O INSTITUTO DO COMODATO E SUA APLICAQAO NO DIREITO
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O INSTITUTO DO COMODATO E SUA APLICAQAO NO DIREITO
O INSTITUTO DO COMODATO E SUA APLICAQAO NO DIREITO AGRARIO JOSE DOS SANTOS PEREI RA BRAGA Mestre em Ciancias Juridicas, Professor de Direito Agrario da Universidade do Amazonas a — Consideraciies gerais Atividade, estrutura e fundo agrario constituem, como sabemos, o Ambito agrario, objeto-sintese do Direito Agrario, emergindo da integrac5o desses trés elementos toda a problematica juridico-agraria, expressa no inter-relacionamento homem/terraprodu°5°. A terra, elemento natural de onde provem os recursos que o homem aproveita corn o fim de assegurar os alimeritos e os bens indispensaveis a vida e ao seu conforto e bem-estar, cumpre tambem uma funcao social, eis que ao proprietario se imptiem obrigacifies e o seu use deve servir aos interesses da comunidade. Consagrada ao impulso de uma nova concepcao do direito de propriedade, a funcgo social da terra fez surgir no piano juridic° urn disciplinamento de cunho acentuadamente econOmico e social, repudiando, as legislacbes modernas, a propriedade improdutiva ou a sua utilizacao por meios espoliativos de trabalho. Produto histdrico do desenvolvimento econelmico e social dos povos, o Direito Agrario fundamenta-se no principio da funcao social da terra e tern como objetivo realizar a uniformidade juridica entre os elementos do processo produtivo agrario, visando ao fim supremo da Justica Social. Suas normas, de carater impositivo a revelarem a ingeréncia do Estado nas relacties juridicas decorrentes da propriedade rOsti123 ca e sua exploracäo, aplicam-se a todos os institutos juridico-agrarios, porque amplo 6, bem o sabemos, o objetivo desse ramo especial do Direito. Conformando o instituto dos contratos agrarios as caracteristicas do direito contratual moderno e aos preceitos da Justica Social e do use econOmico e social da terra, o Direito Agrario brasileiro restringe a liberdade contratual das partes, enriquecendo o vinculo pela obrigatoriedade de clausulas estipuladas por lei, e deferindo ao economicamente fraco direitos e vantagens irrenunciaveis, como forma de promover o equil (brio entre os integrantes da relacAo juridico-agraria-contratual. Tratando-se de urn ramo especial da Ciéncia Juridica, corn autonomia legislative, cientifica e didatica, e na-o urn direito excepcional, o Direito Agrario relaciona-se corn outros ramos juridicos, e particularmente corn o Direito Civil, cuja conexidade, quase organica, Ihe permite, por forca mesmo de ser uma especialidade nova, ainda aflorante no mundo juridico, tomar de empróstimo ao Direito comum principios e normas que venham a suprir as omissilies da lei agraria, e, ao mesmo tempo, socorrer-se daqueles institutos que, rao sendo agrarios, possam aplicar-sea atividade agraria. 0 contrato de comodato, conforme teremos oportunidade de analisar, a por essdncia urn instituto de Direito comum, por isso definido e regulado pelo COdigo Civil Brasileiro. Essa modalidade contratual n'ab figura expressamente na lei agraria brasileira, sendo, no entanto, forma jurfdica encontradica no campo para regular relacifses que tem como objetivo a utilizacgo de bens rurais, mOveis ou imOveis, ou ainda urn conjunto de bens, isto é, o fundo agrario. Mesmo nao estando expressamente contemplado no ESTATUTO DA TERRA e na legislacao que se Ihe seguiu, o comodato agrario, sem embargo da sua configuragao geral de instituto de natureza civil, rende-sea normatividade jurfd ico-agraria, enriquecendo-se de urn conte6do novo que, ao inves de desfigura-lo, o revitaliza, apontando-o como forma contratual capaz de harmonizar os interesses dos proprietarios e agricultores, respeitados os principios e normas do Direito Agrario brasileiro. A exploracao econOmica da terra se faz, no Brasil, conforme sabemos, predominantemente por minifundistas e ocupantes nao proprietarios, sendo expressiva.a area formada por latifUndios. 124 Essa distorcao na estrutura fundiaria admite-se estar fortemente relacionada corn as condicaes de pobreza no campo e a impermanancia do agricultor na terra em que trabalha, atribuindo-se as mesmas causas a baixa produtividade do setor primario da economia. A funcao social da terra fundamenta-se em princfpios de natureza social e econOrnica, entre os quais: a) permanancia do agricultor na terra quezultiva, b) progresso social e econOrnico do agricultor e de sua familia, c) exploracäo do imitivel rural a nfveis satisfatOrios de produtividade, d) protecao jurfdica aos recursos naturais renovaveis; e) justas relacOes de trabalho entre os que possuem a terra e os que a cultivam. Ressalta, portanto, considerados esses aspectos, a importfincia dos sistemas jurklicos de posse e uso temporario da terra. Alem dos contratos de arrendamento e parcerias, essa ocupacao se faz atraves de outras formas contratuais, nomeadas ou no no Direito positivo brasileiro. Analisaremos aqui, pois, o comodato agrario como forma de uso e posse temporaria da terra, situando-se na sua configurack geral como instituto de natureza civil adaptado a normatividade jurfdicoagraria. b 0 Comodato na Doutrina e na Lei Comodato, do latim commodatum, que quer dizer emprêstimo, designa o contrato, a tftulo gratuito, pelo qual uma das partes cede, por emprestimo a outra, determinada coisa, para que a use, pelo tempo e nas condiceies preestabelecidas. E express5o prOpria para designar o empr6stimo gratuito para uso, ou simplesmente o emprestimo de uso. Figura o comodato, ao lado da locacao e da parceria, como forma de contrato transmissivo do uso, embora daqueles se distinga pela sua gratuidade. Enquanto na Iowa() o uso da coisa 6 retribufdo, 6 pago, no comodato é gracioso: onerosidade na locacao, gratuidade no comodato. Pode-se-ia mesmo dizer que a locacao esta para o comodato, como a venda, para a cloaca°. 0 comodato tambem nab se confunde corn a parceria, visto que esta a um misto de locacao e sociedade, portanto contrato oneroso, em que as partes combinam a partilha dos frutos ou produtos, conseguidos em decorrancia do negOcio, dal o seu aspecto societario, que no comodatofiao ha. evidente que, sem embargo da sua gratuidade, o comodato 125 permite a coexistencia de interesses do comodatario corn os do comodante, sem que isso o desfigure. CIOvis Bevilaqua assim define essa figura contratual: "Comodato é o contrato gratuito, peb qual alguem entrega a outrem coisa infungivel, para que dela se utilize, gratuitamente, e a .restitua, depois" (1). Historicamente o comodato é urn dos contratos mais antigos, talvez anterior a prOpria troca, figurando no Direito romano e nas Ordenac.Oes como emprestimo de coisa para cOmodo e proveito daquele que o recebia, sendo ainda hoje esta, em esséncia, a sua acepc5o. Pela sua natureza, o comodato, conforme ressalta Ruggiero, L contrato "daqueles que, nas relacCies normais da vida, menos se pensa que implique regras juridicas, de tal forma a relacao parece aos profanos estar fora do campo do direito e ser toda ela dominada pelo costume e pelos deveres da amizade" (2). 0 COdigo Civil Brasileiro admite essa modalidade de emprestimo e assim o define: "Art. 1.248 -- 0 Comodato e o emprestimo gratuito de coisas riSo fungiveis. Perfaz-se corn a tradicao do objeto". 0 essencial na relacao, alem da gratuidade da concessao, é a entrega de uma coisa sem transferdncia do dominio ou de outro direito real, e isso para urn use determinado, que tome impossivel a sua restituicab diminuida ou modificada. Somente corn a entrega, e n go antes, perfaz-se o contrato, que tern por isso carater real. No depende, tal contrato, de forma especial, podendo ser convencionado verbalmente ou por escrito, e provar-se ate mesmo por testemunhas. Por sua natureza, pode-se dizer, diante da doutrina e da lei, que o comodato exibe as seguintes caracteristicas: a) — trata se de urn contrato, supondo, por conseguinte, o acordo de vontades, n5o se gerando a relac5o t5o so por inercia ou toleráncia do dono da coisa. Demais disso, embora admissive! e valida, a promessa de comodato rao o configura como tal; BE LIVAGUA, Clovis. CcIdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. p. 353 vol. 4. RUGGIERO, Roberto. InstituicOes de Direito Civil, p. 395-6 vol. 3. 126 — e urn contrato unilateral, na medida em que somente o comodatario se obriga, pois o comodante apenas comp5e a relac5o e sO excepcionalmente pode contrair obrigagOes; — o comodato a contrato a titulo gratuito, caracteristica, alias, que o distingue da locacao. Aqui, n5o existe contraprestac5o, visto tratar-se de urn favor prestado pelo comodante ao comodatario. Isto nao impede, todavia, corram a conta do comodatario obrigacOes corn o pagamento de impostos e taxas, por exemplo, quando se trate de propriedade imOvel, o que desnatura a indole graciosa do contrato. Havendo, todavia, qualquer compensacao de natureza econOmica para o comodante, desvirtua-se a essencia do contrato, que deixa de ser comodato para se transformar num contrato inominado. Washington de Barros Monteiro exemplifica corn a cessab, pelo comodante, de casa para instalagao de colegio, que se obriga a educar gratuitamente todas as criancas de sua familia (3). 0 contrato é gratuito, como esclarece Arnoldo Wald, "por aumentar o patrimOnio do comodatario sem qualquer especie de compensac5o para o comodante" (4); — é contrato real, eis que depende, para completar-se, da entrega da coisa. Ao recebe-la, o comodatario adquire a posse direta do bem, permanecendo o comodante corn a posse indireta, — a coisa objetivada ha de ser infungivel, ou seja, que n5o pode substituir-se por outra da mesma especie, qualidade e quantidade. Cessado o prazo, determinado ou nab, o comodatario esta obrigado a restituir ao comodante a mesma coisa emprestada, e n5o outra, ainda que pareci da ou semelhante, ou mais valiosa. Admite-se o comodato no sG para coisas mOveis, sen5o tambern para bens imOveis, ate mesmo a fruicao de determinado lugar — o comodatum loci (5); MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. p. 395-6 vol. 3. WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro; obrigacOes e contratos, p. 331. (5) MONTEI RO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil p. 217 vol. 5. 127 — trata-se de contrato temporario, podendo estar convencionado o prazo, ou nao; n5o estando, devera ser o necessario para a utilizacâo da coisa pelo comodatario. "0 uso, para o qual a coisa e dada, ou já ficou expressamente determinado ou devera determinar-se corn base na sua natureza e normal destino econOmico. Pode, assim, consistir em toda as utilidades de que é suscetivel ou s6 em algumas, conforme a vontade do comodante (6); — o comodato obriga a restituicao da coisa, justo porque rao é contrato transmissivo da propriedade, mas tao somente da posse, dal a sua temporariedade, já comentada. Cessado o prazo contratual ou usada a coisa, o comodat6rio deve restituf-la ao legitimo dono. Outras consideracOes podem ainda ser feitas para melhor cornpreensgo do comodato. Regra geral, os administradores de bens alheios n'ao os podem dar em comodato, estando a proibicao assim expressa na lei civil brasileira: "Art. 1.249 — Os tutores, curadores, e, em geral, todos os administradores de bens alheios rdo poderao dar em comodato, sem autorizacao especial, os bens confiados a sua guards". Corn efeito, nffo sendo permitido aos administradores de bens alheios em geral dispor gratuitamente desses bens, por isso que s6 podem exercer sobre eles atos que aproveitam ao proprietario, ne-o Ihes é facultado dar os bens administrados, em comodato. Dissemos que, findo o prazo do comodato ou usada a coisa emprestada, tern o comodatdrio de devolve-la ao comodante. Devolver o mesmo bem. A devolucffo podera, contudo, ser solicitada pelo comodante antes do decurso do prazo convencionalouo que se determine como necessario ao uso da coisa. o que se extrai do art. 1.250 do COdigo: "Art. 1.250 — Se o comodato rao tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-6 o necessario para o uso concedido, n5o podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e o gozo da coisa emprestada, (6) RUGGIERO, Roberto. Instituicifes do Direito Civil p. 396 vol. 3. 128 antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo use outorgado". 0 COdigo Civil brasileiro ndo admite, como outras legislagaes, a figura do precario, que o Direito Romano consagrara a alguns cOdigos modernos, como o austriaco, o argentino e o suico incorporaram. Do latim precarius, precari (suplicar, rogar, obter suplicando), precario significa aquilo que a obtido por sUplica, concedido por bene vo Ian cia . Em relacdo a posse, precario, usado substantivamente, revela a relacao juridica entre o proprietario da coisa (mOvel ou imOvel) e quem estiver autorizado a usa-la ou a deter durante o tempo em que o proprietario ou o possuidor concedente assim o quiser. 0 precario caracteriza-se, pois, pela ausencia de efetividade ou estabilidade da posse concedida,e pela obrigacao de ser a coisa restituida ao dono ou legitimo possuidor, quando este revogue a concessdo. NIdo acolhendo o comodato a titulo precario, o COdigo Civil brasileiro permite ao comodante, no entanto, rescindir o emprestimo por necessidade imprevista e urgente, ainda que haja prazo estipulado no acordo. Se este for o desejo do comodante, tern de manifesto-lo em juizo, a fim de que ali se constate a existéncia, ou ndo, da razdo alegada para a restituigdo, antes do tempo, da coisa emprestada. Mesmo corn essa garantia, a faculdade concedida ao comodante torna de certo modo a relagdo instavel, alêm do que, conforme assinala ClOvis Bevilaqua, "a intervengdo do juiz apenas consegue transformar em hostis relagOes que comegaram por ser fraternais" (7). A lei civil imp'Oe ao comodatario cuidados especiais em relagdo coisa emprestada, consoante determinagdo contida no dispositivo a seguir: "Art. 1.251 — 0 comodatario é obrigado a conservar, como se sua pr6pria fora, a coisa emprestada, ndo podendo usa-la sendo de acordo corn o contrato, ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos". Dever& portanto, o comodatario proteger a coisa alheia, ficando responsavel pelos danos a eta causados, ainda que por terceiros. Ndo responder& todavia, pelo caso fortuito se por ele se ndo obrigou, se ndo (7) BEVILAQUA, ClOvis. C6digo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, p. 356 vol. 4. 129 esta em mora, se n go deu ao objeto aplicacio diferente daquela a que se destinava, ou se nao se verifica a hipOtese prevista no art. 1.253, a saber: "Art. 1.253 — Se, correndo risco o objeto do comodato, juntamente corn outros do comodatario, antepuser este a salvack dos seus, abandonando o do comodante, responders pelo dano, ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito ou forca major". No particular das despesas feitas pelo comodatario, esta 6 a regra expressa no COdigo: "Art. 1.254 — 0 comodatario nffo poderA jamais recobrar do comodante as despesas feitas corn o •uso e gozo da coisa emprestada" Entende-se que somente as despesas de conservaao podem ser cobradas pelo comodatario ao comodante, bem assim as extraordinhrias, feitas em caso de urgesncia, se nffo houver tido tempo de o comodante autoriza-las. Reforca-se a garantia ao direito do comodante se o comodato apresenta pluralidade de sujeitos comodatários. Isto pelo menos 6 que se extrai do art. 1.255, abaixo: "Art. 1.255 — Se duas ou mais pessoas forem, simultaneamente, comodatarias de uma coisa, ficarao, solidariamente, responseiveis para corn o comodante"' Da at-Wise procedida, trarisparecem claramente as obrigac6es impostas pela lei ao comodatario e ao comodante. S5o obrigacties do comodatirio: — Restituir a coisa no fim do prazo, salvo antecipacgo da retomada pelo comodante, se por necessidade imperiosa e urgente, reconhecida judicialmente; — Utilizar a coisa de acordo corn os termos do contrato, atendendo a sua natureza e finalidade do comodato; — Ser diligente corn a coisa dada em comodato; — Fazer o reparo dos danos causados pelo use da coisa. 0 comodante eventualmente estara obrigado, menos por forca do contrato do que da prOpria Lei, a: 1. — Reembolsar as benfeitorias necessarias feitas pelo comodatario; 130 2. — Indenizar os danos causados ao comodatario pelo objeto dado em comodato, salvo se o houver advertido em tempo dos v(cios ou perigos existentes. c — Aplicaciio do Comodato a atividade agrdria 0 contrato de comodato aplica-se em relack ao fundo agrario, incluindo bens imOveis corn utilizacao espec(fica na atividade agraria. Frente ao Direito Agrario brasileiro, ou para sermos mais precisos na lei agrária, o contrato de comodato n5o figura expressamente. Apenas o arrendamento e as parcerias s5o reconhecidos para o exercfcio da posse e use tempordrio da terra, admitindo, contudo, a prOpria lei, formas contratuais n5o expressas. Vimos que o contrato de comodato, corn as caracterfsticas já apontadas, a institute de Direito comum, come tal regulado pelo COdigo Civil brasileiro. Diante disso, a primeira indagacaao que se faz pertinente 6 precisamente esta: n5o estando expressamente reconhecido no ESTATUTO DA TERRA e na legislacdo agraria que se Ihe seguiu, sera o comodato de imOveis rurais urn contrato inominado de Direito Agrario? Altamir Pettersen e Nilson Marques entendem que sim. Para eles, "normalmente, o que se costuma definir como contrato de comodato, logo esp6cie tipificada, isto 6, nominada de contrato agrdrio, em verdade 6 urn tfpico exemplo de contrato agrdrio inominado, doutrinariamente" (8). Mas, o que vem a ser contrato inominado? Averbando o conceito, De Placid° e Silva assim define. "INOMINADO. Derivado do latim innominatus (n5o nomeado), 6 a expressao, segundo sentido literal, empregada para designar os contratos, que n5o tenham sido, particularmente, objeto de regulamentacao legal, sob denominacao apropriada ou especializada. Sao os contratos, igualmente, denominados de atfpicos, isto 6, sem tipo ou padrffo estabelecido pela lei" (grifamos) (9). 0 professor GaIv5o Telles oferece esclarecedora orientac5o: PETTERSEN, Altamir ? MARQUES, Nilson. Uso e posse tempordrio da terra; Arrendamento e parceria. p. 38 SILVA, De Pldcido e. Vocabuldrio Juridic°. p. 832 vol. 2. 131 "A uniformidade e constáncia de muitas das necessidades que solicitam os homens a contratar, fizeram surgir no curso da histOria modelos ou tipos de contrato, que a lei e as outras fontes de direito recoiheram, desenhando em abstrato os seus contornos e os seus efeitos. São os contratos nominados — corn urn nomem iuris. Mas a permanente agitack da vida econ'Ornica e social, criadora de novas necessidades, leva a todo o instante os interessados a buscarem novas soluglies contratuais, fora dos esquemas da lei: e assim aparecem os contratos inominados..." (grifou-se). E arremata: "Os contratos inominados, quando, pela sua generalizada repeganham consistencia e fixidez, adquirindo na pratica certo carater t(pico, quando os usos, a doutrina, a jurisprudencis. os consagram: depois deste period° de preparacgo, em regra tornam-se nominados, pelo reconhecimento da lei. Por essa forma se enriquece e tonifica o sistema contratual, que nab deve manter-se hermatico perante as sempre renovadas exigencias do.ambiente social" ( 10). Bastante precisas sac) tambem as observapfies de Arnoldo Wald: "A medida que o liberalismo foi impondo suas ideias, as normas legais referentes aos contratos passaram a ter funcgo geralmanta supletiva, a n5o ser quando defendendo a lguns princ(pios basicos de ordem publics, entendendo-se que do mesmo modo q ue os co ntratantes podiam afastar a aplicacgo das normas d ispositivas, nada impedia que criasse novas figuras contratuais, sem regulamentac5o legal previa. Conhecemos pois hoje no nosso direito duas especies de contratos: os contratos nominados ou tfpicos, que tern nomem iuris, ou seja, definicffo e estrutura provenientes da lei, e os contratos inominados ou atfpicos sem regulamentacao legal apropriada. A tendencia do direito se manifesta no sentido de permitir as panes a criac5o de nUmero ilimitado de contratos atipicos 110) TELLES, I nocêncio Galvdo. Manual dos contratos em geral. p. 382-3. (11) WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil brasileiro; obrigacdes a contratos. p. 197-8. 132 ou inominados que somente se regulam pelos princfpios gerais referentes aos contratos, e supletivamente por normas jurfdicas referentes a a lgum contrato tipico analogo" (1 1 ). Nao nos parece, analisado a luz da doutrina o conceito de contratos inominados, sejam as modalidades contratuais diversas do arrendamento e parcerias, de que trata o art. 39 do Decreto n. 59.566/66, sempre formas inominadas. Ndo sO os contratos inominados, ou seja, as formas ainda no reconhecidas ou consagradas pelo Direito, estariam of abrangidas, sena° tambern "qualquer outra modalidade contratual diversa dos contratos de arrendamento e parceria", embora corn urn nome juris, tipificada e definida pela lei, desde que aplicavel ao ambito agrario. Assim, entendemos que o comodato agrario n go podera ser considerado urn contrato inominado, eis que o institutoJdo comodato esta previsto na lei civil, nao sendo uma inovacâo para o Direito brasileiro, decorrente de usos ou costumes rurais, uma forma especial de contrato a margem do Direito positivo, visando ao disciplinamento das relacties emergentes da atividade agräria. Se o instituto do comodato existe, suficientemente definido e estruturado no Cddigo Civil brasileiro — nascente comum de varias especia lidades jurfdicas, inclusive o Direito Agrario, corn o qual se relaciona de forma estreita e direta — nao e o comodato agrario um contrato inominado. Na sua configuracao geral, o comodato, aplicavel ao fundo agrario, sera sempre comodato, instituto consagrado pelo vigente Direito posit ivo brasileiro. Admit ido o contrato de comodato como forma jurfdica de posse e use temporario da terra, e firmado o entendimento de que se trata de urn instituto ja tipificado na lei civil brasileira, cujas caracterfsticas vem de ser tambenn examinadas, assalta-nos uma segundo indagacgo: aplicam-se ao comodato agrario, e em particular ao comodato de im6veis rurais, as regras individualistas do COdigo Civil Brasileiro, em sua inteireza, ou subordina-se o instituto, frente ao Direito Agrario, as regras aplicaveis aos contratos agrarios? LARANJEI RA, Raymundo. Propedautica do Direito Agrario. p. 198. Apud LARANJE IRA, Raymundo. Propeddutica do Direito Agrario. p. 199. 133 0 COdigo Civil, ja o dissemos a farta, fundamenta-se numa filosofia jurfdica individualists, que o Direito Agrario repugna em face do cunho acentuamente social que o informa. Ni go obstante isso, a conexidade do Direito Agrario corn o Direito Civil 6 indiscutfvel e claramente perceblvel, "indo alern, conforme ressalta Raymundo Laranjeira, de uma atadura fortificante, em face dos regramentos sobre direitos e obrigacOes afetos as pessoas, aos bens e as relacaes que se !hes corresponderem, no ambiente campestre: é uma comunicacffo quase organica" (12). E, como diz, ainda, o ilustre agrarista, "a interpenetrabilidade das normas de Direito Civil e do Direito Agrdrio tanto é mais acentuada quanto se aperceba que, sendo este recente, aflorante no mundo jurfdico por virtude exata de ser o outro insuscetivel de acompanhar os desfgnios desenvolvimentistas do meio rural, tamb6m n5o ser ia capaz, por sua vez, de ancorar-se de chofre, sobre si mesmo, corn urn corpo de regras, perfeito e acabado" (13). Grandiosa é, sem &Arida, a contribuicSo do Direito Civil ao Direito Agrdrio, no obstante a timidez de suas normas em relac.5o dinämica da vide moderna e as particularidades do fimbito rural. Sem que isso !he enfraqueca a personalidade, o Direito Agrario toma de emprestimo ao Direito Civil nao s6 os prindpios e normas que lhe possam subsidiariamente interessar, sen go tamb6m aqueles institutos que, nSo Ihe sendo pr6prios, como o comodato, aplicam-se as rela93es emergentes da atividade agraria. d — Adequacao do Comodato ao Direito Agrdrio Aplicado ao fundo agrario, assume o comodato caracterfsticas peculiares, sem embargo da sua configuracäo geral de instituto de natureza civil. Gratuito, embora temporärio, contrato de uso determinado, o comodato agrario, porque agrario, devera ser enriquecido de conteklo especial que aflora da prOpria normatividade jurfdico-agr6ria, situandose ao lado dos demais contratos de uso e posse temporario da terra, disciplinados pelo Direito Agrario. Restringindo-se o nosso estudo ao comodato de imOveis rurais, vejamos, pois, quais os regramentos que se lhe aplicam, analisando este instituto na sua conformacdo aos prindpios e regras do Direito Agrario. 134 0 COdigo Civil não exige, ao disciplinar o comodato, forma especial, nem o ESTATUTO DA TERRA o faz em relacao aos contratos agrarios. Assim, o comodato agrario sera ajustado por escrito ou verbalmente, podendo tambem constituir-se de forma nao expressa, ou seja, taticamente. o que deflui do art. 92 do ESTATUTO DA TERRA, a seguir: "Art. 92 — A posse ou use temporario da terra serk exercidos em virtude de contrato expresso ou tacit°, estabelecido entre o proprietario e os que nela exercem atividade agilcola ou pecuaria, sob forma de arrendamento rural, de parceria agricola, pecuaria, agroindustrial e extrativa, nos termos desta Lei" (o grifo é nosso). Conquanto o COdigo silencia, a possibilidade da contratack tacita a reconhecida pelos nossos Tribunals, em relacâo as diversas especies de locacdo, salvo a comercia I. Diferentemente da vontade expressa, que se manifesta de modo direto, a vontade tacita resulta da pratica de atos ou fatos que, embora nao tenham o fim imediato de levar ao conhecimento do interessado a manifestacao da vontade, dao-na como declarada, porque os sinais externos admitem a coerancia da vontade interna. Mesmo tacitamente constituklo, o contrato de comodato agrario presume a nao violacao das clausulas obrigatOrias previstas e definidas no Direito Agrario. Assim como o contrato se constitui de forma tacita, tacitamente tambem se modifica, na medida em que um comportamento nao previsto e admitido por quern a ele deveria opor-se. Essa alteracao decorrente da inercia de uma das partes, nao podera, tambem a sua vez, violar as clausu las obrigatOrias, pois estas decorrem menos do contrato do que da prOpria lei. 0 instrumento contratual darn, sem dOvida, maior seguranca as partes, como meio de prova mais eficiente, dal a lei agraria admitir a transformacao dos contratos firmados tacitamente, em contratos escritos, ex-vi do artigo 11, § 2o. do Decreto n. 59.566/66: "§ 2o. — Cada parte contratante podera exigir da outra a cele- (14) SANTOS, J. M. de Carvalho. Cddigo Civil brasileiro interpretado. p. 41 vol. 15. 135 bra* do ajuste por escrito, correndo as despesas pelo modo que convencio narem". Portanto, se alguêm, por simples inercia ou incapacidade, ou mesmo interesse especulativo, mantern o seu imOvel improdutivo, contrariando o princfpio da funcao social da terra; e, se tambêm por inertia, ainda que nlo o deseje, permite a outrem que dele se utilize e o explore, sem exigir4he remunerack, ter tacitamente admitida a contrataggo do comodato agrdrio, respondendo coma parte legitima na relay& jurfdica da especie, de logo subordinando-se As regras imperatives do Direito Agrdrio. No se havers de admitir, contudo, de forma absoluta, o cio como manifesta0o da vontade, sena° quando cercado de circunstincias que o q ual if iq uem. Conforme referancia feita por Carvalho Santos, "n5o ha efeitos jurfdicos do silencio, considerando este de maneira absolute, em si mesmo. Para que ele importe numa manifesto* da vontade, ou 6 a lei que o determina, presumindo ficticiamente aquela, por amor aos interesses sociais envolvidos, ou 6 que as circunstancias e fatos que cercam a abstenc5o sao tais que levam a retirar, da ina* — na aparOncia pura negacao — urn efeito realmente positivo" (14). Unilateral, ou como preferem alguns, contrato bilateral imperfeito, o comodato admite, ainda que excepcionalmente assuma o comodante certas obrigaci5es, quais sejam as de reembo Isar as benfeitorias necessarias feitas pelo comodatario, e indeniza-lo dos danos causados pelo objeto dado em comodato. Frente ao Direito Agrario, sofre o instituto, conforme dissemos, profundas modifica95es, o que näo constitui nenhuma novidade no campo do direito contratual, eis que, sobretudo nas altimas decadas, a evolug'ao dos contratos precipitou-se, sem diivida, para acompanhar as rapidas transforma95es por que tern passado a sociedade e a economia. Conforme assinala Galv5o Telles, "0 contrato em muitos aspectos n5o e o que era, encarnou nele urn novo espfrito, e essa metamorfose apresenta-se tao complexa, toao rica de cambiantes, corn movimentos (15) TELLES, inocêncio Galvao. Aspectos comuns aos vdrios contratos. Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. (4): 9, 1950. 136 desencontrados de avanco e recuo, que o observador sente embaraco em a definir bem e diagnosticar as suas tendéncias por vezes contraditerrias. A evoluck moderna dos contratos a como caudaloso mar que invade a terra e progride sempre, no seu jogo perpêtuo de fluxo e refluxo" (15)' Nesta evoluck constante, infla-se o contrato por urn fluxo major de vinculos antes n5o existentes, como resultado do intervencionismo estatal, fluindo da Iei novas obriga95es no quadro das relacaes contratuais. Ao analisarmos a adequack do comodato ao Direito Agrario, presenciamos, seguramente, isso. De tal modo interveio o Estado nas relacties contratuais do camp°, corn vistas a assegurar ao hipossuficiente efetiva proteck social e econOrnica, que todas as formas contratuais se rendem, mesmas as mais generosas, a imperatividade da lei, a qual confere ao contetido dos contratos novos vinculos e maior vitalidade. Assim, o comodante assume, no comodato agrario, obrigacaes nao estipuladas no COdigo Civil, as quais decorrem do conteklo especffico do Direito Agrario. A primeira refere-sea garantia ao comodatario, de usar e gozar do imOvel cedido em comodato. Aplica-se, aqui, a regra contida no § lo. do art. 92 do ESTATUTO DA TERRA: "§ lo. — 0 proprietario garantird ao arrendatario ou parceiro o uso e gozo do imOvel arrendado ou cedido em parceria". Corn efeito, se atentarmos para o art. 1.250 do 05digo Civil, in fine, vamos verificar que, n go obstante a proibicSo da retomada da coisa antes do prazo, podera o comodante reaver, a qualquer tempo, o bem cedido, desde que necessidade imprevista e urgente seja reconhecida pelo juiz. Em relack ao comodato agrario, essa faculdade inexiste para o comodante, porque os contratos de posse e uso temporario da terra estäo sujeitos a prazos minimos, que a lei expressamente estabelece. Cedido o bem em comodato, impossibilitado estara o comodante de reave-lo antes do prazo minimo estabelecido pela Iei agraria, segundo o tipo de exploracab do imOvel, presumindo-se pelo prazo de très anos o comodato celebrado por prazo indeterminado. Frente ao que estabelecem os §§ 3o. e 4o. do art. 92 do ESTATUTO DA TERRA, corn a regulamentack dos artigos 45 e 47 do Decreto n. 59.566/66, uma outra obrigack se impae ao comodante: no 137 caso de alienaclo do imOvel, devera dar conhecimento da venda ao comodatario, a fim de que este, em igualdade de condicdes, possa exercer o direito de preempcao, dentro de trinta dias, a contar da notificacao. De natureza real, o direito de preferdncia, tal como se apresenta no Direito Arai° brasileiro, é uma limitack da prOpria lei ao direito de propriedade, justo em razIo do conteCido social de que se reveste esse direito. Assegurar ao trabalhador sem terra preferencia na compra do imOvel em que trabalha significa dar consequéncia prãtica ao principio da fun* socialtla terra, eis que a estabilidade do agricultor e de sua famflia constitui urn pressuposto 136sico dessa formulacb. Assim, a lei no deixa ao Ifbito das partes a convene& livre dense direito, mas, ao contrario, intervem na relacffo para exigir do comodante que notifique o comodatario da sua inten0o de vender o imOvel, dando-Ihe ciancia, tambem, da proposta oferecida por terceiros interessados na aquisicao da terra. Por motivo de relevante interesse social, a lei agraria veda, ainda, ao proprietario, em face do que esta contido no art. 93 do ESTATUTO DA TERRA, exigir do comodatario certos comportamentos que o deixem atado a uma subordinack econOmica, aplicando-se ao comodato as seguintes — exclusividade da venda dos frutos ou produtos havidos no comodato, salvo se houver financiado o comodatario, por inexistència de financiamento direto, caso em que se aplicam as disposicOes do parägrafo Unico do art. 93 supracitado; — obrigatoriedade do beneficiamento da producao em seu estabelecimento; c) — obrigatoriedadb da aquisicao de generos e utilidades em seus armazans ou barraceies; Referidas proibi95es tern em vista proteger o dóbil econOrnico, porque, sob a enganosa aparancia de urn contrato de comodato, poderia o proprietario de urn imOvel rural, atravas de exigencias como as que a lei expressamente veda, impor ao "comodatario" condicaes espoliativas de trabalho, mas ainda assim toleradas pelo trabalhador da terra, em virtude de sua inferiodade econOmica. Foi esta expectativa, alias, que Ievou Nilson Marques e Altamir 138 100111 ........,.....************N110$040.04.411. Pettersen a desenvolverem a tese da "negativa dos contratos de comodato para imOveis rurais", a que nos referimos de passagem. Na verdade, n5o seria a figura do comodato, como n5o sera o contrato de parceria ou de arrendamento, responsavel pela distorc5o das relacaes contratuais agrarias, porque essas formas, as duas Ciltimas quanto a primeira, encontram no Direito Agrario suporte suficiente para regularem corn equil(brio os interesses entre o capital e o trabalho, entre o proprietario e o agricultor sem terra. A inseguranca, ou melhor, a incerteza do cumprimento da lei esta na auséncia de uma Justica especializada, no campo, apta a resolver os conflitos surgidos em face das relacOes decorrentes da atividade agraria. Em relack ao comodatario, adotado o mesmo criterio de analogia entre as regras contratuais agrarias e o instituto do comodato, transparecem obriga95es que o contrato tern de contemplar, conforme veremos, imperativas quanto Aguelas que a lei confere ao comodante. 0 art. 41 do Decreto n. 59.566/66 enumera, em seus incisos I a V, as obriga95es deferidas por lei ao arrendatario, sendo estas, as que, compat(veis corn a natureza do comodato, haver5o de exigir-se do comodatario: — usar o imOvel rural, conforme o convencionado, ou presumido, e trata-lo corn o mesmo cuidado como se fosse seu, n5o podendo mudar sua destinack contratual; — levar ao conhecimento do comodante, imediatamente, qualquer ameaca ou ato de turback ou esbulho que contra a sua posse vier a sofrer, e ainda de qualquer fato do qual resulte a necessidade de execucao de obras e reparos indispensaveis a garantia do uso do imOvel rural; — fazer no imOvel, durante a vigencia do contrato, as benfeitorias 6teis e necessarias, salvo convenc5o em contrario, — devolver o imbvel, ao termino do contrato, tal como o recebeu corn seus acessirios, salvo as deterioracaes naturais ao uso regular. 0 comodatario sera responsavel por qualquer preju(zo resuftante do uso predatOrio, culposo ou doloso, quer em relack a area cultivada, quer em relac5o As benfeitorias, equipamentos, maquinas, instrumentos de 139 trabalho e quaisquer outros bens a ele cedidos pelo comodante. Facamos a lguns breves comentarios: Atividade especffica, a atividade agraria realiza-se, fundamentalmente, atravês da acSo humana intencionalmente dirigida a produzir corn a participacão ativa da natureza e a conservar as fontes produtivas naturais. No se confunde, portanto, a atividade agraria, corn as atividades industrials e comerciais, ainda que estas possam estar abrangidas no conceito quando complementares ou conexas a produck. De outra parte, a atividade agraria é aquela que se realiza num imOvel rural, sendo a utilizack do predio riatico que confere a esta tal caracteristica. Por isso, e porque 6 tambem da ess6ncia dos contratos em geral o uso adequado da coisa cedida temporariamente, fica o comodatdrio obrigado a utilizar, conforme conste do contrato, o imOvel cedido em comodato, a ele nk podendo dar, sem que se descaracterize a relack agraria, outro destino que nk o uso e explorack da terra. Se nk se convencionou por escrito, presume-se que o im6vel rural se destina a atividade agraria, em qualquer de suas formas, nk sendo I fcito ao comodatario utiliza-lo para outro fim. Diferente poderia ser o entendimento, por isso que todo o ordenamento jurldico-agrario, em particular a disciplina dos contratos, visa a garantir a utilizack da terra de forma produtiva, para que ela cumpra uma funck social. Tratando-se de comodato agrario, nk podera o comodatkio, sob pena de dar causa a retomada do imOvel, mudar a sua destinack, nem abandonar o cultivo, conforme prescreve o art. 32, inciso V e VI do Decreto n. 59.566/66, regulamentador do Estatuto da Terra. 0 comodatario nk poderã, por forca da prOpria norma cogente, ser desidioso em relack aos cuidados corn o uso e conservack do imOvel. I mpOe-lhe a lei agrkia, como a civil, a obrigack de tratar o bem corn o mesmo cuidado como se fosse seu. Nada mais justo, sem dOvida, do que ter o comodante a certeza de que o seu patrim6nio nk esta sendo destru(do por ac5o ou omissao daquele a quern, graciosamente, o cedeu. 0 comodatario clever-6 levar ao conhecimento do comodante, imediatamente, para que este exerca o direito de ac o, qualquer amea140 ca de turbacao ou esbulho a sua posse, podendo, no entanto, ele prtprio exercer esse direito. A fim de que seja assegurado o uso do imOvel, fica tambern o comodatario obrigado a comunicar ao comodante qualquer fato que resuite em necessidade de execucab de obras e reparos indispensaveis utilizacdo normal do bem. Ao fim do contrato, devera o comodatario devolver ao comodante o bem cedido, tal como o recebeu, e corn seus acess6rios, salvo as deterioracties naturais do uso regular. Se n'ao o fizer, assiste ao comodante o direito de retoma-lo corn amparo no art. 32, inciso I do Decreto n. 59.566/66, que regulamentou o Estatuto da Terra. Por outro lado, ficara o comodatario responsdvel por qualquer prejuizo resultante da pratica de usos predatOrios que atinjam a area cultivada, as benfeitorias, ou os bens mOveis cedidos pelo comodante. Vimos, que o comodato, conquanto instituto de Direito comum, absorve, quando aplicado ao fundo agrario, as regras do Direito Agrario, sujeitando-se o proprietario generoso a impossitividade da norma, pela relevancia do problema do uso e posse da terra para a economia rural, bem assim para a estabilidade social da grande massa de trabalhadores afeitos aos misteres da atividade agraria. Assim, deve o instituto adaptar-sea normatividade jurfdicoagraria, subordinando-se a vontade das panes a do Estado, pelo carater imperativo corn que a lei acrescenta ao vinculo contratual obrigacOes antes inexistentes. A exemplo do que ocorre corn os contratos agrarios em gera I, o comodato agrario devera subordinar-se a clausulas inarredaveis, representadas, fundamentalmente, pelos seguintes to picos: — obrigatoriedade de cläusulas que assegurem a conservecäo dos recursos naturals; — obrigatoriedade de clausulas que assegurem a proteck social e econOmica do comodatario; — irrenunciabilidade dos direitos e vantagens legalmente defin idos; proibicao de usos e costumes predat6rios da economia agricola. Alem da tutela ao economicamente fraco, quis a lei proteger tambêm o outro elemento fundamental da atividade agraria, que é a 141 natureza, o solo corn todos os seus elementos, assegurando a infinitude de suas riquezas. Corn efeito, nas rela95es que os homens estabelecem corn o propOsito de retirar da natureza os recursos indispensaveis a vida e ao conform) humanos, deve-se ter em conta, sempre, ao lado da estabilidade econOrnica e social daquele que fecunda a terra, tornando-a produtiva e Util, a preocupacao corn a inesgotabilidade dos recursos naturals renovaveis, porque seria justo usufruissem os homens, no presente, das benesses da natureza, condenando as gera95es futuras ao amargo desespero da fome ou carència de recursos para uma vida confortavel e amena. Aqui, a nosso ver, urn aspecto interessante e muito caracterlstico dos contratos agrarios, relacionado corn a evolucSo do direito contratual moderno. As regras imperativas de proteck a natureza, visando assegurar a infinitude de suas riquezas, a algo, sem clOvida, que no se restringe ao limitado e estreito interesse das panes, senk que transcende a Orbita individual para proteger o interesse social, numa dimensäo temporal que se projeta para alem da prOpria durack do contrato, porque se destina a prevenir contra as incertezas do futuro. 0 comodato agrario podera aplicar-se nk se) as terras do dorm"nio privado, senk tambem as terras dominica is, patrimoniais ou devolutas, como forma de regularizack provisOria da posse. Justificar-se-ia, corn maior raid°, essa modalidade contratual, no caso especifico das terras devolutas, visto que a Constituick Federal (art. 171, caput) e a Lei n. 6.383, de 6 de dezembro de 1976 pre%teem o instituto da legitimack da posse, segundo o qual os possuidores dessas terras, corn morada habitual e cultura efetiva tem direito a adquiri-las ate o limite de 100 hectares, independentemente do pagamento de preco, isto é, a tilulo gratuito. Se a aquisick da propriedade, in casu, faz-se sem onus para o adquirente, a regularizack previa da posse nao devera processar-se de forma onerosa, afigurando-se-nos o comodato agrario como o instituto adequado para que o Estado, cumprindo preceitos constitucional, assegure ao homem do campo a permanencia na terra em que trabalha. Com efeito, se faltam ao Estado condicaes tecnicas, humanas e financeiras para promover a discriminack das terras pbblicas e efetivar a legitimacao da posse, nada mais natural do que conceder em comoda142 to essas terras a fim de que os seus ocupantes, investidos da posse justa, n5o fiquem a margem do Direito. Aplicado o comodato as terras do dominio publico, impOem-se ao Estado, como sujeito da relac5o, as obrigagOes e limitacaes que a lei agraria prescreve, eis que o objetivo fundamental do Direito Agrario e assegurar proteck Aguele que, inferiorizado economicamente, desbrava a terra tornando-a produtiva e, corn a sua presenca e trabalho permanente, Ihe assegura urn fim econOmico e social. N5o nos furtaremos, ao fim, de proclamar ainda uma vez, neste Semindrio, a necessidade da institucionalizap5o da Justipa Agraria Brasileira. Sem a presenca, no campo, de uma Justica especializada e celere, as leis deste Pas, de proteck a grande massa de brasileiros sem terra, jama is chegar5o a produzir as transformap5es econOmicas e sociais objetivadas, e a Justica Social permanecerl como urn ideal inating(vel. BIBLIOGRAFIA ESPECIFICA BEVILAQUA, CIOvis COdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 4o. vol. Rio de Janeiro, Rio Sociedade Cultural, 1976. LARANJEI RA, Raymundo. Propedeutica do Direito Agrario, Sao Paulo, LTR, 1975. MONTEI RO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vols. 3 e 5. S5o Paulo, Saraiva, 1967. PETTERSEN, Attamir & MARQUES, Nilson. Uso e posse tempordrio da terra; arrendamento e parceria. S5o Paulo PrO-Livro, 1977. RUGGIERO, Roberto. I nstituicOes de Direito Civil, S5o Paulo, Saraiva, 1958. SANTOS, J. M. de Carvalho. COdigo Civil brasileiro interpretado, vol. 15. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1975. SILVA, De Placid° e. Vocabulario Juridic°, vol. 2. Rio de Janeiro, Forense, 1967. 143 TELLES, Inocencio Galvao, Manual dos contratos em geral. Lisboa, s. ed. 1965. Aspectos comuns aos varios contratos. Separate da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2): 22-39, 1950. LEGISLAQAO REFERIDA COdigo Civil Brasileiro Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 30.11.64) -Lei n. 4.947, de 6.4.1966 Decreto n. 59.566, de 14.11.1966. 144 •I{
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