Reescrever a narrativa: como actuar eticamente?

Transcrição

Reescrever a narrativa: como actuar eticamente?
ACTIVIDADE AVALIATIVA
Reescrever a narrativa: como
actuar eticamente?
Sara Rosado, nº 1905
MÓDULO 9|FISIOTERAPIA NA PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DA SAÚDE DA PESSOA IDOSA
UNIDADE CURRICULAR|DESEVOLVIMENTO PROFISSIONAL II
PROF.ª RESPONSÁVEL|CARLA PEREIRA
2010/ 2011
Introdução
No âmbito da unidade curricular de Desenvolvimento Profissional II, foi proposta a
realização de uma análise de narrativa com vista a avaliar as condutas que poderão
comprometer o profissionalismo e a ética, justificando esse parecer, e contruindo uma
nova versão da narrativa em que tal não ocorra.
Um dos factores pessoais que afecta o profssionalismo é a ética no trabalho (West et
al, 2007), como tal, é necessário que enquanto fisioterapeutas saibamos analisar as
situações e encontrar estratégias de resolução de problemas.
Análise da narrativa:
A estudante quer intervir segundo o modelo bio-psico-social, no entanto, através da
análise da narrativa é perceptível que esta, durante os vários momentos da
intervençaõ com este utente põe em causa os príncipios vigentes neste modelo. No
momento em que refere que “ (...) o utente deve ser visto segundo um ser bio-psicosocial, ou seja, não deve ser visto apenas como “uma pneumonia”, considerei
pertinente também intervir a nível da hemiparésia que este apresentava.”, a estudante
está a focar-se em aspectos puramente biológicos, centrando-se em duas condições de
áreas distintas que se encontram presentes no mesmo utente. No entanto, não está
implícito no discurso da estudante que os aspectos relacionados com a dimensão
psicossocial relativamente ao AVC tenham sido discutidos com o utente,
principalmente relativamente ao impacto do AVC na sua vida diária e as expectativas
quanto à fisioterapia. Caso esta dimensão tivesse sido abordada inicialmente, a
estudante poderia ter antevisto as elevadas expectativas do utente depositadas na
fisioterapia e a importância atribuida às actividades que o utente deixou de realizar
devido à hemiparésia. O parâmetro de recolha de informações relacionadas com o
utente ou com o seu problema actual, corresponde ao padrão de prática 5, desta
recolha fazem parte, entre outras, as expectativas do utente e a precepção acerca das
suas necessidades (Associação Portuguesa de Fisioterapeutas- APA, 2005); recolha
essa que, segundo a interpretação da narrativa, não foi realizada nem tida em conta no
replaneamento da intervenção.
Ao idealizar esta hipótese de intervenção, em que as duas condições (pneumonia e
hemiparésia) seriam abordadas nas sessões de fisioterapia, a estudante comunicou a
ideia à sua educadora clínica e, tendo ela concordado com essa possibilidade, e sendo
a estudante hierarquicamente inferior, acomodou-se e não questionou a forma como
as decisões estavam a ser tomadas e as informações que faltavam apurar para que a
decisão fosse consciente e de econtro ao bem-estar do utente.
Portanto, houve uma alteração no plano de intervenção inicial que, segundo a
avaliação da estudante, foi necessária. Esta alteração não foi discutida com o utente,
foi apenas discutida entre a educadora clínica e a estudante. Analisando um excerto da
narrativa apresentada, “Quando estive novamente com o utente informei-o que
iríamos começar também a tratar a hemiparésia (...)”, podemos concluir que a
utilização do verbo “informar” nos indica que a hipótese de alteração já tinha deixado
de o ser, a decisão já estava tomada, já não se tratava de uma ideia, de uma sugestão
mas sim de uma decisão tomada a partir do momento em que a educadora clínica
aprovou a iniciativa. Portanto, não houve uma discussão com o utente relativamente
ao plano de intervenção, não foram dadas hipóteses ao utente, não foram explicados
os benefícios e desvantagens dessas mesmas hipóteses, ou seja, foi colocado em causa
o príncipio ético da autonomia, o respeito por este príncipio implica que o
fisioterapeuta forneça ao paciente toda a informação sobre a sua condição, riscos e
benefícios do tratamento, estando este autorizado a recusar, seja qual for o critério
usado para a sua (utente) decisão (College of Physiotherapists of Ontario - CPO, 2009
& Hawley, 2007). Este princípio está subentendido no padrão de prática 8, que faz
referência à parceria entre o utente e o terapeuta na formulação do plano de
intervenção (APA, 2005), ao não transmitir a informação necessária para a tomada de
decisão, o terapeuta não está a ser honesto e sincero, colocando em causa o príncipio
da veracidade (CPO, 2009 & Hawley, 2007).
Neste caso, o utente não teve autonomia, e autonomia não era dada apenas
perguntando se concordava ou não com a hipótese mas sim, apresentando várias
hipóteses e as suas vantagens e desvantagens; a decisão ou a opção implica a
consciência das várias possibilidades.
Partindo da resposta do utente face à informação dada pela estudante relativamente à
reformulação do plano de intervenção, “Terapeuta Maria, se me meter este braço a
mexer faz de mim o homem mais feliz do mundo (...)”, seria previsível que as
expectativas deste face à recuperação da hemiparésia, sequência do AVC, seriam
demasiado elevadas e irrealistas. Neste momento, a estudante, com vista ao controlo
das expectativas do utente, tendo por base a sinceridade e honestidade deveria ter
informado o utente relativamente aos resultados esperados com o tratamento focado
na hemiparésia, como não o fez, a estudante colocou em causa o príncipio da
veracidade. Esta deixou-se envolver pelos sentimentos de utilidade, optimismo e
gratificação, podendo, mesmo que não intencionalmente, ter transmitido um
positivismo e entusiasmo exagerados ao utente, o que contribuiu para o desenrolar de
toda a situação.
Durante vários momentos da narrativa é notável o interesse particular que a estudante
nutre por este utente, este facto é expresso quando refere, “sentimentos de
motivação em relação a ele”, e quando, logo no início da narrativa se refere ao utente
como sendo diferente de todos os outros que, “iam ao ginásio apenas por obrigação”.
Estas pequenas referências ao longo da narrativa remetem-nos para o príncipio ético
relacionado com a justiça, que maximiza a equidade para todos os utentes (CPO,
2009). Este príncipio é colocado em causa, dado que, a motivação acrescida da
estudante face a um utente pode levá-la a intervir de uma forma diferente com ele,
mais entusiasta, transmitindo maior motivação, insistindo mais na intervenção com
vista à sua efectividade e preocupando-se mais. Isto não está explícito na narrativa
mas pode subentender-se ou esperar que aconteça.
Fundindo alguns dos príncipios postos em causa pela estudante, podemos chegar à
conclusão que a nâo-maleficência também foi colocada em causa. Assim, o facto de
não recolher informação suficiente (expectativas do utente) para optar por um plano
de intervenção, o não transmitir informação suficiente para que o utente pudesse
decidir – veracidade, não dar oportunidade ao utente de ser um agente activo no
planeamento da intervenção – autonomia, contribuiram para o surgimento de
consequências negativas, no entanto, a estudante reformulou o plano com boa
intenção, justificando a decisão com facto de ver o utente como um “todo” (CPO, 2009
& Hawley, 2007). Assim, o príncipio da não-maleficência foi colocado em causa, sendo
que a consequência negativa surgiu quando o utente menosprezou o tratamento
relacionado com a pneumonia, dizendo mesmo que já não apresentava expectoração,
quando os resultados do exame objectivo realizado pela estudante mostravam o
contrário.
Durante toda a narrativa é notável que a comunicação efectiva com o utente é
colocada em causa, comunicar não significa apenas transmitir informação, é necessário
adaptá-la às necessidades do utente. Esta necessidade e dever do profissional de
saúde está discriminada no padrão de prática 12, “O fisioterapeuta comunica de forma
aberta, frontal e profissional com o utente. (...) Os métodos de comunicação são
modificados no sentido de ir ao encontro das necessidades do utente.” (APF, 2005),
neste caso, e dada a dificuldade em comunicar para que o utente assimile a
informação e não perca a motivação, este padrão é posto em causa pela estudante.
Esta dificuldade de comunicação contribuiu para toda a situação que se gerou e que
está escrita na narrativa.
Em suma, o problema é o facto de a estudante reformular o plano de intervenção sem
o discutir com o utente, não dando informações ao utente para a tomada de decisão e
não tendo por base informações relavantes do utente, por exemplo, as expectativas.
Isto trata-se de um problema ético porque apresenta desafios aos deveres e valores
morais e provoca uma necessidade de reflexão para decidir qual o melhor caminho a
seguir (CPO, 2007), ou seja, este é um problema ético porque através da sua análise
conseguimos perceber o desrespeito a alguns príncipios éticos, o que leva a uma
reflexão quanto ao que deveria ter sido feito. Neste problema está envolvida a
estudante, o utente e a educadora clínica, dado que é responsável pela estudante.
Como já foram referidos, existem alguns príncipios a serem colocados em causa
quando analisada esta narrativa, entre eles, a autonomia, a veracidade, a justiça e a
não-maleficência.
No decorrer da narrativa existe uma mudança clara, o que é identificado como
problema ético, pelo desenrolar dos acontecimentos torna-se numa angústia ética. A
estudante reconhece o problema na comunicação com o utente mas está perante um
desconforto psicológico, explícito nos seguintes excertos, “(...) já não sabia qual a
melhor forma de abordar o assunto e de lhe explicar, com receio de desmotivá-lo e
desanimá-lo.”; “Senti-me um pouco insegura (...)”; “Era penoso ver o seu fraco nível de
colaboração (...)”; “(...)o que me fez sentir frustrada profissionalmente e coloquei em
causa o meu desempenho nessa situação” (CPO, 2009).
A estudante estava “bloqueada” com o receio de desmotivar o utente, embora
soubesse que alterar a forma de comunicação adpatando-a às necessidades do utente
seria a resolução correcta. No entanto sente-se tentada a “fomentar a esperança e
esperar que ele se apreceba sozinho” mesmo sabendo que essa questao conduz “aos
riscos que incentivar esperança no utente acarreta”.
Reescrição da narrativa
Após a avaliação do utente, iniciei o tratamento incidindo no alívio dos sintomas da
pneumonia, mas sendo que o utente deve ser visto como um ser bio-psico-social,
considerei pertinente recolher algumas informações relativamente ao impacto
psicossocial e na sua vida diária que o AVC e a consequente hemiparésia esquerda
tiveram na sua vida, com vista à análise da possibilidade de intervir também a este
nível. Rapidamente percebi que a hemiparésia tinha tido um impacto negativo na vida
do utente e este apresentava expectativas demasiado elevadas e irrealistas face a um
possível tratamento que volte a devolver a funcionalidade ao seu braço. Como tal,
expliquei ao utente, de forma clara e honesta, que as suas expectativas eram
demasiado elevadas dado o tempo ao qual tinha ocorrido o AVC, dizendo-lhe em
seguida até onde era possível chegar e em quanto tempo, ponderando os factores
negativos e positivos de prognóstico e ainda dar-lhe a entender que as situações de
AVC não produzem resultados imediatos, é necessário algum tempo para que se vejam
resultados. Dado que, o utente mostrava demasiada ansiedade e entusiasmo face ao
tratamento relacionado com a hemiparésia, ponderei a hipótese de dividir a sessão em
duas partes (cardio-respiratória + neurologia), temendo que toda a excitação face à
segunda parte compromete-se o desempenho e entrega do utente na primeira parte
da sessão, pensei em tratar prioritariamente o motivo pelo qual se tinha dirigido à
fisioterapia, aliviando os sintomas e deixando o utente numa situação estável para
posteriormente me dirigir também para a hemiparésia, tão valorizada pelo utente. Ao
pensar nestas hipóteses falei com a minha educadora clínica e disse-lhe que tinha
pensado em tratar os dois problemas, ou dividindo a sessão em duas partes ou
tratando em primeiro a pneumonia e só depois a hemiparésia, ela concordou.
Quando estive novamente com o utente expus a hipótese de tratar também a
hemiparésia, ele mostrou-se muito optimista e entusiasmado. Juntamente com a
exposição da hipótese, informei o utente da importância de tratar a pneumonia, das
consequências de uma pneumonia mal curada e da importância do aparelho cardiorespiratório nas suas actividades diárias. Posto isto, apresentei-lhe a hipótese de
continuar com a intervenção apenas dedicada à fisioterapia, juntar os dois
tratamentos na mesma sessão ou então aliviar os sintomas da pneumonia e depois
tratar a hemiparésia. Perguntei-lhe se queria sugerir outra hipótese, se tinha alguma
dúvida em relação a algum dos tratamentos e que era livre na sua decisão.
O utente tomou em consideração tudo o que lhe disse e optou por aliviar primeiro os
sintomas da pneumonia, dada a tomada de consciência das consequencias e
problemas que daí podem advir, e depois tratar a hemiparésia. O utente continuo
muito entusiamado e ansioso e, como tal, no fim da sua tomada de decisão abordei o
utente dizendo-lhe que estava disponível para esclarecer as suas dúvidas e que era
necessário que trabalhassemos os dois no mesmo sentido, no sentido de devolver ao
utente a sua qualidade de vida e bem-estar.
Para avaliar os resultados é necessário manter uma comunicação activa com o utente
e com a sua família, apurando qual a intrepertação feita das mensagens que lhes
transmitimos, com vista a perceber se os rumos seguidos foram os mais correctos para
atingir o bem-estar do utente.
Conclusão:
Com a realização deste trabalho desenvolvi a capacidade de análise detalhada de uma
narrativa, contribuiu para perceber que as questões relacionadas com problemas
éticos se apresentam em situações que, muitas vezes, parecem simples. Compreendi,
igualmente, que a ética no trabalho se apresenta com um factor que influencia o
profissionalismo, portanto deve ser tratada com responsabilidade e honestidade.
Referências Bibliográficas:
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