professora começou a falar sobre a música, o William saiu engatinhando pelo chão e foi se sentar com um menino do grupo de Guilherme e outro grupo da Joana. Eles se sentaram no chão e ficaram mexendo no celular. Nisso chamei a atenção dele e ele, revoltado, voltou para o lugar, dizendo que queria mudar de grupo (Bolsista 1, Diário 6º Ano, 11/09/2014). Este excerto relata um dos primeiros dias de aula com o projeto. Nota-se que, para esse aluno, e para vários outros que estavam tendo comportamentos semelhantes, a aula parecia não ter relevância alguma. Respeitar o professor/bolsista e o próprio ambiente da sala também parecia não fazer sentido para eles. Apesar da ajuda do bolsista, o aluno não se interessou pela atividade, demonstrando várias formas de resistência. Esse foi um comportamento bastante comum entre os alunos no início do projeto. O trecho seguinte mostra a situação em um dos últimos dias de aula com o projeto. A mudança de comportamento dos alunos ocorreu conforme os alunos foram percebendo a relevância e vendo os resultados do estavam produzindo em sala, do que estavam aprendendo e visualizando as possibilidades do aprendizado de outra língua. Essa mudança ocorreu tão positivamente que, no final do projeto, já não era mais preciso tanta supervisão quanto foi necessária no início. 41 Os nomes dos alunos e dos bolsistas são fictícios. 85 Fui explicando e eles foram preenchendo a atividade, mas aí a aula acabou e eles saíram da sala. Foi uma das melhores aulas em questão de comportamento dos alunos [...]. A sala estava um ambiente agradável para se estudar (Bolsista 1, Diário 6º Ano, 01/12/2014). Analisando o comportamento dos alunos descritos nos trechos dos diários, nas primeiras etapas da pesquisa, percebe-se que os alunos dessa turma, que estão na faixa etária de 11 a 12 anos, pareciam considerar a sala de aula como uma extensão do pátio da escola, onde podiam brincar e vivenciar um momento extra de lazer, como foi igualmente constatado no estudo feito com a mesma turma por outro grupo de bolsistas do Pibid de Inglês (AZEVEDO; SANTOS; SILVA, 2014). Levando essa percepção em conta, o projeto procurou direcionar essa energia dos alunos para atividades que envolvessem prática da língua de uma maneira lúdica, com movimentos, manuseio de objetos reais e a elaboração de atividades criativas (desenhos, colagens, cartazes). Os alunos do 9º ano apresentavam o mesmo tipo comportamento, diferenciando-se, algumas vezes, por se envolverem em conflitos, resistência e discussões mais desafiadoras para o professor/bolsistas, como relatado no seguinte excerto do diário: [...] Enquanto estávamos vendo o primeiro vídeo, uma menina do grupo de Tulipa e outra do grupo de Taís se enfrentaram. A Tulipa ficou na dela e Taís foi tentar apartar a menina de seu grupo, segurando seus braços. A menina, muito asperamente, se soltou [...]. Um aluno tomou a frente e pegou a menina do grupo da Tulipa levando-a para longe. [...] A briga foi porque a menina do grupo de Taís jogou um papel na cabeça da menina do grupo de Tulipa (Bolsista 4, Diário 9º Ano, 16/09/2014). Pedi que ela sentasse mais perto, ela não quis, ficou mexendo no celular a maior parte da aula. Eu deixei, naquele momento, não sabia o que fazer a não ser deixar que ela fizesse o que quisesse, desde que não atrapalhasse a turma (Bolsista 3, Diário 9º Ano, 14/10/2014). Ao analisar o primeiro episódio narrado acima, tem-se a impressão de que os alunos estavam totalmente desconectados das atividades pedagógicas da aula, como se a aula fosse um evento paralelo ao conflito que ocorria entre as duas alunas. O segundo episódio evidencia o aparelho celular como um instrumento de dispersão silenciosa entre os alunos das turmas de 9º S anos, cujo uso em sala era algo visto como normal, e por diversas vezes seu uso em sala de aula foi motivo de não se envolverem nas atividades propostas. Da mesma forma que aconteceu com os alunos do 6º ano, os registros nos diários indicam uma melhora crescente no interesse e na participação dos alunos das turmas do 9º ano, apesar da resistência inicial. O trecho a seguir relata comportamentos positivos dos alunos na medida em que realizavam as atividades do projeto. 86 Sinceramente, fiquei surpresa com o desempenho dos alunos nessa aula. Eles se comportaram muito bem, fizeram as atividades, se lembraram do que fizemos na última aula, dos feriados... Fiquei satisfeita por não termos desistido de fazer o projeto com eles! [...] (Bolsista 5, Diário 9º Ano, 14/10/2014). Vários podem ser os fatores que levaram a um maior engajamento dos alunos nas atividades, que envolveram, além de sua participação ativa, o uso de habilidades de trabalho em equipe e de letramento digital. No que tange às estratégias utilizadas para manter a participação e interesse dos alunos nas atividades, é possível perceber que essas variaram de acordo com a personalidade e experiência de cada bolsista e foram também baseadas no ciclo de estudos sobre adolescentes, (in)disciplina e autoridade do professor e gerenciamento de sala de aula. Algumas das estratégias utilizadas pelos bolsistas para lidar com a indisciplina foram: firmeza ao falar/chamar atenção quando o aluno for desrespeitoso; trocar o aluno de lugar e dar maior suporte quando ele não estivesse participando da aula/atividade; manter o aluno sempre ocupado para que não houvesse dispersão; negociar comportamentos e ações em sala para prevenir desrespeito com o ambiente (gritaria, brincadeiras fora da aula, andar/correr pela sala, uso de palavras de baixo calão etc.). Essas estratégias utilizadas pelos bolsistas ajudaram no controle de comportamentos de não participação em sala e precisavam ser relembrados constantemente, aula a aula ou sempre que os alunos não estiverem participando, pois o efeito parece ser localizado e temporário. Ao desenvolverem essas estratégias, os bolsistas, juntamente com os alunos, puderam melhorara convivência e a interação nas aulas. De forma geral, os alunos das turmas de 9ºS anos, assim como a do 6º ano, continuaram apresentando comportamento agitado, independentemente de estarem produzindo em sala, se interessando pela aula ou de receberem suporte dos bolsistas ou da professora. As conversas eram constantes e percebia-se movimento em sala, mas, ainda assim, eles estavam interessados e produzindo. Os resultados a partir do olhar dos alunos Os resultados dos questionários mostram como os alunos avaliaram seu aproveitamento, quais atividades desempenharam com sucesso e quais foram suas próprias percepções de aproveitamento nas atividades propostas. Esses dados reforçam o que foi observado no decorrer das aulas e registrado nos diários pelos bolsistas, indicando que os objetivos dos projetos e da pesquisa-ação foram atingidos, uma vez que os alunos se interessaram e participaram das atividades. Quando indagados sobre a aprendizagem que tiveram nas aulas de inglês, os alunos da turma de 6º ano avaliaram como excelente e as turmas de 9 os anos também constataram que tiveram ótimos resultados. Já com relação às atividades que os alunos mais gostaram, na turma de 6º, o que mais lhes agradaram eram atividades mais animadas, que envolviam movimento e criatividade; ou seja, atividades mais lúdicas e menos controladas, como mostrado no Gráfico 1. 87 Gráfico 1– O que os alunos do 6º mais gostaram durante o projeto. Atividades que mais gostaram – 6º Ano 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% 15% 15% 13% Aula com professor americano Músicas 12% 12% 12% 11% 10% Jogos e Trabalhar em Trabalhar com Confecção do Conhecer brincadeiras grupo os bolsistas cartaz melhor o nos pequenos inglês que grupos existe ao seu redor Outros Fonte: Questionários de avaliação aplicado aos alunos no final do projeto. Os alunos das turmas do 9º Ano também tiveram a chance de dizer do que mais haviam gostado durante o projeto. Apesar de terem elencado atividades que saíam da rotina de sala de aula, como a gravação de vídeo e a produção do banner, os alunos também citaram atividades que fazem parte do cotidiano normal de sala de aula, como atividades com vocabulário e trabalho em grupo, por exemplo, como mostra o Gráfico 2. Gráfico 2 - O que os alunos do 9º ano mais gostaram durante o projeto. Atividades que mais gostaram - 9º ano 40% 38% 30% 25% 20% 12% 10% 9% 8% 8% 0% Tudo Produção de cartaz/banner Aprender sobre Gravação de vídeos Atividades com países vocabulário Outros Fonte: Questionários de avaliação aplicado aos alunos no final do projeto. Considerações finais Com o intuito de motivar os alunos, os projetos trabalhados procuraram trazer aos alunos atividades que fossem próximas às suas práticas sociais, a fim de que eles pudessem perceber a relevância de aprender a língua. Percebeu-se que a abordagem do professor em sala é um dos fatores fundamentais para que os alunos demonstrem interesse e participem das aulas. Para que o aprendizado de inglês faça sentido aos alunos, é necessário romper a distância entre o „mundo‟ do aluno e o ensino de língua presente na escola. 88 De acordo com os dados obtidos nesta pesquisa-ação, notou-se que o trabalho com projetos e o sistema de tutoria em pequenos grupos contribuíram para a mudança de comportamento dos alunos nas turmas de 6º e 9ºS anos. Apesar de se envolverem na realização das atividades e de demonstrarem maior interesse nas aulas, os alunos ainda mantiveram o comportamento comum a adolescentes e préadolescentes, de conversas paralelas e agitação. As etapas da pesquisa-ação proporcionaram aos bolsistas oportunidades de refletir sobre o comportamento dos alunos. O projeto possibilitou o alcance de uma visão mais ampla dos fatores envolvidos no processo de ensino/aprendizagem e observar ações de sua própria prática em sala, bem como atitudes tomadas diante de determinadas situações, que podem delinear o desenvolvimento de sua identidade profissional. Referências ASSIS-PETERSON, A. A.; SILVA, E. M. N.. Os primeiros anos de uma professora de inglês na escola pública: tarefa nada fácil. Revista Linguagem & Ensino, v. 14, n. 2, p. 357-394, 2012. AZEVEDO, G. A.; SANTOS, M. L. M.; SILVA, E. M. N. Conhecendo o mundo do aluno: em busca de práticas culturalmente sensíveis nas aulas de inglês da escola pública. Anais do XVII Encontro de Professores de Inglês 2014, 2015. CANAGARAJAH, A. S. Resisting linguistic imperialism in English teaching. Oxford University Press, USA, 1999. COX, M. I. P.; ASSIS-PETERSON, A. A. O drama do ensino de inglês na escola pública brasileira. In: ASSIS-PETERSON, A. A. (Org.), Línguas Estrangeiras para além do Método. 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ELT Journal, vol. 45, n. 2, 1991. 90 ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM A INDISCIPLINA NAS AULAS DE INGLÊS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA EM CONTEXTO DE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES42 Paula Tuany Silva CAFÉ43 Universidade Federal de Mato Grosso Nadir Claudino da SILVA NETA44 Universidade Federal de Mato Grosso Eladyr Maria Norberto da SILVA45 Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Pesquisas realizadas em escolas públicas de Mato Grosso apontam as dificuldades do professor de inglês em lidar com a indisciplina de seus alunos, que, geralmente, não compreendem ou não têm interesse pela língua Nesse sentido este trabalho tem por objetivo relatar a experiência de um grupo de bolsistas do Pibid de Inglês da UFMT ao lidar com situações de indisciplina nas aulas de inglês em turmas do ensino fundamental de uma escola pública em Cuiabá. Visando melhor compreender esse processo, foi realizado um ciclo de estudos sobre adolescentes, (in)disciplina e autoridade do professor e gerenciamento de sala de aula. A partir de auto-observação da sua prática nas aulas em diários reflexivos, as estratégias por eles adotadas foram identificadas. Percebeu-se que estas variaram conforme a disposição e a experiência de cada bolsista, tendo algumas sido mais eficientes do que outras. Os projetos e estudos desenvolvidos possibilitaram estabelecer relação e refletir sobre teoria e prática, o que, por sua vez, permitiu a atribuição de sentido às etapas realizadas ao longo do processo. Observou-se, também, que, ao abordar as situações de não participação dos alunos, as decisões dos bolsistas eram orientadas não só pelas teorias estudadas, mas principalmente por sua disposição, personalidade e experiência prévia. Alguns agiam mais timidamente, preferindo ignorar a situação por não saber o que fazer ou por temor de uma possível reação negativa dos alunos; outros agiam com firmeza e tomavam providências imediatas; outros, ainda, tentavam resolver as situações aconselhando e dialogando com o aluno, impondo sanções ou elogiando o bom comportamento. Este estudo destaca a importância da compreensão da questão da indisciplina para professores em formação inicial. PALAVRAS-CHAVE: Indisciplina; Estratégias; Inglês. ABSTRACT: Research studies carried out in public schools in Mato Grosso-BR point out the challenges of teachers of English in dealing with indiscipline in their classes. This article intends to report the experience of a group of pre-service teachers of the 42 Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo subsídio recebido e aos nossos colegas, bolsistas de iniciação à docência do Pibid de Inglês da UFMT, que participaram desta experiência conosco. 43 Graduanda do Curso de Letras, UFMT, e bolsista PIBID Inglês – UFMT/CAPES, campus Cuiabá. 44 Graduanda do Curso de Letras, UFMT, na época, bolsista PIBID Inglês – UFMT/CAPES, campus Cuiabá. 45 Coordenadora de área PIBID Inglês – UFMT/CAPES, campus Cuiabá; professora do curso de Letras, UFMT. 91 Pibid in dealing with episodes of indiscipline in English classes for middle school students of a public school in Cuiabá-MT. After reading and discussing texts on adolescents, (in)discipline and teacher‟s authority, and classroom management in order to better understand the situation, they planned and developed projects with their students. Throughout the projects, they observed and registered their own teaching practice on reflective diaries, and identified the strategies they used to cope with their students‟ non-participation. The results showed that the strategies varied according to the pre-service teachers‟ dispositions, personality and previous experiences, some strategies being more efficient than others. While some of them would act in a more cautious way for not knowing what to do or for not being sure of their students‟ reaction; others would act firmly; and some others would try to sort out the situation by talking to the students and giving advice or by establishing a punishment or giving a reward for the good behavior. This experience made it possible for them to make connections between and reflecting upon theory and practice, and, eventually, make sense of their teaching practice. It also highlights the relevance of understanding the issue of indiscipline for pre-service teachers. KEYWORDS: Indiscipline; Strategies; English. Introdução Pesquisas realizadas em escola públicas de Mato Grosso apontam as dificuldades do professor de inglês em lidar com a indisciplina de seus alunos, que, geralmente, não compreendem ou não têm interesse pela língua (LYONS, ASSISPETERSON, 2011; ASSIS-PETERSON; SILVA, 2011). Situações de indisciplina, aqui compreendida como participação negativa, comportamentos passivos e ativos, como a não realização das atividades em sala, conversas paralelas, atrasos ou não comparecimento às aulas, resistência em falar a língua-alvo (WADDEN; MCGOVERN, 1991, p. 119) e desinteresse pelas aulas, costumam abalar a identidade em construção de professores iniciantes, tomando grande parte de seu tempo em sala de aula e de sua atenção nas etapas pré e pós-aula (ASSISPETERSON, SILVA, 2011). Este trabalho tem por objetivo relatar a experiência de um grupo de oito bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) de Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso ao lidar com situações de indisciplina nas aulas de inglês em turmas de 6º e 9º anos do ensino fundamental de uma escola pública de Cuiabá de maio a dezembro de 2014. Serão apresentadas e discutidas as estratégias por eles adotadas para abordar comportamentos e atitudes de não participação de seus alunos em sala de aula, com o intuito de auxiliar o professor, iniciante ou não, em situações de indisciplina, desinteresse e conflitos entre alunos. Metodologia Ao se constatar situações de indisciplina e desinteresse dos alunos pelas aulas de inglês durante o período de observação em turmas de 6ª e 9ª anos de uma escola pública de Cuiabá, de maio a junho de 2014, inicialmente, foram realizados estudos para compreender os fatores que pareciam impedir a aprendizagem da língua, que culminaram com a definição de um conjunto de ações – o sistema de tutoria em pequenos grupos em sala de aula e a metodologia de projetos para o 92 ensino de línguas, as quais foram aplicadas no período de agosto a novembro de 2014. No sistema de tutoria, os alunos foram divididos em grupos, tendo cada bolsista ficado responsável por um número de quatro a oito alunos, de forma a lhes fornecer auxílio individual tanto no suporte a atividades desafiadoras como em conversas/aconselhamentos sobre comportamentos e atitudes inapropriadas para o ambiente de sala. Essa proximidade, muitas vezes, permitiu que os alunos permanecessem engajados em atividades e soubessem como deveriam agir. Foram desenvolvidos dois projetos com as turmas atendidas. O projeto „English Everywhere‟ trabalhado com uma turma do 6º ano teve enfoque no inglês encontrado no contexto em que os alunos estão inseridos. Eles foram estimulados a procurar expressões em inglês ao seu redor, na escola, em suas casas, em estabelecimentos comerciais, televisão, internet e na cidade como um todo. Após o reconhecimento destes termos, os alunos, juntamente com seu respectivo tutor, elaboraram um cartaz ilustrando o trabalho feito e reconhecendo a forte presença do inglês em seu cotidiano. Já o projeto „English in the World’, desenvolvido com os alunos de quatro turmas do 9º ano, teve o propósito de levar os alunos a conhecerem informações culturais, históricas e geográficas de países que têm o inglês como primeira ou segunda língua oficial. As aulas consistiram em pesquisas e atividades referentes à vida, cultura e curiosidades de cada país escolhido, e, como produto final, os alunos elaboraram banners em PowerPoint, cartazes, e uma breve apresentação oral em vídeo abordando as informações coletadas sobre cada país. Os estudos e reuniões para discutir a questão da indisciplina ocorreram paralelamente ao desenvolvimento dos projetos. Os textos discutidos abordavam temas relacionados à indisciplina em sala de aula e autoridade de professor, aprendizagem de língua estrangeira entre adolescentes e estratégias de gerenciamento e postura do professor em sala de aula. Ao longo do desenvolvimento dos projetos, os oito bolsistas envolvidos ficaram responsáveis por elaborar notas de campo e diários, registrando e refletindo sobre suas ações para lidar com a não-participação e as reações dos alunos nas aulas. Ao analisar os registros feitos nos diários e nas notas de campo e refletir sobre a eficácia dos procedimentos adotados para lidar com situações de não participação, conflitos entre alunos e desinteresse pelas aulas, percebeu-se que, com intuito de envolver os alunos e conscientizá-los acerca do comportamento adequado para um ambiente propício à aprendizagem, os bolsistas adotavam estratégias ora intuitivamente, de acordo com sua personalidade ou experiência prévia, ora influenciados por sua compreensão dos textos discutidos nas reuniões de estudo. A análise dos dados se deu por meio da identificação de episódios de indisciplina, em que foram categorizadas as situações de indisciplina, as estratégias adotadas pelos bolsistas e as reações dos alunos aos procedimentos dos bolsistas. Os resultados foram condensados de forma a produzir um inventário das principais estratégias utilizadas pelos bolsistas. 93 Resultados e discussão: estratégias para lidar com a indisciplina nas aulas de inglês Ao abordar as situações de não participação dos alunos, as decisões dos bolsistas eram orientadas não só pela teoria estudada, mas também por sua disposição e personalidade e por ações de tentativas-acertos-e-erros. Alguns agiam mais timidamente, preferindo ignorar a situação por não saber o que fazer ou por temor de uma possível reação negativa dos alunos; outros agiam com firmeza e tomavam providências imediatas; outros, ainda, tentavam resolver as situações aconselhando e dialogando com o aluno, fazendo ameaças ou oferecendo recompensas pelo bom comportamento. Como veremos, a seguir, algumas estratégias pareceram ser mais bem-sucedidas do que outras. Apresentamos, abaixo, algumas das estratégias identificadas por meios das narrativas dos bolsistas em seus diários, selecionadas dentre as oito estratégias que compõem o inventário. Estratégia 1 - Saber se colocar como professor e ser firme. No episódio abaixo, a bolsista Camila46, utiliza a estratégia de se colocar como professora e ser firme, ao se deparar com uma situação de indisciplina em que uma aluna se recusou a realizar uma atividade: Aline disse “E se eu não quiser participar?”, mas não foi uma pergunta, foi um desafio e eu respondi “Se não quiser participar, não aprende”, “Mas eu não aprendi nada mesmo” respondeu ela e eu disse “Não foi falta de incentivo. Se você não faz as atividades, não aprende. É assim que funciona, quem fez aprendeu com certeza” e voltei a explicar para o grupo que cada um iria fazer um pouco e era para opinar. Após alguns minutos, ela passou a ajudar na construção do banner. (9º Ano, 08/09/2014, Bolsista Camila) De uma forma geral, esta estratégia teve resultado positivo junto aos alunos. Sua adoção pelo bolsista parece estar ligada à personalidade, ao grau de experiência e autoconfiança dos bolsistas. Percebeu-se que atitudes de desrespeito ao professor e aos colegas da sala não devem ser ignoradas. Estratégia 2 - Conversar com o aluno e aconselhá-lo (individualmente ou em grupo). Em outro episódio, a Bolsista Isabela utiliza a estratégia de conversar com seus alunos e aconselhá-los para resolver uma situação de conversa excessiva em sala: O meu grupo conversa e grita muito, conversei com eles, tentei fazer um acordo, disse pra quando eles chegarem à sala, irem para seus lugares e tentarem fazer silêncio, perguntei a idade deles e disse que eles já não eram mais crianças e todos eram maiores de 13 anos e já conseguiam entender, disse que é feio ficar chamando a atenção de gente grande. Ouvindo isso a Gabriela tomou a frente dizendo “Vamos ser o melhor grupo, 46 Os nomes dos bolsistas e dos alunos são fictícios. 94 vamos fazer silencio e ouvir para entender”, todos meio que entenderam. (9º Ano, 11/09/2014, Bolsista Isabela) Esta estratégia foi utilizada quando o aluno fazia brincadeiras de mau gosto, se recusava a fazer uma atividade ou quando havia conflito entre alunos. Conscientizar o aluno de que todo ato tem uma consequência e envolver o aluno na tomada de decisão pareceu ser uma medida eficaz. Estratégia 3 - Reconhecer esforço do aluno. Incentivar e elogiar sempre que possível Esta estratégia, recomendada pela literatura na área, teve resultados positivos e foi utilizada quando o aluno aparentava desmotivação ao realizar uma atividade. O ato de reconhecer o trabalho do aluno incentiva-o a se envolver nas aulas e realizar as atividades propostas. O episódio abaixo ilustra uma situação em que esta estratégia foi adotada, obtendo bons resultados. Após dar as explicações ao perceber que algum aluno não estava fazendo a tarefa, perguntava “Por que você não está fazendo?” “Eu não sei professora” “Não sabia. Porque estou aqui para ajudar, vamos lá” e passava a incentivar o aluno. Todos eles fizeram as atividades e corrigi de cada um, colocando “Great!”, “Good job!” “Very well!” “Wonderful!”. Notei que eles pareceram felizes com a correção e eu fiquei super satisfeita porque todos fizeram as atividades, foi incrível! (9º Ano, 10/09/2014, Bolsista Camila) Estratégia 4 - Proporcionar aos alunos atividades curtas e suplementares. Outra estratégia comumente usada por alguns bolsistas em situações de indisciplina era proporcionar aos alunos atividades curtas e suplementares e, assim, envolvê-los nas atividades, como pode ser percebido no excerto do diário do Bolsista Bianca em uma turma do 9º Ano: Percebi que o Rogério, apesar de dizer que estava doido para ir bagunçar, gosta de fazer os exercícios de inglês, mas se você deixá-lo um minuto sem uma atividade para fazer ele já vai pegando as coisas para sair do lugar. Entreguei uma worksheet com atividade extra e ele ficou fazendo. Acho que vou ter que mantê-lo sempre ocupado! (9º Ano, 23/02/2014, Bolsista Bianca). Esta estratégia foi utilizada em momentos em que os alunos estavam agitados e com dificuldade em se concentrar ou quando terminavam as atividades previstas. Recomendadas em alguns dos textos de gerenciamento de sala de aula, atividades curtas podem ser interessantes para dias em que os alunos estiverem com dificuldades de concentração. Já as atividades suplementares podem ser aliadas nos momentos de ociosidade de alunos em sala ou quando todas as atividades planejadas já foram aplicadas, mantendo-os, assim, ocupados. Estratégia 5 - Dar suporte personalizado ao aluno. 95 Em outros momentos, alguns bolsistas optavam por dar suporte personalizado ao aluno, como se pode observar no episódio narrado pelo Bolsista Guilherme com um aluno do 6º Ano: Comecei com meu pequeno grupo distribuindo o caça palavras. Expliquei a atividade para eles e eles foram fazendo. O Felipe no início não queria fazer, eu fui ao lado dele e comecei a fazer junto com ele, ai depois de uns minutos ele disse: „‟Me ajuda senão eu não vou aprender nunca”. Expliquei tudo novamente para ele e fomos fazendo juntos. (6º Ano, 30/09/2014, Bolsista Guilherme) Esta estratégia foi utilizada quando o aluno estava com dificuldades, não dominava as estruturas necessárias para a resolução dos exercícios ou estava disperso. Geralmente, os alunos que têm mais dificuldade são os que mais têm problemas em relação à indisciplina. Oferecer apoio individualizado ao aluno foi uma estratégia positiva utilizada, pois pode levar a uma aproximação positiva entre professor-aluno e ajudar a amenizar a indisciplina. Estratégia 6 – Estabelecer sansões para atos de indisciplina. Advertências e sanções em situações de desrespeito ou comportamentos inadequados para o ambiente foi uma estratégia que se mostrou eficaz, como demonstra o episódio narrado pelo Bolsista Guilherme em uma turma do 6º Ano: No meio da aula, os meninos (principalmente Anderson e Lucas) não estavam prestando atenção na aula por conta do celular. Anderson disse que tinha perdido o celular e pediu minha ajuda para achar. Assim que achei, peguei e guardei no bolso e disse que só ia devolver no final da aula. Assim fiz com Lucas, ele estava conversando no celular, pedi com licença e guardei o celular dele no meu bolso e só devolvi no final da aula. Quando eles desfocavam da atividade era só ameaçar em não devolver o celular que eles recuperavam o foco na hora.” (6º Ano, 23/09/2014, Bolsista Guilherme) Porém, para que esta estratégia seja bem sucedida, é importante que o professor cumpra a sanção. Percebeu-se, pela análise dos registros dos episódios de sala de aula, que várias das estratégias adotadas pelos bolsistas do Pibid de Inglês podem contribuir para o bom andamento do trabalho em sala de aula. Porém, seus efeitos não são definitivos, havendo necessidade de serem reafirmadas constantemente, pois mudanças de atitude demandam tempo e investimento por parte professor e alunos. Considerações finais A partir da análise dos episódios de situações de indisciplina identificadas e do inventário de estratégias utilizadas pelos bolsistas, podemos refletir acerca da experiência e dos objetivos que esperávamos atingir. 96 Em sala de aula, percebemos que o aluno espera uma postura clara e definida por parte do professor, no sentido de assumir o seu papel com autoridade, posicionando-se com firmeza diante de situações de indisciplina e estabelecendo uma rotina diária envolvendo ações que gerem resultados satisfatórios no processo de ensino e aprendizagem. Notou-se que os objetivos referentes a amenizar a indisciplina e aumentar o interesse foram alcançados e, para alcançá-los, foram adotadas as estratégias, aqui apresentadas em forma de inventário. Os projetos e estudos desenvolvidos possibilitaram estabelecer relação e refletir sobre teoria e prática, o que, por sua vez, permitiu a atribuição de sentido às etapas realizadas. Observou-se, também, que, ao abordarem as situações de indisciplina de seus alunos, os bolsistas se valeram de suas experiências prévias, suas disposições e personalidade, moldando, assim, sua identidade docente. A compilação deste inventário de estratégias para abordar a não participação dos alunos nas aulas de inglês, a partir de situações reais em sala de aula, destaca a importância da compreensão da questão da indisciplina para professores em formação inicial. Enfatiza, ainda, o marcante papel da indisciplina na construção de identidade profissional de professores em formação e iniciantes. O esforço em gerenciar tais situações é, sem dúvida, parte do processo de se tornar professor. Referências ASSIS-PETERSON, A. A.; SILVA, E. M. N. Os primeiros anos de uma professora de Inglês na escola pública – Tarefa nada fácil. Revista Linguagem & Ensino. Pelotas, v.14, n.2, 2011, p. 357-394. LYONS, M.; ASSIS-PETERSON, A. A. Crenças e contexto escolar: possibilidades de mudanças. Revista ECOS, vol. 11, n. 2, p. 143-161, 2011. SILVA, E. M. N. et al. O diário reflexivo como instrumento de desenvolvimento profissional na formação de professores de inglês. In: TORRES, G. V. S. et al (Orgs.), Dimensões da Iniciação à Docência: saberes e práticas do PIBID na UFMT. Cuiabá: EdUFMT, 2015, pp. 155-177. WADDEN, P.; MCGOVERN, S. The quandary of negative class participation: coming to terms with misbehaviour in the language classroom. ELT Journal, vol. 45, n. 2, 1991. 97 FICÇÃO E NARRATIVIDADE NO GAME LIFE IS STRANGE Rejania Francisca da Cruz SANTIAGO47 Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Este trabalho objetiva compreender como se dão as narrativas ficcionais em jogos de vídeo game, especificamente no game Life is Strange (2015). A pesquisa em andamento faz parte do projeto PIBIC-UFMT denominado “Linguagens em jogo e jogos de linguagem-literatura e outros saberes como regimes de significação” e busca discutir as limitações da teoria literária para analisar produções da esfera dos games digitais. A partir de uma análise prévia identificamos que, no que tange às categorias da narrativa, do autor e da autoria, especificamente, a teoria literária nem sempre se aplica integralmente, mas parcialmente e/ou não se aplica ao domínio dos jogos digitais. O estudo dos games como textos narrativos são importantes também para o ensino da Língua Inglesa, pois além dos recursos linguísticos presentes, o professor estará agregando textos autênticos para sua aula. PALAVRAS-CHAVE: Literatura; narrativa; ensino. ABSTRACT: This research aims to understand how fictional narratives are built within video games, more specifically in the game Life is Strange (2015). The research is part of the PIBIC-UFMT project "Languages in game and languageliterature games and other knowledges as meaning systems" and it discusses the limitations of literary theory to analyze the sphere of the digital games. From a preliminary analysis, we identified that, as to narrative categories; from the author and authorship specifically, literary theory does not apply in full to digital games. The games studies as narrative texts are also important for English teaching, because in addition to linguistic resources present, the teacher will be adding authentic texts to their classroom. KEYWORDS: Literature; narrative; teaching. Introdução São crescentes os estudos sobre games48, ora voltados para o ensino e aprendizagem, ora para desenvolvedores, como escritores, engenheiros, roteiristas, designer de games. Tais estudos contribuem substancialmente sob diferentes aspectos para discussão dos mecanismos ensejados pelos games. Munidos de criatividade e virtualidade, os games são parte integrante da cultura digital do século atual. Portanto, sua natureza ficcional precisa ser compreendida pela literatura, num espaço em que o texto não obedece mais a uma linearidade, mas sim a uma cadeia de links que o torna hipertexto processado por softwares intuitivos e máquinas avançadas. Uma das características do hipertexto, como ressalta Leão, é que “na leitura através do monitor do computador, perdemos a percepção física e espacial e não temos como conceber a imagem do texto como um todo” (LEÃO, 2005, p.29). 47 Bolsista CNPq PIBIC- 2015/2016 (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica), Graduanda em Letras Português-Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Brasil, [email protected]. 48 Neste trabalho será usada a palavra game para designar jogos veiculados em plataforma digital. 98 Dessa forma, mudam-se também os entendimentos sobre narrativa, leitura, leitor, autor e até mesmo sobre a autoria. Assim, o objetivo do nosso estudo é compreender como se dão as narrativas ficcionais no game Life is Strange (2015), no que tange a questão do autor e da autoria. Para justificativa do game como objeto de estudo da literatura, toma-se, no presente projeto, a definição de Roland Barthes (1994) para o literário: Entendo por literatura não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de escrever. Nela viso portanto, essencialmente, o texto, isto é, o tecido dos significantes que constitui a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é o teatro. Posso portanto dizer, indiferentemente: literatura, escritura ou texto (BARTHES, 1994, p.15). Sendo Life is Strange um texto, não é a interpretação de sua rede de significados que nos prende neste estudo, mas sim a maneira como este texto é entregue ao leitor/jogador, isto é, como ele é construído por este jogador que também pode ser autor desse processo narrativo. Cabe ressaltar, como explica Machado (2002), que: O hipertexto é um sistema de escrita digital típico do processo de modelização da linguagem. Partindo da estrutura do texto como combinatória de gêneros, o hipertexto resulta num “grande texto” cuja estruturalidade, mesmo quando reproduz um texto em escrita alfabética, em nada se assemelha a essa modalidade escrita (MACHADO, 2002, p. 76). Nesse sentido, pode-se dizer que o game é um hipertexto do gênero narrativo e, por ser pertencente ao contexto visual-eletrônico, deve-se considerá-lo literatura digital, de acordo com Santaella (2012, p.2): Ainda é preciso lembrar que o contexto da literatura digital não pertence à galáxia de Gutenberg, mas sim ao mundo das redes e das mídias programáveis, quais sejam: games, animações, artes digitais, design digital, todos eles pertencentes à cultura visual eletrônica (SANTAELLA, 2012, p.2). Embora as pesquisas voltadas para literatura digital ainda sejam recentes, é possível dizer que o estudo dos games enquanto texto narrativo pode ser útil para o ensino de Língua Inglesa, pois se aproxima dos usos da língua para contação de histórias. Nesse sentido, Berger (2009), ressalta que as narrativas tendem a mudar quando movidas do meio impresso para a mídia eletrônica; “com as narrativas impressas, os leitores usam a imaginação para tornar-se envolvidos nos textos. Com 99 as narrativas eletrônicas leitores/jogadores tornam-se „imersos‟ nos textos” (2009, p.34, tradução nossa)49. Uma vez que os games fazem parte da cultura popular, essa imersão na narrativa é intensificada pela linguagem semiótica que contribui significativamente para uma aprendizagem contextualizada através da arte, da música e textos não verbais. Logo, os games são um diferencial para o professor que busca trazer textos autênticos para sua aula. Metodologia Diante da estrutura hipertextual e multimodal do game, utilizaremos uma análise formal do gameplay (LANKOSKI; BJÖRK, 2015) para discutirmos sua textualidade, uma vez que os métodos tradicionais da teoria literária não captariam as particularidades imanentes dessa obra. Além disso, para este artigo, lançamos mão de revisão bibliográfica acerca de games e de elementos da teoria literária, como autor e autoria. A análise formal do gameplay é um método de pesquisa qualitativo que permite descrever, durante o processo de jogabilidade, elementos específicos da textualidade de um jogo. De acordo com Lankoski e Björk (2015), independentemente do campo, a análise formal incide sobre os diferentes elementos de uma obra, isto é, fazendo perguntas sobre os elementos que constituem as partes de obra e o papel de cada elemento na composição 50 como um todo” (2015, p.24, tradução nossa) (LANKOSKI; BJÖRK, 2015). Desse modo, na análise aqui efetuada, além de descrições verbais das cenas, também usaremos screenshots, isto é, capturas de telas que, justapostas (como imagens estáticas) ao texto escrito, tencionam mapear como se dão, em sua materialidade, as narrativas digitais do jogo. Life is Strange: ficção e narratividade O game Life is Strange é do gênero aventura e está inserido nas categorias de narrativas seriadas de jogos de escolhas e consequências que se têm produzido atualmente, que lembram de longe os romances folhetins publicados periodicamente e as novelas episódicas por seu teor narrativo seriado. Apesar das similaridades, buscamos aqui evidenciar que a narrativa no game contém em si uma virtualidade não só na materialidade textual, mas no seu processo de construção, com possibilidades de desenvolvimento de outras narrativas atuais por parte do jogador. Isto é, o enredo virtual narrativo do game necessita de uma atualização do jogador para que a história aconteça. 49 “With print narratives, readers use their imaginations to become involved in the texts. With electronic narratives readers/players become „immersed‟ in the texts” (BERGER, 2009, p.34). 50 “Regardless of field, formal analysis focuses on the different elements of a work, that is, asking questions about the elements that constitute the parts of the work and the role of each element in the composition as a whole” (Lankoski; Björk, 2015, p.24). 100 Life is Strange foi desenvolvido pelo estúdio francês DONTNOD e publicado pela SQUARE-ENIX, composto por cinco partes: Chrysalis, Out of Time, Chaos Theory, Dark Room e Polarized. Está disponível digitalmente para as plataformas PS4, PS3, XBOX ONE, XBOX 360 e na plataforma STEAM para download no computador. Neste game de drama, romance e aventura, composto por cutscenes narrativas e interativas51 com visão da câmera em terceira pessoa, a história é contada a partir da perspectiva da personagem Maxine Caulfield (Max), estudante da Academia Blackwell, em Arcadia Bay, Oregon. A história da protagonista Max mostra uma luta com dificuldades cotidianas de uma jovem de ensino médio e, tendo ela o poder incomum de controlar o tempo, precisa, além de lidar com essa nova habilidade, resolver enigmas na busca de uma resposta que lhe ajude a salvar Arcadia Bay do tornado que se aproxima. No prólogo da primeira cutscene, a personagem acorda no meio de uma tempestade, confusa, perdida, e o jogador é convidado a agir quando essa cutscene acaba. O jogador, a partir desta ação, torna-se leitor dessa narrativa. Seus primeiros passos serão conduzir a personagem Max ao farol da cidade no alto de uma montanha, pois ela não consegue se lembrar de como chegou lá. Outra cutscene se inicia e o enredo vai se compondo: Max vê um tornado se movendo do mar em direção à cidade, ela fica aflita e, neste momento, um barco é arremessado contra o farol, o qual posteriormente a atinge e ela “acorda” na sala de aula, conforme se vê nas figuras 1 e 2. Acabando esta cutscene, a linha central do enredo está formada, mas a narrativa apenas começou. Figura 1: Exemplo de cena interativa, em que Max pode interagir com outros elementos à escolha do jogador. Fonte: Captura de tela da aplicação Life is Strange no sistema operacional Windows 10. 51 Cutscenes são cenas que desenvolvem o enredo. Algumas são narrativas onde o jogador não tem controle da narração e outras são interativas, onde o jogador pode interagir na narrativa. 101 Na figura (1), o jogador interage em uma cutscene interativa na sala de aula. A princípio, a interação consiste no movimento da câmera, explorando em visão 360º toda a sala, e depois, mais detalhadamente, interagindo com os objetos sobre a carteira da personagem, enquanto o professor Mark Jefferson fala com os alunos da sala. A seguir, na figura (2), ainda na mesma cena, duas opções de escolhas narrativas são apresentadas ao jogador. A partir desse ponto, qualquer caminho tomado pelo leitor resulta numa consequência futura no decurso da história, acionando ou inibindo determinadas cenas. Figura 2: No exemplo Max tem duas escolhas para responder ao comentário que o professor Mark Jefferson fez anteriormente. Fonte: Captura de tela da aplicação Life is Strange no sistema operacional Windows 10. Na cena, o professor Mark Jefferson havia perguntado para Max se ela sabia qual o nome do processo que originou o primeiro autorretrato. E nesse ato de escolher uma resposta de Max para o professor Mark Jefferson, o jogador escolhe uma direção narrativa. Mas as narrativas têm uma função diferente nos games: elas podem operar em compatibilidade ou não com narrativas tradicionais (PEARCE, 2004). A autora explica: A função de um jogo não é para "dizer"- nos alguma coisa, e isso é, talvez, a grande cisma entre literatura e jogos. Dar como certo que, o leitor deve interpretar e construir a narrativa na literatura, mas eles não podem mudar ou controlar a narrativa de forma alguma; na literatura, a narrativa não é 52 deles, mas do autor (PEARCE, 2004, p.1) . 52 “The function of a game is not to “tell” us anything, and that is perhaps the great schism between literature and games. Granted, the reader must interpret and construct the narrative in literature, but they cannot change or control the narrative in any way; in literature, the narrative is not theirs but the author‟s” (PEARCE, 2004, p.1). 102 Este molde tradicional de ver a narrativa literária não é compatível com games munidos de escolhas e consequências. De acordo com Pearce (2004): Jogos não pedem ao jogador para construir ou interpretar o que o autor está tentando "dizer" deles. Ao contrário, eles funcionam como um kit de peças que permite ao jogador construir a sua própria história ou uma variação dela 53 (PEARCE, 2004, p.1) . E esta criação nova envolve um posicionando do jogador frente ao personagem e seu mundo, pois haverá uma consequência no mundo ficcional do jogo, de modo que as escolhas não podem ser impensadas ou aleatórias. Em contraste com narrativas tradicionalmente impressas, talvez por causa da abstração, como ressalta a autora: Elas são semelhantes no que convidam a projeção leitor/jogador, mas elas diferem porque nos jogos, a formação do personagem é em grande parte o domínio do jogador. Assim, o jogador não se limita a ter empatia com os personagens, mas em última análise, tem o poder de influenciar e mudá-los. 54 (PEARCE, 2004, p.1) . Escolher uma resposta à pergunta do personagem Mark Jefferson é mais do que escolher uma direção narrativa pelo simples ato de escolha, significa criar uma narrativa própria. Tal conclusão nos leva a refletir sobre como compreender as narrativas no mundo dos games onde a tecnologia é digital e não mais impressa, em que até mesmo as possibilidades de leituras nos convidam à criação. E cabe a nós nos indagarmos: qual o papel do jogador nesta interação? Ele é um apenas um jogador ou leitor, ou ainda um autor em processo narrativo? Diante destes questionamentos, esta pesquisa busca discutir as limitações da teoria literária para analisar produções da esfera dos games digitais. Resultados Prévios Nosso projeto de pesquisa “Ficção e narratividade no game Life is Strange” se debruça sobre os seguintes objetivos gerais: Analisar o game Life is Strange à luz de categorias da teoria da literatura no que tange à ficcionalidade e narratividade. E objetivos específicos: Discutir as limitações da teoria da literatura para analisar produções da esfera dos games digitais; mapear semelhanças e dissonâncias entre os games e gêneros narrativos da literatura em mídia impressa; contextualizar o 53 “Games do not ask the player to construct or interpret what the author is trying to „tell‟ them. Rather they function as a kit of parts that allows the player to construct their own story or variation thereof” (PEARCE, 2004, p.1). 54 “They are alike in that they invite reader/player projection, but they differ in that in games, the formation of character is the largely the domain of the player. Thus the player does not merely empathize with the characters, but ultimately has the power to influence and change them” (PEARCE, 2004, p.1). 103 gênero dos jogos digitais na dialética entre o estético e o mercadológico que caracteriza boa parte da produção artística contemporânea. Com a pesquisa ainda em andamento, nos dedicamos a analisar a questão do autor e da autoria, uma das categorias mais debatidas na teoria da literatura (COMPAGNON, 1999). Para refletir sobre esta questão, recorremos aos estudos literários dos teóricos Roland Barthes (2004), Michel Foucault (2009) e Mikhail Bakhtin (1997), e ao estudo de Lévy (1996), que fala sobre o virtual, para tratar da materialidade virtual e do status autoral do game Life is Strange. Lévy (1996) assevera que “É virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado, no entanto, à concretização efetiva ou formal” (LÉVY, 1996, p. 15). Isto é, ao atual. Neste sentido, a narrativa existente no game Life is Strange é virtual e essa materialidade virtual precisa ter uma concretização, ou seja, a história da Max precisa ter um final e para que essa concretização aconteça o jogador precisa atualizar a narrativa. Mas que autor é esse que escreve uma narrativa virtual? Em textos como jogos passíveis de coletividade, ou seja, co-construídos por designers, engenheiros, artistas, roteiristas, apontar um único autor da obra não seria possível. Desta forma, consideramos o posicionamento de Barthes (2004) em que não podemos analisar uma obra em virtude do autor-pessoa, pois diante do texto esse autor morreu. Barthes não reconhece um autor-pessoa, mas “o escriptor moderno [que] nasce ao mesmo tempo que o seu texto e outro tempo não há senão o da enunciação, e todo texto é escrito eternamente aqui e agora” (BARTHES, 2004, p.61). Sendo assim, não há autor-pessoa em Life is Strange, mas há um autor virtual que está ligado a essa configuração virtual que é esse texto, como observaremos na figura (3) a seguir: Figura 3: No exemplo o diário da personagem Max é preenchido automaticamente pelo autor virtual, através das escolhas do jogador. Fonte: Captura de tela da aplicação Life is Strange no sistema operacional Windows 10. Como podemos observar, o autor virtual não trabalha sozinho, ele precisa do jogador para atualizar a narrativa, pois, quando o jogador opta por uma ação, esta 104 ação é escrita automaticamente por esse autor. Diante desta consideração, neste exemplo o autor virtual está exercendo uma função-autor em co-criação com o autor atual, que é o jogador. Neste sentido, Foucault (2009) traz a noção de autor que ocupa uma funçãoautor a ser exercida em certos espaços do discurso que são providos dessa função, como é o caso dos jogos de vídeo games. Esta função-autor também é exercida pelo jogador como podemos analisar nas Figuras (4) e (5) abaixo. Além de exercer uma função-autor, o jogador é autor criador, pelos postulados de Bakhtin (1997). Segundo Bakhtin (1997), o autor é participante do acontecimento artístico, é o constituinte que dá forma ao objeto estético. Ele toma um posicionamento axiológico diante da personagem e seu mundo. Figura 4: No exemplo o autor (jogador) se posiciona axiologicamente para fazer as escolhas narrativas. Fonte: Captura de tela da aplicação Life is Strange no sistema operacional Windows 10. Figura 5: O exemplo mostra que as escolhas do autor (jogador) tem consequências e o ícone borboleta reafirma isso. Fonte: Captura de tela da aplicação Life is Strange no sistema operacional Windows 10. 105 Note-se que na figura (4) há dois caminhos que o jogador precisa escolher diante da ameaça que Max presenciou, quando o personagem Nathan Prescott estava em porte de uma arma de fogo na escola Academy Blackwell. Como autor atual, as escolhas do jogador não são aleatórias, pois ele se posiciona axiologicamente diante da personagem Max e seu mundo, e ao optar por efetuar a denúncia já na figura (5), podemos ver um ícone borboleta avisando para esse autor criador que sua escolha terá consequência futura na narrativa. Como resultados prévios, vimos que nos games há dois tipos de autores: virtual e atual. Mas nos perguntamos: a autoria se configura também nesses termos? Ainda precisaremos continuar nossos estudos para responder a essa pergunta. Conclusão A questão do autor e da autoria na época estudados por teóricos como Roland Barthes (2004), Michel Foucault (2009) e Mikhail Bakhtin (1997) não atingiram as análises cyberliterárias na esfera da literatura digital, mas as análises de narrativas tradicionalmente impressas. Assim, observamos a influência da tecnologia e da materialidade virtual como ponto central de elucidação de que os games não se encaixam nos moldes em que a teoria literária dispõe para analisálos, pois é necessário recorrer às novas ferramentas conceituais para trabalhar jogos digitais como textos literários na atualidade. No que diz respeito ao ensino, esse gênero narrativo é um diferencial para o professor de Língua Inglesa trabalhar na educação, pois além do enredo cativante, há expressões, gírias e diferentes gêneros textuais como: o diário, o e-mail, a mensagem de texto (via celular), o cartaz, as músicas, a timeline da rede social no game e também o jornal dentro deste hipertexto. E ainda, por ser uma narrativa de escolhas e consequências, estimula o aluno à aprendizagem da língua contextualizada. Referências BARTHES, Roland. A morte do autor. In: O rumor da língua. 1 ed. Tradução: Mario Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.57-64. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Maria Ermantina Galvão G.Pereira. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BERGER, Arthur Asa. Narratives in the eletronic Age. In: Video games: A popular culture phenomenon. New Jersey: Transaction Publishers, 2009, p.29-49. COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução: Cleonice Paes Barreto Mourão. 1. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG , 1999. DONTNOD Entertainment. Life is Strange.[S.I.]: Square Enix, 2015. Base de dados da aplicação para no sistema operacional Windows. Disponível em: <http://store.steampowered.com/>. Acesso em: 06 Fev. 2016. 106 FOUCAULT, Michel. Estética: Literatura e pintura, Música e cinema. Tradução: Inês Autran Dourado Barbosa. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p, 264-298. LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Tradução: Paulo Neves. 1. ed. São Paulo: Ed. 34, 1996. LANKOSKI, Petri; BJÖRK, Staffan. Game Research Methods: An overview. Canada: ECT Press, 2015. LEÃO, Lucia. O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: Iluminuras, 2005. MACHADO, Irene A. Gêneros no contexto Digital: In: LEÃO, Lúcia (Org.) Interlablabirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 71-82. PEARCE, Celia. Towards a Games Theory of Game. Electronic Book Review (EBR) journal of critical, ISSN: 1553-1139, 2004. Disponível em: < http://www.electronicbookreview.com/thread/firstperson/tamagotchi >. Acesso em: 06 Fev. 2016. SANTAELLA, Lucia. Para compreender a ciberliteratura. Texto Digital, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 229-240, dez. 2012. ISSN 1807-9288. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/textodigital/article/view/18079288.2012v8n2p229>. Acesso em: 06 Fev. 2016. 107 PRÁTICAS E IDENTIDADE PROFISSIONAL DE UMA PROFESSORA DE INGLÊS BEM SUCEDIDA NA ESCOLA PÚBLICA: UM ESTUDO DE CASO 55 Talita Siqueira de OLIVEIRA56 Universidade Federal de Mato Grosso Maria Victória Queiroz de CARVALHO57 Universidade Federal de Mato Grosso Eladyr Maria Norberto da SILVA58 Universidade Federal de Mato Grosso RESUMO: Este estudo de caso tem como objetivo identificar as características e as estratégias de ensino de uma professora de inglês de escola pública, considerada uma profissional bem sucedida nos contextos em que atua. Os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada com a professora, observação não participante de suas aulas, narrativa retrospectiva de sua trajetória profissional e reflexões sobre sua prática pedagógica relatadas em sua dissertação de mestrado. Será apresentada uma análise preliminar dos dados e resultados parciais da pesquisa, partindo da visão das bolsistas participantes e da literatura na área de quais seriam as características de bons professores. Acredita-se que o estudo da prática de professores bem sucedidos possa contribuir com a formação de novos profissionais no ensino de línguas, inspirando-os e mostrando-lhes possibilidades de trabalho na escola pública. PALAVRAS-CHAVE: Estudo de Caso; Identidade Profissional; Ensino de Inglês. ABSTRACT: This case study aims to identify the characteristics and teaching strategies of a public school teacher of English, who is considered a successful professional in her context. Data were collected through semi-structured interviews with the teacher, non-participant observation of her classes, retrospective narrative of her career and her reflections on her teaching practice as reported in her master's thesis. A preliminary analysis of the data and partial results will be presented. They are both based on what the researchers and the literature in the area consider to be the characteristics of successful/good language teachers. It is believed that the study of the practice of successful teachers can contribute to the education of pre-service teachers, inspiring and showing them the affordances of teaching in public schools. KEYWORDS: Case Study; Professional Identity; English Language Teaching. 55 Agradecemos à CAPES pela oportunidade de realizarmos esta pesquisa, enquanto bolsistas do Pibid de Inglês/UFMT/CBA, e à Profa. Fátima Comini por ter compartilhado conosco suas experiências como professora de Inglês. 56 Bolsista de Iniciação à Docência do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência de Inglês - Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá / CAPES 57 Bolsista de Iniciação à Docência do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência de Inglês - Universidade Federal de Mato Grosso – Cuiabá / CAPES 58 Coordenadora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência de Inglês – Universidade Federal de Mato Grosso - Cuiabá/CAPES 108 Introdução O trabalho de diversos professores na escola pública tem se mostrado um grande desafio, seja pelas salas de aula lotadas, pelo desinteresse de grande parte dos alunos ou pelas escolas mal estruturadas. Apesar destas dificuldades, ainda é possível encontrar professores motivados com a profissão, que visualizam possibilidades de fazer um trabalho significativo na educação, e que são vistos como profissionais que se desenvolvem continuamente em sua prática (CELANI, 2001). Encontramos uma professora de inglês de uma escola estadual em Cuiabá – MT, que se destaca nesse contexto por ser motivada e estimular em seus alunos o gosto pelo aprendizado, utilizando a língua como ponte entre o conhecimento e a vida social do aluno. Sua reputação como boa professora de inglês na escola pública entre seus pares e seus ex-alunos despertou nosso interesse em conhecê-la e identificar as características em sua identidade profissional e sua prática de sala de aula que a definem como uma professora bem sucedida. Este trabalho faz parte de um estudo mais amplo que está sendo desenvolvido no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) de Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Cuiabá, com o propósito de estudar casos de professores de inglês que se destacam no contexto da escola pública (ver SOMBRA, CAIRES, SILVA, 2014). O estudo de professores bem sucedidos e de sua prática pedagógica é relevante para professores em formação ao destacar aspectos que podem contribuir para sua futura prática em sala de aula e motivá-los a exercer sua profissão na escola pública. Para traçarmos um perfil do que seria um bom professor, buscamos na literatura autores que nos trouxessem algumas definições. O professor ideal é retratado como um profissional reflexivo e crítico, que tem proficiência em sua disciplina; é entusiasmado, sincero, segue um padrão de temperamento adequado em suas aulas e tem um envolvimento pessoal com sua profissão (CELANI, 2001). Constrói sua prática educacional baseada em uma combinação de personalidade, inteligência, conhecimentos, experiências e reflexão de como esse conjunto interfere em seu ambiente de trabalho (HARMER, 2007). Para Leffa (1994), o bom professor de línguas é criativo no sentido de ter a habilidade de criar as condições necessárias para uma boa aula, mesmo com poucos recursos; tem a habilidade de estabelecer conexões entre teoria e prática; e é apaixonado pelo que faz, o que facilita o envolvimento dos alunos em suas aulas. Em nossa perspectiva, visualizamos o bom professor como aquele que é aberto para aprender com sua prática; tem uma postura respeitosa e amigável para com os alunos, mas que não abre mão de suas regras e objetivos; e tenta conciliar sua prática com o mundo do aluno. Em resumo, nossas definições e a dos autores na área de ensino de línguas se sobrepõem e se completam. Estas características servirão de referência para a discussão dos resultados parciais deste trabalho. Metodologia Com o intuito de identificar as características que definem professores de inglês bem-sucedidos no contexto nem sempre favorável da escola pública, estamos 109 realizando um estudo de caso sobre a prática de uma professora que atende tal requisito. Os dados para esta pesquisa foram gerados através de observações e notas de campo de suas aulas em turmas de 6ºs e 7ºs anos em uma escola pública situada em um bairro periférico de Cuiabá, por um período de quarenta e quatro horas aula; de entrevista semiestruturada com a professora; e da análise de relatos retrospectivos de sua trajetória profissional produzidos por ela para esta pesquisa e em sua dissertação de mestrado (COMINI, 2014). A professora, foco deste estudo de caso, é formada em Letras, habilitação em Português e Inglês por uma instituição federal de ensino superior, fez três especializações em sua área de estudos e concluiu o mestrado em 2014, em que investigou sua própria prática em uma turma do ensino médio de uma escola pública de Cuiabá. Com cerca de dezessete anos de profissão, trabalhou em diversos contextos como escolas particulares, cursos de idiomas e faculdades, lecionando para todas as faixas etárias, do ensino básico ao superior. Atualmente, é professora concursada pelo Estado e trabalha em duas escolas públicas, sendo uma dessas a que serviu de palco para nossa pesquisa. A partir da análise dos dados coletados, pretendemos identificar as características que tornam a professora participante desta pesquisa bem sucedida e conhecer as estratégias de ensino por ela utilizadas em suas aulas. Além disso, queremos identificar os fatores que influenciaram a construção de sua identidade profissional e que orientam sua prática pedagógica. A pesquisa, em andamento, iniciou-se em outubro de 2015 e será concluída em fevereiro de 2016. Neste trabalho, apresentaremos resultados parciais acerca de suas características como professora de inglês. Ao olharmos para o contexto da escola pública e para o perfil de uma professora de inglês bem-sucedida, notamos que, em sua prática, estão presentes os princípios da educação linguística, em que o professor, ao invés de atuar como um mero transmissor de conteúdo, age como um verdadeiro educador, buscando formar cidadãos críticos e preparados para lidar com as adversidades da vida, tendo como ferramenta mediadora a língua (GARCEZ, 2008). Resultados preliminares Em consonância com nossa visão de que um professor de línguas deve ser paciente e amigável e estar atento ao aluno, identificamos nas observações de suas aulas que a professora se mostra comunicativa e amigável com seus alunos, deixando-os à vontade para participarem da aula e também se mostrando aberta para as questões que permeiam a vida pessoal de cada um. Os trechos de notas de campo abaixo retratam a maneira como a professora reagia em diferentes situações: Ela foi dura com um aluno que não queria jogar o chiclete fora, mas foi calma com um menino que não sabia a pronúncia, até fez uma piada dizendo que todos estavam ali para aprender, que ele não devia se sentir inferior (ele é o mais baixo da turma). (Notas de Campo, V., 6º ano C, 08/09/2015) 110 Em outro episódio também em uma turma do 6º ano, a professora, ao notar o excesso de maquiagem em uma de suas alunas, a aconselha e tenta lhe ensinar uma forma de se maquiar mais adequada para sua idade. A aluna não se mostra constrangida e aceita o conselho com naturalidade. Ao passar pela mesa de uma aluna ela comenta sobre o batom que a garota estava usando, disse a ela para usar uma cor mais fraca que ela ficaria mais bonita e que combinaria mais, a aluna a escutou e não pareceu constrangida com a forma que a professora falou. (Notas de Campo, T., 6º ano E, 18/09/2015) Percebe-se, no excerto acima, a proximidade que a professora cultiva com seus alunos e a liberdade que tem para fazer comentários voltados para aspectos de sua vida pessoal. Ouvir seus alunos em questões pessoais contribui para que ela conheça a realidade e dificuldades de cada um, podendo, assim, canalizar essa proximidade a favor do aprendizado de seus alunos. Embora estas características não estejam diretamente relacionadas ao ensino da língua, a construção desse tipo de relação é particularmente importante em salas de adolescentes, pois ajuda a estabelecer o rapport necessário entre professor e alunos, que pode levar a um maior envolvimento nas atividades de sala de aula (HARMER, 2007). Encontramos, nas notas de campo, evidências da sua habilidade de ser uma boa ouvinte de seus alunos. Eles têm liberdade de participar ativamente da aula e a professora tem o cuidado de ensiná-los a partir de suas contribuições. No episódio abaixo, observado na aula de uma turma do 6º ano, vemos a professora aceitar com naturalidade a fala aparentemente incorreta em inglês de um aluno e, assim, mostrar aos demais que, mesmo que não saibam de tudo, é possível que se comuniquem usando o que já aprenderam. [...] começa a aula falando sobre comunicação, que para nos comunicarmos não precisamos saber de tudo, mas saber usar as palavras certas para o que queremos saber, ela disse isso e usou o exemplo do que havia acabado de acontecer com o aluno que me perguntou “you age”. (Notas de Campo, T, 6º ano E, 11/09/2015) Comentando sobre como vê a aprendizagem de língua de seus alunos, em seu relato retrospectivo, ela nos diz que procura percebe-los como aprendizes que fazem hipóteses e cometem erros como parte do processo de aprendizagem de língua, para poderem, aos poucos, acertar. Muitos alunos gostam das aulas porque gostam da língua, outros têm pavor e um dos meus objetivos é reverter este quadro. Procuro percebê-los como aprendizes que fazem hipóteses e cometem erros para poderem acertar. Acredito que há uma relação de boa vizinhança e que considero adequada até o momento. (Relato retrospectivo, pág. 03, 26/10/2015) 111 Apesar de ser amigável com os alunos, a professora tem claro controle sobre sua aula e nunca deixa que a relação de camaradagem interfira nas regras de sala de aula. Ela se mostra uma pessoa firme no gerenciamento da aula, que toma as devidas providencias sempre que algo foge às normas ou que situações imprevistas ocorram. Foram observadas situações em sala de aula em que ela troca alunos de lugar, os faz assinar advertências e pedir claramente que colaborem com a aula, como ocorreu em uma das aulas da turma do 6º Ano C, em que a professora “mudou uma menina de lugar, pois ela conversava muito em sala, mandou um menino guardar o celular lembrando-o sobre as normas que ela os passou sobre o aparelho.” (Notas de Campo, V., 6º ano C, 08/09/2015). Os alunos sempre demostram saber o motivo de estarem sendo advertidos e muito raramente contestam, parecendo reconhecer a existência de certas regras e as consequências de não as cumprirem. Além dessas características que envolvem a relação entre a professora e os alunos, encontramos outras que parecem influenciar o rendimento e a qualidade das aulas. Ao lermos suas narrativas sobre sua trajetória como professora de inglês, percebemos sua preocupação em preparar suas aulas, em atender as necessidades dos alunos e proporcionar atividades que sejam próximas das suas práticas sociais. Em seu relato retrospectivo, ela afirma que procura trabalhar com atividades que atendam as habilidades auditivas e orais, de leitura, compreensão e escrita; sem, contudo, esquecer a importância política do ensino de língua para uma educação que tem como meta a cidadania. Ela afirma: Dentro do possível, procuro planejar e desenvolver meu trabalho seguindo as orientações nacionais e estaduais, pois penso que seja necessário entender que o ensino de língua estrangeira nas escolas públicas tem um objetivo fundamental que não pode estar fora da visão dos professores. (...) procuro então, trabalhar com atividades que atendam as habilidades auditivas e orais, de leitura, compreensão e escrita. Mas sem nunca esquecer a importância política do ensino de língua para uma educação que tem como meta a cidadania. (Relato retrospectivo, págs. 02 e 03, 26/10/2015) Em sua prática de sala de aula, percebe-se que ela demonstra grande interesse em incentivar os alunos a aprender a língua, a estudar para poderem ascender socialmente, como pode ser observado no seguinte excerto: “A professora retoma o assunto dizendo que todos temos de pensar em que podemos fazer para contribuir para a escola melhorar, que o aluno que começa desde cedo envolvido nesse tipo de experiência vai ter um desenvolvimento bem maior.” (Notas de Campo, T., 7º D, 17/09/15) Outra característica, notada tanto na prática da professora quanto em suas narrativas, é que ela se sente realizada em trabalhar em uma profissão da qual realmente gosta. Em sua dissertação de mestrado, ela confidencia que é, acima de tudo, uma professora porque ama o que faz. Acreditamos que seu amor pelo que faz 112 é essencial para mantê-la motivada e ativa na profissão de professor após anos de carreira. Acima de tudo, sou professora porque amo o que eu faço e meu comprometimento com a profissão se alinha com a ideia de que tanto a história do aprendiz de língua quanto a do professor é concebida como sendo uma história complexa e de múltiplos desejos (COMINI, 2014, p. 90). Esta ideia é reforçada por Celani (2001) ao assegurar que “não há educação sem amor. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não é capaz de educar. Não é capaz de se tornar um profissional da educação.” (CELANI, 2001, p. 37). E está, igualmente, em consonância com a visão de Leffa (1994), que considera a paixão como um atributo necessário ao bom professor de línguas. Ao investir em sua formação continuada, a professora apresenta tais características, demonstrando ser apaixonada pelo que faz, e acredita ter escolhido a profissão certa, que é feliz e bem-sucedida em sua carreira. Considerações Finais Os dados gerados em forma de notas de campo a partir das observações das aulas da professora, das narrativas por ela produzidas e de sua entrevista, nos permitiram verificar se a professora apresenta características de um bom professor de línguas, de acordo com a literatura e com nossa percepção. Apresentamos, aqui, resultados parciais de um estudo de caso sobre uma professora de inglês de escola pública, traçando seu perfil e discutindo as características que a identificam como uma profissional bem-sucedida. A continuidade da pesquisa, mais em frente, levará ao reconhecimento das estratégias de ensino utilizadas pela professora em sua prática de sala de aula e aos fatores que a influenciaram na construção de sua identidade profissional. Estudos de caso de bons professores de línguas que atuam na escola pública contribuem para a formação de novos professores, pois lhes mostram possibilidades de um trabalho com resultados positivos em um contexto considerado por muitos como desprivilegiado e desafiador, apontando estratégias de ensino que podem ser incorporadas em sua prática, fortalecendo, dessa forma, projeções positivas que podem vir a influenciar favoravelmente a construção de sua identidade profissional. Referências CELANI, M. A. A. Ensino de línguas estrangeiras: ocupação ou profissão. In: LEFFA, V. J. (Org.). O Professor de Línguas Estrangeiras: construindo a profissão. Pelotas: EDUCAT, 2001, p. 21-39. COMINI, M. F, S. Práticas cotidianas em uma sala de inglês: um estudo etnográfico. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em estudos de linguagem instituto de linguagens – UFMT Cuiabá, Mato-Grosso, Julho, 2014. 113 GARCEZ, P.M. (2008). Educação linguística como conceito para a formação de profissionais de Língua Estrangeira. In: L. Masello (Org.), Português lengua segunda y extranjera em Uruguay: Actas del Primeiro Encontro de Português Língua Estrangeira do Uruguai (pp. 51-57). Montevidéu: Universidad de la República, Faculdad de Humanidades y Ciencias de la Educación/Comisión Sectorial de Investigación Científica. HARMER, J. How to Teach English. Harlow, Essex: Pearson/Longman, 2007. LEFFA, V. J. Making ends meet in the classroom: the attributes of the good language teacher. Cadernos do IL. Porto Alegre, UFRGS, n. 12, p. 107-116, Dezembro de 1994. SOMBRA, R. F.; CAIRES, L.; SILVA, E. M. N. A Identidade Profissional e as Estratégias de Ensino de uma Bem Sucedida Professora de Inglês de Escola Pública. Comunicação oral apresentada no II Encontro do Grupo de Estudos Linguísticos e de Letramento, Instituto de Linguagens, UFMT, 04 e 05 de setembro, 2014. 114
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