Seminário Nacional Direito da Agricultura e da Produção
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Seminário Nacional Direito da Agricultura e da Produção
Seminário Nacional Direito da Agricultura e da Produção Agroindustrial Faculdade da Universidade de Direito de Coimbra 9 de Outubro de 2015 “A política agrícola comum e o Programa de Desenvolvimento Rural do Continente para 2014-2020” Francisco Avillez (Professor Emérito do ISA e Coordenado científico da AGRO.GES) 1. Nesta apresentação proponho-me abordar dois temas distintos. Em primeiro lugar, chamar a atenção para os pontos que maior debate suscitaram no âmbito do Grupo de Peritos (GP) da reforma da PAC que eu coordenei ao longo de quase todo o tempo em que decorreram as negociações sobre a Reforma da PAC pós-2013. Em segundo, fazer algumas reflexões sobre as tendências de evolução futura no contexto da PAC das medidas de gestão de riscos de mercado e de estabilização de rendimentos, em particular, procedendo para o efeito a uma comparação do peso assumido por este tipo de políticas na UE e nos EUA. 2. Foram os seguintes os aspectos da Reforma da PAC que mais discussão suscitaram no contexto do GP: Modelo de convergência dos pagamentos aos produtores desligados da produção (PPDP); Pagamentos aos produtores ligados à produção (PPLP); Apoios à pequena agricultura (APA); Modelo de gestão de riscos (MGR). 2.1. Em relação ao modelo de convergência dos PPDP a posição do GP foi desde o início consensual no sentido de considerar insustentável (“uma verdadeira bomba atómica”) a aplicação às explorações agrícolas portuguesas do modelo de convergência total (“flat rate”) proposto pela Comissão Europeia. Por este motivo, apoiou sempre, com as suas reflexões e propostas, a apresentação por parte do Governo Português de um modelo de convergência alternativo que permitisse mitigar os impactos muito negativos que a “flat rate” iria ter sobre os sistemas de agricultura mais intensivos. O modelo de convergência parcial que acabou por ser aprovado para aplicação em alguns dos Estados Membros mereceu, assim, o apoio da totalidade dos membros do GP. No entanto, eu e alguns dos outros peritos fomos de opinião, após a simulação dos impactos previstos, que teria sido preferível que as soluções alcançadas tivessem sido mais favoráveis do que foram em relação aos sistemas de agricultura mais extensivos (cereais de sequeiro e pecuária extensiva) que eram aqueles que à partida menos beneficiavam dos pagamentos directos por hectare elegível. 2.2. No que diz respeito à aplicação, pós 2013, de pagamentos aos produtores ligados à produção (PPLP), verificou-se logo à partida uma maior divisão de opiniões. Uma parte do grupo de peritos, em que eu me incluía, defendia que se não justificava, por motivos de falta de racionalidade económica, a reintrodução de PPLP em sectores que dele tinham beneficiado no passado recente (leite, arroz e tomate) e que mesmo no caso da pecuária extensiva os PPLP em vigor deveriam ser substituídos por medidas agro-ambientais (MAA) capazes de contribuir para a viabilidade económica das repectivas explorações. Os restantes membros do GP foram favoráveis quer à reintrodução de PPLP, quer à sua manutenção no caso da pecuária, se bem que sugerindo um maior rigor na escolha dos respectivos critérios de elegibilidade. A decisão do Governo Português favoreceu esta segunda opção, o que foi em grande parte justificado pelo facto de o Governo Espanhol ter, também, optado por ela. 2.3. No que se refere ao regime de apoio à pequena agricultura, todos os peritos concordavam com a sua introdução, manifestando, no entanto, divergências quanto ao valor a adoptar. Alguns defendiam que esse valor não deveria ultrapassar o limite mínimo (500€/exploração) estabelecido pela CE, de forma a evitar que fosse muito elevado o número de produtores elegíveis, com as implicações negativas daí resultantes do ponto de vista orçamental e produtivista. Outros eram de opinião que esse valor se deveria aproximar do respectivo limite máximo (1.500€/exploração) argumentando que isso seria socialmente mais justo. A opção adoptada pelo Governo Português foi a primeira, o que, aliás, se tornou quase inevitável face às restrições orçamentais resultantes das decisões tomadas, quer quanto ao modelo de convergência parcial, quer quanto ao pacote financeiro afecto aos PPLP. 2.4. Por último, importa sublinhar um outro tema bastante debatido numa fase inicial do trabalho do GP e que diz respeito à importância a atribuir no contexto da PAC às medidas de estabilização de rendimentos e de gestão de riscos de mercado. Tratou-se de um debate introduzido por mim no seguimento de uma posição pública assumida por um grupo de agro-economistas europeus que eu assinei, em que esta temática era considerada central para o futuro da PAC. Dada a forma muito marginal como esta temática acabou por ser apresentada pela CE na proposta de Reforma da PAC pós 2013, o debate acabou por não ter grande desenvolvimento no trabalho do GP. Sou, no entanto, de opinião que esta temática deverá ser aprofundada desde já de modo a poder vir a ser debatida de forma adequada na próxima reforma da PAC. 3. Como ponto de partida para este debate que me parece inadiável, vou-me limitar a chamar a atenção para as principais diferenças actualmente existentes, neste âmbito, entre as políticas agrícolas da UE (PAC pós 2013) e dos EUA (Farm Bill, 2014). Dos elementos que constam dos quadros 1 a 4, pode-se concluir: o valor do suporte total gerado pelas políticas agrícolas em vigor na UE e nos EUA é praticamente idêntico (Quadro 1); o tipo de suporte dado pelas políticas é, no entanto, muito diferente quando comparado do ponto de vista dos produtores e da agricultura no seu conjunto (Quadro 1); não vai ser nada fácil uma harmonização das duas políticas, apesar da convergência já verificada entre os diferentes níveis de suporte nas últimas décadas (Quadro 2); as diferenças existentes são, ainda, mas significativas quando se analisa a importância relativa das medidas de gestão de risco, das redes de segurança e dos apoios ao rendimento de um ponto de vista do respectivo peso legislativo (Quadro 3) e orçamental (Quadro 4). Importa sublinhar que estas diferenças entre as medidas de gestão de risco em vigor na UE e nos EUA vêm bem expressas num estudo recentemente publicado pelo Parlamento Europeu, “Comparative Analysis of Risk Management Tools Supported by the 2014 Farm Bill and the CAP 2014-2020”. (http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2014/540343/IPOL_STU(20 14)540343_EN.pdf). Termino afirmando que, em minha opinião, a “Farm Bill 2014” reúne condições muito mais favoráveis do que a PAC para responder a uma crescente globalização dos mercados agrícolas, uma vez que, dada a volatilidade dos preços e a variabilidade dos rendimentos agrícolas decorrentes de mercados cada vez mais alargados e concorrenciais, a competitividade futura dos sistemas de agricultura praticados vai depender muito mais das medidas de estabilização de rendimentos e de gestão de risco do que dos apoios ao rendimento ligados ou desligados da produção. Quadro 1 Estimativa de suporte à agricultura (2010-2012) UE 10 EUR Medidas de suporte aos produtores 79,1 ligados à produção 13,7 desligados da produção 65,4 Serviços gerais de apoio à agricultura 10,7 Suporte total à agricultura 89,8 Fonte: OCDE 6 EUA 10 USD 29,9 3,7 26,2 74,3 104,2 6 % 88,1 15,3 72,8 11,9 100,0 % 28,7 3,6 25,1 71,3 100,0 Quadro 2 Evolução do suporte aos produtores 1986-88 1995-97 2010-12 ESP (%) UE CPN EUA UE EUA 39 34 19 22 1,71 1,13 12 1,33 1,07 8 1,04 1,01 CAN UE EUA 1,75 1,51 1,23 1,28 1,14 1,08 ESP – Estimativa suporte aos produtores CPN – Coeficiente de protecção nominal CAN – Coeficiente de apoio nominal Fonte: OCDE Quadro 3 Dimensão dos textos legislativos (%) PAC Farm Bill Medidas de gestão de risco 1 60 Redes de segurança 39 40 Apoio ao rendimento 60 0 Fonte: Parlamento Europeu Quadro 4 Peso orçamental das Medidas (%) PAC Farm Bill Medidas de gestão de risco 1 47 Redes de segurança 5 23 Apoio ao rendimento 72 0 Outras medidas 22 30 Total 100 70 Fonte: Parlamento Europeu