A Síndrome de Anderson-Fabry: avanços e desafios para o

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A Síndrome de Anderson-Fabry: avanços e desafios para o
Revista Ciencia & Inovação - FAM - V.2, N.1 - DEZ - 2015
A Síndrome de Anderson-Fabry:
avanços e desafios para o diagnóstico e tratamento
Camila P. Barsaglini
Luís Gustavo Romani Fernandes
Mayara Sanches
Patrícia Ucelli Simioni
Doutor em Genética e Biologia Molecular, UNICAMP.
Docente do curso de Biomedicina, Faculdade de
Americana - FAM.
Graduada em Biomedicina pela Faculdade de
Americana - FAM.
Doutora em Genética e Biologia Molecular,
UNICAMP. Docente do curso de Biomedicina,
Faculdade de Americana, FAM.
Graduada em Biomedicina pela Faculdade de
Americana - FAM.
RESUMO
o tratamento dessa síndrome. O presente artigo traz
uma revisão crítica da literatura, de forma integrativa e
discursiva, dedicada a avaliação do contexto atual das
pesquisas relacionadas à Síndrome de Fabry. Ainda,
esse trabalho enfatiza a necessidade da reposição
enzimática precoce como forma de tratamento de
pacientes. Nesse contexto, uma maior compreensão
e divulgação dos sinais e sintomas da doença e das
novas estratégias para detectar mutações da enzima
são relevantes para o diagnóstico clinico.
A doença de Anderson-Fabry é uma patologia rara,
progressiva, hereditária, de caráter recessivo, sendo
pouco divulgada. A doença de Fabry, embora muito
agressiva para os acometidos, é pouco conhecida o que
muitas vezes gera morosidade para o seu diagnóstico
correto. Em geral, os sintomas clínicos dessa deficiência
enzimática aparecem na infância e adolescência,
levando ao comprometimento progressivo de alguns
sistemas, entre eles o vascular, cerebral, cardíaco
e renal. O presente artigo teve por objetivo realizar
uma revisão aprofundada da sintomatologia clínica da
síndrome de Anderson-Fabry, bem como ressaltar que o
diagnóstico laboratorial prematuro é de relevância para
Palavras-chave:
Doença de Fabry, deficiência
enzimática, alfa-galactosidase A, glicoesfingolipídeo,
desordem genética, ceramidas.
INTRODUÇÃO
dessa deficiência enzimática aparecem na infância
e adolescência, levando ao comprometimento
progressivo de alguns sistemas, entre eles o vascular,
cerebral, cardíaco e renal (CYBULLA et al., 2009; HU
et al., 2013; VALBUENA et al., 2008). Geralmente, os
indivíduos do sexo masculino apresentam sintomas
clássicos, tais como acroparestesias, hipohidrose,
córnea verticilata e angioqueratomas (ALEGRA et al.,
2012; MEHTA et al., 2009; ORTEU et al., 2007). Devido
à dificuldade de identificação da deficiência enzimática
por métodos de rotina, muitos pacientes com a doença
de Anderson-Fabry são inicialmente diagnosticados de
forma equivocada.
A doença de Fabry, também chamada de
síndrome de Anderson-Fabry, é uma desordem rara,
progressiva e recessiva, causada pelo depósito
lisossômico. Essa síndrome genética, ligada ao
cromossomo X, é causada pela deficiência ou
ausência da enzima α-galactosidase A. Em pacientes
acometidos, ocorre um acúmulo de glicoesfingolipídeos,
principalmente a globotriasilceramida (Gb3), no
endotélio vascular e nos tecidos viscerais tais como:
pele, rins, coração e sistema nervoso central (BOGGIO
et al., 2009; KES et al., 2013; MEHTA, 2009).
A doença de Fabry, embora muito agressiva
para os acometidos, é pouco conhecida e divulgada,
o que muitas vezes gera morosidade para o seu
diagnóstico correto. A síndrome de Fabry possui
incidência estimada de um a cada 40,000-60,000
homens e um a cada 117,000 pessoas (KES et al.,
2013; MEHTA, 2009). Ainda, por ser uma patologia
de difícil identificação, o diagnóstico tardio pode
causar alterações na qualidade e na expectativa de
vida dos pacientes. Em geral, os sintomas clínicos
Neste contexto, o presente artigo teve
por objetivo realizar uma revisão aprofundada da
sintomatologia clínica da síndrome de Anderson-Fabry,
bem como ressaltar que o diagnóstico laboratorial
prematuro é de relevância para o tratamento dessa
síndrome. Ainda, esse trabalho enfatiza a necessidade
da reposição enzimática precoce como forma de
tratamento de pacientes.
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METODOLOGIA
responsável por fragmentar a globotriasilceramida,
tem cerca de 12 Kb e, aproximadamente, sete éxons,
os quais variam entre 92 e 291 pares de bases. Para
sua expressão, a enzima passa por um processo
de fragmentação no complexo de Golgi e nos
lisossomos. A mutação no gene que codifica a alfagalactosidase A em duas outras moléculas, a galactose
e galactosilceramida, provoca a perda da função
enzimática (ALEGRA et al., 2012; LEE et al., 2003;
PASQUALIM et al., 2010; RIES et al., 2006).
A presente revisão abrange uma avaliação
crítica e integrativa da literatura a partir de 2002, dedicada
à explanação descritiva e discursiva do contexto atual
das pesquisas relacionadas à Síndrome de AndersonFabry do ponto de vista teórico. Para a realização da
pesquisa foram coletados dados da literatura científica
especializada. O presente trabalho, embasado em uma
apreciação dos trabalhos nacionais e internacionais
consultados sobre a temática, baseia-se nas formas
de tratamento e terapia e na influência de diagnóstico
precoce na sobrevida dos pacientes com a síndrome
de Anderson-Fabry descritos na literatura. Uma síntese
conclusiva é apresentada, buscando a convergência
entre os avanços na pesquisa, diagnóstico e tratamento
de pacientes portadores desta síndrome.
ASPECTOS CLÍNICOS
Os sintomas e sinais clínicos da doença
de Anderson-Fabry são de difícil diagnóstico. Em
pacientes homozigotos, a doença apresenta sua
forma clássica, com a perda funcional da alfagalactosidase A. Nesses, os primeiros sintomas
aparecem na infância e no começo da adolescência,
com intolerância ao calor, ausência ou até mesmo
a diminuição de sudorese e episódios de dores
abdominais - as quais são conhecidas como crises de
Fabry - caracterizadas por angioqueratomas na pele,
parestesias crônicas e córnea verticilata. Por volta da
terceira ou quarta década de vida esses sintomas vão
se tornando mais frequentes e mais intensos, gerando
um comprometimento sistêmico progressivo que pode
tornar o quadro irreversível. Como frequentemente
ocorre dificuldade no diagnóstico precoce, os sintomas,
que podem incluir dor neuropática, erupção cutânea,
insuficiência renal, proteinúria, acidente vascular
cerebral e miocardiopatia, podem ser confundidos e
relacionados a outras patologias (BOGGIO et al., 2009;
CYBULLA et al., 2009; KES et al., 2013; MEHTA, 2009;
MÜLLER et al., 2010).
DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO
A doença de Anderson-Fabry, doença de
Fabry (DF) ou ainda angiokeratoma corporis diffusum,
foi inicialmente descrita na Alemanha em 1898 por
dois dermatologistas da Inglaterra, William Anderson
e Johannes Fabry (BOGGIO et al., 2009; GERMAIN,
2010; MEHTA, 2009). Já em 1967, Brady demonstrou
que o defeito enzimático na doença de Fabry era devido
a uma deficiência da α-galactosidase. Essa enzima age
sobre o substrato sintético p-nitrofenil-α-D- galactosideo
e 4-metil-α-D-galactosideo que é específico para a
ligação galactosideo α-anomérica. Após a investigação
em pacientes normais e portadores da doença, foram
descobertos dois tipos de isoenzimas: α-galactosidase
A e B. Na doença de Anderson- Fabry a izoenzima
α-galactosidase A é deficiente ou ausente (BOGGIO et
al., 2009; KES et al., 2013; MEHTA, 2009).
Entre os principais sintomas, o angioqueratoma
é a característica clínica precoce mais visível da doença,
que se caracteriza como lesões na pele e pequenos
aglomerados de coloração púrpura avermelhada. Em
síntese, angioqueratomas são pequenos angiomas
superficiais na virilha, nádegas, coxas, umbigo e na
parte inferior das costas, causados por acúmulo de
células endoteliais vasculares da pele, com dilatação
da derme, que podem aumentar de tamanho com a
idade (ORTEU et al., 2007).
DESCRIÇÃO
A doença de Anderson-Fabry é um erro inato
do catabolismo dos glicoesfingolipídeos (BOGGIO
et al., 2009; RAMASWAMI et al., 2007; SCHAEFER;
TYLKI-SZYMAŃSKA; HILZ, 2009). Esse defeito gera o
acúmulo progressivo de globotriasilceramida (Gb3) e
outros glicoesfingolipídeos no interior dos lisossomos
(CHOUDHURY; MEEHAN; SHIN, 2005). Os portadores
dessa doença apresentam uma mutação no gene GLA,
localizado no cromossomo X, sendo que os homens
portadores da mutação manifestam os sintomas da
doença (BOGGIO et al., 2009; KES et al., 2013;
PEREIRA et al., 2007). As mulheres heterozigotas
apresentam sintomas clínicos variáveis. Entretanto, em
muitos casos, a mulheres portadoras podem apresentar
quadros tão graves quanto os que ocorrem em homens
(GERMAIN, 2010; KES et al., 2013; MEHTA, 2009).
As manifestações cardiovasculares na síndrome
ocorrem na maioria dos portadores homozigotos
(YOSHITAMA et al., 2001) e se manifestam geralmente
na terceira e quarta década de vida, pela deposição
progressiva de Gb3 nos cardiomiócitos, podendo ocorrer
hipertrofia miocárdica e afetando a função diastólica e
sistólica (DENNERT; SCHALLA; HEYMANS, 2010). Ao
curso da doença, podem ocorrer arritmias cardíacas,
distúrbios de condução e também acometimento
valvular por acumulo de ceramidas nos fibroblastos.
A válvula mais acometida é a mitral, podendo ocorrer
insuficiência discreta à moderada do aparelho valvular
(LINHART; ELLIOTT, 2007). Outro sinal relevante é a
hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE), com o acúmulo
O gene da alfa-galactosidase A, também
chamada de ceramida tri-heoxidase (Gb3), enzima
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progressivo dos glicoesfingolipídios nos cardiomiócitos,
podendo apresentar vários graus de comprometimento
(KAMPMANN et al., 2002; SACHDEV; ELLIOTT,
2002). A incidência da HVE é maior entre os homens
(61%) que em mulheres (18% dos casos) (SACHDEV;
ELLIOTT, 2002).
até a fase adulta, sendo caracterizada por uma dor
interrompida e reiniciada por vários períodos ou se
manifesta de forma contínua. Essas dores tendem a
acabar com o passar do tempo devido à desnutrição
dos filetes nervosos. Entretanto, a acroparestesia pode
levar a um quadro de depressão ou ao óbito (BOGGIO
et al., 2009; GERMAIN, 2010; KES et al., 2013; MEHTA
et al., 2009)
Os quadros de doença renal na doença de
Fabry podem causar hipertensão arterial, hematúria
e proteinúria, o que poderá evoluir para uma situação
mais grave de insuficiência renal crônica, levando a
morte (CYBULLA et al., 2009). Os pacientes portadores
da doença de Anderson-Fabry devem ter sua função
renal avaliada periodicamente, visto que a perda da
função renal é a causa morte mais frequente associada
com essa síndrome. Quando o diagnóstico é obtido
precocemente e não ocorre deterioração da função
renal, a terapia com reposição enzimática é efetiva
na prevenção da deficiência renal. Em alguns casos,
indica-se uma terapia substitutiva com hemodiálise e
transplante renal. Em certos casos, essa se apresenta
como a melhor alternativa terapêutica, já que restaura a
função renal, impedindo o acúmulo de Gb3 (CYBULLA
et al., 2009; KES et al., 2013; MEHTA, 2009).
Em alguns pacientes também é frequente
o aparecimento de lesões cerebrais na substância
branca (FELDT-RASMUSSEN, 2011; GERMAIN,
2010). Alterações vasculares cerebrais podem gerar
diversos sintomas e complicações, que variam de
leves a graves, envolvendo isquemias, vertigem, dor de
cabeça, tontura, e até mesmo demência (GERMAIN,
2010). Já o acidente vascular cerebral (AVC) é
também uma manifestação clínica comum na doença
de Anderson-Fabry, acometendo pacientes jovens
portadores da doença. Esses pacientes são conhecidos
por apresentarem com frequência ataques isquêmicos
e acidentes vasculares (FELDT- RASMUSSEN, 2011).
MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO
AVANÇOS NO DIAGNÓSTICO
As manifestações oftalmológicas também
são muito frequentes na doença de Fabry. As
anormalidades ocorrem principalmente nos níveis dos
vasos conjuntivais da retina, córnea e da lente pela
progressiva deposição de glicoesfingolipídios nas
estruturas oculares, gerando opacidade. Essas não
causam deficiência visual significativa, mas, por outro
lado podem ser um marcador da doença, pelo fato do
olho ser um órgão externo cujo exame pode facilitar a
investigação clínica (CHOUDHURY; MEEHAN; SHIN,
2005; CYBULLA et al., 2009; KES et al., 2013; MEHTA,
2009; SCHAEFER; TYLKI-SZYMAŃSKA; HILZ, 2009;
SODI et al., 2007).
CLÁSSICO
E
O diagnóstico precoce é determinante para o
início do tratamento e para atenuar os riscos decorrentes
da enfermidade. Nesse contexto, o médico geneticista
pode investigar a presença da alteração enzimática
através de métodos bioquímicos de dosagem
enzimática para posterior confirmação da doença.
Em geral, após o diagnóstico confirmado, a família
recebe acompanhamento psicológico para orientação
e aceitação da doença (MEHTA, 2009). Estima- se
que o diagnóstico correto e definitivo da doença de
Fabry ocorra apenas após os 15 anos de idade, fato
que acarreta algumas alterações irreversíveis no
paciente (BOGGIO et al., 2009). Quando não se tem
dados de algum parente que manifeste a doença,
muitos casos são difíceis de serem identificados e
são descobertos somente na fase adulta, quando
a patologia já se apresenta grave e avançada. Em
muitos casos a síndrome é confundida com outras
doenças como febre reumática, eritromelagia,
neurose, síndrome de Raynaud, esclerose múltipla,
polineuropatia dismielinizante intermitente crônica,
lúpus ou apendicite crônica entre outros (PASQUALIM
et al., 2010; PEREIRA et al., 2007).
A córnea verticilata, caracterizada por
opacidades corneanas de cor creme encontradas na
região inferior da córnea, recebem esse nome em
razão dos depósitos estarem distribuídos num padrão
de vórtice. Já a opacidade do cristalino encontrada em
pacientes com a síndrome consiste em opacidade linear
esbranquiçada localizada perto da cápsula posterior e
com aparência semelhante à de um raio. Ainda, dentre
as manifestações oculares, podem ocorrer algumas
mais específicas, como alterações vasculares da
conjuntiva e dilatação vascular, causando aneurisma.
As alterações vasculares da retina são caracterizadas
principalmente pelo aumento da tortuosidade dos
vasos retinianos e podem ocorrer em associação com
dilatação venosa segmentar clínica (CHOUDHURY;
MEEHAN; SHIN, 2005; CYBULLA et al., 2009; MEHTA,
2009; SODI et al., 2007).
Na suspeita da manifestação a doença, são
realizados testes para a confirmação do diagnóstico,
como a determinação da atividade da enzima
em leucócitos, no plasma e em fibroblastos, e a
determinação de Gb3 no sangue e na urina (KES et
al., 2013; MEHTA, 2009; MEHTA et al., 2004). Ainda,
para o diagnóstico adequado, deve-se proceder a
determinação da alfa-galactosidase em plasma, cultura
de fibroblastos cutâneos, ou em gotas de sangue seco,
leucócitos, lágrimas, sedimento urinário. Entretanto, em
mulheres heterozigotas, muitas portadoras apresentam
Entre as manifestações neurológicas ou
cerebrovasculares que podem ocorrer na doença de
Anderson-Fabry está a acroparestesia, dor ardente
com formigamento, que percorre pés e mãos. Essa
manifestação tem início na infância e permanece
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inativação aleatória do cromossomo X, produzindo
assim enzimas suficientes nos tecidos ou plasma, o que
dificulta o diagnóstico e posterior tratamento (BOGGIO
et al., 2009; KES et al., 2013; MEHTA, 2009).
considerado o método mais eficaz e conclusivo para
detecção precoce dessa desordem. Até o presente
momento, já foram descritos mais de 300 tipos de
mutações relacionadas com a síndrome de Fabry,
sendo essas na maioria das vezes únicas em cada
família (JARDIM et al., 2006; PEREIRA et al., 2007;
YOSHITAMA et al., 2001). Neste método, os sete éxons
da GLA são amplificados através do método de reação
em cadeia da polimerase (PCR). Após a amplificação,
realiza-se o sequenciamento que comprova a mutação
genética associada com a ausência da enzima
(MÜLLER et al., 2010). Em aproximadamente 75%
dos casos, essas mutações correspondem a mutações
pontuais e em 10% são microdeleções. Neste sentido,
uma grande variedade de alterações moleculares
pode causar a doença, sendo 57% de mutações
“missense”, 11% de mutações “nonsense”, 18% de
deleções parciais, 6% de inserção e 6% de defeitos no
processamento do RNA (JARDIM et al., 2006; MÜLLER
et al., 2010; PEREIRA et al., 2007; YOSHITAMA et al.,
2001).
Entre as técnicas de diagnóstico, está o método
de gota de sangue seco utilizando papel filtro (MÜLLER
et al., 2010). As vantagens desse método estão no fato
de não haver necessidade de armazenamento especial,
da facilidade de manuseio e do reduzido risco biológico.
Ainda, esse método apresenta facilidade e segurança
para ser transportado, visto que não ocorre alteração
da enzima em temperatura ambiente. Outro fator
relevante é que esse método utiliza menor quantidade
de reagentes e de amostra, gerando redução de
custo (MÜLLER et al., 2010). Resumidamente, para
realização do ensaio de determinação enzimática são
coletadas amostras de sangue em tubo com heparina.
Gotas de amostra são depositadas sobre um cartão de
papel filtro. As amostras são mantidas em temperatura
ambiente até a secagem total, e em seguida são
colocadas em sacos plásticos e armazenadas a 4ºC
até o momento da análise. Para obtenção do resultado
é utilizado o ensaio fluorimétrico (URIBE; GIUGLIANI,
2013).
A técnica para diagnóstico pré-natal por método
genético somente é realizada a partir do conhecimento
do sexo do bebê (ROZENFELD, 2009). Ainda, em
casos de diagnóstico positivo no exame pré-natal, os
casais devem fazer um aconselhamento genético, já
que todas as filhas de um homozigoto serão herdeiras
da doença, por apresentarem o cromossomo X portador
da mutação (BOGGIO et al., 2009). O diagnóstico prénatal pode ser oferecido com orientações sobre as
vantagens e os riscos associados com a síndrome
(ROZENFELD, 2009) e é realizado pelo cultivo do
líquido amniótico ou vilosidades coriônicas diretas e /ou
cultivadas. Após esse procedimento, faz-se a medição
da atividade da GLA, por meio de testes genéticos. Este
método é de grande relevância, pois a mulher portadora
possui 50% de chance de ter uma filha portadora ou um
filho afetado (BOGGIO et al., 2009).
Outro método descrito para o diagnóstico
da síndrome é a cultura de fibroblastos cutâneos.
Entretanto, esse método pode causar certo desconforto
ao paciente, visto que para retirada das amostras
realiza-se biopsia de pele. Outro fator que pode ser um
dificultador está no fato do procedimento para coleta ser
realizado em centro cirúrgico, por explante, isolando a
derme da epiderme. Após a retirada das amostras, elas
são fragmentadas (KEIRA et al., 2004) e as peças são
mantidas em cultura para manutenção da viabilidade
celular (BASIC-JUKIC et al., 2013; STRUJIĆ; JEREN,
2005). Para a obtenção de metáfases de fibroblastos,
adiciona-se a colchicina, agente que prolonga a fase de
metáfase da divisão celular. Após incubação adequada,
os fibroblastos em suspensão são coletados, lavados
com solução hipotônica e metanol e lâminas preparadas
por método de espalhamento são coradas com Giemsa
e avaliadas por microscopia (KES et al., 2013).
Outro método que vem se tornando muito
utilizado para o diagnóstico da síndrome são os achados
oculares. Este método pode ser de grande valia
principalmente em pacientes do sexo feminino, já que
os mesmos apresentam a dosagem da enzima α-Gal
em níveis considerados normais (SODI et al., 2007).
As tortuosidades dos vasos da retina e a opacidade
do cristalino podem ser facilmente diagnosticadas com
oftalmoscopia simples do olho (STRUJIĆ; JEREN,
2005).
Ainda, a biópsia de pele ou rim também pode
ser um método complementar para o diagnóstico
da Doença de Fabry. Nesse caso, sabe-se que as
lesões renais resultam no acúmulo de Gb3 nas células
glomerulares, endoteliais, mesangiais, intersticiais e
em podócitos. O armazenamento de Gb3 também
pode ocorrer no epitélio da alça de Henle, nos túbulos
distais e nas arteríolas do rim (GERMAIN, 2010). Este
procedimento é realizado com anestesia local e com o
auxílio da ultrassonografia dos rins para demarcação
do melhor lugar para a punção do órgão. A biopsia
é avaliada por microscopia de luz ou eletrônica para
avaliação das desordens patológicas (KES et al., 2013;
STRUJIĆ; JEREN, 2005).
Ainda, estão em desenvolvimento diversas tentativas
de associação de múltiplos métodos para detectar e
avaliar várias doenças de depósito lisossômico em um
mesmo e único ensaio. Um destes testes é feito por
um imunoensaio que quantifica a enzima em termos
de proteína em massa, tendo em conta a atividade
enzimática e também o número de moléculas da
enzima reduzidos na síndrome de Anderson-Fabry
(ROZENFELD, 2009).
Por outro lado, o diagnóstico dos casos de
síndrome de Fabry por biologia molecular pode ser
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TRATAMENTO
CONCLUSÃO
O tratamento dos pacientes acometidos pela síndrome
consiste na terapia de reposição enzimática (TRE)
com a enzima recombinante α-GAL-A: agalsidase
alfa e agalsidase beta. Agalsidase alfa é uma proteína
recombinante (Shire Human Genetic Therapies,
Cambridge, A, EUA) produzida em linhagens de células
de linhagem. Já a enzima recombinante agalsidase beta
(Sanofi-Aventis, Paris, França) é uma enzima produzida
em linhagens de células de cultura CHO (ovário de
hamster chinês). As duas enzimas comercializadas
são administradas cada duas semanas, por infusão
intravenosa (ALEGRA et al., 2012; BOGGIO et al.,
2009; CYBULLA et al., 2009; KES et al., 2013; MEHTA,
2009; PEREIRA et al., 2007).
O presente artigo traz a integração da
literatura atual, abordando o contexto das pesquisas
relacionadas à Síndrome de Fabry como uma patologia
multissistêmica grave, frequentemente diagnosticada
tardiamente. A análise crítica da sintomatologia,
bem como a avaliação dos métodos de diagnóstico
existentes são de extrema relevância para o tratamento
adequado.
A doença de Fabry (FD), uma alteração do
metabolismo dos glicoesfingolipídios causada pela
deficiência da enzima alfa-galactosidase, possui
características clínicas altamente heterogêneas, com
sintomas pouco específicos. Sendo uma alteração
genética sub-diagnosticada, quer pelo pouco
conhecimento sobre a síndrome, quer pela baixa
divulgação da mesma entre os profissionais da área de
saúde pública, em geral ocorre um atraso médio de dez
anos entre o início dos sintomas e o diagnóstico.
A administração de agalsidase alfa demonstrou
melhora na qualidade de vida e redução da dor dos
pacientes portadores, produzindo ainda uma redução
sustentada da hipertrofia ventricular esquerda (HVE)
e também da taxa de declínio de filtração glomerular.
A agalsidase beta mostrou retardar a progressão da
doença com casos de mortes associados a falhas
renais, cardíacas e vasculares cerebrais (GHALI et al.,
2012).
Embora o tratamento dessa desordem
genética, por reposição enzimática, seja relativamente
simples, o diagnóstico adequado é necessário para
o início do tratamento antes da manifestação dos
sintomas clínicos. Atualmente existem várias formas de
diagnóstico clinico e laboratorial, as quais devem ser
avaliadas em conjunto. Atualmente, o diagnóstico pode
ser feito por métodos de detecção do gene deficiente
por biologia molecular, uma nova ferramenta para o
diagnóstico preciso, rápido e correto dessa síndrome
genética. Pode-se citar ainda a associação de métodos
de tomografia computadorizada, ecocardiograma,
biópsia de tecido obtido da pele ou rim e ainda o
diagnóstico pré-natal pelo método de amniocentese. O
diagnóstico adequado também requer atenção para os
sintomas específicos e peculiares da Doença de Fabry,
tais como angioqueratomas e avaliação dos achados
oculares, como a córnea verticilata, características
clínicas diferenciais para a identificação da doença.
Ainda, a triagem familiar e a pesquisa de casos
familiares são complementares para o diagnóstico
correto dessa alteração gênica.
A terapia de suporte para o tratamento da
doença inclui o uso de analgésicos, anticonvulsivante
e não esteroides anti-inflamatórios. Para as alterações
cerebrovasculares, co-morbidades cardíacas e
renais, utilizam-se agentes antiplaquetários e antihipertensivos, diálise, e no estágio final, pode ser
necessário o transplante renal (ALEGRA et al., 2012).
Estudos clínicos pediátricos com crianças tratadas com
reposição por agalsidase alfa mostraram que meninos
apresentaram níveis detectáveis, embora reduzidos, de
Gb3 no plasma e uma redução da dor neuropática. Já
a frequência cardíaca foi controlada significativamente
após seis meses de reposição da TER (RIES et
al., 2006). Observaram-se também melhoras nas
acroparestesias e anidrose após o uso da TRE por 2
anos (JARDIM et al., 2006).
Vários estudos demonstraram que a TRE
é eficaz na melhoria de vida dos pacientes com a
estabilidade na função renal e o aumento na depuração
da creatinina, levando a melhoria na histologia renal e
diminuição dos níveis de Gb3 na urina. Demonstrou-se
também melhora na sudorese e na sensação de calor ou
frio. Pacientes em tratamento a 4 a 4,5 anos mostraram
estabilização com a função renal, diminuição da massa
cardíaca e melhora da dor e na função do miocárdio
também foi relatada (VEDDER et al., 2007).
Com a identificação do indivíduo acometido pela
síndrome, o tratamento específico consiste na terapia
de reposição enzimática com a enzima recombinante
α-galactosidase A. Entretanto, embora a disponibilidade
de tratamento acrescente um impulso para a realização
do diagnóstico correto, a compreensão da forma e
adequação do tratamento ainda é incompleta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O tratamento de reposição gera redução
das complicações associadas com a Síndrome de
Fabry. Porém, esse efeito benéfico é observado
preferencialmente em pacientes que não estão no
estágio grave da doença. Assim, o inicio precoce
do tratamento pode ser uma forma efetiva de evitar
complicações ao longo do prazo, dando ao paciente
uma melhor qualidade de vida (VEDDER et al., 2007).
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