Depressão no paciente diabético - Sociedade Brasileira de Diabetes

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Depressão no paciente diabético - Sociedade Brasileira de Diabetes
2014-2015
Diretrizes SBD
Depressão no paciente diabético:
diagnóstico e conduta
Introdução
A avaliação da depressão é difícil em
razão da fronteira imprecisa, e às vezes arbitrária, entre as formas clínicas,
subclínicas e não patológicas. Essa dificuldade atinge o seu ápice quando se
trata de um paciente com doença clínica. Neste caso, essas distinções se tornam ainda mais problemáticas, porque
há uma base real para o sentimento de
tristeza associado a uma doença clínica
grave e, sobretudo, crônica e incapacitante. No caso, p. ex., de um paciente
diabético, já quase cego e com insufi-
ciência renal, muitas vezes é difícil saber se o seu pessimismo acerca do futuro é uma resposta realista à sua
situação de vida ou uma manifestação
de um transtorno depressivo.1
Embora seja importante fazer a
distinção entre transtorno depressivo e
sintomas depressivos, acredita-se que
há alguma similaridade, se não um
continuum, entre a depressão clínica e
a subclínica. Se nos limitássemos exclusivamente aos transtornos psiquiátricos dentro dos critérios definidos,
teríamos de excluir estados subclínicos
de disforia e estresse vivenciados por
pacientes que se beneficiariam de uma
intervenção terapêutica.1
Em geral, quando se fala de depressão, está se referindo ao transtorno depressivo maior (TDM), que é um
transtorno psiquiátrico com critérios
diagnósticos bem definidos, segundo
a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-V),2 que estão resumidos no
Quadro 1.
No contexto de uma doença clínica, o médico tem de diferenciar sintomas de depressão maior, não só daqueles de transtorno de ajustamento e
Quadro 1 Critérios diagnósticos para episódio depressivo maior, segundo o DSM-V
A
Se no mínimo cinco dos sintomas abaixo estiverem presentes durante o período de duas semanas e representarem uma alteração a
partir do padrão de funcionamento anterior, sendo pelo menos um dos sintomas (1) humor deprimido ou (2) perda do
interesse ou prazer. Não correlacionar sintomas próprios de uma condição médica geral ou alucinações ou delírios
incongruentes com o humor
(1) Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex, sente-se triste ou vazio) ou
observação feita por terceiros (p. ex.: chora muito). Em crianças e adolescentes, pode ser humor irritável
(2) Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os
dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por terceiros)
(3) Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (p. ex.: mais de 5% do peso corporal em um mês) ou diminuição ou
aumento do apetite quase todos os dias. Em crianças, considerar incapacidade de apresentar os ganhos de peso esperados
(4) Insônia ou hipersonia quase todos os dias
(5) Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de
inquietação ou de estar mais lento)
(6) Fadiga ou perda de energia quase todos os dias
(7) Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou
culpa por estar doente)
(8) Capacidade reduzida de pensar ou de concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação
feita por outros)
(9) Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico,
tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio
(continua)
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Diretrizes SBD 2014-2015
Quadro 1 Critérios diagnósticos para episódio depressivo maior, segundo o DSM-V (continuação)
B
Os sintomas causam um estresse clinicamente significativo ou um comprometimento no funcionamento social, ocupacional ou em
outras áreas importantes
C
O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou outra condição médica
D
A ocorrência de um episódio depressivo maior não é melhor explicado por um transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia, transtorno
esquizofreniforme, transtorno delirante ou outro transtorno específico ou inespecífico dentro do espectro da esquizofrenia ou
outro transtorno psicótico
E
Nunca teve um episódio maníaco ou hipomaníaco
de reação normal à doença, mas também daqueles que são manifestação
direta da própria doença clínica.1
Diversos estudos comprovam a associação entre depressão e diabetes,3-5
(nível de evidência 1A, grau de recomendação A). Há fortes evidências de
que a depressão em pessoas com diabetes aumenta o risco de complicações
relacionadas. A depressão tem sido associada à hipoglicemia,3 a complicações relacionadas com o diabetes,6
bem como à percepção das limitações
funcionais decorrentes do diabetes7
(nível de evidência 2B, grau de recomendação BA). Um estudo brasileiro
avaliou pacientes diabéticos tipo 2 e
encontrou não apenas elevada prevalência de depressão, mas também correlação positiva entre a gravidade do
quadro depressivo e a gravidade da
polineuropatia diabética distal simétrica8 (nível de evidência 1B, grau de recomendação A).
A depressão passou a ser estudada
como um dos possíveis fatores etiológicos do diabetes9 e alguns estudos
evidenciaram que a depressão prediz a
ocorrência posterior de doença.10,11 Na
população geral, a depressão é responsável por piora na morbidade e na
mortalidade, mesmo na ausência de
diabetes12 (nível de evidência 1A, grau
de recomendação A). Um estudo demonstrou que a depressão seria um
importante fator de risco para doenças
micro e macrovascular, perda da autonomia e até mesmo mortalidade pelo
diabetes13 (nível de evidência 2A, grau
350
de recomendação B). A partir desse estudo, também foi postulada a existência de um efeito sinérgico entre a depressão e o diabetes, ou seja, o efeito
das duas condições juntas seria maior
do que apenas o somatório dos efeitos
das mesmas14 (nível de evidência 2A,
grau de recomendação B). Outro estudo avaliou que os hábitos de vida (exercícios, controle do peso corporal e tabagismo) explicam uma parte considerável
da associação entre depressão e controle glicêmico em diabéticos tipo 2 ao
longo de cinco anos15 (nível de evidência 2B, grau de recomendação B). A presença de depressão tem impacto negativo sobre o controle metabólico e, por
outro lado, um mau controle metabólico pode piorar a depressão.16
Uma extensa literatura enfatiza os
riscos dessa comorbidade. Embora uma
correlação causal entre essas relações
não tenha sido até agora comprovada,
sua consistência tem justificado um intenso empenho para identificar e tratar
a depressão em pacientes diabéticos,
com a presunção de que isto contribuiria para um melhor prognóstico da
doença. Estudos recentes, no entanto,
sugerem um quadro mais complicado e
colocam em dúvida aquela presun­
ção4,5,15 (nível de evidência 1A, grau de
recomendação A).
Embora haja pesquisas que apontem uma prevalência de transtorno depressivo maior em diabéticos adultos,
duas ou três vezes mais do que na população em geral, estudos mais recentes, que usam como critério diagnóstico
entrevistas estruturadas, sugerem um
aumento de prevalência de apenas 9%
a 60%, dependendo do método de screening.16 Mais comum do que o transtorno depressivo é o estresse emocional
provocado pela doença (a reação emocional negativa a esse diagnóstico, as
ameaças de complicações, as demandas de autocuidado, provedores não
responsivos e/ou falta de suporte nas
relações interpessoais).17
Sintomas de depressão, como humor deprimido, diminuição do interesse, perda de energia, dificuldade de
concentração, mas que não preenchem
os critérios para TDM, são bastante comuns entre pacientes diabéticos e estão associados a uma diminuição do
autocuidado. Além disso, o aumento
do risco de complicações e mortalidade precoce não é limitado apenas
àqueles com TDM, mas também se estende aos com sintomas de depressão
subsindrômicos. Isso sugere mais uma
relação crescente entre a gravidade
dos sintomas depressivos e um pior
prognóstico do diabetes do que um
efeito da depressão per se.17
As evidências de uma relação longitudinal entre TDM e hiperglicemia ao
longo do tempo são mínimas, e mudanças em um deles não parecem, longitudinalmente, estar associadas a mudanças no outro. Inúmeros estudos
mostram efeitos positivos da melhora
da depressão em pacientes diabéticos,
mas evidências mostrando um benefício glicêmico são, na melhor das hipóteses, raras.17
2014-2015
Há uma considerável confusão entre TDM, estresse emocional relacionado com o diabetes e sintomas depressivos. Um enfoque limitado à identificação do TDM pode restringir a capacidade
de lidar com o estresse ligado ao diabetes. Embora não se possa negar o papel
da depressão em pacientes diabéticos,
essa abordagem focada apenas na
identificação e no tratamento desse
transtorno pode não melhorar o prognóstico do paciente diabético, a menos
que sejam incorporadas estratégias dirigidas não só ao TDM, mas também à
doença crônica. Sugere-se um modo
de tratar alternativo que possa compreender que lidar com a experiência de
ter diabetes requer uma abordagem específica para avaliação e tratamento.17
O modelo conceitual atual, de forma implícita ou explícita, se baseia no
corrente entendimento de que o estresse emocional do diabetes é um
diagnóstico psiquiátrico – TDM. Contudo, a maioria dos estudos se baseia em
questionários de autoavaliação que
analisam sintomas de estresse que frequentemente têm apenas uma fraca
associação aos critérios diagnósticos
para TDM. Com isso, eles podem indevidamente “patologizar” o estresse do
paciente diabético.17
Os pacientes diabéticos que apresentam sintomas depressivos e/ou estresse emocional podem, portanto, ser
indevidamente classificados como tendo TDM, especialmente quando questionários de autoavaliação são usados.
Por exemplo: 70% dos pacientes diabéticos com elevados escores de sintomas depressivos não preenchem os
critérios para TDM com base em uma
entrevista clínica estruturada. A abordagem baseada apenas em sintomas
independentes do contexto (p. ex.,
diabetes, perda de emprego, dor, insegurança, incapacitação etc.) pode
ofuscar a grande heterogeneidade
dos quadros com sintomas depressivos e/ou estresse emocional. Esse mo-
delo corrente de diagnóstico de TDM
ignora o contexto e, quando aplicado
ao paciente diabético, leva à subavaliação e subvalorização do impacto
emocional provocado pela doença
crônica na explicação dos sintomas
emocionais. A importância do comprometimento funcional, em particular, bem como de fatores contribuintes
para o estresse na doença crônica, tem
um forte suporte empírico.17
A aplicação desse modelo tem implicação na terapêutica, levando a uma
abordagem limitada de tratamento da
depressão clínica, que pode não ser
apropriada para a maioria dos pacientes com estresse emocional. Por isso,
aplicar os tratamentos existentes para
TDM para a maior parte dos pacientes
diabéticos que estejam experimentando estresse relacionado com a doença
ou com sintomas depressivos pode ser
pouco adequado e ineficaz. Portanto, a
intervenção terapêutica não deve visar
apenas ao tratamento da depressão
(remissão ou melhora clínica do TDM
com antidepressivos e/ou psicoterapia), mas também abordar e lidar com
o estresse provocado pelos problemas
de conviver com o diabetes.
Uma abordagem abrangente da
depressão no diabetes, bem como do
estresse emocional, requer várias mudanças na maneira de tratar o paciente
diabético. Primeiro, o estresse emo­
cional deve ser considerado um componente comum da experiência do
paciente diabético, e não uma comorbidade. Segundo, devido às influências
recíprocas entre estresse emocional e
autocuidado no diabetes, o estresse
pode indicar um aumento do risco de
mau resultado terapêutico. A intervenção não deve focar apenas o tratamento da depressão, mas também o estresse provocado pela doença, seu
tratamento e possíveis complicações e
limitações funcionais. Compreender os
fatores relacionados com o diabetes
que geram estresse emocional é cru-
Diretrizes SBD
cial para o desenvolvimento de intervenções adequadas e com maior chance de sucesso.17
Os níveis de estresse podem variar
consideravelmente ao longo do tempo, seguindo ou precedendo mudanças nas condições do diabetes, e devem ser avaliados regularmente, como
parte de um cuidado permanente e
compreensivo da doença.
Embora haja instrumentos de screening para estresse relacionados com
diabetes, uma entrevista clínica versando sobre o estresse pode ser a abordagem mais sensível e efetiva. Ela evita
falsos positivos e excessiva “patologização” do estresse sem caracterizar um
transtorno psiquiátrico, o que ocorre
com muitos instrumentos para detectar TDM, e permite uma avaliação do
contexto que possa explicar os estresses que venham a ser relatados. Enquanto os antidepressivos são provavelmente ineficazes na maioria dos
casos de estresse, a atividade física, as
abordagens psicoterápicas e os grupos
de discussão com a equipe encarregada do tratamento da diabetes podem
ser extremamente eficazes.
Por outro lado, dadas as implicações da comorbidade entre depressão
e diabetes, é imprescindível a avaliação
cuidadosa da sua ocorrência nos pacientes diabéticos. Considerando todos
esses fatores já assinalados, o tratamento da depressão em comorbidade com
o diabetes é considerado essencial.16
Infelizmente, estudos demonstram
que a depressão é subdiagnosticada,
em especial nos pacientes com diabetes. Estima-se que apenas um terço dos
diabéticos com depressão recebe diagnóstico adequado.20 É importante ressaltar que, apesar disso, o diagnóstico
e o tratamento adequados podem levar à remissão do quadro depressivo e,
por sua vez, à diminuição dos riscos de
morbidade e mortalidade.
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Diretrizes SBD 2014-2015
Quadro 2 Principais antidepressivos disponíveis no Brasil
Classe do medicamento e
princípio ativo
Dose média habitual
para adultos (mg/dia)
Sedação
Hipotensão
ortostática
Ação anticolinérgica
Antidepressivos tricíclicos (ADTs)A
Imipramina
150 a 200
Moderada
Moderada
Alta
Amitriptilina
150 a 200
Alta
Muito alta
Moderada
Nortriptilina
75 a 100
Moderada
Moderada
Menor dos ADT
Clomipramina
150 a 200
Alta
Alta
Baixa
Antidepressivos tetracíclicosA
Maprotilina
150 a 200
Moderada
Moderada
Baixa
Inibidores da monoamina oxidase (IMAO)
Tranilcipromina
30
–
Muito baixa
Alta
Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS)
Fluoxetina
20 a 60
Muito baixa
Nenhuma
Muito baixa
Paroxetina
20 a 40
Baixa
Baixa
Nenhuma
Sertralina
100 a 150
Baixa
Nenhuma
Nenhuma
Citalopram
20 a 40
Baixa
Nenhuma
Nenhuma
Fluvoxamina
50 a 150
Baixa
Nenhuma
Nenhuma
Escitalopram
10 a 20
Baixa
Nenhuma
Nenhuma
Inibidores de recaptação de serotonina e norepinefrina (SNRI)
Venlafaxina
75 a 225
Baixa
Muito baixa
Muito baixaB
Desvenlafaxina
50 a 200
Baixa
Muito baixa
Muito baixa
Duloxetina
60
Baixa
Muito baixa
Muito baixa
Inibidores de recaptação de dopamina e norepinefrina
BupropionaC
300
Baixa
Muito baixa
Muito baixa
Inibidores seletivos de recaptação de norepinefrina (NARI)
ReboxetinaD
8 a 10
Muito baixa
Muito baixa
Muito baixa
Antidepressivos noradrenérgicos e serotoninérgicos específicos (NASSA)
Mirtazapina
30 a 45
Alta
Moderada
Baixa
Inibidores da recaptação de serotonina e antagonistas de serotonina (SARI)
TrazodonaE
150 a 400
Alta
Muito baixa
Moderada
Adaptado e atualizado.18
A: Todos os antidepressivos cíclicos possuem elevado potencial arritmogênico.
B: A venlafaxina causa aumento da pressão arterial dose-dependente em alguns indivíduos.
C: A bupropiona reduz significativamente o limiar convulsivo, devendo ser evitada em pacientes com histórico de síncopes e convulsões.
D: Estudo de revisão sistemática e metanálise concluiu que a reboxetina é um antidepressivo ineficaz e potencialmente danoso para o paciente.19
E: A trazodona está associada a arritmias cardíacas e priapismo.
352
2014-2015
classes, sendo as principais: tricíclicos
(ADT) e tetracíclicos; inibidores da monoamina oxidase (IMAO); inibidores seletivos da recaptação de serotonina
(ISRS); inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (SNRI); inibidores de recaptação de dopamina e
noradrenalina; inibidores seletivos de
recaptação de noradrenalina; antidepressivos noradrenérgicos e serotoninérgicos específicos (NASSA); e inibidores da recaptação de serotonina e
antagonistas de serotonina (SARI).
De acordo com as diretrizes da Associação Americana de Psiquiatria21 e
com as Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão,22 três fatores são fundamentais na escolha de um antidepressivo:
eficácia comprovada no trata­
mento
dos sintomas depressivos, preferência
do paciente e perfil de efeitos colaterais, interações medicamentosas e tolerabilidade da medicação (nível de
evidência 1A, grau de recomendação
A). Cabe ressaltar que, com relação à
eficácia antidepressiva, os antidepressivos são considerados equivalentes.
Seguindo as diretrizes supracitadas, os ISRS são considerados os psicofármacos de primeira linha no tratamento de episódios depressivos, dada a
Um resumo das principais medicações utilizadas e de suas doses habituais pode ser visto no Quadro 2.18
Conduta terapêutica
A depressão, nos casos leves e moderados, pode ser tratada pelo médico
não psiquiatra, a exemplo de outras
patologias não complicadas (p. ex., hipertensão arterial leve). No entanto,
casos de episódios depressivos graves,
depressão com sintomas psicóticos,
risco de suicídio e história de transtorno bipolar do humor devem ser encaminhados ao psiquiatra para avaliação
e conduta20 (nível de evidência 2A,
grau de recomendação A). Além disso,
sempre que o profissional não se sentir capaz de conduzir o tratamento do
paciente ou após duas tentativas sem
sucesso de tratamento da depressão, é
indicada a consultoria de um psiquiatra ou o encaminhamento do paciente20 (nível de evidência 2A, grau de recomendação A).
Atualmente, existem mais de 30
psicofármacos com eficácia comprovada no tratamento de episódios depressivos. Os antidepressivos são divididos
por mecanismo de ação em diferentes
Resposta
Diretrizes SBD
sua eficácia comprovada, tolerabilidade
e facilidade de emprego, por conta de
efeitos colaterais pouco pronunciados e
mais bem tolerados, além de custo razoavelmente acessível (nível de evidência 1A, grau de recomendação A). Os
ISNS são também provavelmente seguros, mas há menos dados dando suporte ao uso desses antidepressivos. Evitar,
se possível, os antidepressivos tricíclicos
e os IMAO, por causa do aumento de
peso e efeito sobre a glicose. Monitorar
cuidadosamente a glicose sanguínea e a
hemoglobina glicosilada quando o tratamento for iniciado, quando houver
mudança de dose e depois da retirada
(grau de recomendação A).23
É fundamental ressaltar ao paciente que a resposta à medicação antidepressiva ocorre entre a segunda e a
quarta semana de uso contínuo da medicação.16 Dados da literatura demonstram que a melhora nas primeiras semanas de tratamento está associada à
maior chance de resposta.16 Do mesmo
modo, a ausência de resposta após
quatro semanas de tratamento com
uma medicação específica diminui as
chances de uma posterior redução de
sintomas, embora alguns pacientes venham a apresentar respostas após seis
a oito semanas de uso da medicação. A
Recaída
Recorrência
Recuperação
Remissão
Gravidade
“Normalidade”
Sintomas
Síndrome
Cronicidade
Fases do tratamento
Aguda
Continuação
Manutenção
Tempo
Figura 1 Fases do tratamento antidepressivo.
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Diretrizes SBD 2014-2015
duração do tratamento deve compreender três fases: aguda, de continuação e de manutenção, conforme podemos ver na Figura 1.24
A fase aguda compreende os primeiros dois a três meses e visa à diminuição dos sintomas depressivos (resposta) ou, idealmente, ao retorno
completo ao nível de funcionamento
pré-mórbido com completa ausência
de sintomas (remissão). A fase de continuação vai até o sexto mês após o início
do tratamento e tem como objetivo
manter a melhora obtida, evitando novas recaídas de um mesmo episódio depressivo. Os índices de recaída são estimados entre 27% e 50% após seis meses
de tratamento.4 Se o paciente mantiver
a remissão de sintomas ao final da fase
de continuação, ele é considerado recuperado do episódio depressivo original.24 A fase de manutenção tem como
objetivo evitar a ocorrência de novos
episódios depressivos (recorrência), sendo recomendada aos pacientes que
apresentem probabilidades de recorrência26 (nível de evidência 1A, grau de
recomendação A).
A dose de antidepressivo usada nas
fases de continuação e de manutenção
deve ser a mesma utilizada na fase aguda, já que estudos com doses de manutenção equivalentes à metade das utilizadas na fase aguda demonstraram
taxas mais altas de recorrência.26
Cabe a ressalva de que um estudo
recente acompanhou mais de 160 mil
pacientes deprimidos tratados com antidepressivos e concluiu que o uso de
doses de moderadas a altas por mais
de dois anos está associado ao aumento do risco de surgimento de diabetes.
Alguns antidepressivos apresentaram
riscos maiores de desenvolver diabetes
em longo prazo: amitriptilina, fluvoxamina, paroxetina e venlafaxina16,23,27
(nível de evidência 2A, grau de recomendação B).
354
O tratamento psicoterápico também é fundamental, sobretudo para os
casos de depressão leve. Entre as diferentes formas de psicoterapia, aquelas
que possuem estudos controlados e
demonstram efetividade no tratamento de episódios depressivos são a psicoterapia cognitiva,28 a psicoterapia
interpessoal29 e a psicoterapia de solução de problemas,25 sendo que essas
evidências se referem a casos de depressão de leve a moderada24 (nível de
evidência 1A, grau de recomendação
A). Cabe ao psiquiatra a avaliação da
indicação da psicoterapia, bem como o
encaminhamento à mesma.
Efeito dos antidepressivos
sobre a glicose e o peso23
• ISRS: Tem um efeito favorável sobre os parâmetros diabéticos nos
pacientes com diabetes tipo II. A
necessidade de insulina pode ser
reduzida. O uso da fluoxetina parece estar associado com a melhora
nos níveis de HbA1c, redução da
necessidade de insulina e perda de
peso. Esse efeito sobre a sensibili-
dade à insulina é independente do
seu efeito sobre o peso. A sertralina pode também reduzir a HbA1c
e o seu efeito sobre o ganho de
peso é incomum.30 Com o uso da
paroxetina pode haver ganho de
peso em uma significativa minoria.30 Vem-se acumulando evidências a partir de dados que apontam
que o uso prolongado de ISRS
pode provocar um modesto aumento do risco de diabetes.
• Tricíclicos: Estão associados com
aumento do apetite, ganho de
peso e hiperglicemia. Em um estudo, a nortriptilina melhorou a depressão, mas piorou o controle glicêmico em pacientes diabéticos.
No entanto, a melhora geral da depressão tem um efeito benéfico
sobre a HbA1c. O uso em longo
prazo de tricíclicos pode aumentar
o risco de diabetes.
• IMAO: Os IMAO irreversíveis (p. ex.
tranilcipromina) tendem a causar
episódios extremos de hipoglicemia e ganho de peso. Não há dados conclusivos sobre a moclobemida.
Quadro 3 Recomendações e conclusões finais
RECOMENDAÇÃO OU CONCLUSÃO
GRAU DE
RECOMENDAÇÃO
Impacto da depressão no paciente diabético
A
Importância do diagnóstico de depressão no diabético
A
Evidência de sinergia entre depressão e diabetes na
morbimortalidade
B
Evidência de eficácia e tolerabilidade de antidepressivos ISRS
na depressão
A
Evidência de risco de desenvolvimento de diabetes com
tratamento antidepressivo
B
Necessidade de tratamento com dose e tempo adequados com
antidepressivos
A
(A) Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; (B) Estudos experimentais e
observacionais de menor consistência; (C) Relatos de casos – estudos não controlados; (D) Opinião
desprovida de avaliação crítica, baseada em consenso, estudos fisiológicos ou modelos animais.
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• ISRNS: Não parecem alterar o controle glicêmico e têm um impacto
mínimo sobre o peso. A duloxetina
usada no tratamento da neuropatia diabética tem pouca influência
sobre o controle glicêmico. Não há
dados em depressão e diabetes. Os
dados são limitados sobre a venlafaxina.
• Mirtazapina: A mirtazapina está
associada ao ganho de peso, mas
pouco se sabe sobre seus efeitos
no diabetes. Ela não parece afetar a
tolerância à glicose em pacientes
deprimidos sem diabetes.
• Trazodona: Não há dados, embora
se saiba que o ganho de peso é
incomum.23,30
Conclusão
O diagnóstico e o tratamento da depressão em pacientes diabéticos são
de grande importância, pois evitam
consequências negativas, como baixa adesão ao tratamento, sedentarismo, isolamento social, ganho de
peso, desinteresse pelo autocuidado, aumento do risco de complicações e conse­q uente pior prognóstico dessa comorbidade.
Por outro lado, uma abordagem
abrangente que distinga depressão clínica de estresse relacionado com a doença e que ofereça suporte emocional
e manejo comportamental para o paciente diabético terá maior probabilidade de benefício clínico para a maioria dos pacientes com diabetes.
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