Ciência, tecnologia e educação: fundamentos sociológicos Science

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Ciência, tecnologia e educação: fundamentos sociológicos Science
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Ciência, tecnologia e educação: fundamentos sociológicos
Science, technology and education: sociological foundations
Abelardo Bento Araújo
Mestrando em Educação Tecnológica – CEFET/MG; Bolsista CAPES –[email protected]
Maria Aparecida da Silva
Doutora em Educação – UNICAMP; professora do CEFET/MG – [email protected]
RESUMO: Partindo da preocupação com a relação entre ciência, tecnologia e sociedade no
Currículo, em pesquisa de mestrado, este artigo se refere à relação da realidade educacional
com o desenvolvimento científico e tecnológico. Como início da construção de bases teóricas
para a pesquisa, o texto busca, na Sociologia, contribuições para subsidiar o debate
educacional ante a realidade social, no que se refere à interpretação da relação entre ciência,
tecnologia e sociedade. O caminho escolhido, neste texto, orienta-se por uma das inúmeras
questões colocadas às pesquisas em educação: que fundamentos para a educação podem ser
extraídos das perspectivas sociológicas sobre ciência e tecnologia – neutralidade científica,
determinismo tecnológico, não neutralidade e sociodeterminismo? Com base em discussão
teórica de análises feitas por autores como Dagnino (2002), Njalsson (2005) e Oliveira
(2008), em alguns casos, recorrendo aos representantes dessas perspectivas, como Marcuse e
Feenberg, o texto procura entender a perspectiva educacional no tratamento histórico da
ciência e da tecnologia realizado no interior dessas perspectivas sociológicas. Aponta-se, por
fim, para as discussões atuais sobre a questão e para as perspectivas educacionais em relação
à ciência e à tecnologia.
Palavras-chave: Ciência, Tecnologia, Sociedade, Educação.
ABSTRACT: Arising from the concern with the relationship between science, technology
and society in the curriculum, research masters, this article refers to the relationship with the
educational reality of scientific and technological development. As construction began of a
theoretical basis for research, the text search, sociology, contributions to subsidize the
education debate in the face of social reality, as regards the interpretation of the
relationship between science, technology and society. The path chosen in this text, guided
by a number of questions to research in education: foundations for education that can be
drawn from sociological perspectives on science and technology – scientific neutrality,
technological determinism, social determinism and non-neutrality? Based on theoretical
discussion of analysis done by authors such as Dagnino (2002), Njalsson (2005) and Oliveira
(2008), in some cases, using the representatives of these perspectives, as Marcuse and
Feenberg, the text seeks to understand the educational perspective in the treatment history of
science and technology held within these sociological perspectives. Points out, finally, to
the current discussions on the issue and the educational prospects for science and technology.
Keywords: Science, Technology, Society, Education.
1-Introdução
A sociedade atual, caracterizada pelo desenvolvimento científico-tecnológico, é
permeada por contradições. A mesma ciência e a mesma tecnologia que permitiram e vêm
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provocando a destruição da natureza despontam como possibilidades para a convivência
harmoniosa entre homem e meio ambiente. O mesmo avanço que exclui socialmente grupos
inteiros se mostra como ferramenta útil à inclusão social. Para além dessas constatações, é
importante registrar, como Oliveira (2010) que atualmente o desenvolvimento científicotecnológico recuperou seu poder sedutor, perdido em meados dos anos 1970, embora esteja
muito mais consciente de suas ambivalências. Paralelamente ao desenvolvimento científico e
tecnológico, diversas perspectivas sociológicas abordaram as relações entre ciência,
tecnologia e sociedade. Os estudos sociais da ciência servem, segundo Andrade (2007, p. 65),
para “[...] examinar criticamente o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no contexto
das sociedades”.
O quadro de conflitos apontado acima é verificável pela observação direta na
realidade e por meio de dados disponibilizados por censos e meios de comunicação. Diante
desse quadro, a educação aparece em discursos e análises como possibilidade e alternativa
mediadora, embora assumindo caracteres distintos em cada tese sobre a questão. A existência
das contradições ante o desenvolvimento científico e o apontamento da educação como
alternativa mediadora nesses conflitos colocam sérias perguntas às pesquisas em educação.
Este texto se orienta por uma dessas indagações: que fundamentos para a educação podem ser
extraídos das perspectivas sociológicas sobre ciência e tecnologia: neutralidade científica,
determinismo sociológico, não neutralidade e sociodeterminismo?
Este texto aborda como essas perspectivas sociológicas trataram historicamente da
relação entre ciência, tecnologia e sociedade. Busca-se, assim, compreender a perspectiva
educacional em cada uma delas, apontando, por fim, para as discussões atuais sobre ciência,
tecnologia e sociedade. Busca-se, a partir deste debate, apreender fundamentos para a
educação que tenha em vista o futuro, numa sociedade caracterizada como científicotecnológica.
2-Desenvolvimento científico-tecnológico: diferentes perspectivas
Os avanços em ciência e em tecnologia foram acompanhados pelo desenvolvimento
de diferentes perspectivas sócio-filosóficas de interpretação de suas relações com a sociedade.
A interpretação varia da completa autonomia do desenvolvimento científico-tecnológico em
relação ao ambiente social ao seu oposto – a completa determinação social. Uma perspectiva
vê a ciência e a tecnologia como autônomas, supondo o seu avanço contínuo e inexorável,
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enquanto outra entende ser socialmente determinado o próprio caráter da ciência e da
tecnologia, e não apenas seu uso (NJALSSON, 2005).
O primeiro tipo de interpretação inclui tanto os que advogam a neutralidade
científica quanto o determinismo tecnológico. Nas duas perspectivas, há a ideia de
desenvolvimento autônomo da tecnologia. Embora no determinismo tecnológico a tecnologia
seja responsável pelo desenvolvimento das relações sociais, ela não sofre influencia destas. O
segundo tipo de interpretação, que leva em conta as determinações sociais sobre a tecnologia,
pode ser dividido, para análise e compreensão, em duas outras perspectivas, influenciadas
pelo marxismo e pelo construtivismo: a perspectiva da não neutralidade e a da tecnologia
influenciada e influenciável – o sociodeterminismo. A seguir, discutem-se essas perspectivas,
procurando entender os fundamentos educacionais nelas contidos, especialmente com base na
análise feita por Dagnino (2002) para discutir implicações para a política de ciência e
tecnologia.
2.1- Autonomia tecnológica e neutralidade científica
A ideia da neutralidade emerge junto com o próprio conhecimento científico, em
oposição ao conhecimento religioso, claramente não neutro, no Renascimento, tendo sido o
Iluminismo o primeiro sistema de pensamento a propiciar o seu crescimento, reforçado pelo
positivismo. O postulado da neutralidade científica possui um caráter descritivo, mas também
normativo. Ciência e tecnologia não só não são influenciadas pelo meio que são produzidas,
mas a neutralidade significa regra geral da boa ciência. A ideia é de que há apenas uma versão
verdadeira para a ciência e a tecnologia. As “anomalias”, para utilizar o termo de Thomas
Kuhn (1998), em sua crítica ao pressuposto da neutralidade, seriam resolvidas à luz da
ciência, vindo a se tornar a nova verdade científica, coincidindo com o sentido de progresso.
Eram sucessos melhorados cumulativa e sucessivamente (DAGNINO, 2002).
“Ao isolar a ciência da esfera valorativa, a tese da neutralidade [...] [a coloca] fora do
alcance de questionamentos [...] sociais – sendo essa a implicação mais relevante de um ponto
de vista interno à cultura ocidental [...]”. Isso permite ainda “que a ciência seja posta como
um valor universal – o que é relevante especialmente no que se refere às relações da cultura
ocidental com outras culturas” (OLIVEIRA, 2008, p. 98).
O cientificismo presente nessa concepção tem como consequência a supervalorização
da ciência, considerando que todos os problemas humanos podem ser resolvidos por ela. A
educação, nesta visão, tem como pressuposto formar minicientistas por meio do método
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científico, que ensinaria o pensar e o comportar-se racionalmente. A racionalidade científica
permitiria à humanidade superar os limites da paixão e da razão, produzindo uma sociedade
cada vez melhor, à medida que se eliminassem os interesses políticos e irracionais
(DAGNINO, 2002). Positivismo e cientificismo partilham a ideia de coisificação, de
demonstração de fatos e fenômenos – sejam físicos ou sociais. A educação teria o papel de
eliminar as irracionalidades por meio da objetividade científica, não levando em conta a
constituição sócio-histórica da ciência e da tecnologia, muito menos dos sujeitos.
No entanto, a filosofia e a sociologia da ciência têm “demonstrando a falácia do mito
cientificista. Não existe a neutralidade científica nem a ciência é eficaz para resolver as
grandes questões éticas e sócio-políticas da humanidade”. Ciência e tecnologia interferem no
ambiente e suas aplicações são “objeto de muitos debates éticos, o que torna inconcebível a
idéia de uma ciência pela ciência, sem consideração de seus efeitos e aplicações (FOUREZ,
1995; JAPIASSU, 1999, apud SANTOS; MORTIMER, 2002, p. 14).
2.2- Autonomia tecnológica e determinismo tecnológico
Esta perspectiva teórica se opõe à neutralidade científica, na medida em que postula
uma grande influência da tecnologia sobre a sociedade. Porém, dá para entender o motivo
pelo qual Dagnino (2002) a insere no grupo das perspectivas com foco na tecnologia quando
se verifica que, apesar da divergência com a neutralidade quanto às relações com a sociedade,
as análises continuam apontando o desenvolvimento autônomo (a priori) da tecnologia.
Esta é uma perspectiva atribuída, mesmo com controvérsias, ao pensamento de Karl
Marx, especialmente com base no que ele escreveu em A miséria da filosofia, em 1846.
Ciência e tecnologia são vistas, assim, como determinantes das mudanças sociais e históricas.
Seriam, também, a causa do surgimento do capitalismo tanto quanto levariam ao seu fim.
No entanto, o determinismo tecnológico foi questionado no interior do próprio
marxismo. Braverman (1987), por exemplo, ao abordar a relação entre trabalho vivo (força de
trabalho) e trabalho morto (força de trabalho materializado na máquina) critica a fetichização
da tecnologia: atribuição à máquina do papel de ditadora do modo de vida e trabalho a que se
assiste. A resistência de Braverman a essa concepção é porque ela tem a tecnologia como um
dado natural e inevitável, esquecendo-se de que os meios de produção se convertem em
capital, sendo o capitalismo responsável pelo que aparentemente provoca a maquinaria.
Levando em conta que esta segunda perspectiva de desenvolvimento autônomo da
ciência e da tecnologia, denominada determinismo tecnológico, é tipicamente anticapitalista, a
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educação assume um papel de preparação para a resistência. O ideal de educação estaria na
educação do artesão e do camponês, em modos anticapitalistas de trabalho. A incorporação de
ciência e tecnologia, especialmente no processo produtivo teriam o poder de determinar as
relações sociais e de cooptar o trabalhador. Isso implica em um saudosismo utópico em
relação à educação, segundo o entendimento de Arroyo (1991). Junto à neutralidade e ao
determinismo, seria possível identificar ainda variantes da interpretação da relação entre
ciência, tecnologia e sociedade, por exemplo, para abordar a concepção da Escola Nova ou de
Jean-Jacques Rousseau a respeito da ciência e as relações destas com a educação no sentido
negativo (SANTOS, 1988). Ambas as concepções veem Escola e Fábrica (esta representando
a incorporação da técnica e da ciência no fazer humano) como lugar da alta e da baixa cultura,
respectivamente, caracterizando-se, por isso, como pessimismo culturalista. Outras teorias,
como a do Capital Humano, passam pela questão ao tratar, por exemplo, da relação entre a
formação de recursos humanos e o crescimento da economia. No entanto, não constituem
interpretações da relação entre ciência, tecnologia e sociedade, além de não ser possível
destacar todas essas perspectivas neste texto, que não tem o objetivo de ser exaustivo.
2.3- A negação da neutralidade: uma perspectiva frágil
A perspectiva da não neutralidade entende que o conhecimento científico é
produzido num determinado contexto econômico, político e cultural, sendo, assim, um
produto influenciado. Trata-se, sobretudo, de aplicar o caráter político ao conhecimento
científico e tecnológico. As duas correntes de pensamento que mais contribuíram para o
florescimento dessa perspectiva foram o construtivismo e o marxismo. Nesse momento, o
marxismo se questionava em relação ao determinismo tecnológico, pois esta concepção
parecia responsável até mesmo pela “degenerescência” do socialismo real. O construtivismo,
por sua vez, nascia dos questionamentos da não unicidade e da não universalidade da
tecnologia por pesquisas sociológicas, econômicas, filosóficas e políticas, originárias da ideia
de construção social da ciência e da tecnologia (DAGNINO, 2002). A essa perspectiva, esse
autor chama de tese fraca da não neutralidade.
O autor destaca ainda o papel de Langdon Winner na formulação da chamada teoria
política da tecnologia, que, “ao invés de reduzir tudo ao jogo das forças sociais, leva os
artefatos tecnológicos a sério, insistindo que se preste atenção às características dos objetos
técnicos e às implicações de tais características” (DAGNINO, 2002, p. 18). O construtivismo
dialoga diretamente com a neutralidade e o determinismo tecnológicos, contrapondo-os.
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Critica também o determinismo econômico, que coloca os fatores econômicos como força
principal da transformação tecnológica e admite que o desenvolvimento da tecnologia se
associe às necessidades econômicas, mas afirma que ele tem também uma “dinâmica própria”
que muitas vezes pode ir “contra as necessidades da economia” (DAGNINO, 2002, p. 21).
As contribuições do marxismo à perspectiva da não neutralidade vêm do esforço de
contrapor o determinismo tecnológico, mas decorre também dos esforços que fundamentam a
perspectiva sociodeterminista. Stephen Marglin, por exemplo, se esforça em mostrar que,
segundo Marx, foi o capitalismo que exigiu as inovações e não estas que determinaram o
aparecimento do capitalismo (MARGLIN, 1974, apud DAGNINO, 2002).
2.4-A negação da neutralidade numa perspectiva radical: o sociodeterminismo
O sociodeterminismo se parece com a não neutralidade, porém, é muito mais
enfático. A ciência e a tecnologia, assim entendidas, por terem se originado dentro de uma
sociedade capitalista, conformando-se aos seus objetivos, não poderiam servir aos objetivos
de outro tipo de sociedade. Essa perspectiva tem como precursores Benjamin Coriat e David
Dickson. Esses teóricos compreendem que a ciência e a tecnologia originadas “sob a égide do
modo de produção capitalista, quando o conhecimento sobre a natureza - a ciência - foi
sujeitada à condição de uma força produtiva a serviço do capital, possuiria características
intrinsecamente capitalistas”. Essa “[...] cultura científica somente serviria para reproduzir
este sistema, sendo incapaz, portanto, de ser utilizada numa sociedade igualitária, não
fundamentada na exploração do homem pelo homem” (DAGNINO, 2002, p. 39).
Marcuse também é sociodeterminista. Pelo menos antes de ele ser cooptado pelo
Estado Beligerante americano, conforme Abreu Neto (2004). Marcuse supõe que a tecnologia
constitui o homem conforme a produção. Considera que ela produz conforto, opulência e
satisfação de necessidades, mas não torna o homem livre e feliz. Portanto, a sociedade
industrial é repressiva e, quanto mais o homem produzir por meio da tecnologia e mais
consumir, mais se incrementará a ideologia do homem unidimensional, isto é, alienado. Para
Marcuse, a tecnologia tem duas alternativas: responde à valorização do capital ou promove
qualidade de vida e liberdade. Se a produção valoriza o capital, aliena e reprime o homem; se
valoriza o homem, emancipa-o, mas por fazer parte do conjunto das condições de aumento do
lucro, não serve à emancipação humana (ABREU NETO, 2004).
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Habermas (1968) contrapõe a tese marcusiana de dominação pela técnica e a crítica
que Marcuse faz à perspectiva de racionalização de Max Weber. Ao defender a racionalização
weberiana, ainda que em um sentido diferente, Habermas cai na perspectiva da neutralidade,
gerando algumas controvérsias que foram retomadas recentemente por Feenberg e as quais
serão abordadas no próximo tópico deste texto.
A compreensão sociodeterminista não é apenas da produção de tecnologias
socialmente determinadas, mas de que as tecnologias perpetuam as características da
sociedade que a criou (é um ciclo). Os teóricos com essa orientação defendem a criação de
tecnologias alternativas, que levem em conta relações não opressoras e respeito ao meio
ambiente. A perspectiva se difere muito do determinismo tecnológico, porque não é ingênua a
ponto de acreditar que as tecnologias por si só sejam capazes de levar a uma transformação
social. Para isso, só uma ampla reforma política, mas reconhecem na própria mudança para
formas alternativas de tecnologia um fato político (DAGNINO, 2002).
"Consideradas em seu duplo aspecto de métodos de organização do trabalho e de
"coisas" (meios de produção), as forças produtivas levam o carimbo e a marca das relações
sociais nas que estão inscritas e nas quais foram sido produzidas" (CORIAT, 1976, p. 84,
apud DAGNINO, 2002, p. 43). “[...] o conjunto do sistema das forças produtivas – tanto sua
configuração geral como seus aspectos particulares – revestem formas peculiares,
capitalistas.” (CORIAT, 1976, p. 86, apud DAGNINO, 2002, p. 43). Contrapondo ao
determinismo, Coriat diz que as tecnologias não freiam o capitalismo, mas que o impulsionam
e são impulsionadas por esse modo de produção (DAGNINO, 2002). Essa perspectiva
entende que a degenerescência do socialismo soviético não se deveu à má utilização dos
recursos tecnológicos capitalistas, mas às características intrínsecas dessas tecnologias.
3- A discussão sobre as relações entre tecnologia e sociedade em direção ao futuro
Atualmente, a discussão em torno da educação em relação à ciência e à tecnologia
tende a se orientar a partir de várias perspectivas. Para Njalsson (2005), provavelmente tenha
sido mesmo Marx quem fundou a “escola de pensamento” destacando a influência da
tecnologia sobre a sociedade, especialmente na obra Miséria da Filosofia. Porém, isso foi
interpretado por alguns marxistas sob a perspectiva determinista, sofrendo, posteriormente,
crítica mordaz de teóricos também marxistas. Seja qual for a corrente teórica, os que
proclamam a determinação social da tecnologia se apoiam nessa teoria social da tecnologia,
formando outras escolas de pensamento, incluindo a construção social da tecnologia.
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A ideia de construção social da tecnologia é proposta por Feenberg (1991), que se
propõe a discutir as perspectivas de Habermas e de Marcuse, defendendo uma teoria crítica da
tecnologia. Nela, o autor foge dos determinismos, entendendo a tecnologia sob novo olhar.
Em suas palavras, no campo teórico, às vezes, a tecnologia tem sua dimensão supervalorizada,
às vezes adquire um peso político maior e às vezes, privilegiam-se essas duas. Feenberg
argumenta que são necessárias abordagens diferentes, dependendo do caso. O posicionamento
nem repudia a ciência, nem a metafísica, nem o instrumentalismo e nem as defesas de
neutralidade, propondo resolver o que o autor considera os problemas nas teorias de Marcuse
e Habermas, ao mesmo tempo em que oferece base para uma crítica radical.
A partir da ideia de tecnologia como construção social, a interpretação de Dagnino
(2002) vai em direção ao processo decisório da política de ciência e tecnologia, apontando
possibilidades legadas à capacidade dos sujeitos de interferir nesse processo. Fica mais claro
também o papel político da educação, porque se admitem possibilidades diante da tecnologia1.
Oliveira (2008, p. 114) traz uma contribuição importante ao debate, ao defender uma
ciência “que toma suas decisões a partir de um diálogo com outros setores da sociedade, com
outras visões de mundo. Uma ciência que dá ouvidos às críticas sérias que lhe são dirigidas
em vez de rejeitá-las in limine como retrógradas, obscurantistas, carentes de racionalidade”.
Segundo essa concepção, a educação em ciência e tecnologia assume uma grande relevância,
assim como a oportunidade de discutir a questão. Embora a capacidade de formar cientistas
em países como o Brasil ainda seja relativamente frágil, há que se pensa em todas as faces da
questão. Os países mais industrializados se tornaram potências mediante a destruição da
natureza, desenvolvendo-se a qualquer custo. Mas o Brasil tem de esperar atingir o mesmo
estado para pensar em qual educação científica e tecnológica é necessária?
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Ainda sobre o papel da ciência e da tecnologia na sociedade atual, é valido citar as reflexões de Mézáros, em
entrevista. Para o filósofo, a fase descendente do capitalismo, cuja destrutividade é cada vez mais
perigosa, apresenta três dimensões: a primeira está no campo militar, com intermináveis guerras intercapitais,
desde o início do imperialismo monopolista nas últimas décadas do século XIX, com suas armas de destruição
em massa, cada vez mais poderosas, aprimoradas nos últimos sessenta anos. Na segunda, está a intensificação
do impacto destrutivo do capital sobre a ecologia, que coloca em risco o a própria existência humana.
A terceira dimensão está no domínio da produção material e sempre crescente de resíduos, devido ao avanço da
“produção destrutiva” em lugar da “destruição produtiva”, tidas como “criativas” e tão elogiada por teóricos
liberais-conservadores, como o economista Schumpeter, entre outros. O aspecto mais importante da distinção
entre capital ascendente e descendente são as preocupações da dimensão produtiva do sistema e as maneiras
pelas quais a expansão produtiva pode ser garantida. Com essa ideia, o autor retoma o combate o mito da ciência
enquanto empreendimento puramente teórico e neutro, isento de interesses de classe, mostrando os limites
impostos pelo modo de reprodução social ao desenvolvimento científico (ALCÂNTARA, 2011 – grifos nossos).
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4-Considerações finais
Ao longo do texto, discutiram-se diferentes perspectivas sociológicas de
interpretação da ciência, tecnologia. No entanto, é necessário, ainda, sintetizar essas
interpretações e suas contribuições para o entendimento do papel da educação, na atualidade.
Quanto à neutralidade científica e ao ideal positivista, já foram construídas
suficientes críticas. Porém, há que se considerar que daí advém o reconhecimento da
especificidade do conhecimento científico, com o cuidado de que essa legitimação não
implique em desvalorização de outros tipos de conhecimento nem em supervalorização da
ciência como domínio da natureza, sem considerar as consequências disso. No entanto, a
dissociação do conhecimento científico do conhecimento religioso é um marco inegável.
O apriorismo com o qual o determinismo tecnológico se propõe a tratar da questão se
coloca como empecilho a um tratamento adequado da questão. No entanto, enquadra-se como
primeira escola a expor claramente a influência da tecnologia sobre a sociedade, ainda que
veja essa influência como via de mão única. Tem como contribuição sociológica o fato de ser
a primeira pesapectiva a se preocupar com a influência da tecnologia.
A não-neutralidade e o sociodeterminismo trazem algumas contribuições importantes
também, a despeito da radicalização sociodeterminista. Colocam em pauta o pensamento da
relação entre ciência e tecnologia, levando em conta outras dimensões da vida humana em
sociedade. Do pensamento marxista tiram contribuições importantíssimas, assim como da
perspectiva do construtivismo. No entanto, os debates atuais ainda estão em vias de se
encontrar uma melhor compreensão do fenômeno, reconhecendo as potencialidades da ciência
e da tecnologia, vistas dos dois lados da relação destas com a sociedade, contribuindo para a
construção de fundamentos para a educação preocupada com o futuro científico-tecnológico.
Considera-se, assim, mais prudente reconhecer os novos espaços da nova cultura tecnológica
e as novas instituições que vêm formando novas dimensões humanas, com todas as
contradições. Reconhecendo seus limites e possibilidades.
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