Caderno de Textos

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Caderno de Textos
Caderno de Textos
Universalização dos Serviços Públicos: Fim das Privatizações e
Uma Alternativa para os Trabalhadores
Apresentação de Oficina no
Fórum Social Mundial
01 de fevereiro de 2002
Porto Alegre - RS
Oficina da CONDSEF no Fórum Social Mundial. Porto Alegre, 01/02/2002
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Introdução
A CONDSEF trilhou um bom caminho de debates e acúmulos até chegar ao Fórum Social Mundial. De
várias formas, em diversos encontros, os temas que envolvem essa oficina estiveram presentes nas
atividades da Confederação. Hoje, no entanto, apresentamos o debate sobre a Universalização do
Serviço Público de forma ordenada. Concentramos em três pontos centrais: a relação dos Serviços
Públicos com a sociedade e com a propriedade; as questões trabalhistas e administrativas e a questão
da legalidade e da institucionalidade. Em todos esses aspectos, que permite tratar o tema com a
amplitude necessária, queremos abrir um diálogo mais profundo com os trabalhadores no serviço
público e com o conjunto dos explorados que estão no Fórum Social Mundial. É necessário que se diga:
o que vem acontecendo com os serviços públicos, que impõem sua destruição sobre variados aspectos,
não é um problema que atinge apenas os servidores, mas sim, o conjunto dos usuários. Ou seja, nos
voltamos para a população que precisa, sob diversos aspectos, dos serviços do Estado para sobreviver;
para o país que precisa de sua ação pública para desenvolver.
Preferimos apresentar essa contribuição em formato de “caderno de textos” porque não tivemos
tempo para ordená-los, revisá-los (com a atenção necessária) e articulá-los através de um elo
estritamente coerente e preciso. Nesse sentido, apresentamos as três contribuições, aqui presentes,
como um subsídio, na esperança de que essa discussão não acabe no Fórum, mas continue nos diversos
locais de retorno dos delegados e participantes de nossa oficina.
Reproduziremos 200 cadernos, que serão distribuídos para quem estiver presente na oficina e esperamos
que o debate seja o mais proveitoso possível. Mais que isso, desejamos que essa oficina seja um passo
a mais para costurar uma ampla aliança de trabalhadores dos diversos setores (privado, público,
estatal, rural, desempregados, etc) na luta pela defesa dos serviços públicos. Queremos abrir uma
estrada que acumule forças em busca de uma nova sociedade, sem explorados e exploradores. Com
certeza, nesse rumo, teremos que passar pela gloriosa esquina da Universalização dos Serviços Públicos.
Bom debate e boa leitura para todos(as)!
Porto Alegre, 29 de janeiro de 2002
Fórum Social Mundial
Eduardo Alves
Assessor da CONDSEF
Contatos CONDSEF
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Os Serviços Públicos:
Estado, Sociedade e Propriedade
Eduardo Alves
Assessor da CONDSEF e Cientista Social
A Inversão da Crise
O texto do extinto MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado) intitulado Plano Diretor
da Reforma do Aparelho do Estado, no prefácio assinado por FHC, inicia dizendo que “a crise brasileira
da última década foi também uma crise de Estado”. A razão desta crise, para o Presidente da República,
está na operação feita pelos governos passados, que desviaram o Estado de suas funções básicas “para
ampliar sua presença no setor produtivo”. Conseqüentemente, o caminho por ele adotado, para
desfazer a situação de crise e recompor a capacidade de crescimento e estabilidade, é o das
privatizações. No entanto, tais alterações na forma de propriedade, não se dedicam apenas aos
chamados setores produtivos - tradicionalmente representado pelas estatais. Esses, segundo o Governo,
devem ser repassados diretamente para o setor privado, ou seja, o setor que deve cuidar da produção;
e esta, por sua vez, deve restringir-se as chamadas “leis do mercado”. Mas, outras propriedades
estatais, outros setores do Estado, chamados, também tradicionalmente de Serviços Públicos, devem
igualmente sofrer essas mudanças, em toda a sua profundidade. Tais mudanças envolvem: a) o aspecto
da propriedade; b) o aspecto da administração e c) o aspecto das relações trabalhistas.
Compuseram então uma fórmula que, segundo os governantes alojados desde 95 (principalmente),
resolveria a crise fiscal na qual o país está profundamente inserido. Isso redimensiona a ação dos
aparelhos estatais em vários níveis e cria uma ampla e diversa base de aparelhos privados de hegemonia
do capital. Reforça-se, com tais políticas, vários elementos que são partes constitutivas do conteúdo
da formação social brasileira, que é produto de um capitalismo tardio e subdesenvolvido: a) acentuase a concentração de renda, de propriedade e de poder; b) retrocede-se nas relações trabalhistas,
fruto de uma realidade histórica em que as relações de trabalho não chegaram em um grau de
desenvolvimento razoável; c) rebaixa-se a capacidade dos setores explorados em disputar políticas
públicas e setoriais, pois, tal aspecto da disputa de hegemonia, é impossível de ser operado em
propriedades privadas; d) eleva-se ao extremo as chagas do atraso cultural, ideológico e superestrutural,
fruto do processo de colonização e do modelo conservador adotado, mesmo a partir do desenvolvimento
capitalista; ou seja: há uma ampliação da corrupção, do patrimonialismo, do fisiologismo, etc. Essas
são as marcas da aplicação da política neoliberal no Brasil que, por sua vez, não podem ser analisadas
a partir das conseqüências. Muito pelo contrário, deve-se buscar suas determinações, rompendo assim
com o convite sedutor das fáceis e óbvias aparências.
O tempo de implementação dessas políticas, as marcas por ela deixadas durante o período de transição
neoliberal, a situação da classe trabalhadora e de todo setor explorado e a coalizão burguesa, são
elementos diferenciados e que possuem especificidade própria na fase atual do Estado brasileiro. No
Brasil, a unidade burguesa se construiu unificando os diversos setores da burguesia e angariando,
mesmo que no seu início, uma numerosa e efêmera base popular. Podemos resumir a equação da
política dominante através dos seguintes elementos: juros altos, privatizações, desregulamentações
(trabalhistas e sociais), pagamento da dívida, aumento da dependência, congelamento e rebaixamento
dos salários e substituição da força de trabalho pelos meios de produção. Com isso as classes dominantes
resolveram a crise de hegemonia que viviam na década de 80 e ganharam novo fôlego para agrupar o
país no rumo das políticas neoliberais, já em curso em todo o mundo. Hoje o neoliberalismo já
apresenta profundos sinais de crise, mas a classe trabalhadora está mais pobre, mais miserável, com
menos direitos, com menos salários, com menos emprego e vivendo uma diversidade vez maior1 . Ou
seja, vivemos um período de amplas condições objetivas, mesmo que acompanhadas de ínfimas
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condições subjetivas. E o pior é que, diferente do que diz pensar FHC, a crise do Estado, que na
verdade é sinônimo de crise de poder, não está próxima do curso da luta de classes. Mas a crise do
capital, essa sim, está cada vez mais visível, ampla e voluptuosa.
Cabe ressaltar que o Estado Capitalista sempre estará em crise, pois, as contradições causadas pelas
relações sociais de produção, baseadas na exploração da força de trabalho que é operada pelos
detentores da propriedade privada do capital, tendem a crescer com o desenvolvimento das forças
produtivas. As contradições existentes no modo de produção capitalista geram crises que são
aprofundadas ou estendidas de acordo com a luta de classes e as condições reais de desenvolvimento
do capital, em nível internacional e nacional. Entretanto, ao se falar de uma crise do Estado, pode dar
a entender que as bases de sustentação infra-estruturais2 correm risco real de superação; ou mesmo
que vivemos um período de transição, que pode levar a uma possível destruição ou superação do
Estado. E isso, como sabemos bem, infelizmente não é verdade (por enquanto).
A crise que se aprofunda é a do capital, crise essa que não foi resolvida com os remédios da guerra, foi
estancada com modelos de “Bem Estar Social” (como na Europa e nos Estados Unidos – durante o
Governo Roosevelt) e se aprofunda vertiginosamente com o neoliberalismo. Como o Estado é o elemento
nuclear da superestrutura, que regula e redimensiona as questões da hegemonia e do poder, operando
com a ideologia, o jurídico, o político, o cultural. O ponto de apoio para o seu funcionamento, por sua
vez, está nas relações sociais de produção, e não, como parece pensar alguns, nele mesmo. Portanto,
uma crise profunda do sistema capitalista, em nível mundial, como a que vivemos hoje, não exclui o
Estado, mas não pode ser entendida stricto sensu como crise do Estado, pois, não coloca em xeque,
por si só, o poder burguês.
Há vários aspectos que devem chamar nossa atenção na identificação da profundidade da crise do
capital. Um deles diz respeito a realidade das relações de produção. O Século XX foi marcado pelo
avanço das forças produtivas e das relações sociais de produção, nos apresentando, dessa forma, um
mundo praticamente capitalista, com algumas poucas exceções3 . Outro elemento é o fim da
bipolaridade, com a extinção da União Soviética e a tomada capitalista no Leste Europeu. Tal movimento
coincide com advento neoliberal e com a formação dos blocos imperialistas dessa etapa imperial
ainda mais elevada. Apesar de ter havido um reenquadramento das polaridades – destacadas na disputa
do imperialismo entre EUA e Comunidade Européia – os Estados Unidos assumiram, nos últimos anos,
uma posição de super potência (algo que podemos chamar de “super-imperialismo”). A contradição
reside que o país centro da dominação do capital amargue uma aguda crise que apareça no seu
crescimento pife (cerca de 2% ao ano). Por sua vez, paralelo a essa realidade, há um evidente
apodrecimento progressivo do modelo neoliberal4 , que já se esgotou na crise de vários países, entre
as quais destacamos: a crise do México, do Sul Asiático e da Argentina.
No Brasil o fantasma da crise que assolou outros países (como os apresentados acima) tem nos rondado
mais do que nunca. A coalizão conservadora formada para garantir o neoliberalismo possui, entre seus
conteúdos básicos de sustentação, as privatizações, as terceirizações, a precarização, a
desregulamentação e a flexibilização. Não é por menos que temos um Brasil mais miserável, com
maior concentração de renda, que vive o amargo gosto do retorno das endemias e epidemias. O
empobrecimento, a proletarização, a lupem-proletarização, o sub-emprego (com a ampliação do
fenômeno das terceirizações) são características que se acentuam nessa fase do Estado (no Brasil) e
atinge todos os trabalhadores.
As saídas buscadas pelos Estados Nacionais, através de suas classes dominantes, para encontrar um
remédio que dê sobrevida ao capital, exigiram adequações que respondessem às exigências dos
capitalistas, principalmente do setor imperialista, monopolista e financeiro. Essa crise ficou conhecida,
popularmente, como “crise fiscal”, mas na verdade constitui-se como uma crise por conta do avanço
das forças produtivas, da ampliação das contradições entre capital e trabalho e impôs rebaixamento
nas margens de lucro da burguesia. Para ampliar o espaço da margem de lucro foi necessário operar
mudanças nos orçamentos nacionais e no papel que os Estados Nacionais vinham assumindo na prestação
de serviços e na participação direta em alguns campos da produção – com maior ou menor potência de
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acordo com o grau de desenvolvimento nacional e com peso na economia internacional. Por sua vez,
tais remédios, que em geral (com menor ou maior grau): viraram os investimentos sociais para a
propriedade privada, inclusive alterando a forma de propriedade e fazendo avançar empresas capitalistas
no lugar de empresas estatais; ampliaram a dependência; retiraram a ação de executor de políticas
sociais do Estado, transformando-o em regulador e rebaixaram direitos sociais; e modificaram as
relações trabalhistas desregulamentando direitos, marcaram a caracterização do neoliberalismo e
são responsáveis por crises que já vieram ou estão chegando.
Essa realidade, não caracteriza, no entanto, que o Brasil passe por uma crise de Estado. Uma verdadeira
crise de Estado coloca em xeque o poder político, seguido da possibilidade real da tomada e construção
de um novo poder. Para isso, no entanto, fazem-se necessárias condições objetivas e subjetivas5 .
Vivemos um momento em que afloram ricas condições objetivas a partir das quais é possível construir
situações de superação da ordem burguesa: o capitalismo, em nível mundial, já desenvolveu
satisfatoriamente as relações sociais de produção; temos um planeta, predominantemente, regido
pela ordem do capital; há sinais de apodrecimento das forças produtivas; o neoliberalismo desde a
crise do Sul Asiático e do México, para não citar as crises do Brasil e da Argentina, demonstra claros
sinais de instabilidade e fragilidade econômica. Certamente que não é dessa crise que fala FHC, mas
sim de uma “crise” administrativa, a qual exige alterações superficiais nos aparelhos do Estado para
prolongar a dominação burguesa e adequar o Brasil à nova (velha) ordem. Um Estado que se torna
empecilho para a maximização do lucro é um obstáculo para os capitalistas. Cabe ao Estado, apenas,
cumprir seu rumo fundamental em uma sociedade de classes: garantir a reprodução e manutenção da
exploração e o poder político da burguesia, mantendo-a como classe dominante.
É claro que a desconstituição dos aparelhos de propriedade estatal e a ampliação dos Aparelhos
Privados de Hegemonia6 das classes dominantes passam, necessariamente, pelo redimensionamento
de todas as áreas que exigem um papel de intervenção direta nos problemas sociais assim como no
setor econômico. Os dois casos, apesar de representarem gastos e investimentos necessários, são
obstáculos para a ampliação do lucro dos capitalistas – e essa questão está no centro de todas as
mudanças. No entanto, a ampliação desse lucro, por conta de um modelo de Estado (amplo e
conservador – nos países em desenvolvimento – ou amplo com forte investimento social – nos países
desenvolvidos), encontra-se parcialmente limitada. A crise do capital, acentuada pelo fim da guerra
fria, impõe novos modelos de dominação imperialista. O caminho das privatizações e das terceirizações
é um caminho evidente, frente tal realidade, para a burguesia buscar fôlego em sua crise.
O Estado e a Sociedade no Brasil
No Brasil, particularmente, o processo de estatização dos setores produtivos, envolvendo a
transformação de matéria bruta, a prestação de serviços em energia, água, produção siderúrgica e
outras, foi o próprio caminho de desenvolvimento e formação de uma sociedade capitalista. Ou seja,
isso foi um investimento dos setores dominantes e era necessário criar um Estado com capacidade de
dirigir o processo de formação capitalista da sociedade brasileira. Nesse sentido é inverossímil que os
próprios capitalistas hoje façam críticas sobre esse processo, como se não tivessem responsabilidade
nenhuma sobre ele. Assim parece que as coisas ocorreram por escolha, por uma simples vontade
humana de alguns dirigentes, ou mesmo por dádiva sobrenatural. Mas sabemos que não foi assim que
ocorreu o movimento de construção do Estado e da Sociedade brasileira. Foi feita a política necessária,
sob a lógica burguesa, para o desenvolvimento. Esse era o caminho possível frente às condições reais
do Brasil. Os Governos de Getúlio, Dutra, (de novo) o de Getúlio e depois de JK, apostaram, com todas
as diferenças constitucionais, políticas e sociais, no mesmo caminho de desenvolvimento econômico,
encontrando maior ou menor êxito em suas táticas por conta do acúmulo de forças existente na
sociedade. Assim podemos afirmar que a reforma que está sendo feita não é ponto indispensável para
o desenvolvimento, mas sim para o aprofundamento do subdesenvolvimento, da dependência e da
inserção do Brasil na ordem mundial hegemônica.
Novamente insistem no absurdo. Esse não é um movimento entre sociedade e governo, pois, colocados
dessa forma, não são nada, são caóticos, não explicam as condições reais e as contradições existentes.
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A sociedade é uma abstração, “se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem”7 . Uma
sociedade divida em classes possui idéias distintas, representações distintas e governos de diferentes
posições políticas. Cada governo tem uma ligação orgânica a uma ou outra classe, ou mesmo a outras
que não são fundamentais, como é o caso em uma situação bonapartista8 . Não existe, portanto, tal
movimento que cita FHC. O que ocorre é que o Estado, através dos aparelhos repressivos e ideológicos,
busca transformar em universal aquilo que é particular, fazendo parecer que as idéias da burguesia
são idéias de toda a sociedade. Os trabalhadores organizados, representados por entidades classistas,
já deixaram claro que não concordam com as mudanças do Governo. Setores importantes de várias
organizações como OAB, ABI, CNBB e outras já mostraram que não concordam com as alterações
governamentais. Movimentos de massas como o MST, UNE, UBES, já declararam suas diferenças. Os
partidos de esquerda fazem uma oposição cotidiana ao modelo imposto ao Brasil. Logo, cabe perguntar:
de que sociedade fala FHC? Com certeza não é a sociedade real, diversas em determinações, em
idéias e representações, mas a sociedade que os capitalistas querem que exista, mesmo que não seja
a sociedade existente.
Todo esse discurso, entretanto, é para justificar a importância da economia de mercado e de marcála como a forma mais desenvolvida para fazer avançar o país. “O grande desafio histórico.é o de
articular um novo modelo de desenvolvimento que possa trazer para o conjunto da sociedade brasileira
a perspectiva de um futuro melhor” ou seja, “o fortalecimento do Estado para que sejam eficazes
sua ação reguladora, no quadro de uma economia de mercado”. Com essa afirmação presente no
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, demonstra-se claramente a superação de um modelo
desenvolvimentista implementado no Brasil e a adoção do projeto de ampliação da margem de lucro
e diminuição da capacidade de ação social do Estado. A ação reguladora é a marca da desconstrução
progressiva dos serviços públicos e é parte integrante do processo de privatização, contratualização e
terceirização. Tais marcas são determinantes na Reforma Administrativa fundamentada através do
PDRAE (Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado) e implementada pelo Governo. Mesmo
identificando que a implementação do modelo, muitas vezes, foge de sua arquitetura inicial, esse
desvio não é no mérito, continua com todo o conteúdo fundamental apresentado desde 1995.
É por isso que nossa análise deve se deter na pedra angular do sistema e mesmo das mudanças: a
alteração das formas de propriedade. A mudança para um modelo gerencial de funcionamento do
Estado não é uma mudança apenas de cunho administrativo. Essa é a superficialidade da mudança e
não seu conteúdo fundamental. O elemento central encontra-se na alteração da propriedade e na
relação entre propriedade privada e propriedade estatal. No prefácio de FHC o discurso que justifica
a alteração da administração baseia-se no atendimento ao “cliente” ou “cidadão cliente”. Mas isso
não passa de um discurso ideológico para falsear as alterações reais e manter o processo hegemônico
no subconsciente dos explorados. Por isso era necessário pautar o serviço público como debate central
em 1995 e tirá-lo do centro em 1999, quando os efeitos das mudanças começavam a aparecer. Essa é
uma das razões pelas quais insistimos em que devemos situar novamente o serviço público como tema
central de debate na sociedade.
Do ponto de vista da propriedade, que é o centro de todo o nosso debate, o que está em jogo é
repassar o patrimônio público acumulado para os setores privados, aumentando assim a concentração
do lucro, ao mesmo tempo em que se desobstruem as barreiras que impossibilitam o aumento da
margem do lucro. Do nosso lado isso também é um grande desafio. Temos pela frente a grandiosa
tarefa de promover mudanças radicais que alterem a forma de propriedade, mas o caminho é totalmente
inverso do que vem fazendo o Governo. É nessa esfera de entendimento que aparece um equívoco
muitas vezes repetido por setores de esquerda (socialistas, populares ou democráticos). Há uma
idéia, aparentemente predominante, de que o processo imposto diminui o Estado e, portanto, como
esse setor defende o fim do Estado, ou de seu cunho autoritário, ou mesmo de seu poder determinante
(quase absoluto) sobre a individualidade, tal movimento não é “tão ruim” para a política que
defendemos. Ledo engano, pois isso nos levaria a um processo de ampliação desordenada da
concentração do poder e do lucro, repassando para os aparelhos privados (ou seja, para a propriedade
privada do capital) uma arena central de disputa política. Por exemplo: não é possível disputar política
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de comunicação, de grande vulto, hoje, com possibilidade de uma disputa hegemônica real em nível
nacional, que possa alterar a correlação de forças, sem quebrar o monopólio privado dos meios de
comunicação. Na esfera do Estado, entretanto, temos maiores condições, pela própria característica
do Estado de Direito, criado pela burguesia, de operar a disputa hegemônica. Certamente que para a
classe trabalhadora isso só pode ter conseqüência se tiver calcado em uma organização classista, com
capacidade de mobilização e organização, que trave na sociedade a disputa ideológica e sirva como
base real para a construção de mudanças. Sem isso, ficamos no administrativismo e não conseguimos
alterar as condições reais que exigem mudança na forma de propriedade.
Sem dúvida, analisar o prefácio escrito pelo presidente tem uma importância central: saber qual a
orientação que se mantém, independente de ministérios e ministros, e qual o discurso central que a
justifica. Por isso não nos cansaremos de afirmar que as bases do PDRAE continuam presentes na
implementação das mudanças. O que houve foi um desvio tático para implementar o núcleo central
das adaptações neoliberais, nada mais que isso. Para tanto vamos analisar três pontos centrais do
Plano Diretor da Reforma do Estado: 1. As bases teóricas; 2. O objetivo da Reforma Administrativa; 3.
O Aparelho de Estado e as Formas de Propriedade. É na análise desses três elementos que encontraremos
indicativos9 para nossa ação contra a reforma, no momento político em que vivemos.
A concepção de Estado e a relação com a propriedade
A diferença que guarda nossa análise sobre o Estado em relação àquela que consta no Plano Diretor da
Reforma do Aparelho de Estado, editado pelo MARE em 1995, é de cunho epistemológico e conceitual.
Epistemológico porque o trabalho do antigo Ministério da Administração e Reforma do Estado utiliza
conteúdos fundamentais do positivismo: a neutralidade, a desistorização, a ilusão de partir do dado
imediato. Conceitual porque apresentam conceitos que são verdadeiras totalidades caóticas, que não
explicam e não podem dar conta do movimento histórico que engendrou o capitalismo brasileiro no
final do século passado, além de apresentarem bases conceituais “jus naturalistas” ou “liberais” de
política (por mais que neguem tal vínculo). Certamente que tal diferença é determinada, em última
instância, pelo caráter de classe que tem cada uma das concepções (a do Governo e a nossa). Tal
diferenciação cria uma barreira intransponível que só pode ser superada através da própria luta de
classes. Vamos procurar identificar tais diferenças lançando mão da “arma da crítica” e buscar contribuir,
dessa forma, para reforçar a ação dos trabalhadores.
Se começarmos pela caracterização do Estado, um dos conceitos centrais tratados nessa contribuição,
identificaremos diferenças intransponíveis e insuperáveis. Segundo o Governo “o Estado é a organização
burocrática que tem o monopólio da violência legal, é o aparelho que tem o poder de legislar e
tributar a população de um determinado território”10 . Esse conceito é vazio, não explica nem situa
o papel que cumpre o Estado. Certamente não passa de uma constatação e se apropria apenas da
aparência e do funcionamento deixando de lado sua caracterização fundamental. O Estado é um
instrumento de dominação de uma classe sobre a outra. Isso serve tanto para o modelo restrito
analisado por Marx, quanto pelo modelo amplo analisado por Gramsci. Em nenhum dos casos, fruto de
momentos históricos e formações sociais distintas, o Estado perde sua principal característica que,
por sua vez, não é determinada por ele mesmo, mas pelas relações sociais de produção, ou seja, pelos
diferentes papéis desempenhados pelas classes fundamentais do capitalismo. Mas o Governo não
pode admitir isso, pois tal posição o levaria a dar organicidade ao seu propósito, ligando-o à uma das
classes fundamentais, coisa que o discurso em defesa da neutralidade não permite.
A totalidade das relações de produção forma “a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre
a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral
da vida social, político e espiritual” 11 . Tal compreensão é fundamental para o debate, já que parte
de determinações diferenciadas das que são propostas pelo Plano Diretor. Mesmo que as mudanças
sejam, no Estado (na superestrutura), apresentadas como elementos fundamentais, elas não são,
diferentes do que afirmam, a saída para a superação da crise atual. Isto porque tais mudanças decorrem,
necessariamente, de uma alteração nas formas de propriedade. Na verdade, as alterações que são
propostas no PDRAE se justificam porque, para as classes dominantes, é necessário aumentar o arco
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de poder econômico da burguesia, ampliar a margem de lucro, incrementar a ocupação de espaço na
propriedade privada do capital, de forma a expandir a participação dos capitalistas nos setores de
serviços ou mesmo de produção de matéria-prima. Isso é o que está por trás das privatizações, coisa
que o conceito colocado pelos “intelectuais” do antigo MARE não permite identificar. No entanto,
identificar o movimento real operado pelo neoliberalismo é, necessariamente, superar
epistemologicamente o conceito de Estado apresentado e assumir um conceito histórico e materialista,
que dê conta da análise das condições atuais.
Se essa é uma das mais importantes rupturas teóricas que devemos fazer, há outras que são decorrentes
de tal pensamento. Então vejamos, a conseqüência da atitude dos governistas é propor uma reforma
administrativa e não poderia ser diferente, pelo menos no discurso. O problema é que o grau de
ideologização e politização que tem uma reforma administrativa, mesmo que escondido pela retórica
escrita, torna inverossímil tal proposição. O Estado nunca está acima da sociedade, mesmo quando
bonapartista, pois é sempre fruto da luta de classes, da correlação real entre as duas classes
fundamentais (trabalhadores e burgueses), das disputas entre agentes e representações fundamentais
das classes sociais fundamentais. A afirmação acima (bem trabalhada por Marx no 18 Brumário) cria
uma aparência maior de autonomia estatal, porque há uma condição na luta de classes, entre os
setores fundamentais, que permite a elevação de uma classe intermediária ao Governo ou à parte do
poder político. Abstraem dessa forma o papel do Governo, do Imperialismo, dos proprietários da
propriedade privada do capital, dos trabalhadores, dos partidos, dos movimentos, e apresentam uma
visão típica do “contrato social’, que facilmente pode oscilar entre fascista e liberal. É claro que o
centro do contrato, aquilo que o representa, principalmente na sociedade moderna, é a Constituição.
E o é também para os governistas, ou seja, uma Constituição que - querem nos fazer acreditar - está
acima do bem e do mal e não impregnada de conflitos, ideologias, visões de classes distintas (e
antagônicas). Parece que esquecem que cada Carta Magna é determinada de acordo com a correlação
de forças em que é produzida socialmente. Ou seja, antes de um instrumento legal ou jurídico, a
Constituição é, fundamentalmente, um instrumento político que dá o corpus legal, necessário para
um processo de dominação.
É claro que tal inspiração teórica dos palacianos os levará a afirmações históricas, no mínimo
questionáveis, para não dizer comprometidas com o processo de dominação que defendem. Por
exemplo, o texto afirma que “a desordem econômica expressava agora a dificuldade do Estado em
continuar a administrar as crescentes expectativas em relação à política de bem-estar aplicada com
relativo sucesso no pós-guerra”. Como se a ordem ou a desordem econômica, existente nas várias
flutuações ou momentos históricos do capitalismo, fosse decorrente de ações naturais (ou quem sabe
sobrenaturais). Além do mais, ao afirmarem isso, incorporam outro problema que é o de dizer que
nesse momento devem-se destituir as políticas de bem-estar, e junto com elas destruir os direitos
conquistados. É certo que isso não é dito, mas fica bem entendido na afirmação colocada, pois o
momento do pós-guerra, foi, sem sombra de dúvidas, um período de conquistas de direitos sociais,
tanto para os países desenvolvidos, como para os não desenvolvidos. A margem desses direitos foi
determinada pela formação social de cada um deles, com elevações maiores ou menores. É certo que
nem todos os países viveram o modelo de bem-estar, como é o caso do Brasil, em que o modelo
desenvolvimentista não poderia dar essa qualidade nas políticas executadas. Porém, o mundo não se
dividia entre desenvolvidos e não desenvolvidos, mas entre socialistas12 e capitalistas, o que foi marcante
após a segunda guerra mundial – em 1945 – com o início de uma guerra fria, que só acaba com a
derrota final do socialismo nos países do leste e na União Soviética.
Contudo, se isso não bastasse, continuam os palacianos em sua viagem, ora racionalista, ora positivista.
“Não obstante, nos últimos 20 anos esse modelo” - de bem-estar social – “mostrou-se superado,
vítima de distorções decorrentes...de empresários e de funcionários que buscaram utilizar o Estado
em seu próprio benefício...também do desenvolvimento tecnológico e da globalização, que tornaram
a competição entre as nações muito mais aguçada”. Sobre os argumentos baseados no desenvolvimento
tecnológico e na globalização, Petras nos mostra os seus pés de barro, ao afirmar que nada tem a ver
desenvolvimento tecnológico e globalização, pois a política de “globalização vem ocorrendo há vários
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séculos”13 . Além disso, corrobora a visão aqui expressa, pois afirma que “a política estatal é uma
função da correlação de forças sociais: a capacidade de diferentes classes mobilizarem recursos para
influenciar a política econômica do Estado”14 . Ou seja, “não são forças econômicas globais impessoais
que estão operando aqui, mas uma estratégia econômica enraizada nos interesses da classe alta e
das corporações”15 . Portanto, não são ajustes necessários a um desequilíbrio casual que força a
superação da política promovida pelo capital, mas sim a necessidade de responder às exigências da
burguesia e das grandes corporações monopolistas e oligopolistas em nível internacional e não apenas
de problemas localizados nacionalmente. Por conseguinte, podemos afirmar que movimentar uma
oposição coerente e que tenha conseqüências favoráveis contra a aplicação do neoliberalismo exige,
além de outras coisas, uma ruptura conceitual ao modelo expresso pelo Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado. Não se pode ficar apenas nas críticas às implementações, por mais que sejam
importantes e necessárias. É imprescindível uma crítica global ao conjunto teórico que as inspira, por
mais que seja progressivamente invisível. Assim, se o fizermos, daremos um salto de qualidade
substantivo para o processo de disputa hegemônica que demanda essa luta.
As Reformas Ampliaram as Mazelas Sociais
Há vários indicadores do avanço do neoliberalismo e do estrago que a chamada reforma do Estado
vem impondo no Brasil. Vamos tratar de dois desses indicadores que, no nosso ponto de vista, são
exemplos centrais para identificar a ampliação das mazelas sociais. O primeiro Indicador é o
rebaixamento violento das condições de vida; o segundo é o aprofundamento da ideologia conservadora,
autoritária, tardia e dependente que impregnou a formação social brasileira em toda sua história.
Nosso objetivo é demonstrar que o neoliberalismo não criou idéias novas e muito menos inovou frente
a formação social. Pelo contrário, foi peça fundamental para haver um retrocesso, tanto no campo
ideológico, quanto no campo econômico/estrutural. A novidade fica por conta desse retrocesso,
chegando ao ponto, inclusive, de permitir o retorno de epidemias e endemias já eliminadas.
O IPEA, por exemplo, órgão do próprio Governo, nos apresenta números assustadores: a quantidade
de brasileiros abaixo da linha de pobreza passou de 33,91% em 1995 para 34,09% em 2000 (cerca de 57
milhões). Outro indicador importante é a vultuosa e progressiva concentração de renda que existe no
país. A pesquisa de professores da UNICAMP, divulgada pela Folha de São Paulo (07/10/2001) nos
mostra que a base da pirâmide, os setores mais pobres, que representava 25,7% da população e 8,4%
da renda em 1992, em 1998 passavam a representar, respectivamente, 24,3% e 6,9%. Do outro lado, no
pico da pirâmide, há os setores mais ricos passaram a representar 15,3 da população e 45,1% da renda
em 1998 (representavam em 1992 15,2% e 41,1% respectivamente). De um modo geral, se juntarmos
as duas camadas mais ricas e as duas mais pobres veremos que: 69,1% da população concentram 36,9%
da renda, enquanto 30,9% concentram 63,1%.
Se isso não bastasse, ainda temos que conviver com as cifras exasperadoras do Orçamento da União,
que representa um problema crônico para a sociedade brasileira. Uma breve passagem pelo orçamento
já demonstra várias de suas influências no aprofundamento das mazelas sociais e na destruição dos
serviços públicos. Numa comparação dos 5 últimos orçamentos (contando com o ainda provisório de
2002) podemos constatar o seguinte:
1. Cresce a dependência frente ao Imperialismo, principalmente, Norte Americano. O percentual
destinado para a dívida ultrapassou, entre 1998 e 2002, a casa dos 50%16 .
2. Também em relação ao impacto no orçamento com os gastos de pessoal e encargos sociais, se
levado em consideração o valor total, notaremos uma representação insignificante, que nem consegue
alcançar o índice de 11%. O orçamento de 2002 que apresenta, aparentemente, o maior percentual –
10,83% - não foge da regra. Se notarmos o impacto com a folha de pessoal, em relação às despesas
correntes, teremos a seguinte surpresa: 98 – 24,47%, 99 – 22,59%, 00 – 23,31%, 01 – 20,90% e 02 –
21,33%. Constata-se assim que é um dos menores percentuais. Essa distorção ocorre porque o orçamento
de 2002 é 319 bilhões menor que o de 2001, no entanto toda subtração concentra-se nas despesas de
capital, pois nas despesas correntes ele soma 11 bilhões a mais que o anterior.
3. Torna-se óbvio que não seria necessário aprovar em 2000 a Lei de Responsabilidade Fiscal sob o
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argumento de sanear as despesas com pessoal (argumento absurdo e ainda mentiroso); reafirma-se
assim que a principal tarefa da LRF é impor os ajustes neoliberais17 aos governos estaduais e municipais.
4. O baixo investimento nos serviços públicos é facilmente constatado em todos os orçamentos (9802). O percentual do item “outras despesas correntes”, no qual está agrupado, entre outras coisas, o
investimento em políticas sociais, em nenhum dos anos, alcançou o percentual de 31%, ou seja, foi
sempre inferior a 1/3 do orçamento18 . Isso nos leva a concluir que, no lugar de haver uma Lei de
Responsabilidade Fiscal deveria haver uma Lei de Responsabilidade Social, forçando a aplicação
prioritária, não nas dívidas, mas sim nos serviços sociais do Estado e nos salários dos profissionais que
os executam.
Esse quadro de horror que marca a situação estrutural do país é proporcionalmente acompanhado
pelo quadro ideológico e cultural. Há, impulsionado pela alteração da forma de propriedade e pela
ampliação da miséria, um processo de enrijecimento da ideologia dominante, acompanhado de um
retrocesso do processo de democratização. Na verdade, arriscamos dizer que a combinação entre as
privatizações, a desregulamentação dos direitos trabalhistas, a ampliação da dependência e a destruição
dos serviços públicos, acaba forçando uma interrupção do processo de democratização aberto da
década de 80. Não vivemos e não vivíamos em uma democracia, no entanto, o processo pelo qual
transitávamos na penúltima década do século passado foi brutalmente interrompido; no seu lugar
iniciou um processo de desconstituição da formação social brasileira que acaba resgatando fortalecendo
as chagas do capitalismo.
O peso dos serviços públicos, nesse retrocesso, é algo determinante. Acontece, nesse aspecto da
sociedade e do Estado, um movimento de variadas facetas. Podemos sistematizar esse movimento da
seguinte forma: a) as privatizações, além de responderem a exigência da ampliação do lucro dos
capitalistas, impedem a possibilidade de disputa hegemônica; b) também motivada pelas privatizações,
a mercadoria “serviço público” acaba encarnando valor de troca, sendo assim quantificada, em um
processo que se exige produtivo, incorporando valor de troca19 ; c) ainda motivado pelas privatizações,
há um processo rápido e profundo de retirada e substituição de direitos, através do qual, por exemplo,
o reajuste salarial dá lugar às gratificações e, também por isso, os profissionais começam a perder o
lugar para os voluntários. Certamente que as privatizações ocupam o centro de todo esse processo,
veloz, dilacerante, desestruturadora, que reforça o Estado coercitivo e desaparece com o elemento
da hegemonia no seu interior. Infelizmente, as ONG cumpriram papel estratégico para o Governo e
favoreceram esse movimento. Encapadas de modernas e democráticas acabaram se tornado um dos
pontos de apoio centrais para que o neoliberalismo pudesse operar tais mudanças sem perder o
controle mínimo das condições sociais. Isso causou uma simbiose entre o modelo predominante de
Estado e Sociedade e as ONG, fazendo com que essas se tornassem - pelo menos por enquanto imprescindíveis para continuar o caminho da destruição social e da desregulamentação trabalhista.
Esse movimento, ainda em curso no Brasil, uma espécie de quarta fase da formação social, amplia o
Estado do ponto de vista do seu papel central20 e o reduz do ponto de vista do seu papel burocrático,
administrativo e organizativo. Isso porque as mudanças tocam na pedra angular do sistema. Como
conseqüência, temos o aprofundamento da violência, da repressão, do controle ideológico, da industria
cultural, do pensamento único, de culto fanático ao individualismo e ao lucro. As idéias presentes na
antiga “Maria Candelária” reaparecem agressivamente nos “roxos sacos” do caçador de “marajás”,
com uma nova reedição nos “vagabundos” de FHC. Assim como as enormes filas da saúde desaparecem
nos cartões dos planos privados e no aumento desregulado de doenças sociais profundas que os remédios
dos juros altos, dos impostos contínuos e da guerra não poderão curar.
Surge então uma equação milagrosa: combinar voluntariado com políticas compensatórias. Essa tem
sido a adoção para a administração do caos. Ordenam, com isso, a estrada que segue no caminho da
barbárie. O rebaixamento da consciência atinge todos os flancos sociais e tem vários símbolos
representativos, como por exemplo, a substituição de uma política de cultura por uma industria
cultura apelativa voltada para produção de mercadorias lucrativas: pagodes, axés, apelo do corpo,
prostituição, etc. Não poderia ser diferente, com muito esforço para enxergar, através de um
“microscópio social”, notaremos que a soma dos gastos com educação, ciência e tecnologia e cultura,
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no total de R$ 16.619.411.093,00, representam apenas 1/20 do montante investido na dívida; ou seja,
um valor que é gasto, com a dívida, em apenas 17 dias (com base no orçamento de 2002).
Para os servidores esse processo foi ainda mais destruidor, desconfortante e desagregador. Ao mesmo
tempo que reduziu postos de trabalho, número de funcionários, mais de 50 direitos, ainda os colocou
em confronto com os trabalhadores da iniciativa privada. Houve um apelo, tanto em Collor, quanto
em FHC, que foi atendido pelos trabalhadores da CLT, que estão sujeitos ao chicote do capital e esses,
durante um bom tempo, serviram de base de sustentação. Isso foi possível porque o modelo
patrimonialista anterior criou, de um lado, servidores que não se consideram trabalhadores (a grande
maioria não se considera até hoje21 ) e de outro, trabalhadores que não consideram os servidores
iguais, mas sim, privilegiados. O discurso da exclusão social, da abertura do mercado de massas, da
globalização sem exclusão, colocando trabalhador contra trabalhador, só fez aumentar essa ferida.
No lugar de uma unidade em busca de conquistas houve, na verdade, um fracionamento pela
sobrevivência desesperada.
A educação, a ecologia, a saúde, a cultura, a produção científica, são todos exemplos de serviços que,
se não feitos pelo Estado, perdem a vitalidade de ações voltadas para resolver os problemas sociais.
Por outro lado, repassa-las para a propriedade privada será enterra-las, pois se voltarão para o restrito
objetivo do lucro e do resultado. É quando o processo sede lugar a produtividade e o modelo gerencial
ganha cara de modernidade. Nada mais atrasado e truculento. Estamos regredindo e a revitalização e
universalização dos serviços públicos é uma das medidas centrais para barrar essa regressão. Sempre
que se bulir ou se alterar a propriedade, tudo que está “acima dos céus ou abaixo do mar” tremerá.
Com certeza já está tremendo e as mazelas sociais se ampliando progressivamente. Só deixarão de se
ampliar se o processo neoliberal em curso for rompido, ferido de morte; e a recuperação das empresas
e dos serviços privatizados, assim como o impedimento de novas privatizações, são ações estratégicas
nesse período e deve ser cobrado de qualquer governo que se diz de esquerda.
Mas, talvez, o maior dos absurdos é a idéia de que, através de um tal modelo gerencial de administração
pública, o Brasil sofrerá qualquer grau de desenvolvimento. Para haver desenvolvimento, deve haver
rupturas, saltos e superações. Não é possível um desenvolvimento, no Brasil, apenas continuando ou
intensificando o que já existia. Mesmo que o modelo posterior tenha elementos do modelo ulterior,
isso não significa que a necessidade de ruptura seja desconsiderada. Contudo, o Governo não apresentar
esse elemento, não deixar cair a máscara, o que é de se esperar tendo em vista o seu compromisso
com o FMI. O que nos causa estranheza é ver setores da esquerda insistirem na defesa de teses que
acabam não se diferenciando qualitativamente do modelo apresentado por FHC. Isto ocasiona, como
estamos presenciando: uma onda de cooptação, aberta ou velada, resultante dessa proximidade de
visões.
Gostaríamos ainda de registrar um comentário de ordem político/ideológico. Infelizmente, a maior
parte da esquerda encontra-se na defensiva ideológica, reduzindo seu programa ao combate ao
neoliberalismo e/ou à defesa de um “desenvolvimento com soberania nacional”. A base teórica do
desvio nacionalista está em não perceber que a “questão nacional” é uma questão “burguesa” de per
si. A defesa da Nação contra o imperialismo pode ser algo extremamente progressista e revolucionário.
Mas o mundo pelo qual os socialistas lutam não é o de “nações-Estado”. Nesse sentido, a “defesa da
Nação” por parte dos socialistas sempre será uma missão espinhosa e cheia de contradições. Além
disso, há sempre o risco da própria burguesia —mesmo essa burguesia entreguista e integrada que
temos no Brasil— assumir arroubos nacionalistas e neutralizar a esquerda. Isso aconteceu diversas
vezes na história do país e pode voltar a acontecer. Para que isto não ocorra e para que possamos dar
um salto de qualidade, a esquerda brasileira deve romper com sua tradição programática nacionaldesenvolvimentista e adotar, no programa, na prática e na ideologia, o socialismo.
O Aparelho de Estado e as Formas de Propriedade
É nesse ponto que a máscara do Governo cai. Ou seja, quando se reforça a argumentação que fizemos
no sentido de afirmar que o objetivo central está no aumento da taxa de lucro e na alteração na forma
de propriedade, que gerará uma maior concentração da propriedade privada do capital. Ao afirmar
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que o “Estado é, portanto,.o poder de constituir unilateralmente obrigações para terceiros, com
extravasamento dos seus próprios limites”, fica claro que o objetivo, na busca pela eficiência, eficácia
e modernidade, de que tanto falam, é o repasse das ações, serviços, responsabilidades e, junto com
tudo isso, do patrimônio e do pessoal originalmente estatal. Não há outro nome para isso a não ser
privatização. As diversas nomenclaturas que vão surgindo no processo – publicização, contratualização,
etc – na verdade dizem respeito a tramites distintos para privatizar aquilo que é público.
No debate conceitual, as coisas são mais difíceis de serem enxergadas, mas quando chegamos à
proposta concreta, que envolve a relação entre administração, ação do Estado, prestação de serviços
e formas de propriedades, fica mais fácil de constatar o conjunto de argumentações colocadas aqui
nessa contribuição. Segundo o Governo há três formas de propriedades: a estatal, a pública e a
privada. As empresas estatais, todas, sem exceção, devem ser privatizadas como no novo modelo. Já
instituições como Universidades, Hospitais, Museus, Centros de Pesquisa, devem ser movimentadas
para o setor público não estatal. Caberia à propriedade estatal, portanto, apenas o núcleo burocrático
(Legislativo, Judiciário, Presidência, Cúpula dos Ministérios e Ministério Público) e as atividades
exclusivas (Regulamentação, Fiscalização, Fomento, Segurança Pública, Seguridade Social Básica). A
ressalva é que as atividades exclusivas terão o modelo administrativo gerencial e por isso transferirão
as modificações para Agências Executivas, mesmo sendo de propriedade estatal, pois todo serviço
auxiliar, em qualquer esfera, será terceirizado e, em alguns casos, repassado através do contrato de
gestão. O contrato de gestão assume então uma forma estratégica de repasse do patrimônio e de
pessoal para um setor paralelo chamado, no Plano Diretor, ou de Agência Executiva (no que diz
respeita as atividades exclusivas) ou Organizações Sociais ( no que diz respeito aos serviços não
exclusivos), além de induzir à modificação é claro o contrato de trabalho.
Trata-se, decerto, de um processo de privatização. Aquilo que não é estatal, que é chamado de
público, que tem estatuto próprio de formato privado, mesmo “sem fins lucrativos”, faz parte do
setor privado. Vide os modelos de ONG’s. Esses modelos de Organização Não Governamentais não são
período.
De qualquer forma, o mais importante para nós era mostrar a argumentação teórica e política que
justifica um processo progressivo, velado ou não, de transferência da ação do Estado para o setor
privado. Tal movimentação é chamada de privatização, mas apenas no que diz respeito às estatais. No
campo dos serviços, o objetivo é esvaziar o estado, diminuir os investimentos sociais, repassar o que
interessa para iniciativas privadas e, em outros setores, trazer a iniciativa privada, na lógica ou na
pessoa física dos capitalistas que podem ser responsáveis pelo contrato de gestão, para dentro da
esfera estatal. Nesse sentido, afirmamos que o contrato de gestão assume papel-chave, fundamental,
principal, na destruição dos serviços públicos e na constituição de uma Administração Pública cada
vez mais patrimonialista, concentrada, e que esvazia, também pela lógica do orçamento, a ação do
Estado nas esferas sociais. Constatamos todas as mudanças e previsões de alterações, tanto da
propriedade, quanto da administração (organização de pessoal e modelo de administração) no quadro
1 apresentado no próprio Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.
Uma Sugestão de Alternativas para os Trabalhadores
É claro que: uma superestrutura recheada amplamente de aparelhos privados de hegemonia e
profundamente mínima em propriedades estatais; uma superestrutura com profissionais precarizados,
terceirizados, desqualificados (propositalmente) e sustentada na ideologia do voluntariado (portanto,
intensamente diminuída de profissionais qualificados); uma superestrutura voltada para circulação
dos valores de troca, que impõe uma burocracia estatal que se confunde com um “balcão de negócios”
e voltada para a ação dos aparelhos repressivos (voltada para a prática da vigilância, da regulamentação,
do controle, da intermediação e esvaziada em sua capacidade de ação); tem como conseqüências, ao
mesmo tempo, a profunda retirada de direitos sociais (rebaixamento da qualidade de vida) e o
enfraquecimento a capacidade de disputa de hegemonia da classe. A substituição da qualidade (uma
das caracterizações do valor de uso) pela quantidade (uma das caracterizações do valor de troca)
impõe a mercantilização e a supremacia máxima do lucro.
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QUADRO 1:
Forma de Propriedade
Estatal
Público não
Estatal
Privado
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Forma de Administração
Burocrático
Gerencial
Núcleo Estratégico
Legislativo, Judiciário,
Presidência, Cúpula dos
Ministérios, Ministério Público
Atividades Exclusivas
Regulamentação, Fiscalização, Fomento, Segurança
Pública, Seguridade Social
Básica
Serviços Não-Exclusivos
Universidades, Hospitais,
Centros de Pesquisas, Museus
Produção para o Mercado
Empresas Estatais
Publicização
Privatização
A compreensão do exposto acima, nos leva ao entendimento de que não é possível discutir as mudanças
no setor público, sem debater as marcas fundamentais do capital: a propriedade privada, o lucro, a
mercadoria, as relações sociais de produção e as forças produtivas. Apenas um debate administrativista,
burocrático, não é suficiente para cumprirmos dois desafios centrais: a) superar as bases teóricas da
literatura acumulada sobre o tema em questão, principalmente no que diz respeito ao serviço público
e a administração pública e b) oferecer bases de reflexão que sirvam como guia para as mudanças da
realidade social, sob a ótica dos trabalhadores. O diálogo sobre serviço público não pode acomodarse nas águas das teorias liberais, jus naturalistas, positivistas, que se respaldam nas idéias de
neutralidade estatal e sustentam-se no conceito de Estado de Direito. Seria profundamente equivocado,
tanto do ponto de vista da teoria, quando do ponto de vista da prática – que se pretende transformadora
– desenvolver a discussão da classe apoiada em formulações antagônicas. Por outro lado, não podemos
cair no equívoco, muitas vezes repetidos, das simplificações. A práxis simplificadora nos leva na
repetição de ações que se afastam da autocrítica, pois confortam-se em formulações principistas. Tal
equívoco nos leva a desprezar as diferenças, a correlação de forças, as especificidades, a tende fazernos reproduzir os mesmos equívocos positivistas.
Nesse sentido, sugerimos três elementos fundamentais para compor uma estratégia de luta:
a) Numa perspectiva mais geral, o estabelecimento de um arco de aliança com a esquerda brasileira
na resistência ao neoliberalismo. Os servidores precisam se firmar como um dos agentes fundamentais
de luta nesse período e participar ativamente das diversificadas ações da classe trabalhadora, resistindo
ao neoliberalismo, assumindo bandeiras gerais e de outros setores explorados e denunciando,
permanentemente, o que ocorre nos serviços públicos e na Administração Pública, apresentando
assim suas bandeiras específicas;
b) A disputa de hegemonia na sociedade. Principalmente se levamos em conta que o projeto apresentado
pelo Governo em 1995 e aqui discutido já cumpriu, duas das suas etapas estratégicas que diziam
respeito a preparação das bases para alterações legais e institucionais e as próprias Reformas
Constitucionais. Além disso, avançaram em muitas mudanças através de Medidas Provisórias, Decretos
Leis e Leis. Nesse momento, no entanto, havia uma razoável sustentação social para ocorrer as
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transformações. Entretanto, após as greves de 2000 e 2001 iniciou-se uma movimentação social, na
qual, foi fragilizado em muito o apoio ao Governo e fortalecido, razoavelmente, o apoio para os
servidores. Isso exige, dos servidores uma ação imediata que combine dois movimentos: de um lado,
a construção do projeto e, de outro, o convencimento da maioria da população. O projeto não pode
se resumir ao debate administrativista, deve, necessariamente, indicar mudanças na forma de
propriedade no Brasil, questão fundamental para alterar as condições e o papel do Estado a favor dos
setores explorados. Para isso, no entanto, é necessário pautar novamente, como prioridade, o debate
sobre o Estado e o Serviço Público em nível nacional. O primeiro passo seria a criação de um fórum
permanente sobre Serviço Público na Câmara Federal22 , atraindo os partidos de esquerda, organizações
de tradição democrática (OAB, CNBB, ABI, DIAP etc), entidades organizativas de luta (UNE, UBES, MST,
etc) e parlamentares que apóiem o debate. Para ter êxito, tal fórum deve ser convocado pela CUT e
CNESF além de assimilar, em sua organização e coordenação, os Partidos de esquerda e o Fórum de
Lutas.
c) Retomar a capacidade de mobilização e luta sindical, operando a organização por local de trabalho
de forma permanente e convocando uma grande greve do setor que possa ter conseqüência em uma
grande greve geral (ou no mínimo ser combinada com uma grande greve geral). O debate sobre
organização sindical deve ocorrer com capacidade de aprofundar as experiências no setor.
Aparentemente, há compreensões distintas sobre a caracterização dos servidores como um setor da
classe trabalhadora (tanto pelos que acham que os servidores compõem vários setores da classe
trabalhadora, quanto para os que acham que há vértices mais fortes de unidade não pelo vínculo de
trabalho, mas, mais precisamente, pela função que desempenham ou ocupam). Talvez os pontos
centrais no aspecto da mobilização sejam: a) não deixar completar as mudanças na CLT; b) barrar a
aprovação da Lei anti-greve; c) superar os limites em busca da aprovação das Diretrizes de Carreira;
d) engajar todas as entidades de servidores na luta contra a ALCA; e) estreitar o debate e as relações
com os estaduais e municipais, que tendem a ser os principais atingidos, pós eleição, o que
provavelmente virá com um impacto muito superior. Além desses elementos, faz-se necessário, discutir
com os candidatos do campo da esquerda e apontar o serviço público e a organização dos aparelhos
de Estado que o movimento defende.
Não são ações fáceis de serem executadas. No entanto são ações necessárias, urgentes e prementes
para ajudar a desviar o caminho que está deixando ainda mais senil nossa atrasada e conservadora
formação social.
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Notas
1
A ampliação das terceirizações, do mercado informal e do sub-emprego em geral, que ocorreu de forma
múltipla e abrangente, ampliou a classe trabalhadora. Esses setores não podem ser comparados ao clássico
setor chamado de Lumpem, mesmo que sofram processos de lumpemproletarização. Muitos “intelectuais”,
alguns inclusive com o carimbo de esquerda, resolveram classificar esse grupo como excluídos. Através disso
sustentaram uma tese opõem esse setor a classe trabalhadora. A cara mais perversa da tese se marca pela
idéia de que os trabalhadores devem esperar em suas reivindicações e aceitar perder alguns direitos em nome
de uma invisível “globalização sem exclusão”. Na verdade isso ajudou a sustentar a política neoliberal.
2
A propriedade privada do capital, que é a pedra angula do sistema capitalista e as relações sociais de
produção, sustentadas na exploração da mais valia e na garantia da margem de lucro para o burguês.
3
. Como é o caso de Cuba; de algumas relações não propriamente capitalistas na China (que não nos arriscamos
aqui aprofundar), de realidades de barbárie que, infelizmente, tomam parte da Ásia e África e algumas
relações de produção de modos pretéritos que subsistem na América Latina.
4
Não queremos dizer, com isso, que o Regime, Modelo, ou Transição neoliberal encontra-se numa crise
propriamente dita. Não há, até agora, sinais que possibilitem sua superação com alternativas de esquerda. De
outro lado, já se adaptou e cooptou setores da social-democracia e mesmo da esquerda para divulgar e, em
muitos lugares, continuar com sua política. Esperemos o futuro.
5
. Digamos que a questão da subjetividade é o tema central a ser tratado nesse período histórico da classe.
Não a desenvolveremos aqui porque não faz parte, stricto sensu, do presente trabalho. Vamos apenas explicála. As condições subjetivas são o somatório entre organização, formação, elevação de consciência, mobilização,
capacidade de ações de massas, radicalização do discurso e da prática, etc. Para melhor entender
apresentaremos a figura do foguete, se temos toda a plataforma, o foguete, a estrutura, energia e o botão
para enviá-lo, temos as condições objetivas. Faltarão apenas as condições subjetivas, ou seja, o dedo para
apertar o botão.
6
. Nos apropriamos do conceito de Gramsci, apresentado nos Cadernos do Cárcere, para melhor explicar a
extensão e amplitude do Estado. Com isso, pretendemos explicar melhor que a alteração da forma de
propriedade, promovida pelo Governo de FHC, não transforma o Estado em mínimo, ao contrário, amplia sua
capacidade de dominação e sua extensão de controle e ideologia, fortalecendo sua hegemonia (ou seja, seu
poder) através da ampliação dos aparelhos privados, que cumprem papel de reprodução na superestrutura.
7
. Marx, Karl. “O método da Economia Política”. Marx (coleção Os pensadores).
8
. Estado Bonapartista é um conceito marxista para explicar situações em que o Estado assume uma aparência
de estar acima das classes, muitas vezes motivado por um golpe ou mesmo por um governo que não representa
as classes fundamentais, que no capitalismo ainda são trabalhadores e burguesia.
9
. Aqui encontraremos alguns indicativos. Os outros estão fora desse arco de debate, encontram-se nas formas
de luta e na estratégica da classe trabalhadora e do movimento sindical. Para isso, demanda-se uma análise
sobre o sistema capitalista em sua totalidade, coisa que não faremos nesse texto, por não ser nosso objetivo.
10
. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.
11
. Marx, Karl. “Prefácio”.Para a Crítica da Economia Política – Os Pensadores.
12
. Não entraremos no mérito se os modelos existentes na ex União Soviética, ou nos países do Leste, eram ou
não socialistas. Isso não cabe nesse texto. Entretanto, a existência da bipolarização precisa, baseada em dois
modelos distintos, apresentava uma ordem econômica que não permitia o avanço do modelo neoliberal, que
se alastrou na década de 80, com o apodrecimento das nações tidas como socialistas e se consolidou, mesmo
já com as crises aparentes, no início da década de 90 com a definitiva queda “dos muros”.
13
. Petras, James. Armadilha Neoliberal e Alternativas para a América Latina. Editora Xamã.
14
. Idem.
15
Ibidem.
16
Em 1998 representou 51% do orçamento; em 1999: 58,56%; em 2000: 62,83%; em 2001 71,61% e agora em
2002 representa 53,29% do orçamento.
17
Entre os quais destaca-se: a obrigatoriedade de priorizar o pagamento da dívida; a imposição de reproduzir
a reforma administrativa (nos moldes do Governo Federal) e a indução da destruição dos serviços públicos,
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fazendo com que os mesmos rebaixem o investimento em políticas sociais, reproduzam políticas compensatórias
e invistam em privatizações. É claro que para isso acontecer deve haver, por outro lado, uma adaptação do
Governo local às políticas neoliberais; um governo de resistência não segue essa receita.
18
O percentual das outras despesas correntes: 1998 = 23,47%; 1999 = 22,10%; 2000 = 24,60%; 2001 = 18,20% e
2002 = 30,69%. É fácil identificar notar um super achatamento em 2001 e elementar constatar que o relativo
alargamento dos números em 2002, se dá por conta da redução das despesas de capital e, principalmente, por
conta do período eleitoral. Mesmo assim não são valores que façam diferença real ao combate da profunda
crise social ao qual estamos submersos.
19
. Esse, talvez, seja o elemento mais importante. Arriscamos dizer que o fenômeno que destrói com o valor
de uso dos serviços, retirando sua utilidade social e concentrando sua qualidade na quantidade, ou seja, no
seu valor de troca, destrói com o próprio serviço público. Esse movimento é privatista por si só, pois volta-se,
somente e fundamentalmente para o lucro.
20
A dominação, a coerção, a reprodução dos ideários do capital.
21
Um dos grandes desafios do movimento sindical dos servidores é aprofundar o debate sobre a formação da
consciência de classe e das suas organizações. As mudanças objetivas no setor e a contradição presente que
mistura radicalização com desorganização e dificuldade de mobilização, precisam ser vencidas com uma
alternativa dos trabalhadores. É fácil ouvir que: “greve, sindicato, mobilização, etc, não devem fazer parte
de um movimento onde não existem operários”. Certamente não concordamos com essa posição, mas é
necessário supera-la no debate profundo e esclarecedor. Por outro lado, a tradição e a história de organização,
ainda jovem do setor não proporcionou condições reais para um salto de qualidade no enfrentamento dos
“bombons envenenados” da ideologia dominante, como por exemplo, o corporativismo. Com certeza, esse
debate deve ser feito e aprofundado, pois sua ausência é hoje um dos obstáculos para a necessária e urgente
formulação de uma alternativa classista para os serviços públicos. Proposição essa que pode dar vitalidade na
disputa hegemônica com o governo; não por dentro do Estado, mas, fundamentalmente, entre os explorados.
22
. A proposição da Câmara de Deputados Federais como espaço para a organização do Fórum Permanente
sobre Serviços Públicos parte do principio de que é um espaço que tem ampla repercussão em várias esferas
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Página 16
Bibliografia Básica sobre o texto
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Oficina da CONDSEF no Fórum Social Mundial. Porto Alegre, 01/02/2002
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O Servidor Público sob a Onda Neoliberal:
O Papel, a organização do Serviço Público e as Perspectivas
para sua Universalização
Luiz Alberto dos Santos
Advogado, Mestre em Administração, Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental. Assessor Técnico da Liderança do PT na Câmara dos Deputados.
O processo de implementação do neoliberalismo e de suas concepções no campo das relações de
trabalho tem atingido de maneira contundente a organização do serviço público e os direitos dos
servidores, nesses últimos dezesseis anos.
Se, ao longo do século XX, em países como o Brasil, a tentativa de construção de uma burocracia
pública se deu sob a lógica do autoritarismo, ao mesmo tempo em que o aparelho do Estado que se
estruturava observava mais a perspectiva de acomodação dos interesses das classes dominantes do
que um projeto de desenvolvimento, de institucionalização da democracia ou da promoção da cidadania,
tendo com o resultante uma burocratização incompleta do aparelho do Estado, associado ao elevado
grau de patrimonialismo e clientelização dos espaços públicos, o processo que emerge da segunda
metade da década de 1980 em diante é ainda mais problemático, posto que oculta suas verdadeiras
intenções sob um “cone de sombra” onde a retórica e o discurso oficial valorizam palavras de ordem
como “controle social”, “cidadão-usuário”, “desempenho”, “eficiência” e quetais. Como resultado,
tem-se um neopatrimonialismo, em que questões como privatização, contrato de gestão, compras e
contratações no âmbito da Administração Pública, ocupação de cargos em comissão e a política
remuneratória são ditadas sob a égide da discricionariedade quase absoluta, aprofundando as distorções
geradas no ciclo anterior sem que se avance no rumo das verdadeiras reformas de cunho institucional
demandadas pela necessidade de democratização e profissionalização da gestão pública no país.
Uma das mais importantes derivações dessa concepção, expressa nas premissas da “Nova Gerência
Pública”, movimento multifacetado de reformas da administração pública iniciado em 1984 na Nova
Zelândia e adotado, em toda a as extensão, a partir de 1986 no Reino Unido, com variantes em
diversos países americanos e europeus, tais como EUA, México, Itália, Suécia, Holanda, Austrália,
Argentina e Brasil, relaciona-se à revisão do “regime jurídico administrativo”. Essa revisão se dá
mediante a flexibilização do direito administrativo e de suas regras gerais, com vistas a afastar as
diferenciações entre o setor público e o setor privado, dar maior capacidade de gestão aos
administradores públicos, reduzir as prerrogativas dos servidores públicos, desregulamentando seus
direitos, e abertura de espaço à introdução de instrumentos gerenciais e contratuais em lugar do
império da lei e da relação hierárquica típica daquele regime. As críticas a essas concepções – e à
forma como têm sido implementadas de maneira acrítica em diversos países – tem resultado, nos
países em que sua implementação se deu primeiro, num arrefecimento do ímpeto “reformista”, como
ocorreu no Reino Unido a partir de 1997, bem como no aprofundamento dos estudos que concluem
pela sua inadequação à administração de países onde o nível de profissionalização dos quadros
governamentais e de institucionalização de mecanismos de controle social ainda são muito baixos.
No entanto, apesar do discurso que aponta a necessidade de conferir maior capacidade de gestão e
maior grau de eficiência à administração pública, melhorando a qualidade de serviços públicos e
ampliando a oferta dos mesmos aos cidadãos, a verdadeira questão que subjaz ao processo de adaptação
e ajuste do aparelho do Estado nos países em desenvolvimento às orientações de cunho neoliberal,
disfarçado sob o rótulo de “reformas”, mais até do que nas “matrizes” do mundo desenvolvido, é a
superação da “crise fiscal” do Estado. Essa crise, como demonstra Eduardo Alves no artigo precedente,
é menos uma crise do Estado ou de sua governança do que da capacidade da burguesia que o controla
dar continuidade ao seu projeto de dominação baseado na exploração da miséria e no aprofundamento
da exclusão social, mas seus efeitos para o cidadão são os mesmos que teria uma crise do Estado em
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si mesmo.
De fato, o afastamento crescente do Estado na garantia dos direitos sociais, ou a sua omissão ou
desresponsabilização, conduzem à sua própria nulificação, posto que, enquanto se reduz a presença
direta do Estado na prestação de serviços, se busca “fortalecer” setores voltados à regulação econômica,
sem, no entanto, superar-se a tendência à captura dos setores oligopolizados pelos entes econômicos.
Com a crescente privatização dos serviços públicos, agentes privados, motivados pelo lucro, passam a
substituir o Estado na exploração das atividades econômicas caracterizadas como serviço público ou
mesmo nos serviços públicos típicos, tais como saúde, educação, assistência social, proteção ao meio
ambiente e outros. A conseqüência é que o Estado, enquanto prestador e garantidor dos serviços
públicos e do acesso aos direitos sociais, acaba deslegitimado, tanto pela ausência, como pela
“confusão” que faz o cidadão diante dos prestadores de serviços públicos, sejam eles privados ou
estatais.
Essa deslegitimação acaba por jogar água no moinho neoliberal, pois fortalece a idéia de que cada
cidadão deve buscar, por seus próprios meios, garantir os seus direitos, ou prover as suas necessidades,
acarretando um evidente recrudescimento da exclusão social e seus efeitos perversos sobre o nível de
politização dos cidadãos-usuários. O agravamento da “individualização”, a quebra do conceito de
solidariedade social, a supervalorização do ego e da competição levam os seres humanos, em diversos
continentes, rumo ao tipo ideal neoliberal, onde o cidadão é livre para buscar o atendimento do seu
interesse, pelos meios ao seu alcance, liberdade essa que, levada ao extremo, reproduz a idéia do
Darwinismo social, ou a concepção elitista da “guerra de todos contra todos” e do “homem lobo do
homem” expressa por Hobbes, onde somente aos “melhores” é dado o direito de sobreviver1 .
Mas, se o Estado em si mesmo não está em crise, a crise de fato “demonstrada” é a crise de sua
capacidade de financiamento, onde se tenta a todo custo demonstrar que o Estado não dispõe mais de
meios para manter ou ampliar os serviços aos cidadãos, sendo necessária a redução do aparelho
estatal, ou a adequação desse aparelho aos meios disponíveis.
Reside aqui, sem dúvida, uma grave falácia: por quaisquer indicadores que se utilize, nos últimos 15
anos o que se verificou, nos países da OCDE, foi a preservação dos níveis de gasto público, inclusive na
área social.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Mundial de 1997, o gasto público médio em porcentagem do
Produto Interno Bruto nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE sofreu uma elevação, entre 1960 e 1980, de mais de 100%; entre 1980 e 1995, este gasto sofreu
uma elevação de cerca de 5%, passando de 44% para 49%. Enquanto isso, nos países em desenvolvimento,
o crescimento acumulado no período foi da mesma ordem - embora tenha havido decréscimo, desde
1985, de cerca de 4%2 . Ainda que, a partir de 1995, tenha havido nos países da OCDE uma redução no
gasto público, essa redução é, ainda, tímida, tendo havido, em certos casos, até mesmo crescimento,
como é o caso do Japão, como demonstra a Tabela 1, para alguns países selecionados da OCDE3 :
Tabela 1 - Gastos Totais do Governo - OCDE - como percentual nominal do PIB
País 1970 1975 1980 1985 1990 1995 1997 1999*
2000*
Alemanha 38.3 48.4 47.9 47.0 45.1 49.8 47.9 46.9 46.3
Canadá
34.1 39.2 39.6 46.0 46.7 46.5 42.6 41.8 41.2
Espanha
21.6 24.4 32.2 40.2 42.5 45.5 42.2 40.8 40.3
EUA 30.0 32.8 31.4 32.9 32.8 32.8 31.6 31.2 31.1
França
38.5 43.4 46.1 52.1 49.8 54.3 54.2 53.9 53.5
Itália 32.8 41.1 41.9 50.9 53.6 52.7 50.6 49.4 48.8
Japão
19.0 26.8 32.0 31.6 31.3 35.6 35.2 38.4 39.1
Reino Unido
Suécia
37.2 44.8 43.4 44.4 41.8 44.4 41.0 40.3 40.6
42.8 48.4 60.1 63.3 59.1 65.6 62.3 59.6 58.1
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Suíça ..
..
..
..
41.0 47.5 48.8 49.2 49.3
Fonte: OCDE, 1999. URL Internet http://www.oecd.org/puma/stats/window/table1.pdf
Por outro lado, tampouco se verificou uma redução significativa em termos de participação do emprego
público no emprego total, ou seja, os níveis de participação do emprego público no emprego total
desses países permanece praticamente estável desde o início dos anos 90, como evidencia a Tabela 2:
Tabela 2 - Participação do Emprego Público no Total de Empregos - OCDE
Países selecionados, como porcentagem do emprego total
País
1970
1975
1980
1985
1990
1995
1996
1997
Alemanha
11.2
13.8
14.6
15.5
15.1
15.5
15.5 15.3
Canada
21.6
19.5
20.7
20.5
20.7
20.5
19.9
Espanha 4.9
6.8
9.3
12.2
13.8
15.5
15.3
15.6
EUA4
16.0
17.1
16.4
15.3
15.4
15.4
15.3
15.1
França
18.0
19.2
20.2
22.8
22.6
24.6
24.8
24.9
Itália
12.2
14.4
15.4
16.7
17.3
17.9
17.7
17.5
Japão
7.7
8.7
8.8
8.7
8.1
8.3
8.2
8.3
Reino Unido
18.1
20.8
21.3
21.7
19.5
14.2
13.8 ..
Suécia
20.9
25.7
30.7
33.3
32.0
32.1
31.9
31.5
Suíça
9.9
12.0
13.4
13.3
12.9
13.9
..
..
19.8
Fonte: OCDE, 1999. URL Internet http://www.oecd.org/puma/stats/window/table2.pdf
Ao longo dos anos 90, os diagnósticos sobre a origem da crise econômica, da falta de desenvolvimento
e das disfunções no papel do Estado conduziram a algumas conclusões e mudanças de enfoque.
Instituições como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento passaram a rever
suas posições, questionando os efeitos do ajuste neoliberal e defendendo a reconstrução do Estado,
ou a recuperação de sua capacidade de atuação. O Relatório de Desenvolvimento Mundial de 1997,
publicado pelo Banco Mundial, reconhece, justamente, a necessidade de fortalecimento do Estado5 ,
ressaltando que o Estado é central para o desenvolvimento econômico e social, e sobretudo tem
importância como um agente catalisador e facilitador (Banco Mundial, 1997). O Relatório de
Desenvolvimento Mundial 1999/2000, a seu turno, enfatiza a importância do papel dos governos na
promoção do desenvolvimento6 .
Assim, a “crise do Welfare State” e o imperativo de redução do tamanho do Estado, medida pela
dimensão dos gastos públicos, à luz do “Consenso de Washington”, formulado em 1989, precisam ser
relativizados7 .
No entanto, é necessário destacar que, embora os efeitos nos países do primeiro mundo sobre a
quantidade do gasto público não tenham sido tão expressivas, a forma de realização desse gasto
tenha, ou as suas prioridades, sofreram alterações substanciais, quer por meio dos processos de
privatização e contratualização, onde há menos Estado e menos servidores públicos prestando serviços
públicos, quer por meio do redirecionamento dos gastos públicos para áreas como segurança pública,
em face do aumento da violência e da criminalidade geradas pelo agravamento da exclusão social, do
desemprego e da precarização do trabalho e redução dos níveis de renda e direitos dos trabalhadores.
No terceiro mundo, porém, o discurso é o de que a capacidade de financiamento do Estado não
comporta a manutenção dos aparatos estatais construídos à sombra do “Estado de Bem-Estar Social”
que, na verdade, foi imitado, mas jamais concluído ou estendido às camadas mais necessitadas da
sociedade. Por isso, é preciso “reformar” o Estado, e o aparelho do Estado, cortando excessos, reduzindo
gastos, redimensionando o “tamanho” do Estado conforme a sua capacidade.
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Esse é o quadro vislumbrado no Brasil, notadamente a partir de 1989, quando deu-se, ainda antes do
proclamado Consenso de Washington8 , deu-se início à “Operação Desmonte” no Governo José Sarney.
Em 1990, o Governo Collor dá início à sua “reforma administrativa” baseado nas mesmas concepções.
Mas é a partir de 1995 que se inicia, ou concretiza, verdadeiramente, o “ajuste fiscal” acompanhado
de reformas constitucionais e administrativas que buscavam reduzir o gasto público, transferir aos
Estados e Municípios competências – embora não necessariamente meios – e aprofundar a privatização
de empresas estatais prestadoras de serviços. A Lei de Responsabilidade Fiscal, de maio de 2001, é o
corolário desse processo – a menina dos olhos do Príncipe -, cujo conteúdo normativo visa implementar
uma “camisa de força” que obriga os administradores públicos, nas três esferas de governo, a promover
o controle dos gastos públicos com vistas à produção de superávits primários cuja destinação é a
satisfação dos compromissos financeiros dos entes estatais brasileiros. Segundo a revista “The
Economist”, veículo preferencial do ideário neoliberal, aponta que o governo Fernando Henrique
Cardoso, em quatro anos, fez mais do que Margareth Tatcher em quinze anos de mandato, do ponto de
visa da agenda neoliberal.
A abordagem do problema requer que se considere, evidentemente, os dois lados da questão: a
ampliação ou manutenção do gasto público requer que a capacidade de arrecadação do Estado seja
implementada; a partir dessa capacidade é que se pode mensurar onde e quanto o Estado pode
gastar, seja para implementar políticas sociais, seja para atender aos interesses das elites econômicas
nacionais e internacionais.
Quanto a esse aspecto, verificam-se algumas contradições. Não que o Estado brasileiro, por exemplo,
não esteja sendo capaz de realizar a tarefa de arrecadar tributos: pelo contrário, ao longo dos últimos
seis anos a receita administrada, oriunda da arrecadação de tributos e contribuições por parte do
governo federal atingiu recordes, tendo crescido, em termos nominais, segundo o Ministério da Fazenda,
apesar da pequena taxa de crescimento da economia, 13,04% no ano 2001, em relação a ano 2000,
atingindo R$ 188,8 bilhões. Parte desse acréscimo se deve ao esforço da fiscalização tributária; a
maior parte, contudo, deriva do aumento de alíquotas de impostos e contribuições.
Inobstante, a natureza das receitas que experimentaram maior crescimento nominal revela que a
tributação incide mais sobre o trabalho do que sobre o capital. Na arrecadação global de 2001 - que
foi de R$ 197,6 bilhões -, enquanto o Imposto de Renda pago pelas pessoas jurídicas caiu 13,02%, o das
pessoas físicas aumentou 0,38%. Já o imposto sobre os rendimentos do trabalho retido na fonte aumentou
7,1%, graças à elevação da tributação decorrente do congelamento da tabela do imposto de renda
desde 1996. Com efeito, os trabalhadores têm sido chamados, duplamente, a pagar a conta: sofrendo
maior ônus tributário, uma vez que quem sofre desconto do imposto na fonte não tem qualquer
condição de evadir-se do recolhimento, e tendo que buscar, na esfera privada, como mero consumidor,
serviços públicos que o Estado não mais lhe oferece, ou oferece precariamente.
Nesse diapasão, é ainda possível identificar o privilegiamento do setor financeiro: os dados da
arrecadação de 2001 evidenciam que os bancos tiveram redução em sua carga tributária nos últimos
dois anos apesar dos lucros registrados. Em 2001, somando-se o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica
(IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins) e a contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), os bancos pagaram
R$ 6,670 bilhões em 2001, contra R$ 9,575 bilhões em 1999 e R$ 8,672 bilhões em 2000. Mesmo que
haja explicações macroeconômicas para isso, como o comportamento da taxa de câmbio e os lucros
daí advindos no exercício de 1999, maiores do que os realizados em 2001, não deixa de ser curioso que
o setor, e apenas ele, tenha sido beneficiado.
Tais recordes de arrecadação na esfera federal, gerando recursos originados da tributação aplicada,
sempre, com maior ênfase sobre os próprios assalariados, em favor da subtributação do capital financeiro
– não tem, porém, sido destinados ao cumprimento da Constituição Federal, cujos direitos assegurados
aos cidadãos são, na verdade, colocados em último plano nas políticas governamentais. Ao longo do
período recente, o esforço de ajuste das contas públicas se sustenta ba busca cada vez mais enfática
de superávits primários, destinados a gerar excedentes que permitam o cumprimento de acordos com
a banca internacional, e notadamente com o FMI, não importa à custa de que sacrifícios sejam impostos
aos cidadãos-usuários e aos próprios trabalhadores.
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Ilustrativo desse fato é o último acordo entre o Governo brasileiro e o FMI, onde as metas quantitativas,
mantidas em sua revisão divulgada pelo Ministério da Fazenda em 24 de janeiro de 2002, apontam
para a realização de um superávit primário de R$ 40,2 bilhões nas contas do setor público consolidado
a ser alcançado em 2001, enquanto, para 2002, a meta é de R$ 45,7 bilhões. Ao mesmo tempo, a
estimativa de receitas oriundas de privatizações é de R$ 10,98 bilhões, contra os R$ 8,08 bilhões
realizados em 2001.
Tais recursos, no entanto, serão integralmente destinados ao pagamento de juros e encargos da dívida,
que em 2001 atingiram R$ 69,7 bilhões, enquanto para 2002 estão previstos outros R$ 58,5 bilhões.
Apenas a título de comparação, a dotação prevista para 2002 corresponde a 85% da despesa total com
pessoal e encargos sociais prevista para o mesmo exercício, ou a 411% do total das despesas com
Educação para o ano de 2002.
Além disso, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 19, em 5 de junho de 1998, e a sua
regulamentação, que já começa a processar-se em escala nacional, notadamente a partir das propostas
encaminhadas ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo desde outubro de 1998, existem alguns
claros indícios de que a mudança de paradigma por ela operada terá efeitos imediatos e concretos
sobre o perfil da força de trabalho do serviço público, fortalecendo a concepção gerencial decalcada
das experiências neoliberais, onde o servidor público, quando permanece nessa condição, deve ser
despido de prerrogativas que lhe permitam agir de maneira desvinculada do poder político.
É importante, para contextualizar essa mudança, recordar que um dos grandes pontos defendidos
pelo Governo, e obtido mediante “fraude” no processo legislativo, denunciada na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2.135, ajuizada em janeiro de 2000 pelos partidos políticos de Oposição, foi
a quebra do regime jurídico único estatutário.
A partir dessa “vitória” obtida pelo governo em desrespeito à votação em Plenário no primeiro turno
de tramitação da PEC nº 173/95 na Câmara dos Deputados, e que deu origem à Lei nº 9.962/2000 e
9.986/2000, dentre outras, se viabiliza a contratação de servidores pelo regime celetista, nas três
esferas de governo, que poderão coexistir com servidores estatutários. Apenas aos estatutários, no
entanto, se assegurará estabilidade no cargo e aposentadoria integral, ou complementada por fundo
de pensão.
A importância dessa mudança está, para além dos aspectos de interesse econômico, especialmente a
potencial, mas improvável, redução do gasto público com pessoal e encargos, no fato de que o servidor
que resulta dessa nova relação de trabalho será um servidor muito mais vulnerável às pressões dos
dirigentes políticos, ainda mais se considerarmos que a sua inserção profissional se dará num contexto
de valorização do comportamento “gerencial” dos dirigentes, cuja busca da “eficiência” poderá darse de maneira enviezada pelo personalismo e pelo uso e abuso dos meios. A eventual corrupção ou
desmando será mais dificilmente resistida, vez que o servidor estará vulnerável à demissão a qualquer
tempo, desde que motivada em insuficiência de desempenho ou necessidade da Administração.
Embora a vulnerabilidade seja a característica do novo servidor celetista - que se tornará a espécie
dominante no serviço público - ela não se resumirá a esse servidor. Isso por dois motivos fundamentais:
um deles é que o próprio servidor estatutário, que terá direito a estabilidade, também poderá ser
desligado por necessidade de redução de gastos, caso haja excesso de despesa, ou em função de
desempenho insuficiente, aferido em processo regular de avaliação e sujeito a regulamentação em lei
complementar em tramitação na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei Complementar nº 248/98). Ao
rigor dessa lei, em sua forma originalmente proposta pelo Executivo, o servidor que for em dois anos
consecutivos julgado insuficiente, poderá ser desligado, desde que seu desempenho seja inferior a
40% do total de pontos apurados.
Também o servidor das chamadas atividades exclusivas de Estado poderá ser desligado. Embora mais
estáveis que os demais, esses servidores poderão ser demitidos por excesso de despesa, como já prevê
a Lei nº 9.801/99, desde que antes sejam desligados pelo menos 30% dos demais servidores; e cada
demissão não poderá atingir mais de 30% do total do quantitativo de cada carreira. A demissão por
insuficiência de desempenho também ocorrerá, mas com a diferença, insuficiente, de que será
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assegurado ao servidor processo administrativo prévio, com direito a ampla defesa - previsão que não
o diferencia sensivelmente dos demais servidores estáveis.
Uma questão associada a tais definições é a vinculação, que vem sendo proposta pelo Poder Executivo,
de que somente sejam submetidos ao regime estatutário, e portanto estáveis, os servidores das
atividades exclusivas de Estado, embora a conceituação e alcance dessa classificação não sejam
venham sendo abordadas de forma consistente. Originalmente, o Governo Federal chegou a definir
como tais apenas os das carreiras policiais, jurídicas e diplomacia, inutilizando qualquer critério
racional ou técnico que atenda ao interesse público. Assim, todo e qualquer servidor que não seja
“exclusivo de Estado” será submetido ao regime da CLT, em situação de maior vulnerabilidade. Isso
permitirá que, nos Estados e Municípios, todos os servidores das áreas da saúde e educação, por
exemplo, sejam demissíveis sem justa causa, situação que permitirá o agravamento da já notória
clientelização do serviço público nos rincões do Brasil, onde sequer a regra do ingresso apenas por
concurso chegou a ser totalmente implementada. Apenas um intenso trabalho de lobby no Congresso
Nacional logrou ampliar a relação de carreiras exclusivas, nos termos aprovados pelo Senado Federal
e em vias de ser apreciado pela Câmara dos Deputados, após quase mais de 2 anos de tramitação do
PLP n° 248/98.
A situação de fragilização do servidor perante o dirigente político, ou perante os “gerentes”, vai ainda
mais longe, à medida que a flexibilização do regime estatutário é acompanhada por um enrigecimento
do princípio da reserva legal, ou seja, as remunerações dos servidores, inclusive celetistas, somente
poderão ser alteradas por lei, o que impede a democratização das relações de trabalho.
Esse enrigecimento é agravado pela recente proposta de regulamentação do artigo 37, VII da
Constituição, que assegura ao servidor o exercício do direito de greve “nos termos e limites definidos
em lei específica”.
Desde 1988, apesar da previsão legal, os servidores vinham sofrendo restrições no exercício do direito
de greve, por falta de regulamentação, mas, com a regulamentação proposta, será virtualmente
impossível exercer legalmente esse direito. A proposta enviada ao Poder Legislativo com 13 anos de
atraso, supostamente destinada a estabelecer as condições para o exercício legítimo da greve, tem na
verdade efeito oposto, na prática, contrariando a Convenção nº 151 da OIT, além de ignorar, solenemente
a jurisprudência do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, notadamente o verbete 394, segundo o qual
“O direito de greve só deve ser objeto de restrições, inclusive proibição, na função pública, sendo
funcionários públicos aqueles que atuam como órgãos do poder público, ou nos serviços essenciais no
sentido estrito do termo, isto é, aqueles serviços cuja interrupção poderá por em perigo a vida, a
segurança ou a saúde da pessoa, em toda ou parte da população”.
De início, o projeto destina-se a regular o exercício do direito de greve dos servidores públicos da
Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, como se a União pudesse, por lei ordinária, regular
matéria que, após a Emenda Constitucional nº 19/98, não mais se encontra entre suas competências
exclusivas. Curiosamente, prevê a suspensão de ofício, portanto automática, do pagamento da
remuneração do servidor em greve, relativamente aos dias não trabalhados, e somente se declarada
a legalidade da greve, será restabelecido o pagamento da remuneração, com efeitos retroativos à
data de sua suspensão, ficando o servidor obrigado a repor os dias não trabalhados. Ou seja: primeiro
se suspende o pagamento, depois se indaga se a greve é ilegal. A declaração de legalidade, a posteriori,
é constitutiva de direito que, na verdade, é preexistente, ou seja, o direito ao salário. Ignora, assim,
a presunção de legalidade do direito de greve, invertendo o ônus da prova e o princípio democrático
segundo o qual cabe ao patrão demonstrar a ilegalidade da greve, e não partir do pressuposto de sua
ilegalidade.
A decisão sobre a deflagração da greve, a cargo da assembléia-geral, somente poderá ser tomadas
com a presença mínima comprovada de dois terços do total dos servidores da categoria, considerandose aprovadas se obtiverem a maioria absoluta dos votos dos membros presentes. Isso significa que a
greve, para ser decretada, tem que ter a adesão 33% da categoria, ou seja, mais de um terço da
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categoria tem que efetivamente votar a favor da greve. No entanto, como será aferida tal deliberação,
sem que haja invasão na liberdade sindical? Torna-se, assim, nula a aplicação do art. 9º da Constituição,
caracterizando-se interferência no próprio exercício da prerrogativa de definir como a categoria deve
deliberar sobre os interesses que pretende defender. Ainda assim, a deliberação deve ser notificada
ao Poder Público para que se manifeste no prazo de trinta dias, acolhendo as reivindicações,
apresentando proposta conciliatória ou fundamentando a impossibilidade de seu atendimento. Esse
prazo é totalmente irrazoável, e mostra intenção meramente protelatória, posto que sequer há meios
institucionais que permitam instaurar compulsoriamente negociação entre as partes. Mero artifício,
portanto, para esvaziar a possibilidade da greve, ou reduzir a capacidade de adesão à mesma por
meio de ameaças e adoção de medidas preventivas destinadas a coibi-la, inclusive porque, após esse
prazo, nova assembléia terá que ser realizada para decidir sobre a deflagração da greve, que não
pode iniciar-se antes de dez dias após nova notificação ao Poder Público. Com o mesmo sentido e da
mesma forma é irrazoável a previsão, contida na Medida Provisória nº 10, editada no calor da greve
dos servidores federais, em novembro de 2001, que permite ao governo contratar pessoal temporário
para substituir os grevistas com o propósito de manter e normalizar a prestação de serviços públicos
essenciais à comunidade os quais, contudo, não são definidos por nenhuminstrumento legal.
Deflagrada a greve, e independentemente de qualquer caracterização da atividade como essencial,
ou da natureza do serviço público prestado pelos servidores, deverá ser mantido percentual mínimo
de cinqüenta por cento de servidores em atividade, de forma a garantir a continuidade dos serviços ou
das atividades públicas. Ora, considerando que de um contigente de 100% de servidores ativo há, em
média, em qualquer momento do ano, 1/12 em férias (8% do total); que há sempre servidores em gozo
de licença médica, ou faltantes por razões de natureza pessoal ou familiar, justificadamente ou não,
o contigente máximo permitido de grevistas, calculado sobre o número de servidores em atividade,
seria no máximo inferior a 40% do total da categoria. E, ainda, poderá ser postulada pelo Poder
Público a fixação de percentual de servidores em atividade que poderá chegar a 100% da categoria.
Com tal limitação, fica dramaticamente reduzida a capacidade de pressão e o poder de barganha da
categoria, ou seja, deflagrada a greve, sua possibilidade de êxito seria mínima, pela falta do mais
importante meio de demonstrar à própria comunidade a importância do movimento paredista.
No mesmo sentido o Governo vem buscando caracterizar a adesão à grave como causa de demissão: a
participação em greve, após declarada sua ilegalidade, produzirá os efeitos de falta não justificada,
a partir da data de início do respectivo movimento grevista. Inobstante, ou a greve é greve, ou não é
greve. A decretação de ilegalidade não descaracteriza a justificação da ausência ao trabalho, para os
fins colimados pela proposta. Equiparar quem fez greve, ainda que ilegal, a quem meramente abandona
cargo publico, ou se ausenta injustificadamente, não apenas é irrazoável, como profundamente
autoritário.
Por fim, a fixação de multa diária de até R$ 50 mil em caso de manutenção da greve após a declaração
de ilegalidade do movimento, a ser imposta pela Justiça à entidade sindical, até a cessação completa
do movimento, evidencia o desequilíbrio de armas, num processo de agudização do confronto entre
servidores e Poder Público que reforça o caráter já excessivamente autoritário da relação de trabalho.
Desse somatório de medidas, fica claro que um dos resultados possíveis é o total enfraquecimento do
movimento classista, vez que nenhum avanço se faz no sentido de assegurar mecanismos negociais
alternativos. Ressalte-se que a previsão contida no art. 39, “Caput” e parágrafo primeiro, ao tratar de
um “conselho de política de administração e remuneração de pessoal” integrado por servidores
designados pelos respectivos Poderes, assegura a existência de uma instância consultiva sem, contudo,
garantir processo democrático de escolha ou de representação dos servidores, podendo vir a ser mais
uma instância meramente tecnocrática.
Esse servidor, celetista ou estatutário, poderá ainda ser recompensado mediante o pagamento de
adicional ou prêmio de produtividade, na forma do art. 39, § 7º da CF, o que se viabiliza à revelia do
princípio da isonomia, expurgado da Constituição, e se vincula à firmatura de contratos de gestão.
Essas variáveis notoriamente associadas às concepções da administração gerencial, e que têm-se
traduzido em distorções em outros países onde o serviço público é tradicionalmente mais
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profissionalizado, fortalece a figura dos gerentes, que buscarão resultados a qualquer custo, inclusive
com a provável redução da efetividade dos serviços públicos, como vem ocorrendo nos serviços já
privatizados, mitigarão a sujeição dos dirigentes aos princípios moralizadores da Administração Pública,
sem conferir ao servidor ou ao cidadão mecanismos de garantia ou de proteção contra os desmandos.
Medidas nessa direção tem sido implementadas sistematicamente, desde 1995, evidenciando uma
política de governo cujo resultado são desajustes graves, onde a ausência de revisões gerais, ao
mesmo tempo que produziu um sério arrocho salarial, conduziu a alguns paradoxos de extrema
complexidade.
Se, por um lado, em 1995 os servidores federais tiveram um reajuste de 25,94% (complementado
apenas agora, em janeiro de 2002, com a extensão de 3,17% retroativos àquela data, em decorrência
de decisão do STJ), e permaneceram até dezembro de 2001 sem que fosse realizada qualquer revisão
geral, conforme lhes assegurava a Constituição Federal, é bem verdade que a “política” de subordinação
dos servidores aos critérios discricionários na fixação de suas remunerações permitiu que algumas
categorias obtivessem, ao longo do período, reajustes que, em alguns casos, superam a inflação do
período, ainda que tenham sido concedidos sob pretexto de impedir a evasão de quadros ou melhorar
as perspectivas de carreira.
Embora a inflação acumulada de janeiro de 1995 até dezembro de 2001 seja de 92,13%, segundo o
ICV-DIEESE, ou 77,01%, segundo o INPC, reduzidas pela concessão de um ridículo reajuste de 3,5% a
partir de janeiro de 2002, a situação é muito mais complexa.
A rigor, as perdas salariais acumuladas desde janeiro de 1995 são diferenciadas, conforme a carreira e
o cargo, e a implementação da política remuneratória, consumada recentemente com a aprovação de
leis que estenderam, a todo o funcionalismo federal, Gratificações de Desempenho de Atividade, em
percentuais variados e metodologias a associadas a mecanismos de avaliação de desempenho individual
e institucional, cumprimento de metas de desempenho, conduz à virtual impossibilidade de, por meio
de um índice de revisão geral único assegurar-se tratamento justo e equânime a todos os servidores.
Ademais, a lei recentemente aprovada, dispondo sobre a revisão geral anual, dá ao servidor apenas
isso – uma data-base – sem que se defina sequer, com precisão e clareza, o que isso significa, em
termos de preservação futura do poder aquisitivo das remunerações. Na verdade, a lei é absolutamente
inconstitucional, por confundir conceitos (revisão geral e revisões parciais) com o propósito de convalidar
a burla ao princípio da isonomia praticada rotineiramente nos últimos sete anos de governo.
Finalmente, a política de reiterada desobediência ao princípio constitucional da paridade de tratamento
entre ativos e aposentados no serviço público revela a preocupação de, a qualquer custo, reduzir o
gasto com pessoal na Administração Pública – e para isso as “gratificações de desempenho de atividade”
tem servido exemplarmente, embora o Poder Judiciário, sabiamente, venha resgatando o conteúdo
do comando constitucional. A utilização do artifício, em especial após 1999, de criar-se gratificações
de desempenho cujo pagamento depende do resultado de avaliação de desempenho do servidor serviu,
num primeiro momento, como argumento para a desvinculação – uma vez que os aposentados e
pensionistas não podem ser “avaliados” – mas mesmo essa “esperteza” vem-se mostrando incoerente,
posto que a recente introdução da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa,
da Gratificação de Desempenho de Atividade Previdenciária e outras, abrangendo setores do serviço
público federal que estavam até então excluídos da política de reajustes diferenciados, e cujos valores
são ainda insignificantes perto das perdas salariais acumuladas pelos servidores por elas contemplados,
alcançou os aposentados e pensionistas, mas de forma discriminatória e amplamente prejudicial, já
que farão jus à gratificação no valor equivalente a 10% do seu valor máximo.
Desrespeitar a paridade por meio desses artifícios é apenas o corolário de um modelo em que as
garantias asseguradas aos servidores são tidas como entraves burocráticos, anacronismos ou privilégios,
e como tal, independentemente de sua função social ou justificação história, devem ser combatidos
e suprimidos, para que os superávits primários sejam mais facilmente atingidos. Tal abordagem contribui
para a concretização do ajuste fiscal dirigido sobre os gastos com pessoal, não apenas na esfera da
União, como nos demais entes federativos, para o que a Lei de Responsabilidade Fiscal, com seus
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rígidos limites, contribui eficazmente. Contudo, se mais alguma comparação fosse necessária, seria
interessante demonstrarmos qual o real “peso” do serviço público federal nas contas públicas, bastante
inferior à verificada em países “desenvolvidos”:
Tabela
3
–
Despesa
com
como percentagem do PIB nominal - 1997
País
%
Austrália
11,5
Canadá
12,5
França
14,4
Alemanha
10,0
Itália
11,8
Espanha
11,3
Suécia
17,6
Estados Unidos
9,6
Brasil
5,4
Pessoal
–
Governo
Central
Fonte: OECD, 1997 e Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira – Câmara dos Deputados,
1997.
A administração pública que resulta desse processo não é, necessariamente, uma administração mais
transparente ou socialmente controlada. A redação do art. 37, § 3º, afinal aprovada, não garantiu
espaços decisórios para a cidadania, embora tenha previsto a disciplina, em lei, das formas de
participação do usuário na administração direta e indireta. Essa regulamentação, por certo, poderá
assegurar meios de participação do cidadão no processo decisório, assim como deverá regular as
reclamações relativas à prestação de serviços públicos, a avaliação periódica, interna e externa, da
sua qualidade, e o acesso do usuário a registros e informações. Mas a ênfase do texto constitucional
fortalece a tese de que o servidor está no polo passivo do sistema de avaliação - tanto pela chefia,
quanto pelo usuário. E será ele, ao final, quem será penalizado pela má gestão, pelos maus resultados,
pelas deficiências do serviço público.
Um último aspecto a ser registrado é o fato de que, tendo previsto o art. 39, § 3º, que a União e os
Estados deverão manter escolas de governo para a formação e aperfeiçoamento dos servidores, a
partir de proposta do PT e do PDT acolhida pela Emenda Constitucional, muito pouco vem sendo feito
nessa esfera, desde a sua promulgação. Há, inequivocamente, uma dificuldade a ser superada, que é
a baixa prioridade dada a essas ações de educação continuada no serviço público, que lentamente
terá que adaptar-se à necessidade de dar ao servidor, simultaneamente às responsabilidades de prestar
bons serviços, de maneira transparente, eficiente e eficaz, a qualificação técnica que essa tarefa
exige. Nessa possibilidade reside uma grande esperança de mudança, pois as experiências mais exitosas
do mundo, e mesmo no Brasil, como demonstram as carreiras do Ciclo de Gestão dos Gastos Públicos,
cujo ingresso é vinculado a processos de formação em escola de Governo, partiram de concepções
semelhantes, instituindo mecanismos efetivos que asseguraram meios para uma mudança qualitativa
que deveria ser o pressuposto para a reforma, e não um mero apêndice, como acabou se tornando.
Ao largo das discussões sobre o que seja o servidor público como responsável direto pela prestação
dos serviços públicos, implementa-se aceleradamente novas (ou velhas) formas de prestação de serviços
através de provedores privados, tais como “organizações sociais”, ou entidades do Terceiro Setor, em
ambos os casos “instituições públicas não-governamentais”. Sob o marco legal específico, ampliado
pela Lei do Terceiro Setor, que permite amplamente a firmatura de Termos de Parceria entre o governo
e as “organizações da sociedade civil de interesse público” se viabiliza a substituição gradual, porém
virtualmente irreversível, dos aparelhos estatais voltados à prestação de serviços em diversas áreas,
Oficina da CONDSEF no Fórum Social Mundial. Porto Alegre, 01/02/2002
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por entidades privadas mantidas por recursos públicos, mas onde a relação de consumo vai se sobrepondo
ao direito universal de acesso, a fim de que aqueles que possam pagar pelos serviços públicos o
façam, subsidiando a prestação de serviços aos “excluídos”, mas aprofundando as disparidades de
tratamento e legitimando a apartheid social. Serviços públicos, porém, que serão prestados por agentes
cuja relação de trabalho não será com o Estado, mas com os provedores privados cuja relação com o
Estado é, também, de natureza exclusivamente contratual9 .
A discussão sobre a universalização dos serviços públicos, e o papel dos servidores públicos, passa
portanto por uma completa revisão e redirecionamento das políticas e concepções adotadas em período
recente, não apenas no Brasil, mas nos demais países que precarizaram o seu serviço público e o
levaram, pela ausência de políticas afirmativas, à sua atual situação de deslegitimação e sucateamento.
Se é fato que o cidadão merece um serviço público eficiente, mais verdade ainda é que esse serviço
público deve ser eqüitativo, facilmente acessível e direcionado para os interesses da maioria da
sociedade, atendendo com qualidade o cidadão que dele necessita e a ele recorre não como “second
best”, mas como insubstituível ferramenta a seu serviço. E nunca um “fardo” para esta sociedade,
que – onerada pela elevada carga tributária – paga muito e recebe tão pouco desse Estado vampirizado
pelo capital financeiro internacional. A eventual falência do modelo neoliberal, ou social-liberal, nos
oferece a chance de rediscutir, sem os constrangimentos impostos pelos donos da verdade vinculados
ao “pensamento único”, as alternativas reais e efetivas, sob a perspectiva dos valores da democracia,
para que a reforma ou reconstrução do Estado seja formulada e implementada não sob a ótica dos que
dele sempre tem-se valido para consolidar projetos de poder, mas sob a visão de todos os que vêem no
Estado um real instrumento de materialização do bem-comum.
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Notas
1
Emiliano José, em “um espectro ronda o mundo: o espectro da globalização (revisitando o nacionalismo” (Caderno do
Ceas, N.º 169 - Maio/Junho 1997, p. 59-72, Salvador – Bahia) faz uma interessante análise desse processo, e das
alternativas para o enfrentamento do neoliberalismo.
2
Banco Mundial. Relatório de Desenvolvimento Mundial, 1997.
Segundo Valeriano Costa (in “O novo enfoque do Banco Mundial sobre o Estado, Lua Nova nº 44, 1998, p. 5-26) apesar
de ajustes marginais, não houve retração do Estado de Bem-Estar nos países desenvolvidos. O ajuste estrutural, nesses
países, não atingiu o gasto público, tendo obrigado os governos, em alguns casos, a “desviar” parte dos gastos públicos
para corrigir as falhas mais graves geradas pelo mercado, como o desemprego, a marginalização dos incapacitados e
outras distorções alocativas, em detrimento de gastos com educação, saúde básica e pesquisa científica.
3
4
O Governo Federal americano afirma ter alcançado, em 1997, o menor número de servidores federais em 30 anos,
tendo reduzido em 250.000 postos a força de trabalho do governo federal, atingindo a menor participação do emprego
federal no emprego total do país desde 1931. Apesar disso, afirma que “um governo pequeno não é um fim em si
mesmo”.
5
Segundo o Relatório “um Estado eficaz é imprescindível para poder contar com os bens e serviços – e as normas e
instituições – que fazem possível que os mercados prosperem e que as pessoas tenham uma vida mais saudável e feliz.
Em sua ausência, não se pode alcançar um desenvolvimento sustentável nem no plano econômico nem no plano social”.
(Banco Mundial. Relatório de Desenvolvimento Mundial – 1997. Resumo, p.1). Uma análise mais detalhada do novo
enfoque do Banco Mundial sobre o Estado pode ser consultada em Valeriano Costa (1998).
6
World Development Report 1999/2000. World Bank, 1999, Disponível em: Internet http://www.worldbank.org/wdr/
2000/pdfs/intro.pdf.
7
Cfe. Powell e Hewitt (in “The End of Welfare State?”, Social Policy and Administration, vol. 32, nº 1, march 1998, p 113 , no Reino Unido, discute-se desde 1996 o surgimento de um novo consenso sobre o “novo” Welfare State, em que,
reconhecendo-se as restrições de ordem financeira, a preservação do Estado de Bem-Estar e dos benefícios da previdência,
saúde pública e assistência social e educação reclamam, sim, maior eficiência e direcionamento correto de recursos.
8
Guillermo Perry, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, resume os princípios do Contexto
de Washington da seguinte forma: liberação de importações, abertura do mercado para investimentos estrangeiros,
desregulamentação do mercado interno, redução do papel do Estado através da privatização, redução do Estado em
todas as atividades que o setor privado pode fazer melhor, e focalização do Estado no desenvolvimento de serviços
sociais e infraestrutura.
9
Explicitando a incoerência entre a prática e o discurso, o Presidente Fernando Henrique declara, em artigo publicado
em 1998: “... o que se trata é da reconstrução do Estado para ser capaz de, respeitadas as limitações do mercado,
atender com não menor devoção aos anseios de solidariedade de novas formas de atuação. Nunca, porém, de destruição
ou de minimização do Estado e da ação dos governos. Enfatiza, porém, que “a ação pública é mais ampla e mais eficaz,
nas novas condições da sociedade, do que a ação estatal”, enfatizando, assim, o papel do “Terceiro Setor” como
substitutivo do Estado na prestação de serviços aos cidadãos (Novos Estudos CEBRAP nº 50, março de 1998, p. 5-12).
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Desregulamentação de Direitos
e
Regulamentação de Restrições
Antônio Augusto de Queiroz
Jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP – Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar.
Depois de aprovar uma Constituição, em 1988, que contrariava frontalmente as diretrizes emanadas a
partir de Washington e Londres, e passar por uma experiência frustrada no governo Collor, que prometera
implementar o receituário iniciado por Ronaldo Reagan e Margareth Tacher, mas fracassou por
despreparo, arrogância e voluntarismo, o Brasil estava no index dos donos do poder no mundo. Para
recuperar-se, o país necessitava provar que não falharia novamente e assim lhe era dada uma nova
oportunidade de bem servir aos poderes do mundo.
O dever de casa do Brasil, como país que aderia com atraso ao receituário neoliberal, era promover
um profundo ajuste fiscal, voltado para aumentar receita e reduzir despesas, capaz de gerar os superávits
primários indispensáveis ao pagamento das amortizações e juros das dívidas interna e externa, tal
como preconizado no chamado Consenso de Washington, cuja difusão e imposição aos países está a
cargo das agências multilaterais, especialmente o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a
Organização Mundial do Comércio e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico,
entre outras.
Como vivemos numa democracia, na qual ainda se elege o presidente da República e os membros do
Poder Legislativo, a adoção desse receituário, que implicava corte, redução ou eliminação de políticas
públicas e direitos sociais, exigia uma boa estratégia política e de marketing, que fosse capaz de
neutralizar as naturais resistências daqueles que seriam prejudicadas com essa investida sobre
importantes conquistas do povo em geral e dos assalariados em particular.
Para dar consistência acadêmica e teórica à estratégia de ataque aos direitos sociais dos assalariados,
em particular dos servidores públicos, dos segurados do INSS e dos aposentados e pensionistas, únicos
capazes de proporcionar na dimensão exigida os recursos necessários ao cumprimento dos compromissos
com os credores, foi designado o professor Bresser Pereira, a quem foi entregue a direção do Ministério
da Administração e Reforma do Estado. Bresser que, na condição de Ministro da Fazenda de Sarney,
participou da reunião que resultou no Consenso de Washington, era o homem ideal para a nova missão:
tinha credenciais acadêmicas, cargo no governo e experiência política, além de conhecer em
profundidade a tarefa que lhe fora confiada.
O ministro Bresser Pereira, além de aprofundar na população o sentimento de indignação com a
qualidade dos serviços públicos, que tinha sido iniciada no governo Collor, e promover uma campanha
mostrando que as reformas viriam em favor brasileiros, que seriam beneficiados em suas dimensões
de cidadãos, eleitores, trabalhadores, consumidores e principalmente de contribuinte, concebeu o
chamado Plano Diretor da Reforma do Estado, um documento que desenvolvia a teoria da evolução
histórica da administração pública, que tinha superado a fase patrimonialista, estava em fase de
saturação a administração burocrática e havia chegado o momento da administração gerencial, um
modelo de administração que exigia uma reformulação completa do aparelho de Estado, o qual deixava
de ser responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, para se tornar seu promotor e
regulador.
No plano Diretor, após detalhar as vantagens de cada um dos modelos de administração pública,
mostrando as características positivas e negativas da administração burocrática e gerencial, nos
termos resumidos a seguir, promovia a divisão do Estado em quatro núcleos ou setores: i)
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estratégico, ii) de atividade exclusiva de Estado, iii) de serviços competitivos, iv) de produção de
bens e serviços para o mercado, sendo os dois primeiros de propriedade e comando estatal, o
penúltimo situado na esfera pública não-estatal e o último seria privatizado ou entregue ao
mercado.
A) Administração Burocrática: (diretrizes: controle para evitar corrupção e nepotismo, hierarquia,
carreira, formalismo, legalidade)
Características: i) formalista, engessada, centralista, verticalista, ii) desconfia dos administradores
e cidadãos, iii) de serviços competitivos, e iv) controle a priori – prévio, iv) energia atividade meio,
v) controles rígidos –compras, admissão, prestação de serviço, v) ausência de flexibilidade, e vi)
ineficiente.
B) Administração Gerencial (inspira-se na administração de empresa – cliente – cidadão – lógica de
reduzir custos, modernizar, tornar eficiente etc )
Características: i) flexível, descentralizada, horizontal, ii) fundada na confiança, iii) controle a
posteriori – pelo resultado, iv) energia na atividade fim, v) competição no interior do Estado, vi)
incentivo à criatividade, vii) avaliação de desempenho, contrato de gestão.
Divisão do Estado em Núcleo ou Setores
Setores do Estado
FormaAdministração
Atribuições
Propriedade
Núcleo Estratégico
Leis, políticas públicas; aplicação das leis;
Legislativo, Executivo, Judiciário e cúpula do Ministério Público.
Estatal
Burocrática e gerencial
Atividade Exclusiva Estado
emissão de passaporte
etc
Serviços competitivos
Público não estatal
Fiscalização, polícia de trânsito, previdência,
Estatal
Burocrática e gerencial
Univerdades, hospitais, centros de pesquisas, museu,
Gerencial
Produção bens/serviços para o mercado
sociedade economia mista, etc
Privada
Infraestrutura, empresas públicas,
Gerencial
O seu modelo tem como eixo central a redução do papel do Estado às funções clássicas, especialmente
associadas ao fomento e garantia do acesso do cidadão aos serviços públicos, ainda que prestado pelo
setor privado. Por essa visão, o Estado atuaria diretamente apenas nas áreas de segurança, justiça,
legislação, educação e saúde.
No documento, que não será objeto de análise neste texto, era questionado três aspectos: i) papel do
Estado como agente econômico, ii) a dimensão do estado, e iii) a essência do Estado de Bem-Estar
Social, e apresentado os problemas básicos da reforma do Estado, além das medidas necessárias à
redução do aparelho estatal:
Problemas básicos da reforma do Estado:
a) limitação do tamanho do Estado (extinção, fusão, privatização, publicação, terceirização etc)
b) definição do papel regulador do Estado
c) recuperação da capacidade financeira e administrativa de implementar decisão política tomada
pelo governo (governança)
d) Aumento da capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade e
governar (governabilidade)
Redução do aparelho estatal
-
redução de pessoal
redução de instituições governamentais
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- transferência de responsabilidades do setor público para o setor privado
- descentralização administrativa, com a ampliação da administração indireta
- privatização
- extinção de órgãos e entidades
- transferência de atribuições para outros esferas do governo
- programas de publicização
- terceirização
Para a implementação do Plano Diretor de Reforma do Estado, o ministro recorreu, no plano legislativo,
a dois tipos de medidas: as infraconstitucionais e as constitucionais, que seriam realizadas em três
etapas. A primeira, já esgotada, consistia na supressão, via medida provisória e projetos de lei em
regime de urgência, de todos os direitos e vantagens assegurados aos servidores na Lei 8.112/90, do
Regime Jurídico Único, sem que estivessem explicitamente garantidos em nível constitucional. A
segunda, também já concluída, consistiu na aprovação da Emenda Constitucional nº 19/98, que cuidava
da reforma administrativa, e da Emenda Constitucional nº 20/98, reforma da Previdência, instituindo
idade mínima para todos os servidores, incluindo os atuais, e extinguindo aposentadoria integral para
futuros. E a terceira consistirá na regulamentação das duas Emendas Constitucionais.
Mudanças infraconstitucionais – Antes de iniciar as reformas em nível constitucional, o governo cuidou
primeiro da eliminação de direitos no campo infraconstitucional
No RJU, dos servidores públicos: a) congelamento de salários, b) suspensão da readmissão de anistiados,
c) cerceamento ao exercício do mandato sindical, d) limitação de despesas com pessoal, e) proibição
de conversão de um terço das férias, f) eliminação de ganho na passagem para a inatividade, g)
ampliação de 10 para 25% do desconto em folha em face de débito com a União, exceto nos casos de
reposição e obrigações com o erário, quando este limite poderá ser ultrapassado, h) tíquete em
dinheiro sem reajuste, i) fim de horas extras, j) transformação do anuênio em quinquênio, transformação
dos quintos em décimos e sua posterior extinção, l) ampliação de 5 para 14 anos do prazo para
incorporar gratificação, m) fim da licença prêmio, n) extinção do turno de seis horas e o) restrição do
direito a tíquete alimentação apenas para quem cumpre jornada de 40 horas.
Na Previdência Social: a) extinção da aposentadoria especial dos jornalistas, telefonistas, e também
dos jogadores de futebol, b) condiciona a aposentadoria por idade ao cumprimento de carência de
contribuição, à idade de 65 anos, se homem, e 60, se mulher, c) proíbe sua concessão para quem já
recebe benefício de aposentadoria em qualquer outro regime previdenciário, d) proibição da utilização
do tempo de atividade rural não contributiva para fins de carência, contagem recíproca e averbação
de tempo de serviço, e) atribui competência privativa ao Poder Executivo para definir os agentes
nocivos, químicos, físicos e biológicos ou associação dos agentes prejudiciais à saúde para efeito de
aposentadoria especial, f) iInstitui programa permanente de revisão da concessão e da manutenção
dos benefícios previdenciários, permitindo sua suspensão imediata se constatada qualquer
irregularidade, g) extinguiu o pecúlio e acabou com o abono de permanência no serviço, entre outros.
Concluídas as mudanças infraconstitucionais, com a retirada de todos os direitos que não estavam
assegurados em nível constitucional, o governo encaminhou ao Congresso as Proposta de Emenda
Constitucional das Reformas Administrativa e Previdenciária:
Reforma Administrativa, fase I - No Plano Constitucional, a idéia esboçada na Proposta de Emenda
Constitucional nº 173/95 enviada ao Congresso para tratar da Reforma Administrativa (PEC nº 41/97
no Senado), segundo classificação do relatório do TCU- Tribunal de Contas da União de 1996, feita
antes da aprovação conclusiva da matéria, tinha os seguintes objetivos:
l. Quanto à Política de Pessoal e à dinâmica operacional
a)
b)
c)
d)
e)
introdução do processo seletivo
regimes jurídicos diferenciados
fim da isonomia
requisito de idade máxima para ingresso no serviço público
flexibilização da estabilidade
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f) convênios de cooperação entre União, Estados e Municípios
2. Quanto ao Incentivo à Carreira Profissional
a) reserva de vagas em concurso públicos para serem preenchidas por ocupantes de cargo de carreira
b) avaliação periódica de desempenho e estágio probatório para efeito de estabilidade
3. Quanto às Regras de Remuneração
a) reajuste apenas por lei
b) irredutibilidade apenas do vencimento básico
c) disponibilidade com remuneração proporcional
d) teto de remuneração com vedação de proventos de inativo superior ao de ativo
4. Quanto à Garantia de Direitos
a) indenização por dispensa por excesso de despesa
b) extinção de cargo de servidor desligado por necessidade da administração
c) exclui carreiras exclusivas de Estado da demissão simplificada
d) amplia de dois para cinco anos o estágio probatório
A um custo político muito elevado, depois de mais quase três anos de negociações, pressões e barganhas,
o governo conseguiu aprovar sua Proposta nas duas Casas do Congresso. O texto aprovado, para efeito
esquemático de análise, pode ser assim resumido:
Onde o governo ganhou
l. desvinculação entre civil e militares
2. extinção da isonomia
3. irredutibilidade só dos vencimentos
4. demissão por excesso de gasto
5. disponibililidade com remuneração proporcional
6. greve – regulamentação por lei ordinária
7. licitação e contrato simplificado nas estatais
8. Extinção do regime jurídico único (ganhou no tapetão)
9. Proibição de repasse de recursos para Estados e Municípios que estejam gastando acima de 60% de
sua receita líquida com pessoal
Onde o Governo cedeu – teve que negociar
1. no Concurso público – era só processo seletivo
2. reajuste anual
3. demissão por insuficiência de desempenho, condicionada a Lei Complementar e ampla defesa
4. estabilidade para carreira exclusiva de Estado
5. Estágio probatório de 3 anos
6. Escola de governo
Onde o Governo perdeu
l. Subteto
2. Paridade ativo x inativo
3. Manutenção dos não-estatáveis “essenciais”.
Reforma da Previdência, fase II – o governo enviou uma Proposta de Emenda Constitucional que, em
nome da reforma da previdência, cria as condições para sua privatização, além de reduzir ou eliminar
vários direitos, entre os quais: i) transformação do tempo de serviço em tempo de contribuição, ii)
idade mínima de 60 anos para homem e 55 para mulher como requisito para aposentadoria de futuros
servidores, iii) exigência de pedágio de 20 ou 40% do tempo que faltar ao atual servidor para aposentarse, além do tempo de contribuição, respectivamente de 35 e 30 anos para os sexos masculino e
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feminino, iv) eliminação da aposentadoria proporcional, v) exigência de idade mínima de 53 anos para
homem e 48 para mulher, na fase de transição, vi) implantação do regime privado de previdência, e
v) fim das aposentadorias especiais.
O texto foi estruturado em dois capítulos, um com as regras permanentes e outro com as disposições
transitórias. No primeiro capítulo estão definidos os princípios e regras que irão reger os direitos e
obrigações dos segurados que ingressaram tanto na Previdência Social, a cargo do INSS, quanto na
Previdência dos Servidores Públicos, a cargo dos Tesouros Nacional, Estadual ou Municipal. No segundo,
as regras a serem aplicadas aos segurados que já estavam nos sistemas de Previdência na data da
promulgação da Emenda Constitucional, em dezembro de 1998.
A) Texto permanente da Constituição
A parte permanente da Emenda, que vale apenas para quem ingressar na Previdência após promulgada
a emenda, institui as seguintes regras e princípios:
I - Para os servidores públicos:
Os servidores públicos poderão se aposentar, compulsoriamente, aos setenta anos com proventos
proporcionais, e voluntariamente, por idade e por tempo de contribuição, desde que contem pelo
menos com dez anos no serviço público e cinco no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria. A
aposentadoria por tempo de contribuição exige sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição,
se homem, e cinqüenta e cinco de idade e trinta de contribuição, se mulher. Para a aposentadoria por
idade, com proventos proporcionais, o servidor terá que ter sessenta e cinco anos de idade, se homem,
e sessenta se mulher. Em ambos os casos, os requisitos de idade e tempo de contribuição serão
reduzidos em cinco anos, para os professores da educação infantil, do ensino fundamental e médio.
São isentos de contribuição, os servidores públicos que, tendo tempo suficiente para se aposentar,
decidirem continuar trabalhando. É proibida a acumulação de proventos de aposentadoria com
remuneração de cargo, emprego ou função pública, inclusive os de livre provimento, ressalvados os
de professor ou médico e os decorrentes de cargos eletivos. O teto de benefício na Previdência dos
servidores públicos ficou fixado em valor igual ao recebido pelos Ministros do Supremo, cuja
remuneração está em torno de R$ 12.700,00 (doze mil e setecentos reais).
Já os servidores nomeados para cargos em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração,
bem como de outro cargo temporário ou de emprego, serão filiados ao Regime Geral de Previdência
Social, a cargo do INSS, cujo o teto de contribuição e de benefícios será de R$ 1.200,00 (atualmente
R$ 1.430,00)
Finalmente, o texto autoriza a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam
regime de Previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, o
direito de fixar o mesmo limite de contribuição e teto de benefício do INSS para seu regime próprio,
facultado ao servidor que tiver ingressado no Serviço Público antes da instituição da Previdência
complementar a opção pelas mesmas regras do Regime Geral da Previdência Social.
II - Para o segurado da Previdência Social, a cargo do INSS
Os segurados da Previdência Social, vinculados ao Regime Geral a cargo do INSS, poderão se aposentar,
desde que cumpridos o requisito de tempo de contribuição. A aposentadoria por tempo de contribuição,
que seria o benefício integral, será concedida ao segurado que comprovar trinta e cinco de contribuição,
se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher. Já para a aposentadoria
por idade, que necessariamente será proporcional, é exigida idade mínima de sessenta e cinco anos,
se homem, e de sessenta, se mulher. O requisito de tempo de contribuição será reduzido em cinco
anos para os professores da educação infantil, do ensino fundamental e médio, e para os trabalhadores
rurais.
C) Regras Transitórias
As regras incluídas no capítulo das disposições transitórias se aplicam a todos os segurados da Previdência
ou servidor público que já tivesse ingressado no sistema até a data da promulgação da emenda (15/
12/98). São regras de transição que buscam respeitar os direitos adquiridos e as expectativas de
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direito, reduzindo os prejuízos daqueles que ainda não tinham tempo suficiente para usufruir dos
benefícios previdenciários.
l. Direito adquirido preservado: o segurado que, na data de promulgação da emenda, contava tempo
de serviço para se aposentar, tem seu direito preservado, podendo requerer o benefício a qualquer
tempo, quando será concedido com base na legislação da época.
2. Expectativa de direito parcialmente respeitada: o segurado que, na data da promulgação da emenda,
ainda não somava tempo de serviço suficiente para requerer aposentadoria (por tempo de contribuição
ou proporcional) , ficará sujeito às regras de transição, que exigem idade mínima e tempo de
contribuição. A idade mínima exigida é de 53 anos para homem e 48 para mulher, tanto para a
aposentadoria proporcional quanto para a aposentadoria por tempo de contribuição. Já ao tempo de
contribuição, além dos 35 anos para a aposentadoria por tempo de serviço e 30 para a aposentadoria
proporcional, será acrescido mais 40% sobre o tempo que falta para completar o tempo na data da
promulgação da emenda, no caso da proporcional, e 20% no caso da aposentadoria por tempo de
contribuição.
3. Previdência Complementar e direito adquirido: os fundos de pensão das estatais, por força da
paridade instituída na emenda, tiveram nos dois anos seguintes que ajustar seus planos de benefícios
e serviço a seus ativos, de modo a poder honrar compromissos futuros.
4. Teto de benefício: o teto de benefício da Previdência Social, a cargo do INSS, aumentou de R$
l.03l,00 para R$ 1.200,00 no momento da promulgação da emenda (atualmente de RF$ 1.430,00).
Isto, entretanto, não garante que o benefício terá esse valor, já que a fórmula de cálculo considera o
valor das contribuições no período definido na lei, além do fator previdenicário.
5. Especificamente em relação ao professor, eliminou a aposentadoria especial para todos (incluindo
os do ensino infantil, fundamental e médio) no período de transição: exigindo idade mínima de 48
anos, no caso de mulher, e de 53 no caso de homem; tempo de serviço de 30 anos para professora e
35 anos para o professor, além de um pedágio sobre o tempo que falta para aposentadoria. Para
corrigir parcialmente essa falha (ou erro intencional?), o senador Beni Veras (PSDB/CE), relator da
matéria no Senado, incluiu um artigo nas disposições transitórias de seu substitutivo prevendo uma
compensação, que consiste em acrescentar 20% sobre o tempo já trabalhado da professora e 17%
sobre o tempo já trabalhado do professor. Assim, para compensar a ampliação nesse período de
transição de 25 para 30 anos de serviço, no caso da mulher, e de 30 para 35 no caso do homem, haverá
esse acréscimo. Para calcular sua aposentadoria, a professora terá que fazer os seguintes cálculos: a)
pegar o tempo já trabalho, acrescentam sobre ele 20%, b) verificar o tempo que falta para alcançar 30
anos, e aplicar sobre esse tempo que falta um pedágio de 20%, e c) o resultado é o tempo que terá de
trabalhar para pode aposentar-se. No caso do professor, o cálculo é o mesmo, apenas reduzindo de 20
para 17% o acréscimo sobre o tempo já trabalhado, como forma de compensar o aumento de 30 para
35 anos. Os demais passos, inclusive o pedágio, são iguais.
A terceira fase - regulamentação das reformas administrativa e previdenciária, que tem como
eixo central a descentralização, a restrição ao direito de organização e greve, a delegação da
prestação de serviços a organizações sociais e organizações da sociedade civil, sem fins
lucrativos, via contrato de gestão ou parceria, e até privatização.
I – Lei Rita Camata, que limita os gastos com pessoal no Serviço Público.
A Lei Complementar nº 96/99, sobre os limites de gastos com pessoal nos três níveis de governo –
União, Estados e Municípios – regulamenta o art. 169 da Constituição, que foi revogada pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, cujo resumo diz:
a) limita os gastos com pessoal a percentuais da receita líquida corrente, sendo de 50% na União e 60%
no Distrito Federal, nos Estados e Municípios;
b) atingido o limite, ficam proibidas a concessão de vantagem ou aumento de remuneração, a criação
de cargos, empregos ou funções públicas, novas admissões ou contratações de pessoal, bem como a
concessão de qualquer benefício não previsto constitucionalmente;
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c) ultrapassado o limite, os entes estatais deverão, sucessivamente, diminuir os gastos, iniciando com
a redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; exoneração
dos servidores não estáveis, e finalmente, exoneração de servidores estáveis;
d) a inobservância, por qualquer dos três níveis de governo, dos limites fixados, implica a suspensão
dos repasses de verbas federais ou estaduais, a vedação de concessão, direta ou indireta, de garantias
da União, bem como a proibição de contratação de operação de crédito junto às instituições financeiras
federais.
II – Perda de Cargo Público por excesso de gasto
A Lei nº 9.801/99, sobre normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa, regulamenta
o § 4º do art. 169 da Constituição, e, resumidamente, diz:
a) a exoneração de detentor de cargo público deve ser antecedida de ato normativo especificando a
economia de recursos e o número de servidores a serem exonerados; a atividade funcional e o órgão
ou unidade administrativa objeto de redução de pessoal; o critério geral impessoal para identificação
dos servidores estáveis a serem desligados; os critérios e as garantias especiais escolhidos para
identificação dos servidores estáveis integrantes de carreiras exclusivas de Estado, além do prazo de
pagamento da indenização devida e os créditos orçamentários para seu pagamento;
b) considerar, no ato de dispensa, critérios impessoais, como menor tempo de serviço público; maior
remuneração; menor idade; menor número de dependentes, entre outros.
c) os servidores integrantes de carreiras exclusivas de Estado só serão exonerados após a dispensa de,
pelo menos, 30% do total dos cargos das demais carreiras e, na hipótese de ter que demitir membros
de carreira exclusiva, não poderá ser dispensado mais que 30% por cada ato.
d) os cargos vagos em decorrência da dispensa de servidores estáveis serão declarados extintos, sendo
vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de
quatro anos.
III – Perda de Cargo Público por Insuficiência de Desempenho
O Projeto de Lei Complementar (PLP 248/98, na Câmara, e PLC 43/99, no Senado), disciplina a perda
de cargo público por insuficiência de desempenho do servidor público estável, regulamentando o
artigo 247 da Constituição, que determina o estabelecimento de critérios e garantias especiais para a
perda do cargo pelo servidor integrante de carreira exclusiva de Estado. Em resumo, ele prevê:
a) a instituição de avaliação de desempenho anual, com base nas atribuições do cargo, na produtividade,
nas metas fixadas, na assiduidade, pontualidade e disciplina;
b) a avaliação será realizada por uma comissão de quatro servidores, pelos menos três estáveis, com
três ou mais anos de exercício no órgão, e de nível hierárquico superior ao avaliado, e deverá indicar
os fatos, circunstância e demais elementos de convicção da comissão no termo final de avaliação,
assegurada a ampla defesa, inclusive com a produção de provas testemunhais e documentais;
c) o resultado da avaliação, que deverá indicar as medidas de correção, quando necessária a capacitação
ou treinamento, poderá ser contestado, inclusive com efeito suspensivo, e será permitido o acesso do
servidor à metodologia e critérios utilizados na avaliação, a qualquer tempo.
d) poderá ser demitido, após processo em que lhe será dada ampla defesa, o servidor que: i)
tiver dois conceitos sucessivos de desempenho insuficiente, ii) três conceitos intercalados de
desempenho insuficiente, computados os últimos cinco anos.
e) Emenda Lúcio Alcântara – Senado – estabelece que no processo de perda de cargo por insuficiência
de desempenho, que somente ocorrerá mediante processo administrativo, serão assegurados ao servidor
os seguintes critérios e garantias especiais: i) que a comissão de avaliação será composta exclusivamente
por servidores da mesma carreira ou categoria funcional do servidor avaliado, ii) que o servidor que
receber conceito de desempenho insuficiente somente será submetido a nova avali8ação após
treinamento, garantindo-se nesse período direito à remuneração integral; ii) o processo administrativo
só será instaurado após o servidor receber três conceitos sucessivos ou interpolados de desempenho
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insuficiente; e iv) na hipótese de o processo administrativo decidir pela perda do cargo, será assegurado
ao servidor recurso hierárquico especial, com efeito suspensivo, para a autoridade máxima do órgão
ou entidade a que estiver vinculado.
f) considerada carreiras exclusivas de Estado no âmbito da União (art. 15 do PLC 43/99, já acrescido
das emendas aprovadas na Comissão de Justiça do Senado), as seguintes: os servidores integrantes das
carreiras, ocupantes dos cargos efetivos ou alocados às atividades de Advogado da União; Assistente
Jurídico da Advocacia-Geral da União; Defensor Público da União; Juiz do Tribunal Marítimo; Procurador,
Advogado e Assistente Jurídico dos órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União; Procurador da
Fazenda Nacional; Procurador da Procuradoria Especial da Marinha; Analista, Inspetor e Agente Executivo
da Comissão de Valores Mobiliários; Analista Técnico e Agente Executivo da Superintendência de Seguros
Privados; Auditor-Fiscal de Contribuições Previdenciárias; Auditor-Fiscal e Técnico da Receita Federal;
Especialista do Banco Central do Brasil; Fiscal de Defesa Agropecuária; Fiscal Federal de Tributos;
fiscalização do cumprimento da legislação ambiental, proteção e defesa do meio ambiente; Fiscalização
do Trabalho; Analista e Técnico de Finanças e Controle; Analista e Técnico de Orçamento; Especialista
em Políticas Públicas e Gestão Governamental; Técnicos de Planejamento, código P-1501; Técnico de
Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e demais cargos técnicos de
provimento efetivo de nível superior ou intermediário integrantes dos quadros de pessoal dessa fundação
destinados à elaboração de planos e orçamentos públicos; Policial Federal, Policial Ferroviário Federal,
Policial Rodoviário Federal; Diplomata; Policial Civil federal e Agente Fiscal federal integrantes de
quadro em extinção dos ex-Territórios Federais; Carreira de Pesquisa em Ciência e Tecnologia,
Tecnologista e Técnico da Carreira de Desenvolvimento Tecnológico e Analista em Ciência e Tecnologia
e Assistente da Carreira de Gestão, Planejamento e Infra-Estrutura em Ciência e Tecnologia do Plano
de Carreiras da área de Ciência e Tecnologia; Oficial de Chancelaria; Sanitarista; Fiscal de Cadastro e
Tributação Rural e demais cargos de provimento efetivo do quadro de pessoal do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária destinados às atividades de reforma e desenvolvimento agrário,
assentamento e desenvolvimento rural, fiscalização, avaliação e controle do cadastro rural; Restaurador,
Arquiteto, Técnico em Assuntos Culturais, Técnico em Assuntos Educacionais, Técnico de Nível Superior,
Analista, Técnico e Analista Consultor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;
fiscalização e cumprimento da legislação nuclear; Carreira de Tecnologia Militar; Sertanista, Assistente
Social, Antropólogo, Museólogo, Sociólogo, Pesquisador, Técnico de Nível Superior e técnico em
Indigenismo da Fundação Nacional do Índio; Analista de Comércio Exterior; assegurando-se a preservação
dessa condição inclusive em caso de transformação, reclassificação, transposição, reestruturação,
redistribuição, remoção e alteração de nomenclatura que afetem os respectivos cargos ou carreiras
sem modificar a essência das atribuições desenvolvidas.
IV - Contratação de Servidores pela CLT
A Lei nº 9.962/2000 fixa regras gerais e disciplina o regime de emprego na administração pública
(inciso I e II do art. 37 da Constituição) cujo pessoal, após o fim do regime jurídico único estatutário,
será contratado pela CLT. Esta lei diz, em resumo, o seguinte:
a) transfere para leis específicas, a serem enviadas ao Congresso, a criação dos empregos e a
transformação de cargos em emprego;
b) determina a perda do emprego público, de forma unilateral, nas hipóteses: i) de justa causa,
acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, redução de quadro por excesso de despesa;
e ii) insuficiência de desempenho, apurado em procedimento sumário, do qual cabe recurso apenas
ao chefe imediato, com efeito suspensivo por apenas 30 dias;
c) manda aplicar aos contratos de emprego os direitos e deveres da Consolidação das Leis do
Trabalho (FGTS, aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS no ato da dispensa sem justa causa,
etc). Embora a lei seja omissa, o direito de negociação coletiva dos futuros celetistas está
prejudicado pelo que estabelece o inciso X do art. 37, X, que exige que qualquer aumento seja
feito por meio de lei.
d) exclui do regime de emprego os cargos públicos de provimento em comissão e os cargos ou empregos
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atualmente ocupados pelos servidores estáveis regidos pela Lei nº 8.112/90.
e) Autoriza a dispensa sem as exigências ou formalidades do item anterior, do pessoal contratado pelo
regime de emprego em decorrência de autonomia de gestão, inclusive nos órgãos da administração
direta.
V – Previdência Complementar no Serviço Público
O PLP 9/99 – Projeto de Lei Complementar dispõe sobre as normas gerais para instituição de regime de
previdência complementar pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. Este
projeto, que aguarda votação pelo plenário da Câmara dos Deputados, resumidamente diz:
a).Institui a previdência complementar para os servidores detentores de cargos públicos, como forma
de complementar a aposentadoria dos servidores que ingressarem no serviço público pelo sistema de
cargo público, cuja aposentadoria, a ser paga pelo Tesouro, ficará limitada ao teto do INSS. Os
contratados pelo sistema de emprego público serão vinculados ao INSS.
b)..Faculta aos futuros servidores, que desejarem complementar a aposentadoria básica de R$ 1.430,00
a optar pela previdência complementar, mediante contribuição do governo e do servidor. A não opção
significa que o servidor não deseja aderir à previdência complementar, e, portanto, terá direito apenas
ao benefício de valor equivalente ao do teto do regime geral da previdência básica, a ser pago pelo
Tesouro.
c).Faculta aos atuais servidores optarem pela previdência complementar, renunciando ao direito à
aposentadoria integral,
d).Prevê a modalidade exclusivamente de contribuição definida para o plano de benef´cios;
e)..Foi incluída pela Câmara a garante da contagem do tempo de serviço total anterior à adesão à
previdência complementar, para efeito de benefício diferido proporcional, a ser custeado pelo
patrocinador
f).. Estabelece que a contribuição para o regime próprio dos servidores públicos ficará limitada ao
valor do regime geral, tanto para os novos servidores quanto para os atuais que aderirem ao regime
complementar,
VI – Direito de Greve
Projeto de Lei do Poder Executivo enviado à Câmara dos Deputados por intermédio da Mensagem
Presidencial nº 1.453, de 27 de dezembro de 2001, sob o pretexto de regulamentar, impede o exercício
do direito de greve na Administração Pública, inclusive em nível estadual e municipal.
A simples leitura do projeto, enviado ao Congresso em 28 de dezembro, quando os parlamentares já
estavam de recesso, releva, mesmo para aqueles contrários ao direito de greve no serviço público, i)
ausência de razoabilidade, ii) inconstitucionalidade e principalmente, iii) desonestidade intelectual.
De acordo como art. 3º do projeto, “será suspenso, de oficio, pela autoridade competente, o pagamento
da remuneração do servidor em greve, relativamente aos dias não trabalhados”. Somente na hipótese
de ser declarada legal a greve será restabelecido o pagamento da remuneração, ficando o servidor
obrigado a repor os dias não trabalhados, mediante acréscimo de duas horas diárias na jornada.
É considerada legal a greve que atender simultaneamente as seguintes exigências:
a) as deliberações em assembléia somente serão tomadas com a presença mínima comprovada de
dois terços do total dos servidores da categoria,
b) consideram-se aprovadas as votações que obtiveram o voto favoráveis da maioria absoluta dos
presentes, que em hipótese nenhuma poderá sem inferior a 2/3 do total da categoria,
c) antes de deliberar sobre greve, a assembléia deverá aprovar o “indicativo de greve” e notificar ao
Poder Público para que se manifeste no prazo de 30 dias,
d) se, passados o prazo de 30 dias sem manifestação do Poder Público ou frustrada a tentativa de
conciliação, poderá ser convocada assembléia específica para decidir pela paralisação dos serviços,
observados o quorum de 2/3 de presença e maioria absoluta dos presentes para aprovação,
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e) decidida a paralisação, a entidade representativa deverá comunicar, como antecedência mínima
de 10 dias, a data de inicio do movimento paredista,
f) também no prazo de dez dias antes do início da paralisação, a entidade deverá “informar à
comunidade” sobre as reivindicações apresentadas ao poder público;
g) durante a greve deverá ser mantido o percentual mínimo de 50% de servidores em atividade,
podendo o Poder Público postular ao Judiciário, liminarmente, a fixação de percentual de servidores
em atividades superior a 50%;
h) proibida a prática, durante a greve, sob pena de demissão sumário, de atos que impeçam o acesso
ao trabalho, perturbação do regular funcionamento do serviço ou atividade pública ou que cause
ameaça ou dano a propriedade ou a pessoa:
Como se pode verificar, tantos as medidas infraconstitucionais quanto as constitucionais foram editada
com o objetivo de desregulamentar direitos e regulamentar restrições, ou seja, tudo que beneficia é
excluído da lei enquanto as proibições e negações de direitos são explicitadas nos textos.
Se a situação dos atuais servidores não é das melhores, imagine a dos futuros contratados pela
administração pública. Em relação aos futuros servidores, tanto para os contratados sob o regime de
emprego quanto para aqueles que o forem sob a forma de cargo público, a situação não será nada
atraente. Os primeiros serão contratados pela CLT, serão filiados obrigatoriamente ao INSS, não terão
direito a negociação coletiva, a greve é impossível e seus reajustes serão definidos por lei. Os detentores
de cargos públicos, integrantes das carreiras exclusivas de Estado, não terão direito à aposentadoria
integral e poderão ser demitidos por falta grave, excesso de gasto e insuficiência de desempenho.
Finalmente, para se ter uma idéia da investida sobre os servidores públicos, publicamos o levantamento
do DIAP com mais de 50 direitos, vantagens ou garantias dos assalariados do setor público que foram
suprimidos, reduzidos durante o governo FHC:
Investidura – Não havia previsão de provimento de quaisquer cargos com estrangeiros, exceto nas
universidades e institutos de pesquisa. Agora, está possibilitado o provimento de cargos por estrangeiro,
fora dessas áreas, de acordo com as normas e os procedimentos do RJU.
1. Interinidade – O ocupante de cargo de confiança fica autorizado, interinamente, a exercer
cumulativamente outro cargo de confiança vago, sem prejuízo das atribuições do que atualmente
ocupa, devendo, entretanto, optar pela remuneração de um deles durante o período de
interinidade.
2. Ingresso e desenvolvimento de carreira – Foram excluídas as formas de ascensão e acesso, em
face de terem sido declaradas inconstitucionais. O governo retirou em 1995 o projeto de lei
que fixava as diretrizes para os planos de carreira.
3. Posse – Fixou-se em 30 dias o prazo para posse, eliminando a possibilidade de prorrogação
desse prazo, exceto para quem esteja impedido, cuja contagem se inicia a partir do término do
impedimento.
4. Exercício – Foi reduzido de 30 para 15 dias o prazo para servidor empossado entrar em exercício,
contado da posse. A regra também vale para cargo de confiança. O não cumprimento do prazo
implica a exoneração do cargo ou, na hipótese de função de confiança, a anulação do ato de
designação.
5. Dedicação exclusiva – O servidor ocupante de cargo em comissão ou função de confiança trabalha
em regime integral e dedicação exclusiva, sem direito a qualquer adicional ou vantagem quando
convocado no interesse da administração pública.
6. Cargo em comissão no estágio probatório – Ficou autorizado o exercício de cargo em comissão
ou funções de direção, chefia ou assessoramento ao servidor em estágio probatório,
condicionando sua liberação para outro órgão ao exercício de cargo de Direção ou Assessoramento
Superior, DAS, de níveis 6, 5 e 4 ou equivalente.
7. Transferência – O artigo que previa o instituto de transferência foi revogado em razão da
declaração de inconstitucionalidade.
8. Readaptação – Aumentou a exigência para readaptar, em cargo de atribuições afins, servidor
que tenha sofrido limitação física ou mental. Foram acrescidos como requisitos, o nível de
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escolaridade e a equivalência de vencimentos. Na hipótese de inexistência de cargo vago, o
servidor exercerá suas atribuições como excedente à lotação, até o surgimento de vaga.
9. Formas de exoneração e dispensa – As hipóteses de exoneração de cargo e de dispensa de
função poderão ser previstas, independentemente da aprovação do sistema de carreiras.
10. Remoção para acompanhar cônjuge – A remoção para acompanhar o cônjuge ou companheiro
no caso de deslocamento ficou restrita à condição de ambos serem servidores públicos.
11. Substituição – O pagamento por substituição em função de direção e chefias só ocorrerá quando
a substituição for superior a 30 dias.
12. Reposição ao erário – Ampliou-se de dez para 25% da remuneração os descontos em favor da
União, ou, integral quando constado pagamento indevido no mês anterior. Retornou ao limite
de 10% em 2000, por medida provisória.
13. Ajuda de custo – Ficou vedado o pagamento duplo de ajuda de custo, a qualquer tempo, no
caso de o cônjuge ou companheiro, que detenha também a condição de servidor, vier a ter
exercício na mesma localidade.
14. Servidor em débito - Fixou-se em 60 dias o prazo para quitação de débito do servidor demitido,
exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, ou para o servidor cuja
dívida supere cinco vezes sua remuneração.
15. Reposição de valor decorrente de liminar cassada - Foi fixado em 30 dias o prazo para devolução
integral dos valores percebidos pelo servidor em razão de decisão liminar que seja cassada ou
revista posteriormente.
16. Incorporação de gratificação - Proibiu-se a incorporação de gratificação - quintos e décimos –
para os servidores ativos e também aos proventos de aposentadoria, transformando as vantagens
já incorporadas em vantagem pessoal e desvinculando-a dos cargos ativos.
17. Adicional por tempo de serviço - Transformou-se o anuênio em quinquênio, limitando-o ao
máximo de 35%, mas logo em seguida foi extinto.
18. Conversão de 1/3 de férias - Ficou proibida a venda de 1/3 de férias, vedando-se conversão de
dez dias em pecúnia.
19. Licença-prêmio - Foi extinta a licença-prêmio de três meses por cada cinco anos de exercício
ininterrupto, como prêmio de assiduidade. Em seu lugar, instituiu-se a licença para participar
de curso de capacitação, a critério da administração pública.
20. Licença remunerada por motivo de doença em pessoa da família - O prazo de remuneração da
licença, que era de 90 dias, foi reduzido para 30.
21. Licença para mandato classista - Podem ser liberados, sem direito a remuneração, para exercício
de mandato classista em sindicato, federação ou confederação, um servidor por entidade com
até 5.000 associados, dois para entidades com entre 5.001 e 30.000 associados e três para
entidade com mais de 30.000 filiados.
22. Contagem de tempo para aposentadoria - Revogou-se o Parágrafo Único do art. 101 da Lei
8.112/90, que arredondava para um ano o período superior a 180 dias para efeito de
aposentadoria, em decorrência de declaração de inconstitucionalidade pelo STF.
23. Acúmulo de remuneração - Proibiu-se o acúmulo de remuneração com proventos de
aposentadoria.
24. Acúmulo de cargos - Proibiu-se a acumulação de cargos em comissão, exceto interinamente,
vedando a remuneração pela participação em órgãos de deliberação coletiva.
25. Rito sumário - Foi instituído o rito sumário para apuração e punição do servidor que acumular
cargo ou emprego, fixando em cinco dias o prazo para defesa a partir da citação.
26. Aposentadoria por invalidez - Passou a ser exigida junta médica oficial que deverá caracterizar
a incapacidade e a impossibilidade de readaptação do servidor em outro cargo.
27. Acréscimo de remuneração na aposentadoria - Foi revogado o art. 192 da Lei 8.112, que permitia
ao servidor com tempo para aposentadoria integral passar para a inatividade com a remuneração
do padrão da classe imediatamente superior àquela em que se encontra posicionado.
28. Demissão de não-estáveis - Ficou autorizada a demissão dos servidores contratados sem concurso
entre outubro de 1983 e 1998, mediante indenização de uma remuneração por ano de serviço.
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29. Servidores do Banco Central - Os funcionários do Banco Central do Brasil foram enquadrados
como servidores públicos estatutários, em decorrência de decisão do STF.
30. Gratificações de localidade e de interinidade - Foram extintas as gratificações especiais de
localidade, devidas a servidores em exercício em zonas inóspitas ou de precárias condições de
vida. Quem já recebia mantém o direito como vantagem pessoal transitória.
31. Auxílio-alimentação - O tíquete refeição e alimentação foi transformado em dinheiro, sem
garantia efetiva de correção.
32.Servidor candidato a cargo eletivo - Restringiu-se para 90 dias o período de afastamento
remunerado do servidor que concorrer a cargo eletivo, contrariando a Lei Complementar 64/
90.
33. Licença para acompanhar parente doente - O direito à licença remunerada ficou restrito para
prestar assistência a familiares enfermos de 90 para 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias.
Limitou-se a licença sem remuneração para esta finalidade.
34. Limite máximo de remuneração (teto) – Reduziu-se o limite máximo de vencimentos de 90 para
80% da remuneração do Ministro do Estado, estabelecendo-se a exclusão, para efeito do cálculo
do limite máximo de remuneração a que se refere o inciso II do art. 37 da Constituição, das
parcelas relativas à diferença de vencimentos nominalmente identificada decorrente de
enquadramentos e os décimos incorporados.
35. Programa permanente de PDV, como forma de pressionar o servidor a deixar o serviço público.
36. Disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço, como decisão unilateral
dos governantes.
37. Incentivo à licença não remunerada superior a três anos.
38. Redução de jornada com redução proporcional de salário.
39. Regulamentação restritiva das chamadas carreiras exclusivas de Estado, que reúne no máximo
8% dos servidores por esfera de governo.
40. Adoção do contrato de emprego no serviço público, perdendo o direito à estabilidade e à
aposentadoria integral.
41.Redução das despesas com pessoal, mediante a Lei Rita Camata, e depois pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, que fixou no máximo em 50% das receitas líquidas correntes para
gasto com servidores públicos federais.
42.Criação do limite prudencial de gastos com pessoal (95% do limite permanente) a fim de impedir
a reestruturação de carreiras, a concessão de vantagens e a contratação de pessoal quando
ultrapassado esse limite.
43.Adoção da previdência complementar no serviço público, garantindo aposentadoria pelo Tesouro
apenas até R$ 1.328,00, sendo facultado ao servidor ingressar na previdência complementar na
parcela da remuneração que exceda a este valor.
44.Tentou elevar a contribuição previdenciária dos servidores para até 25%, com efeito confiscatório,
que foi barrado pelo STF por meio de liminar na ADIN 2010.
45. Desvinculou a remuneração de ativos e inativos em cerca de 20 carreiras no serviço público,
criando Gratificações de Desempenho que não foram concedidas aos inativos e pensionistas
dessas carreiras.
46.Condicionou a aposentadoria integral nas mesmas carreiras a 5 anos de exercício com o
recebimento da Gratificação de Desempenho e criou a figura da reversão ao cargo antes ocupados
para permitir que servidores aposentados há menos de 5 anos voltem ao trabalho para poderem
então aposentar-se daqui a 5 anos com proventos integrais.
47. Limitou a despesa com aposentados e pensionistas a 12% da receita corrente líquida, a fim de
reduzir os gastos com aposentados.
48. Proíbe a concessão de liminares ao servidor público sem garantias reais, ou seja, só obriga o
governo a pagar ganhos judiciais de servidores após a decisão definitiva da Justiça.
49. Proibiu a concessão de tutela antecipada em ações que envolvam remunerações e proventos de
servidores públicos.
50. Restringiu a substituição processual das entidades sindicais em ações contra o governo aos
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filiados residentes na área de jurisdição da vara ou tribunal.
51. Autoriza o serviço voluntário, mediante contrato de adesão, sem qualquer remuneração por
serviço prestado a entes governamentais.
52. Negação da data-base dos servidores, deixando os servidores sem o reajuste devido, inclusive
por força de dispositivo constitucional.
53. Apesar de não reajustar os vencimentos, aumentou o valor do imposto de renda sobre o
rendimento assalariado, em função da não correção da tabela progressiva do IRPF.
54. Proibiu a contagem de tempo rural para efeito de aposentadoria urbana, especialmente no
serviço público.
55. Proibiu a realização de concursos públicos e incentivou a demissão voluntária, por meio de
PDVs, sobrecarregando os atuais servidores.
56. medida provisória que autoriza a contratação temporário de trabalhadores para substituir grevista
no serviço público.
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Cadernos de Textos da CONDSEF.
Universalização dos Serviços Püblicos: Fim das Privatizações e uma Alternativa para os
Trabalhadores.
Eduardo Alves. Luis Alberto dos Santos. Antônio Augusto de Queiroz.
Porto Alegre: CONDSEF, 2002.
II Fórum Social Mundial
Índice para Catálogo Sistemático:
1. Brasil: Servidores Püblicos: Ciências Sociais: Ciências Políticas: História
2. Brasil: Servidores Püblicos: Administração Pública: Ciências Políticas: História
3. Brasil: Servidores Públicos: Direito: Administração: Ciências Políticas
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