Ciência, tecnologia e educação: fundamentos sociológicos Science
Transcrição
Ciência, tecnologia e educação: fundamentos sociológicos Science
1 Ciência, tecnologia e educação: fundamentos sociológicos Science, technology and education: sociological foundations Abelardo Bento Araújo Mestrando em Educação Tecnológica – CEFET/MG; Bolsista CAPES –[email protected] Maria Aparecida da Silva Doutora em Educação – UNICAMP; professora do CEFET/MG – [email protected] RESUMO: Partindo da preocupação com a relação entre ciência, tecnologia e sociedade no Currículo, em pesquisa de mestrado, este artigo se refere à relação da realidade educacional com o desenvolvimento científico e tecnológico. Como início da construção de bases teóricas para a pesquisa, o texto busca, na Sociologia, contribuições para subsidiar o debate educacional ante a realidade social, no que se refere à interpretação da relação entre ciência, tecnologia e sociedade. O caminho escolhido, neste texto, orienta-se por uma das inúmeras questões colocadas às pesquisas em educação: que fundamentos para a educação podem ser extraídos das perspectivas sociológicas sobre ciência e tecnologia – neutralidade científica, determinismo tecnológico, não neutralidade e sociodeterminismo? Com base em discussão teórica de análises feitas por autores como Dagnino (2002), Njalsson (2005) e Oliveira (2008), em alguns casos, recorrendo aos representantes dessas perspectivas, como Marcuse e Feenberg, o texto procura entender a perspectiva educacional no tratamento histórico da ciência e da tecnologia realizado no interior dessas perspectivas sociológicas. Aponta-se, por fim, para as discussões atuais sobre a questão e para as perspectivas educacionais em relação à ciência e à tecnologia. Palavras-chave: Ciência, Tecnologia, Sociedade, Educação. ABSTRACT: Arising from the concern with the relationship between science, technology and society in the curriculum, research masters, this article refers to the relationship with the educational reality of scientific and technological development. As construction began of a theoretical basis for research, the text search, sociology, contributions to subsidize the education debate in the face of social reality, as regards the interpretation of the relationship between science, technology and society. The path chosen in this text, guided by a number of questions to research in education: foundations for education that can be drawn from sociological perspectives on science and technology – scientific neutrality, technological determinism, social determinism and non-neutrality? Based on theoretical discussion of analysis done by authors such as Dagnino (2002), Njalsson (2005) and Oliveira (2008), in some cases, using the representatives of these perspectives, as Marcuse and Feenberg, the text seeks to understand the educational perspective in the treatment history of science and technology held within these sociological perspectives. Points out, finally, to the current discussions on the issue and the educational prospects for science and technology. Keywords: Science, Technology, Society, Education. 1-Introdução A sociedade atual, caracterizada pelo desenvolvimento científico-tecnológico, é permeada por contradições. A mesma ciência e a mesma tecnologia que permitiram e vêm 2 provocando a destruição da natureza despontam como possibilidades para a convivência harmoniosa entre homem e meio ambiente. O mesmo avanço que exclui socialmente grupos inteiros se mostra como ferramenta útil à inclusão social. Para além dessas constatações, é importante registrar, como Oliveira (2010) que atualmente o desenvolvimento científicotecnológico recuperou seu poder sedutor, perdido em meados dos anos 1970, embora esteja muito mais consciente de suas ambivalências. Paralelamente ao desenvolvimento científico e tecnológico, diversas perspectivas sociológicas abordaram as relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Os estudos sociais da ciência servem, segundo Andrade (2007, p. 65), para “[...] examinar criticamente o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no contexto das sociedades”. O quadro de conflitos apontado acima é verificável pela observação direta na realidade e por meio de dados disponibilizados por censos e meios de comunicação. Diante desse quadro, a educação aparece em discursos e análises como possibilidade e alternativa mediadora, embora assumindo caracteres distintos em cada tese sobre a questão. A existência das contradições ante o desenvolvimento científico e o apontamento da educação como alternativa mediadora nesses conflitos colocam sérias perguntas às pesquisas em educação. Este texto se orienta por uma dessas indagações: que fundamentos para a educação podem ser extraídos das perspectivas sociológicas sobre ciência e tecnologia: neutralidade científica, determinismo sociológico, não neutralidade e sociodeterminismo? Este texto aborda como essas perspectivas sociológicas trataram historicamente da relação entre ciência, tecnologia e sociedade. Busca-se, assim, compreender a perspectiva educacional em cada uma delas, apontando, por fim, para as discussões atuais sobre ciência, tecnologia e sociedade. Busca-se, a partir deste debate, apreender fundamentos para a educação que tenha em vista o futuro, numa sociedade caracterizada como científicotecnológica. 2-Desenvolvimento científico-tecnológico: diferentes perspectivas Os avanços em ciência e em tecnologia foram acompanhados pelo desenvolvimento de diferentes perspectivas sócio-filosóficas de interpretação de suas relações com a sociedade. A interpretação varia da completa autonomia do desenvolvimento científico-tecnológico em relação ao ambiente social ao seu oposto – a completa determinação social. Uma perspectiva vê a ciência e a tecnologia como autônomas, supondo o seu avanço contínuo e inexorável, 3 enquanto outra entende ser socialmente determinado o próprio caráter da ciência e da tecnologia, e não apenas seu uso (NJALSSON, 2005). O primeiro tipo de interpretação inclui tanto os que advogam a neutralidade científica quanto o determinismo tecnológico. Nas duas perspectivas, há a ideia de desenvolvimento autônomo da tecnologia. Embora no determinismo tecnológico a tecnologia seja responsável pelo desenvolvimento das relações sociais, ela não sofre influencia destas. O segundo tipo de interpretação, que leva em conta as determinações sociais sobre a tecnologia, pode ser dividido, para análise e compreensão, em duas outras perspectivas, influenciadas pelo marxismo e pelo construtivismo: a perspectiva da não neutralidade e a da tecnologia influenciada e influenciável – o sociodeterminismo. A seguir, discutem-se essas perspectivas, procurando entender os fundamentos educacionais nelas contidos, especialmente com base na análise feita por Dagnino (2002) para discutir implicações para a política de ciência e tecnologia. 2.1- Autonomia tecnológica e neutralidade científica A ideia da neutralidade emerge junto com o próprio conhecimento científico, em oposição ao conhecimento religioso, claramente não neutro, no Renascimento, tendo sido o Iluminismo o primeiro sistema de pensamento a propiciar o seu crescimento, reforçado pelo positivismo. O postulado da neutralidade científica possui um caráter descritivo, mas também normativo. Ciência e tecnologia não só não são influenciadas pelo meio que são produzidas, mas a neutralidade significa regra geral da boa ciência. A ideia é de que há apenas uma versão verdadeira para a ciência e a tecnologia. As “anomalias”, para utilizar o termo de Thomas Kuhn (1998), em sua crítica ao pressuposto da neutralidade, seriam resolvidas à luz da ciência, vindo a se tornar a nova verdade científica, coincidindo com o sentido de progresso. Eram sucessos melhorados cumulativa e sucessivamente (DAGNINO, 2002). “Ao isolar a ciência da esfera valorativa, a tese da neutralidade [...] [a coloca] fora do alcance de questionamentos [...] sociais – sendo essa a implicação mais relevante de um ponto de vista interno à cultura ocidental [...]”. Isso permite ainda “que a ciência seja posta como um valor universal – o que é relevante especialmente no que se refere às relações da cultura ocidental com outras culturas” (OLIVEIRA, 2008, p. 98). O cientificismo presente nessa concepção tem como consequência a supervalorização da ciência, considerando que todos os problemas humanos podem ser resolvidos por ela. A educação, nesta visão, tem como pressuposto formar minicientistas por meio do método 4 científico, que ensinaria o pensar e o comportar-se racionalmente. A racionalidade científica permitiria à humanidade superar os limites da paixão e da razão, produzindo uma sociedade cada vez melhor, à medida que se eliminassem os interesses políticos e irracionais (DAGNINO, 2002). Positivismo e cientificismo partilham a ideia de coisificação, de demonstração de fatos e fenômenos – sejam físicos ou sociais. A educação teria o papel de eliminar as irracionalidades por meio da objetividade científica, não levando em conta a constituição sócio-histórica da ciência e da tecnologia, muito menos dos sujeitos. No entanto, a filosofia e a sociologia da ciência têm “demonstrando a falácia do mito cientificista. Não existe a neutralidade científica nem a ciência é eficaz para resolver as grandes questões éticas e sócio-políticas da humanidade”. Ciência e tecnologia interferem no ambiente e suas aplicações são “objeto de muitos debates éticos, o que torna inconcebível a idéia de uma ciência pela ciência, sem consideração de seus efeitos e aplicações (FOUREZ, 1995; JAPIASSU, 1999, apud SANTOS; MORTIMER, 2002, p. 14). 2.2- Autonomia tecnológica e determinismo tecnológico Esta perspectiva teórica se opõe à neutralidade científica, na medida em que postula uma grande influência da tecnologia sobre a sociedade. Porém, dá para entender o motivo pelo qual Dagnino (2002) a insere no grupo das perspectivas com foco na tecnologia quando se verifica que, apesar da divergência com a neutralidade quanto às relações com a sociedade, as análises continuam apontando o desenvolvimento autônomo (a priori) da tecnologia. Esta é uma perspectiva atribuída, mesmo com controvérsias, ao pensamento de Karl Marx, especialmente com base no que ele escreveu em A miséria da filosofia, em 1846. Ciência e tecnologia são vistas, assim, como determinantes das mudanças sociais e históricas. Seriam, também, a causa do surgimento do capitalismo tanto quanto levariam ao seu fim. No entanto, o determinismo tecnológico foi questionado no interior do próprio marxismo. Braverman (1987), por exemplo, ao abordar a relação entre trabalho vivo (força de trabalho) e trabalho morto (força de trabalho materializado na máquina) critica a fetichização da tecnologia: atribuição à máquina do papel de ditadora do modo de vida e trabalho a que se assiste. A resistência de Braverman a essa concepção é porque ela tem a tecnologia como um dado natural e inevitável, esquecendo-se de que os meios de produção se convertem em capital, sendo o capitalismo responsável pelo que aparentemente provoca a maquinaria. Levando em conta que esta segunda perspectiva de desenvolvimento autônomo da ciência e da tecnologia, denominada determinismo tecnológico, é tipicamente anticapitalista, a 5 educação assume um papel de preparação para a resistência. O ideal de educação estaria na educação do artesão e do camponês, em modos anticapitalistas de trabalho. A incorporação de ciência e tecnologia, especialmente no processo produtivo teriam o poder de determinar as relações sociais e de cooptar o trabalhador. Isso implica em um saudosismo utópico em relação à educação, segundo o entendimento de Arroyo (1991). Junto à neutralidade e ao determinismo, seria possível identificar ainda variantes da interpretação da relação entre ciência, tecnologia e sociedade, por exemplo, para abordar a concepção da Escola Nova ou de Jean-Jacques Rousseau a respeito da ciência e as relações destas com a educação no sentido negativo (SANTOS, 1988). Ambas as concepções veem Escola e Fábrica (esta representando a incorporação da técnica e da ciência no fazer humano) como lugar da alta e da baixa cultura, respectivamente, caracterizando-se, por isso, como pessimismo culturalista. Outras teorias, como a do Capital Humano, passam pela questão ao tratar, por exemplo, da relação entre a formação de recursos humanos e o crescimento da economia. No entanto, não constituem interpretações da relação entre ciência, tecnologia e sociedade, além de não ser possível destacar todas essas perspectivas neste texto, que não tem o objetivo de ser exaustivo. 2.3- A negação da neutralidade: uma perspectiva frágil A perspectiva da não neutralidade entende que o conhecimento científico é produzido num determinado contexto econômico, político e cultural, sendo, assim, um produto influenciado. Trata-se, sobretudo, de aplicar o caráter político ao conhecimento científico e tecnológico. As duas correntes de pensamento que mais contribuíram para o florescimento dessa perspectiva foram o construtivismo e o marxismo. Nesse momento, o marxismo se questionava em relação ao determinismo tecnológico, pois esta concepção parecia responsável até mesmo pela “degenerescência” do socialismo real. O construtivismo, por sua vez, nascia dos questionamentos da não unicidade e da não universalidade da tecnologia por pesquisas sociológicas, econômicas, filosóficas e políticas, originárias da ideia de construção social da ciência e da tecnologia (DAGNINO, 2002). A essa perspectiva, esse autor chama de tese fraca da não neutralidade. O autor destaca ainda o papel de Langdon Winner na formulação da chamada teoria política da tecnologia, que, “ao invés de reduzir tudo ao jogo das forças sociais, leva os artefatos tecnológicos a sério, insistindo que se preste atenção às características dos objetos técnicos e às implicações de tais características” (DAGNINO, 2002, p. 18). O construtivismo dialoga diretamente com a neutralidade e o determinismo tecnológicos, contrapondo-os. 6 Critica também o determinismo econômico, que coloca os fatores econômicos como força principal da transformação tecnológica e admite que o desenvolvimento da tecnologia se associe às necessidades econômicas, mas afirma que ele tem também uma “dinâmica própria” que muitas vezes pode ir “contra as necessidades da economia” (DAGNINO, 2002, p. 21). As contribuições do marxismo à perspectiva da não neutralidade vêm do esforço de contrapor o determinismo tecnológico, mas decorre também dos esforços que fundamentam a perspectiva sociodeterminista. Stephen Marglin, por exemplo, se esforça em mostrar que, segundo Marx, foi o capitalismo que exigiu as inovações e não estas que determinaram o aparecimento do capitalismo (MARGLIN, 1974, apud DAGNINO, 2002). 2.4-A negação da neutralidade numa perspectiva radical: o sociodeterminismo O sociodeterminismo se parece com a não neutralidade, porém, é muito mais enfático. A ciência e a tecnologia, assim entendidas, por terem se originado dentro de uma sociedade capitalista, conformando-se aos seus objetivos, não poderiam servir aos objetivos de outro tipo de sociedade. Essa perspectiva tem como precursores Benjamin Coriat e David Dickson. Esses teóricos compreendem que a ciência e a tecnologia originadas “sob a égide do modo de produção capitalista, quando o conhecimento sobre a natureza - a ciência - foi sujeitada à condição de uma força produtiva a serviço do capital, possuiria características intrinsecamente capitalistas”. Essa “[...] cultura científica somente serviria para reproduzir este sistema, sendo incapaz, portanto, de ser utilizada numa sociedade igualitária, não fundamentada na exploração do homem pelo homem” (DAGNINO, 2002, p. 39). Marcuse também é sociodeterminista. Pelo menos antes de ele ser cooptado pelo Estado Beligerante americano, conforme Abreu Neto (2004). Marcuse supõe que a tecnologia constitui o homem conforme a produção. Considera que ela produz conforto, opulência e satisfação de necessidades, mas não torna o homem livre e feliz. Portanto, a sociedade industrial é repressiva e, quanto mais o homem produzir por meio da tecnologia e mais consumir, mais se incrementará a ideologia do homem unidimensional, isto é, alienado. Para Marcuse, a tecnologia tem duas alternativas: responde à valorização do capital ou promove qualidade de vida e liberdade. Se a produção valoriza o capital, aliena e reprime o homem; se valoriza o homem, emancipa-o, mas por fazer parte do conjunto das condições de aumento do lucro, não serve à emancipação humana (ABREU NETO, 2004). 7 Habermas (1968) contrapõe a tese marcusiana de dominação pela técnica e a crítica que Marcuse faz à perspectiva de racionalização de Max Weber. Ao defender a racionalização weberiana, ainda que em um sentido diferente, Habermas cai na perspectiva da neutralidade, gerando algumas controvérsias que foram retomadas recentemente por Feenberg e as quais serão abordadas no próximo tópico deste texto. A compreensão sociodeterminista não é apenas da produção de tecnologias socialmente determinadas, mas de que as tecnologias perpetuam as características da sociedade que a criou (é um ciclo). Os teóricos com essa orientação defendem a criação de tecnologias alternativas, que levem em conta relações não opressoras e respeito ao meio ambiente. A perspectiva se difere muito do determinismo tecnológico, porque não é ingênua a ponto de acreditar que as tecnologias por si só sejam capazes de levar a uma transformação social. Para isso, só uma ampla reforma política, mas reconhecem na própria mudança para formas alternativas de tecnologia um fato político (DAGNINO, 2002). "Consideradas em seu duplo aspecto de métodos de organização do trabalho e de "coisas" (meios de produção), as forças produtivas levam o carimbo e a marca das relações sociais nas que estão inscritas e nas quais foram sido produzidas" (CORIAT, 1976, p. 84, apud DAGNINO, 2002, p. 43). “[...] o conjunto do sistema das forças produtivas – tanto sua configuração geral como seus aspectos particulares – revestem formas peculiares, capitalistas.” (CORIAT, 1976, p. 86, apud DAGNINO, 2002, p. 43). Contrapondo ao determinismo, Coriat diz que as tecnologias não freiam o capitalismo, mas que o impulsionam e são impulsionadas por esse modo de produção (DAGNINO, 2002). Essa perspectiva entende que a degenerescência do socialismo soviético não se deveu à má utilização dos recursos tecnológicos capitalistas, mas às características intrínsecas dessas tecnologias. 3- A discussão sobre as relações entre tecnologia e sociedade em direção ao futuro Atualmente, a discussão em torno da educação em relação à ciência e à tecnologia tende a se orientar a partir de várias perspectivas. Para Njalsson (2005), provavelmente tenha sido mesmo Marx quem fundou a “escola de pensamento” destacando a influência da tecnologia sobre a sociedade, especialmente na obra Miséria da Filosofia. Porém, isso foi interpretado por alguns marxistas sob a perspectiva determinista, sofrendo, posteriormente, crítica mordaz de teóricos também marxistas. Seja qual for a corrente teórica, os que proclamam a determinação social da tecnologia se apoiam nessa teoria social da tecnologia, formando outras escolas de pensamento, incluindo a construção social da tecnologia. 8 A ideia de construção social da tecnologia é proposta por Feenberg (1991), que se propõe a discutir as perspectivas de Habermas e de Marcuse, defendendo uma teoria crítica da tecnologia. Nela, o autor foge dos determinismos, entendendo a tecnologia sob novo olhar. Em suas palavras, no campo teórico, às vezes, a tecnologia tem sua dimensão supervalorizada, às vezes adquire um peso político maior e às vezes, privilegiam-se essas duas. Feenberg argumenta que são necessárias abordagens diferentes, dependendo do caso. O posicionamento nem repudia a ciência, nem a metafísica, nem o instrumentalismo e nem as defesas de neutralidade, propondo resolver o que o autor considera os problemas nas teorias de Marcuse e Habermas, ao mesmo tempo em que oferece base para uma crítica radical. A partir da ideia de tecnologia como construção social, a interpretação de Dagnino (2002) vai em direção ao processo decisório da política de ciência e tecnologia, apontando possibilidades legadas à capacidade dos sujeitos de interferir nesse processo. Fica mais claro também o papel político da educação, porque se admitem possibilidades diante da tecnologia1. Oliveira (2008, p. 114) traz uma contribuição importante ao debate, ao defender uma ciência “que toma suas decisões a partir de um diálogo com outros setores da sociedade, com outras visões de mundo. Uma ciência que dá ouvidos às críticas sérias que lhe são dirigidas em vez de rejeitá-las in limine como retrógradas, obscurantistas, carentes de racionalidade”. Segundo essa concepção, a educação em ciência e tecnologia assume uma grande relevância, assim como a oportunidade de discutir a questão. Embora a capacidade de formar cientistas em países como o Brasil ainda seja relativamente frágil, há que se pensa em todas as faces da questão. Os países mais industrializados se tornaram potências mediante a destruição da natureza, desenvolvendo-se a qualquer custo. Mas o Brasil tem de esperar atingir o mesmo estado para pensar em qual educação científica e tecnológica é necessária? 1 Ainda sobre o papel da ciência e da tecnologia na sociedade atual, é valido citar as reflexões de Mézáros, em entrevista. Para o filósofo, a fase descendente do capitalismo, cuja destrutividade é cada vez mais perigosa, apresenta três dimensões: a primeira está no campo militar, com intermináveis guerras intercapitais, desde o início do imperialismo monopolista nas últimas décadas do século XIX, com suas armas de destruição em massa, cada vez mais poderosas, aprimoradas nos últimos sessenta anos. Na segunda, está a intensificação do impacto destrutivo do capital sobre a ecologia, que coloca em risco o a própria existência humana. A terceira dimensão está no domínio da produção material e sempre crescente de resíduos, devido ao avanço da “produção destrutiva” em lugar da “destruição produtiva”, tidas como “criativas” e tão elogiada por teóricos liberais-conservadores, como o economista Schumpeter, entre outros. O aspecto mais importante da distinção entre capital ascendente e descendente são as preocupações da dimensão produtiva do sistema e as maneiras pelas quais a expansão produtiva pode ser garantida. Com essa ideia, o autor retoma o combate o mito da ciência enquanto empreendimento puramente teórico e neutro, isento de interesses de classe, mostrando os limites impostos pelo modo de reprodução social ao desenvolvimento científico (ALCÂNTARA, 2011 – grifos nossos). 9 4-Considerações finais Ao longo do texto, discutiram-se diferentes perspectivas sociológicas de interpretação da ciência, tecnologia. No entanto, é necessário, ainda, sintetizar essas interpretações e suas contribuições para o entendimento do papel da educação, na atualidade. Quanto à neutralidade científica e ao ideal positivista, já foram construídas suficientes críticas. Porém, há que se considerar que daí advém o reconhecimento da especificidade do conhecimento científico, com o cuidado de que essa legitimação não implique em desvalorização de outros tipos de conhecimento nem em supervalorização da ciência como domínio da natureza, sem considerar as consequências disso. No entanto, a dissociação do conhecimento científico do conhecimento religioso é um marco inegável. O apriorismo com o qual o determinismo tecnológico se propõe a tratar da questão se coloca como empecilho a um tratamento adequado da questão. No entanto, enquadra-se como primeira escola a expor claramente a influência da tecnologia sobre a sociedade, ainda que veja essa influência como via de mão única. Tem como contribuição sociológica o fato de ser a primeira pesapectiva a se preocupar com a influência da tecnologia. A não-neutralidade e o sociodeterminismo trazem algumas contribuições importantes também, a despeito da radicalização sociodeterminista. Colocam em pauta o pensamento da relação entre ciência e tecnologia, levando em conta outras dimensões da vida humana em sociedade. Do pensamento marxista tiram contribuições importantíssimas, assim como da perspectiva do construtivismo. No entanto, os debates atuais ainda estão em vias de se encontrar uma melhor compreensão do fenômeno, reconhecendo as potencialidades da ciência e da tecnologia, vistas dos dois lados da relação destas com a sociedade, contribuindo para a construção de fundamentos para a educação preocupada com o futuro científico-tecnológico. Considera-se, assim, mais prudente reconhecer os novos espaços da nova cultura tecnológica e as novas instituições que vêm formando novas dimensões humanas, com todas as contradições. Reconhecendo seus limites e possibilidades. 5-Referências ABREU NETO, F. Principios constitutivos de las tecnologías fordista y toyotista. 2004. 333 f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidad Complutense de Madrid, Madrid. Disponível em: <http://www.ucm.es/BUCM/tesis/fsl/ucm-t28413.pdf>. Acesso em: 27 dez. 2010. 10 ANDRADE, A. M. R. Para que servem os estudos sociais da ciência na América Latina? Redes, vol. 13, n. 26. Bernal Este, Argentina: Universidad de Quilmes. Dez. 2007. p. 65-73. Disponível em <http://redalyc.uaemex.mx/pdf/907/90702604.pdf>. Acesso em: 25 maio 2011. ARROYO, M. G. Revendo os vínculos entre trabalho e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Trabalho, educação e prática social. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 33. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987. DAGNINO, R. Enfoques da relação ciência, tecnologia e sociedade: neutralidade e determinismo. DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação, v.3 n.6 dez. 2002. Disponível em <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/sem_ped_ 2009/textos_apoio/DET/enfoques_ciencia_tecnologia.pdf>. Acesso em: 10 maio 2011. FEENBERG, A. Marcuse ou Habermas: duas críticas da tecnologia. (Tradução de Newton Ramos-de-Oliveira). Simon Fraser University - SFU. (Artigo baseado em palestra dada no Centro TMV da Universidade de Oslo e no Centro para Estudo das Ciências e Humanidades Universidade de Bergen). Disponível em: <http://www.sfu.ca/~andrewf/marhabportu.htm>. Acesso em: 30 maio 2011. HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. (Tradução: Arthur Morão). Lisboa – Portugal: Edições 70, 1968. KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. (Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira) 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998 (Coleção Debates). ALCÂNTARA, Débora. Meszáros vê o capital em fase descendente. Outras palavras. Salvador, 21 jun. 2011. Disponível em: <http://www.outraspalavras.net/2011/06/21/meszaros-ve-o-capitalem-fase-descendente/>. Acesso em: 01 jul. 2011. NJALSSON, G. K. Somewhere between Tech and Sociodeterminism: Problem-solution mindsets and the hypothesis of interests and elites in public IT-policy. Cuadernos de Administracion. [online]. 2005, vol.18, n.29, pp. 33-52. Disponível em <http://www.scielo.org.co/pdf/cadm/v18n29/v18n29a03.pdf>. Acesso em: 28 maio 2011. OLIVEIRA, B. J. Francis Bacon e a fundamentação da ciência como tecnologia. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010. OLIVEIRA, M. B. Neutralidade da ciência, desencantamento do mundo e controle da natureza. Scientiae Studia. São Paulo, v.6, n.1, p.97-116, 2008. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S167831662008000100005&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 30 maio 2011.